apostila botanica no inverno 2012

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS

Organizadores

Adne Abbud RighiAline Tiemi MatsumuraAline Siqueira NunesBeatriz Nogueira Torrano da SilvaCarlos Eduardo AmancioCintia Iha

Emmanuelle da Silva CostaJanaína Morimoto MeyerJosé Hernandes Lopes FilhoKleber Alves GomesLeonardo Hamachi

Professor Responsável

Cláudia Maria Furlan

Autores

Adne Abbud RighiAlejandra Matiz LopezAlice NagaiAline Tiemi MatsumuraAline Siqueira NunesAndrés Ochoa C. EdgarAugusto César de Barros TombaBeatriz Nogueira Torrano da SilvaBruna Silvestroni PimentelCarmen Eusebia Palacios JaraCarlos Eduardo AmancioCarolina Angélica Araujo de AzevedoCarolina Krebs KleingesindsCarolina Lopes BastosCintia IhaEmmanuelle da Silva CostaFabio Nauer da SilvaFernanda Mendes de RezendeGiuliano Maselli LocosselliGuilherme Marcello Queiroga Cruz

Janaína Morimoto MeyerJanaína Pires SantosJenifer de Carvalho LopesJosé Hernandes Lopes FilhoJonas Weissmann GaiarsaJuliana Hanna Leite El OttraKeyla RodriguesKleber Alves GomesLeonardo HamachiLucas Macedo FelixLuiza Teixeira-CostaMariane Souza BaenaMariana Crotti FrancoNatália RavanelliPaula Natália PereiraPaulo Tamaso MiotoPaulo Marcelo Rayner OliveiraRafael CruzSarah Aparecida SoaresVitor Barão

São Paulo2012

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Botânica no Inverno 2012 / Org. de Adne Abbud Righi...[et al.]. – São

Paulo : Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo, 2012.

183 p. : il.

ISBN 978-85-85658-29-8

1. Botânica. 2. Extensão. 3. Pós-Graduação. I. Righi, Adne Abbud.

II. Título.

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Índice

Índice...............................................................................................................................iApresentação.................................................................................................................iii

1 Estrutura e Desenvolvimento.............................................................................................1

Estrutura e desenvolvimento da raiz..............................................................................3O Caule: um enfoque na atividade cambial.................................................................11Folha: desenvolvimento, estrutura e função................................................................23Estruturas reprodutivas em angiospermas..................................................................43Fitormônios no desenvolvimento vegetal.....................................................................55Metabolismo Secundário..............................................................................................57

2Diversidade e Evolução....................................................................................................65

Interações Planta-Ambiente.........................................................................................67Interação Planta-Planta................................................................................................77Plantas Parasitas..........................................................................................................83A origem do cloroplasto e a evolução dos eucariontes fotossintetizantes..................89Biodiversidade e Ecologia de Macroalgas Marinhas Brasileiras.................................97Estratégias de defesa antioxidantes em macroalgas................................................105O trabalho na taxonomia vegetal e seus principais métodos.....................................111

3Recursos.........................................................................................................................117

Estrutura genômica, sequenciamento e elementos de transposição........................119Biomassa como Fonte de Energia: Biocombustíveis.................................................127Bioinformática.............................................................................................................133Organismos Geneticamente Modificados no contexto da Botânica..........................139Organismos geneticamente codificados e a cultura de tecidos.................................147Biologia Sintética........................................................................................................155Plantas e Sociedade...................................................................................................159Ficocolóides: Polissacarídeos das algas marinhas...................................................169

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Apresentação

O Departamento de Botânica do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP) é cenário de constante aprendizado, troca de conhecimentos, fluxo intenso de alunos de graduação e pós-graduação e muitas, muitas histórias!!! Desde professores eternizados em nomes de plantas aos recém-contratados (que já começam a deixar seus vestígios pelos andares), todos, em uníssono aos alunos de pós-graduação, buscam contribuir para o desenvolvimento cada vez maior da nossa segunda casa! E por que não tornar nossa casa mais acolhedora nos gélidos dias de inverno da capital paulista? E por que não alunos de pós-graduação tornarem-se “professores” e “orientadores” por 15 dias apresentando as diversas linhas de pesquisas desenvolvidas ao longo de tantos anos? Assim começou um curso de extensão universitária do departamento: ‘Botânica no Inverno’.

Na primeira edição do curso a iniciativa dos alunos de pós-graduação logo teve apoio unânime dos docentes do departamento de Botânica, bem como do então diretor do IB-USP, Prof. Dr. Wellington Braz Carvalho Delitti. O empenho de todos (professores e alunos) durante a primeira edição foi tamanha que culminou em enorme sucesso! Neste ano de 2012 contamos com apoio de toda equipe do IB, o atual diretor Prof. Dr. Carlos E. F. da Rocha, o coordenador da pós-graduação Prof. Dr. Renato de Mello-Silva, a chefe do departamento Profa. Dra. Marie-Anne Van Sluys, bem como dos demais docentes, funcionários e discentes. O resultado deste entrosamento de sucesso extrapolou as vagas oferecidas. Contamos com 449 inscritos de quase todo território nacional!!! E também alcançamos outros países da América Latina!!

Além de promover o contato dos alunos de graduação e recém-graduados com laboratórios e linhas de pesquisa do Departamento de Botânica IB- USP, o curso busca revisar, com os alunos de graduação e recém-graduados, conceitos fundamentais de Anatomia Vegetal, Sistemática e Taxonomia, Fisiologia Vegetal, Ficologia, Biologia Molecular, Biologia Celular e Fitoquímica, e ressaltar as intercomunicações de cada sub-área! E, finalmente, o “Botânica no Inverno” é uma tentativa de auxiliar futuros acadêmicos e interessados na área a elaborar perguntas científicas relevantes nos diversos campos da Botânica, tendo em mente sua aplicação em pesquisa científica de base ou aplicada.

Desejamos a todos um excelente aproveitamento do curso e seus desdobramentos!!!

Comissão Organizadora do II Botânica no Inverno

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Estrutura e Desenvolvimento

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Estrutura e desenvolvimento da raiz

Estrutura e desenvolvimento da raizAline Tiemi Matsumura

Paulo Marcelo Rayner Oliveira

Na condição de organismos sésseis, os vegetais apresentam limitações nos mecanismos de fuga, na capacidade de luta, na aquisição de recursos hídricos e nutrientes, além de outras condições adversas impostas pelo ambiente circundante. Dentre estas condições destacam-se os fatores nutricional e hídrico. Em geral as plantas retiram grande parte dos nutrientes do solo, assim como a água.

Em grande parte das plantas, a principal região responsável pela absorção de água e nutrientes é o sistema radicular. Ele também é responsável pelo armazenamento e condução destes, além de ter como função a fixação da planta em seu substrato. Entretanto, cabe ressaltar que, dependendo da espécie, bem como seu habitat, a raiz pode perder parte de suas funções ou adquirir novas. Podemos citar como exemplo as plantas epífitas (como diversos membros da família Bromelliaceae), as quais possuem um sistema radicular rudimentar que confere apenas sustentação, sendo assim toda parte de absorção de água e nutrientes realizada por outros órgãos como folhas e caule. Em alguns casos extremos como no caso de algumas orchidaceaes, a parte aérea da planta é reduzida a tal ponto que as raízes são as responsáveis pela fotossíntese.

O crescimento e desenvolvimento do sistema radicular pode sofrer influência de vários estímulos ambientais tais como a gravidade, luz, umidade, nutrientes, temperatura e resistência física do solo. Dessa forma, a planta deve apresentar características que lhe permitam adaptar-se às condições ambientais impostas, garantindo o máximo de vantagem para seu crescimento e desenvolvimento. Desde o estudo pioneiro de Darwin (1880), estudos fisiológicos e anatômicos acerca do comportamento da raiz modulados por estímulos físicos vêm sendo realizados.

É fato que nas plantas praticamente todos os eventos relacionados ao crescimento e desenvolvimento são regulados por pequenas moléculas orgânicas coletivamente denominadas fitormônios, sendo os principais as auxinas, citocininas, giberelinas, ácido abscísico e o etileno. Ao contrario dos animais, não existem nas plantas órgãos especializados para a biossíntese hormonal, embora possam existir diferenças na capacidade biossintética de cada órgão. Os efeitos dessas moléculas podem ser altamente complexos, pois uma única célula pode responder a vários hormônios simultaneamente e um único hormônio pode atuar em vários tipos de tecido.

Desenvolvimento do sistema radicular

A raiz é um órgão que tem sua formação ainda no estágio embrionário da planta. Esta raiz embrionária é chamada de radícula, que surge através da diferenciação celular que origina o eixo hipocótilo/radícula. Após a germinação e a emergência da radícula, tem início o desenvolvimento e o crescimento do órgão.

A raiz pode ser dividida em três partes: a zona meristemática, zona de alongamento e zona de maturação. A origem destes tecidos está em um grupo de células localizados no meristema apical da raiz, denominado centro quiescente – região com células de baixa taxa mitótica – que é circundado por uma camada de células que apresentam altas taxas de

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divisões mitóticas. Acima deste grupo de células inicia-se a diferenciação nos diferentes tecidos da raiz de acordo com sua posição. Abaixo do centro quiescente forma-se a coifa, um tecido de consistência mucilaginosa com função de proteção do meristema apical radicular.

A zona meristemática é a região responsável pelo crescimento do órgão. É constituída pela protoderme, meristema fundamental e procâmbio, que dão origem, respectivamente, à epiderme, córtex e ao cilindro vascular.

A epiderme é o tecido de revestimento da raiz. Acima da zona de divisão celular (quando o xilema se encontra parcialmente maduro) ocorre a expansão das células epidérmicas em pelos radiculares, que aumentam a superfície de contato otimizando a absorção.

O córtex origina a exoderme (abaixo da epiderme) e a endoderme (camada mais interna), esta última apresentando uma faixa de suberina denominada estria de Caspary, responsável por impedir a passagem de água e solutos entre as células. Tanto a epiderme quanto o córtex são perdidos em plantas que apresentam crescimento secundário.

No cilindro vascular o tecido mais externo é o periciclo, de onde se originam as raízes laterais. A maturação tanto do xilema quanto do floema é centrípeta. O xilema forma projeções em direção ao periciclo (protoxilema) e diferencia-se em metaxilema no centro. Os polos de protoxilema se revezam na extremidade com o protofloema. Em alguns casos, quando o xilema não se diferencia no centro este é ocupado pela medula (tecido meristemático).

Figura 1 - Esquema geral dos tecidos da raiz primária. Ao lado direito esquema simplificado de um corte transversal na zona meristemática (abaixo) e após a maturação dos tecidos vasculares (acima).

Sabe-se que o crescimento radicular deriva-se de dois eventos primários básicos: de um lado as divisões das celulares meristemáticas apicais, e de outro pelo processo de

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alongamento das células filhas. No nível físico das células o alongamento celular é direcionado pela interação entre a turgescência e a expansão da parede celular, evento este mediado pelo hormônio auxina.

A auxina é tida como hormônio do crescimento, por ser uma das suas principais funções. Na raiz, sua atuação pode variar de acordo com o local em questão. Na região apical, a auxina atua no controle do processo de divisão das células que circundam o centro quiescente e na diferenciação celular. No entanto na zona de alongamento, como o próprio nome sugere, a auxina desempenha o seu papel principal que é promover o alongamento das células.

Além disso, a auxina participa na organogênese. No sistema radicular este hormônio promove a iniciação das raízes laterais. Este processo ocorre a partir do transporte polar de forma basípeta deste hormônio, ou seja, da parte aérea para a parte radicular. Este transporte é feito através de transportadores que promovem dois eventos, o influxo e o efluxo. O influxo de auxina é mediado por proteínas denominadas AUX/LAX, enquanto que o efluxo é mediado por proteínas denominadas PIN. Sabe-se que a auxina induz a síntese de um outro hormônio chamado etileno, que se apresenta na forma de gás. Em virtude do transporte polar da auxina, ocorre um aumento no gradiente de deste hormônio, induzindo por sua vez a síntese de etileno. Isto gera um acúmulo de etileno na região próxima ao meristema. Por consequência, tem-se uma redução na capacidade de difusão da auxina ocasionando também um acúmulo deste hormônio na região. Em resposta a este acúmulo de auxina algumas células do periciclo, responsivas a este hormônio, entram em processo de divisão e diferenciação, dando origem ao primórdio radicular.

Entretanto, não somente a auxina e o etileno participam deste processo, sendo outro hormônio participante a citocinina. Na raiz este hormônio atua de forma antagônica à auxina. Isso impede que uma quantidade de auxina além do necessário chegue ao ápice meristemático e provoque fortes alterações na região.

Todavia vale lembrar que o antagonismo ou a sinergia entre a auxina e a citocinina é dependente do balanço endógeno destes dois hormônios.

Sabe-se que o principal centro produtor de citocinina na planta são as raízes, da mesma forma que acontece com o ácido abscísico (ABA). O ABA é uma molécula produzida principalmente quando a planta se encontra em uma situação que possa comprometer o seu crescimento e/ou desenvolvimento como, por exemplo, submetida ao déficit hídrico, altas concentrações de sal, baixas temperaturas, entre outros. Uma das mais clássicas atuações do ácido abscísico é a sinalização para o fechamento estomático.

Coordenação no crescimento do sistema radicular

Ao fazer uma analise comparativa entre a parte aérea e a parte radicular, é notável a existência de eventos bastante similares como, por exemplo, os tropismos. Dentre todos serão destacados o gravitropismo (crescimento em resposta à gravidade), o tigmotropismo (crescimento em resposta ao toque, ou seja, resposta às barreiras mecânicas) e o hidrotropismo (crescimento em resposta aos níveis de água disponíveis).

Em uma primeira análise temos o hidrotropismo, que é o crescimento direcionado a regiões com maior conteúdo disponível de água. Nesta mesma vertente, temos o tigmotropismo, que é o direcionamento do crescimento em sentido contrário a barreiras

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mecânicas como solos compactados, rochas ou até mesmo raízes de outras plantas.

De um modo mais detalhado temos o gravitropismo. A percepção do estímulo gravitrópico é medida pelos estatólitos, amiloplastos especializados na percepção do estímulo gravitacional. Da mesma forma, existem células especializadas na percepção da gravidade, as quais alocam os estatólitos, denominadas estatócitos. Basicamente, a percepção do estímulo à resposta gravitrópica é gerenciada pela sedimentação dos estatólitos na superfície inferior dos estatócitos. Estas estruturas estão presentes principalmente na coifa.

O principal hormônio que atua na resposta gravitrópica é a auxina. Até onde se sabe, o transporte lateral da auxina gera uma taxa de alongamento celular diferenciada. Em síntese, o lado onde há uma menor concentração de auxina cresce mais do que o lado de maior concentração. Isso ocorre devido ao fato de que a concentração hormonal que induz o alongamento celular estaria supra-ótimo, acarretando uma inibição do alongamento celular e, consequentemente, moldando a raiz e gerando uma curvatura que vai direcionar o crescimento do órgão.

Outro elemento que também parece ser um fator bastante importante é o nível de cálcio. Acredita se que o cálcio possa provocar um rearranjo dos transportadores de auxina, direcionando o fluxo deste hormônio para a parte inferior da raiz, resultando na resposta gravitrópica.

Com tudo isso, é notável a complexidade do processo de crescimento e desenvolvimento do sistema radicular. Ainda há muito a se fazer para que novos avanços sejam feitos e uma gama de dúvidas sejam solucionadas no que se refere aos processos fisiológicos envolvidos na morfologia e anatomia das raízes, assim como as interações ambientais que medeiam tais processos.

Absorção de água e manutenção do potencial hídrico em raízes

Diversos eventos da planta dependem da absorção e transporte de água. A água possui propriedade polar que a torna um excelente solvente. Além disso, ela permite a estabilidade da temperatura da planta, já que a água exige uma alta energia para sua temperatura ser alterada. A transpiração (evaporação das moléculas da superfície que acumulam energia do sol) também é um importante componente para a termorregulação das plantas, necessária também para absorção de CO2 e transporte de nutrientes.

A água se direciona no solo e na planta guiada pelo potencial hídrico. O potencial hídrico é a energia potencial da água em relação a um estado padrão. A água migra de uma região de maior potencial para uma menor. O potencial hídrico é a soma do potencial de massa ou pressão hidrostática (depende do volume de água em um mesmo espaço; é positiva quando a células está túrgida, por exemplo) e o potencial de soluto ou pressão osmótica (quanto maior a concentração de soluto menor o valor, pois ele reduz a energia da água).

Como citado anteriormente, as raízes possuem pelos que aumentam a superfície de absorção. Em geral, a absorção é maior nos tecidos próximos aos ápices (tecido mais jovem), permitindo que novas raízes sejam capazes de buscar e absorver água. Uma vez dentro da raiz a água pode entrar pela raiz de 3 formas (ver figura 2):

• Apoplástica: neste caso, a água não atravessa membranas, passando pelas paredes celulares ou qualquer espaço extracelular.

• Simplástica: a água passa via plasmodesmas (extensões da membrana que conectam os

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Estrutura e desenvolvimento da raiz

citoplasmas da célula).

• Transmembrânica: a água atravessa a membrana semipermeável, sem o auxílio de plasmodesmas.

Ao chegar na endoderme, a água deve passar obrigatoriamente pela estria de Caspary, já mencionada, que impede o transporte via apoplasto, forçando a passagem pela membrana plasmática. Uma vez no xilema, ela é encaminhada para as folhas, por onde é perdida na forma de vapor pelo estômato. Os espaços intercelulares na mesofilo (ver capítulo de Folha) facilitam o direcionamento da água contra a gravidade, pois geram uma diferença de potencial hídrico.

O xilema facilita o transporte porque suas células sofrem morte programada e espessamento da parede, permitindo que a planta suporte altas pressões. As células são conectadas via pontoações (falta de parede secundária que permite a conexão entre células via plasmodesmas), facilitando a passagem de água. Quando o ar consegue passar pela endoderme pode ocorrer interrupção do fluxo de água (cavitação), neste caso ela passa por outra conexão da célula adjacente.

Um fenômeno comum durante a noite é a pressão positiva da raiz. Neste caso, as raízes acumulam solutos no xilema, forçando a água a migrar para dentro pelo potencial de soluto. Essa pressão gerada pode desobstruir as células que sofreram cavitação. Esse fenômeno pode ser observado nas folhas no início do dia, quando a seiva do xilema é exsudada pelos poros nas folhas.

Absorção e transporte de nutrientes

Além de transportar água, as raízes também transportam outros nutrientes juntos. Podemos separá-los em orgânicos (mais utilizado na agricultura) e inorgânicos. Os nutrientes inorgânicos são mais comuns no solo, pois em geral a presença de diversos microorganismos que competem pelos nutrientes orgânicos os tornam menos disponíveis.

Os principais nutrientes para as plantas, considerados essenciais por participarem do metabolismo ou estrutura da planta, podem ser classificados em macronutrientes, presentes em grandes concentrações no tecido vegetal (N, K, Ca, Mg, P, S e Si) e micronutrientes, necessários em menores concentrações (Cl, Fe, B, Mn, Na,

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Figura 2: Possíveis rotas de absorção de água.

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1. Estrutura e Desenvolvimento

Zn, Cu, Ni, Mo). Os obtidos pelo gás carbônico ou água geralmente não entram nesta classificação (C, O, N). A falta ou excesso destes nutrientes costumam acarretar sintomas na planta. Reconhecer qual mineral está provocando o distúrbio na planta é essencial para a agricultura, entretanto, não é algo tão simples, na medida em que a falta de um componente pode induzir deficiência ou acúmulo de outro no organismo. No caso da deficiência, uma pista importante é a mobilidade dos nutrientes na planta, pois os imóveis geram deficiência local enquanto os móveis são visíveis em tecidos mais velhos, já que eles remobilizam os nutrientes escassos para os tecidos jovens. Dependendo da espécie e do nutriente, podem existir diferenças de qual região cada um deles é absorvido pela raiz.

A morfologia da raiz também depende da disponibilidade destes nutrientes. Sabe-se que o nitrogênio e o fósforo são os principais macronutrientes limitantes ao crescimento. A disponibilidade de nitrogênio e fósforo podem alterar a arquitetura da raiz inibindo ou promovendo o crescimento da raiz principal e o crescimento e formação de raízes laterais. Em Arabidopsis thaliana, altas concentrações globais de nitrogênio inibem o crescimento tanto da raiz primária como laterais, enquanto sua falta promove o alongamento de raízes laterais. Entretanto, altas concentrações locais são capazes de promoverem o crescimento da raiz lateral. Cabe ressaltar que o efeito da falta ou excesso de nitrogênio depende da sua fonte (nitrato, amônio, compostos orgânicos etc), do ambiente e da espécie de planta a ser estudada. O principal hormônio envolvido neste processo é a citocinina, que sinaliza o estado nutricional da planta para a parte aérea, desta forma modulando seu crescimento em função da disponibilidade de nitrogênio.

O excesso de fósforo promove o desenvolvimento da raiz primária, enquanto sua falta promove o desenvolvimento de raízes laterais. Como o fósforo é um nutriente de baixa mobilidade, sua disponibilidade no solo é reduzida, justificando as mudanças que sua falta causa na arquitetura da raiz. Entretanto, pouco se sabe ainda sobre os mecanismos de regulação envolvidos neste processo.

Dependendo do ambiente, as plantas possuem algumas adaptações para captação de nutrientes. Um exemplo são plantas carnívoras, que obtém os nutrientes escassos no solo através de armadilhas que capturam pequenos animais. Outro são plantas que se associam com fungos ou bactérias. Em troca de carboidratos, as plantas recebem nutrientes ou água, caracterizando uma relação simbiótica. A associação com fungos é denominada micorriza, ocorre em condições naturais e é distribuída em quase todos os grupos. Já na associação com bactérias o caso mais comum são o das plantas leguminosas, que formam nódulos nas raízes da planta hospedeira e fornecem compostos nitrogenados fixados do ar atmosférico.

A nível celular, os nutrientes entram nas células vegetais através de proteínas transportadoras. Apenas a água e muito raramente íons são capazes de atravessar as camadas de fosfolipideos, o restante sendo transportado por proteínas inseridas nestas camadas. O transporte pode ocorrer por 3 formas:

• Dependente de energia (ATP), sendo chamadas de ATPases ou bombas de ATP.• Canais, ou proteínas transmembranas nas quais moléculas e íons podem se

difundir. • Cotransportadores, proteínas que não atravessam completamente a membrana e

são mais seletivos.O transporte por canais é sempre passivo, ou seja, sem gasto de energia. A

única forma de regulação é a abertura e o fechamento, que dependem de sinais como luz ou hormônios. Um canal muito estudado são as aquaporinas, que permitem a passagem de água para dentro das células de forma acelerada. Sabe-se atualmente que elas não são específicas para moléculas de água, podendo transportar desde

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Estrutura e desenvolvimento da raiz

gases a pequenas moléculas de outras substâncias, como a uréia.O transporte por cotransportadores dependem da sua ligação com o substrato.

Em geral, a taxa de transporte neste caso é muito mais lenta que seu transporte pelo canal. A ligação do soluto gera uma mudança na conformação na membrana, permitindo sua entrada na célula. O transporte pode ser passivo ou ativo. No transporte ativo a molécula entra na célula contra o seu gradiente de concentração. A energia vem de uma diferença de potencial elétrico ou químico, provindo de um segundo soluto.

Em geral, o nitrato, o cloro, o fosfato e o sulfato entram na célula por transporte ativo, enquanto o sódio, magnésio e cálcio entram de forma passiva.

Bibliografia

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Livros didáticos

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Kerbauy, G.B. 2008. Fisiologia Vegetal. 2 ed. Guanabara Koogan.

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O Caule: um enfoque na atividade cambial

O Caule: um enfoque na atividade cambialCarolina Lopes Bastos

Giuliano Locosselli

Seja ele uma estrutura de morfologia complexa, com diferentes padrões anatômicos e múltiplas funções, ou apenas um órgão de sustentação para as porções fotossintetizantes e reprodutivas das plantas, o caule é uma estrutura de grande importância no contexto da biologia vegetal. São diversos os estudos da anatomia, fisiologia, e morfologia externa deste órgão, que pode estar altamente modificado em sua estrutura, assumir função fotossintetizante, crescer em espessura e formar madeira, ou continuar herbáceo durante todo o desenvolvimento da planta. Neste capítulo, algumas características caulinares serão abordadas, com um enfoque na atividade do câmbio vascular, seja ela padrão ou variante, e nos hormônios responsáveis por essa atividade, bem como no registro dendrocronológico da atividade deste tecido tão importante.

Crescimento primário

O caule em crescimento primário é formado por três sistemas de tecidos: dérmico, constituído pela epiderme; fundamental, que no caule corresponde ao córtex, composto por parênquima, colênquima e/ou esclerênquima, e à medula, formada principalmente por parênquima medular; e o vascular, composto por xilema e floema primários (Esau, 1974).

No caule, a epiderme permanence como tecido de revestimento até que seja substituída pela periderme em plantas com crescimento em espessura (crescimento secundário) ou se mantém dessa forma durante todo o desenvolvimento do vegetal, em plantas herbáceas.

O córtex caulinar começa logo abaixo da epiderme e tem no periciclo (a camada mais externa do cilindro vascular) o seu limite; pode ser composto por células parênquimáticas, geralmente com cloroplastos; um colênquima também pode estar presente, em geral externo ao parênquima, com espessamentos na parede primária de diversos tipos em suas células; e em alguns grupos, pode haver esclerênquima no córtex, ou mesmo esclereídes de diversos tipos dispersos por esta região do caule. A endoderme também está presente no caule, com ou sem estria de Caspary, como a camada mais interna do córtex. Já a medula é formada por células parenquimáticas em maioria, com espaços intercelulares amplos em geral, e pode conter também estruturas secretoras, como também pode ocorrer no córtex (Esau, 1974).

O cilindro vascular caulinar é composto por xilema e floema primários, bem como periciclo, neste estágio do desenvolvimento do vegetal. A forma como estes tecidos estão organizados no cilindro vascular, desde o periciclo até a medula, quando presente, é conhecida por estelo, e permite-nos esquematizar a estrutura do caule e da raiz em crescimento primário, além de estudar comparativamente a diversidade desta estruturação.

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1. Estrutura e Desenvolvimento

Figura 1 - Esquema exemplificando dois dos tipos de estelos mais comuns em Dicotiledôneas e Monocotiledôneas. Note que existem mais tipos de estelos para ambos os grupos, como protostelos, do tipo haplostelo, actinostelo e plectostelo, sifonostelos ectoflóicos e anfiflóicos, dictiostelos, atactostelos, etc., que não foram mostrados no esquema com fins de simplificação (Esquema: Bastos, CL).

Atividade cambial

Com a colonização do ambiente terrestre pelas plantas, uma série de mudanças estruturais e funcionais ocorreu nos vegetais. Devido à imobilidade e às novas demandas ambientais, sistemas de proteção contra a dessecação, de absorção de água e nutrientes do solo, de transporte eficiente de assimilados e suporte mecânico se desenvolveram. O sistema vascular foi uma das principais inovações para o sucesso do estabelecimento e expansão das plantas superiores. Nas dicotiledôneas lenhosas e coníferas, o xilema e floema secundários são produzidos pela atividade do meristema lateral denominado câmbio.

O câmbio é formado por uma camada de células denominadas iniciais cambiais, que são divididas em duas categorias, as iniciais fusiformes e as radiais. As iniciais fusiformes são células alongadas no eixo axial, que se dividem e formam as células do sistema axial pertencentes ao floema e ao xilema. No floema, as células derivadas das iniciais fusiformes formarão os elementos de tubo crivado, células companheiras e células parenquimáticas em dicotiledôneas lenhosas, e células crivadas, células de Strasburger e células parenquimáticas em coníferas. Já no xilema, as iniciais fusiformes formarão elementos de vaso, fibras e células do parênquima axial nas dicotiledôneas lenhosas e traqueídes e células do parênquima axial nas coníferas. Por outro lado, as iniciais radiais formarão as células que compõem o raio parenquimático, tanto nas dicotiledôneas lenhosas quanto nas coníferas.

Estas células especializadas que se originaram a partir das iniciais cambiais possuem

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O Caule: um enfoque na atividade cambial

um importante papel na manutenção das espécies no ambiente terrestre. Elas garantem a condução contínua de água desde o solo até as folhas, permitem que os foto-assimilados possam ser transportados a diferentes partes do vegetal e ainda garantem o suporte mecânico de toda a porção aérea das plantas.

Variações cambiais

Tipos de variações

Além de sua atividade padrão no caule, de produção de células do xilema secundário para o interior do órgão e células do floema secundário para o exterior, o câmbio vascular pode desempenhar sua função de outras formas, ou mesmo estar ativo em vários locais ao mesmo tempo. As variações cambiais podem ser de vários tipos, e podem ocorrer em árvores, como Avicennia (Acanthaceae), arbustos (algumas espécies de Bignonicaeae, Menispermaceae, etc), herbáceas (a raiz da beterraba, Beta vulgaris (Amaranthaceae), por exemplo), mas principalmente em lianas (a ordem Fabales, Sapindaceae, Bignoniaceae, Malphighiaceae, Menispermaceae, Apocinaceae, Rubiaceae, Icacinaceae, Acanthaceae, entre outras famílias) (Esau, (1974), Angyalossy et al. (2012)).

As variações cambiais estão presentes ao longo da filogenia das plantas vasculares, segundo Angyalossy e colaboradores (2012), sendo encontradas desde Gnetales até Magnoliídeas e Eudicotiledôneas, mas de formas diferentes em cada grupo. As variações cambiais são divididas em dois grupos principais: variações originadas de um único câmbio, ou aquelas advindas de múltiplos câmbios (Angyalossy et al., 2012).

No primeiro tipo, em que apenas um câmbio é responsável pela variação encontrada, temos ainda subtipos (Angyalossy et al., 2012):

a) Câmbio regular, com atividade normal, mas com conformação irregular ou desigual, gerando um caule de formato irregular.

Famílias em que ocorre: Apocynaceae, Leguminosae and Rubiaceae.

Figura 2. Aspidosperma sp. (Apocynaceae) e outra liana ilustram a variação cambial produzida por um único câmbio de produção padrão mas forma irregular (Fotos: Bastos, CL, material gentilmente cedido por Angyalossy, V)

b) Xilema interrompido por arcos ou cunhas de floema.

Famílias em que ocorre: Bignoniaceae, Celastraceae, Malpighiaceae e Icacinaceae.

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1. Estrutura e Desenvolvimento

Figura 3. Lianas de Bignoniaceae ilustrando a variação cambial do tipo cunhas de floema (Fotos: Bastos, CL, material gentilmente cedido por Angyalossy, V).

c) Segmentos compostos por elementos axiais do xilema e do floema separados por largas porções de raios floemáticos e xilemáticos.

Famílias em que ocorre: Aristolochiaceae e Menispermaceae.

Figura 4. Exemplo de lianas com variação cambial em que o xilema e o floema ficam segmentados, por conta dos largos raios. À esquerda, Aristolochiaceae, e à direita, outra liana com a mesma estruturação (Fotos: Bastos, CL, material gentilmente cedido por Angyalossy, V).

d) Floema incluso no xilema, derivado de um único câmbio.

Família em que ocorre: Acanthaceae.

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O Caule: um enfoque na atividade cambial

Figura 5 - Esquema ilustrando um caule com floema incluso (Esquema: Bastos, CL)

No segundo tipo, em que múltiplos câmbios são responsáveis pela formação da variação encontrada, existem dois sub-tipos, segundo Angyalossy et al. (2012):

a) Câmbios sucessivos.

Famílias em que ocorre: lianas de Menispermaceae e algumas Fabales.

Figura 6. Exemplos de câmbios sucessivos em uma Leguminosa (esquerda) e outra liana em que este tipo também ocorre (Fotos: Bastos, CL, material gentilmente cedido por Angyalossy, V).

b) Cilindros vasculares compostos.

Família em que ocorre: exclusivo de Sapindaceae.

Figura 7. Caules compostos em Sapindaceae (Fotos: Bastos, CL, material gentilmente cedido por Angyalossy, V).

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1. Estrutura e Desenvolvimento

Podem acontecer também combinações de mais de um tipo de variação cambial. Alguns exemplos citados por Angyalossy et al. (2012) são: Bignoniaceae e Malpighiaceae com cunhas de floema e partes do xilema dispersas por proliferação de parênquima; em Piperaceae, elementos vasculares axiais em segmentos combinados a cilindros secundários externos, entre outros exemplos.

Figura 8 - Exemplo de combinação de variações cambiais em Leguminosae. Caule de formato irregular (achatado) e com câmbios sucessivos (Fotos: Bastos, CL, material gentilmente cedido por Angyalossy, V)

Cabe ressaltar que, para algumas famílias, algumas variações cambiais podem ser utilizadas para fins taxonômicos, como acontece em Sapindaceae, Menispermaceae, e lianas de Bignoniaceae (Angyalossy et al., 2012).

A fisiologia da variação cambial: injúrias e flexibilidade

Como já mencionado acima, as variações cambiais são mais comuns em lianas que em espécies de qualquer outro hábito. Enquanto a maioria das árvores exibe um modelo padrão de crescimento secundário, com um único câmbio produzindo floema para o exterior e xilema para o interior, as lianas apresentam várias configurações vasculares alternativas (Schenck, 1893; Pfeiffer, 1926; Obaton, 1960).

Em estudos realizados por Putz & Holbrook (1991), comparando-se lianas e plântulas de espécies arbóreas, as lianas mostraram-se três vezes mais flexíveis em experimentos de torção que as arbóreas. A capacidade das lianas de manter o xilema funcional após uma deformação (sua resistência), também foi muito maior nas lianas que em espécies arbóreas (Putz & Holbrook, 1991). A compartimentalização dos caules das lianas, onde tecidos lignificados, relativamente inflexíveis, estão associados a tecidos não lignificados (macios), pode permitir às lianas funcionar mais como cabos do que como cilindros sólidos (Obaton, 1960; Putz & Holbrook, 1991), garantindo flexibilidade e maior resistência à dobras e contorções que ocorrem durante seu crescimento em direção ao dossel (Ewers & Fisher, 1991)

Em uma revisão de trabalhos acerca de injúrias naturais ou induzidas experimentalmente em caules de lianas, Fisher & Ewers (1991) atestaram que esta anatomia caulinar “anômala” de algumas famílias permite a divisão ordenada do caule e a rápida reparação de interrupções vasculares causadas por injúrias, além do aumento da flexibilidade já comentada. Ou seja, a presença de variações cambiais pode ser associada a diversas funções nos vegetais; além das já citadas, podemos adicionar a melhor condução de fotossintatos (Pace et al., 2011) e o desenvolvimento xilemático (Lima et al., 2010).

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O Caule: um enfoque na atividade cambial

Controle hormonal da atividade cambial

Como em todo processo de desenvolvimento, a atividade cambial é finamente regulada pelos sinais hormonais. A atividade cambial é sinalizada pela presença integrada de, principalmente, auxina (AIA) giberelinas (GA) e citocininas. Cada um destes hormônios é produzido em uma parte da planta e é transportado até a região cambial, onde modulará a atividade deste meristema secundário.

A auxina é produzida especialmente pelas folhas jovens. Este hormônio move-se de forma polarizada nos tecidos vasculares, em especial, através do câmbio e elementos vasculares em diferenciação. O movimento basípeto da auxina cria um gradiente de concentração ao longo do câmbio, sendo as regiões mais próximas a fonte, as com a maior concentração, e as mais distantes, com a menor contração de auxina.

A auxina é um dos principais hormônios responsáveis pela atividade cambial. A presença deste hormônio induz o início das divisões celulares das iniciais cambiais. O desenvolvimento das células derivadas, provenientes da divisão das iniciais cambiais, e as características das células maduras depende pode depender da ação de outros hormônios, que somente agem na presença da auxina.

Os produtos da atividade cambial, floema e xilema secundários, dependem da concentração da auxina na zona cambial. Altas concentrações de auxina determinam a produção de floema preferencialmente. Por outro lado, concentrações menores de auxina resultam numa produção maior de xilema. Diferenças nas concentrações de auxina, além de determinar o produto da atividade cambial, também influenciam as características das células produzidas. Uma concentração relativamente maior de auxina estimula o rápido amadurecimento das células produzidas pelo cambio, o que significa uma deposição acelerada da parede secundária e lignina. Com a deposição da lignina, a expansão celular fica mais restrita já que diminui a plasticidade das células derivadas. Como um resultado do estimulo do amadurecimento das células, o gradiente de concetração de auxina, desde a fonte até os drenos, resulta num gradiente de variação dos tamanhos das células produzidas pelo câmbio, em especial as células condutoras do xilema.

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1. Estrutura e Desenvolvimento

Figura 9 - Esquematização do gradiente de concentração de auxina dentro de uma árvore, desde a fonte aos drenos. A) Representação de uma árvore, contendo a copa, o tronco principal e as raízes. B) Representação da do gradiente de concentração de auxina. C) Representação da variação das dimensões dos elementos de vaso em diferentes porções do xilema, conforme o gradiente de concentração de auxina.

Já as giberelinas são produzidas pelas folhas maduras, e são transportadas através do floema para outros órgãos das plantas. As giberelinas possuem um importante papel no estimula da atividade cambial, sendo relacionada à formação e ao desenvolvimento de fibras no xilema. Uma maior concentração de giberelinas estimula a formação de uma maior quantidade de fibras a partir das iniciais cambiais. Porém, a giberelina somente age na presença de uma concentração mínima de auxina.

Por fim, as citoquininas possuem um papel sobre a atividade cambial considerado incerto até o momento. A citoquinina é produzida nos ápices radiculares é transporta pelo fluxo de água no xilema resultante da transpiração foliar.

Registro do produto da atividade cambial e dendrocronologia

A interação entre as ações de cada hormônio produzido em diferentes partes das plantas modula os produtos da atividade cambial, ficando assim, a fisiologia da planta registrada especialmente no lenho. A anatomia pode ser considerada como uma evidência, e um registro, da fisiologia da planta num determinado momento de sua vida. Esta relação temporal do registro fica mais evidente quando são analisadas sob a perspectiva dos anéis de crescimento presentes no xilema.

A dendrocronologia tem como objetivo primordial estudar a sequência de anéis de crescimento em plantas lenhosas para determinar o ano calendário de formação de cada um deles (Stokes & Smiley 1996). Por mais trivial que seja este objetivo, a datação dos anéis de crescimento abre um leque de possibilidades, já que as plantas podem manter, no lenho, um registro biológico de grande parte dos eventos que influenciaram o seu crescimento ao longo da vida.

Como registro natural, os anéis de crescimento são considerados um dos mais

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O Caule: um enfoque na atividade cambial

precisos. Esta confiança na datação provém da elaboração das cronologias de crescimento baseadas na replicação populacional e em métodos estatísticos robustos.

A dendrocronologia é uma ciência recente, em amplo desenvolvimento. Seus primeiros laboratórios foram estabelecidos na América do Norte e na Europa por volta da década de 1920, os quais tinham como principal objetivo datar artefatos históricos e arqueológicos com base nas sequências de anéis de crescimento. A partir da década de 1970, a dendrocronologia passou a ser utilizada para responder uma variada gama de questões científicas, desde compreensão da ecologia de algumas espécies, até a reconstrução climática do último milênio, sob o olhar das mudanças climáticas (Scweingtruber 1996).

Pressupostos da dendrocronologia

Anéis de crescimento visíveis

Qualquer estudo de dendrocronologia inicia-se com a identificação dos anéis de crescimento. Esses são camadas sucessivas, concêntricas, presentes na madeira, demarcada por variações na anatomia do lenho. Basicamente, são demarcados por traqueídes achatadas e de parede mais espessa nas coníferas, e por uma disposição variada de estruturas anatômicas nas angiospermas (Figura 10).

Estas disposições podem ser caracterizadas por uma redução gradual, ou abrupta, dos diâmetros dos vasos, ou pela presença de uma faixa de parênquima marginal, ou uma camada fibrosa, entre outras. Os anéis podem ser delimitados pela presença de uma ou mais destas características.

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Figura 10- Exemplos de anéis de crescimento em uma espécie de conífera: Podocarpus lambertii Klotzsh ex Endl. (A preparação histológica e B preparação macroscópica) e numa espécie de angiosperma: Hymenaea courbaril L. (C preparação histológica e D preparação macroscópica).

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1. Estrutura e Desenvolvimento

Anéis de crescimento anuais

Para que uma espécie possa ser utilizada num estudo de dendrocronologia, ela precisa possuir anéis de crescimento que são formados a cada ano. Somente assim, a atribuição de um ano calendário ao anel de crescimento poderá ser realizada.

Anéis de crescimento sensitivos

Os anéis de crescimento podem ser classificados quanto à sensitividade: em complacentes e sensitivos. Os anéis considerados complacentes possuem pouca variação no tamanho ao longo de uma série de crescimento, enquanto que os anéis sensitivos possuem uma grande variação na dimensão ao longo do lenho.

Ambientes com condições de crescimento próximas do ótimo induzem um crescimento anual praticamente constante, o que resulta em anéis complacentes. Já ambientes com uma condição mais estressante de crescimento tendem a produzir anéis mais sensitivos. Como exemplos de ambientes que produzem anéis sensitivos (ideais para coleta de amostras), podem ser listados: locais com grande drenagem (encostas de morro, solos com altas concentrações de silte e areia, solos rasos), ambientes com grande demanda evaporativa (cerrado e caatinga), solos pobres em nutrientes, locais com propensão ao congelamento, entre outros.

Este parâmetro pode ser medido e indexado com o cálculo da sensitividade média, a qual é uma medida da variância do tamanho dos anéis de crescimento. A sensitividade média varia numa escala de 0 a 1, na qual os valores entre 0 e 0.19 são considerados baixos, e portanto os anéis tendem a ser complacentes. Valores entre 0.20 e 0.29 são considerados intermediários, e acima de 0.30, são sensitivos e ideais para uma análise dendrocronológica.

Figura 11 - Comparação entre anéis de crescimento considerados sensitivos e os complacentes (modificado, Stokes & Smiley 1996).

Sinal comum

Os anéis de crescimento sensitivos precisam possuir um padrão de crescimento (também definido como sinal) comum numa população. Este padrão de crescimento é o

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O Caule: um enfoque na atividade cambial

utilizado na datação cruzada, para a atribuição de um ano calendário a cada anel de crescimento.

Datação cruzada

O processo de datação cruzada é o cerne de qualquer trabalho de dendrocronologia. O objetivo dela é a identificação do padrão comum de crescimento na população, o qual resulta na construção de uma cronologia mestre para a datação. Durante este processo, há apenas dois problemas que podem ser enfrentados, a presença de anéis de crescimento faltantes ou a presença de anéis de crescimento falsos. A identificação e correção destes dois problemas são essenciais ao sucesso do processo de datação cruzada.

Figura 12. Tipos de problemas que podem ser identificados em cronologias de anéis de crescimento: anéis faltantes (no caso confluentes) e anéis falsos (camadas de crescimento que foram formadas em algum momento durante a estação de crescimento).

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9 anos

8 anos7 anos

6 anos

Anel falsoAnel confluente

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1. Estrutura e Desenvolvimento

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Folha: desenvolvimento, estrutura e função

Folha: desenvolvimento, estrutura e funçãoAline Siqueira Nunes

Leonardo HamachiMariane Sousa BaenaPaula Natália PereiraPaulo Tamaso Mioto

Rafael Cruz

A folha é um órgão de grande importância para a planta por ser o principal responsável pela realização da fotossíntese. Ao longo do Curso de Inverno, serão abordados vários de seus aspectos, em dois módulos subsequentes: na Parte I trataremos da estrutura foliar, com considerações sobre a evolução, ontogênese, forma e anatomia desse órgão; na Parte II será visto sua função com abordagens sobre o papel da folha no corpo vegetal. A aula começará abordando o surgimento das folhas nas primeiras plantas terrestres e, então, como as folhas se desenvolvem a partir do meristema apical caulinar, realizam suas funções quando completamente desenvolvidas e, por fim, como se dá o processo de senescência foliar. Ao considerarmos a planta como um todo, observamos que há um período inicial no qual a folha necessita de um aporte de energia e matéria orgânica para que possa crescer. Aos poucos ela passa a ser capaz, através da fotossíntese, de produzir carboidratos que serão enviados para o restante da planta. A partir de certo ponto a folha começa a entrar em processo de senescência, no qual a maior parte dos seus componentes é exportada para tecidos mais jovens. Todos esses processos são finamente regulados nas plantas, o que permite que elas mantenham sua homeostase.

Parte I

Origem das plantas terrestres e as primeiras folhas

As primeiras evidências de vegetais terrestres encontradas são esporos, datados de 460 milhões de anos, cuja morfologia sugere que foram produzidos por plantas parecidas com hepáticas. Por volta de 420 milhões de anos atrás, fósseis mostram que as plantas ainda apresentavam uma estrutura bastante simples com ramos aéreos já providos de células condutoras de água, sendo um fóssil de Cooksonia o primeiro registro de planta vascular encontrado. As primeiras plantas terrestres não possuíam folhas, sendo compostas apenas de estruturas caulinares e, de acordo com a teoria do teloma de Zimmermann, as folhas teriam surgido através de uma redução de um sistema de ramos laterais. Primeiramente, houve uma modificação da estrutura dicotômica para a formação de um eixo principal e ramos laterais (overtopping). Em seguida, os ramos que se posicionavam formando uma estrutura tridimensional ficaram restritos a apenas um plano (planation) e, por fim, tecido parenquimático fotossintetizante começa a se formar entre os ramos, ligando-os (webbing), Figura 1.

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1. Estrutura e Desenvolvimento

Figura 1-Esquema ilustrando o surgimento das folhas a partir de uma planta ancestral que apresentava apenas ramos segundo a teoria do teloma. A. Planta formada apenas por ramos, com padrão de ramificação dicotômico. B. Planta formada de um eixo principal e ramos laterais. C. Os ramos sofrem uma modificação em sua estrutura, estando agora posicionados em apenas um plano. D. Concrescimento de tecido parenquimático (em cinza) entre os ramos, formando a lâmina foliar.

Plantas com folhas evoluíram há 410 milhões de anos e os microfilos de Baragwanathia longifolia foram as primeiras estruturas foliares encontradas no registro fóssil. Durante o período Devoniano (~420-350 milhões de anos) ocorreu uma explosão de diversidade nas plantas e surgiram características que possibilitaram que plantas terrestres, antes ocupando apenas áreas úmidas, pudessem colonizar áreas mais secas. Nesse período, folhas de formas mais complexas evoluíram a partir de folhas incipientes e, como conferiam uma vantagem adaptativa ao ambiente terrestre, foram mantidas ao longo da evolução. Atualmente podemos dividir as folhas em simples ou compostas, sendo que as folhas simples possuem lâminas foliares inteiras e as folhas compostas apresentam a lâmina subdividida em folíolos. A subdivisão da lâmina foliar em folíolos maximiza a área fotossintética e diminui a tensão mecânica potencial que uma superfície única e inteira, como as lâminas simples, sofreria. Atualmente, quase todas as plantas vasculares possuem folhas e as espécies afilas (sem folhas) evoluíram através de perda secundária a partir de um ancestral que possuía folhas. Entretanto, as plantas afilas, em geral, desenvolveram outras estratégias fotossintéticas como caules ou raízes fotossintetizantes.

Diferentemente dos animais, que apresentam crescimento fechado e determinado, os vegetais apresentam crescimento aberto e indeterminado. A forma geral que vemos nos animais adultos é determinada no início do desenvolvimento e uma vez que os animais se tornam adultos (capazes de se reproduzir), sua forma não mudará muito ao longo de sua vida. Por outro lado, as plantas continuam a crescer por toda a vida e sua forma geral não é definida na fase embrionária. Dessa forma, seu desenvolvimento é dito indeterminado. Além disso, seu número de partes não é fixo (é, na maior parte das vezes, impossível predizermos quantos galhos ou folhas uma árvore adulta possuirá) sendo assim também denominado aberto. Os animais, ao contrário, têm uma forma corporal pré-programada e com número de partes definido (por exemplo, seres humanos terão cinco dedos em cada mão), sendo considerados, portanto, de crescimento fechado. As plantas têm essa capacidade de crescer durante toda a sua vida devido à retenção, na fase adulta, de regiões meristemáticas com potencial pra se multiplicar e formar tecidos. Essas zonas meristemáticas, denominadas meristema apical caulinar (MAC) e meristema apical radicular são posicionadas cedo no desenvolvimento. Um embrião vegetal é muito simples quando comparado ao de um animal,

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Folha: desenvolvimento, estrutura e função

consistindo basicamente da radícula, hipocótilo, cotilédones, meristema apical caulinar e meristema apical radicular. É a partir da atividade desses dois meristemas apicais que todo o corpo da planta adulta se forma após a germinação da semente e mutações que suprimem a formação de um deles, em geral, são fatais.

Especificamente, a arquitetura primária das partes aéreas da planta é derivada do meristema apical caulinar, o qual produz folhas, internós e gemas axilares. Diferenças aparentemente simples na iniciação do órgão a partir do MAC podem resultar em morfologias dramaticamente divergentes. Dessa maneira, a organização e manutenção do meristema continuam a ser uma questão fundamental nos estudos de desenvolvimento das plantas.

Ontogênese foliar

O desenvolvimento foliar pode ser dividido em quatro estágios: iniciação, diferenciação inicial, desenvolvimento do eixo da folha e, por fim, origem e histogênese da lâmina foliar. A iniciação da folha ocorre por meio de divisões que ocorrem em um pequeno grupo de células lateralmente situadas em relação ao ápice do caule, o que resulta na formação do primórdio foliar. Este primórdio, que consiste em uma protoderme, uma região central de tecido fundamental e procâmbio tem a forma de um pequeno cone, com a face adaxial achatada. As células apicais do primórdio foliar apresentam diferenciação relativamente rápida, sendo grande parte do crescimento no sentido próximo-distal dado por crescimento intercalar. O crescimento em comprimento do eixo é acompanhado pelo aumento na largura, como resultado de divisões celulares na região adaxial, proporcionando um aumento em volume do primórdio foliar. Feixes vasculares acessórios podem se desenvolver a partir dessa região.

O desenvolvimento da lâmina foliar ocorre durante o crescimento em comprimento e espessura do primórdio por meio de células das margens que continuam a se dividir, formando a blastozona/meristema marginal. O crescimento marginal varia entre as regiões do primórdio foliar de modo que, nas folhas pecioladas, tal crescimento é reprimido na base, da qual se originará o pecíolo. A partir de divisões de células iniciais marginais, originam-se os tecidos da lamina foliar (epiderme, mesofilo e tecidos vasculares).

Trabalhos recentes, com base em anatomia e biologia molecular, têm descrito etapas em três fases: iniciação, morfogênese primária e expansão e morfogênese secundária. A iniciação foliar a partir dos flancos do meristema apical caulinar é um processo ainda não completamente entendido, porém sabe-se que mutações que o afetam têm um impacto dramático na forma final da folha e que muitos aspectos da morfologia foliar são determinados nessa fase inicial de desenvolvimento. As primeiras mudanças detectadas no MAC são um pico de auxina e um afrouxamento das microfibrilas de celulose da parede celular na região do meristema onde estará posicionado o futuro primórdio. Essa mudança na consistência das microfibrilas se deve a expressão aumentada de genes ligados à produção de expansina, uma proteína que regula a extensibilidade da parede celular, e é necessária para que o primórdio foliar possa emergir do meristema. Outro marcador do local de iniciação são os genes KNOX, que se expressam no MAC, porém são reprimidos no local da iniciação do primórdio na fase em que nenhuma mudança morfológica é observada ainda no MAC. O meristema apical caulinar é uma estrutura radialmente simétrica e a iniciação de órgãos laterais, num padrão filotático, implica na quebra dessa simetria, o que segundo as teorias mecânicas da filotaxia (mechanical phyllotactic theories) ocorreria devido a uma diferença

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de tensão entre a camada L1 e os tecidos subjacentes. De acordo com essas teorias, as forças mecânicas teriam um papel fundamental na definição do local de iniciação do primórdio. Porém, para entender as forças de tensão é necessário entender o papel do turgor, as propriedades da parede celular, a arquitetura do citoesqueleto e o processo de crescimento de uma maneira geral. Entretanto, entender a regulação genética de todos estes processos tem se mostrado uma tarefa bastante complicada. Desta forma, não é um consenso entre pesquisadores que a contribuição das forças mecânicas na determinação da filotaxia seja fundamental. O termo morfogênese primária é usado para descrever os processos que estabelecem a forma básica da folha, relacionada à sua simetria e sub-regiões. Na fase de expansão e morfogênese secundária ocorre aumento na superfície e no volume final da folha, cuja expansão pode ser isométrica ou alométrica, podendo o órgão manter ou alterar a forma estabelecida durante a morfogênese primária.

Figura 2-Secção longitudinal do ápice caulinar de Coleus sp., mostrando o meristema apical, primórdios foliares e gemas axilares.

Genética molecular do desenvolvimento foliar

Recentemente muitos progressos têm sido feitos no entendimento dos mecanismos moleculares que regulam o desenvolvimento das folhas. Duas famílias de fatores de transcrição são conhecidas por estarem envolvidas no controle do desenvolvimento foliar, os genes KNOTTED-like da classe 1 (KNOX1) e os genes LEAFY/FLORICAULA (LFY/FLO).

Os genes KNOX1 são conhecidos por seu papel importante na manutenção da indeterminação dos tecidos do MAC (sua expressão mantém os células em estado meristemático), porém análises moleculares indicam que os genes KNOX1 também se expressam durante o desenvolvimento de folhas compostas. Neste tipo de folha a expressão dos genes KNOX1 faz com que os tecidos se mantenham por mais tempo em estado meristemático, conferindo às folhas uma capacidade maior de crescimento indeterminado. Este tempo mais longo de indeterminação do primórdio é necessário para que as elaborações da lâmina, como folíolos e lobos, possam se desenvolver. Os genes KNOX1 estão envolvidos no desenvolvimento das folhas compostas de quase todas as linhagens de eudicotiledôneas analisadas até o momento e uma exceção importante nessa tendência de expressão do gene KNOX1 no primórdio de folhas compostas é observada em Pisum (ervilha), onde este gene não se expressa nos primórdios nem em folhas mais velhas. Em Pisum, os tecidos são mantidos em estado indiferenciado por mais tempo através da expressão do gene LFY/FLO e

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mutações neste gene fazem com que a folha de ervilha se torne simples.

Existem vários genes que são antagonistas ao KNOX1 e LFY/FLO, pois promovem a diferenciação dos tecidos onde se expressam. Este é o caso dos genes que controlam o estabelecimento da polaridade abaxial-adaxial nas folhas. As folhas possuem tecidos bastante diferentes nas faces abaxial e adaxial, que desempenham funções distintas. Na face adaxial, comumente, encontra-se uma camada de parênquima paliçádico, que otimiza a fotossíntese e uma camada espessa de cutícula sobre a epiderme. Em geral, na face abaxial encontra-se o parênquima lacunoso e um maior número de estômatos, que regulam as trocas gasosas e a transpiração. Toda essa diversidade de tecidos é gerada a partir da expressão de muitos genes, que além de serem antagonistas ao KNOX1 e LFY/FLO também são antagonistas entre si. Em geral, genes que se expressam na face adaxial reprimem a expressão de genes que se expressam na face abaxial e vice-versa. Mais especificamente a polaridade abaxial-adaxial é estabelecida pela repressão mútua entre os genes HD-ZIPIII e o gene KANADI. Experimentos mostram que mutantes que não expressam algum dos genes de identidade abaxial ou adaxial desenvolvem folhas que não possuem lamina foliar e são aciculiformes (que lembram gavinhas ou espinhos). Assim, o estabelecimento correto da polaridade abaxial-adaxial é necessário e, pode-se dizer, um pré-requisito para que ocorra a expansão da lâmina foliar. A expansão da lâmina foliar e também a diferenciação dos tecidos diversos que a compõem foram adaptações que maximizaram a fotossíntese ao mesmo tempo em que minimizaram a perda de água para o ambiente, sendo assim importantes inovações para a conquista do ambiente terrestre pelas plantas.

A forma da folha

Embora alguns padrões do desenvolvimento foliar pareçam ser comuns em plantas vasculares, diferenças na ontogênese, em vários aspectos, levam a uma gama de formas finais distintas que tornam a folha o órgão vegetativo mais plástico dentre as traqueófitas, adquirindo grande importância em estudos taxonômicos, ecofisiológicos e na área de genética molecular do desenvolvimento, visto que é um ótimo modelo para investigar a regulação gênica fina devido a toda a variação de formas.

Na maioria das plantas vasculares encontramos associada à axila da folha uma gema de estrutura semelhante ao ápice caulinar, podendo assumir atividade semelhante a este e dar origem a um ramo. Ela pode ser facilmente identificada à vista desarmada ou com o auxílio de uma lupa tornando-se a melhor estrutura capaz de individualizar uma folha morfologicamente. Esta característica, no entanto, surgiu tardiamente dentro da filogenia das traqueófitas e plantas como as licófitas, monilófitas e cicadófitas não apresentam gemas axilares. Consequentemente, também não possuem este tipo de ramificação.

Uma vez individualizada, a forma da folha pode ser melhor entendida subdividindo-a em uma porção conhecida como lâmina (mais apical e geralmente expandida) e uma porção conhecida como base (associada à inserção da folha no caule) morfoanatomicamente distintas. A base da folha comumente é cilíndrica em não monocotiledôneas, sendo chamada de pecíolo (e, mais especificamente, de estipe nas samambaias). Em monocotiledôneas a base costuma ser expandida e envolvente, sendo chamada bainha. Ambas as estruturas podem co-ocorrer na base (uma bainha proximal e pecíolo distal) e não são exclusivas destes grupos (há monocotiledôneas pecioladas e não monocotiledôneas com bainhas). A base ainda pode ser imperceptível morfologicamente e a folha é assim chamada séssil. Projeções laterais da base podem surgir nos primeiros estágios de formação da folha, sendo chamadas

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de estípulas, que podem assumir diversas funções. Geralmente ocorrem aos pares, mas possuem morfologia bastante variável. Em gramíneas é comum ainda o surgimento de uma projeção adaxial entre a bainha e a lâmina foliar conhecida como lígula, também de morfologia variável. Em algumas plantas, principalmente leguminosas e marantáceas, um intumescimento do pecíolo conhecido como pulvino ocorre e está relacionado ao movimento da lâmina foliar de velocidade variável, desencadeado por higroscopia e/ou potencial elétrico, relacionado à proteção da folha ou à melhor captação de luz.

A lâmina foliar pode assumir diversas dimensões, de milímetros a metros. Varia muito em sua simetria, podendo ser desde perfeitamente simétrica bilateralmente até completamente assimétrica. Algumas folhas são curtas, semelhantes a escamas e relacionadas à proteção de gemas: os catafilos. Outras acumulam uma grande quantidade de água, sendo suculentas. Algumas são cilíndricas, o que muitas vezes está relacionado a um crescimento adaxial muito incipiente durante a ontogênese. Folhas relacionadas a estruturas reprodutivas muitas vezes são diferentes das demais e chamadas de brácteas.

Numa lâmina foliar expandida geralmente o tecido vascular é facilmente perceptível, traçando vários padrões. Numa primeira classificação, podemos dividi-las em grandes grupos: folhas uninérveas (uma única nervura, como geralmente presente nas licófitas), com venação dicotômica (comum nas plantas com sementes, exceto em angiospermas), com venação reticulada (geralmente com uma nervura central distinta e nervuras laterais que partem desta e se conectam, formando uma trama com terminações livres, comuns em angiospermas não monocotiledôneas) e com venação paralela (as nervuras correm paralelamente da base ao ápice da folha com poucas conexões entre ela e sem terminações livres, condição comum em monocotiledôneas).

A folha como um todo ou suas partes (lâmina, folíolo, estípulas) podem sofrer modificações muito especializadas a determinadas funções. Estas modificações podem ser as gavinhas, geralmente alongadas, cilíndricas e, muitas vezes, com crescimento helicoidal, relacionado à escalada em um suporte (plantas trepadeiras). Podem também ser cilíndricas e alongadas, mas muito lignificadas e geralmente pontudas, relacionadas à proteção e conhecidas como espinhos. Espinhos podem facilmente ser confundidos com acúleos, também pontudos, que são apenas projeções da epiderme e tecido subjacentes, mas não relacionados à modificação de um órgão como um todo e, portanto, sem topologia tão bem definida como os espinhos. Em plantas carnívoras, a lâmina foliar pode ser modificada em armadilhas de invertebrados apressórias, adesivas, suctórias ou em forma de jarro e liberam enzimas proteolíticas necessárias para a carnivoria.

As estruturas foliares podem ser glabras ou possuírem um grande número de tricomas (pilosas), de funções diversas. Seus pigmentos podem estar regularmente presentes em toda a lâmina dando-a uma cor geralmente verde, devido à clorofila. No entanto, com a presença de outros pigmentos e disposição diferencial destes, de plastídeos e de tricomas, que influenciam na reflexão luminosa, a folha pode apresentar cores diferentes na face abaxial e adaxial. As diferenças de cores ainda podem formar manchas, listras, pontos ou outras formas em uma mesma face e a folha é dita variegada.

Ao longo da evolução, em diversos momentos, a lâmina foliar sofreu divisão, individualizando folíolos e dando origem às folhas compostas. Uma folha com dois ou três folíolos é dita bi ou trifoliolada, respectivamente. Se a folha tem mais de três folíolos, eles podem partir todos de um mesmo ponto e a folha é palmada (em forma de palma) ou possuírem um eixo cilíndrico alongado (raque) no qual os folíolos se inserem sendo pinada

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(em forma de pena). Se uma folha pinada tem folíolos terminais pares, é paripinada. Se possuir um único folíolo terminal, é imparipinada. Há ainda folhas com um único folíolo, denominadas unifolioladas, derivadas evolutivamente de uma condição composta, com uma articulação na base do folíolo como testemunha desta redução de número de folíolos. Filogeneticamente as folhas compostas podem ter origem por lobação gradual da lâmina foliar com um aprofundamento tão intenso dos lobos que estes atingiram a nervura principal gerando os folíolos (divisão), outra hipótese é que elas tenham surgido por homeose. Diz-se que ocorreu homeose quando no local de formação de um determinado órgão, outro órgão ou características de outro órgão são expressos. Dessa maneira, as folhas compostas teriam surgido através de uma alteração no padrão de desenvolvimento das folhas simples, e várias estruturas simples (folíolos) teriam se formado onde uma lâmina foliar única deveria ser produzida (multiplicação). Nesse caso, as estruturas simples seriam como folhas simples sendo produzidas por uma estrutura caulinar, assim características caulinares estariam sendo expressas no desenvolvimento das folhas compostas, que por sua vez teriam uma identidade mista, sendo um órgão intermediário entre caule e folha. Assim como a lâmina simples pode portar modificações da base, os folíolos podem ter modificações de segunda ordem associadas a eles, como peciololos, pulvínulos e estipelas (respectivamente pecíolos, pulvinos e estípulas de segunda ordem).

No ápice caulinar, os espaços entre o surgimento de um primórdio e outro subsequente podem vir a se alongar, dando origem, na maturação a um internó, que na planta adulta pode ser identificado como as regiões caulinares que separam os pontos de inserção de folhas: os nós. No entanto, alguns desses espaços podem não vir a se alongar e mais de uma folha pode ocupar o mesmo nó. A esta disposição chamamos de filotaxia e pode ser alterna (uma folha por nó), oposta (duas folhas por nó, sendo geralmente uma folha posicionada a 180° em relação à outra do mesmo nó) ou verticilada (três ou mais folhas por nó). Uma folha alterna pode estar disposta em relação à anterior em um mesmo lado do caule (monóstica), em dois ou três lados do caule (dística ou trística) ou em tantos lados que chegam a formar uma espiral, vista do alto do ramo (espiralada, comumente presente em rosetas). Em folhas opostas, comumente os pares de folhas estão posicionados a 90° em relação ao anterior, vistas do alto do ramo (opostas cruzadas) ou no mesmo plano (opostas dísticas). Uma planta pode apresentar regularmente folhas muito semelhantes ou estas podem variar em forma (junto ao nó e internós associados) e neste caso, a planta apresenta heterofilia. Se a variação é em relação à idade da planta (por exemplo, indivíduos juvenis apresentam uma determinada morfologia e indivíduos adultos, outra) a planta apresenta heteroblastia.

Deve-se atentar ao fato de que condições intermediárias não só existem como são bastante comuns na natureza e as categorizações humanas não conseguem refletir toda a magnitude realística existente. Toda esta diversidade morfológica está relacionada às funções fisiológicas da planta, é determinada por processos evolutivos atuantes ao longo de milhões de anos e foi gerada por alterações nos padrões de ontogênese das primeiras plantas vasculares.

Anatomia foliar

As folhas, de modo geral, compartilham muitas similaridades quanto aos tecidos que as formam, de modo que a diversidade anatômica observada entre os diversos tipos foliares está principalmente relacionada à organização desses tecidos na constituição do órgão. Em

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linhas gerais, a anatomia foliar consiste em sistema de revestimento composto por epiderme, tecido fundamental da lâmina foliar diferenciado predominantemente em mesofilo parenquimático e sistema vascular distribuído na forma de nervuras. Embora a maior parte das folhas apresente uma lâmina ampla e relativamente fina, algumas podem apresentar características muito diversas, podendo ser espessas e suculentas ou mesmo tubulares, como a cebolinha. Toda gama de formas e modos de vida têm sua correspondência na anatomia, mas ainda que sejam encontradas diversas particularidades entre os tipos foliares observados na natureza, a anatomia foliar reflete as principais atribuições desse órgão: fotossíntese e respiração.

Epiderme: células de paredes anticlinais justapostas sem espaços intercelulares, superfície externa recoberta por cutícula e presença de estômatos configuram as principais características da epiderme foliar (Figura 3A). Como região limítrofe entre os tecidos foliares e o ambiente externo, a epiderme possibilita penetração da luz para a realização da fotossíntese e trocas gasosas com o meio ao mesmo tempo em que protege os tecidos internos de agressões externas, como injúrias e principalmente perda de água por transpiração. Frequentemente é formada por uma única camada de células isodiamétricas, com parede celular primária e delgada que pode ter contorno retilíneo ou sinuoso em maior ou menor grau, dependendo da espécie, da face da folha, ou mesmo das características ambientais às quais está exposta. Entretanto, podem ocorrer folhas com epiderme multisseriada e com paredes lignificadas, neste caso, com a função de refletir ao ambiente o excesso de radiação solar recebida em sua superfície.

Tricomas tectores e glandulares são estruturas frequentes geralmente relacionadas à proteção (Figura 3B). Os tricomas tectores apresentam grande diversidade de formas e funções variadas, como proteção contra o dessecamento e radiação solar excessiva; os glandulares apresentam células que produzem e/ou armazenam substâncias químicas que em muitos casos configuram proteção à herbivoria. Existem, ainda, estruturas com funções mais específicas, como os tricomas escamiformes das bromélias, que têm a função de captar vapor de água disperso no ar.

Estômatos ocorrem mais comumente na face abaxial das folhas (hipostomáticas), como uma forma de minimizar a transpiração excessiva, mas há espécies com folhas anfietomáticas (Figura 3C) e epiestomáticas. Algumas xerófitas apresentam cutícula notavelmente espessa (Figura 3A) e estômatos localizados no interior de invaginações da epiderme (criptas), o que ajuda a minimizar os efeitos da baixa humidade relativa do ar.

Mesofilo: principal tecido fotossintetizante das folhas. É predominantemente parenquimático e apresenta abundância de cloroplastos, podendo ter aspecto homogêneo ou estar organizado em parênquima paliçádico e lacunoso (Figura 3). O parênquima paliçádico é formado por uma ou mais camadas de células prismáticas alongadas e densamente agrupadas, dispostas perpendicularmente à superfície da lâmina (Figura 3A e D). Em muitas mesófitas o parênquima paliçádico localiza-se justaposto ou próximo à epiderme na face adaxial da folha, sendo esta denominada dorsiventral (Figura 3A e D). Em folhas de xerófitas, esse tecido pode ocorrer em ambas as faces da lâmina, o que a caracteriza como isobilateral. O parênquima paliçádico aparenta ser um tecido arranjado em células bem justapostas quando observado em uma secção transversal de folha, mas a partir de cortes paradémicos podemos observar que este apresenta arranjo mais frouxo, e dessa forma, possibilita a passagem de parte da luz recebida pela superfície para os demais tecidos foliares.

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O parênquima lacunoso apresenta células de formatos variados e vacúolos grandes e um sistema de amplos espaços intercelulares (Figura 3 A, D e G). Esta disposição favorece a passagem da luz captada pela superfície adaxial e sua distribuição entre o parênquima clorofiliano, mas a principal característica desse tecido é que o arranjo espaçado entre as células amplia a superfície de contato entre estas e o ar presente no interior da folha, o qual está em continuidade com a atmosfera através, principalmente, dos estômatos. Em crassuláceas é notável a presença de mesofilo homogêneo na região da face adaxial formado por células prismáticas finamente justapostas, sem espaços intercelulares expressivos (Figura 3E). As células deste tipo foliar apresentam vacúolos especialmente grandes, dispondo-se em um arranjo compactado. Neste caso, há otimização no uso do gás carbônico produzido durante a fotossíntese, reduzindo a necessidade de liberação ao meio externo.

Em folhas suculentas é comum a presença de mesofilo disposto em muitas camadas de células, com região central ocupada por parênquima armazenador de água, rodeado por parênquima clorofiliano (Figura 3F); em algumas espécies o parênquima armazenador pode estabelecer contato com a epiderme no ápice da folha, constituindo um verdadeiro túnel translúcido que permite a passagem de luz e sua captação pelo tecido clorofiliano circundante. Esta estrutura é uma característica das chamadas window leaves (folhas-janelas) e é de grande importância especialmente para plantas que vivem em ambientes áridos e apresentam a maior parte de seu corpo enterrada no solo, para proteger-se do calor excessivo.

Sistema vascular: ocorre na forma de nervuras interligadas e entremeadas no mesofilo, compostas predominantemente por feixes colaterais de xilema e floema primários. No padrão reticulado característico de folhas que apresentam lâmina ampla (como a maioria das angiospermas não monocotiledôneas) em secção transversal observamos, geralmente, uma nervura central de grande dimensão e nervuras secundárias periféricas relativamente menores (Fig. 3G e H). O padrão de venação paralela é observado em folhas longas (Figura 3I), típicas de monocotiledôneas, nas quais observamos, em secção transversal, feixes vasculares semelhantes entre si dispostos lado a lado por toda a extensão do corte. Em muitos casos há feixes de fibras alternados com os feixes vasculares, dando maior sustentação ao órgão.

Os feixes vasculares foliares apresentam normalmente xilema primário voltado para a face adaxial, como uma continuidade do traço foliar observado no caule. Em folhas pecioladas, os feixes vasculares da lâmina podem confluir em um único feixe em direção ao pecíolo. Muitas vezes ocorrem cordões de esclerênquima associados aos feixes vasculares formando projeções que fazem conexão com a epiderme em ambas as faces da folha (Figura 3J). Os feixes vasculares paralelinérveos são envolvidos pela bainha do feixe, composta de parênquima (Figura 3I) podendo apresentar esclerênquima. É comum a presença de colênquima ou esclerênquima nas regiões da nervura central em continuidade com o pecíolo e no bordo foliar, com a função de sustentar uma ampla lâmina foliar (Figura 3 G, H e J).

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Figura 3-Secções transversais de diferentes tipos foliares. A e B – Capparis yco (Capparaceae), região do mesofilo; C – Drosera sp. (Droseraceae), região da nervura central; D – Avicennia sp. (Acanthaceae), região do mesofilo; E – Encholirium sp. (Bromeliaceae); F – (Xanthorrhoeaceae); G – Guatteria sp. (Annonaceae); H – C. yco, nervura central; I – Zea mays; J – C. yco, região do bordo foliar.

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Parte II

A fotossíntese

Um dos principais processos fisiológicos que ocorre na folha madura é a fotossíntese, fonte de quase toda a biomassa existente no planeta. Os primeiros experimentos com plantas relacionados a este fenômeno datam de 1648, quando Johannes Baptista Von Helmont colocou uma árvore de chorão (Salyx sp.) com aproximadamente 2 kg para crescer em um pote contendo 90 kg de terra (a terra pesada seca). Depois de cinco anos a árvore pesava 72 kg, mas ele não detectou diferenças de massa nos 90 kg de terra seca. Sua conclusão (parcialmente correta) foi de que, para crescer, a planta retirou toda sua massa da água. Apesar de Von Helmont receber o crédito por um dos primeiros experimentos envolvendo fotossíntese, alguns historiadores argumentam que essa foi uma imitação de outro experimento feito cerca de 200 anos antes por Nicolau de Cusa.

Quase um século depois, em 1771, Joseph Priestley deixou uma planta dentro de um frasco vedado com uma vela queimando. Após pouco tempo a vela apagou e não podia mais ser acesa. Depois de esperar por quase um mês, ele acendeu a vela (usando a luz do sol refletida em espelhos) e ela queimou normalmente. Sua conclusão foi que, de alguma forma, as plantas alteram a composição do ar. Foi dele também o famoso experimento de colocar um camundongo em um frasco vedado e observar que ele morria rapidamente (deixando o ar “viciado”, segundo as palavras dos cientistas da época). Ao colocar o camundongo junto com uma planta notou-se que ele vivia por mais tempo. Concluiu-se que as plantas tinham a capacidade de “desviciar” o ar do frasco.

Quinze anos mais tarde, baseado nesses experimentos, Jan Ingen-Housz descobriu que se o frasco fosse coberto de modo a não deixar entrar luz, a planta também “viciava” o ar. Conclusão: para que a planta possa “desviciar” o ar é necessário que haja luz – no escuro ela se comportaria de maneira semelhante a um animal. Assim, já no final do século XVIII, as bases para entender a fotossíntese haviam sido lançadas, relacionando o consumo de CO2

e a emissão de O2 das plantas com a luz. Hoje em dia já existe um vasto conhecimento acerca do processo de fotossíntese, englobando as mais diversas áreas da Biologia.

Apesar de comumente ser resumido a uma reação química, o processo da fotossíntese é muito mais complexo. Didaticamente, esse fenômeno pode ser dividido em duas etapas: a etapa fotoquímica e a etapa bioquímica. É importante ressaltar que, apesar dessa divisão, os dois processos não são independentes. No entanto, para facilitar a compreensão, as duas etapas serão abordadas separadamente.

A etapa fotoquímica acontece nos tilacoides, que são estruturas formadas por um sistema de membranas presente nos cloroplastos. De fato, esse processo não poderia ocorrer em outro lugar, porque envolve um represamento de prótons (H+) no espaço interno dos tilacoides para impulsionar a formação de ATP. O ATP gerado aqui vai ser usado junto com o NADPH na etapa bioquímica, abordada a seguir. Mas como esses compostos, tão custosos em termos de energia, são gerados?

Nas membranas dos tilacoides existem dois complexos proteicos denominados fotossistema I e fotossistema II, baseado na ordem em que foram descobertos. Cada fotossistema é composto de um grupo de moléculas chamado de complexo antena e um centro de reação. Quando a luz incide nos pigmentos contidos nos complexos antena, fótons se chocam com os elétrons dessas moléculas deixado-os energizados. A energia é então

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transferida para o centro de reação. Com essa grande quantidade de energia que chega, a molécula de clorofila que aí se encontra perde um elétron, que terá que ser reposto imediatamente. No caso do fotossistema II, que é onde a cadeia começa, o elétron será proveniente da fotoxidação de uma molécula de água. Com a quebra dessa molécula, ocorrerá a liberação do oxigênio observada já há tanto tempo. O elétron perdido pelo fotossistema II vai passar por várias proteínas de membrana, perdendo energia. Quando chegar ao fotossistema I ganhará um novo “impulso” até ser incorporado a uma molécula de NADP+, gerando NADPH. A energia dissipada no transporte dos elétrons vai ser usada no bombeamento de H+ para o espaço interno dos tilacoides, gerando um forte gradiente eletroquímico. Esse gradiente vai sendo desfeito por uma proteína que também está na membrana dos tilacoides, chamada H+-ATPase. A ATPase vai desfazer o gradiente de H+ e usar essa energia para a síntese de ATP. Ao final da etapa fotoquímica, portanto, teremos a produção de ATP e NADPH. A ordem da cadeia de transporte de elétrons, incluindo os carregadores de elétrons que não foram citados acima é a seguinte: fotossistema II plastoquinona citocromo b 6f plastocianina fotossistema I ferredoxina ferredoxina-NADPH redutase NADP +.

Uma vez gerados, o ATP e o NADPH serão usados para impulsionar a etapa bioquímica da fotossíntese, também conhecida como ciclo de Calvin. É nesta etapa que ocorre a assimilação do CO2, através da ação da enzima ribulose 1,5 bifosfato carboxilase oxigenase (abreviada para Rubisco). Ao final desse processo, serão geradas moléculas com três carbonos chamadas de trioses-fosfato que mais tarde serão convertidas em açúcares (com seis carbonos). Note que depois de assimilado o CO2, a primeira molécula estável que se forma contém três carbonos. Por isso as plantas que operam exclusivamente nesse tipo de fotossíntese são chamadas de C3. Porém, a Rubisco não tem apenas a função de carboxilase. Ela também pode funcionar como oxigenase, sendo que essas duas funções competem pelo mesmo sítio ativo da enzima. Quando a Rubisco funciona como oxigenase, ela desencadeia um ciclo que “desperdiça” cerca de 25% do CO2 assimilado, chamado de fotorrespiração. Esse processo é intrigante, já que, apesar de ninguém saber exatamente a sua função, parece ser indispensável para as plantas. Existem outros dois tipos de fotossíntese nos quais o primeiro composto estável formado tem quatro carbonos: a fotossíntese C4 e o metabolismo ácido das crassuláceas (CAM).

A fotossíntese C4 é um mecanismo de concentração de CO2, que aumenta a eficiência de carboxilação da Rubisco porque diminui a sua atividade de oxigenase (Imagine um cabo de guerra entre a concentração de CO2 e de O2 – quando uma delas aumenta muito, a atividade da Rubisco vai acabar pendendo para esse lado). É comum em plantas pioneiras ou de crescimento rápido. Para que o ciclo C4 ocorra, é necessário que a planta tenha uma anatomia especial, chamada de anatomia Kranz (coroa, em alemão). Nessas plantas, os cloroplastos (e, consequentemente, a clorofila) são mais abundantes em células que estão na região da bainha vascular. As células ao redor dessas (células do mesofilo) são capazes de assimilar o CO2 na forma de ácido orgânico, que é levado até as células da bainha e descarboxilado lá, liberando novamente o CO2. A enzima que faz a primeira assimilação do CO2 no mesofilo é a fosfoenolpiruvato carboxilase e a enzima responsável pela descarboxilação dos ácidos orgânicos é, na maioria dos casos, a enzima málica. Assim, as células da bainha ficam com uma concentração muito alta de CO2, minimizando a fotorrespiração.

O CAM é um mecanismo dedicado principalmente à conservação de água. É muito

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comum em ambientes com limitação de água – não só desertos, mas ambientes nos quais a planta não tem contato com a água do solo, como o ambiente epifítico. Essas plantas são capazes de abrir os estômatos somente à noite (quando a umidade relativa do ar é mais alta) e assimilar CO2 na forma de ácidos orgânicos. Os ácidos acumulados durante a noite serão descarboxilados de dia, provendo as células com CO2 mesmo com os estômatos fechados. É interessante que essas plantas utilizam as mesmas enzimas de carboxilação e descarboxilação das plantas C4, a fosfoenolpiruvato carboxilase e a enzima málica. Como essas plantas abrem os estômatos apenas nos períodos de maior umidade, a perda de água é drasticamente reduzida. O controle estomático, portanto, é um processo que está intimamente ligado à fotossíntese e à capacidade de sobrevivência das plantas.

Rotas Fonte Dreno

A folha atinge sua maturidade fotossintética ainda jovem, quando seu desenvolvimento se encontra a aproximadamente de 30 a 50% completo. Nesse estágio o órgão em questão passa a desempenhar o papel de uma folha ou órgão-fonte, pois é capaz de produzir fotossintatos, principalmente carboidratos e compostos nitrogenados, suficientes para a sua manutenção e para exportar a todos os outros órgãos que não são capazes de atender às suas próprias demandas metabólicas, denominados dreno.

Nesse momento, a entrada de fotoassimilados na folha-fonte é bloqueada e novas vias de transporte são abertas para suprir os drenos. Esse processo se inicia na porção apical da folha e se estende sentido base a medida que os tecidos se tornam maduros. Sendo assim, ao nível de órgão, a porção apical da folha passa a exportar seiva elaborada para a porção basal imatura da folha. Enquanto, ao nível de organismo, as folhas maduras exportam para folhas que se encontram em fase inicial de desenvolvimento e todos os outros drenos da planta. Convencionou-se chamar esse trajeto da seiva elaborada de rotas fonte-dreno.

Essas rotas dependem de alguns fatores como (1) a proximidade: as folhas maduras superiores exportam seiva para o meristema apical caulinar em crescimento e folhas jovens imaturas, folhas inferiores exportam para o sistema radicular enquanto folhas intermediárias exportam em ambas as direções. (2) O desenvolvimento: durante o desenvolvimento da parte vegetativa da planta os principais drenos são os ápices caulinares e radiculares, durante a fase reprodutiva, os principais drenos são as flores e os frutos. (3) As conexões vasculares: as folhas estão geralmente conectadas a órgãos superiores e inferiores dentro de um certo limite de distância ao longo do eixo longitudinal da planta que depende da espécie, essa ligação é chamada de orstóstico.

A perda de alguma folha, por predação ou poda, por exemplo, pode resultar em modificações na rota de seiva. Nesse caso, se folhas dreno próximas a uma folha fonte for perdida, as últimas poderão suprir folhas mais distantes com seiva elaborada. Isso ocorre devido ao fato de, existirem interconexões vasculares em, ou anastomoses, entre as vias do floema além das conexões diretas entre os órgãos.

Relações hídricas da folha

A folha tem papel fundamental no transporte de água ao longo de todo organismo da planta. Do solo, a água é absorvida pelas raízes, passando pelo xilema radicular, xilema caulinar e chegando à folha, onde a tensão superficial da água em evaporação nas paredes das células do mesofilo gera um potencial hídrico intenso o suficiente para que a água seja transportada até mesmo ao longo de grandes organismos como as arbóreas. Finalmente, a

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1. Estrutura e Desenvolvimento

água atravessa os estômatos, presentes na epiderme foliar, e alcança a atmosfera.

Para se entender como é formada uma pressão negativa e intensa nas folhas capaz de gerar potencial hídrico suficiente para mover a água em grandes distâncias, mesmo sob influência da gravidade, é necessário o estudo da dinâmica da água no interior das folhas. No mesofilo a água proveniente do xilema em contato com as células do parênquima e suas respectivas paredes celulares forma interfaces curvas ar/água. À medida que a água evapora, o raio dessas porções curvas da molécula diminui, o que resulta numa pressão negativa segundo a equação:

Ψл = - 2T/r Sendo T a tensão superficial da água (7,28 x 10 -8 MPa x m) e r, o raio das interfaces

curvas ar/água.

Após a evaporação, a água no espaço intercelular será perdida para a atmosfera através do processo da difusão dado pela equação:

Js = - Ds x Δcs/Δx Sendo que Ds é a densidade da água, Δcs é a variação da concentração de água entre

os locais onde ocorrerá o processo e Δx, a distância que será percorrida pela água. A esse fenômeno dá-se o nome de transpiração, que pode ser dividido em dois outros fenômenos: a transpiração cuticular, na qual a planta perde apenas 5% da água total pela cutícula e a estomática, na qual a maior parte da água é perdida pelos estômatos.

A ocorrência da transpiração estomática depende de dois fatores. O primeiro é a diferença de concentração do vapor d'água entre a atmosfera e as lacunas do mesofilo, sendo que esse parâmetro varia com a temperatura. O segundo é a resistência à difusão que, por sua vez, é composta por duas outras variáveis. A resistência à difusão pelo poro estomático, denominada resistência estomática e a resistência da camada de ar estática que se forma ao redor da folha, ou resistência da camada limítrofe.

Como a espessura da camada limítrofe e a temperatura da atmosfera não estão sob o controle das plantas, o controle biológico em curto prazo da resistência estomática depende exclusivamente da abertura e do fechamento dos estômatos.

A atividade estomática

Os estômatos são estruturas presentes nas plantas terrestres. Na maioria das espécies, eles se distribuem, preferencialmente, na face abaxial da folha. Contudo, na maioria das monocotiledôneas é observada uma densidade similar de estômatos nas faces adaxial e abaxial. Os estômatos são formados pelas células-guarda que margeiam o poro estomático (ostíolo) e em muitas espécies, essas são circundadas pelas células subsidiárias. As células-guarda são classificadas em dois tipos: tipo elíptico, comum à maioria das plantas e outras do tipo halter, encontradas, principalmente, nas gramíneas. A mudança no formato das células-guarda está associada à parede espessa ao redor do ostíolo e a presença de microfibrilas de celulose dispostas radialmente (tipo elíptico) ou obliquamente (tipo halter) ao poro estomático. Dessa forma, quando túrgidas, há a abertura do ostíolo e quando flácidas, o poro estomático se fecha. Esses processos ocorrem em resposta à entrada ou à saída de água das células-guarda. Quando o poro estomático se abre, há um aumento na pressão hidrostática e no potencial de turgor. Por outro lado, quando esse se fecha ocorre uma redução na pressão de turgor e de suas paredes. Com o desenvolvimento das células-guarda são formadas as câmaras subestomáticas no mesofilo foliar, adjacentes ao complexo estomático, cuja função

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Folha: desenvolvimento, estrutura e função

é armazenar gases de modo a maximizar a difusão do CO2 e reduzir a perda de água no mesofilo foliar.

Durante o processo de abertura dos estômatos, a luz azul ativa H+-ATPase na membrana plasmática pelo fotorreceptor fototropina. Essa ativação faz com que prótons sejam bombeados para o apoplasto. Dessa forma, é gerada uma diferença de concentração de prótons (H+) entre o lado interno e externo da membrana. O excesso de prótons no lado externo da membrana faz com que o interior da membrana das células-guarda fique com uma carga mais negativa que o lado externo, processo conhecido como hiperpolarização da membrana. A hiperpolarização da membrana estimula a abertura de canais de influxo de K+

para o interior das células-guarda por meio do gradiente eletroquímico através da membrana dessas células. O aumento na concentração de H+ fora da célula contribui para a entrada de Cl-, por cotransporte do tipo simporte. Nesse transporte, cada próton que entrar na célula, seguindo o gradiente eletroquímico, carrega consigo um íon Cl-. Além dos íons descritos acima, durante a abertura estomática, também ocorre um aumento nos níveis de malato-2, que é sintetizado no citoplasma das células-guarda, a partir de esqueletos carbônicos gerados na hidrólise do amido. A abertura dos estômatos é mantida pelo aumento no conteúdo de sacarose (proveniente da fotossíntese). Dessa forma, o aumento nos níveis de K+, Cl-, malato-

2 e sacarose promovem a redução dos potenciais osmótico e hídrico e favorecem a absorção de água e, consequentemente, o aumento no turgor das células-guarda.

No processo de fechamento dos estômatos ocorre o aumento nos níveis de cálcio (Ca+2) no citoplasma das células-guarda estimulado pelo aumento do CO2 e do hormônio vegetal, ácido abscísico (ABA). Elevados níveis de Ca+2 nas células-guarda inibe H+-ATPase na membrana plasmática estimulando canais de efluxo de Cl- e malato-2, o que promove a redução desses íons nessas células. A redução nos níveis de K+, Cl- e malato-2 promove o aumento nos potenciais osmótico e hídrico fazendo com que a água saia das células-guarda diminuindo, dessa forma, o potencial de turgor.

Portanto, a folha mantém um rigoroso controle sobre a abertura estomática, envolvendo uma sinalização que engloba a planta inteira (o ABA que causa o fechamento estomático, por exemplo, pode ser produzido pelas raízes, assim que elas percebem a falta de água). No entanto, após um tempo de vida útil da folha, ela começa a entrar em um processo denominado senescência. A senescência é o processo natural (e muito bem regulado) de morte da folha, que termina na sua abscisão.

Abscisão foliar

A abscisão é o termo usado para descrever o processo de separação natural de órgãos da planta-mãe. Isso pode ocorrer por parte de um desenvolvimento altamente programado da planta ou em resposta a determinados estresses ambientais. A abscisão ocorre em camadas de células denominadas zona de abscisão, as quais se diferenciam durante o desenvolvimento do órgão. Esse processo depende da ativação de determinados genes que codificam enzimas hidrolíticas da parede celular, como a poligalacturonase (PG) ou pectinase. A PG quebra a pectina na lamela média e permite a separação celular. Alguns trabalhos têm mostrado a existência de PGs específicas ao processo de abscisão e que se diferem das PGs associadas a outros eventos do desenvolvimento que requerem a separação celular, tal como o amadurecimento dos frutos.

De modo geral, a abscisão pode ser dividida nas seguintes etapas:

1 A folha se mantém ligada à planta-mãe devido a um gradiente de auxina da lâmina

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1. Estrutura e Desenvolvimento

foliar para o caule, diminuindo a sensibilidade das células dessa região ao etileno.

2 Com a maturidade celular e estresses ambientais ocorre uma diminuição no gradiente de auxina, elevando a sensibilidade dessas células ao etileno.

3 O aumento na síntese de etileno, promovido pela maior sensibilidade a esse hormônio nessa região, estimula a síntese de enzimas hidrolíticas da parede celular, causando a separação da folha da planta-mãe.

4 Após a abscisão, as células próximas ao caule aumentam o tamanho e se suberificam formando uma camada de proteção externa.

As auxinas (AIA) e o etileno são importantes classes hormonais que regulam esse processo fisiológico. O AIA o retarda, enquanto o etileno é um potencial acelerador desse processo. De modo geral, se o fluxo de auxina para a zona de abscisão é mantido, a separação celular é inibida e a abscisão não ocorre. Os níveis de auxina na zona de abscisão controlam a sensibilidade dessas células ao etileno. Portanto, qualquer fator que afete o suprimento de auxina na zona de abscisão irá também afetar a sensibilidade ao etileno. Por outro lado, o etileno é um potencial inibidor do transporte de auxina e pode aumentar a sensibilidade a ele mesmo na zona de abscisão, aumentando a destruição, inativação de auxina, além de interferir no seu transporte. Porém, outros fatores certamente estão envolvidos nesse processo, uma vez que a própria auxina também pode estimular a produção de etileno e acelerar a abscisão, quando aplicada em estágios mais avançados do desenvolvimento da planta.

Dentre muitos fatores ambientais que regulam a abscisão, os mais discutidos em revisões de fisiologia vegetal serão descritos a seguir.

1. Fotoperíodo

A percepção do fotoperíodo curto pode ser um sinal para a mudança da expressão de genes que codificam enzimas requeridas na fotossíntese para a expressão de genes que codificam proteínas associadas à abscisão e senescência.

Tratamentos de escuro ou baixa luminosidade aumentam a abscisão de flores, folhas e frutos. Esse efeito parece ser mediado pela auxina, uma vez que em folhas de Coleus foi observado um aumento de três vezes na produção de auxina livre em resposta à ativação do fitocromo (Fve) promovida pela diminuição de luz vermelho-extremo e aumento de luz vermelho.

2. Estresse hídrico

Condições de seca e outros estresses que causam a deficiência hídrica, como estresse salino e altas temperaturas, podem promover a abscisão como resultado da diminuição no crescimento e vigor da planta. A seca promove um rápido declínio na expansão da folha associado com a diminuição nos níveis de auxina, concomitante à redução na taxa fotossintética e fechamento dos estômatos. Os estômatos, por sua vez, podem promover o atraso na senescência e abscisão da folha como consequência da regulação da transpiração e da fotossíntese.

3. Ferimento e ataque de patógeno

O ferimento causado por herbivoria ou outro dano mecânico pode permitir a entrada de patógenos, de modo que a planta induza uma resposta de defesa envolvendo a alteração substancial na expressão gênica. Se a resposta de defesa não tiver sucesso e ocorrer a invasão do patógeno, a abscisão do órgão infectado é a única forma da planta evitar a disseminação

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Folha: desenvolvimento, estrutura e função

da infecção para outros órgãos e para os seus vizinhos.

Bibliografia Sugerida

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Folha: desenvolvimento, estrutura e função

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Estruturas reprodutivas em angiospermas

Estruturas reprodutivas em angiospermasJosé Hernandes Lopes-Filho

Juliana El OttraKeyla Rodrigues

Os estudos da flor dentro do contexto dos estudos de biologia comparativa tiveram seu inicio com os trabalhos de J. W. von Goethe, na área da morfologia, e com C. K. Sprengel, na área de biologia floral. Passados cerca de dois séculos desse início, os estudos sobre a flor hoje abrangem diversas áreas da biologia, como a anatomia, desenvolvimento, biologia da polinização, biologia reprodutiva, genética, biologia molecular, paleobotânica e estudos de diversidade e evolução. Com o avanço da tecnologia nas últimas décadas, notadamente com a microscopia eletrônica e com o desenvolvimento de novas metodologias nos estudos de genética e biologia molecular, novas e fascinantes descobertas tem sido feitas. Dado que são diversas as áreas que estudam a flor, é difícil sintetizar tudo o que se conhece hoje sobre essa estrutura tão importante para a reprodução em Angiospermas. Assim sendo aqui daremos destaque, sobretudo para os estudos sobre morfologia, anatomia, desenvolvimento, polinização e evolução floral.

Morfologia

A flor é um ramo altamente modificado, apresentando apêndices especializados. É uma estrutura vegetal bastante complexa, na medida em que esta apresenta diferentes órgãos e regiões, com estrutura e funções diversas. Basicamente uma flor madura possui três principais conjuntos: perianto (sépalas e pétalas), o androceu (estames) e o gineceu (carpelos), estando estes órgãos organizados de maneira verticilada (mais comum) ou espiralada (comum em Angiospermas basais). As sépalas são localizadas mais externamente na flor, seguida mais internamente das pétalas, depois estames e no centro da flor localizam-se os carpelos. Carpelos e estames são os verticilos férteis da flor, na medida em que estes portam os microgametófitos e os megagametófitos, os quais produzem os grãos de pólen e a oosfera, respectivamente.

A grande diversidade de formas florais encontradas em Angiospermas prove das variações encontradas dentro do plano morfológico básico supracitado. Assim as flores podem ser solitárias ou agrupadas em inflorescências, sendo que o número e o arranjo dos órgãos florais, bem como sua forma e fusões entre órgãos, determinam em grande parte as diferentes arquiteturas florais. Também a diferenciação de estruturas acessórias na flor pode ocorrer, como a presença de coronas (apêndices petalares e/ou estaminais, comum em grupos como Velloziaceae, Passifloraceae e Apocynaceae) e estruturas secretoras da flor, como nectários.

Os órgãos florais podem apresentar-se livres ou fundidos, sendo conatos quando a fusão ocorre no mesmo verticilo e adnatos, quando a fusão ocorre em verticilos diferentes. Como resultado da união dos órgãos florais, arquiteturas bastante complexas podem ser geradas, e adicionalmente às mudanças de forma no desenvolvimento, torna-se ás vezes difícil o reconhecimento da identidade de cada um dos quatro verticilos florais na estrutura floral madura. Como exemplos desses casos, pode-se citar: o ginostêmio das Orchidaceae, resultante da fusão do androceu e estilete; a flor de Canna indica (Cannaceae) onde o estilete petalóide é unido ao estame; e o ginostégio de muitas Apocynaceae, resultante da união das

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1. Estrutura e Desenvolvimento

anteras com o estilete.

Adicionalmenteas alterações na arquitetura floral, as colorações dos órgãos florais são também notavelmente diversas. O verticilo de pétala é o que comumente apresenta maiores variações de cor dentre as Angiospermas, sendo tal fato associado à atração visual de certos polinizadores. A coloração nas pétalas pode ser gerada pela presença de antocianinas, antoxantinas ou ainda betalaínas, dentre outras substâncias, acumuladas no vacúolo, ou ainda carotenos e xantofinas presentes no interior dos cromoplastos ou cloroplastos, no citoplasma. Geralmente as células que apresentam estes pigmentos localizam-se na epiderme. Outros mecanismos que tornam as pétalas mais vistosas são a presença de espaços intercelulares que refletem a luz, ou ainda superfícies com papilas e concavidades gerando o efeito aveludado da superfície.

Desenvolvimento

O meristema apical caulinar (MAC) pode ser vegetativo (Figura 1), quando dá origem aos tecidos e órgãos vegetativos, ou reprodutivo, quando sofre modificações induzidas por uma cadeia de estímulos, originando os tecidos e órgãos florais. As células do meristema em geral caracterizam-se por terem tamanho comparativamente menor, e por possuírem parede primária, plastos indiferenciados e citoplasma denso.

A transição de um meristema vegetativo para um floral envolve modificações morfo-anatômicas conspícuas, sobretudo relacionadas à interrupção do crescimento indeterminado, característico do estádio vegetativo, e a produção dos apêndices florais.Nesta transição,notam-se características marcantes, como ainterrupçãodo crescimento indeterminado do ápice vegetativo, bem como da produção de folhas vegetativas e ocorrênciade um maior alongamento dos entrenós.

No crescimento vegetativo, após a formação de cada folha, o meristema cresce de forma a restaurar o tamanho original antes da formação da próxima folha. No entanto, durante o desenvolvimento da flor o meristema diminui gradualmente após a formação de cada peça floral, até ser completamente diferenciado na formação do último verticilo, embora algumas espécies possam reter um resquício de tecido meristemático que permanece inativo (Figura 2). Durante o desenvolvimento, os órgãos florais surgem no ápice do meristema floral de modo ordenado, muitas vezes refletido em um rápido alongamento do eixo, que formará a inflorescência, seguido pela ampliação e achatamento dos meristemas que darão origem às flores.

As peças florais se encontram dispostas tipicamente em uma ordem especifica, o padrão mais comumente encontrado é o surgimento dos primórdios dos órgãos em sequência centrípeta e acrópeta, com a formação em ordem, de sépalas, pétalas, estames e carpelos (Figura 2). Contudo, variações nesse padrão podem ser encontradas.Os primórdios de todos os órgãos florais tem aspecto de um domo semi-esférico ou estes são lateralmente achatados, sendo estes estágios iniciais similares para todos os tipos de órgãos. A iniciação dos primórdios é visível histológicamente como áreas intensamente coradas no meristema floral (Figura 2). A formação do primórdio de um órgão induz a diferenciação de um feixe procambial, que mais tarde se tornará o feixe vascular principal (mediano ou dorsal) do órgão. O feixe procambialrecém formado se conecta com um ou mais feixes vasculares mais desenvolvidos, localizados mais abaixo na base da flor ou pedicelo. Durante o crescimento do órgão, mais feixes de procâmbio podem se diferenciar.

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Estruturas reprodutivas em angiospermas

Muitas vezes os primórdios florais de um mesmo verticilo podem surgir inicialmente unidos como uma projeção anular do meristema floral (e.g.: tubo corolino), resultante da fusão dos meristemas individuais de cada órgão.Este tipo de fusão é denominado de fusão congênita, e é evidente somente nos estágios iniciais de desenvolvimento floral.Diferente da união congênita dos primórdios florais, outra, por meio da união posgênita, tem sido observada nos diferentes verticilos florais, que ocorre quando os órgãos se tornam unidos após surgirem e experimentarem o desenvolvimento como peças livres, ocorrendo apenas posteriormente a união por meio da adesão dos das margens dos órgãos, podendo ocorrer ou não a fusão completa destas (falsa simpetalia: e.g. pétalas de Correa, Oxalis, Conhocarpus; anteras de Asteraceae).

Sépalas e pétalas têm ontogenias diferentes: enquanto que o surgimento dos primórdios do cálice ocorre em sequência espiral, as pétalas apresentam surgimento verticilado de seus primórdios. Quanto à vascularização, sépalas geralmente apresentam três feixes vasculares, enquanto que pétalas possuem apenas um, podendo se ramificar em maior número posteriormente, havendo variados desvios a esse padrão.

Os estames, após o desenvolvimento de seu primórdio, diferenciam primeiramente a região da antera para apenas depois diferenciar a porção do filete. Estes são vascularizados por apenas um feixe vascular por estame. Nos casos onde ocorre polistêmonia (i.e.: número de estames muito superior ao merismo básico da flor, mais que o dobro do número de pétalas) o desenvolvimento dos primórdios ocorre por fragmentação do número básico inicial dos primórdios de estame.

Quanto ao desenvolvimento do carpelo, este apresenta inicialmente uma zona de cruzamento, que corresponderia à margem foliar onde o óvulo se desenvolve em sua superfície interna, e uma zona secundária, onde as demais porções se desenvolverão. Quando desenvolvido o carpelo apresenta duas regiões básicas: a porção plicada, correspondente à região do estilete e estigma (geralmente de formato mais ou menos cilíndrico), e a porção ascidiada, correspondente ao ovário (formato arredondado). Mas há exceçõesa esse padrão, por exemplo, em Austrobaileyaceae o carpelo não possui zona plicada (não há um estilete e estigma diferenciado), sendo o fechamento do carpelo incompleto e o ápice com um estigma funcional secretor. Ainda que a características mais marcantes de Angiospermas seja a presença de óvulos protegidos por carpelos, muitas vezes o fechamento da folha carpelar ocorre apenas durante as etapas finais de sua ontogenia.

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1. Estrutura e Desenvolvimento

Figura 1-Meristema apical caulinar vegetativo de Asclepiascurassavica (foto de Diego Demarco)

Quanto à vascularização, o carpelo apresenta geralmente três feixes vasculares, um dorsal (que se prolongam até o estilete, podendo ocorrer ramificações) e dois ventrais (que irrigarão o óvulo), no entanto variações quanto ao número e posição de feixes podem ocorrer.

O gineceu pode ser unicarpelar, proveniente do desenvolvimento de apenas um primórdio, como por exemplo em Leguminosae, bem como pode ser pluricarpelar, sendo gerado a partir de vários primórdios. Neste último caso os primórdios dos carpelos podem ser livres e os carpelos denominados de apocárpicos (e.g.: Dilleniaceae) ou unidos de variadas formas e por diferentes extensões, sendo denominados de carpelos sincárpicos (e.g.: Bromeliaceae, Bignonicaceae), sendo que estas uniões podem ocorrer de maneira congênita ou posgênita. Mais comumente são encontrados carpelos sincápicos com porção basal unida congenitamente e porções apicais unidas posgenitalmente.

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Primórdios Foliares

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Estruturas reprodutivas em angiospermas

Figura 2-Botão floral jovem de Asclepiascurassavica (foto de Diego Demarco)

Mecanismos moleculares responsáveis pelo desenvolvimento floral

Com o advento da biologia molecular, alguns dos principais mecanismos de controle do desenvolvimento vegetal foram elucidados. No que se refere ao desenvolvimento reprodutivo, muito do que se conhece hoje foi obtido com estudos realizados com Arabidopsis thaliana (Brassicaceae) e Antirrhinum majus (Plantaginaceae), chamadas de plantas modelo. O estudo exaustivo, sobretudo de linhagens mutantes dessas plantas, resultou na descoberta de muitos genes e seus modos de atuação no desenvolvimento vegetal. Os tópicos abordados a seguir são válidos, sobretudo para estas plantas modelo, mas em grande parte são conservados ao longo das angiospermas e muitas vezes podem ser extrapoladas para diversos de seus grupos.

Indução floral

A floração é um fenômeno que ocorre de forma coordenada na vida da planta e depende de uma série de fatores, sejam endógenos (níveis de expressão de determinados genes), ou exógenos (temperatura, fotoperíodo, hormônios).

O fotoperíodo, ou seja, a duração do ciclo claro/escuro, é um dos mais importantes mecanismos, conhecido há bastante tempo como fator crucial na determinação da indução floral. Desta maneira, algumas plantas são classificadas como de dias curtos, isto é, florescendo quando os dias são curso e as noites longas (inverno), enquanto outras são de dias longos (verão).

Através de diversos experimentos, foi constatado que a percepção do fotoperíodo

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Sépalas

Pétalas

Estames

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1. Estrutura e Desenvolvimento

ocorre nas folhas e de alguma maneira essa informação é transmitida até os meristemas vegetativos, onde desencadeia mudanças que resultam na formação de flores. Foi então estabelecido o conceito de “florígeno”, um hormônio que seria responsável por esta transmissão de informação.Por muito tempo, diversos pesquisadores buscaram por este elusivo hormônio sem sucesso. Contudo, recentemente foi elucidado o mecanismo pelo qual o fotoperíodo influencia na floração.

Resumidamente, a floração depende de um relógio circadiano endógeno que controla a variação expressão de uma rede de genes. O gene diretamente ligado ao relógio TIMING OF CAB EXPRESSION1 (TOC1) oscila sua expressão conforme o mesmo, independente do ciclo de luz. Contudo, um dos genes controlado por TOC1, transcreve para a proteína CONSTANS (CO), que é degradada durante a fase escura do ciclo (Figura 3). Por fim, CO induz a expressão de outro gene, FLOWERING LOCUS T (FT), que é transportado das folhas até os meristemas. Desta maneira,em plantas que florescem em dias curtos, FT age como indutor de floração, enquanto que em plantas de dias longos, FT atua como repressor.

Figura 3-Representação esquemática da expressão de CO e FT em diferentes regimes de fotoperíodos. Dia curto: embora CO expresse normalmente, sua proteína é degradada durante a noite, não sendo capaz de induzir FT. Dia longo: Não hpa alteração na expressão de CO, mas sua proteína é capaz de se manter íntegra, promovendo a expressão de FT.

Além do fotoperíodo, geralmente em regiões que passam por um período severo de inverno, é importante um mecanismo que assegure que a floração ocorra apenas após o inverno. O processo pelo qual a temperatura atua na floração é denominado de vernalização, e seu mecanismo não é tão bem conhecido quanto ao do fotoperíodo, embora pareça estar ligado a mudanças na expressão gênica devido à condensação da cromatina durante os períodos de frio mais intenso.

Por fim, muitas plantas podem entrar em floração independentemente dos estímulos exógenos devido a um aumento, intrínseco e constante durante seu desenvolvimento, na expressão de genes responsáveis pela indução floral, especialmente o gene LEAFY (LFY).

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Estruturas reprodutivas em angiospermas

Identidade e manutenção do meristema floral

Como mencionado anteriormente, o MAC pode possuir diferentes identidades, sendo elas: (1) meristema vegetativo (MV); (2) meristema da inflorescencia (MI); (3) meristema floral (MF). Sendo que na prática, o que diferencia esses meristemas é o comportamento de sua atividade, sobretudo no que diz respeito ao tipo de primórdios produzidos.

Desta maneira, um MV é característico por produzir folhas (com seus respectivos meristemas axilares), enquanto um MI produz brácteas e/ou meristemas florais. O MF por sua vez produz os órgãos florais (sépalas, pétalas, estames e carpelos) e finalmente cessa sua atividade. Como normalmente as flores são produzidas em inflorescências, geralmente o processo de floração envolve os dois processos de transição meristemática (MV→MI→MF), que são caracterizados por mudanças na expressão de genes regulatórios da atividade do meristema e da manutenção ou não de uma população de células com características meristemáticas.

Os genes responsáveis pela transformação e manutenção do meristema floral são chamados de “floral meristem identity (FMI) genes” (genes de identidade do meristema floral), sendo os principais: LFY, APETALA1 (AP1), CAULIFLOWER (CAL) e FRUITFULL (FUL). Todos esses genes codificam para proteínas que agem como fatores de transcrição, regulando a expressão de uma infinidade de genes, e que resulta por fim no desenvolvimento adequado dos órgãos reprodutivos.

O gene LFY parece ser o pivô na transição para o meristema floral, sendo observado um aumento drástico em sua expressão, que ocorre de maneira uniforme em todo o meristema. Este gene atua como fator de transcrição para uma série de outros genes relacionados à floração, em especial AP1, AP3 e AGAMOUS (AG), genes do modelo ABC (ver próximo tópico).Uma vez que AP1 também induz a expressão de LFY, uma rede de feedback positiva é criada, assegurando que, uma vez desencadeado, o processo de estabelecimento do MF é mantido até o final.

Outros genes também atuam de forma crucial para a atividade do meristema floral, como AG, que promove o fim da proliferação de células meristemáticas após o desenvolvimento dos carpelos.

Por fim, embora desempenhe papel antagonista aos de identidade floral, reprimindo a expressão de LFY e AP1, o gene TERMINAL FLOWER 1 (TFL1), desempenham papel fundamental para o desenvolvimento reprodutivo. Entre outras atividades, TFL1 impede que LFY e AP1 transformem um MI em MF. Desta maneira, muitas das arquiteturas de inflorescência observadas na natureza resultam do balanço entre as expressões dos genes de identidade floral (LFY e AP1) e seu repressor TFL1.

Determinação dos órgãos florais e o modelo ABC

A partir de estudos baseados em plantas modelo, foram descobertas linhagens de mutantes que exibiam mutações homeóticas em suas flores. Mutações homeóticas são aquelas que produzem um órgão onde normalmente se encontrariam outro. Após o estudo de diversas linhagens, notou-se que as mutações homeóticas em flores sempre afetavam dois verticilos adjacentes, e nunca um apenas. Embora muitos mutantes tenham sido reconhecido, todos se encaixavam em 3 categorias: (A) sépalas e pétalas eram substituídas por carpelos e estames, respectivamente; (B) pétalas e estames eram substituídos por sépalas e carpelos; e

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(C) estames e carpelos eram substituídos por pétalas e sépalas.

Desta maneira, foi estabelecido o chamado “modelo ABC” da determinação dos órgãos florais (Figura 4). O modelo propõe que a expressão de genes classe A determina a formação de sépalas; a atividade conjunta de A e B especifica a formação de pétalas; B e C combinados determinam estames e a atividade de apenas C resulta na formação de carpelos. O modelo também propõe uma regulação negativa entre A e C, e a expressão de B nos verticilos 2 e 3 independentemente dos outros fatores do próprio modelo.

Figura 4-Representação esquemática do modelo ABC em Arabidopsis thaliana. A combinação de diferentes classes de genes é responsável pela determinação dos ógãos florais.

Em Arabidopsis, os genes APETALA1 (AP1) e APETALA2 (AP2) correspondem à função de A; APETALA3 (AP3) e PISTILLATA (PI) à função de B; AGAMOUS (AG) para a função de C.

Posteriormente, com a descoberta de outros genes envolvidos, foram incorporadas ao modelo as funções D, relacionada à identidade de óvulos, e E, necessária para a formação de todos os órgãos florais, estames e carpelos. Em Arabidopsis a função D é realizada pelo gene SEEDSTICK (STK), em redundância com os genes SHATTERPROOF1 (SHP1), SHP2 e AG. Já função E é realizada pelos genes SEPALLATA1 (SEP1), SEP2 e SEP3.

Hoje, sabemos que muitos desses genes são fatores de transcrição que orquestram a expressão de uma infinidade de outros genes responsáveis por desenvolver corretamente cada órgão floral. Sabemos ainda que muitos desses genes atuam conjuntamente formando

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Estruturas reprodutivas em angiospermas

heterodímeros. Desta maneira, um complexo formado por proteínas AP1 e SEP, por exemplo, é responsável pela regulação de genes que no final resultarão no desenvolvimento de uma sépala.

Por fim, estudos com o silenciamento de genes da classe E (SEPALLATA) mostram que na ausência do mecanismo que leva à formação dos órgãos florais, os primórdios derivados do meristema floral transformam-se em flores com quatro verticilos de órgãos morfológicamente semelhantes à folhas. Tal resultado corrobora as teorias anteriormente propostas por sobre a homologia dos órgãos florais com as folhas do corpo vegetativos da planta. Notavelmente a equivalência entre folhas e flores foi primeiramente propostas pelo filósofo alemão J. W. Goethe, em 1790.

Estruturas Secretoras Florais

A flor, assim como as demais partes das plantas, podem apresentar estruturas secretoras nos diferentes verticilos florais, bem como na inflorescência. Estas secreções (ou exsudatos) são provenientes de processos metabólicos, que incluem os processos de síntese, isolamento de substâncias e posterior liberação, tanto nos espaços extracelulares no interior do órgão em que esta é formada, como para o exterior da planta. Estes exsudatos apresentam composições químicas bastantes variadas, podendo apresentar, por exemplo, água, proteínas, óleos, néctar, látex, substâncias salinas e resinas etc. As células secretoras presentes no órgão onde são produzidos estes exsudatos geralmente apresentam características histológicas, como ausência de parede celular secundária, citoplasma de aspecto denso a hialino e núcleo relativamente grande, em relação ao citoplasma.

As estruturas secretoras podem apresentar-se como uma célula individualizada (idioblastos) ou em uma estrutura multicelular (tricomas, emergências, cavidades e canais), sendo tais estruturas de reconhecida importância taxonômica e filogenética, uma vez que certos tipos são característicos de grupos de plantas, e servem como evidência de parentesco próximo entre as mesmas.

As estruturas secretoras florais podem possuir diferentes classificações quanto à sua posição e/ou função, não havendo às vezes universalidade quanto à utilização dos mesmos termos na literatura. Assim, quando localizada no interior da flor, é comumente chamada de estrutura secretora floral (e.g.: nectários florais) e quando localizada em outra região ou nas proximidades da flor (inflorescências), ou ainda externamente ao cálice, pode ser chamada de extrafloral (e.g.: nectários extraflorais). De modo semelhante, quando a função da estrutura está relacionada à polinização, é denominada de nupcial (e.g.: nectário nupcial), e quando não apresenta tal função, é extranupcial (e.g.: nectários extranupciais), podendo estar relacionada então a outras funções, como por exemplo, mecanismos de defesa anti-herbivoria. Muitas vezes a confusão no uso destas terminologias provém da ausência de dados de função das estruturas secretoras florais.

Nas flores, várias estruturas secretoras são conhecidas, as mais comumente encontradas são:

Os nectários, que são tecidos especializados na produção de néctar. Estes apresentam uma ampla gama de estruturas, morfologicamente e anatomicamente diversas, mas frequentemente os nectários intraflorais apresentam-se em forma de um anel basal contínuo ao redor do ovário.

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1. Estrutura e Desenvolvimento

A composição do néctar é variável, porém este é constituído geralmente por sacarose, glicose e frutose, mas mucilagem, aminoácidos, proteínas, íons minerais, vitaminas, enzimas e ácidos orgânicos também podem ser encontrados. A presença do néctar floral está tradicionalmente associada a atração de polinizadores nectarívoros, no entanto pode apresentar outras funções como indução da germinação dos grãos de pólen dentro da câmara estigmática, bem como sua presença em nectários no cálice tem o potencial de atrair formigas protetoras contra herbívoros.

O tecido transmissor, que é o tecido através do qual os tubos polínicos crescem até chegar à micrópila do óvulo, havendo uma relação nutricional ou fisiológica com os tubos polínicos. É definindo como uma parte do gineceu que se estende do estigma ao ovário, podendo ser parcial ou inteiramente secretor e composto por três regiões: estigmática, estilar e ovariana. Embora a presença de tecido transmissor e o caminho percorrido pelo tubo polínico através do gineceu de flores sejam bem conhecidos, há raras informações estruturais sobre estes tecidos e quase nenhuma sobre as secreções produzidas por eles, sendo que há relatos de presença de secreção mucilaginosa tanto na região estigmática como na estilar.

Além das estruturas secretoras florais acima citadas, há também outras como elaióforos, coléteres, laticíferos, osmóforos, bem como tecidos secretores de resina. Estas geralmente produzem secreções relacionadas à atração e nutrição de visitantes florais ou atração de formigas protetoras da planta.

Os estudos comparativos das estruturas secretoras florais em diversos grupos de plantas permitem-nos compreender não apenas os aspectos funcionais destas secreções, mas também as alterações graduais que ocorreram nestas estruturas ao longo da história evolutiva, como por exemplo, alterações na localização do nectário, composição do néctar e seu local de acúmulo em relação às diferentes síndromes de polinização; também, na evolução de carpelos apocárpicos para sincápicos ou parcialmente sincárpicos, foram observadas alterações nos tecidos transmissores e consequentemente no direcionamento dos tubos polínicos, podendo promover a fecundação dos óvulos de um ou mais lóculos do ovário devido ao surgimento de um compitum (união de todos os tecidos transmissores dos carpelos).

Evolução floral e as Síndromes de Polinização

A diversidade de formas florais de Angiospermas vem impressionando botânicos desde os tempos de Goethe. Tendo em vista a existência de tal variação na estrutura da flor, o principal objetivo dos estudos sobre evolução floral é tentar compreender como se deu a evolução de tal diversidade.

Nos estudos de evolução com enfoque ecológico, verifica-se que a estrutura floral pode ser influenciada por vários fatores, sendo a pressão seletiva por parte dos polinizadores de grande importância em espécies polinizadas por agentes bióticos. Estudos realizados com diversos grupos de plantas mostram que polinizadores exercem pressões seletivas consideráveis sobre um conjunto de caracteres florais relacionados à polinização. A seleção de tais feições florais pode estar diretamente relacionada à especiação e diversificação dos táxons por afetarem o sucesso reprodutivo das plantas. Desse modo, a geração de tais características morfológicas é notável exemplo da ação da seleção natural e de seus produtos adaptativos.

As evidências dos estudos de adaptação floral em relação aos seus vetores de pólen

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levaram ao surgimento do conceito de síndromes de polinização, que consiste na convergência das formas florais em linhagens de plantas filogeneticamente distantes, e sua associação previsível com certos polinizadores. Assim são reconhecidos basicamente seis tipos de síndrome de polinização: miofilia (polinização por moscas), psicofilia (polinização por borboletas), falenofilia (polinização por mariposas), quiropterofilia (polinização por morcegos), ornitofilia (polinização por aves) e melitofilia (polinização por abelhas). O conjunto de atributos florais que caracterizam flores miófilas é basicamente: cores claras e opacas, ou cores escuras, odor desagradável, néctar de livre acesso. Já as flores melitófilas são caracterizadas por apresentarem cores azuis, amarelas ou por refletirem UV, guias de néctar são frequentemente encontrados, bem como, néctar de difícil acesso e aroma agradável. Flores psicófilas apresentam cores chamativas, néctar escondido em tubo floralestreito ou esporão (cálcar), flores de orientação eretas, com plataforma de pouso e odor fraco. Diferentemente as flores falenófilasapresentam cores brancas ou pálidas, odor forte e agradável, flor tubular ou em forma de estrela, néctar escondido no fundo de um tubo floral ou de um esporão, às vezes com estames e estilete bem exsertos e flor orientada geralmente na vertical. Para as síndromes por polinização por vertebrados temos a quiropterofilia e a ornitofilia, sendo esta última caracterizada por flores de coloração chamativa, frequentemente vermelhas, néctar abundante e escondido (tubo floral ou outras estruturas), aroma floral ausente, orientação vertical, com ou sem plataforma de pouso (ausente no caso de flores polinizadas por beija-flores); diferentemente a quiropterofilia é caracterizada pelas flores de coloração não chamativas, néctar abundante e escondido, aroma desagradável, orientação horizontal ou flores pendentes.

Apesar do conceito das síndromes de polinização ter sido amplamente utilizado no passado, estudos mais recentes, no entanto, têm argumentado que a ocorrência de tal fenômeno não é universal, uma vez que em certos grupos de plantas nota-se uma fraca associação entre um grupo particular de polinizadores e a morfologia floral. O que tem se observado atualmente é que o fenômeno das síndromes de polinização deve ser analisado com critério, uma vez que se sabe que outros fatores podem influenciar a evolução floral num grupo, notavelmente as restrições filogenéticas, que limitam a convergência dos estilos florais. Também estudos de polinização vêmdemonstrando que certas espécies investem na polinização por uma ampla gama de polinizadores, apresentando assim um sistema de polinização considerado generalista. No entanto, não se deve descartar o conceito de síndromes florais, uma vez que estas são úteis para geração de hipóteses testáveis em campo.

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Fitormônios no desenvolvimento vegetal

Fitormônios no desenvolvimento vegetalLucas Macedo Félix

Os hormônios vegetais são mensageiros químicos, produzidos em células ou tecidos, que modulam os processos celulares em outras células, interagindo com proteínas específicas chamadas receptores. Assim como em células animais, a maioria desses hormônios é sintetizada em concentrações extremamente baixas nos tecidos, muitas vezes atuando em tecidos diferentes àqueles onde foi produzido. Estes são substâncias orgânicas que desempenham uma importante função na regulação do crescimento vegetal podendo atuar promovendo, inibindo ou modificando processos morfológicos e fisiológicos de desenvolvimento.

Atualmente é aceita a existência de cinco classes principais de hormônios vegetais. Estas classes hormonais são agrupadas com base nas suas semelhanças estruturais e de seus efeitos sobre a fisiologia da planta. Cada classe hormonal possui efeitos tanto promotores quando inibitórios em processos vegetais de desenvolvimento e normalmente estes fitormônios atuam em conjunto nestes processos. As cinco classes principais de hormônios vegetais, auxinas, citocininas, giberelinas, ácido abscísico e etileno, serão detalhadas a seguir.

As auxinas exercem importante papel na regulação do crescimento e desenvolvimento vegetal. Estudos apontam que este fitormônio é sintetizado a partir do amino ácido triptofano e sua biossíntese se da em locais de divisão celular rápida, como o meristema apical caulinar, folhas jovens, frutos em desenvolvimento e sementes. Embora também possa ser produzida em níveis inferiores em folhas maduras e ápices radiculares. Seu transporte é polar unilateral, ocorrendo no sentido ápice/base do vegetal de célula a célula. Elas estão envolvidas no processo de divisão, expansão, alongamento e diferenciação celular, assim como nos processos de manutenção da dominância apical e crescimento da gema axilar, formação dos primórdios foliares e filotaxia, formação do gancho apical, desenvolvimento radicular, abscisão foliar e tropismos.

Os principais centros produtores das citocininas são as raízes, no entanto, sua biossíntese pode ocorrer em outros tecidos meristemáticos, como os ápices caulinares. O transporte deste hormônio vegetal é feito via xilema, no sentido base/ápice. As citocininas são conhecidas sobretudo por atuarem no processo de divisão celular, como também, na diferenciação celular, estabelecimento de drenos, retardamento da senescência foliar, fotomorfogênese e na quebra da dominância apical.

As giberelinas cumprem importante papel no controle do desenvolvimento da planta, sendo sua ação normalmente conjugada a outro hormônio vegetal. Este hormônio é sintetizado nas sementes, frutos em desenvolvimento e tecidos vegetativos em rápido crescimento, e seu transporte ocorre principalmente via floema. A regulação da expressão das giberelinas parece estar relacionada com as proteínas DELLA, que agem como reguladores negativos da transcrição nuclear desse hormônio. Elas são conhecidas por seus efeitos no alongamento e crescimento caulinar, na indução floral, no controle da diferenciação do meristema apical caulinar, na promoção da germinação de sementes e no estabelecimento e desenvolvimento de frutos.

O etileno é um hormônio vegetal gasoso sintetizado em taxas reduzidas em diversos tecidos. Sua produção é dependente do tipo de tecido e do estágio de desenvolvimento da

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1. Estrutura e Desenvolvimento

planta, sendo intensificada sob condições estressantes. Por ser um hormônio gasoso, este possuí fácil difusão entre os tecidos, podendo muitas vezes ser perdido para o ambiente. Muitos efeitos do etileno têm sido descritos no controle do desenvolvimento de plantas, dentre eles destaca-se a inibição da atividade do meristema apical caulinar, inibição da divisão celular e alterações no balanço de outros hormônios. Este também está intimamente relacionado ao amadurecimento de frutos, senescência e morte celular programada, crescimento e diferenciação de raízes e epinastia das folhas.

Por fim, o ácido abscísico é um fitormônio que regula vários processos do ciclo de vida da planta. Este hormônio está envolvido nas respostas a estresses ambientais, como alta salinidade, baixa disponibilidade de água e baixas temperaturas. Acredita-se que sua biossíntese possa ocorrer em quase todos os tecidos da planta e seu transporte é realizado via floema, xilema e células parenquimáticas. Possuí efeitos no fechamento estomático (estresse hídrico) e na dormência de gemas e sementes.

Estes fitormônios atuando em conjunto, formam uma eficiente e sensível rede de comunicação entre células, tecidos e órgãos das plantas, agindo como sinalizadores e decodificadores de sinais externos provenientes dos diferentes meios em que elas se encontram.

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Metabolismo Secundário

Metabolismo SecundárioAugusto César de Barros Tomba

Fernanda Mendes Rezende Janaína Morimoto Meyer Sarah Aparecida Soares

As plantas estão cercadas por várias fontes de injúria, bem como potenciais aliados em seu ambiente. Através das mutações nas vias biossintéticas básicas e interações com diferentes fatores no meio, foram selecionadas diversas substâncias que aparentemente não apresentam função nos processos de crescimento e desenvolvimento vegetal (fotossíntese, respiração, translocação, síntese de proteínas, assimilação de nutrientes, diferenciação ou síntese de carboidratos, proteínas e lipídeos), estas moléculas foram classificadas como metabólitos secundários ou produtos naturais.

Estes compostos conferem aos vegetais maior capacidade adaptativa (fitness) e maior vantagem para sua sobrevivência através de interações com receptores específicos em outros organismos, resultando em respostas fisiológicas muito características, num processo que podemos denominar, de modo mais realista que audacioso, de co-evolução.

A maioria dos metabólitos secundários possui distribuição bem restrita entre os vegetais, sendo encontrados em uma espécie ou em um grupo de espécies relacionadas, diferentemente dos metabólitos primários que são encontrados em todo o reino vegetal. Assim, das substâncias produzidas para processos fisiológicos e ecológicos, antes consideradas de menor relevância, estão incluídos os aromas, sabores e cores mais variados e intensos, assim como os princípios ativos que definem uma planta como sendo medicinal ou tóxica.

Mas o que são esses princípios ativos das plantas medicinais? Sabemos que são produtos do metabolismo vegetal, não diretamente relacionados com os chamados processos “primários” para a planta, como fotossíntese, respiração e formação do protoplasma. Daí, esse conjunto de vias biossintéticas ter recebido o nome de metabolismo “secundário”. À luz do conhecimento atual, as substâncias oriundas dessas vias são vitais para as plantas, apresentando funções como: defesa contra herbívoros e patógenos, alelopatia, proteção contra raios UV e poluição, atração de polinizadores e dispersores, regulação do metabolismo, sinalização molecular, processos nada “secundários” para a vida e perpetuação das espécies vegetais.

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1. Estrutura e Desenvolvimento

Figura 1- Vias do metabolismo secundário e exemplos das principais classes

Os metabólitos secundários são divididos em quatro grupos principais: derivados de ácidos graxos, compostos fenólicos, terpenos e nitrogenados (Figura 1). Mais detalhes sobre as rotas biossintéticas e seus papéis na sobrevivência das plantas serão expostos nos parágrafos que seguem.

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Metabolismo Secundário

Terpenos

Os terpenos constituem um grupo grande e diverso de produtos secundários, compostos por unidades de isopreno (C5; Figura 2) agrupadas de diversas maneiras. As substâncias desta classe são hidrofóbicas e sintetizadas a partir de pelo menos duas vias biossintéticas: da acetil-CoA (via do ácido mevalônico) ou intermediários glicolíticos (via do metileritritol fosfato) veja Figura 3.

As reações da via do ácido mevalônico ocorrem no citossol, onde três moléculas de acetil-CoA são ligadas para formar o ácido mevalônico, esta molécula passa por reações de pirofosforilação, descarboxilação e desidratação para produzir o isopentenil difosfato (IPP). O IPP também pode ser sintetizado através da via do metileritritol fosfato (MEP) que ocorre no cloroplasto e em outros plastídeos.

O IPP e seu isômero dimetilalil difosfato (DMAPP) se unem formando o geranil difosfato (GPP), uma molécula de 10 carbonos, a partir do qual são formados os monoterpenos. O GPP pode se ligar a outra molécula de IPP, formando um composto de 15 carbonos (farnesil difosfato - FPP), precursor da maioria dos sesquiterpenos. A adição de outra molécula de IPP ao FPP forma o geranilgeranil difosfato (GGPP), composto de 20 carbonos, precursor dos diterpenos, e por último o FPP e o GGPP podem se juntar para formar triterpenos (C30) e tetraterpenos (C40), respectivamente (Figura 3).

Mono e sesquiterpenóides são substâncias presentes nos óleos voláteis, e conferem a determinadas plantas seu aroma característico (como as Lamiaceae, Ocimum sp. por exemplo). Essas substâncias estão associadas a defesa e sinalização molecular nas plantas e têm atividades antimicrobianas. O fitol, que faz parte da molécula da clorofila, é um dos mais simples e abundantes diterpenos. Giberelinas, hormônios vegetais envolvidos na regulação de diversos processos como alongamento celular e senescência, também têm origem diterpênica. Outra substância interessante relacionada aos diterpenos é o taxol, usado no tratamento de diversos tipos de câncer. Triterpenóides e esteróides possuem origem biossintética comum – o esqualeno, formado de 6 unidades de isopreno. Triterpenóides como os do tipo ursano, lupano e oleanano, podem ser encontrados nos mais diversos grupos de plantas. Recentemente atividades anticancerígenas têm sido reportadas para esses compostos. Essas substâncias também são frequentemente encontradas na forma de saponinas (do latim: sapo = sabão) que possuem propriedades surfactantes. Limonoides, que são triterpenoides modificados, têm reconhecida atividade inseticida. São atribuídas a esses compostos as propriedades do óleo de Neem (Azadirachta indica, Meliaceae). Esteróides são comuns nas plantas também como parte estrutural da membrana celular. São comuns sitosterol, estigmasterol e campesterol. Fitoesteróides são utilizados na dieta humana para diminuir a quantidade de colesterol absorvido. Carotenoides ou tetraterpenoides, derivados de 8 unidades de isopreno, em geral são pigmentos relacionados à fotoproteção e atração de polinizadores nas plantas; são precursores da vitamina A, cuja deficiência pode causar problemas de visão nos humanos.

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Figura 2-Isopreno

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1. Estrutura e Desenvolvimento

Figura 3-Representação simplificada das vias metabólicas geradoras dos terpenos

Derivados de Ácidos Graxos

O papel destes compostos para a planta é de extrema importância, pois são constituintes de cera cuticular. As ceras funcionam como uma barreira entre o meio interno e externo da planta, revestindo todos os órgãos aéreos confere proteção contra os raios UV, entrada de patógenos, poluição e principalmente contra o dessecamento. O surgimento desta camada protetora foi um dos importantes fatores para a conquista do ambiente terrestre.

As ceras são misturas complexas de hidrocarbonetos alifáticos de cadeia longa com série homóloga (por exemplo, n-alcanos, álcoois, aldeídos, ácidos graxos e ésteres), que podem apresentar pequenas quantidades de terpenóides e derivados de ácido cinâmico. A quantidade de cera nas folhas varia com a espécie e genótipo, idade da folha, e condições ambientais.

O início da síntese desses compostos se dá no plastídio onde ocorre a formação de ácidos graxos C16 e C18 a partir de unidades de malonil CoA e acetil CoA. Esses ácidos são transportados para o retículo endoplasmático onde sofrem diversas reações de elongação formando ácidos graxos de cadeia longa (C20-C40), a descarboxilação leva a formação de alcanos que sofrem reações que dão origem aos alcoóis secundários e cetonas. Ainda é obscura a síntese dos aldeídos, acredita-se que possam surgir de reações enzimáticas com os

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Metabolismo Secundário

alcanos ou diretamente pelos ácidos graxos. Dos ácidos graxos de cadeia longa também podem ser formados ésteres e alcoóis primários

Compostos Fenólicos

Compostos fenólicos são encontrados praticamente em todas as plantas e incluem diversas substâncias simples ou com diversos graus de polimerização, com pelo menos um anel aromático no qual ao menos um hidrogênio foi substituído por um grupo hidroxila. Podem ser encontrados na forma livre (agliconas; apolares), ligados a açúcares (glicosídeos; polares), proteínas, isoprenoides, entre outros.

Sua origem biossintética está relacionada a duas rotas metabólicas: Via do ácido chiquímico e via do acetato-malonato. São classificados de acordo com sua cadeia principal, que constituirá o anel benzênico e uma cadeia substituinte. Sendo divididos em dois grandes grupos: os ácidos fenólicos (ácidos benzóico, cinâmico e seus derivados), quinonas, fenilpropanóides, cumarinas, os flavonóides, taninos e ligninas.

A biossíntese dos compostos fenólicos ocorre pela via do ácido chiquímico que é a responsável pela formação da maioria dos fenólicos. Algumas estruturas são exclusivas desta via, como as encontradas nos ácidos fenólicos (C6-C1) e nos fenilpropanóides (C6-C3). Outras classes de fenólicos como os flavonóides (C6-C3-C6) são provenientes de biossíntese mista, na qual a via do ácido chiquímico fornece um anel C6-C3 enquanto que a via do acetato malonato oferece o outro anel C6.

Os flavonoides são substâncias que compreendem, em geral, pigmentos que, além de proteger os tecidos vegetais da ação mutagênica dos raios UV, participam da atração de polinizadores e dispersores. Os flavonoides possuem uma estrutura básica formada por C6-C3-C6, sendo os compostos mais diversificados do reino vegetal. Neste grupo encontram-se as antocianidinas, flavonas, flavonois e, com menor frequência, as auronas, chalconas e isoflavonas, dependendo do lugar, número e combinação dos grupamentos participantes da molécula. Existem outros flavonoides com distribuição mais restrita como as xantonas, antraquinonas, fenois simples e naftoquinonas.

Alguns compostos fenólicos não se apresentam em forma livre nos tecidos vegetais. São aqueles presentes sob a forma de polímeros, na qual estão os taninos e as ligninas. Os taninos classificam-se em dois grupos, baseados em seu tipo estrutural: taninos hidrolisáveis e taninos condensados. As ligninas são polímeros complexos de grande rigidez e resistência mecânica, e sua hidrólise alcalina libera uma grande variedade de derivados dos ácidos benzóico e cinâmico.

Para os humanos, os flavonoides e substâncias biossinteticamente relacionadas, como os taninos condensados e antocianidinas, têm recebido muita atenção devido a suas propriedades terapêuticas.

Compostos Nitrogenados

Compostos nitrogenados são defesas químicas anti-herbivoria. As três classes mais importantes dos compostos nitrogenados são: 1) alcaloides; b)glucosinolatos; c)glicosídeos cianogênicos.

Alcaloide é o nome dado a um grupo de substâncias bastante heterogêneo, predominantemente sintetizadas por plantas (dos 27.000 alcaloides conhecidos no momento,

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1. Estrutura e Desenvolvimento

21.000 são de origem vegetal), tendo em comum o caráter básico, conferido pela presença de um ou mais átomos de nitrogênio, podendo haver um ou mais heterociclos. São substâncias reconhecidas pelo seu amplo espectro de atividades biológicas, por isso correspondem a princípios ativos comuns em plantas medicinais. É o caso da papoula (Papaver somniferum, Papaveraceae), que contém morfina, codeína e papaverina; do café (Coffea arabica, Rubiaceae), que contém cafeína; de Chondodendron tomentosum (Menispermaceae), da qual se extrai o curare, potente relaxante muscular utilizado como veneno de flecha por indígenas sul-americanos, que apresenta importantes atividades anestésicas. Outro alcaloide muito conhecido é a nicotina (presente no fumo, Nicotiana tabacum, Solanaceae).

Glicosídeos cianogênicos possuem um resíduo de açúcar e um grupamento nitrila. São armazenados em vacúolos e quando a planta é atacada, os glicosídeos cianogênicos são hidrolisados pela enzima que se encontra no citoplasma. Quando hidrolisados produzem cianeto, substância altamente tóxica.

Glucosinolatos são derivados da glicose e de aminoácidos e contém enxofre e nitrogênio na molécula. Ocorrem em quase todas as espécies de Brassicaceae e são responsáveis pelo sabor picante do agrião, rabanete etc. Ao serem hidrolisados pelas mironase produzem isotiocianato que serve como defesa para a planta.

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Diversidade e Evolução

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Interações Planta-Ambiente

Interações Planta-Ambiente Carmen Eusebia Palácios Jara

Carolina Krebs KleingesindsAlejandra Matiz Lopez

Fernanda Mendes Rezende Paulo Tamaso Mioto

Introdução

Como a planta percebe o ambiente? Essa é uma questão com uma resposta tão complexa que, quanto mais se estuda, mais perguntas aparecem. Diferente dos animais, as plantas estão expostas diariamente às mais diversas condições ambientais – elas não podem sair correndo para escapar das situações adversas. Aparentemente, as respostas das plantas envolvem mais sinalização bioquímica do que elétrica e, como diversos sinais são processados na mesma célula, possuem um alto nível de interação e superposição. Estudar sinalização em plantas, portanto, é estudar uma complexa rede, na qual inúmeros componentes se relacionam de várias maneiras. É um grande desafio da botânica atual.

As plantas estão imersas em um ambiente complexo, com vários sinais simultâneos que, freqüentemente, levam a um grande conjunto de respostas. Para facilitar o entendimento, os sinais são divididos em dois grandes grupos: abióticos e bióticos. Os sinais abióticos incluem a interação da planta com o ambiente não vivo. Neste curso serão abordados a luz, temperatura, água e nutrientes. Os fatores bióticos são interações com outros seres vivos, sejam elas benéficas ou nocivas às plantas. Ao longo do curso serão discutidas as relações de simbiose e parasitismo. É importante ressaltar que, na prática, as plantas estão expostas a vários fatores simultaneamente, tanto bióticos como abióticos.

Para saber o que ocorre no ambiente, a planta precisa perceber os sinais ambientais, como luz, água, nutrientes, microorganismos e vários outros. Quando o sinal é percebido, ele vai desencadear uma série de respostas, em vários níveis organizacionais da planta, englobando desde uma célula até o indivíduo como um todo. Os hormônios vegetais são intermediários importantíssimos entre a percepção do ambiente e a resposta da planta. Além dos cinco grupos hormonais clássicos (auxinas, citocininas, giberelinas, etileno e ácido abscísico), há novas moléculas consideradas hormônios. Entre os mais citados estão os jasmonatos, brassinosteróides e estrigolactonas.

Frequentemente, as condições às quais as plantas estão submetidas tornam-se extremas, podendo ocasionar uma situação desfavorável a elas. Nesses casos, diz-se que a planta está sob estresse, este termo tem origem na física e, nesta ciência, estresse seria uma tensão produzida no interior de um corpo pela ação de uma força externa. Para a planta, portanto, o estresse seria um conjunto de respostas a um fator externo que exerce uma influência desvantajosa. É importante ressaltar que o fato de a planta estar ou não sob estresse depende tanto dela quanto do ambiente. O conceito de estresse é intimamente ligado ao de tolerância ao estresse, que seria a adaptação para enfrentar um ambiente desfavorável. Quando há aumento de tolerância como consequência de exposição anterior a uma situação de estresse, ocorre a aclimatação do indivíduo. Já adaptação se refere a uma resistência genética conferida por um processo de seleção ao longo de gerações. Assim como os fatores, os estresses podem ser bióticos ou abióticos. O estresse abiótico é relacionado aos fatores

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2. Diversidade e Evolução

ambientais como seca, calor, frio, geada, radiação, sombra, altitude, poluição, falta ou excesso de nutrientes. Já o biótico está relacionado à presença de patógenos e herbívoros.

Luz

A luz é indispensável para a vida das plantas, uma vez que possibilita a fotossíntese. Mas os efeitos que a luz causa na planta não se resumem unicamente à possibilidade de realizar fotossíntese, ela pode prover informações importantíssimas do status do ambiente no qual a planta está inserida. Com base na luz as plantas percebem o horário do dia, período do ano, presença de outras plantas no ambiente e várias outras coisas.

Sendo assim, para uma planta sobreviver, ela deve possuir um sistema muito sensível de percepção de luz, capaz de diferenciar duração, intensidade e qualidade. Um dos comprimentos de onda melhor percebidos pelas plantas fica na faixa do vermelho visível, até porque esse comprimento de onda influencia fortemente na fotossíntese. Mesmo assim, elas possuem receptores para perceber outros comprimentos de onda, incluindo praticamente todo o espectro visível e chegando até o ultravioleta.

O primeiro fotorreceptor descoberto nas plantas foi o fitocromo. Essa molécula possui uma capacidade muito interessante de mudar de conformação conforme o comprimento de onda da luz que a irradia. Assim, quando irradiado com luz vermelha (em torno dos 660 nm) ele fica na sua forma ativa e ao ser irradiado com vemelho extremo (em torno dos 720 nm), ele se converte novamente na forma inativa. Apesar da nomenclatura, as duas formas do fitocromo são capazes de desencadear respostas. Também existem vários tipos de fitocromo, específicos de certos órgãos ou fases do desenvolvimento. Portanto, as respostas das plantas à luz vermelha e vermelho extremo podem variar conforme o órgão ou mesmo a idade. Além do vermelho e do vermelho extremo, os fitocromos também possuem alguma absorção de luz na faixa do azul, podendo ser responsáveis por parte da absorção de luz dessa cor.

Muito menos conhecidos são os receptores que captam a luz azul e o UV-A, conhecidos como criptocromos e fototropinas. Os criptocromos são sensores que se encontram no núcleo das células e, portanto, parecem estar intimamente envolvidos com a transcrição de genes. Não se sabe ao certo o mecanismo de funcionamento dos criptocromos, mas parece que, ao serem ativados por luz azul, eles são capazes de transferir um elétron para outras moléculas, ativando-as também. Essa ativação parece ser revertida por luz verde. Já as fototropinas, apesar de serem estimuladas também no azul e UV-A, parecem não ter a reversibilidade na presença de luz verde. O mecanismo de ação delas, também não muito bem compreendido, parece ser através de auto fosforilação, desencadeando uma cascata.Os receptores de UV-B ainda não foram identificados, mas se sabe que exposição de plantas à luz desse tipo pode desencadear respostas fotomorfogênicas. O UV-B também estimula a produção e ativação de enzimas de reparo do DNA, apesar de não se saber ao certo se esse efeito seria resultado de uma sinalização direta ou uma resposta da planta ao dano no DNA causada nesse comprimento de onda.

Temperatura

A temperatura também é um importante indicativo ambiental de horário do dia e período do ano. Pouco se sabe sobre o sistema de percepção de temperatura nas plantas, uma vez que muitas das respostas à temperatura se confundem com seus

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Interações Planta-Ambiente

efeitos termodinâmicos – atrasando ou acelerando reações químicas, por exemplo. Mesmo assim, não há dúvidas de que as plantas possuam mecanismos complexos de percepção e adaptação do metabolismo à temperatura.

Pensa-se que a planta poderia sentir mudanças de temperatura diretamente, através de, por exemplo, mudanças na fluidez dos componentes celulares, principalmente a membrana. No entanto, já foi proposto um possível papel dos fitocromos gerando cascatas de sinalização provocadas por mudanças de temperatura. Já há algum tempo, na década de 60, foi notado que em algumas plantas, os efeitos da luz vermelha eram similares aos efeitos do frio, enquanto que efeitos causados por vermelho extremo eram parecidos com os de altas temperaturas. Sugeriu-se então que, no escuro, a interconversão das formas dos fitocromos se daria por variações de temperatura. Apesar de se conhecer pouco sobre esse assunto, parece que os cinco tipos de fitocromos encontrados em Arabidopsis thaliana (fitocromos A, B, C, D e E) estão envolvidos com a percepção de temperatura em diferentes faixas. Resultados obtidos com mutantes deficientes em cada um dos fitocromos apontam para uma importância maior do fitocromo E em temperaturas próximas aos 16oC e dos fitocromos B e D na faixa dos 22oC. O fitocromo A parece ser importante em todas as faixas de temperatura. Do fitocromo C nem perguntem. Respostas fisiológicas desencadeadas por percepção de temperatura incluem germinação, florescimento, tuberização, senescência das folhas e várias outras.

A temperatura também tem forte influência sobre a taxa fotossintética, assim como luz e concentração de CO2. Nas plantas C3, a assimilação do CO2 em condições saturadas desse gás é proporcional ao aumento da temperatura (embora apresente um limite). Acredita-se que essa resposta à temperatura se deva ao processo de fotorrespiração. A enzima Rubisco pode catalisar tanto as reações de carboxilação quanto as de oxigenação da RuBP (ribulose-1,5-bifosfato). Quando a Rubisco catalisa a oxigenação da RuBP, a planta entra no processo de fotorrespiração. Sob temperaturas moderadas (de 20 a 25 °C), a Rubisco fixa o CO2 na taxa de 3:1. Nas reações da RuBP, os sustratos CO2 e O2 são competitivos, tanto que aumentando a concentração de CO2 é possível inibir a oxigenação e vice-versa. Ambientes com temperaturas elevadas promovem a oxigenação e, portanto, a fotorespiração, por dois principais motivos: 1) a solubilidade do CO2 em meio aquoso diminui mais rapidamente em relação à do O2 e por isso a fotorespiração é favorecida e 2) os parâmetros cinéticos mudam e a especificidade da Rubisco diminui com um aumento da temperatura acima dos 35 e 40°C.

Nas plantas oleaginosas entre elas a soja, girassol, canola, mamona, palma, gergelim e dendê, a temperatura regula diretamente o perfil lipídico. O perfil dos lipídios armazenados em sementes de espécies oleaginosas que crescem em temperaturas baixas mostra uma grande quantidade de ácidos graxos poliinsaturados (com duplas ligações na cadeia carbônica) e aquelas que crescem em temperaturas elevadas produzem mais ácidos graxos saturados (de cadeia linear). As insaturações nas cadeias carbônicas dos lipídios aumentam sua fluidez. Por exemplo, a margarina possui lipídios com cadeias mais lineares do que o óleo.

Temperaturas elevadas (acima de 45°C) causam morte na maioria dos tecidos vegetais; porém sementes e grãos de pólen de algumas espécies chegam a suportar 120°C e 70°C respectivamente. Um dos riscos das plantas crescerem em altas temperaturas é de aumentar a permeabilidade celular tornando-lo mais fluido à membrana celular provocando maior perda de íons e outros compostos celulares. Nesses casos, os ácidos graxos saturados manteriam a estabilidade da membrana. Exposições breves e periódicas a altas temperaturas que seriam letais podem induzir à aclimatação. Plantas adaptadas a baixas temperaturas apresentam baixa resistência a altas temperaturas. Sob elevada temperatura, a planta

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2. Diversidade e Evolução

apresenta fotossíntese inibida, interferências na estabilidade das membranas e alterações na expressão gênica. Para reduzir os danos causados pelo aquecimento excessivo as plantas apresentam diversas adaptações: reflexão da radiação através de tricomas e cera cuticular, enrolamento foliar e orientação foliar vertical, folhas pequenas altamente divididas para maximizar a perda de calor por convecção e condução, produção de proteínas que protegem a estrutura celular (proteínas de choque térmico- HSP's).

Baixas temperaturas também podem induzir o estresse. Plantas de regiões tropicais e subtropicais são mais suscetíveis ao dano por resfriamento, pois são adaptadas a temperaturas elevadas. Quando elas sofrem resfriamento, apresentam um crescimento mais lento, podendo surgir descolorações ou lesões nas folhas, a folhagem parece estar encharcada (como se tivesse sido embebida em água por muito tempo) e murcham (mas apenas se a raiz também sofrer resfriamento). Os danos podem ser minimizados se a queda de temperatura for lenta e gradual. Além desses sintomas visíveis a planta pode sofrer outros danos como alteração na propriedade das membranas, inibição da fotossíntese, translocação mais lenta de carboidratos, taxas respiratórias mais baixas, inibição da síntese e aumento da degradação de proteínas. Pode ocorrer também um estresse devido ao congelamento, que ocorre em temperaturas abaixo do ponto de congelamento da água.

Água

As plantas, como todos os seres vivos, precisam de água para que o seu metabolismo e desenvolvimento funcionem normalmente. A água dentro das células vegetais participa diretamente em muitos processos. Além disso, o conteúdo hídrico de uma célula influencia a estrutura de suas proteínas, ácidos nucléicos, polissacarídeos e outros constituintes.

A presença de uma parede celular nas células vegetais permite que estas consigam resistir a grandes pressões de turgor que resultam da força exercida pela água sobre elas. Este tipo de pressão é necessário para diferentes processos fisiológicos, como o transporte de solutos no floema e xilema, assim como para a rigidez e estabilidade mecânica dos tecidos vegetais não lignificados.

Para sobreviver no ambiente, as plantas precisam continuamente regular seus teores de água. Essa regulação se dá principalmente por meio de uma comunicação entre as raízes e a parte aérea. Neste processo, a regulação estomática é de vital importância, já que os estômatos são a principal via de perda de água por transpiração. Em compensação, essas estruturas também constituem o principal local de entrada de CO2. Visto que as plantas precisam de CO2 para realizar a fotossíntese, elas devem balancear a perda de água e a absorção de CO2. A regulação da abertura estomática depende das concentrações de vapor de água, CO2 e das variações da pressão de turgescência das células guarda.

Quando procuram evitar um estado de seca, as plantas otimizam os seus processos de absorção e retenção de água, por meio do desenvolvimento das raízes permitindo o aumento da área de captação de água e rápidas respostas de fechamento estomático, como uma forma de evitar o estresse. Adicionalmente, existe um aumento no depósito de cera cuticular nas folhas, o que reduz ainda mais a perda de água. Numa condição de déficit hídrico a planta sofre perda de água devido a uma maior taxa de transpiração, quando comparada àquela de absorção de água. Em resposta a isso se dá o fechamento dos estômatos, mediado principalmente pelo ácido abscísico (ABA), um hormônio vegetal. O ABA pode ser produzido em resposta a um declínio de turgor percebido diretamente pelas células da folha

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Interações Planta-Ambiente

ou ainda à recepção de sinais provenientes das raízes. Ainda não se sabe ao certo como se dá essa integração entre a percepção mecânica da falta de água e o ABA, mas após a percepção do estresse, se iniciará uma cascata de transdução de sinal. Essa cascata de sinais termina com a ativação ou inativação de genes de tolerância, como a modulação da produção de ABA, a expressão de aquaporinas (proteínas de transporte de água), proteínas LEA (Late Embryogenesis Abundant- envolvidas na estabilização de outras proteínas quando o teor de água na célula é reduzido) e de osmoreguladores de efeito protetor.

Esses últimos, muito importantes na resposta de tolerância à seca, são compostos orgânicos capazes de alterar o potencial osmótico da célula vegetal (diminuindo-o), ajudando a manter o turgor e a entrada de água na célula sem prejudicar as atividades das enzimas presentes no citossol. Cabe salientar que cada vez mais se evidencia que a função dos osmólitos não é puramente osmótica. Dentre as funções de osmoprotetores como a prolina, se destaca o papel na prevenção da produção de radicais livres ou no seqüestro de espécies reativas de oxigênio (ROS, por suas siglas em inglês), que caracterizam um estresse secundário: o estresse oxidativo.

Cabe salientar que o déficit hídrico não somente acontece pela insuficiência de água no solo. Em ambientes com temperaturas muito baixas, por exemplo, as plantas ficam impossibilitadas de absorver água devido ao congelamento do solo. Em ambientes com elevada salinidade, os sais dissolvidos na solução do solo tornam seu potencial osmótico mais negativo, diminuindo, conseqüentemente, a disponibilidade da água para a planta. Os casos anteriormente descritos constituem a conhecida “seca fisiológica”, já que desencadeiam respostas muito similares àquelas do déficit hídrico tradicional (seca).

O outro extremo de um estresse hídrico seria uma condição de alagamento. A principal dificuldade encontrada pelas plantas é lidar com os baixos níveis de oxigênio. Em resposta, as plantas produzem sinais metabólicos de vários tipos. Nos períodos de alagamento elas alteram sua arquitetura, anatomia, metabolismo e crescimento como estratégia de sobrevivência. A privação do oxigênio interfere na taxa respiratória da raiz induzindo uma respiração aneróbica, esta devido à alta fermentação leva a uma redução nos conteúdos de carboidratos de reserva. Como uma forma de adaptação, muitas espécies que vivem em regiões alagadas são capazes de acumular carboidratos em seus tecidos durante o período de seca.

Nutrição

As raízes são os principais órgãos onde acontece a absorção de nutrientes, sendo elas as primeiras em perceber a falta ou excesso de determinado composto. A disponibilidade dos nutrientes para a planta vai depender de vários fatores, como o pH, umidade, temperatura, areação e mobilidade dos compostos entre as partículas do solo (interações com argilas e a matéria orgânica).

Cada nutriente tem principalmente quatro faixas de concentração com efeitos na planta, sendo que a amplitude delas varia conforme a espécie vegetal. A primeira faixa é aquela onde o elemento encontra-se abaixo das necessidades fisiológicas da planta para sua manutenção e crescimento. Uma segunda é na qual a planta consegue se desenvolver sem restrições nutricionais, aumentando sua massa seca. Uma vez atingido um máximo de crescimento por concentração do nutriente, a planta entra na terceira faixa, conhecida como "consumo de luxo", na qual a planta acumula nutrientes quando a disponibilidade deles é alta, liberando-os gradualmente em outros momentos, quando a absorção é insuficiente para suportar o crescimento. Por fim, quando o nutriente supera a faixa de "consumo de luxo", a

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planta é exposta a um estresse por toxidez, ocasionando geralmente a senescência da planta. Nesses casos, as altas quantidades de solutos nas raízes resultam em um potencial osmótico baixo, reduzindo o potencial hídrico do solo. Muitas das respostas acabam sendo similares de um déficit hídrico, como: redução de área foliar, crescimento das raízes e fechamento dos estômatos. Além disso, solos com altas quantidades de íons podem causar uma toxicidade iônica que ocorre quando concentrações prejudiciais de Na+, Cl- e SO42- acumulam-se nas células. O desbalanço nas quantidades de Na+ e K+ e concentrações altas de íons totais alteram os processos de ação de enzimas (inativando- as) e reduzem a síntese de proteínas, além de inibir a fotossíntese.

Porém, em condições naturais, é mais comum a falta de minerais do que o excesso deles. Os sistemas de absorção são um dos principais controles da planta para a entrada do elemento. Estes sistemas são classificados em sistemas de baixa afinidade e de alta afinidade. Ambos os tipos de transportadores permitem otimizar a nutrição da planta, atuando de maneira dependente das quantidades de nutrientes disponíveis tanto no meio ambiente quanto dentro da planta. Os transportadores de alta afinidade trabalham sob concentrações reduzidas do elemento e envolvem gasto de energia por parte da planta, já que seu transporte se dá contra o gradiente de concentração. Quando as concentrações do elemento aumentam, este tipo de transportadores é inibido. Os transportadores de baixa afinidade, por sua vez, funcionam em concentrações altas do nutriente (não tóxicas) e o transporte é a favor do gradiente de concentração, o que evita gasto de energia.

O controle destes sistemas não somente depende das concentrações dos elementos a serem transportados, mas também dos sinais internos da planta. Por exemplo: o nitrato, dependendo da sua concentração, pode sinalizar o crescimento da parte radicular ou aérea da planta. Sob baixos teores de nitrato demonstrou-se que um dos seus transportadores de alta afinidade, o NRT1.1, é expresso. Esse transportador também possui a capacidade de transportar auxina em direção à raiz, estimulando seu crescimento. Quando a planta encontrar áreas com teores mais elevados de nitrato no solo, o NRT1.1 para de funcionar e perde sua capacidade para transportar auxina. Concomitantemente, os transportadores de baixa afinidade são ativados e induz-se a síntese de citocininas, as quais são transportadas em direção ao ápice, estimulando o crescimento da parte aérea.

Fatores bióticos

As plantas estabelecem diversas interações com outros seres vivos. Dentre estes, podem ser citados animais polinizadores, herbívoros, outros vegetais e microorganismos. Neste capítulo será abordada a relação de bactérias e fungos com as plantas.

Os primeiros relatos sobre a existência de microorganismos não patogênicos aos vegetais começaram a surgir após a segunda metade do século XIX com a verificação da presença de bactérias em plantas que não apresentavam danos visivelmente aparentes. Ao final do referido século foram isolados microorganismos fixadores de nitrogênio de nódulos de leguminosas. Por muitos anos a grande maioria dos trabalhos referentes a relações benéficas entre plantas e microorganismos se concentrou nas leguminosas com nódulos desenvolvidos e funcionais. Contudo, passou a se observar que em cultivos contínuos de cana-de-açúcar não havia o decréscimo de nitrogênio no solo que seria esperado e a partir dessas constatações teve início o estudo sobre a presença de bactérias fixadoras de nitrogênio na região exterior e interior dos tecidos de cana-de-açúcar (sem haver formação de nódulos). Essas pesquisas foram crescendo a

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Interações Planta-Ambiente

partir da década de 80 do século XX sendo lideradas por Johanna Döbereiner. Nessa mesma época outros estudos sobre relações entre plantas e microorganismos ganharam importância: a pesquisa de presença de potenciais microorganismos promotores de crescimento também se estendeu para outras espécies vegetais. Apesar disso, a grande maioria desses trabalhos continua sendo sempre voltada para a agricultura.

Apenas alguns microorganismos dentro dos procariotos sintetizam a enzima nitrogenase e reduzem o N2 atmosférico a NH4+. Essas bactérias fixadoras de nitrogênio atmosférico também são denominadas por diazotróficas. Além de disponibilizar nitrogênio para as plantas, as bactérias podem: produzir e liberar aminoácidos e fitormônios; ser potenciais agentes de biocontrole; aumentar a resistência a estresses hídricos e osmóticos e ainda proporcionar aos vegetais outros benefícios. Não são apenas os microorganismos diazotróficos que podem agir como promotores de crescimento da planta. Outras bactérias e também fungos podem beneficiar os vegetais.

Na região do solo em que há influência das raízes (rizosfera), o número de microorganismos encontrados é de 10 a 100 vezes maior em relação às outras áreas do solo. Os microorganismos são atraídos pelos exudatos das raízes, secreções e deposição de material vegetal, podendo interagir com a planta, colonizando-a. No entanto, nem todos os microorganismos conseguem se estabelecer no interior ou mesmo exterior das plantas. Para esse estabelecimento, há uma intensa troca de sinais químicos entre plantas e microorganismos.

Aqueles que colonizam o interior do vegetal penetram nos tecidos através das áreas de emergência de raízes, feridas, lenticelas e estômatos ou ainda por penetração ativa na epiderme da raiz com secreção de enzimas hidrolíticas.

Com relação aos fungos, além do interesse por pesquisas com espécies que se estabelecem no interior do vegetal e podem trazer benefícios como a redução de ataques de insetos às plantas, uma relação muito estudada é a simbiose de micorrizas arbusculares. Essas últimas representam o tipo mais comum de micorrizas. Elas são formadas entre uma ampla variedade de espécies vegetais com fungos pertencentes à divisão Glomeromycota. Esses fungos precisam necessariamente se associar a uma raiz vegetal para completar o seu ciclo de vida. Os fungos disponibilizam para as plantas nutrientes como o potássio (que pode ter baixa mobilidade no solo) e o vegetal fornece carbono por meio de açúcares transferidos para o fungo que posteriormente vão utilizar esse elemento para a constituição do micélio (conjunto de hifas), aumentando assim a possibilidade de exploração do substrato. Em geral, essas associações apresentam pouca especificidade entre as espécies e ocorrem com grande freqüência.

Em solos pobres em nutrientes, as micorrizas arbusculares são uma relação mutualística, porém, em solos muito ricos, pode se estabelecer um parasitismo. Ao se analisar, em geral, as relações de microorganismos e plantas, deve-se considerar que um microorganismo promotor de crescimento em uma espécie vegetal pode não promover benefícios em outra. Inclusive, um determinado microorganismo pode estabelecer diferentes graus de relação com uma planta dependendo da fase de desenvolvimento e condições a que o vegetal se encontra. Sendo assim, diferentes relações podem ser estabelecidas, com a possibilidade de os microorganismos serem neutros, benéficos ou patogênicos para as plantas. Tendo em vista o grande número de pequenos organismos no entorno de uma planta há necessidade da presença de mecanismos de defesa para a sobrevivência do vegetal.

O próprio tecido da epiderme da planta é uma barreira física a entrada de

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2. Diversidade e Evolução

microorganismos. Essa barreira é mais ou menos eficiente dependendo de fatores como a quantidade e qualidade de cera e cutícula, da grossura e dureza da parede exterior da epiderme. Contudo, como citado anteriormente, existem aberturas que servem como porta de entrada para os microorganismos. Na parte aérea, em presença de bactérias, há evidências de fechamento dos estômatos para evitar a sua entrada. Porém muitos patógenos desenvolveram fatores de virulência que causam a reabertura estomática. Além das barreiras físicas, as plantas desenvolveram mecanismos de defesa bioquímicos que produzem compostos tóxicos ao patógeno ou impedem o seu desenvolvimento no interior do vegetal.

Apesar dos exudatos dos vegetais atraírem muitos microorganismos, neles também estão presentes substâncias que tem ação antimicrobiana. Além de liberar ao ambiente esses compostos, certas plantas contêm em suas células compostos que podem inibir o crescimento de possíveis patógenos (taninos, vários compostos fenólicos e alguns ácidos graxos são exemplos).

Há também defesas que são induzidas após a planta reconhecer moléculas específicas do patógeno: uma série de reações bioquímicas e mudanças estruturais ocorrem nas células das plantas para combater o agente causador de danos. Existem sinais que são transmitidos intracelularmente (ex: proteínas cinase, íons cálcio, peróxido de hidrogênio, etileno, etc.) e também sistemicamente (ex: ácido salicílico, ácido jasmônico, etileno, etc.). Assim a planta pode adquirir resistência sistêmica.

Existem respostas de defesa que abrangem estruturas citoplasmáticas, outras que envolvem a parede celular, outras estão relacionadas com produção de camadas de separação entre tecido infectado e sadio ou mesmo o desenvolvimento de uma zona de abscisão para as células injuriadas. Também pode haver produção de goma ao redor das células infectadas e desenvolvimento de protuberâncias nos vasos xilemáticos para prejudicar o deslocamento do patógeno. Por fim, a própria planta pode causar a morte das células assim que ocorre a invasão, para evitar que a infecção se espalhe (resposta de hipersensibilidade). Nesse último caso, uma área relativamente extensa de necrose impossibilita a nutrição do patógeno e ainda há uma concentração de compostos tóxicos ao invasor.

Concluindo, o meio ambiente em que a planta se encontra é repleto de organismos diversos que podem interagir com as plantas por meio de trocas de sinais químicos. Os vegetais, por sua vez, desenvolveram estratégias de defesa que podem variar de acordo com o tipo de patógeno e planta. É muito interessante o estudo dos mecanismos pelos quais uma planta permite a colonização em seu exterior ou mesmo interior por microorganismos que são promotores de crescimento enquanto ela combate os microorganismos patogênicos. Com relação aos promotores de crescimento, a ampla gama de possíveis benefícios proporcionados à planta ainda está sendo bastante pesquisada. Para o tema de interação plantas e microorganismos, no geral, ainda há muitas questões a serem elucidadas. Pesquisas nessa área podem trazer importantes avanços na agricultura e na compreensão do desenvolvimento vegetal nos mais variados ambientes.

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Interação Planta-Planta

Interação Planta-PlantaAlice Nagai

Bruna Silvestroni Pimentel

Alelopatia

O termo alelopatia é uma palavra de origem grega que significa allelon = de um para outro, pathos = sofrer. Pode ser definido como o efeito que uma planta causa em outra pela liberação de biomoléculas no ambiente, especialmente os metabólitos secundários. Esse efeito pode ser estimulatório ou inibitório.

Se os compostos liberados no ambiente influenciam negativamente o crescimento e desenvolvimento de outras plantas, não há a competição por água, luz e nutrientes. Em contrapartida, uma planta atacada por herbívoros ou patógenos pode liberar compostos que serão utilizados como sinais para que outras plantas ao redor possam sintetizar metabólitos de defesa.

O efeito alelopático depende do composto envolvido, da sua concentração e estabilidade, além da tolerância da planta. Diversas são as classes de substâncias consideradas como alelopáticas. Nesse capítulo, serão abordadas apenas algumas delas.

Ácidos fenólicos

Os ácidos fenólicos são biossintetizados a partir da via do chiquimato. Nessa via, são produzidos aminoácidos aromáticos, como a fenilalanina e a tirosina. A partir da fenilalanina, é produzido o ácido cinâmico que dá origem ao ácido ρ-cumárico, enquanto que este é sintetizado diretamente a partir da tirosina. O ácido ρ-cumárico é precursor de diversos outros ácidos fenólicos.

Os ácidos fenólicos e seus derivados podem ser encontrados em praticamente todos os solos terrestres. Dessa maneira, sua simples presença nesses ambientes não pode ser indicativa de que estejam agindo como alelopáticos. Deve ser levado em conta seu estado químico, concentração e os organismos envolvidos para avaliar se há efeito inibitório, estimulatório ou até mesmo nenhum efeito.

Devem ser obedecidos três fatores para que os ácidos fenólicos sejam considerados como alelopáticos:

1. Estar na forma ativa, ou seja, livres e protonados.

2. Envolvimento em interações químicas mediadas por plantas, microorganismos ou planta/microorganismos.

3. Estar em concentração suficiente para que seja possível a modificação do comportamento, seja positiva ou negativamente, de plantas ou microorganismos.

O efeito primário causado por essas substâncias é a redução da condutividade elétrica da água e da absorção de nutrientes pelas raízes. Secundariamente, há a redução de fotossíntese e da alocação de recursos para as raízes, aumento nos níveis de ácido abscísico e diminuição nas taxas de transpiração e na expansão da área foliar.

Alguns estudos demonstraram a ação alelopática de ácidos fenólicos em laboratório, como por exemplo, a ação do ácido ρ-cumárico (Figura 1) obtido de extratos de Buchloe

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2. Diversidade e Evolução

dactyloides Nutt (Engelm.) no crescimento de raízes de Poa annua L. Entretanto, essa questão é discutida entre os pesquisadores, uma vez que no campo essas substâncias são utilizadas e transformadas pelos microorganismos do solo, além de sofrerem processos como a ionização, a oxidação e a sorção em partículas do solo. Dessa forma, a ação alelopática dessas substâncias provavelmente não é desempenhada por apenas uma, mas por uma série de substâncias.

OH

COOH

Figura 1. Representação do ácido ρ-cumárico - um ácido fenólico com efeitos alelopáticos.

GLV (Green leaf volatiles)

Os GLVs são moléculas muito voláteis, cuja importância é a sinalização entre as plantas, além de permitir o reconhecimento ou a competição entre elas e entre outros organismos que as cercam.

Os GLVs são aldeídos e alcoois com seis átomos de carbono (C6) e seus ésteres (Figura 2). São biossintetizados a partir do ácido linolênico (C18:3) e linoleico (C18:2), que são ácidos graxos de cadeia longa que sofrem ação de enzimas ácido graxo hidroperoxido liase. A partir do ácido linoleico, por exemplo, forma-se o n-hexanal que sofre ação de álcool desidrogenases, obtendo-se n-hexanol.

Em tecidos intactos e sadios, a concentração dessas substâncias é baixa, ocorrendo grande aumento caso o tecido seja lesionado. Entretanto, pode haver o aumento da concentração dessas moléculas em tecidos sadios. Por exemplo, se folhas localizadas na parte inferior da planta forem atacadas, folhas da parte superior da planta podem produzir os GLVs como forma de defesa.

Isso ocorre, pois quando há ruptura de tecido a enzima que degrada os galactolipídeos é posta em contato com esse substrato, proporcionando o aumento de ácidos graxos livres que serão convertidos nos GLVs.

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Interação Planta-Planta

Figura 2. Moléculas de aldeídos, alcoois e éster de 6 átomos de carbono, esquematizando os GLVs.

Os GLVs podem agir em microorganismos, insetos e em plantas, sendo esses últimos organismos o foco desse capítulo. Quando as plantas são expostas a essas moléculas, há o disparo de diversas respostas de defesa. Uma delas é a produção de fitoalexinas, que são substâncias produzidas após o ataque de um patógeno.

Além disso, se uma planta é atacada por um herbívoro ou patógeno, ela libera os GLVs que são captados por plantas vizinhas, podendo acontecer dois tipos de resposta:

1. A planta adsorve as moléculas sinalizadoras e subsequentemente as libera, atraindo predadores dos herbívoros, caracterizando um processo passivo ou;

2. A planta aumenta a taxa de emissão de voláteis assim que é infestada pelos mesmos herbívoros que atacaram as vizinhas, o que caracteriza um processo ativo.

Para observação do efeito dos GLVs, foi feito um experimento no qual plantas de Phaseolus lunatus L. eram expostas a folhas que produziam voláteis induzidos por herbívoros e a folhas que não foram infestadas por herbívoros (ácaros - Tetranychus urticae). Foi observado que as plantas expostas a folhas produtoras de voláteis induzidos por herbívoros, produziram maior quantidade de outros voláteis, como o (E)-β-ocimeno, comparado a plantas expostas a folhas não infestadas e que não liberaram os voláteis.

Derivados do ácido cinâmico

Dentre os derivados do ácido cinâmico, pode-se destacar os flavonoides (Figura 3) que são substâncias biossintetizadas a partir de duas vias metabólicas. Uma delas é a via do ácido chiquímico, da qual é proveniente o anel B e os três carbonos centrais; e a outra é a via do ácido malônico, de onde se origina o anel A.

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2. Diversidade e Evolução

O

O

Figura 3. Representação do esqueleto básico de alguns grupos de flavonoides.

Alguns flavonoides possuem ação alelopática por serem potentes inibidores do metabolismo energético, bloqueando as funções das mitocôndrias e cloroplastos. Eles são os segundos inibidores da captação de oxigênio nas mitocôndrias, perdendo apenas para as quinonas.

A inibição da captação do oxigênio ocorre, pois os flavonoides causam interferências na organização das membranas internas das mitocôndrias, bloqueando o transporte de elétrons. Além disso, eles também inibem a hidrólise de ATP catalisada pela Mg2+ ATPase mitocondrial. Nos cloroplastos, há inibição da fotofosforilação.

Foi constatado que flavonas de Carex distachya inibiram a germinação das plantas Dactylis hispanica, Petrorhagia. velutina e Phleum subulatum e algumas delas como o glicosídeo de apigenina apresentaram redução do crescimento das espécies citadas.

Terpenóides

Os terpenóides são amplamente utilizados em fragrâncias há mais de dois mil anos. Todos os terpenóides possuem unidades repetidas de cinco carbonos chamadas isoprenos (Figura 4), que são provenientes da Via do Acetato Mevalonato e/ou da Via do Metileritritol Fosfato e são divididos em grupos de acordo com a quantidade de isoprenos/número de carbonos presentes em suas estruturas. Grande parte das substâncias alelopáticas fitotóxicas são derivadas das vias dos terpenoides e apenas uma pequena parte dessas substâncias possuem o modo de ação conhecido. No presente capítulo citaremos apenas três classes de terpenoides: monoterpenos, sesquiterpenos e diterpenos.

1.4.1. Monoterpenos

Os monoterpenos são terpenoides que apresentam dez átomos de carbono em sua estrutura, ou seja, duas unidades de isopreno. Diversos monoterpenos são considerados fitotóxicos e foram propostos como estruturas iniciais em potencial para herbicidas. No entanto, os únicos monoterpenos com estudos significantes são os cineóis. Estudos demonstram que concentrações relativamente altas de 1,8-cineol inibem a respiração mitocondrial de organelas isoladas. Os óleos voláteis de Salvia leucophylla Greene e Artemisia californica Less. geram um efeito inibitório intenso, impedindo o crescimento de outras plantas num raio de 1 a 2 metros, gerando zonas de solo nu em torno de arbustos. Estudos apontam os monotrepenos 1,8-cineol e cânfora (S. leucophylla) e α-tujona e isotujona (A. californica), entre outros, como as substâncias responsáveis por esse efeito inibitório (Figura 5).

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A

B

C

Figura 4-Representação da molécula de isopreno.

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Interação Planta-Planta

Figura 5. Representação da a.isotujona, b.α-tujona, c. 1,8 cineol e d.cânfora.

1.4.2. Sesquiterpenos

Sesquiterpenos são terpenoides que apresentam quinze átomos de carbono em sua estrutura, ou seja, três unidades de isopreno. Diversos trabalhos têm sido publicados com atividades fitotóxicas dos sesquiterpenos, no entanto, há pouca literatura referente aos sítios moleculares específicos dessas substâncias. Artemisina (Figura 6) é um sesquiterpeno altamente tóxico encontrado apenas nos tricomas glandulares de Artemisia annua L. e foi primeiramente testado como fitotoxina devido à sua alta atividade contra Plasmodium spp, parasitas da malária. Outro teste realizado com a artemisina foi com raízes de cebola e notou-se que esse composto inibia todas as fases da mitose.

1.4.3. Diterpenos

Diterpenos são terpenoides que apresentam vinte átomos de carbono em sua estrutura, ou seja, quatro unidades de isopreno. Existem poucos diterpenos relatados como fitotoxinas produzidos por plantas e muitos já descritos produzidos por fungos. Os diterpenos possuem efeito sobre a germinação e crescimento das plantas, mas não se sabe sobre seus modos de ação. Os mais estudados são as podolactonas (Figura 7) que inibem o crescimento e outros processos fisiológicos, como por exemplo inibição da síntese de clorofila e do crescimento induzido por hormônios. Alguns desses compostos foram sugeridos como modelos de herbicidas devido a sua alta fitotoxicidade comparado aos herbicidas comerciais.

O

O

OO

O

OHOHCH3

H

Figura 7 - Representação da nagilactona C, uma podolactona.

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Figura 6-Representação da molécula da artemisina

OH

H

O

O

O O

H

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2. Diversidade e Evolução

Aplicações da Alelopatia

Os herbicidas sintéticos utilizados atualmente, além de ser impactantes para o ambiente, estão ficando cada vez mais ineficientes. Em contrapartida, os compostos alelopáticos agem de forma sistêmica e são mais facilmente biodegradáveis. Dessa maneira, a utilização desses últimos como forma alternativa de controle de plantas daninhas, por exemplo, contribuiria para a realização de agricultura sustentável.

Outro ponto a ser enfatizado é o conhecimento de plantas que liberam substâncias alelopáticas em locais de produção em que é praticada a rotação de cultivos para que a cultura anterior não interfira de modo negativo na produção da próxima. Exemplos da ocorrência disso são os restos de produção do trigo que retardaram o crescimento do algodão ou do arroz; e os restos da planta da soja que inibiram o desenvolvimento das raízes do milho.

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Plantas Parasitas

Plantas ParasitasLuíza Teixeira

Vitor Barão

Plantas parasitas sempre despertaram a curiosidade de observadores, sendo conhecidas e descritas pela humanidade há muito tempo. Entretanto, ainda hoje muitas observações erradas são feitas a respeito dessas plantas. As confusões mais comuns envolvem epífitas em geral e lianas, além de plantas saprófitas e até mesmo as plantas carnívoras. A Tabela 1 lista as principais diferenças entre esses diferentes tipos de plantas.

Tabela 1. Comparação entre plantas frequentemente confundidas com parasitas

Grupo de plantas

Exemplos

Dependência nutricional em relação à outra planta

Localização das raízes

Fonte de energia

Epífitas

Orquídeas

Bromélias

Líquens

Não

Fora do solo (sobre outra planta, rochas, etc.)

Autótrofa

Lianas Cipós Não Solo Autótrofa

Carnívoras

“Copo de macaco”

Drósera

Não Solo

Autótrofa (digerem pequenos invertebrados para obter nutrientes)

Saprófitas“Planta fantasma”

NãoEm contato com alimento

Saprofítica (alimentam-se de matéria orgânica em decomposição)

Parasitas

“Erva-de-passarinho”

“Cipó-chumbo”

Sândalo

Total, parcial ou facultativo

Em contato com tecidos da planta hospedeira

Autótrofa ou Heterótrofa

Tendo em vista esse tipo de confusão, Job Kuijt, em seu livro The Biology of Parasitic Flowering Plants (1969), define as plantas parasitas como aquelas que apresentam órgão denominado haustório, responsável pela conexão entre a parasita e sua hospedeira. O primeiro registro de uso deste termo é atribuído a de Candolle, em 1813, para descrever a “ponte anatômica” entre uma parasita (Cuscuta sp.) e sua hospedeira.

Embora essa seja a definição mais amplamente aceita na literatura, é importante mencionar que o termo haustório é também empregado para diversas outras estruturas como, por exemplo, o tubo polínico (haustorial) presente em Ginkophyta. No caso da comunicação parasita-hospedeira, esse órgão atua, então, como uma ponte fisiológica entre as referidas plantas, permitindo a passagem de água, nutrientes, hormônios, etc.

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2. Diversidade e Evolução

Classificação

A primeira classificação das plantas parasitas foi proposta por Pfeiffer (1789), que as dividiu em três grupos, utilizando características relacionadas ao hábito da parasita e à morfologia da hospedeira. Atualmente, embora não haja uma classificação formal para essas plantas, costuma-se dividi-las de acordo com três principais critérios, resumidos na Tabela 2.

Tabela 2. Resumo das principais classificações de plantas parasitas

Critério de classificação

Classes Exemplos

Órgão parasitado na hospedeira

Caule

Raiz

Psittacanthus spp.

Rafflesia spp.

Grau de dependência em relação à hospedeira

Facultativo

Obrigatório

Triphysaria spp.

Striga spp

Status fotossintético

Hemiparasitas

Holoparasitas

Viscum spp.

Orobanche spp.

Quanto a esse último critério apresentado, é importante notar que não se trata apenas de presença/ausência de clorofila ou de atividade fotossintética. Um dos mais conhecidos gêneros de holoparasitas, o gênero Cuscuta, apresenta espécies nas quais já foi observada presença de clorofila funcional em plastídeos. Entretanto, embora seja capaz de produzir fotoasssimilados, tal produção ocorre em quantidade insuficiente para sua sobrevivência. Por fim, outros tipos menos comuns de classificação para plantas parasitas podem envolver, como já mencionado, o hábito e também o grau especificidade do parasitismo. Em relação ao primeiro critério, diversos hábitos são observados, desde ervas (ex. Rhinanthus spp.) e trepadeiras (ex. Cassytha spp.) até arbustos (ex. Olax spp.) e árvores (Santalum spp.).

Quanto ao grau de especificidade, certas parasitas são conhecidas por sua ampla gama de hospedeiras, como Dendrophthoe falcata, com 343 hospedeiras listadas; enquanto outras são notáveis por sua especificidade de hospedeiros, como Psittacanthus sonorae, observada apenas sobre Bursera sp. E Elaphrium sp. (ambas da família Burseraceae).

Diversidade e Evolução

Independentemente da classificação adotada, é notável a grande diversidade apresentada pelas plantas parasitas, que podem ser encontradas em praticamente todos os locais do globo. Dentro do reino Vegetal, acredita-se atualmente que o hábito parasitário tenha evoluído independentemente 12 vezes, sugerindo que diversas linhagens ancestrais tenham apresentado certa flexibilidade de desenvolvimento, possibilitando o surgimento

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Plantas Parasitas

desse modo de vida.

Baseando-se na classificação proposta no APG III, as plantas parasitas estão distribuídas em 20 famílias, com um total de aproximadamente 270 gêneros, sendo 1% de todas as espécies de Angiospermas atualmente conhecidas. Dentre essas famílias, as principais com ocorrência no Brasil são Loranthaceae, Viscaceae, e Apodanthaceae.

Relações ecológicas

Plantas parasitas apresentam reconhecida importância em comunidades naturais, podendo atuar como espécies-chave em diversos níveis de interações específicas e de dinâmicas populacionais. Um dos efeitos mais notados refere-se à promoção de ciclos de extinção e reaparecimento local de espécies, o que pode favorecer o aparecimento, crescimento ou a disseminação de outra espécie na comunidade.

Outro efeito, que vem sendo apontado em trabalhos recentes, aborda o papel das parasitas na ciclagem de nutrientes da comunidade. Durante seu ciclo de vida, uma planta parasita utiliza-se dos recursos captados pela hospedeira, sejam eles recursos minerais ou fotoassimilados. Quando ocorre queda das folhas da parasita, parte desses nutrientes é então transferida para o solo por sua decomposição, tornando-se disponível para plantas do extrato herbáceo.

Quanto às relações que apresentam com a fauna, muitas espécies de plantas parasitas constituem uma importante fonte de recursos, fornecendo alimento para animais desde insetos até pequenos mamíferos, que podem consumir suas folhas (ricas em nitrogênio), flores e frutos, atuando, em alguns casos, como polinizadores e dispersores.

No caso particular do consumo de frutos, as amplamente conhecidas “ervas-de-passarinho”, produzem frutos consumidos em larga escala por pequenos pássaros que, ao defecarem ou limparem o bico, depositam as sementes da parasita sobre os galhos de uma potencial hospedeira. As sementes, que desde o interior do fruto encontram-se envoltas em uma substância mucilaginosa (viscina), ao serem depositadas nos galhos ficam firmemente aderidas, permitindo o desenvolvimento inicial da parasita.

Curiosamente, alguns estudos atuais envolvendo a avifauna dispersora das “ervas-de-passarinho” têm apontado um possível efeito mutualístico na relação parasita-hospedeira. Nestes casos, em que parasita e hospedeira apresentam dispersão de frutos realizada pela mesma espécie, a parasita pode atuar aumentando o fitness reprodutivo de sua hospedeira, atraindo um maior número de dispersores.

Outro tipo interessante interações de espécies envolvem duas plantas parasitas, que podem ser da mesma família e, até mesmo, do mesmo gênero. São os casos de hiperparasitismo (ou epiparasitismo), que geralmente envolvem espécies bastante específicas (baixa gama de hospedeiras), que utilizam outra parasita como sua hospedeira. Os exemplos concentram-se em membros da família Santalaceae, como Viscum loranthi (sobre espécies de Loranthaceae), Dendrophtora epiviscum (sobre outras espécies do mesmo gênero) e Phoradendron falcatum (sobre outras espécies do mesmo gênero).

Por fim, há ainda casos não raros de autoparasitimo, que pode se originar do brotamento de um novo indivíduo sobre os ramos da planta mãe, como observado em Viscum monoicum, ou se originar da simples conexão entre ramos do mesmo indivíduo, como em observado Cuscuta reflexa e Struthanthus flexicaulis.

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2. Diversidade e Evolução

Anatomia

Algumas holoparasitas passam a maior parte de seu ciclo de vida restritas ao interior do corpo de suas hospedeiras, sendo observadas facilmente apenas durante seu período reprodutivo, quando suas flores e frutos emergem através do caule ou da raiz da planta hospedeira. Endoparasitas, como são chamadas essas plantas, são constituídas basicamente por esse conjunto de tecidos localizados no interior do corpo da hospedeira, ao qual se dá o nome de endófito.

A estrutura geral do endófito costuma ser bastante simples, composta apenas por massas de células parenquimáticas instaladas no interior dos tecidos das hospedeiras. Até hoje relativamente pouco se conhece sobre as relações entre o endófito e os tecidos da hospedeira, devido principalmente à dificuldade de identificar anatomicamente quais células constituem tecidos da hospedeira e quais constituem tecidos da parasita.

Algumas plantas ectoparasitas – parasitas cujos tecidos encontram-se no exterior do corpo da hospedeira – também podem apresentar endófitos, como é, por exemplo, o caso de certas espécies do gênero Phoradendron (Viscaceae). Essas espécies apresentam tecidos que crescem entre o xilema e o floema da hospedeira, formando cordões de tecido da parasita que se podem se estender através do corpo da hospedeira e levar à emersão de novas partes aéreas em pontos diferentes dos galhos.

Como mencionado anteriormente, a conexão entre uma planta e sua hospedeira é o que define o parasitismo. Essa ligação se dá através de haustórios, que são estruturas especializadas na obtenção de água, minerais e, no caso das holoparasitas, fotossintetatos. Embora análogos às raízes, os haustórios nem sempre são homólogos a ela, resultando da diferenciação de órgãos variados.

Os haustórios são formados por células vasculares envolvidas em tecido parenquimático, muitas vezes havendo também células secretoras associadas, responsáveis pela produção de enzimas digestivas para a dissolução das paredes celulares e penetração no sistema vascular da hospedeira. As células diretamente envolvidas com a absorção de água, sais e açucares são chamadas “sinker cells” e se conectam ao xilema apenas, no caso das hemiparasitas, ou ao floema e ao xilema, no caso das holoparasitas. Acredita-se que a passagem de seiva ocorra apenas por gradiente de potencial hídrico, sendo o potencial das parasitas mais negativo do que das hospedeiras. No entanto ainda há muitas dúvidas e estudos sendo conduzidos sobre este assunto.

O primeiro haustório a se estabelecer, durante a instalação da plântula, é chamado haustório primário e os demais, formados durante o desenvolvimento da planta, haustórios secundários. Em algumas espécies ocorre formação apenas do haustório primário, enquanto outras apresentam várias conexões, como por exemplo, Struthanthus vulgaris, que possui raízes epicorticais: raízes que crescem sobre os galhos da hospedeira, de onde se diferenciam muitos haustórios.

Em algumas hospedeiras, a penetração dos haustórios provoca a formação de galhas, que são definidas como um tecido quimérico formado na região de infestação cujo crescimento é provocado normalmente pela proliferação de tecido parenquimático de ambas as plantas (parasita e hospedeira).

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Plantas Parasitas

As plantas parasitas consomem recursos das hospedeiras de diversas formas, o que pode significar prejuízos variados. Ervas de passarinho transpiram em geral mais do que suas hospedeiras, levando à competição por água. Por causa dessa demanda por água, o sistema hidráulico é submetido a condições mais extremas e, em alguns casos, pode sofrer alterações anatômicas para que o sistema vascular continue funcional. Podem ocorrer também mudanças na densidade de vasos, no diâmetro dos elementos condutores e no comprimento das fibras.

Impactos Econômicos e Controle

Embora as plantas parasitas apresentem importantes papéis em comunidades naturais, como já mencionado, é necessário lembrar os impactos negativos que essas plantas podem causar à agricultura e à economia.

Dados de diversos anos apontam perdas massivas de produção agrícola em países dos Estados Unidos e da África, podendo chegar a cerca de 90% de perda, causada principalmente por espécies dos gêneros Orobanche, Phelipanche e Striga. Outros efeitos deletérios frequentemente mencionados incluem impactos causados ao crescimento e à arquitetura hidráulica das hospedeiras.

Tendo em vista as perdas mencionadas, diversas metodologias de controle e de erradicação de plantas parasitas vêm sendo propostas e testadas, sendo que as mais simples incluem a poda seletiva de ramos parasitados e a remoção individual da parasita. Entretanto, tais metodologias apresentam baixa eficácia devido à relação parasita-hospedeira, especialmente no que diz respeito aos fatores metabólicos.

Metodologias mais elaboradas procuram focar-se em características individuais da espécie parasita e, em alguns casos, da hospedeira, uma vez que a relação entre essas plantas pode variar amplamente entre um caso e outro. Dentre essas metodologias é possível mencionar o controle biológico, utilizando fungos, bactérias e alguns artrópodes.

Ainda dentro dessa temática, pesquisas atuais, especialmente em Agricultura, têm se focado na elaboração de técnicas de manejo baseadas no ciclo de vida das parasitas, utilizando-se de substâncias químicas sintetizadas a partir de hormônios vegetais. Uma melhor compreensão dos processos envolvidos nos estágios desde a germinação até o estabelecimento da parasita possibilita saber o melhor momento para que se empreguem técnicas de controle.

Bibliografia

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2. Diversidade e Evolução

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6H2O + 6CO

2 C6H

12O

6 + 6O

2

Fotossíntese

Respiração

A origem do cloroplasto e a evolução dos eucariontes fotossintetizantes

A origem do cloroplasto e a evolução dos eucariontes fotossintetizantes

Cíntia Iha

Registros fósseis indicam que já havia vida na Terra há cerca de 3 bilhões de anos. Nessa época, a única forma de vida eram células procarióticas, que viviam em um ambiente pobre em oxigênio e rico em gás carbônico e outros gases. As primeiras evidências concretas do aparecimento de organismos fotossintetizantes datam de 2,8 a 2,5 bilhões de anos atrás. As evidências fósseis, geoquímicas e moleculares indicam que esses organismos eram semelhantes às cianobactérias atuais. Esses dados mostram que a origem das cianobactérias e da fotossíntese oxigênica foram concomitantes na história da vida na Terra.

As cianobactérias e a fotossíntese oxigênica permitiram grande modificação do ambiente. A reação da fotossíntese absorve o gás carbônico atmosférico e libera oxigênio (Figura 1). Com o passar dos milhões de anos, o oxigênio foi se acumulando e culminou na primeira grande poluição atmosférica. A maioria dos organismos procariontes que existiam possuíam um metabolismo redutivo anaeróbio pouco eficiente e morreram por causa da oxidação, resultante do acúmulo de oxigênio. Essa oxidação do ambiente permitiu dois eventos muito importantes: o primeiro foi o aparecimento de um metabolismo muito mais eficiente – a respiração aeróbia (Figura 1); o segundo foi o consequente surgimento dos organismos eucariontes.

Figura 1. Fotossíntese e respiração. Os reagentes da fotossíntese são os produtos da respiração e vice-versa.

Os primeiros eucariontes apareceram há cerca de 1,5 bilhões de anos. O fato impressionante é que a diversificação dos eucariontes ocorreu de forma bastante rápida, em comparação ao tempo entre do surgimento da vida até o aparecimento do primeiro eucarionte. Do aparecimento da vida até o surgimento da primeira célula eucariótica se passaram 2 a 1,5 bilhões de anos; do aparecimento do eucariotos até os dias de hoje, cerca de 1,5 bilhões de anos. A diversidade atual e já extinta de eucariontes é enorme. Provavelmente esse bloom evolucionário de eucariontes só foi possível em decorrência de um terceiro evento ocasionado pela oxidação da atmosfera: o surgimento da camada de ozônio, que protegeu a vida contra os raios UV, que danificam a estrutura do DNA.

O nosso planeta está repleto de vida fotossintetizante, sendo que os únicos

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2. Diversidade e Evolução

procariontes fotossintetizantes conhecidos são as cianobactérias. Todas as outras formas de vida que fazem fotossíntese são eucariontes. O surgimento do eucarionte fotossintetizante ocorreu graças a uma cianobactéria que viveu simbioticamente dentro de uma célula eucarionte, até então não fotossintetizante. Esse evento é chamado de endossimbiose. O advento da endossimbiose deu capacidade às células eucarióticas de captar luz e fixar carbono, gerando seu próprio alimento, o que foi vantajoso para elas. A cianobactéria também se beneficiou, pois recebeu abrigo e proteção da célula eucariótica. Ocorreu então uma coevolução entre a célula hospedeira e a cianobactéria intracelular, que evoluiu para organelas, hoje conhecidas como cloroplastos. Essa coevolução permitiu a origem e o desenvolvimento das plantas e algas atuais.

A ideia básica sobre a origem dos cloroplastos parece muito simples: a endossimbiose de uma cianobactéria dentro de uma célula eucariótica, em que ambas se beneficiam e podem coevoluir. Porém, a realidade é muito mais complicada. Existem eucariontes fotossintetizantes de vários tamanhos, desde as plantas terrestres e grandes macroalgas até unicelulares, como as microalgas. Além disso, esses organismos podem ser sésseis ou móveis e ocupam todos os ambientes: terrestre, aquático, do o equador aos polos. A diversidade de eucariontes fotossintetizantes é enorme e muitos desses organismos não evoluíram juntos. Esse capítulo vai mostrar um panorama geral da origem do cloroplasto e como esse evento permitiu a diversidade de organismos eucariontes fotossintetizantes.

As algas e sua diversidade

Para tratar da evolução do cloroplasto e dos organismos eucariontes fotossintetizantes é necessário ter uma visão geral da diversidade desses organismos. Tradicionalmente, as algas são todas as formas de vida fotossintetizante com clorofila a que não são as plantas terrestres. Essa visão era suficientemente ampla para incluir organismos tão distintos como procariontes (as cianobactérias) e eucariontes. Dos eucariontes são considerados “algas” tanto organismos próximos às plantas terrestres como protozoários próximos a organismos não fotossintetizantes. De modo geral, as algas estão supostamente unificadas com base na fotossíntese oxigênica, apesar de essa habilidade não retratar uma evolução originada de um mesmo ancestral comum.

Todas as formas de vidas existentes hoje estão divididas em três domínios: Bacteria e Archaea (procariontes) e Eukarya (todos os organismos eucariontes). A fotossíntese oxigênica está presente nos domínios Bacteria (apenas nas cianobactérias) e Eukarya, espalhada em diversos grupos. É consensual que a origem dos eucariotos é única, ou seja, ocorreu apenas uma vez, porém existem várias evidências mostrando que os organismos eucariontes fotossintetizantes surgiram diversas vezes. Para entender essa diversidade dos eucariontes fotossintetizantes será passado brevemente quem são esses organismos.

Atualmente são reconhecidos cinco grandes grupos em Eukarya: Unicontes (dividido em Opistocontes e Amoebozoa), Archaeplastida, Rhizaria, Chromoalveolados (divididos principalmente em Alveolados e Estramenópilas) e “Excavados” (dividido em Excavados e Discicristados). Apenas um deles não possui representantes fotossintetizantes: os Unikontes (Figura 2).

A primeira vez que ocorreu a endossimbiose foi com ancestral comum do grupo Archaeplastida (archae = antigo; plastida = cloroplasto). Esse evento ocorreu apenas uma vez e é chamado de endossimbiose primária. Todas as espécies desse grupo são

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A origem do cloroplasto e a evolução dos eucariontes fotossintetizantes

fotossintetizantes e existem fortes indícios de ser um grupo monofilético. Existem três grandes linhagens distintas: Rhodophyta, que são as algas vermelhas; Chloroplastida, que inclui as algas verdes e as plantas terrestres; e Glaucophyta.

O grupo Rhizaria possui organismos que são majoritariamente ameboides e fazem parte, principalmente, do plâncton do mar. Porém existem também organismos de água doce e terrestres. Fazem parte desse grupo: Radiolaria, Foraminifera, Plasmodiophora, Heliozoa e Cercozoa. Apenas em Cercozoa existem organismos fotossintetizantes, as “cloraraquiniófitas” (Chlorarachniophyta). Estas algas são unicelulares, marinhas. Apesar de elas serem fotossintetizantes, estão bastante relacionadas com organismos heterotróficos.

Figura 2-Árvore filogenética de Eukarya, mostrando os grandes grupos. (Baudalf, 2008)

Estramenópilas fotossintetizantes constituem em torno de onze linhagens distintas, todas elas com cloroplasto com clorofila a e c. Entre elas estão dois grupos que são ecológica e economicamente importantes: as diatomáceas e as algas pardas, juntos formam o grupo heterocontes. As diatomáceas são microalgas muito abundantes no plâncton marinho e de água doce. Possuem uma carapaça de sílica bipartida que se encaixam como uma caixa com uma tampa. As algas pardas (Phaeophyceae) são macroalgas que estão amplamente distribuídas no globo terrestre, principalmente nas regiões temperadas. Existem espécies enormes, que podem chegar a 60 metros de comprimento e formam verdadeiras florestas subaquáticas, conhecidas como florestas de kelps.

Dentro do grupo dos alveolados, apenas os dinoflagelados possuem representantes fotossintetizantes, mesmo assim, não são todos. Dinoflagelados formam um grupo diverso, predominantemente unicelular. Apenas metade deles é fotossintetizante, mas há indícios que o ancestral comum do grupo era capaz de realizar fotossíntese e, ao longo da evolução, uma parte perdeu essa capacidade. Apicomplexas são grupo-irmão dos dinoflagelados e inclui importantes agentes que causam doenças, como malária (Plasmodium) e toxoplasmose. Todos os apicomplexas, apesar de não fazerem fotossíntese, possuem um cloroplasto vestigial chamado apicoplasto, sugerindo que o ancestral comum entre dinoflagelados e os

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2. Diversidade e Evolução

aplicomplexas era fotossintetizante.

As haptófitas e as criptófitas são algas evolutivamente próximas das estramenópilas. Elas também possuem cloroplasto com clorofilas a e c, o que sugere que o ancestral comum entre as estramenópilas, haptófitas e criptófitas já possuía cloroplasto com clorofila c.

Os únicos organismos fotossintetizantes dos excavados são as euglenófitas. Ainda assim, apenas uma parte delas possuem cloroplastos. As euglenófitas são unicelulares de vida livre que ocorrem nos ambientes marinhos e de água doce.

Endossimbiose primária

Todos os organismos que fazem fotossintetizante oxigênica possuem clorofila a como molécula principal para captação luz. Essa molécula está associada a um sistema químico e fotoquímico tão complexo que chega a ser inconcebível a ideia de que ela possa ter surgido mais de uma vez no planeta. Já foi dito anteriormente que a clorofila a surgiu nas cianobactérias, antes do aparecimento do primeiro eucarionte e que existem evidências que sugerem veementemente que o cloroplasto dos organismos eucariontes surgiu com a endossimbiose de uma cianobactéria dentro de uma célula eucarionte hospedeira. Com isso, a maior evidência de que os eucariontes fotossintetizantes surgiram a partir dessa endossimbiose a origem única da clorofila a.

O cloroplasto dos eucariontes que evoluíram da endossimbiose de uma cianobactéria possui duas membranas. Esses cloroplastos são chamados de primários ou simples. Existem duas explicações para a presença dessas duas membranas. A hipótese mais comum é que a membrana interna era a membrana plasmática da cianobactéria, enquanto que a membrana mais externa é do fagossomo (vacúolo digestivo) da célula eucarionte. A outra explicação é que tanto a membrana interna como a externa pertenciam à cianobactéria original. Neste caso, assume-se que a membrana do fagossomo foi perdida. As cianobactérias são bactérias gram-negativas, isso é, a parede celular delas é constituída camada de peptidioglicano envolvendo a membrana plasmática e, externamente a essa camada há outra membrana lipoprotéica. Durante a evolução dos cloroplastos, a camada de peptideoglicano foi perdida, mantendo-se as duas camadas lipoproteicas - a membrana plasmática e a membrana lipoproteica mais externa da parede celular.

De modo geral, a endossimbiose ocorre de forma bem corriqueira no planeta. Vários casos podem ser citados, o mais comum é dos recifes de corais. Os corais são cnidários que possuem dentro de suas células endossimbiontes que são dinoflagelados, chamados zooxantelas. São as zooxantelas que promovem as cores dos corais. Elas realizam fotossíntese e fornecem alimento para os cnidários, que por sua vez, fornecem abrigo para elas. Quando há um desequilíbrio ambiental, seja por poluição ou aumento da temperatura da água, os cnidários expulsam as zooxantelas de suas células, o que provoca o branqueamento dos corais. No caso das plantas e das algas, elas não são capazes de expulsar os cloroplastos de suas células. Ao longo da coevolução das células vegetais e dos cloroplastos ocorreu uma transferência lateral de genes. Ou seja, genes que pertenciam à cianobactéria foram transferidos para o núcleo da célula hospedeira. Esta, por sua vez, passou a produzir as proteínas importantes para a vida da cianobactéria, tornando-a dependente da célula hospedeira. Se a transferência lateral de genes não tivesse ocorrido, provavelmente a cianobactéria não iria coevoluir para o cloroplasto da célula vegetal.

A célula hospedeira ancestral, que adquiriu o cloroplasto primário, deu origem a três

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A origem do cloroplasto e a evolução dos eucariontes fotossintetizantes

linhagens bem definidas: as glaucófitas, as algas vermelhas e as algas verdes (que inclui as plantas terrestres). Esses três grupos formam uma linhagem monofilética chamada Archaeplastida. Todos os outros organismos fotossintetizantes adquiriram cloroplasto a partir de um eucarionte da linhagem Archaeplastida e não de uma cianobactéria, esse evento é chamado de endossimbiose secundária.

As glaucófitas constituem um pequeno grupo de algas unicelulares de água doce. O cloroplasto das glaucófitas, chamado de cianela, agrega várias evidências da endossimbiose primária. As cianelas ainda mantêm vestígios da camada de peptideoglicano (componente da parece célula da cianobactéria) entre as duas membranas. Os cloroplastos das algas vermelhas e as cianelas possuem pigmentos para captação de luz semelhante ao das cianobactérias atuais (clorofila a e ficobiliproteínas). As algas verdes, grupo diverso que inclui desde organismos unicelulares até as plantas terrestres, possui o cloroplasto mais diferenciado das cianobactérias. Esses cloroplastos perderam as ficobiliproteínas, desenvolveram a clorofila b e possui um complexo de membrana formando os tilacoides.

Endossimbiose secundária

Como já foi dito anteriormente, todos os outros organismos fotossintetizantes, que não fazem parte do grupo Archaeplastida, não possuem cloroplasto originado da endossimbiose primária, a partir de uma cianobactéria. O cloroplasto desses grupos se originou a partir de células eucariontes que já possuíam cloroplasto primário, é a chamada endossimbiose secundária. Diferente da endossimbiose primária, que ocorreu apenas uma vez na história da evolução, a endossimbiose secundária ocorreu diversas vezes, em vários grupos diferentes. Os grupos que possuem cloroplastos secundários são: euglenófitas, dinoflagelados, algas heterocontes (diatomáceas e algas pardas), haptófitas, criptófitas, apicomplexas e “cloraraquiniófitas”

A primeira evidência que indica a endossimbiose secundária é a presença de mais de duas membranas nos cloroplastos desses grupos. As euglenas e os dinoflagelados possuem três membranas e as algas heterocontes, as haptófitas, as criptófitas, os apicomplexas e as “cloraraquiniófitas” possuem quatro membranas. Outra evidência consistente da endossimbiose secundária é a presença do núcleo vestigial (chamado de nucleomorfo) do eucarionte endossimbionte, presente nos grupos “cloraraquiniófitas”, criptófitas, haptófitas e heterocontes.

A explicação para as mais de duas camadas do cloroplasto secundário é que as duas camadas mais internas pertencem ao cloroplasto primário, a terceira camada mais interna seria correspondente à membrana plasmática do eucarionte que foi engolfado e, por fim, a quarta camada, a mais externa, corresponde à membrana do fagossomo. No caso do cloroplasto com três membranas, é mais provável que o cloroplasto secundário tenha perdido uma das membranas, que possivelmente era a membrana plasmática do eucarionte endossimbionte.

Assim como na endossimbiose primária, para que o eucarionte hospedeiro e o eucarionte endossimbionte coevoluam, foi necessária que a transferência lateral de genes tivesse ocorrido. Dessa vez, não apenas genes do genoma do cloroplasto primário do eucarionte endossimbionte tiveram que ser transferidos para o genoma nuclear do eucarionte hospedeiro, mas também genes nucleares do eucarionte endossimbionte tiveram que ser transferidos para o núcleo do hospedeiro.

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2. Diversidade e Evolução

Os eucariotos que possuem cloroplastos secundários são tão diversos, assim como esses cloroplastos são diversos entre si, que é bem aceito que a endossimbiose secundária tenha ocorrido algumas vezes. Existem dois principais tipos de cloroplastos secundários: aqueles derivados da endossimbiose de alga verde e aqueles derivados de alga vermelha. A endossimbiose por alga verde ocorreu duas vezes de forma independente na história da evolução. Desses dois eventos, foram originadas as linhagens das “cloraraquiniófitas” e das euglenófitas fotossintetizantes. A endossimbiose por uma alga vermelha é mais complexa, pois não se sabe ainda se esse evento ocorreu apenas uma vez ou mais de uma. No cenário atual, é mais parcimoniosa a ocorrência de uma única vez da endossimbiose secundária de uma alga vermelha, que ramificou para os dinoflagelados, algas heterocontes, haptófitas, criptófitas e apicomplexas.

Os cloroplastos originados pela endossimbiose secundária de uma alga verde possuem clorofila a e b. As “cloraraquiniófitas” guardam bastante evidência sobre a endossimbiose secundária. Esses organismos pertencem à linhagem Cercozoa e existem poucas espécies reconhecidas. O cloroplasto possui quatro membranas, um citoplasma vestigial com ribossomos funcionais, um nucleomorfo e o cloroplasto primário do eucarionte endossimbionte.

As euglenófitas fotossintetizantes pertencem ao grupo dos Excavados e não são evolutivamente próximas às “cloraraquiniófitas”, o que corrobora a hipótese de que ocorreram duas endossimbioses secundárias de alga verde. Além disso, apenas uma parte das euglenófitas possui cloroplasto, indicando que a endossimbiose não ocorreu no ancestral comum do grupo, mas sim durante a sua diversificação. Inicialmente, acreditava-se que o cloroplasto das euglenófitas havia sido originado por uma endossimbiose primária, pois são bastante reduzidos. Esse cloroplasto possui três membranas e não possui nucleomorfo, restando apenas o cloroplasto primário do eucarionte endossimbionte.

Uma origem do cloroplasto a partir de uma alga vermelha foi proposta inicialmente com os cloroplastos das criptófitas, que são as únicas algas que possuem cloroplasto com ficobiliproteínas e mais de duas membranas. Esses cloroplastos também possuem clorofila c, pigmento também encontrado nos cloroplastos das algas heterocontes, haptófitas e dinoflagelados. A hipótese mais parcimoniosa é que a endossimbiose de uma alga vermelha ocorreu apenas uma vez na história evolutiva e que desse ancestral, divergiu o grupo conhecido como Chromoalveolados.

As criptófitas são organismos unicelulares marinhos ou de água doce. O cloroplasto secundário desse grupo tem quatro membranas, possui um citoplasma vestigial com ribossomos que podem armazenar reserva de amido. Há também um nucleomorfo e o cloroplasto primário contém tilacóides. Como já foi dito, além das clorofilas a e c, estão presentes ficobiliproteínas, pigmento presente nas algas vermelhas. A membrana mais externa do cloroplasto secundário é contínua com as membranas do retículo endoplasmático que envolvem o núcleo.

As algas heterocontes e as haptófitas possuem o cloroplasto com quatro membranas e são muito semelhantes. Perderam o nucleomorfo, mas estão localizadas no lúmen do retículo endoplasmático. Possuem clorofila a e c, mas perderam as ficobiliproteínas. As algas heterocontes constituem o mais diverso grupo de algas, que possui desde organismos unicelulares presentes no picoplâncton até complexas macroalgas que chegam a muitos metros de tamanhos, as chamadas kelps.

Uma história evolutiva mais confusa é a dos alveolados. Dentro desse grupo estão os

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A origem do cloroplasto e a evolução dos eucariontes fotossintetizantes

dinoflagelados, que metade faz fotossíntese, metade não faz. O cloroplasto dos dinoflagelados fotossintetizantes possuem três membranas, não possui nucleomorfo e contém clorofila a e c. Estudos indicam que a metade heterotrófica dos dinoflagelados perdeu o cloroplasto ao longo da evolução.

O caso mais surpreendente da evolução dos cloroplastos são os apicomplexas. Todos os apicomplexas são heterotróficos e muitos estão associados a doenças animais. Eles possuem um cloroplasto não fotossintetizante e reduzido de quatro membranas, que são chamados de apicoplastos. Esses cloroplastos perderam totalmente a capacidade de fotossíntese, mas os vestígios de um ancestral fotossintetizante ainda estão presentes.

A situação filogenética dos chromoalveolados ainda é duvidosa e pouco resolvida. A hipótese mais parcimoniosa sugere o evento único de uma endossimbiose secundária de uma alga vermelha, que coevolui, divergindo para os grupos das criptófitas, haptófitas, alveolados e estramenópilas. Ao longo da evolução, grande parte das espécies desses grupos perdeu o cloroplasto, ou a capacidade de fazer fotossíntese.

Bibliografia Sugerida

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Biodiversidade e Ecologia de Macroalgas Marinhas Brasileiras

Biodiversidade e Ecologia de Macroalgas Marinhas Brasileiras

Carolina A. A. AzevedoFábio Nauer

O que são algas?

As algas não constituem uma categoria taxonômica definida, e sim um agrupamento de organismos com características e históricos evolutivos diferentes, e que, portanto, são classificados em reinos distintos. Em geral, o termo alga é empregado para designar organismos fotossintetizantes, que contêm clorofila a como principal pigmento fotossintético, uni ou multicelulares, procariotos ou eucariotos, predominantemente aquáticos, cujo talo não apresenta diferenciação em raiz, caule ou folhas.

As macroalgas, por sua vez, são as algas macroscópicas, ou seja, organismos multicelulares que podem ser visualizados a olho nu, encontrados em ambientes aquáticos marinhos e continentais. As macroalgas podem ser organismos simples de corpo chamado acelular, ou podem ser constituídas por várias células agregadas, que formam estruturas consideradas tecidos simples.

Variedade de cores, tamanhos e formas das algas

Cores:

Desde o século XIX, as algas são classificadas em três grandes grupos ou filos de acordo com a coloração do talo: Rhodophyta (algas vermelhas), Chlorophyta (algas verdes) e Ochrophyta (algas pardas). No entanto, outros aspectos contribuem para as diferenças entre esses grupos, entre os quais é possível citar concentração de pigmentos, substâncias de reserva, composição da parede celular, presença ou ausência de flagelos, ultra-estrutura da mitose, conexões entre células adjacentes e ultra-estrutura dos cloroplastos (Tabela 1).

Considerando a concentração de pigmentos, este aspecto pode variar inclusive dentro de um mesmo grupo, de acordo com a espécie ou com as condições ambientais. Os representantes de Rhodophyta, por exemplo, podem exibir diversas colorações, como amarelada, azulada, esverdeada, amarronzada e enegrecida. Além de pardas, as algas do filo Ochrophyta podem ser amareladas, douradas e até iridescentes.

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2. Diversidade e Evolução

Tabela 1. Principais características dos três grandes grupos de algas.

Característica Rhodophyta Chlorophyta OchrophytaClorofilas a a, b a, c1, c2

Ficobilinas b-ficocianinab-ficoeritrinac-ficocianinac-aloficocianinac-ficoeritrina

Carotenóides β-caroteno β-caroteno β-carotenoZeaxantina Luteína FucoxantinaAntheraxantina Violaxantina ViolaxantinaLuteína Zeaxantina Zeaxantina

Substância de Amido das florídeas Amido Laminarinareserva Manitol

Parede celular Celulose Celulose CeluloseAgar Ácido AlgínicoCarragenana

Flagelos Ausentes

Presentes em

algumas fases;

Presente em gametas

e/ou esporos;

Cloroplastos Número variável; Número variável; Número variável

Ovais, discóides ou Discóides, reticulados,

Estrelados, cilíndricos

ou estrelados; estrelados, laminares, lenticulados.

em forma de fita etc.

Os estudos filogenéticos mais recentes apontam que esses grupos se originaram por duas vias diferentes na cadeia evolutiva, sendo que as algas vermelhas e verdes são resultado de um processo de endossimbiose primária, enquanto que as algas pardas se originaram por endossimbiose secundária. Por essa razão, Rhodophyta e Chlorophyta são classificadas no reino Plantae, e Ochrophyta está incluída no reino Chromista.

Tamanhos:

As algas ocorrem em tamanhos variados, desde formas microscópicas até algas com mais de 60 m de comprimento, que são chamadas kelps.

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Biodiversidade e Ecologia de Macroalgas Marinhas Brasileiras

Formas:

A forma básica de uma alga é o talo, entendido como um corpo vegetativo simples, relativamente indiferenciado. Os talos variam em complexidade, desde filamentos ramificados simples, até agregações de filamentos ramificados que são chamados pseudoparênquima, pois se parecem com tecidos verdadeiros (Figura 1). No caso das algas pardas, são observados talos parenquimatosos, pois suas células se dividem em mais de um plano.

Os talos das algas podem ser de diversas formas, tais como:

a) Foliáceos laminares: não são constituídos por medula nem córtex, e sim por algumas camadas de células, que exibem uma alta taxa área/volume. Ex.: Ulva e Porphyra;

b) Foliáceos corticados: apresentam medula e córtex diferenciados. Ex.: Dictyota e Padina;

c) Filamentosos: talos compostos por fileira única de células. Ex.: Cladophora e Griffithsia;

d) Filamentosos corticados: talos filamentosos que apresentam córtex diferenciado. Ex.: Ceramium e Centroceras.

e) Cilíndricos: talos de forma cilíndrica, com medula e córtex diferenciados. Ex.: Gracilaria e Gelidium;

f) Globosos: talos de formato esférico. Ex.: Ventricaria e Valonia;

g) Aspecto de rede: talos cujos filamentos se desenvolvem formando estruturas semelhantes a redes. Ex.: Microdyction;

h) Calcários articulados: talos eretos com segmentos recobertos por carbonato de cálcio. Ex.: Jania e Halimeda;

i) Crostosos: talos calcificados ou não, que se desenvolvem com aspecto de crosta que recobre o substrato. Ex.: Hildenbrandia e Ralfsia;

j) Cenocíticos: compostos por um aglomerado de núcleos e cloroplastos, como se fossem células gigantes. São também chamados de talos acelulares. Ex.: Codium e Caulerpa.

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2. Diversidade e Evolução

Figura 1. Exemplos de Algas Marinha. A. Alga parda Padina, que possui forma foliácea. B. Alga parda Spatoglossum. C. Alga verde Chaetomorpha, que possui forma filamentosa. D. Alga verde Caulerpa, que possui forma cenocítica. E. Alga vermelha Gracilaria, exemplo de forma cilíndrica. F. Alga vermelha Ceramium, que possui forma filamentosa cortiçada.

Fatores que determinam a ocorrência e a distribuição das macroalgas

As macroalgas ocorrem na natureza tanto em ambientes tropicais quanto temperados, e são os principais componentes das comunidades de meso e infralitoral. As macroalgas ocorrem em diversos tipos de hábitat, tais como costões rochosos, manguezais, lagunas costeiras de água salobra, atóis, bancos arenosos, bancos arenolodosos, bancos de rodolitos, bancos de fanerógamas, recifes de coral, recifes de arenito, estuários e substratos artificiais. Os principais fatores que influenciam a ocorrência e distribuição de algas podem ser classificados em:

a) Fatores físicos: disponibilidade e tipo de substrato, temperatura, luminosidade, variação de marés e intensidade de ondas;

b) Fatores químicos: salinidade, disponibilidade de nutrientes e pH;

c) Fatores biológicos: herbivoria, competição, epifitismo, parasitismo, biota associada e

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A B

C D

E F

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Biodiversidade e Ecologia de Macroalgas Marinhas Brasileiras

doenças;

d) Fatores artificiais: coleta para fins comerciais, coleta para fins científicos, pisoteio, contaminação por efluentes.

As macroalgas de maior porte e complexidade ocorrem ao longo da zona costeira rochosa. Em costões rochosos, durante marés baixas, é possível visualizar as faixas de diferentes composições de algas, o que é resultado das diferenças entre as espécies em relação à sua capacidade de sobreviver à exposição atmosférica. As algas que habitam a zona entremarés são diariamente expostas a grandes variações de umidade, temperatura, salinidade, luz e movimentação da água. Além disso, são consumidas por uma grande variedade de herbívoros, como peixes, ouriços-do-mar, moluscos e tartarugas marinhas. Dessa forma, as características específicas de bioquímica, estrutura e histórico de vida são resultados de adaptação a todos esses aspectos físicos e biológicos.

Diversidade de macroalgas no mundo e no Brasil

Há aproximadamente 11500 espécies de macroalgas descritas no mundo todo, sendo 6215 algas vermelhas, 1792 algas pardas e 3491 algas verdes. Em nível mundial, não se observa um padrão de diversidade de macroalgas em relação à latitude, ou seja, em diferentes litorais, a riqueza pode aumentar ou diminuir em direção ao Equador, ou mesmo alcançar níveis máximos em latitudes intermediárias. Dessa forma, várias regiões temperadas apresentam diversidade de algas superior a algumas regiões tropicais. A ausência de padrão pode ser explicada pela influência de fatores locais, como pressão de herbivoria, ausência de substrato, turbidez da água e correntes marítimas.

No Brasil, há registro de aproximadamente 650 espécies de macroalgas marinhas bentônicas. Atualmente, é aceito que o país apresenta três zonas que diferem quanto à diversidade e composição de algas, a saber:

a) Zona tropical: corresponde aos litorais das regiões norte e nordeste. A região nordeste apresenta flora marinha rica, em virtude da disponibilidade de substratos adequados e da transparência da água;

b) Zona de transição: constituída pelo Estado do Espírito Santo, esta zona apresenta a flora marinha mais diversa do país, o que é atribuído à heterogeneidade ambiental, à elevada transparência da água e à influência da ressurgência de Cabo Frio;

c) Zona temperada quente: abrange os litorais das regiões sudeste e sul. Esta zona apresenta elevada diversidade em áreas com abundância de costões rochosos, que se constitui em substrato propício às algas. No entanto, a diversidade é baixa em regiões onde predominam as praias arenosas.

Importância ecológica das macroalgas

A importância ecológica das algas pode ser resumida em quatro aspectos principais:

a) Produção primária: são organismos fotossintetizantes, portanto contribuem significativamente para a produção de oxigênio, o qual é essencial à sobrevivência dos animais;

b) Alimento para herbívoros: diversos organismos aquáticos, como peixes, crustáceos, mamíferos e moluscos se alimentam de algas;

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2. Diversidade e Evolução

c) Hábitat para animais: várias espécies de vertebrados e invertebrados utilizam os bancos de algas, ou mesmo a estrutura do talo, como locais para abrigo e reprodução;

d) Bioconstrução: as algas calcárias são chamadas de organismos bioconstrutores, pois apresentam carbonato de cálcio em sua estrutura, o qual, quando depositado, contribui para a estruturação do hábitat.

Metodologias de estudos sobre ecologia de macroalgas

Os estudos ecológicos sobre macroalgas são realizados com uso de metodologias destrutivas e não-destrutivas.

a) Métodos destrutivos: as amostragens destrutivas envolvem a retirada dos organismos de seu hábitat;

b) Métodos não-destrutivos: em amostragens não-destrutivas os organismos não são retirados do ambiente, e sim registrados através de anotações, fotografias ou filmagens.

Importância econômica

Os registros apontam que as macroalgas têm sido utilizadas pelas civilizações orientais desde antes de Cristo. Atualmente, as algas são utilizadas pela humanidade para diversas finalidades:

a) Alimentação humana: consumidas principalmente na culinária oriental, como saladas, sopas, sushi, entre outros.

b) Produção de compostos bioativos: os ficocolóides são largamente utilizados como espessantes e estabilizantes no preparo de gelatinas, pudins, sorvetes, cremes, sucos e sopas, e na produção de pastas dentais, shampoos, produtos cosméticos e cápsulas de medicamentos. São também utilizados como meio de cultura em microbiologia. Além disso, as algas produzem compostos químicos com ação anti-viral, vermífuga, anti-coagulante etc;

c) Uso como fertilizantes: algumas espécies de algas são utilizadas como fontes de nutrientes e substâncias fungicidas em cultivos agrícolas, o que contribui para o incremento da produção. As algas calcárias, por apresentarem carbonato de cálcio em sua estrutura, também são utilizadas na agricultura para correção de solos ácidos;

d) Alimentação animal: atividades pecuárias e aquícolas utilizam ração a base de algas como alimento animal.

Ameaças à biodiversidade:

Alguns aspectos antropogênicos se constituem em perturbações ao ambiente marinho e, portanto, são considerados danosos à biodiversidade, tais como:

a) Turismo e lazer desordenados;

b) Navegação;

c) Introdução de espécies exóticas;

d) Sobre-explotação de recursos;

e) Descarga de efluentes contaminados;

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Biodiversidade e Ecologia de Macroalgas Marinhas Brasileiras

f) Exploração petrolífera.

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Estratégias de defesa antioxidantes em macroalgas

Estratégias de defesa antioxidantes em macroalgas

Janaína P. Santos Emmanuelle S. Costa

Macroalgas marinhas são organismos fotossintetizantes e bentônicos, que possuem importante função na produção primária do ambiente marinho, pois fixam uma quantidade significativa de dióxido de carbono (CO2) dos oceanos. No entanto, fatores abióticos (ex:

luz, radiação UV, temperatura, salinidade, entre outros) podem influenciar nas respostas fisiológicas desses organismos.

Os ambientes costeiros, nos quais podemos encontrar grande diversidade de macroalgas, são áreas que apresentam grande variabilidade ambiental onde os componentes bióticos e abióticos interagem e regem o funcionamento e a estabilidade de um ecossistema dinâmico e complexo. Particularmente, os costões rochosos são sistemas de alta complexidade ambiental por posicionarem-se na transição entre os continentes e os oceanos, ou seja, entre os meios terrestres e aquáticos. Dessa forma, os organismos que nele habitam respondem dinamicamente à interação dos agentes terrestres, oceânicos e atmosféricos.

A faixa do mediolitoral dos costões rochosos está sujeita à condições abióticas extremas como: radiação solar, radiação UV, dessecamento, exposição ao oxigênio, mudanças na temperatura e na salinidade, essas condições podem se alterar diversas vezes ao longo do dia.

Desta forma, se as pressões bióticas e abióticas nos costões rochosos podem ser tão intensas sobre as macroalgas como esses organismos conseguem sobreviver nestes ambientes? As macroalgas ao longo dos anos desenvolveram estratégias de defesa (estrutural, química, nutricional, crescimento, entre outras) para reduzir a sua vulnerabilidade aos danos gerados pelo ambiente, sendo que as defesas químicas são os mecanismos mais utilizados pelas macroalgas.

As macroalgas que ocorrem na região do mediolitoral de costões rochosos estão submetidas à diversas mudanças nas condições ambientais marinhas e, portanto, precisam de mecanismos químicos eficientes para combater essas adversidades. Estas condições extremas a exemplo da radiação solar, radiação UV, dessecamento, constituem cenários de estresse para esses organismos, provocando situações que favorecem a formação de radicais livres e a condição celular oxidativa.

O interesse inicial pelo estudo de substâncias com atividade antioxidante (AAO) em algas surgiu no Japão, na busca de novos conservantes para alimentos, em substituição aos antioxidantes sintéticos utilizados naquela época como: o hidrixianisol butilado (BHA) e o hidroxitolueno butilado (BHT), que mostravam danos para a saúde humana como, efeitos cancerígenos, alterações enzimáticas e lipídicas em animais. O fato de algumas algas secas poderem ser estocadas por um longo período sem perigo de deterioração oxidativa, despertou o interesse dos pesquisadores em relação ao mecanismo antioxidativo presente nessas algas. Assim, como descrito para plantas terrestres, substâncias extraídas de algas provenientes de diferentes ambientes têm despertado a atenção da ciência, por representarem uma possível fonte de novos princípios ativos.

As algas possuem a habilidade de lançar mão de novos mecanismos para adaptação e

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2. Diversidade e Evolução

sobrevivência ao ambiente marinho, que pode ser a biossíntese de moléculas por diferentes caminhos metabólicos. Elas podem ser cultivadas facilmente e apresentam rápido crescimento quando comparadas com plantas terrestres o que as torna matéria-prima interessante para indústrias alimentícias, assim como para farmacêutica e cosmética. Além disso, podem estar associadas a um estágio evolutivo superior, levando a produção de diversificados metabólitos secundários e consequentemente à expressão de diversas atividades biológicas, sendo capazes de sintetizar metabólitos halogenados que podem pertencer a praticamente todas as classes químicas, desde os hidrocarbonetos de cadeia curta, cetonas simples e fenóis até sofisticados terpenos. Muitos desses compostos já possuem atividade biológica benéfica para saúde humana e animal comprovada. Alguns dos benefícios potenciais incluem envelhecimento da pele, controle do colesterol, trombose, tumores, diabetes, entre outros.

Os radicais livres são moléculas ou átomos com elétrons de valência desemparelhados, com um número ímpar de elétrons e, portanto, são altamente reativos. A produção excessiva ou acúmulo destes radicais é tóxico para as células e promovem a oxidação de membranas, proteínas, lipídios, pigmentos e ácidos nucléicos, afetando o crescimento e a sobrevivência do organismo (Figura 1).

Figura 1-Formação de radicais livres.

A formação de espécies reativas (ERs) de oxigênio (EROs) e de nitrogênio (ERNs) ocorre durante os processos oxidativos biológicos, sendo formados fisiologicamente nos sistemas biológicos a partir de compostos endógenos que podem ser gerados no citoplasma das células vegetais pela atividade metabólica de mitocôndrias e peroxissomos. Por uma visão molecular os radicais livres agem na desrregulação da geração de energia (ATP, NADH e NADPH), inibição do transporte de cálcio e homeostase eletrolítica, oxidação dos citocromos e clivagem do DNA e promoção de eventos mutagênicos. Da mesma forma, os radicais livres podem ter origem exógena, ou seja, a sua formação está relacionada a mudanças imposta na dinâmica do ambiente ou por ações antropogênicas como: a alta incidência de radiação UV, emissão de CO2, mudanças na salinidade e temperatura gerando

assim diferentes radicais livres (Figura 2).

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Estratégias de defesa antioxidantes em macroalgas

Figura 2-Principais fontes endógenas e exógenas de radicais livres e os danos causados nas células das macroalgas.

Para combater a condição celular oxidativa e a formação de espécies reativas (ERs), os seres vivos em geral possuem diferentes mecanismos antioxidativos. Os antioxidantes são um conjunto heterogêneo de substâncias formadas por vitaminas, minerais, pigmentos naturais e outros compostos vegetais e, ainda, enzimas que neutralizam o efeito danoso dos radicais livres, mesmo presentes em baixas concentrações em relação ao substrato oxidante, podendo atrasar ou inibir as taxas oxidativas (Figura 3).

Figura 3-Esquema do mecanismo de neutralização dos radicais livres pelos antioxidantes.

As EROs são substâncias químicas resultantes da ativação ou redução do oxigênio molecular (dioxigênio, O2) ou derivados dos produtos da redução. As principais EROs são: o radical ânion superóxido, o peróxido de hidrogênio, o dioxigênio singleto e o radical hidroxilo. O peroxinitrito é considerado por alguns autores uma espécie reativa de nitrogênio (ERN) com a mesma importância de reatividade e papel celular que as EROs. Na tabela 1 há exemplos das estruturas moleculares dos principais radicais livres.

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2. Diversidade e Evolução

Tabela 1: Principais espécies reativas (radicais livres) derivados do oxigênio e nitrogênio.

Espécies reativas de oxigênio (EROs) e Nitrogênio (ERN)

Fórmula molecular

Anion Superóxido O2•-

Peróxido de Hidrogênio H2O2

Dioxigênio singleto 1O2

Radical Hidroxilo HO•

Peroxinitrito ONOO-

Existem vários indícios de que as EROs estão envolvidas em processos patológicos. A vida em aerobiose é caracterizada pela constante produção destes radicais livres, que é equilibrada pela produção equivalente de antioxidantes que visa combater os efeitos deletérios desses radicais. Quando esta neutralização não é possível de ser balanceada, devido à sobrecarga no mecanismo antioxidante, tal processo é denominado estresse oxidativo, levando à geração de diversos danos aos sistemas biológicos.

A presença de radicais livres tem sido indiretamente associada a diversas doenças (Figura 4), mas não como agentes etiológicos e sim como fatores que participam de forma direta nos mecanismos fisopatológicos, os quais determinam a continuidade ou complicações de diversos estágios patológicos.

Figura 4- Patologias correlacionadas a presença de radicais livres.

Nas células de organismos fotossintetizantes esses mecanismos estão mais fortemente desenvolvidos em comparação a outras células, uma vez que as membranas fotossintetizantes, os tilacóides, são o alvo primário para os efeitos deletérios oxidativos, por conterem lipídeos não saturados como elementos estruturais majoritários. Portanto, vários mecanismos de proteção foram desenvolvidos por essas células.

Os sistemas antioxidantes podem ser divididos em duas classes principais: os não enzimáticos e os enzimáticos. De acordo com a ação sobre os radicais livres os antioxidantes podem ser classificados como “scavenger” (seqüestradores), quando ele age transformando um radical livre em outro menos reativo, ou “quencher” (dissipadores) quando consegue neutralizar completamente o radical livre através da absorção de toda energia de excitação.

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Estratégias de defesa antioxidantes em macroalgas

O sistema antioxidante não enzimático inclui moléculas que atuam diretamente na ação antioxidante, entre eles as vitaminas C e E (ex. tocoferol), os carotenóides (ex. β-caroteno e licopeno) e as substâncias fenólicas (ex. fenóis, flavonóides e outros polifenóis). Os sistemas antioxidantes enzimáticos são catalisados mediante a ação de enzimas específicas, como superóxido dismutase (SOD), catalase (CAT), glutationa peroxidase (GP) e ascorbato peroxidase (APX) (tabela 2).

Tabela 2: Principais substâncias que compoe os sistemas antioxidantes não enzimático e enzimático.

Não enzimático Enzimático

α - tocoferol (vitamina E) Superóxido dismutase (SOD)β – caroteno Catalase (CAT)

Àcido ascórbico (vitamina C) Glutationa Peroxidase (GP)Flavonóides Ascorbato Peroxidase (APX)

Florotaninos Quinona oxiredutase (NADPH)Bromofenóis

As substâncias antioxidantes ou frações ativas isoladas de vegetais podem ser originárias tanto do metabolismo primário, ou seja, decorrentes do metabolismo essencial como ácidos graxos, carotenóides, vitaminas e esteróides, quanto do metabolismo secundário que está relacionado à produção de moléculas induzidas por algum estímulo externo, como os flavonóides, alcalóides, entre outros.

Os antioxidantes atuam em diferentes formas na proteção dos organismos. O primeiro mecanismo de defesa é impedir a formação dos radicais livres principalmente pela inibição das reações em cadeia com o ferro e o cobre.Os antioxidantes são capazes também de interceptar os radicais livres gerados pelo metabolismo celular ou de fonte exógenas, impedindo o ataque sobre lipídeos, os aminoácidos das proteínas e as bases do DNA, evitando a formação de lesões e perda da integridade celular. As vitaminas A, C, E, os flavonóides e carotenóides produzidos pelas macroalgas são de grande importância na interceptação dos radicais livres. Outro mecanismo de proteção é o reparo das lesões causadas pelos radicais. Esse processo está relacionado a remoção de danos no DNA e a reconstituição das membranas celulares.

Produtos provenientes de algas marinhas têm atraído à atenção de diversos setores como farmacológico, cosmético, médico, estético e alimentício, entre outros, devido à grande diversidade de classes de substâncias produzidas por eles. Tais produtos podem agir de formas específicas sobre diferentes patologias sendo por tanto promissoras fontes de novos compostos e que precisam ser mais exploradas quanto a sua bioatividade.

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O trabalho na taxonomia vegetal e seus principais métodos

O trabalho na taxonomia vegetal e seus principais métodos

Jenifer de Carvalho Lopes

A sistemática é a área da ciência que estuda a diversidade de organismos. A sistemática tem como principal objetivo a reconstrução da história evolutiva da vida por meio das filogenias. Essa área de estudo inclui também a taxonomia, responsável por descrever, identificar, nomear e classificar os táxons. Táxons são grupos de organismos, idealmente, que possuam a mesma história evolutiva.

Desde de sempre o homem procurou categorizar objetos, animais e plantas para tornar mais fácil a comunicação com outros indivíduos. Este é justamente o objetivo principal da taxonomia, colocar uma ordem lógica na biodiversidade. Para tanto, é necessário, primeiramente, descrever os organismos, colocar em palavras as características que eles possuem. Em termos técnicos as características de um determinado organismo são denominadas caracteres e cada caráter possui estados. Por exemplo, as pétalas de uma flor podem ser amarelas ou vermelhas, assim, o caráter cor das pétalas possui dois estados, amarelo e vermelho. Uma lista completa de caracteres das espécies é útil para a reconstrução da história evolutiva desse grupo de espécies por meio das filogenias. Outro aspecto importante que está por trás do termo descrição é o descobrimento de novas espécies, que é propriamente a descrição da diversidade de organismos.

Uma nova espécie é descrita geralmente por pessoas que estudam a fundo um determinado grupo de organismos. Essas pessoas são denominadas especialistas. O especialista coleta novos espécimes, os espécimes são os indivíduos, do seu grupo de estudos na natureza ou vai atrás dos já coletados e depositados em herbários. Dessa forma, ele é capaz de reconhecer diversas espécies do seu grupo de estudo. Se o especialista encontrar um indivíduo com características muito diferentes daquelas que ele costuma encontrar nas espécies que ele conhece, ele pode verificar na literatura já produzida para seu grupo estudo e verificar se há uma espécie descrita que possui características como as que ele encontrou. Caso contrário, trata-se de uma espécie desconhecida para a ciência e cabe a ele descrevê-la e torná-la pública para o meio científico.

As chaves de identificação, são ferramentas para tornar mais fácil o processo deste especialista em identificar as espécies que ele estuda. Dessa maneira, não é necessário olhar característica por característica de cada espécie para identificar um espécime. As chaves de identificação utilizam-se apenas das características que permitem separar uma espécie da outra. Abaixo vejam um exemplo simples de chave de identificação:

Chave de identificação para os personagens da Turma da Mônica

1. É menina

2. Usa vestido vermelho e é dentuça ............................................................... Mônica

2. Usa vestido amarelo e não é dentuça .............. ......................................... Magali

1. É menino

3. Usa sapato, tem o cabelo espetado e troca o R pelo L ............................. Cebolinha

3. Não usa sapato, tem o cabelo crespo e não troca o R pelo L ........................ Cascão

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2. Diversidade e Evolução

Depois de descoberta uma espécie é necessário dar um nome a ela. Para tanto, é necessário seguir regras que estão descritas nos códigos de nomenclatura. Cada área de estudo tem um código diferente, o código de nomenclatura da botânica é diferente do código da zoologia e da microbiologia. Cada um desses códigos são independentes entre si, portanto, as regras do código de zoologia não se aplicam ao de botânica. O Código Internacional de Nomenclatura de algas, fungos e plantas contempla além desses organismos os fósseis de plantas. O código pode ser alterado apenas durante o Congresso Internacional de Botânica que ocorre a cada seis anos. Durante o congresso há uma seção de nomenclatura que decide o que será modificado no código. Dessa forma, um código novo é lançado de seis anos em seis anos. O último é chamado de código de Viena, pois foi elaborado durante o congresso que ocorreu nesta cidade em 2005. Em 2012, sairá um novo código, pois em 2011 ocorreu o XVIII Congresso Internacional de Botânica em Melbourne na Austrália. Esse novo código será chamado de código de Melbourne.

O código de nomenclatura botânica possui seis princípios básicos que nos dão uma ideia de como deve ser a aplicação dos nomes de plantas. O primeiro deles é que os código de nomenclatura zoológica e botânica são independentes. O segundo diz que a aplicação dos nomes de grupos taxonômicos é feita por meio de tipos nomenclaturais, dessa forma, é necessário indicar um espécime que represente a espécie e indicar em quais herbários estes materiais estão depositados. O terceiro deles diz que a nomenclatura de um grupo taxonômico é baseada na prioridade de publicação, assim, se dois pesquisadores descreverem a mesma espécie o nome a ser utilizado será o que foi publicado primeiro. O quarto princípio fala que um determinado grupo taxonômico só possui um único nome correto, dessa forma, o que foi publicado primeiro é o correto e os demais são sinônimos. O quinto deles é sobre os nomes científicos que devem ser traduzidos para o latim. O último princípio diz respeito as datas em que as regras devem ser aplicadas. Além desses princípios há uma porção de regras e recomendações, entre elas está o uso de um binômio para a nomeação de espécies.

O último dos objetivos da taxonomia é a classificação. A classificação é o ordenamento dos grupos taxonômicos hierarquicamente. Nesse aspecto a taxonomia e a sistemática praticamente se fundem, pois desde o advento da sistemática filogenética há uma preocupação dos cientistas em propor classificações que reflitam a história evolutiva do grupo. A proposição de classificações são feitas há muito tempo, uma das mais célebres é a de Lineu em sua obra Genera Plantarum. Nessa obra Lineu organizou os grupos de plantas com base nas características sexuais, como número de estames, número de carpelos entre outras. Assim como essa classificação, as que foram proposta antes do advento da sistemática filogenética não eram baseadas na história evolutiva do grupo, por isso, um dos trabalhos do sistemata, atualmente, é reconstruir a filogenia dos táxons e rever a classificação adotada para o grupo à luz da sua história evolutiva.

Outro aspecto do trabalho do taxonomista ou sistemata é o levantamento da biodiversidade, não só descrevendo novas espécies, mas também inventariando as espécies de determinadas regiões. Esse tipo de estudo é denominado de flora. As floras tratam de um determinado grupo, geralmente uma família, em uma determinada região, como um parque, uma cidade ou até mesmo um estado ou país. Nestes trabalhos além da listagem de espécies que ocorrem no local, há também descrições destas espécies, dos gêneros que ocorrem na região, chaves de identificação para os gêneros e para as espécies e ilustrações científicas das

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O trabalho na taxonomia vegetal e seus principais métodos

características que auxiliam na identificação das espécies.

Para a realização das floras é necessário o conhecimento do grupo de estudos e viagens para coletar as espécies na área em que o inventário ocorrerá. Os espécimes coletados são prensados entre jornais e papelões e secos em estufas a cerca de 70°C. Depois os ramos do espécime podem ser montados em cartolina e fichas com indicação do local de coleta e informações importantes sobre a planta como hábito, altura e cores, que são perdidos com o processo de prensagem, podem ser anexados a estas exsicatas para posterior depósito nos herbários. Com o material em mãos é possível realizar a identificação das espécies, seja por chaves de identificação já existentes para o grupo ou por comparação com as espécies depositadas no herbário.

As floras são trabalhos tradicionais na taxonomia vegetal e são realizadas há muito tempo. No século XVIII o Frei José Mariano da Conceição Vellozo iniciou sua obra sobre a vegetação do Rio de Janeiro, a sua Flora Fluminensis. Essa obra foi finalizada em 1790 e conta com descrições e ilustrações de 1.640 espécies e inclui inúmeras indicações ecológicas e muitos nomes indígenas. É uma obra notável de um pesquisador brasileiro, porém o trabalho de Frei Vellozo só foi publicado 35 anos após sua finalização e, infelizmente, muitos dos nomes publicados na Flora Fluminensis perderam a prioridade de publicação, pois foram publicados depois dos trabalhos dos naturalistas estrangeiros como A. Saint-Hilaire e Martius.

No século XIX, foi publicado o trabalho mais importante sobre a vegetação brasileira, a Flora Brasiliensis, obra de Carl von Martius. Neste século, muitos naturalistas de outros países vieram em expedição ao Brasil por conta da abertura dos portos às nações amigas em 1808. Esse é o caso de Martius que veio ao Brasil em 1817 na comitiva da grã-duquesa austríaca Dona Leopoldina, que veio para se casar com Dom Pedro I. Durante o período que Martius esteve no Brasil, ele percorreu diversos estados não só coletando amostras de plantas, mas também entrando em contato com os povos indígenas. Sua expedição durou três anos, tempo em que foram coletados a maioria dos materiais utilizados para a elaboração da Flora Brasiliensis.

A Flora brasiliensis foi produzida entre 1840 e 1906 e teve como editores, além de Martius, August Wilhelm Eichler e Ignatz Urban, contou com a participação de 65 especialistas de vários países. A obra contém tratamentos taxonômicos de 2.253 gêneros, dos quais 160 novos e 22.767 espécies, das quais 5.689 novas, a maioria de angiospermas, reunidos em 15 volumes com um total de 10.367 páginas.

Já no século XX muitos trabalhos de floras regionais foram iniciados, como a Flora dos estados de Goiás e Tocantins, a Flora do Distrito Federal, a Flora Ilustrada Catarinense e a Flora fanerogâmica do estado de São Paulo. Além das floras dos estados, o estudo da vegetação de regiões menores também foram realizadas como de Unidade de Conservação, este é o caso da Flora da Serra do Cipó, da Flora de Grão-Mogol e do Parque Estadual do Ibitipoca, todas estas regiões no estado de Minas Gerais.

Em 2010, foi publicado os dois volumes do Catálogo de Plantas e Fungos do Brasil com o inventário das espécies destes grupos na flora brasileira. Desde de a Flora Brasiliensis, as espécies de plantas do Brasil não foram levantadas novamente. Essa obra é sem dúvida uma importante iniciativa para o aumento do conhecimento da vegetação brasileira (Figura 1).

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2. Diversidade e Evolução

Figura 1-Linha do tempo das floras no Brasil.

Sem dúvida compreender melhor a nossa biodiversidade é algo de extrema importância atualmente, porque a devastação das áreas de vegetação está se processando há séculos no nosso país. Portanto, o estudo dos organismos em seu ambiente natural é imperioso, pois pode mostrar quais áreas são prioritárias para a conservação. Nesse sentido a sistemática e a taxonomia contribuem apontando em quais áreas ocorrem mais espécies endêmicas, ou seja, espécies que ocorrem exclusivamente em um determinado lugar, e onde há maior diversidade de organismos. A Mata Atlântica e o Cerrado são exemplos de locais com muitas espécies endêmicas, alta diversidade de organismos e que sofreram com o desmatamento. Por isso, esses dois domínios foram categorizados como prioritários para a conservação e colocados entre os 25 hotspots de biodiversidade.

A taxonomia e a sistemática são áreas básicas na ciência, ou seja, sem a identificação precisa do objeto de estudo é impossível fazer qualquer tipo de trabalho. Além disso, com o descobrimento das relações filogenéticas entre as espécies é possível ampliar os estudos, por exemplo, pode-se procurar uma substância que é sintetizada em uma determinada espécie nas espécies do mesmo gênero ou em espécies de gêneros relacionados filogeneticamente. Portanto, essa área da ciência está longe de ser estática como se pensava antigamente.

Dicas de sítios da internet:

Flora Brasiliensis: florabrasiliensis.cria.org.br.

Lista de espécies da flora do Brasil (versão on-line do Catálogo de Plantas e Fungos do Brasil): floradobrasil.jbrj.gov.br/2012.

Para busca de nomes científicos de plantas: tropicos.org e ipni.org.

Índice de herbários mundiais (Index Herbariorum): sweetgum.nybg.org/ih.

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Forzza et al. (org.). Catálogo de plantas e fungos do Brasil. Vol 2. Jardim Botânico do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.

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O trabalho na taxonomia vegetal e seus principais métodos

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Recursos

3Recursos

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Estrutura genômica, sequenciamento e elementos de transposição

Estrutura genômica, sequenciamento e elementos de transposição

Guilherme Marcello Queiroga Cruz

Estrutura genômica - Genes, quantos são e onde se encontram

Um cromossomo eucariótico possui dois tipos de cromatina, que são classificados de acordo com o seu nível de compactação durante a interfase, eles são a heterocromatina (mais compacta) e a eucromatina (menos compacta). A eucromatina é a região mais ativa, apresentando até três vezes mais genes e trinta e quatro vezes mais recombinações do que a região heterocromática.

Nas plantas a heterocromatina geralmente se encontra nos centrômeros, telômeros e regiões pericentroméricas (próximas ao centrômero). A distribuição da heterocromatina é desigual, tanto ao longo das espécies, quanto ao longo de cromossomos de um mesmo indivíduo. Apesar de a heterocromatina ser composta majoritariamente de DNA repetitivo, alguns genes estão presentes e ativos nesta região.

Genomas de plantas têm entre 25.000 (arabidopsis) e 30.000 (milho) genes aproximadamente, sendo a maioria destes presentes na região eucromática. O tamanho do genoma de diferentes angiospermas pode variar até 100 vezes, apesar de o número de genes não acompanhar necessariamente este aumento de maneira proporcional.

Complexidade - Paradoxo C

Quanto maior mais complexo?

Pesquisadores adotaram o chamado valor-C para comparar tamanho de genoma de diferentes organismos. O valor-C mede o tamanho de um genoma nuclear em pictogramas. Sempre foi intrigante o fato de o tamanho de um genoma não corresponder à complexidade do organismo. Uma salamandra, por exemplo, pode ter até 26 vezes mais DNA em seu núcleo do que um ser humano.

Este curioso fato foi denominado “paradoxo do valor-C”. Ao longo dos anos este complexo paradoxo foi esclarecido, à medida que novas perguntas surgiram. Com a ajuda de seqüenciamentos de diversos genomas, ficou logo evidente que o aumento do tamanho de um genoma não correspondia proporcionalmente a um aumento no número de genes, uma vez que a maior parte do genoma não codifica genes.

Assim, nos últimos anos o termo paradoxo caiu em desuso, e para ilustrar a complexidade do assunto, foi adotado o termo “enigma do valor-C”. Agora abordando novas questões, como a razão para as diferenças de tamanho de genoma encontradas, e seus possíveis impactos.

Os dois principais motivos para a ocorrência de aumento do valor-C são as poliploidias e o aumento do número de cópias dos elementos de transposição.

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3. Recursos

Poliploidia

Poliplodia nas plantas

Poliploidia é a condição herdável de possuir mais de dois sets de cromossomos. Poliploidização em plantas são muito comuns, sendo as plantas com quatro conjuntos de cromossomos (tetraplóides) as mais comuns. Tradicionalmente os poliplóides são classificados em autopoliplóides, originados pela duplicação de um mesmo genoma, e alopoliplóides, originados pela duplicação de genomas diferentes, normalmente após um evento de hibridação. Veja abaixo uma lista com alguns exemplos de plantas cultivadas e suas ploidias:

• Triplóides: Maçã, Banana, Gengibre, Melancia

• Tetraplóides: Batata, Repolho, Tabaco, Amendoim

• Hexaplóides: Trigo, Carvalho, Kiwi

• Octaplóides: Morango, Cana-de-açúcar

Organismos poliplóides garantem vantagens e desvantagens para os agricultores. As três vantagens mais claras da poliploidia são heterose, redundância gênica e o freqüente ganho da capacidade de reprodução assexuada.

Tanto a heterose quanto a redundância gênica derivam da duplicação gênica. O termo heterose ou vigor híbrido é utilizado por melhoristas para descrever um híbrido poliplóide com desempenho superior a de seus parentais diplóides. Enquanto a redundância gênica protege os poliplóides dos efeitos negativos de mutações deletérias. Os mecanismos que tornam possível a reprodução assexuada ou a auto-fecundação em organismos poliplóides ainda não estão totalmente esclarecidos, mas a presença de uma destas características é muitas vezes vantajosa para o agricultor. Como no caso da banana, onde a poliploidização permite a propagação de variedades estéreis.

As desvantagens de culturas poliplóides correspondem a vários níveis de instabilidade em culturas que sofreram poliploidizações recentes. Alguns fenótipos alcançados através de poliploidização induzida não produzem descendentes estáveis nem por reprodução sexuada nem por assexuada.

Poliploidia e evolução

Paleopoliploidia se refere a duplicações de genomas que ocorreram a milhões de anos atrás. Devido a pressão seletiva grande parte dos genes duplicados são perdidos, diminuindo a redundância gênica. Com o passar das gerações, genomas paleopoliplóides sofreram reduções significativas, e são tratados hoje como diplóides. Este evento se chama diploidização.

Métodos de detecção de paleopoliplóides envolvem a identificação de genes duplicados em blocos. Poliploidizações são comumente relacionadas a especiações, uma vez que genes duplicados sofrem menos pressão seletiva e ocasionalmente originam novos genes. Trabalhos recentes sugerem que a alta variabilidade dos organismos poliplóides conferiu a estes melhores chances de sobrevivência após o evento de extinção do cretácio-terciário.

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Estrutura genômica, sequenciamento e elementos de transposição

Elementos de transposição – História e contribuição genômica

Barbara McClintock – Descoberta dos TEs em milho

Barbara McKlintock foi a primeira cientista a notar a presença de elementos móveis nos genomas eucariotos. Seu trabalho em citogenética de milho permitiu a ela em meados dos anos 50 a criar a hipótese que viria a ser a mais importante de sua carreira, a de que existiam genes com capacidade de se mobilizar nos genomas eucariotos. Esta observação foi confirmada por cientistas anos mais tarde, e ela recebeu um prêmio Nobel em medicina em 1983.

Classificação e estrutura

Os elementos genéticos móveis foram tratados por muito tempo como DNA lixo. Apesar de reconhecerem sua existência e em parte sua importância, grande parte da comunidade científica ainda desconhece a enorme diversidade estrutural e filogenética destes elementos.

Para facilitar a sua anotação e estabelecer as bases de futuras análises funcionais, foi proposto um sistema de classificação para TEs. Desde então, se a fita intermediária de transposição é de RNA este elemento é chamado de retrotransposon, e pertence à classe I. Sendo o intermediário uma fita de DNA o TE é chamado de transposon de DNA, e pertence à classe II.

Os elementos da classe I mais presentes nos genomas de plantas são os retrotransposons com LTR (LTR-retrotransposon). Um LTR-retrotransposon é possui duas repetições terminais longas (LTR) cujo tamanho varia (~120-5200pb) e que são idênticas no momento da sua inserção (Figura 1). Um LTR-retrotransposon possui duas ORFs, Gag e Pol. A Gag é responsável pela codificação do capsídeo, enquanto a Pol é uma poliproteína que contêm uma protease (Prot), reverso transcriptase (RT), RNAseH e Integrase (INT). O ciclo de replicação de um LTR-retrotransposon inclui a transcrição de um elemento previamente inserido no genoma hospedeiro. Este é exportado para o citoplasma, onde pode ser traduzido para formar o capsídeo e todas as outras proteínas, ou então é capturado por um capsídeo já formado e reinserido no núcleo para se reintegrar no genoma. Este ciclo é muitas vezes descrito como copia/cola, uma vez que a inserção original é mantida e novas cópias são geradas. Acredita-se que este mecanismo seja um dos maiores responsáveis pela expansão de alguns genomas vegetais.

Dentre os elementos da classe II os transposons com repetição terminal invertida (TIR). Geralmente estes elementos codificam apenas uma transposase, esta proteína é a responsável pela transposição deste elemento (Figura 1). Diferentemente dos elementos da classe I, os transposons de DNA são extraídos de sua posição original e reinseridos em outra região do genoma hospedeiro. Este mecanismo é chamado de recorta/cola.

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A

B

Pol (Prot-INT-RT-

RNAseH)GagLTR LTR

TransposaseTIR TIR

3. Recursos

Figura 1. Estrutura básica de um LTR-retrotransposon e um transposon de DNA com TIRs.

Distribuição nos genomas

Os TEs de classe I e II estão presentes nos genomas de todas as plantas, porém podem constituir diferentes porcentagens destes. Quando comparamos duas gramíneas como arroz e milho observa-se que o arroz possui um genoma cinco vezes menor do que o milho. Mas enquanto no arroz os TEs correspondem a 40% do genoma, em milho estima-se que este número se aproxime dos 85%.

Quando observamos os TEs como um todo não é possível distinguirmos sítios ou regiões preferenciais de inserção. Mas quando estudamos cada família separadamente é possível encontrarmos alguns padrões. Elementos da linhagem CRM da classe I são normalmente descritos como centroméricos. Mas em estudo recente observou-se que algumas famílias dentro da linhagem CRM não possuem padrão de localização no genoma.

Impacto na expressão gênica

A inserção de um TE próximo a um gene, ou dentro de seus domínios pode afetar sua expressão de diferentes maneiras (Figura 2). Posições em que um TE se insere e normalmente modificam a expressão de um gene são no promotor, em um exon, em um intron ou ainda à anti-senso na jusante do promotor. Quando um TE se insere na região promotora de um gene ele pode interromper a expressão deste ou ainda modular a expressão do gene com seu próprio promotor. A inserção do TE em um exon pode provocar o surgimento de transcritos quiméricos ou causar a interrupção da transcrição. Inserções em regiões intrônicas podem passar despercebidas, sendo processadas e não constam no RNA maduro, mas também podem interferir no processo de splicing. Inserções na fita complementar podem gerar leituras anti-senso do gene próximo, e assim ativar a maquinaria de RNAi e silenciar o gene.

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Estrutura genômica, sequenciamento e elementos de transposição

Figura 2-Exemplos de transposições que podem afetar a expressão de um gene. As caixas representam o gene, sendo as verdes os exons e a vermelha a região promotora. Os triângulos representam TEs, e seus possíveis sítios de inserção. Os números representam: 1- Inserção na região promotora, interferindo na modulação da expressão do gene. 2 – Inserção em um exon, gerando transcritos aberrantes ou interrupção da transcrição. 3 – Inserção em região intrônica, pode alterar splicing. 4 – Inserção na fita complementar, este tipo de inserção pode gerar transcritos anti-senso do gene em questão, levando ao seu silenciamento através da maquinaria de RNAi.

Interação com o genoma

O hospedeiro é então beneficiado com a transposição de alguns elementos, uma vez que estes aumentam a diversidade gênica e podem causar mutações benéficas. Porém, um número muito alto destas transposições pode afetar a estabilidade do genoma hospedeiro, portanto existe uma interação muito complexa entre a planta e estes elementos.

Na maior parte do desenvolvimento vegetal os TEs estão silenciados, pré ou pós-transcricionalmente. Ambos os mecanismos se baseiam na maquinaria de RNA de interferência (RNAi), também utilizada pela planta para se defender de alguns vírus. Sempre que um TE atinge um alto nível de expressão ele aumenta a possibilidade de gerar transcritos anti-senso. Estes transcritos aberrantes complementam o RNA não aberrante gerando um RNA dupla fita (dsRNA). Os dsRNA são reconhecidos e processados pela Dicer (componente da maquinaria de RNAi) gerando siRNAs (small interfering RNAs). Estes seguem dois caminhos, eles podem ser capturados pelo complexo RISC e degradam RNAs não aberrantes, causando o silenciamento pós-transcricional. Ou podem ser capturados por um complexo análogo, mas ainda não muito bem conhecido que leva à metilação da porção de DNA que gerou este transcrito, levando ao silenciamento pré-transcricional.

Genômica – avanços tecnológicos e tendências

Como era

O processo mais tradicional para seqüenciar DNA é chamado de método de Sanger. O método foi idealizado por Frederick Sanger na década de 70. Ao longo dos anos 90 muitos projetos de pequena e média escala utilizaram este método.

A técnica funciona como uma PCR normal, mas com a adição de não apenas deoxinucleotídeos (dNTPs), mas também dideoxinucleotídeos (ddNTPs) marcados radioativamente. Os ddNTPs são nucleotídeos sem o 3’OH, que quando incorporados interrompem a reação. Esta reação de amplificação produz então produtos com diversos tamanhos diferentes que são separados em um gel de poliacrilamida. O gel é então seco e colocado para expor por alguns dias em contato com um filme de autoradiografia. Depois o

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3. Recursos

filme é revelado e a seqüência de aproximadamente trezentos nucleotídeos se torna visível.

Como foi

Com o surgimento dos primeiros seqüenciadores automatizados os primeiros projetos genoma se tornaram viáveis. Estes aparelhos são uma alternativa mais rápida e precisa do que a corrida em um gel, além de não utilizar acrilamida e radioativo (ambos são cancerígenos) o que o torna mais seguro também. Apesar disso, o método ainda é baseado no desenvolvido por Sanger.

Neste caso os ddNPTs são marcados através de fluorescência, e lidos por um sistema óptico. O aparelho interpreta as leituras e exporta cromatogramas (Figura 3), contendo a seqüência em questão. Neste momento seqüenciadores automatizados de Sanger são capazes de fazer leituras de até oitocentos nucleotídeos. Além disso, eles suportam placas de 96 poços, e o tempo de espera chega a ser de uma hora por placa.

Figura 3-Exemplo de um cromatograma. Os nucleotídeos são representados por cores sendo: A – Verde; T – Vermelho; G – Preto; C – Azul.

Estes seqüenciadores ainda estão em uso em muitos laboratórios, mas com o surgimento

dos chamados seqüenciadores de alta capacidade, ou de próxima geração, estes aparelhos estão

sendo utilizados cada vez mais para projetos menores.

Como é

Os seqüenciadores de última geração são as grandes estrelas dos novos projetos genoma. Existem três principais tecnologias concorrendo neste mercado: 454 (Pirossequenciamento), Illumina e Solid. A comparação de custos pode ser encontrada na Tabela 1.

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Estrutura genômica, sequenciamento e elementos de transposição

Tabela 1. Comparação de custo por técnica, publicada em 2008.

MétodoCusto por megabase

Custo do aparelho

Tamanho da leitura

Número de leituras

454 $6 $500,000 250pb 400.000Illumina $2 $430,000 36pb 30.000.

000 Solid $2 $591,000 35pb 100.000

.000

O 454 produz leituras de maior comprimento, mas o Illumina e Solid produzem uma quantidade enorme de pequenas leituras. Os grandes projetos de seqüenciamento realizados atualmente utilizam uma combinação destas três tecnologias.

Estas técnicas serão exploradas mais profundamente durante o curso, mas recomendamos a leitura do material complementar referente a esta sessão, para aprofundar a discussão.

Como será

Diversas tecnologias estão sendo desenvolvidas na corrida pela próxima geração de seqüenciadores. Entre as mais avançadas se encontram as que se baseiam no seqüenciamento de uma molécula de DNA (single strand DNA sequencing).

Todas as técnicas ainda estão em desenvolvimento, e estimativas de custo ainda são mera especulação. Em contrapartida, avanços em duas técnicas estão colocando elas como favoritas, elas são:

• Nanopore sequencing – Baseada na passagem de uma fita de DNA por uma membrana lipídica. Os poros da membrana são constituídos por proteínas que contêm uma abertura de ~1,5nm de diâmetro. Cada lado da membrana recebe uma carga, e a corrente leva o DNA de um lado ao outro. Conforme este passa pelo poro, mudanças na condutância da membrana acontecem, e estas podem ser detectadas por sensores, que seriam capazes de identificar qual é o nucleotídeo que está passando pelo poro.

• Sequenciamento por síntese – Parecido com o pirossequenciamento, mas com a capacidade de suportar centenas de milhões de leituras. Os fragmentos de DNA receberiam uma cauda poli-T, enquanto milhões de caudas poli-A estão ligadas em uma membrana sólida. Os fragmentos aderem então a essa membrana, e começa a síntese da fita complementar destes. Os nucleotídeos são marcados e ao serem incorporados emitem fluorescência. Esta é detectada por um leitor de imagem, o aparelho interpreta as imagens e gera um arquivo semelhante à cromatogramas.

Bibliografia

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Biomassa como Fonte de Energia: Biocombustíveis

Biomassa como Fonte de Energia: Biocombustíveis

Carmen Eusébia Palacios JaraJanaina Morimoto Meyer

O conhecimento botânico, desde a formação dos primeiros grupos humanos, sempre teve grande importância tanto na alimentação quanto na descoberta de plantas com propriedades medicinais. A curiosidade e a experiência humana construíram o atual conhecimento popular e científico nas inúmeras áreas da Botânica e assuntos a ela, relacionados.

Recentemente, um dos temas interdisciplinares recorrentes nos trabalhos botânicos é o efeito das mudanças climáticas e do aquecimento global nas plantas e o uso das plantas como fonte de energia na forma de biomassa e na produção de biocombustíveis, os quais reduzem as emissões de poluentes como NOx, SOx, CO e materiais particulados, e podem substituir as fontes de energia fóssil muito utilizadas desde a Revolução Industrial iniciada na Inglaterra no século XVIII.

No cenário mundial atual, as condições ambientais não são as únicas preocupações que os governantes e a população devem levar em conta ao criar uma estratégia energética que será utilizada para mitigar a poluição liberada por anos de abuso e uso inadequado de fontes não renováveis como carvão, petróleo e gás. Segundo dados da Agência Internacional de Energia de 2011, cerca de 1,4 bilhões de pessoas não têm acesso a eletricidade e 3 bilhões de pessoas ainda utilizam biomassa de desmatamento para cocção e aquecimento, portanto, ainda há a necessidade de garantir à essas pessoas, acesso à energia usando combustíveis modernos, limpos e que minimizam os custos humanos e ambientais.

Outro fator que deve ser levado em conta são os constantes conflitos políticos envolvendo os países do Oriente Médio, onde estão localizadas quase 80% das reservas comprovadas de petróleo no mundo, pois conferem instabilidade ao suprimento e aos preços deste combustível.

Biomassa

O uso de biomassa para a geração de energia renovável diminui a emissão de carbono na atmosfera, reduz a dependência por carvão e derivados do petróleo e pode criar novos mercados, gerando empregos para a população rural.

A biomassa é definida como qualquer material biológico derivado de organismos presentes na natureza ou gerada pelos animais, inclusive o homem. Muitos são os exemplos de biomassa: óleos vegetais, resíduos urbanos e agrícolas, combustíveis produzidos a partir de produtos agrícolas como o álcool de cana-de-açúcar, os resíduos do processamento da cana e de outros produtos agrícolas que são usados para geração de energia nas indústrias, o carvão vegetal produzido a partir de madeira de reflorestamento que é usado como matéria prima na indústria siderúrgica brasileira, entre outros.

Karekezi et al. (2004), criaram três categorias para agrupar os tipos de biomassa: tradicionais, aperfeiçoadas e modernas.

A biomassa tradicional é considerada uma fonte local de energia, que é facilmente

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obtida na natureza e é utilizada por uma porção significante da população, particularmente pessoas pobres em áreas rurais de países em desenvolvimento da África, América Latina e Ásia. São considerados fontes tradicionais o carvão vegetal, a madeira, resíduos agrícolas, animais e urbanos usados para a cocção e aquecimento dos lares. Como estes materiais são queimados de forma ineficiente, não produzem toda a energia que tem potencial e, devido à combustão incompleta, ainda liberam monóxido de carbono, levando à intoxicação de mulheres e crianças, principalmente. Além disso, o uso de forma inconseqüente contribui para o desflorestamento e degradação dos hábitat.

O uso de tecnologias aperfeiçoadas contribui para o uso mais eficaz e menos poluente da biomassa. Por exemplo, fogões domésticos que reduzem a perda de calor diminuem a poluição dentro das casas e aumentam a eficiência na combustão resultando em economias na quantidade de combustível utilizado e em redução dos investimentos em dinheiro.

As tecnologias modernas para o uso de biomassa são consideradas pelos autores como potenciais para o uso de outras fontes de biomassa e de resíduos agrícolas. A disponibilidade de energia gerada a partir de biomassa de baixo custo em áreas rurais pode auxiliar no desenvolvimento local por criar serviços de energia mais limpos e eficientes, e promover a proteção ambiental. Tecnologias bioenergéticas baseadas em fontes de biomassa sustentável são “carbon neutral” e reduzem as emissões de CO2 se usadas para substituir combustíveis fósseis. Tais tecnologias podem contribuir com a redução de lixo armazenado em aterros sanitários, além de ter grande potencial na geração de empregos, o que as tornam atrativas em países em desenvolvimento com altos níveis de desemprego. São exemplos de tecnologias modernas a geração de energia a partir de madeira, resíduos urbanos e rurais e biocombustíveis como o etanol (de cana-de-açúcar, beterraba ou milho) e o biodiesel (de plantas oleaginosas e gordura animal).

Apesar das vantagens da obtenção de energia através de fontes renováveis, em 2010, apenas 2,7% da matriz energética mundial utilizou biomassa com tecnologia moderna, destes, 0,6% inclui os biocombustíveis, e 13% constitui biomassa tradicional, ou seja, madeira de desmatamento. Felizmente, devido ao apoio de governos como a China, EUA e Brasil, está sendo observado certo crescimento na produção e uso de biocombustíveis no mundo.

Biocombustíveis

Etanol de cana-de-açúcar

Em 1975, foi criado o Programa Brasileiro de Álcool (ProAlcool) com o objetivo de evitar o aumento da dependência externa de divisas após a crise do petróleo de 1973. De 1975 a 2000, foram produzidos cerca de 5,6 milhões de veículos a álcool hidratado. Acrescido a isso, o Programa substituiu por uma fração de álcool anidro (entre 1,1% a 25%) um volume de gasolina pura consumida por uma frota superior a 10 milhões de veículos a gasolina, evitando assim emissões de gás carbônico da ordem de 110 milhões de toneladas de carbono (contido no CO2), a importação de aproximadamente 550 milhões de barris de petróleo e, ainda, proporcionando uma economia de divisas da ordem de 11,5 bilhões de dólares (www.biodieselbr.com).

Dependendo do tipo de açúcar (sacarose ou celulose/ hemicelulose), o álcool pode ser classificado em etanol de primeira ou segunda geração. Atualmente, a tecnologia em estágio

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Biomassa como Fonte de Energia: Biocombustíveis

comercial para a produção de etanol é a fermentação da sacarose, produzindo o etanol de primeira geração.

Apesar de este processo estar bem estabelecido no Brasil, com os menores custos, a maior produtividade e o melhor balanço energético do mundo, ainda há espaço para crescimento e redução de custos. Ainda é necessário investir no desenvolvimento de tecnologias de segunda geração para produção de etanol como a hidrólise ácida, hidrólise enzimática ou a síntese de Fisher-Tropsch. A estimativa é de que o aproveitamento do bagaço e parte das palhas e pontas da cana-de-açúcar eleve a produção de álcool em 30% a 40%, para uma mesma área plantada (Pacheco, 2011), pois, segundo Nastari (2005), a energia armazenada nas partes da cana de açúcar é de 31,43% de sacarose, 34,71% no bagaço, e 33,86% na palha e nas pontas.

Apesar dos benefícios citados, alternativas de biocombustíveis devem ser desenvolvidas para evitar a dependência de somente uma matéria prima e de apenas um biocombustível para substituir as fontes de energia fóssil.

Biodiesel

Vários são os estudos que apontam o esgotamento das fontes de energia fóssil para os próximos 40 ou 50 anos, destacando a necessidade de buscar outras fontes alternativas.

Uma das alternativas às fontes de energia derivadas do petróleo é o combustível alternativo conhecido como “biodiesel”, o qual é usualmente relacionado a uma fonte equivalente ao diesel, composto de uma mistura de ésteres monoalquílicos de ácidos graxos de cadeia longa (C14-C22) derivados de fontes lipídicas renováveis como óleos vegetais e gorduras animais, e mais recentemente, a obtenção de biodiesel de microalgas também se tornou promisor.

O Programa Brasileiro de Biodiesel estabelece que o biodiesel é um combustível com diferentes misturas, em diferentes proporções, de diesel proveniente do petróleo e ésteres alquílicos de fontes biológicas. Estes são obtidos através da reação de transesterificação de óleos ou gorduras com alcoóis de cadeias curtas, principalmente o metanol e o etanol. Tal mistura, por convenção, é tratada como Bxx, onde XX indica a porcentagem de biodiesel na mistura, por exemplo, B10 compõe-se de 10% de biodiesel e 90% de diesel.

A crescente preocupação com o meio ambiente e, em particular, com as mudanças climáticas globais, coloca em xeque a própria sustentabilidade do atual padrão de consumo energético. Essa circunstância tem viabilizado economicamente novas fontes de biomassa em vários países do mundo. No caso do Brasil, a criação do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB) foi a iniciativa mais recente no sentido de buscar fontes alternativas de energia, além do etanol, para o país.

A preocupação com a proteção ambiental e escassez do diesel torna necessário o desenvolvimento de combustíveis alternativos aos combustíveis convencionais. Uma vez que o óleo diesel é largamente utilizado nos setores de transportes, agricultura, comércio, industrial e doméstico para a geração de energia, a substituição de uma fração do consumo total por fontes alternativas terá um impacto significante na economia e no meio ambiente.

No mundo as reservas de óleo são distribuidas segundo as características geológicas que permite maior acumulação significativa. No Oriente Médio concentra-se cerca de 65% das reservas mundiais, enquanto a Europa e Eurásia têm o 11.7%, Africa com 9.5%, America Central e do Sul 8.6%, Norte America 5% e Asia e o Pacifíco 3.4%.

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3. Recursos

Combustíveis alternativos devem ser pouco poluentes, economicamente competitivos e disponíveis. Os triglicerídeos e seus derivados possuem tais características, pois os óleos vegetais são produtos de uma grande variedade de fontes renováveis, possuem baixo ou nenhum conteúdo de enxofre e causam menos danos ambientais que o diesel. Além disso, eles reduzem as emissões de gases que geram o efeito estufa, promovem o desenvolvimento regional e melhora da estrutura social, especialmente nos países em desenvolvimento.

Entretanto, diversas desvantagens do uso direto dos óleos vegetais in natura são atualmente conhecidas. Algumas das desvantagens são: (a) a ocorrência de excessivos depósitos de carbono no motor; (b) a obstrução nos filtros de óleo e bicos injetores; (c) a solubilização parcial do combustível no lubrificante; (d) comprometimento da durabilidade do motor; (e) aumento considerável em seus custos de manutenção.

Para contornar essas dificuldades, foi necessário desenvolver uma metodologia de transformação química do óleo para que suas propriedades se tornassem mais adequadas ao uso como combustível. Assim, em meados do século passado, surgiram as primeiras propostas de modificação de óleos vegetais através da reação de transesterificação, cujos objetivos eram os de melhorar a qualidade de ignição, reduzir o ponto de fluidez e ajustar os índices de viscosidade e densidade específica.

Contudo, mais características devem ser analisadas quando consideramos combustíveis alternativos, pois para ser um substituto viável ao combustível fóssil ele não deve só possuir benefícios ambientais, como também deve ser competitivo economicamente, ser produzido em quantidade suficiente para ter impacto significativo sobre as demandas energéticas e prover um ganho energético superior às outras fontes de energia.

Quanto aos benefícios sociais, a produção e o cultivo de matérias-primas para a fabricação do biodiesel podem ajudar a criar milhares de novos empregos na agricultura familiar, reduzindo disparidades regionais, foco do Programa Nacional de Produção e uso do Biodiesel, principalmente nas regiões mais pobres do Brasil, como o Norte e o Nordeste. Assim, a geração e a distribuição de renda passariam a caracterizar o produto como um Combustível Social, selo criado pelo governo conforme Instrução Normativa nº01, de julho de 2005.

O programa do Biodiesel é parte da política governamental brasileira de promover a produção de combustíveis alternativos derivados de óleos vegetais. As principais matérias primas para a produção nacional do biocombustível são: soja, milho, girassol, amendoim, algodão, canola, mamona, babaçu, palma (dendê) e macaúba, entre outras oleaginosas cultivadas no país.

Em cada estado e região do país está sendo avaliado, pelo Ministério da Agricultura, o desenvolvimento de cadeias produtivas de diferentes óleos vegetais. Assim, a produção de biodiesel deve respeitar a especificidade de cada região produzindo o que, de certa maneira, lhe proporcionará uma vantagem comparativa maior.

Dessa forma melhoraria a qualidade do ar das cidades e saúde das pessoas, já que poderia evitar milhares de doenças que acontecem todos os anos por conta da poluição atmosférica. Além disso, o biocombústivel é capaz de contribuir na mitigação de um dos grandes problemas enfrentados pela humanidade como as alterações do efeito estufa.

Por outro lado, com o insentivo do uso de biodiesel, um dos maiores conflitos que o governo deverá enfrentar é a divisão do uso de terras agrícolas para fins de consumo humano e para a produção de biocombustíveis. Um exemplo interessante é o caso dos Estados Unidos que é

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Biomassa como Fonte de Energia: Biocombustíveis

responsável por 70% da exportação mundial de milho e tem a preocupação de produzir os grãos tanto para a indústria alimentar quanto para as usinas destiladoras de produção de etanol.

No Brasil, dos 20% de terras para uso agrícola, o 7% pertence à soja, 4% ao milho, 2% à cana de açúcar deixando o restante para a produção de outras culturas, destes só o óleo de soja contribui com o 85.6% da produção de biodiesel.

Assim, a medida que os preços de petróleo aumentam, a produção de biocombustivéis se torna mais rentável podendo transformar-se em um ensumo economicamente atraente colocando em risco a indústria alimentar. Com a finalidade de reduzir o possível impacto da produção de biocombustíveis sobre a produção de alimentos, no Brasil tem-se formado setores governamentais responsavéis por mecanismos de certificação para as companhias dedicadas à fabricação de biocombustíveis, garantindo a segurança alimentar e a redução dos impactos ambientais.

E a Botânica com isso?

O estudo e o desenvolvimento de novas variedades e melhoramento genético de plantas utilizadas como matérias-primas para a produção de biocombustíveis, com o objetivo de aumentar a produção de sacarose para o etanol ou óleo para o biodiesel, além da prospecção de diferentes oleaginosas, avaliando diferentes características físico-químicas deste óleo e respeitar a distribuição destas plantas para reduzir os custos de produção são trabalhos do botânico.

A fitoquímica, além de descrever inúmeros compostos do metabolismo secundário das plantas, possui ferramentas que auxiliam na análise e prospecção de matérias-primas para a produção de biocombustíveis. Assim, juntamente com outras áreas da botânica, a fitoquímica faz parte de um passo importante para desacelerar o aquecimento global através da redução, por meio dos biocombustíveis, das emissões de poluentes na atmosfera.

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Bioinformática

BioinformáticaJonas Weissmann Gaiarsa

Bioinformática para genômica

Bioinformática constitui uma área de intersecção entre a Computação e a Biologia. Sua função é auxiliar na interpretação e modelagem matemática de fenômenos biológicos. Dois exemplos que ocorrem na medicina são os algoritmos de interpretação de dados de ressonância magnética para imagens e o processamento de imagens para diagnóstico automatizado. Na genômica, área que iremos explorar mais a fundo nesse texto, podemos encontrar vários pacotes de software voltados para geração e análise de sequências de DNA.

Do DNA ao gene

Sequenciamento Sanger

A técnica de seqüenciamento Sanger funciona a partir do princípio de interrupção da replicação da molécula de DNA. Ao se fazer uma reação de polimerização em cadeia de DNA in vitro com uma molécula molde de DNA, enzima polimerase de DNA e uma mistura de deoxinucleotídeos e dideoxinucleotídeos há interrupção da reação de replicação do DNA. Isso acontece devido a integração de dideoxinucleotídeos, que não possuem um grupo hidroxila que faz parte da polimerização do DNA. Com uma proporção apropriada na mistura entre quatro (A,T,C e G) de cada um dos dois tipos de nucleotídeos ocorre uma interrupção seriada das diferentes cópias geradas na reação. Isto é, são geradas diversas cópias da molécula molde de DNA, porém sempre haverá cópias interrompidas em cada posição dos pares de base (bp) da sequência. Ao se submeter o produto dessa reação a eletroforese em gel de poliacrilamida fazemos a separação por tamanho das moléculas. Se também fizermos reações separadas para cada uma das quatro diferentes bases nitrogenadas, poderemos visualizar ou “ler” a sequência de bases do DNA. No caso de seqüenciadores automáticos as quatro reações são feitas conjuntamente, porém há um marcador fluorescente diferente em cada um dos dideoxinucleotídeos que emite uma determinada cor quando excitado com um laser. A reação é então submetida à eletroforese porém em um capilar de vidro. A informação gerada no seqüenciamento automático é constituída por quatro séries de dados de intensidade luminosa capturadas por uma sensor de câmera digital. Cada uma das séries corresponde a uma cor das quatro encontradas na fluorescência dos nucleotídeos terminadores.

Análise de dados de sequenciamento

O sinal luminoso capturado é apresentado na forma das quatro cores sobrepostas que variam de acordo com a migração das molécula fluorescentes durante a progressão da eletroforese. Cada base lida é representada por um pico no sinal luminoso na cor apropriada. Na prática, são encontrados uma série de ruídos e artefatos na curva de luminosidade como picos largos demais, picos de diferentes cores sobrepostas, entre outros. O software mais amplamente utilizado para interpretar esses dados chama-se PHRED e seu papel é o de discernir uma base da outra e determinar o nucleotídeo lido. A analisé feita sobre as curvas

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3. Recursos

de luminosidade para determinar largura e intensidade de cada pico que são então comparados com medidas padrão para então atribuir-se uma pontuação (Score) de qualidade a aquela base. Na Tabela 1 a referência do sistema de pontuação.

Tabela 1 . Sistema de pontuação Phred.

Score de qualidade Phred

Erro na determinação de bases

Acurácia da determinação de bases

10 1 em 10 90%

20 1 em 100 99%30 1 em 1.000 99,9%

40 1 em 10.000 99,99%50 1 em 100.000 99,999%

Fonte: www.phrap.com/phred/

A saída desse programa é feita na forma de dois arquivos texto: o score relativo ao sinal de cada pico e uma seqüência de pares de bases de DNA correspondentes a cada pico (chamado read).

Montagem de genomas

Pela técnica Sanger os reads gerados não passam de mil bases, mas genomas podem conter de milhares a bilhões de bases (kb a gb). A estratégia de um projeto genoma deve então contemplar a construção de uma biblioteca biológica de pequenos trechos aleatórios de cada uma das moléculas de DNA componentes do genoma para obter-se uma representação proporcional de todo o genoma. Dessa forma, para podermos contemplar uma cobertura completa de um genoma devemos sequenciar vários desses segmentos de DNA e então reunir a informação. O software que faz essa reunião, ou montagem de sequências, chama-se Phrap. Ele compara as sequências geradas através de alinhamento e constrói consensos como descrevemos a seguir.

Por trás do Phrap existem dois outros softwares, o Cross_match e o Swat. O Swat é a base de toda a análise e é o programa que faz o alinhamento local entre sequências usando uma implementação mais eficiente do algoritmo clássico Smith-Waterman. O alinhamento local procura parear trechos similares dentro de duas sequências de nucleotídeos, em contrapartida a alinhamentos globais que tentam alinhar a sequência como um todo. O Cross_match é uma versão do Swat que economiza tempo de análise olhando apenas para regiões do alinhamento com baixo nível de identidade ao redor de regiões com alto nível de identidade.

O conjunto de reads alinhados formam uma figura semelhante a um andaime, ou scaffold como é conhecido. É então gerada um consenso das seqüências dos empilhamentos de um scaffold, chamado contig. O Phrap no entanto não se restringe ao alinhamento das sequências, mas também procura levar em conta a qualidade atribuída pelo Phred ao fazer esse consenso ponderando o peso de cada base proporcionalmente a sua pontuação.

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Bioinformática

Análise de montagens

Reunindo-se vários contigs podemos por fim chegar à seqüência do genoma. No entanto a realidade envolve algumas complicações que os programas de montagem automática não conseguem resolver e que devem ser tratados manualmente antes do fechamento de um genoma.

Grande parte dos genomas são populados com sequências repetitivas em pequena (até dezenas de bp) e grande escala (dezenas de kb) como micro satélites, regiões gênicas e intergênicas de baixa complexidade e elementos de transposição. Todos esses fenômenos provocam o surgimento de inconsistências na formação de contigs na forma de alinhamentos espúrios e concentração de uma parte desproporcionalmente grande dos reads.

Para averiguar problemas desse tipo contamos com programas de visualização de montagem como o Consed, onde é possível averiguar desde o pico e a qualidade de uma base até sobreposição de diversos contigs. Com esse programa também é possível forçar a agregação de contigs, retirar reads que podem estar comprometendo um consenso ou um scaffold, buscar por pareamentos entre contigs e suas sub-regiões, fazer estatísticas para verificar a qualidade montagem, entre outras funções. Conjuntamente também é possível automatizar procedimentos de finalização de genoma com a ajuda do recurso Autofinish que gera sugestões de estratégias de geração de novas sequências para resolver regiões problemáticas da montagem. Uma parte desses problemas pode ser resolvida com a geração de um número maior de clones e sequências que cubram todo o genoma de forma a não prejudicar a amostragem de determinadas regiões. No entanto, algumas regiões só podem ser resolvidas com a geração de uma sub-biblioteca de clones para sequenciamento, fazendo-se sucessivos sequenciamentos com iniciadores encadeados no final de cada read (primer walking), medindo o tamanho da falha (gap) por PCR, entre outras estratégias.

Alguns programas de montagem mais modernos já conseguem distinguir algumas dessas repetições e evitar problemas de comparação entre regiões que não necessariamente são coesas dentro de um genoma.

Predição gênica

De posse da seqüência do genoma, precisamos então descobrir os genes lá contidos. Para isso precisamos de um software como o Glimmer que procura por sinais de fase aberta de leitura (na sigla em inglês, ORF), ou regiões que codificam uma seqüência de aminoácidos. Alguns dos indícios a serem procurados são códons de início (ATG, GTG, TTG) do processo de tradução do RNA mensageiro pelo ribossomo, códons de parada (TGA, TAA, TAG) da tradução, tamanho limite mínimo e máximo de ORFs a serem considerradas, freqüência de uso de códons, se conhecida, se o percentual de bases C e G na região é compatível com uma ORF, seqüência de regiões de ancoramento do complexo ribossomal, indícios de regiões intrônicas, se for o caso, entre outras características. Dessa forma conseguimos chegar a uma coleção de ORFs que podem ser traduzidas eletronicamente em seqüências de aminoácidos, de acordo com uma tabela de tradução préviamente conhecida que seja mais apropriada ao tipo de organismo sendo sequenciado. Existem diversos softwares voltados para essa fase da análise, cada um voltado para um tipo de organismo ou dado experimental específico, como Glimmer, GlimmerHMM, Augustus, Maker, Orphelia, GeneMark.

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3. Recursos

Anotação de genomas

Bancos de Dados e procura de sequências

O próximo passo é atribuir uma função hipotética a essas proteínas, também conhecida como anotação. Para tal o procedimento mais comumente adotado é o de comparação das seqüências geradas com seqüências de função conhecida. As coleções de seqüências anotadas são disponibilizadas publicamente na forma de bancos de dados sendo Uniprot e GenBank dois dos mais consagrados. Cada um desses bancos pertence a uma instituição diferente e possuem subdivisões com propostas diferentes. Aquilo que começou como o Atlas of Protein Sequence and Structure curado por Margaret Dayhoff e iniciado em 1965 transformou-se mais tarde, com a união do European Bioinformatics Institute (EBI), o Swiss Institute of Bioinformatics (SIB) e o Protein Information Resource (PIR) em 2003 no Uniprot. O GenBank foi iniciado por Walter Goad no Los Alamos National Laboratory ainda como Los Alamos Sequence Database em 1979, mas que em 1982 veio tornou-se público com o nome GenBank. Foi durante 1989 a 1992 com a criação do National Center for Biotechnology Information (NCBI) que o banco passou a ter sua atual residência.

Para procurar e comparar seqüências são usados softwares de alinhamento, de forma parecida como é feita a montagem dos scaffolds. O software de procura e alinhamento mais utilizado é chamado BLAST e é amplamente empregado nas páginas web desses bancos de dados. Esse software usa de heurística, ou aproximação estatística, para tornar o processo de procura e comparação de sequências de cinco a vinte vezes mais rápido do que o Swat, com um grau de confiança bastante alto.

Ferramentas preditoras e outros modelos de sequência

Se no entanto, as sequências procuradas não gerarem nenhum tipo de correspondência com outras sequências ou gerarem resultados que indiquem a semelhança apenas com outras sequências pouco caracterizadas, podemos recorrer a outros tipos de ferramentas.

Algumas sequências podem ter seu nível de conservação evolutiva não na sequência nucleotídica explicita ou em uma das traduções polipeptídicas possíveis dessa sequência, mas em vários outros níveis. Podemos com o BLAST fazer dois tipos de procura tradicionais: BLASTN onde uma sequência de nucleotídeos é comparada com um banco de sequências nucleotídicas e BLASTP onde se compara uma sequência de aminoácidos com um banco de sequências de aminoácidos. Podemos no entanto fazer alguns outros tipos de pareamentos: BLASTX onde se compara uma determinada sequência nucleotídica traduzida em suas seis possíveis fazes de leitura contra um banco de proteínas, TBLASTN onde uma sequência de aminoácidos é procurada e o banco de nucleotídeos é traduzido nas seis fases e por fim TBLASTX onde ambos pergunta e banco são traduzidos nas seis fases e comparados.

Além dessas modalidades, podemos fazer procuras denominadas PSI-BLAST, PHI-BLAST e DELTA-BLAST, onde a procura BLASTP pode ser focada em um modelo específico de permuta de aminoácidos, no caso do PSI, ou permite o enfoque em um determinado padrão de aminoácidos ou modelo proteico conhecido, na mesma ordem PHI e DELTA. Da mesma forma programas como HMMER/Pfam, Prints, entre outros, procuram

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Bioinformática

mudanças mais sutis e de conservação em mais largas escalas de tempo onde são conservados determinados domínios e resíduos proteicos fundamentais para o funcionamento bioquímico.

Podemos também tentar prever outras características de função como sítios de modificação pós-transcricional, splicing e splicing alternativo, modificações pós-traducionais e localização subcelular. Todas essas características podem ser previstas com maior ou menor confiança por diversos programas disponibilizados na forma de websites, pacotes de análise ou softwares avulsos.

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Organismos Geneticamente Modificados no contexto da Botânica

Organismos Geneticamente Modificados no contexto da Botânica

Kleber Alves Gomes

Não há substância tão importante quanto o DNA. Ele carrega em sua estrutura a informação hereditária que determina a estrutura das proteínas, que são as principais moléculas da vida. Essas instruções são armazenadas no DNA em genes, sequencias de DNA que, em termos moleculares, são responsáveis por fazerem as proteínas e os RNAs funcionais. De forma simplificada, tanto em plantas como na maioria dos eucariotos, cada gene codifica uma proteína ou RNA funcional, por isso não é surpreendente que em um organismo complexo como as plantas, existam um amplo número de genes. Plantas, ao contrário dos animais, possuem dois outros genomas. Em comum eles apresentam o genoma mitocondrial, mas plantas também possuem o genoma cloroplastídico. O genoma nuclear contém a maioria, mas não toda a informação genética e este genoma é também o mais comumente manipulado em biotecnologia de plantas.

OGMs: conceitos básicos

OGMs é a sigla de Organismos Geneticamente Modificados, isto é organismos manipulados geneticamente, de modo a favorecer características desejadas, como a cor, tamanho etc. OGMs possuem alteração em trecho(s) do genoma realizadas através da tecnologia do DNA recombinante ou engenharia genética.

Na maior parte das vezes que se fala em Organismos Geneticamente Modificados, estes são organismos transgênicos. Porém, OGMs e transgênicos não são sinônimos: todo transgênico é um organismo geneticamente modificado, mas nem todo OGM é um transgênico.Um transgênico é um organismo que possui uma sequência de DNA, ou parte do DNA de outro organismo, pode até ser de uma espécie diferente. Enquanto um OGM é um organismo que foi modificado geneticamente, mas que não recebeu nenhuma região de outro organismo. Por exemplo, uma bactéria pode ser modificada para superexpressar um gene. Isso não quer dizer que ela seja uma bactéria transgênica, mas apenas um OGM, já que não foi necessário inserir material externo. Sempre que se insere um DNA exógeno em um organismo, este passa a ser transgênico, e este evento tem as suas vantagens e desvantagens.

Implicações para transformação genética de plantas

A introdução e integração estável de transgenes no interior de genomas de plantas hospedeiras é apenas o primeiro passo para uma manipulação de plantas bem sucedida. Os trangenes precisam ser expressos de uma maneira apropriada, tanto espacialmente quanto temporalmente. Além disso, eles precisam ser devidamente processados e os seus produtos protéicos devem ser modificados apropriadamente e sinalizados para o compartimento celular correto. Em ordem, para que esses pré-requisitos sejam atingidos, esforços consideráveis são necessários no desenho do transgene antes que ele seja introduzido na planta.

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3. Recursos

2.1-Exemplos de promotores utilizados para dirigir a expressão transgênica

2.1.1-Expressão gênica controlada pela luzAnálises de promotores de genes responsivos à luz identificaram as regiões

requeridas para indução da expressão. Essas sequencias elementos são chamadas de elementos responsivos à luz (LREs- “ligth responsive elements”). A ação dos LREs é complexa, pois como nenhum LRE é encontrado em todos os genes regulados pela luz e são necessários dois ou mais LREs para expressão gênica induzida.

2.1.2- Expressão gênica induzida por ácido abscísicoÁcido abscísico é um hormônio de plantas que controla a expressão de vários genes.

Análises de promotores demonstraram que pequenos fragmentos derivados de promotores de alguns genes ácido-abscísico induzidos são suficientes para conferir a inducibilidade ABA mínima.

2.1.3- Expressão tecido específicaAnálises de promotores de vários genes expressos em tecidos específicos têm

permitido a identificação daqueles elementos responsáveis pelos padrões de expressão.

2.2- Proteínas alvo

Proteínas também podem ser marcadas para determinadas localizações subcelulares para se obter o efeito desejado. A produção de plantas resistentes a herbicidas, por exemplo, requer que o produto transgênico seja marcado para o cloroplasto o que pode ser feito pela adição do peptídeo de transito de uma proteína sinalizada para o cloroplasto.

2.3-Promotores heterólogos

Vários pressupostos são feitos quando se considera o uso de promotores heterólogos para dirigir a expressão transgênica. O primeiro deles é que fatores de trans ativação de uma planta será reconhecido pelas sequencias dos elementos cis dos promotores heterólogos. Em muitos casos isso parece acontecer, mas em alguns casos (particularmente se elementos promotores de monocotiledôneas são usads para dirigir a expressão transgênica numa dicotiledônea ou vice- versa), mas em alguns casos não.

2.4- Tamanho e Organização do Genoma

O tamanho do genoma nuclear varia entre os organismos. Em células eucarióticas o conteúdo haplóide varia de 107 a 1011pb.

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Figura 2-(a) Genoma bacteriano e genoma eucarionte. (b) Proporção de diferentes sequencias no genoma. (c) A maior parte do genoma consiste de transposons. (d) Esquema geral da organização do genoma.

A relação entre tamanho e complexidade do genoma é conhecida como “paradoxo do valor de C”. Plantas superiores, por exemplo, podem apresentar um similar grau de complexidade e um similar número de genes, exibem tamanhos de genomas que variam por várias ordens de magnitude e muitos anfíbios tem o valor de C maiores do que os de

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Figura 1-Esquema geral da organização do genoma.

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humanos. Sabe-se também que em muitos organismos apenas um pequeno percentual do genoma efetivamente codifica proteínas. A composição e organização do genoma em eucariotos é ilustrada nas figuras 1 e 2.

A manipulação genética da resistência a herbicidas

Por definição, herbicidas são muito mais tóxicos às plantas do que para os animais. Portanto, não é surpreendente que eles geralmente afetem mais os processos biológicos específicos das plantas. Os principais grupos de herbicidas podem ser classificados de acordo com seu modo de ação. Eles pertencem a uma vasta gama de diferentes famílias químicas, com cerca de 15 grandes classes de modo de atividade e a maioria deles possuem apenas um modo de ação. Mas também podem diferir quanto a outras propriedades (i) sítio de absorção na planta (raiz vs. parte aérea); (ii) grau de translocação no interior da planta (sistêmico vs. contato); (iii) tempo de aplicação (pré-plantio, pré-emergência, pós-emergência ou pré-colheita). Mullineaux (1992) identifica 4 estratégias distintas para engenharia de resistência a herbicidas. Elas são:

1. Sinalização da proteína alvo=> envolve a supressão do herbicida pela superprodução da proteína alvo. Se um herbicida é um inibidor específico de uma enzima particular, a produção de excesso da enzima pode suprimir a inibição. Isso pode ser feito pela integração de múltiplas cópias do gene e/ou uso de um promotor forte transcricional acentuador para dirigir a expressão do gene.

2. Mutação da proteína alvo=> a lógica dessa abordagem é encontrar proteínas-alvo modificadas que substituem funcionalmente a proteína nativa e que é resistente a inibição pelo herbicida e incorporar o gene de resistência da proteína alvo no genoma da planta.

3. Detoxificação do herbicida usando um único gene de uma fonte exterior=> isso significa tornar o herbicida em um composto menos tóxico ou removê-lo do sistema.

4. Melhoria da detoxificação da planta=>o objetivo aqui é melhorar as defesas naturais da planta contra compostos tóxicos. Isso requer informações detalhadas das vias endógenas de detoxificação da planta e os mecanismos pelos quais os compostos são reconhecidos e sinalizados para detoxificação pela planta.

A manipulação genética de resistência a pragas

Cerca de 13% do rendimento potencial das culturas globais são perdidos para as pragas. Pragas que parasitam plantas vão desde nematóides a pássaros e mamíferos, sendo que os insetos são os maiores causadores de danos às culturas. A agricultura moderna encontra-se longe de reduzir os danos por pragas e está diante de um problema: alguns caracteres de defesa têm sido perdidos acidentalmente durante o processo de seleção por várias propriedades ou também porque a resistência a pragas afeta outras características como o rendimento e qualidade. Embora insetos adultos alimentem-se de plantas, a maior parte dos danos é causada pelas larvas. As principais classes de insetos que causam danos às culturas são as ordens Lepidoptera (borboletas e traças), Diptera (moscas e mosquitos), Orthoptera (gafanhotos, grilos), Homoptera (pulgões) e Coleoptera (besouros). Existem duas abordagens de estratégias de organismos geneticamente modificados para resistência a insetos:

1 Bacillus thuringiensis => envolve o uso de genes inseticidas provinientes de bactérias

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para fornecer proteção dos danos à pragas.

2 “Copy nature”=> envolve o potencial para uso de mecanismos endógenos de proteção da planta.

O mais conhecido exemplo é o uso das endotoxinas dos genes “cry” do Bacillus thuringiensis. A bactéria produz proteína cristalizada inseticida (ICP), cujas formas incluem corpos de cristais bipiramidais e cubóides durante a esporulação. ICPs são uma das várias classes de endotoxinas produzidas pela esporulação da bactéria, consequentemente, elas foram originalmente classificadas como δ-endotoxinas, para distingui-las das α-, β- e γ-endotoxinas.

Essas toxinas são altamente específicas contra seus insetos-alvo, mas são inócuas a humanos, vertebrados e plantas, além de serem completamente biodegradáveis. Em razão desses fatos, B.thuringiensis torna-se uma alternativa segura no controle de insetos-praga de importância agrícola, bem como de importantes vetores de doenças humanas. Os genes cry estão localizados em plasmídios e muitos isolados possuem diversos genes cry responsáveis pela síntese de diferentes proteínas inseticidas, as quais foram classificadas como Cry1 a Cry55, dependendo da especificidade do hospedeiro e do grau de homologia de seus aminoácidos. A expressão dos genes cry de B. thuringiensis geralmente ocorre na fase estacionária da célula, acumulando seu produto na célula-mãe, na forma de uma inclusão cristalífera, a qual é liberada no meio ao final da esporulação. Essa inclusão pode representar cerca de 25% do peso seco de células já esporuladas. Apesar de a expressão dos genes cry estar estreitamente relacionada ao evento da esporulação, existem genes cry que se expressam independentemente da esporulação.

As plantas Geneticamente modificadas com genes cry

O maior avanço na utilização de B. thuringiensis tem sido a transformação de diversas cultivares agrícolas visando a expressão das toxinas Cry. Desde 1996, a importância

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Figura 3-Mecanismo de ação do Bacillus thuringiensis.

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3. Recursos

dessas cultivares transformadas tem crescido comercialmente, levando-as a ocuparem o segundo lugar entre as plantas geneticamente modificadas com maior emprego e distribuição, seguidas das plantas resistentes a herbicidas. Essas cultivares transformadas com genes cry, também denominadas “plantas-Bt, apresentam diversas vantagens em relação aos formulados de B. thuringiensis, pois não necessitam de pulverização foliar para o controle de certos insetos, já que a toxina é expressa pela própria planta. Além disso, diminuem a quantidade de inseticidas químicos liberados no ambiente, bem como os gases emitidos pelo maquinário agrícola empregado na sua aplicação. Em 2006, as lavouras de plantas GM somaram 102 milhões de hectares de plantio na escala mundial, dos quais as culturas de plantas-Bt alcançam 19 milhões de hectares (19%). Entre 2005 e 2006, os números indicados representaram um crescimento de 17% do cultivo de plantas resistentes a insetos. O crescimento mais significativo foi o de milho e o de algodão-Bt. Essas plantas produzem uma forma truncada de proteínas Cry, a qual se assemelha àqueles peptídeos tóxicos ativados após sua clivagem no intestino dos insetos susceptíveis. Assim, a toxina é sintetizada em sua forma tóxica ou solúvel, preferencialmente às inclusões cristalinas, as quais ainda terão de ser solubilizadas pelo pH alcalino do intestino. Cabe salientar que o milho resistente a insetos, ou milho-Bt, já tem 16 aprovações comerciais no mundo inteiro. Atualmente, existem 13 espécies de plantas transformadas com genes de B. thuringiensis.

Estratégias para engenharia de tolerância a estresse

Ano a ano as culturas estão sendo afetadas por uma série de fatores externos (temperatura, disponibilidade de água, salinidade, etc...) influindo diretamente em seu crescimento e desenvolvimento.

A maior parte dos stress abióticos ou bióticos leva à produção de radicais livres e ROS (“reactive oxygen species”), originando stress oxidativo. As mudanças climáticas associadas ao aquecimento global deverão induzir aumentos nos níveis de stress às plantas por isso é urgente desenvolver variedades tolerantes ao stress. O sucesso destas iniciativas

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Figura 4-Os diferentes tipos de estresses externos que afetam o crescimento e desenvolvimento da planta.

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permitiria estender a área de cultivo a ambientes que não são ideais para o crescimento (e.g., desertos, solos altamente salinos).

As necessidades hídricas excedem o fornecimento de água. Esse déficit de água pode: inibir a fotossíntese; aumentar a concentração dos íons tóxicos; remover a proteção hídrica que envolve as macromoléculas. Além disso as plantas podem responder à falta de água

acumulando osmo‐protetores (que reduzem o potencial osmótico): açúcares e açúcares alcoólicos (e.g., manitol, sorbitol, pinitol e oligossacáridos como a trealose) compostos zwiteriónicos (com cargas positivas e negativas; e.g., prolina, glicina e betaína). Diferentes

tipos de plantas produzem diferentes tipos de osmo‐protetores e alguns cultivos importantes não têm esta capacidade (e.g., arroz e tabaco).

A Engenharia Genética

Isso requer a determinação das vias biossintéticas para vários osmo‐protetores. Bem como o isolamento dos genes relevantes. Também requer estratégias para o desenvolvimento de vetores que guiem a expressão génica e o destino das proteínas. A integração no genoma

vegetal de osmo‐protectores está a ser testada, mas as taxas de sucesso têm variado largamente. Todavia, em alguns casos tem sido conseguido um aumento da tolerância da planta a vários tipos de stress associados à déficits de água. Até agora foram efetuados poucos testes de tolerância ao stress no campo. Também a tolerância à secura pode melhorar as taxas de sobrevivência, contudo não garante um aumento dos níveis de produtividade para taxas normais.

O melhoramento de culturas para rendimento e qualidade

A produtividade de um cultivo é determinada em função dos seguintes fatores: radiação solar interceptada; eficiência fotossintética; índice de colheita. Já a qualidade de um cultivo é determinada em função: da qualidade nutritiva; do sabor; da qualidade de processamento e do tempo de vida. Um dos exemplos é o retardamento do amadurecimento de frutos. Os primeiros produtos GM (Geneticamente modificados) comercializados foram os tomates FlavrSavr (1994; Calgene) que apresentavam um retardamento do amadurecimento e por isso um maior tempo de vida nas prateleiras. O amadurecimento dos frutos é um processo complexo que envolve a degradação das paredes celulares, e a produção de compostos que afetam a cor, sabor e aroma dos frutos. Este processo é induzido pela produção de til-etileno. A modificação genética neste caso teve como objetivos interferir, ou com a produção de etileno, ou com os processos de resposta ao etileno. As

técnicas de silenciamento génico, anti‐sense (Calgene; Flavr Savr) e co‐supressão (Zeneca), foram usadas nas primeiras variedades de tomate GM para reduzir a atividade do gene que codifica a poligalacturonase (PG), uma enzima que contribui para o relaxamento da parede celular durante o amadurecimento. A atividade da PG foi reduzida durante o amadurecimento, mas outros eventos deste processo continuaram a ocorrer (e.g., acumulação de licopeno – cor vermelha). Como resultado:

Flavr Savr – não teve sucesso comercial e a sua produção foi abandonada um ano após a sua implementação.

Zeneca – tomate majoritariamente usado para processamento (elevado conteúdo sólido) para polpas elevada taxa de sucesso durante três anos, mas abandonada em resposta à

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hostilidade anti‐GM.

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Organismos geneticamente codificados e a cultura de tecidos

Organismos geneticamente codificados e a cultura de tecidos

Mariana Crotti Franco

A engenharia genética vem sendo através das técnicas de transformação genética e cultura de tecidos, uma tecnologia de grande importância no aumento dos limites da disponibilidade de genes impostos pela incompatibilidade sexual levando ao aumento da variabilidade genética das espécies. Assim, um gene responsável por uma determinada característica de interesse pode ser introduzido através da transformação genética em materiais selecionados, e para aumentar a eficiência deste processo, é essencial o conhecimento prévio da capacidade regenerativa in vitro destes materiais.

Cultura de Tecidos vegetais

Histórico

A primeira tentativa de se cultivar células de tecidos somáticos vegetais em solução nutritiva foi em 1902 por Haberlandt, que não obteve sucesso em seus experimentos por diversos fatores: falta de conhecimento dos fitorreguladores; utilização de espécies inadequadas; baixa densidade do inóculo e utilização de tecidos maduros como explante.

'Logo após, em 1904, Hanning cultivou in vitro embriões imaturos de crucíferas (Raphanus sativus, R. landra, R. caudatus e Colchlearia danica), suplementando o meio de cultivo com sacarose para a germinação dos embriões.

Knudson, em 1922, por sua vez, cultivou embriões de orquídeas, observando a importância da sacarose para o crescimento e desenvolvimento dos embriões in vitro.

Laibach foi quem iniciou em 1925 a técnica de resgate de embriões, recuperando híbridos do cruzamento entre Linum austriacum e L. perenne.

O primeiro trabalho com meio de cultivo líquido foi estabelecido por White em 1934, sendo este capaz de manter o crescimento de ápices radiculares de Lycopersicon esculentum por um período ilimitado. White observou a importância da tiamina para o crescimento de raízes in vitro e formulou um meio de cultivo que é usado até hoje e que leva seu nome.

O primeiro hormônio vegetal descoberto foi a auxina, fato que ocorreu em 1926, sendo descoberto por Went. Já a descoberta da cinetina, uma citocinina, se deu por volta da década de 50, nos trabalhos de Folke Skoog e colaboradores.

O método de isolamento de protoplastos de plantas por meio de enzimas de degradação da parede celular foi desenvolvida por Cocking em 1960. Sendo esta técnica de extrema importância capacitando a obtenção de híbridos interespecíficos e intergenéricos, além de ter aberto um caminho para a engenharia genética.

No Brasil, o Dr. Agesilau Bitancourt, do Instituto Biológico de SP, foi o pioneiro no uso da técnica de cultura de tecidos, em 1950.

Entre 1975 e 1980 foram criados os laboratórios da Universidade de Campinas, Instituto Agronômico de Campinas e EMBRAPA.

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Definições

A cultura de tecidos é o nome genérico que se dá aos vários procedimentos de cultivo in vitro de células, tecidos e órgãos vegetais em um meio nutritivo e em condições assépticas. Esta técnica se baseia na teoria proposta por Schleiden em 1838 e Schwann em 1839 da totipotência celular, que considera que as células vegetais manifestam em momentos diferentes e sob estímulo apropriado, a potencialidade de iniciar novo indivíduo multicelular.

Os segmentos de tecido ou órgãos vegetais utilizados para iniciar uma cultura in vitro são chamados de explantes, podendo ser um segmento de folha, caule, raiz, endosperma, grãos de pólen, óvulos, etc. Considera-se que todas as células vegetais sejam capazes de expressar sua totipotência, porém como se utilizam no processo in vitro, explantes, que são constituídos de uma mistura de células em diferentes estados fisiológicos, bioquímicos e de desenvolvimento, espera-se a obtenção de reações diversificadas destes explantes, fazendo com que apenas algumas células respondam às condições do cultivo in vitro, levando à regeneração de um novo indivíduo.

A cultura de tecidos vem sendo utilizada para diversos objetivos: limpeza clonal por meio de cultura de meristemas; micropropagação de genótipos superiores; conservação de germoplasma in vitro; aumento de variabilidade genética por meio de variantes somaclonais; obtenção de transformantes via engenharia genética; obtenção de haploides; resgate de embriões de híbridos interespecíficos ou intergenéricos, entre outros.

Laboratório de Cultura de Tecidos

As instalações de um laboratório de cultura de tecidos devem apresentar características apropriadas, que possibilitem alto nível de assepsia, além de temperatura e iluminação controladas visando à otimização das respostas dos materiais cultivados in vitro.

As atividades devem ser compartimentalizadas, obtendo dessa forma uma distribuição de salas que podem seguir o seguinte padrão: sala de limpeza (descarte de meios, autoclavagens em geral, lavagem de vidrarias), sala de preparo (com bancadas para o preparo de meios de cultivo, soluções estoque, etc), sala de transferência (local com fluxo laminar para a manipulação dos materiais assépticos), sala de cultura (local com temperatura em torno de 27 °C e fotoperíodo de 16hs luz, onde serão mantidas as culturas in vitro), câmara de nebulização (para o processo de aclimatização das plantas) e casa de vegetação.

Meios de Cultura

Os meios de cultura se baseiam nas exigências das plantas quanto aos nutrientes minerais, com algumas modificações para atenderem às necessidades específicas do processo in vitro. Desta forma, as mesmas vias bioquímicas e metabólicas básicas que funcionam nas plantas são conservadas nas células cultivadas, porém, alguns processos como fotossíntese podem ser inativados pelas condições de cultivo e pelo estado de diferenciação das células.

O meio de cultura de White (1943) foi por muitos anos utilizado como meio básico. Em 1962, foi desenvolvido o meio de cultivo MS de Murashige e Skoog, apresentando altos níveis de nitrato, potássio e amônio. Atualmente os meios mais completos e mais utilizados são: White, MS, B5 e WPM.

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1.4.1- Componentes básicos dos meios de culturaAs plantas in vitro apresentam metabolismo heterotrófico, portanto necessitam para o

seu desenvolvimento, componentes essenciais, como água, macro e micronutrientes e carboidrato (fonte de carbono).

A água é o elemento de maior abundância na composição do meio de cultura, devendo apresentar alto nível de pureza, portanto esta deve ser destilada e deionizada para a eliminação das impurezas e sais minerais.

Os macronutrientes utilizados são: nitrogênio (na forma de amônio e nitrato), fósforo, potássio, cálcio, magnésio, ferro, carbono e enxofre. Já os micronutrientes encontrados são: manganês, zinco, boro, cobre, cloro, molibdênio, cobalto e iodo. A fonte de carboidrato mais comumente utilizada é a sacarose a 3%(p/v). As vitaminas mais utilizadas são: tiamina, piridoxina, ácido nicotínico e glicina.

Os meio MS, B5 e WPM apresentam também em sua composição o mio-inositol, que é um hexitol com grupos –OH em todos os seus seis carbonos. O mio-inositol é incorporado às moléculas de fosfolipídeos que compõem a estrutura da membrana plasmática.

Os fitorreguladores são fatores determinantes no desenvolvimento da maioria dos sistemas de cultura de tecidos. Os principais fitorreguladores são:

• Auxinas: naturais (IAA;IBA) e sintéticas (NAA; 2,4-D; 2,4,5-T);

• Citocininas: naturais (Zeatina; 2ip) e sintéticas (BAP; cinetina);

• Giberelinas;

• Ácido Abscísico.

Outros compostos também podem ser utilizados para suplementar o meio de cultura como: água de coco, extrato de malte, extrato de sementes, suco de tomate, sulfato de adenina, carvão ativado, agentes antioxidantes, etc. Os meios sólidos necessitam de agentes gelificantes como: ágar, gelrite, phytagel, entre outros. O pH é ajustado para 5,8 e a esterilização é feita por autoclavagem a 121 °C por 15 a 20 minutos. A composição do meio de cultura pode ser alterada dependendo da espécie, genótipo e explantes utilizados.

Principais técnicas da Cultura de Tecidos

1.5.1- MicropropagaçãoA propagação vegetativa in vitro é uma das aplicações mais práticas da cultura de

tecidos e aquela de maior impacto. Dentre as formas como a micropropagação pode ser conduzida estão a multiplicação via organogênese e multiplicação via embriogênese somática.

1.5.2- OrganogêneseOrganogênese é a formação de órgãos in vitro a partir de meristemóides, sendo esse

processo em geral, estimulado por citocininas. Este processo pode ocorrer de duas formas: direta ou indireta. A organogênese direta ocorre sem a formação de calos, ou seja, surge a partir de tecidos que apresentam potencial morfogenético na planta in vivo, mas que, em geral, não se expressa, como por exemplo, tecidos do câmbio vascular, base de pecíolo em

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3. Recursos

dicotiledôneas, base de folhas, segmentos de raízes, etc.

Já a organogênese indireta ocorre quando o processo de regeneração de gemas é precedido pela formação de calo (Figura 1a).

O calo por sua vez, é um grupo ou massa de células, com crescimento desordenado que pode apresentar certo grau de diferenciação.

1.5.3- Embriogênese somáticaA embriogênese somática é o processo pelo qual células haplóides ou somáticas

desenvolvem-se por meio de diferentes estádios embriogênicos, dando origem a uma planta, sem que ocorra a fusão de gametas.

Na embriogênese ocorre a diferenciação de uma estrutura bipolar, constituída de ápice caulinar e radicular. A embriogênese somática pode ocorrer também como na organogênese, de forma direta ou indireta (Figura 1b).

Figura 1-a) Organogênese indireta a partir de explantes foliares de pinhão-manso, b) Embriogênese somática indireta a partir de explantes foliares de café.

Protoplastos

A parede das células é composta de celulose, hemicelulose e pectina. Sendo as fibras de celulose e hemicelulose que conferem rigidez à parede e a pectina mantém juntas as células adjacentes. Os protoplastos, por sua vez, são células vegetais desprovidas da parede celular.

A manipulação dos protoplastos teve início em 1892, porém não havia naquele momento técnicas eficientes para o seu isolamento. Já em 1960, foram empregadas enzimas pectocelulolíticas para a obtenção de protoplastos, aumentando assim o rendimento do processo e dando perspectivas para o uso da técnica.

Os protoplastos podem ser utilizados para: produção de plantas transgênicas, obtenção de híbridos somáticos e produção de mutantes ou variantes somaclonais.

1.6.1- Obtenção dos protoplastos: Degradação da parede celularO método mais utilizado é a degradação dos componentes da parede com enzimas

pectocelulolíticas, sendo esta realizada em meio líquido, que deve conter os principais componentes do meio de cultura, pH que favoreça a ação enzimática e pressão osmótica tal que dê estabilidade aos protoplastos recém-liberados. Os protoplastos podem se romper se houver difusão de água para o interior das células, sendo assim, deve-se regular a pressão hidrostática adicionando açúcares ao meio.

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a) b)

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Organismos geneticamente codificados e a cultura de tecidos

Após a ação enzimática, os protoplastos passam por uma etapa de purificação em filtros (30 a 80 mm), etapa de centrifugação e enfim, lavagem em solução salina para a remoção das enzimas residuais da digestão e fragmentos celulares.

Para a verificação da viabilidade dos protoplastos isolados são realizados testes com o auxílio de corantes.

1.6.2- Fusão de ProtoplastosA fusão de protoplastos é uma possível solução para as limitações encontradas em

cruzamentos sexuais interespecíficos decorrentes das barreiras pré e pós-zigóticas. A fusão pode ser realizada através do tratamento com polietilenoglicol (PEG) ou por eletrofusão. O objetivo é agregar os protoplastos que normalmente se repelem por causa das cargas negativas da membrana plasmática e induzir a desestabilidade das membranas.

Na fusão com PEG, há a necessidade de um meio de fusão com altas concentrações de cátions Ca2+, assim, a solução salina neutraliza as cargas negativas da membrana plasmática permitindo que o PEG forme pontes moleculares entre certas proteínas da membrana, o que facilita as agregações dos protoplastos e sua fusão.

Já no processo de eletrofusão, os protoplastos são submetidos a um campo de corrente alternada de alta frequência, onde estes se tornam dipolos, com um lado da superfície celular mais negativo que o outro. Dessa forma, os protoplastos se alinham. A partir desse momento são aplicados pulsos curtos de corrente contínua de alta voltagem, o que gera poros temporários nas membranas permitindo a fusão.

A eletrofusão é uma técnica que comparada com a fusão por PEG permite maior domínio das condições de agregação; uma facilidade maior na manipulação e permite maior reprodutibilidade dos resultados.

1.7- Obtenção de Mutantes

O objetivo desta técnica é favorecer o aparecimento de células com características diferentes em uma população homogênea, sendo os protoplastos os explantes ideais.

A indução de mutação pode ser realizada de duas maneiras: por radiações (radiações eletromagnéticas: ultravioleta, raios X e raios gama; e radiações corpusculares: partículas alfa, beta, prótons, nêutrons, etc) e através de agentes mutagênicos químicos (ex: antibióticos, bases análogas às bases nitrogenadas do DNA e substâncias alquilantes, etc).

Após a indução, a cultura deve ser transferida para um meio seletivo que favoreça o crescimento das células mutadas.

Outro grande uso dos protoplastos é a obtenção de plantas transgênicas. A utilização de protoplastos é extremamente vantajosa, pois a planta transgênica obtida não apresenta o fenômeno de quimeras, pois é originária de um único protoplasto transformado.

Transformação genética

O melhoramento genético convencional se utiliza da variação natural dentro de diferentes recursos genéticos para a melhoria das características das culturas agronômicas, porém, com o desenvolvimento de sistemas eficientes de transformação e regeneração de plantas, novas possibilidades tem sido criadas.

A transformação genética vem, portanto mostrando grande potencial como

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ferramenta auxiliar em programas de melhoramento genético por tornar possível a introdução de genes de interesse agronômico, mantendo-se as características originais da variedade e evitando a transferência de características deletérias, permitindo assim, o encurtamento do tempo para a obtenção de uma nova variedade.

A transformação genética pode ser definida como a introdução e integração de DNA em uma célula hospedeira. O gene a ser transferido para a planta pode ser isolado de outras plantas, ou microrganismos e animais.

As técnicas de transformação genética vegetal podem ser agrupadas em duas categorias: transformação indireta e direta de genes.

Transformação Indireta

A transformação indireta é aquela em que se utiliza um vetor para intermediar o processo de transformação, como o Agrobacterium tumefaciens e Agrobacterium rhizogenes.

A descoberta do Agrobacterium tumefaciens como um vetor teve início com o estudo da doença conhecida como galha-de-coroa (‘crown gall’), uma doença que se manifesta em um grande número de dicotiledôneas pelo aparecimento de um tumor ou galha sobre o tecido vegetal ferido e infectado. A aparição da galha é o resultado de um processo natural de transferência de genes entre a agrobactéria e a célula vegetal.

O fragmento de DNA bacteriano que é inserido na célula vegetal é o T-DNA (Transferred DNA). O T-DNA está presente em um plasmídeo encontrado em todas as linhagens patogênicas de A. tumefaciens, denominado plasmídeo Ti (Tumour inducing). O T-DNA é delimitado por sequências repetidas de 25 pares de bases, conhecidas como extremidades esquerda (EE) e direita (ED) e contém genes que estão envolvidos na síntese de auxina e citocininas, porém nenhum gene presente no T-DNA exceto os 25 pb de suas extremidades é necessário ao processo de transferência e integração do T-DNA, sendo assim, pode-se deletar partes do T-DNA e inserir novas sequências sem que isso afete o processo de transferência. O plasmídeo Ti, além da região do T-DNA e de suas extremidades, apresenta as seguintes regiões: ori (origem de replicação do plasmídeo), inc (região de incompatibilidade de coexistência de dois Ti’s iguais), tra (função de transferência conjugativa entre bactérias), vir (região de virulência) e opc (catabolismo de opinas) (Figura 2).

Figura 2-Estrutura do plasmídeo Ti.

2.1.1- Etapas da transformação via A. tumefaciensA transformação genética indireta segue basicamente as seguintes etapas: 1) Retirada

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Organismos geneticamente codificados e a cultura de tecidos

dos explantes, 2) Imersão dos explantes em solução com o Agrobacterium, 3) Processo de co-cultivo em meio sólido sem a adição de antibiótico, onde ocorrerá a ligação entre a bactéria e a célula vegetal, com transferência do T-DNA para o genoma vegetal e 4) Inoculação dos explantes em meio específico, onde haverá a indução de brotações, antibióticos para evitar o desenvolvimento do Agrobacterium e um agente de seleção (antibiótico ou herbicida) que impeça o desenvolvimento de células não transformadas.

A duração das etapas irá depender da cultura que se está tentando transformar, do tipo de explante, linhagem de Agrobacterium, etc.

Transformação direta

Algumas espécies vegetais, incluindo a maioria das monocotiledôneas e gimnospermas são pouco susceptíveis à infecção por Agrobacterium, o que levou a uma busca por outros métodos de transformação. Deste modo foram desenvolvidos sistemas de transformação sem a utilização de vetores biológicos: os métodos diretos de transformação de genes.

Esta transferência é realizada por métodos físicos ou químicos, tendo como objetivo quebrar a barreira da parede celular e da membrana plasmática para a penetração do DNA na célula.

Os principais e mais eficientes sistemas de transferência direta de genes em plantas são: polietilenoglicol (PEG), sendo esta técnica obrigatoriamente utilizada em protoplastos; eletroporação, podendo ser utilizado em células intactas, porém a eficiência do uso desta técnica é muito melhor se utilizada em protoplastos e biobalística.

A biobalística é o método de transformação direta mais recente e mais promissora, onde utiliza-se microprojéteis cobertos com moléculas de DNA que são acelerados a alta velocidade, o que permite a sua penetração em células intactas. Os microprojéteis são de ouro ou tungstênio, com diâmetro em torno de 1 mm, nos quais são adsorvidas as moléculas de DNA. O aparelho usado para acelerar as micropartículas envolvidas pelo DNA pode ter propulsão a ar, a pólvora, a gás hélio ou a eletricidade. A grande desvantagem desse método é que ele necessita de aparelhagem e material relativamente onerosos.

Genes Marcadores e Genes Repórteres

Os genes marcadores de seleção e os genes repórteres podem ser encontrados em plantas, bactérias ou insetos. Podem ser expressos em plantas, se colocados sob o controle de seqüências regulatórias vegetais ou que nelas se expressem. Portanto esse conjunto de genes deve apresentar:

• Um promotor que se expresse em plantas;

• Região codante do gene repórter ou de seleção;

• Seqüências de terminação apropriadas para plantas.

Estes genes são então, introduzidos no genoma das plantas via transformação genética juntamente com o gene de interesse.

Genes Marcadores de seleção: são aqueles que codificam para uma proteína com atividade enzimática, ou para um produto que irá conferir às células transformadas da planta, resistência a um determinado substrato (antibióticos e herbicidas). Seu objetivo é permitir que apenas as células transformadas se desenvolvam, ou seja, plantas não transformadas

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quando em contato com o meio seletivo morrerão.

O gene marcador mais utilizado é o neo, que codifica para a enzima neomicina fosfotransferase II (NPT II). Ele atua fosforilando o grupo 3’-hidroxil da porção aminohexose de antibióticos aminoglicosilados, tornando assim, as plantas que contem esse gene, resistentes à esses antibióticos.

Genes Repórteres: são aqueles que codificam para uma proteína geralmente de atividade enzimática, cujo produto é facilmente detectável. Estes genes identificam ou marcam células transformadas, sem eliminar as células não transformadas.

O gene repórter mais utilizado atualmente é o gene uidA, isolado de Escherichia coli. Este gene codifica para a enzima β-glucuronidade (GUS), uma hidrolase que catalisa a clivagem de uma grande variedade de β-glucuronídios. A presença ou ausência de GUS pode ser detectada por intermédio da avaliação histoquímica, adicionando-se um substrato cromogênico, como o X-Glu (5-bromo-4-cloro-3-indol glucuronídio), o qual em presença da enzima forma um precipitado azul.

Além da utilização de genes marcadores e genes repórteres, são utilizadas também técnicas moleculares para a confirmação dos transformantes. São utilizadas, portanto, técnicas como PCR com a adição de primers específicos para os genes de interesse, Southern Blot para a confirmação da integração estável dos genes nas plantas transgênicas, além de analisar a complexidade desta integração e número de cópias do transgene no DNA genômico, entre outras técnicas moleculares.

Bibliografia

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Biologia Sintética

Biologia SintéticaAndrés Ochoa C. Edgar

A área de biologia molecular está evoluindo para um novo paradigma tecnológico em que o objetivo final é desenhar novas funções ou manipular e melhorar as funções já conhecidas de microorganismos, plantas e células em geral. A história recente da biologia molecular mostra como o campo tem se desenvolvido rapidamente, desde a descoberta da estrutura do DNA em 1953 até o sequênciamento do genoma humano em 2001. Em 50 anos a biologia molecular passou da descoberta da estrutura molecular do DNA para a leitura, montagem e organização de 2,91 bilhões de bases. Mais recentemente, em 2010, a capacidade de escrever código genético em grande escala foi mostrada pelo grupo de Craig Venter, ao conseguirem escrever/sintetizar e montar código de DNA já existente (1,08 milhões de pares de bases) e transplantá-lo para outra bactéria. Este experimento valida a idéia de que um genoma sintético pode fazer funcionar a maquinaria celular.

A expansão da tecnologia de sequenciamento e síntese de DNA tornou-se possível devido à redução de custos. Em 2000, o custo de síntese era de US$25 e de sequenciamento US$0,25 por base. Em 2010, estes custos caíram para US$0,35 para a síntese e US$0,00000317 para o sequenciamento, o que difundiu a utilização dessas tecnologias. Mesmo com a capacidade tecnológica para ler e compilar uma grande quantidade de DNA, a escala de projetos ainda é pequena e a maioria dos biólogos sintéticos não trabalha com mais de dez genes por vez. Assim, há uma oportunidade única para a expansão da tecnologia de design de circuitos gênicos.

A biologia sintética usa a engenharia de vários genes para a construção de circuitos de DNA que podem ser programados para controlar o comportamento celular. Este campo emergente reúne cientistas de diferentes áreas como biologia, física, química e engenharia que querem entender a vida e construir novas funções biológicas.

Estratégias clássicas de engenharia como padronização, dissociação, e abstração terão que levar em conta as características e a complexidade de dispositivos biológicos. Uma analogia útil para conceituar a engenharia de dispositivos biológicos é mostrar os sistemas vivos como componentes com varias camadas. Na parte basal estão DNA, RNA, proteínas e metabólitos (incluindo lipídios e carboidratos, aminoácidos e nucleotídeos), análogos à camada física de transistores, capacitores e resistores usados na engenharia da computação. A próxima camada são os dispositivo, análogos a reações bioquímicas que regulam o fluxo de informações e manipulam processos físicos, o equivalente das portas lógicas eletrônicas que realizam cálculos em um computador. Na camada de módulo, o biólogo sintético utiliza uma biblioteca diversificada de dispositivos biológicos para montar complexas vias que funcionam como circuitos integrados podendo gerar via metabólica inteiras.

Há uma necessidade crescente na biologia sintética para a criação de peças padrão que podem ser usadas como blocos de construção e montadas de maneira confiável. Assim como a compreensão da estrutura mínima, combinação de genes, ou informações que são necessárias para criar uma função específica. Algumas comunidades já começaram a construção de bases de dados de funções biológicas de livre acesso, que irão permitir a transferência mais rápida de tecnologia e amplificarão os potenciais benefícios de projetos desenvolvidos por esta área. Por exemplo, a Fundação Biobricks criou um banco de dados de peças biológicas estandardizadas que podem ser usado por qualquer pessoa. Esta base é

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3. Recursos

chamada de Registry of Standard Biological Parts, é uma coleção de peças genéticas iniciada em 2003 no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), a coleção contém mais de 3400 peças. Isso permite que a comunidade científica crie parcerias e sinergias entre pessoas ou organizações. Dentre os utilizadores destas peças genéticas estão incluídos laboratórios acadêmicos, cientistas estabelecidos e as equipes de estudantes que participam de iGEM (The International Genetically Engineered Machine Competition), que acontece anualmente no MIT.

Outro caso de uma ferramenta de livre acesso de sucesso é a plataforma chamada Foldit que permite que qualquer pessoa ao redor do mundo participe de um jogo de descoberta de dobramento de proteínas. Esta plataforma recentemente conseguiu desvendar a estrutura da M-PMV PR (Protease do retrovírus Mason-Pfizer de macaco), que é importante na maturação viral e proliferação, conhecida também por ser um dos focos do desenvolvimento de medicamentos anti-retrovirais. Os pesquisadores haviam tentado, sem sucesso por mais de uma década, usar a técnica de estrutura por substituição molecular (MR) usando modelos derivados de homodímeros e estrutura por RMN (ressonância magnética nuclear) do monômero da proteína.

Entre as abordagens mais populares usadas na biologia sintética estão; a computação em organismos biológicos, a evolução dirigida e a geração de aptâmeros. A computação biológica usa diferentes moléculas disponíveis como são DNA, RNA ou proteína para realizar cálculos e processamento de dados. Como parte da computação é necessário um input (entrada de informação), um processamento desta informação e um output (saída de informação). Existem diferentes grãos de complexidade que podem ser abordados nesta área, a computação pode ser feita simplesmente com moléculas como no caso de um gene repórter que dá resposta na presença de um metabolito, ou uma via metabólica que gera um produto na presença de um substrato. Nos dois casos o input é o metabolito, o processamento é feito pela maquinaria celular (transcrição e tradução do gene repórter/ varias reações metabólicas acopladas) e o output é o gene repórter ou o produto da via metabólica. Uma das funções interessantes para ser recreadas na computação biológica são as portas lógicas, assim como as portas lógicas construídas com transistores usados nos computadores, estas permitem implementar computações mais complexas. Por exemplo, permitiria acoplar um sistema de output (gene repórter) a dois inputs dentro da célula (presença de metabolito 1 AND presença de inibidor 1), ou poderia ajudar na criação de circuitos responsivos para mais de um input (presença de metabolito 1 OR presença de metabolito 2).

Por outro lado, a evolução dirigida é usada para modificar sistemas (vias metabólicas) e moléculas já conhecidas, ou partir de bibliotecas de moléculas e otimizar suas funções catalíticas, no caso das enzimas. Esta técnica pode ser usada em células (in vivo evolution) ou em moléculas (in vitro evolution). Uma dos métodos mais famosos para realizar in vitro evolution é a técnica de exon shuffling, na qual moléculas de DNA que codificam para proteínas com a mesma função, mas filogeneticamente distantes, são clivadas em varias partes e posteriormente reconstruídas usando a técnica de PCR. Esta reconstrução produz sequencias de DNA produto de combinações de diferentes espécies, permitindo a geração de novas moléculas que não seriam possíveis na evolução natural. Esta biblioteca de sequencias quiméricas é colocada em bactérias e enfrentada a diferentes pressões bióticas ou abióticas, o que permite a triagem da biblioteca para encontrar a função desejada.

Finalmente, a técnica de seleção de aptâmeros (SELEX) permite gerar bibliotecas de nucleotídeos aleatórios e selecionar estes nucleotídeos segundo sua afinidade de ligação por

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Biologia Sintética

um substrato, usando etapas iterativas de seleção in vitro. Estes aptâmeros são moléculas de RNA ou peptídeos codificados por estas moléculas com a capacidade de ligação a uma molécula alvo como por exemplo um outro peptídeo. Podendo ser usadas como sensores, já que tem a capacidade de se ligar em outras moléculas ou sendo usados como riboswitches.

A biologia sintética traz um enorme potencial de mercado, sendo que já existem vários casos de grandes investimentos sendo feitos em diversas aplicações em potencial. A Amyris Biotechnologies, na Califórnia, está fazendo biocombustíveis e é avaliada em mais de US$1 bilhão. Synthetic Genomics, também na Califórnia, tem uma parceria de US$300 milhões com a ExxonMobil para usar microorganismos projetados para tornar a água potável, gerar combustíveis e produzir vacinas. Codon Devices, em Massachusetts, fornece genes sintéticos para empresas que desenvolvem aplicações da biologia sintética. Gingko BioWorks, em Massachusetts, concentra-se em engenharia de microorganismos. No Brasil, a Amyris está desenvolvendo uma plataforma de biologia sintética industrial para fornecer combustíveis e produtos químicos a partir de matérias-primas alternativas ao petróleo, sendo que o foco inicial está na cana-de-açúcar. A biologia sintética como mercado em crescimento apresenta pontos-chave que precisam ser abordados a fim de desenvolver novas tecnologias.

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Plantas e Sociedade

Plantas e SociedadeAdne Abbud Righi

Bruna Silvestroni Pimentel Natália Ravanelli

A alimentação é uma maneira de ver o mundo, através da qual demonstramos o que somos, de onde viemos e o que pensamos. A alimentação pode ser considerada como o elo entre as várias dimensões da existência humana, articulando quatro aspectos da vida em sociedade: o aspecto biológico, dado que o alimento é necessário à manutenção da vida; o aspecto econômico já que o alimento era a base de troca entre povos; o aspecto sócio-político, pois conforme as populações tornavam-se mais densas, houve a necessidade de uma organização social para que todos pudessem conviver e sobreviver e a isto está atrelada a produção de alimento; e o aspecto cultural, uma vez que gira em torno da comida encontros e festividades. O homem dá significado ao ato de se alimentar e ao alimento, para cada ocasião um tipo de alimentação e para cada pessoa, dentro da sociedade hierarquizada, um tipo de alimento específico para sua classe social. Dessa forma, o acesso aos alimentos gera a organização da sociedade e cria sociedades complexas e os avanços tecnológicos e científicos permitiram sustentar populações cada vez mais numerosas.

Concomitantemente a isso, são criadas as diferentes classes sociais e o acesso diferenciado aos alimentos. Tal estratificação social reflete na nutrição, onde pessoas mal nutridas são mais susceptíveis às doenças. Há, assim, o estabelecimento de novos padrões epidemiológicos, como a varíola e a peste negra que acometeram mais pessoas menos abastadas.

Em contrapartida à desnutrição, atualmente há o problema da obesidade, relacionado a uma alimentação não balanceada. Os alimentos apresentam uma grande diversidade nutricional: além de água, os alimentos são compostos por carboidratos, lipídeos, proteínas, vitaminas, sais minerais e fibras, que são importantes para a nutrição das nossas células. Existem os alimentos “energéticos”, pois liberam energia necessária ao metabolismo, alimentos que são provedores de matéria prima para a produção de novas células, ditos constitutivos ou plásticos, e os alimentos que auxiliam na regulação do metabolismo. Assim, o problema da ingestão de alimentos de forma desbalanceada, do ponto de vista energético e nutricional, acarreta no problema da obesidade, tanto em crianças, jovens e/ou adultos. Associado a isso há a baixa prática de atividades físicas regulares, e estilo de vida sedentário. Tal problema ocorre principalmente em países da América, Europa e Oceania. Dentre os países de primeiro mundo, nos Estados Unidos da América 30 a 40% da população é obesa. Canadá e Austrália também apresentam altos índices de obesidade, entre 20 a 30 % da população. Em alguns países Europeus 10 a 20% da população apresenta problemas de obesidade. E, dentre os países em desenvolvimento, o Brasil é o único que já apresenta problemas de obesidade na população (10 a 20%), assemelhando-se aos índices de países mais ricos.

Na dieta humana, os principais alimentos provêm de animais ou de plantas. No entanto, com maior ou menor freqüência, costuma-se incluir alguns alimentos de outros grupos de organismos.

O iogurte e produtos análogos são produzidos a partir do crescimento de bactérias chamadas lactobacilos. Estes microrganismos ocorrem naturalmente no leite, porém o

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3. Recursos

crescimento acima de um dado limite acarreta alterações bioquímicas em sua composição, principalmente ao acúmulo do ácido láctico, proveniente da atividade fermentativa das bactérias.

Outro grupo de organismos bastante utilizado para fins alimentícios é das algas. Por exemplo, a cianobactéria Spirulina, que antigamente era cultivada em lagos e lagoas pelos astecas. Essa alga é usada no preparo de aditivo alimentício, que tem sido proposto para atenuar os problemas de subnutrição de povos de países em desenvolvimento. A Spirulina apresenta alto conteúdo proteico, em virtude da sua condição de fixadora de nitrogênio atmosférico.

Várias espécies de algas eucarióticas são usadas por diferentes povos em sua dieta. Em particular no Japão é muito comum o uso de algas como alimento. Entre as Phaeophyta (algas pardas) inclui-se o gênero Laminaria, popularmente conhecida pelos japoneses como kombu. Outra alga parda muito apreciada é representante do gênero Undaria, a wakame. Entre as Rhodophyta (algas vermelhas) a mais popular é do gênero Porphyra, o nori, amplamente empregado no preparo do sushi.

Além disso, complementos alimentares baseados em algas são cada vez mais comuns no comércio de produtos alternativos ou ditos “naturais”. Além do alto conteúdo protéico, as algas são fonte de vitaminas e minerais, sobretudo o iodo e o potássio, importantes para o bom funcionamento do organismo de homens e animais.

Com relação aos fungos, dos quatro grupos em que se dividem quitridriomicetos, zigomicetos, ascomicetos e basidiomicetos, apenas os dois últimos apresentam representantes comestíveis. Os gêneros de ascomicetos Morchella e Tuber têm como representantes as morcelas e as trufas, respectivamente.

A classe dos basidiomicetos contém a maioria dos fungos consumidos, sendo que a parte utilizada corresponde ao corpo de frutificação. O cogumelo mais comum no mercado é o Agaricus bisporus, popularmente conhecido como champignon. Já na culinária oriental é bastante utilizado o Lentinus edodes (shiitake) e o Pleurotus ostreatus (shimeji).

Apesar de outros grupos de organismos contribuírem para a nutrição humana e animal, são as plantas que fornecem a maior parte da energia necessária à manutenção da vida. Dentre elas as angiospermas constituem o grupo mais numeroso de plantas, com mais de 250 mil espécies descritas! Destas, apenas 150 espécies são produzidas em larga escala, porém, 80% das calorias que consumimos são provenientes de menos de dez espécies.

As plantas, a partir do processo de fotossíntese, produzem uma série de compostos essenciais para a manutenção e reprodução da espécie. Através dos diversos processos metabólicos envolvidos são formados açúcares, substâncias de reservas (amidos, proteínas e/ou óleos), fibras, resinas e metabólitos secundários importantes na proteção das plantas e nas diversas interações com o meio em que vive.

Além de água, os alimentos são compostos basicamente das seguintes classes de substâncias: carboidratos, lipídeos, proteínas, vitaminas, sais minerais e fibras. A energia necessária para o trabalho celular pode ser obtida dos carboidratos, dos lipídeos e das proteínas. Para a construção de novas células os lipídeos, as proteínas, a água e os sais minerais são importantes fontes de matéria prima. Além disso, as proteínas, as vitaminas e os sais minerais também são substâncias reguladoras do metabolismo celular. As fibras, embora não digeridas e absorvidas, são importante na alimentação humana, pois contribuem para aumentar o bolo alimentar, bem como estimular o peristaltismo do sistema digestório.

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Plantas e Sociedade

Grande parte dos alimentos que utilizamos apresenta todas as classes de substâncias descritas acima, porém com predominância de uma ou outra categoria.

Atualmente, estima-se que as necessidades energéticas diárias de uma pessoa adulta esteja ao redor de 2400 kcal. Há uma variedade enorme de alimentos de origem animal e vegetal capazes de satisfazer tal demanda. Entretanto, a combinação de diferentes alimentos é a única possibilidade que existe para garantir o suprimento de todos os nutrientes em quantidade suficiente para o bom desempenho do organismo. Vale lembrar que há oito aminoácidos não sintetizados pelo organismo humano, ditos essenciais, obtidos exclusivamente da dieta. São eles a fenilalanina, a isoleucina, a leucina, a lisina, a metionina, a treonina, o triptofano e a valina. Alimentos que apresentam proteínas com um balanço desses aminoácidos semelhante ao das nossas proteínas são dieteticamente superiores. Em geral considera-se que a proteína ideal é a do ovo de galinha.

As principais representantes de plantas protéicas são: a soja (Glycine max), o feijão (Phaseolus vulgaris), o amendoim (Arachis hypogaea), a lentilha (Lens culinaris), a ervilha (Pisum sativum), o grão-de-bico (Cicer arietinum), a alfafa (Medicago sativa) e os trevos (Trifolium spp.). São plantas com elevado teor de nitrogênio, enxofre e fósforo em menores proporções. As proteínas são o principal constituinte do protoplasma, mas armazenadas nas sementes.

Estas sementes apresentam os aminoácidos essenciais (tabela 1) e devem ser ingeridas associadas a, geralmente, cereais para que sejam adquiridas quantidades suficientes para o pleno aproveitamento. A combinação de um cereal com uma leguminosa resulta numa mistura de proteínas com uma composição média de aminoácidos essenciais muito mais próxima à da proteína padrão (ovo de galinha) que cada uma das proteínas isoladamente. Entre os europeus é comum a associação do trigo com ervilhas, lentilhas ou grão-de-bico. Os orientais combinam arroz com soja. Na América do Sul e Central, fazem-se combinações entre arroz e feijão ou milho e feijão.

Tabela 1: Proporção de aminoácidos essenciais em diferentes grupos de alimentos.

Os cereais representam os recursos mais extensamente explorados, são eles o arroz (Oriza sativa), a aveia (Avena sativa), o centeio (Hordeum vulgare), a cevada (Secale

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3. Recursos

cereale), o milho (Zea mays), o sorgo (Sorghum bicolor) e o trigo (Triticum aestivum). No entanto, os mais importantes em termos de produção mundial são o trigo, o arroz e o milho. Tais alimentos estão relacionados ao fornecimento de energia devido ao alto teor de amido. Outras fontes amiláceas são plantas que apresentam órgãos subterrâneos espessados sob a forma de raízes (mandioca - Manihot esculenta, batata-doce – Ipomoea batatas), tubérculos (batata – Solanum tuberosum, inhame – Dioscorea alata, cará – D. bulbifera.) e bulbos (taioba – Colocasia esculenta) e também infrutecências (fruta-pão – Artocarpus altilis, jaca – A. heterophyllus).

Finalmente, as plantas oleaginosas produzem misturas de substâncias chamadas óleos fixos, isso dado que não são voláteis como os óleos essenciais. Os óleos fixos são encontrados principalmente em sementes (de legumes, cereais e palmeiras) e também em alguns frutos (oliva e abacate). Nota-se, portanto, a grande importância como reserva energética para o embrião durante a germinação. Os óleos fixos são misturas de triglicerídeos, isto é, são formados por três resíduos de ácidos graxos que esterificam uma molécula de glicerol (Figura 1). Tais substâncias são altamente energéticas, fornecem o dobro de energia por grama quando comparados a carboidratos e proteínas.

Figura 1: Estrutura do triglicerídeo.

Além da importância nutricional, os óleos são fundamentais para diversas atividades econômicas: na indústria de tintas e vernizes, na produção de xampus e sabões, na produção de lubrificantes e na indústria farmacêutica. A diversidade de aplicação dos óleos, deve-se, sobretudo, às propriedades físicas e químicas, o que está atrelada à composição em ácidos graxos.

Uma das propriedades físicas mais importantes dos óleos é o seu ponto de fusão. Os glicerídeos que se apresentam sólidos à temperatura ambiente são comumente designados por gorduras. Já aqueles que se apresentam no estado líquido são ditos óleos, tais englobam a grande maioria dos óleos vegetais. É importante salientar que o ponto de fusão dos óleos é determinado por duas características estruturais dos ácidos graxos: o tamanho da cadeia carbônica (quanto maior a cadeia mais alto o ponto de fusão) e o grau de insaturação (quanto maior o grau de insaturação menor o ponto de fusão). Essas características estruturais dos ácidos graxos também determinam a destinação econômica dos óleos. A indústria de tintas classifica os óleos em três categorias (óleos secantes, semi-secantes e não secantes), de acordo com a sua eficiência como secantes, ou seja, relacionado ao número de insaturações presentes nas moléculas de ácidos graxos. Dentre os óleos de grande interesse econômico pode-se citar como óleos secantes: o linho (Linum usitatissimum) e a soja (Glycine max); óleos semi-secantes: milho (Zea mays), girassol (Helianthus annuus) e gergelim (Sesamum indicum); óleos não-secantes: oliva (Olea europaea), mamona (Ricinus communis) e amendoim (Arachis hypogaea). Dentre as gorduras vegetais têm-se o coco (Cocos nucifera),

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Plantas e Sociedade

o babaçu (Orbignya speciosa), o dendê (Elaeis guineensis) e a manteiga de cacau (Theobroma cacao).

Alimentação e Saúde

A alimentação deve ser moderada, variável e equilibrada, contendo alimentos de todos os grupos (cereais, massas, legumes, hortaliças, frutas, carnes, laticínios e lipídeos). O consumo de alimentos considerando-se, principalmente, evidências de efeitos benéficos para a saúde e o bem-estar, pode estar relacionado aos fitonutrientes. Ou seja, nutrientes presentes em alimentos vegetais, porém que não são classificados como nutrientes tradicionais (carboidratos, proteínas, lipídeos, vitaminas e sais minerais). Tais fitonutrientes são oriundos do metabolismo secundário das plantas e responsáveis por inúmeros benefícios à saúde humana, por exemplo, os varredores de radicais livres (polifenóis, carotenóides, tocoferol e ácido ascórbico), os glicosinolatos presentes nas Brassicaceae (brócolis, couve, repolho) auxiliam na prevenção de tumores, dentre inúmeros outros compostos.

Muitas plantas utilizadas na alimentação também são reconhecidas por terem ação farmacológica, tanto de ordem medicinal quanto tóxica. O chá verde (Camellia sinensis), por exemplo, é amplamente consumido pela população mundial como bebida. Alguns estudos atribuem diversos benefícios advindos de seu consumo regular, tal como a prevenção de variadas formas de câncer e de doenças cardiovasculares. Por outro lado, estudos de mesma natureza atestam uma relação inversa, onde o consumo da bebida se correlaciona positivamente com a ocorrência de câncer de esôfago, estômago e intestino.

Já o café, por muitos anos considerado tanto pela ciência quanto pela cultura popular uma bebida de propriedades medicinais inferiores às do chá, atualmente é considerado uma excepcional fonte de ácido clorogênico, um poderoso antioxidante. Da fração oleosa extraída das sementes do café, também são obtidos dois diterpenos, cafestol e caveol, que possuem atividade anticarcinogênica e hepatoprotetora. O consumo destes diterpenos, que ocorre quando o café é preparado sem filtrar (café fervido ou turco), está relacionado, no entanto, com aumento do colesterol sanguíneo de baixa densidade (LDL), que é frequentemente associado às doenças cardíacas.

A partir dos exemplos citados acima, é possível perceber que uma planta pode apresentar ao mesmo tempo usos alimentares, efeitos terapêuticos e deletérios. Assim sendo, é de extrema importância que as propriedades das plantas utilizadas, seja na alimentação ou para fins medicinais, sejam bem reconhecidas, de forma a diminuir o risco de intoxicações.

Propriedades Farmacológicas das Plantas

Os conhecimentos a cerca da ação das plantas sobre o corpo humano são muito antigos, provavelmente antecedendo o estágio de civilização. Há milênios, a botânica e a medicina eram consideradas uma mesma área do conhecimento, e as informações sobre a atividade farmacológica de uma planta eram um misto de observações e superstições.

Acreditava-se que as plantas tinham sido criadas por Deus para servir ao homem e que elas apresentavam sinais em sua morfologia que indicavam as suas “utilidades”. As sementes de Cardiospermum halicacabum, por exemplo, apresentam impressa no tegumento uma figura muito semelhante a um coração, o que levava as pessoas a acreditarem que a planta serviria para tratar males cardíacos. Atualmente, sabe-se que a ação de uma planta

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está relacionada com o seu perfil químico, ou seja, com as substâncias que ela produz.

Durante a idade média, algumas plantas da família Solanaceae, ricas em alcaloides tropânicos, eram conhecidas por sua utilização em rituais de feitiçaria. Estes alcaloides, em altas doses, possuem efeito estimulante e em seguida depressor e estão ligados também a efeitos alucinógenos. O mito das bruxas que voavam em cima de vassouras provém do fato de as mulheres consideradas feiticeiras durante a idade média prepararem unguento a partir destas ervas, e impregnarem o cabo da vassoura. Em seguida colocavam-na entre as pernas e o unguento, em contato com a mucosa vaginal e anal, era rapidamente absorvido pelo organismo causando alucinações e a sensação de voo.

Outro grupo de plantas muito reconhecido pelos seus efeitos farmacológicos é a família Papaveraceae, à qual pertence Papaver somniferum, popularmente conhecida como papoula. A evidência mais antiga do cultivo desta planta data de 5.000 anos e foi deixada pelos Sumérios, que a descreviam como “planta da alegria”. A partir da papoula é extraído o ópio, droga de efeito sedativo que era amplamente utilizada pelos povos antigos, egípcios, gregos e romanos.

A partir da papoula, em 1806, foi isolado o primeiro fármaco de origem vegetal, a morfina, um alcaloide utilizado até hoje graças a sua forte ação anestésica. A descoberta da morfina pode ser considerada como o fato mais importante do início do século XIX. O pesquisador alemão Friecerich Sertüner isolou a partir do ópio uma substância cristalina e insolúvel em água que se mostrou farmacologicamente ativa quando administrada a animais. A esta substância deu o nome de morphium em homenagem a Morpheus, deus grego do sono. Esta descoberta possibilitou a compreensão sobre os mecanismos fisiológicos da dor, e inspirou o desenvolvimento de muitas drogas análogas a morfina, levando a um grande avanço na farmacologia.

A grande explosão acerca do conhecimento da composição química de plantas veio na segunda metade do século XX, devido aos enormes progressos na área da química de produtos naturais. Paralelamente, a farmacologia também apresentava avanços. Com a verificação laboratorial dos efeitos dos fármacos, o conhecimento das plantas medicinais foi consolidado e aceito pela comunidade científica mundial.

Plantas Medicinais e Princípios Ativos

Os princípios ativos são as substâncias responsáveis pela ação terapêutica das plantas medicinais, pertencendo ao grupo conhecido como metabólitos secundários. Estão distribuídos nos diferentes órgãos das plantas, podendo estar presentes em todas as partes, ou restritos a órgãos específicos. São classificados de acordo com a classe de substâncias aos quais pertencem: ácidos fenólicos, alcaloides, flavonoides, glicosídeos cardioativos, terpenoides entre outras.

Dentre os principais princípios ativos de origem vegetal podemos destacar os alcaloides, substâncias que frequentemente exercem efeitos sobre o sistema nervoso de mamíferos, atuando como estimulantes ou depressores. Um exemplo bastante conhecido é a atropina, um alcaloide tropânico obtido a partir da planta Atropa belladonna, conhecido pela sua ação dilatadora das pupilas, mas também pode ser utilizado em casos agudos de bradicardia (baixa frequencia de batimentos cardíacos). A codeína e a morfina, substâncias provenientes da papoula (Papaver somniferum, Papaveracea), são alcaloides opióides utilizados no tratamento da dor. A pavaverina, também proveniente da papoula, é o princípio

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ativo do medicamento Atroveran®, utilizado no tratamento de cólicas. Outro exemplo de alcaloide tropânico utilizado terapeuticamente é a escopolamina, oriunda de espécies de

Scopolia (Solanaceae), que faz parte da composição do medicamento Buscopan®, também utilizado para aliviar cólicas. A vincristina e a vimblastina, alcaloides presentes em Catharantus roseus (Apocinaceae), planta nativa e endêmica de Madagascar, são utilizadas em diversos tipos de tratamentos quimioterápicos, especialmente contra leucemia. Outro alcaloide importante é a pilocarpina, oriunda de Pilocarpus jaborandii (Rutaceae), utilizada em tratamentos contra o glaucoma e no tratamento da xerostomia (secura da boca), muito recorrente em pacientes que fazem quimioterapia.

Outras classes de metabólitos secundários que desempenham importante papel na produção de fármacos são os glicosídeos cardioativos e os óleos voláteis. Dentre os glicosídeos cardioativos destacam-se a digoxina e a digitoxina, substâncias purificadas a partir da dedaleira (Digitalis lanata, Plantaginaceae), utilizada no tratamento de diversos tipos de doenças cardíacas. Dentre os óleos voláteis com propriedades medicinais, a cânfora, substância predominate no óleo volátil de Cinnamomum camphora (Lauraceae), possui ação anti-séptica e anti-pruriginosa. O eugenol, principal componente do óleo de Eugenia caryophyllus (Myrtaceae), possui efeito antisséptico e levemente anestésico.

Muitos fármacos são semi sintetizados a partir de substâncias de origem natural, dentre as quais o ácido acetilsalicílico é um exemplo clássico. Desde 400 a.P. sabe-se que a casca do salgueiro (Salix alba, Salicaceae) possui propriedades antipiréticas e analgésicas. O fármaco, ácido salicílico, foi isolado em 1828. Em 1897, o laboratório alemão Bayer conjugou o ácido salicílico com um grupo acetil, criando o ácido acetilsalicílico (AAS), menos tóxico para o organismo. O ácido acetilsalicílico foi o primeiro fármaco sintetizado na história da farmácia.

Outro exemplo é representado pelos trabalhos de Rusell E. Marker sobre a síntese de progesterona a partir da diosgenina, saponina isolada de Dioscorea macrostachya (Dioscoreaceae). Estes trabalhos foram cruciais para a descoberta da pílula contraceptiva feminina.

Vale lembrar também do Paclitaxel (Taxol®), fármaco licenciado recentemente para o tratamento de câncer. A substância ativa, isolada de Taxus brevifolia (Taxaceae) é pouco abundante na natureza. No entanto sua síntese é possível a partir da desacetil 10-baccatina III, abundante em T. baccata. O Paclitaxel demonstrou atividade antitumoral e já está aprovado para uso clínico para o tratamento de câncer de pulmão, câncer de mama e de ovário, assim como o sarcoma de Kaposi.

Diversos derivados terpênicos de Artemisia annua (Asteraceae) têm sido utilizados na síntese de artemisina, um importante sesquiterpeno com propriedades antimaláricas. Esta planta já é utilizada na medicina chinesa desde 200 a.P.

Além de serem utilizadas para a produção de medicamentos, as plantas também fazem parte da medicina popular, e um grande número de pessoas faz uso de chás, tinturas, extratos e cápsulas de origem vegetal, que muitas vezes são comercializados com pouco controle. O apelo para o consumo de produtos de origem natural são cada dia maiores, e muitos pensam que medicamentos a base de plantas (fitoterápicos e fitofármacos) não apresentam riscos a saúde e podem ser utilizados indiscriminadamente.

Mas da mesma forma que algumas plantas possuem substâncias que podem ser benéficas aos seres humanos e a outros animais, muitas plantas tem potencial tóxico.

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Inclusive, a mesma planta que possui efeito benéfico pode apresentar toxicidade, dependendo da dosagem ou da maneira que é utilizada.

Plantas Tóxicas

Dentre os compostos vegetais potencialmente tóxicos destacam-se os alcaloides pirrolizidínicos, os glicosídeos cianogênicos e alguns óleos voláteis. Atualmente já se conhecem treze famílias de plantas que apresentam elevados índices de alcaloides pirrolizidínicos (AP). Tais compostos são hepatotóxicos, carcinogênicos, teratogênicos, genotóxicos e por vezes pneumotóxicos. Estima-se que 3% das plantas com flores apresentam esses alcaloides, principalmente gêneros de plantas das famílias Asteraceae, Fabaceae e Boraginaceae. Nos anos de 1920s problemas de fígado se disseminaram na África do Sul em decorrência do consumo de pães contaminados com sementes de espécies de Senecio. Na ex-USSR, há 60 anos doenças de fígado acometeram a população em função do consumo de pães com Heliotropium lasiocarpum (Boraginaceae). Muitos outros casos de intoxicação também foram reportados na Ásia, todos derivados da contaminação de cereais por APs. Além dos alimentos advindos diretamente de plantas, o leite e o mel também podem ser outra fonte de exposição humana aos APs. A contaminação pode ocorrer em gados de leite que se alimentam de plantas com altos teores de APs e produzem leite contaminado. Da mesma forma, a produção do mel pelas abelhas pode ser contaminada por pólen de espécies ricas em APs.

Um exemplo muito conhecido de planta com propriedades medicinais e tóxicas ao mesmo tempo é o confrei (Symphytum officinale, Boraginaceae), que na década de 1980 era muito consumido in natura ou na forma de chás, por conta de propriedades terapêuticas que lhe eram atribuídas. O confrei tem ação medicinal, graças à presença de alantoína, um composto nitrogenado de comprovada ação cicatrizante. No entanto, a planta contém APs que causam lesões no fígado, podendo levar à doença oclusiva.

Outro exemplo clássico de planta tóxica é a gloriosa, Gloriosa superba, planta ornamental largamente utilizada em jardins. Esta espécie apresenta o alcaloide colchicina, que se ingerido inibe a mitose das células, causa vômitos e diarreia, desidratação, hipotensão e perda total de pelos.

Outras plantas ornamentais com alta toxicidade são a espirradeira (Nerium oleander) e a comigo-ninguém-pode (Dieffenbachia picta). A primeira apresenta glicosídio cardioativo, oleandrina, que provoca problemas gastrointestinais e distúrbios cardíacos. E a segunda apresenta uma proteína com atividade enzimática, dumbcaína, que provoca a lise das membranas celulares. Esta ruptura promove a liberação de histamina, serotonina e outras aminas que desencadeiam um intenso processo alérgico. A azaleia, Rhododendron sp., também tem propriedades tóxicas conferidas pela andromedotoxina, um terpenoide que afeta a fisiologia do coração e da respiração.

Os glicosídios cianogênicos também são de grande preocupação para a saúde humana pois causam a asfixia celular pela liberação de cianidreto. A mandioca, Manihot esculenta, que apresenta extrema importância econômica, contem linamarina, um glicosídio cianogênico em suas raízes. Esta substância se ingerida pode causar asfixia celular e morte, assim a perfeita preparação deste alimento é essencial para a eliminação deste composto.

Por fim, a mamona (Ricinus communis) cuja propriedade medicinal é bastante conhecida pelo óleo de rícino com efeito purgativo, também é bastante tóxica! Esta planta

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contém ricina, uma proteína capaz de aglutinar hemácias que pode causar tromboses e embolias, mas não está presente no óleo.

Assim é importante ressaltar a necessidade de estudos fitoquímicos para a elucidação da química das plantas, seu potencial medicinal, nutracêutico e tóxico. Além de discernir entre as formas de obtenção e melhor aproveitamento de cada propriedade.

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Ficocolóides: Polissacarídeos das algas marinhas

Ficocolóides: Polissacarídeos das algas marinhas

Emmanuelle S. CostaJanaína P. Santos

As algas compreendem um grupo de organismos, os quais apresentam poucas características em comum, em especial o fato de serem predominantemente aquáticos e desprovidos de um tecido constituído de células estéreis envolvendo os órgãos de reprodução e por apresentarem um sistema diferenciado para condução de água. Juntamente com um pequeno grupo de angiospermas aquáticas são consideradas produtores primários que sustentam a vida nos mares, oceanos entre outros diferentes ambientes hídricos, desempenhando um papel ecológico fundamental na manutenção destes ecossistemas.

São encontradas nos mais diversos ambientes, podendo ser identificadas formas terrestres, aquáticas, assim como formas que vivem em associações com outros organismos, a exemplo dos líquens que representam uma associação dos fungos com as algas. Dentre as diversas formas, as mais comuns são as de ambiente aquático, podendo ser rios, lagoas, mangues e mares. Nestes ambientes podem fazer parte do bentos (definido como o conjunto de indivíduos que vivem fixos ao substrato) ou plâncton ( conjunto de indivíduos que vivem em suspensão na coluna de água devido a sua pequena ou nula capacidade de locomoção).

A Ficologia é a ciência que estuda as algas (phycos, do grego = alga), assim como a parte da biologia que engloba a maior diversidade de organismos (incluindo procariontes e eucariontes). Inicialmente a classificação das algas feita pelo Harvey em 1836 foi baseada na sua pigmentação, o que ainda é utilizada até os dias atuais. No entanto é sabido que devido a presença de outros pigmentos fotossintetizantes a exemplo dos carotenóides e xantofilas, esse critério muitas vezes pode induzir ao erro, confundindo o grupo quando separados com base na sua composição pigmentar.

Evolutivamente as algas não apresentam relações claras bem definidas, devido a carência de registros fósseis para boa parte dos grupos, a grande plasticidade fenotípica encontrada e a morfologia simples. Em busca de se resolver os problemas taxonômicos apresentados pelas algas, uma série de pesquisas foram desenvolvidas na busca de informações mais detalhadas e precisas sobre o grupo. Dentre esses avanços, foram obtidos imagens detalhadas de ultraestruturas das células, com o uso da microscopia eletrônica, assim como informações baseadas nas sequências moleculares com o uso de ferramentas moleculares essenciais para se estabelecer as hipóteses evolutivas das linhagens de algas, mostrando que esses organismos formam um grupo artificial incluindo táxons mais proximamente relacionados com organismos não fotossintetizantes do que com outras algas.

São organismos que desempenham um papel econômico bastante relevante, dada a produção de polissacarídeos presentes em suas paredes, os quais são utilizados com diversas finalidades, desde alimentação, na indústria farmacêutica, assim como fertilizantes. Nos países orientais o uso das algas no consumo direto pelo homem é uma prática bastante antiga, com evidências de seu uso no Japão há mais de 10.000 anos. E hoje em dia esse uso é bastante difundido, sendo alguns gêneros mais amplamente utilizados, a exemplo: Porphyra, Eucheuma, Laminaria e Undaria, oriundas de cultivo e bancos naturais.

A utilização das algas como fonte de alimentação, levou ao desenvolvimento de pesquisas acerca de sua composição química, comprovando que as mesmas possuem um

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conteúdo significativo de proteínas, vitaminas e sais minerais. Possuem uma grande quantidade de polissacarídeos que de modo geral não são digeridas pelos seres humanos. No entanto é comprovado que o consumo regular das algas proporcionam uma maior capacidade de digestibilidade.

As algas marinhas apresentam um conteúdo muito rico em proteínas, vitaminas, sais minerais e polissacarídeos, que são amplamente utilizados nas indútrias farmacêuticas, alimentícia e biotecnológica. Os ficocolódes são polissacarídeos coloidais presentes nas paredes das algas vermelhas ou pardas, que tem a propriedade de formar géis em solução aquosa. São classificados em três tipos principais: alginato, ágar e carragenana. De acordo com suas propriedades físicas, esses polissacarídeos terão diferentes tipos de emprego.

O uso das algas marinhas como fonte de ficocolóides data de 1968, quando as propriedades emulsificantes e estabilizantes do ágar extraído com água quente de uma alga vermelha, foram descobertas no Japão. Posteriormente outros extratos foram obtidos das algas pardas, em escala comercial devido a sua ação gelificante e em seguida vendidos. No entanto, foi a partir da Segunda Guerra Mundial que o uso industrial dos extratos de algas marinhas se expandiu largamente, sendo algumas vezes limitados devido a disponibilidade de matéria prima.

Os ficocolóides são substâncias mucilaginosas extraídas das paredes de algas vermelhas e pardas. Esse interesse comercial é dado devido às propriedades gelificantes, estabilizantes e emulsificantes dessas substâncias gelatinosas. São classificados em três tipos principais: alginato, ágar e carragenana.

Alginato é um termo usado para os sais de ácido algínico, encontrados nas paredes celulares das algas pardas. São polímeros formados por cadeias longas dos ácidos L-glururônico e D-manurônico, podendo variar de acordo com a espécie (Figura 1). Alginatos na forma de sódio, cálcio, potássio ou magnésio é solúvel em soluções aquosa de pH acima de 3,5. Dessa forma os alginatos não são necessariamente os mesmos, podendo ser encontrado um alginato com alta viscosidade quando dissolvido em água (exemplo: Macrocystis) ou baixa viscosidade (exemplo: Sargassum). Seu uso é baseado nas três principais propriedades presentes: emulsificante, gelificante e estabilizante.

Figura 1-Esquema da estrutura química do alginato.

A importância dos alginatos como insumo para as indústrias alimentícia, farmacêutica e química, é devido as suas propriedades hidrocolóides, ou seja, sua capacidade de hidratar-se em água quente ou fria para formar soluções viscosas, dispersões ou géis. Os alginatos são únicos quanto as suas propriedades espessantes, estabilizantes, gelificantes e formadoras de películas, resultando em uma ampla gama de aplicações.

Os alginatos são utilizados em indústrias têxtil, devido à alta qualidade do gel

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produzido e por não reagirem com os corantes, dessa forma eles são os melhores espessantes para tais corantes, tornando-se mais caros do que os demais encontrados no mercado. São também utilizados na indústria alimentícia, devido à sua capacidade estabilizante, reduzindo a formação de cristais de gelo mesmo quando submetidos à temperaturas muito baixas, além de proporcionarem o aspecto macio. Outra aplicação importante se dá na indústria de cervejas por formar uma película não permitindo a formação de bolhas, mesmo diante da agitação do líquido.

Os principais gêneros de macroalgas utilizados para produção de alginato são: Macrocystis, Laminaria e Ascophyllum, todos característicos de águas frias. O gênero Macrocystis é coletado de populações naturais na costa oeste dos EUA, enquanto o gênero Laminaria vem sendo cultivado intensamente na China, onde a produção ultrapassou 200.000 t de algas secas por ano. Uma significante parcela desse material é utilizado nas indústrias de alginato da própria China. Aproximadamente 27.000 t de alginatos com valores de US$ 230 milhões foram comercializados em 1990. A produção comercial de alginatos teve início em 1929 e, em 1934, em escala limitada na Grã Bretanha e, mais tarde, durante a Segunda Guerra Mundial, surgiu a indústria de alginatos na Noruega, França e Japão.

Carragenanas são polissacarídeos extraídos da parede celular das algas vermelhas, diferindo em sua composição química e propriedades. As carragenanas de interesse comercial são denomindas iota (Figura 2), Kappa (Figura 3) e lambda (Figura 4). Seu uso está relacionado com a sua habilidade em formar soluções espessas ou géis. Iota carragenana produz um gel elástico formado com sais de cálcio, enquanto Kappa carragenana produz um gel rígido, forte com sais de potássio. Por outro lado lambda carragenana não forma géis, mas é importante por fornecer uma textura cremosa. É conhecido com o nome comercial de “musgo da Irlanda”.

Figura 2: Esquema da estrutura química do iota carragenana.

Figura 3: Esquema da estrutura química do kappa carragenana.

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Figura 4: Esquema da estrutura química do lambda carragenana.

As galactanas (isto é, polímeros de galactose) diferenciam-se do ágar pelo seu carácter fracamente iónico, consequência do elevado teor em radicais OSO3. As galactanas diferem também dos alginatos, pois estes últimos devem o seu carácter iônico aos grupos carboxílicos COO-. A denominação “carragenana” provém da palavra “carraigeen” que significa “alga” em gálico, ou do nome “carraghen”, distrito irlandês onde, desde há cinco séculos se colhe a alga vermelha Chondrus crispus (devido à sua característica particular que lhe permite coagular o leite).

A carragenana possui a habilidade exclusiva de formar uma ampla variedade de texturas de gel a temperatura ambiente: gel firme ou elástico; transparente ou turvo; forte ou débil; termo-reversível ou estável ao calor; alta ou baixa temperatura de fusão/gelificação. Pode ser utilizado também como agente de suspensão, retenção de água, gelificação, emulsificação e estabilização em outras diversas aplicações industriais.

O conteúdo de carragenana nas algas varia de 30% a 60% do peso seco, dependendo da espécie da alga e das condições marinhas, tais como luminosidade, nutrientes, temperatura e oxigenação da água. Algas de diferentes espécies e fontes produzem carragenanas de diferentes tipos: kappa, iota e lambda. Algumas espécies de algas podem produzir carragenanas de composição mista, como kappa/iota, kappa/lambda ou iota/lambda. As espécies produtoras de carragenana tipo kappa são a Hypnea musciformis, a Gigartina stellata, a Eucheuma cottonii, a Chondrus crispus e a Iridaea. As espécies produtoras de carragenana tipo iota são a Gigartina e a Eucheuma spinosum. As espécies produtoras de carragenana tipo lambda são, em geral, o gênero Gigartina.

São polissacarídeos utilizados principalmente na indústria alimentícia por produzirem soluções de alta viscosidade e géis na presença de água, além disso reagem com proteínas, especialmente a caseína (presente no leite). A primeira menção do uso de carragenana na indústria alimentar é de meados do século XIX, como agente clarificante da cerveja. A extensa lista de características que as carragenanas apresentam, levaram ao aparecimento e à expansão da indústria de derivados lácteos.

Devido à sua reatividade com o leite, resultando em um gel suave e agradável às papilas, 52% das aplicações das carragenanas são referentes à indústria de laticínios (indústria do leite e seus derivados). Em sobremesas lácteas gelificadas, o agente gelificante usado é normalmente a kappa carragenana, devido ao seu baixo custo. A utilização da iota carragenana em sobremesas oferece a vantagem de produzir um gel de estrutura comparável à da gelatina, mas com um ponto de fusão mais elevado.

As carragenanas podem ser usadas na estabilização de cremes dentários, devido à sua capacidade de formar géis aquosos altamente estáveis contra a degradação enzimática,

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tornando a carragenana única como agente espessante nesse tipo de pastas. A sua estrutura permite, nestas circunstâncias, a liberação dos sabores e aromas durante a lavagem dos dentes.

A indústria de cosméticos tem feito uso crescente das carragenanas na fabricação de loções, cremes e géis perfumados. A aptidão para formar finas películas torna a carragenana um excelente acondicionador de “shampoos”, além dos cremes de beleza, pois a rápida evaporação da fase aquosa da emulsão liberada sobre a pele, forma um microfilme oleoso protetor e medicinal.

Em produtos lácteos, é utilizada em sorvetes, achocolatados, flans, pudins, creme de leite, iogurtes, sobremesas cremosas, queijos, sobremesas em pó e leite de coco. Em doces e confeitos, sua aplicação inclui sobremesas tipo gelatina, geléias, doces em pasta, confeitos e merengues. Nos produtos cárneos, a carragenana é aplicada em presunto, mortadela, hambúrguer, patês, aves e carnes processadas. Nas bebidas, é aplicada para clarificação e refinação de sucos, cervejas, vinhos e vinagres, achocolatados, xaropes, suco de frutas em pó e diet shakes. Em panificação é utilizada para cobertura de bolos, recheio de tortas e massas de pão. A carragenana é utilizada, também, em molhos para salada, sopas em pó, mostarda, molhos brancos e molhos para massas.

Os principais gêneros produtores de carragenana são: Chondrus, Eucheuma, Kappaphycus, Gigartina, Iridaea e Hypnea. Os únicos que vem sendo cultivados comercialmente são Eucheuma e Kappaphycus.

Ágar-ágar também conhecido como ágar ou agarose é um hidrocolóide extraído de diveros gêneros de algas vermelhas. O nome deste polímero é originado da palavra malaia agar-agar. Resultante da mistura heterogênea de dois polissacarídeos, agarose e agaropectina, encontrados na parede celular. A agarose é o componente gelificante enquanto a agaropectina tem apenas uma baixa capacidade de formar gel. É uma família de polissacarídeos que apresenta estruturas de D e L-galactose (Figura 5).

. Figura 5-Esquema da estrutura química do ágar-ágar.

São polissacarídeos que possuem muitas aplicações, sendo utilizado principalmente na indústria alimentícia e na área de pesquisas, devido às suas aplicações biotecnológicas. Nas indústrias alimentícias o ágar tem uso generalizado, onde se aproveitam suas propriedades emulsificantes, estabilizantes e gelificantes, assim como sua alta resistência ao calor. Em virtude do seu baixo valor energético é empregado na elaboração de alimentos dietéticos. O ágar destinado a alimentação é considerado de boa qualidade, quando possui baixos teores de sulfato.

A quantificação dos teores de sulfato na molécula de ágar fornece um dos parâmetros

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de qualificação deste ficocolóide, a retirada de sulfato e a sua transformação em 3,6 anidrogalactose aumentam a qualidade do gel. Contudo, o ágar que é utilizado na bacteriologia deve ter alguns pré-requisitos, como ser resistente a hidrólises enzimáticas, possuir uma alta força do gel e ausência de cargas.

O ágar na forma pura para análise é suplementado com uma mistura de nutrientes, usado em Biologia Vegetal para auxiliar a germinação de plantas em placas de Petri, sob condições estéreis e de acordo com cada tipo de planta. Este tipo de meio é particularmente útil na aplicação de concentrações específicas, por exemplo os fitohormônios, de modo a induzir determinados padrões de crescimento.

Além da grande utilidade nas pesquisas biotecnológicas, sendo empregado em géis utilizados na separação de eletrólitos em eletroforese, na separação de moléculas, em técnicas de imunodifusão, em meios de cultivo microbiológico. A utilização do àgar para preparação desses meios deve-se principalmente à: formação de gel em baixas concentrações; baixa reatividade com outras moléculas; e resistência à degradação pelos microrganismos mais comuns. Preparações comerciais de àgar são obtidas principalmente de espécies de Gelidium e Gracilaria.

Figura 6: Esquema de extração do àgar com modificações de acordo com o gênero escolhido.

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Ficocolóides: Polissacarídeos das algas marinhas

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BOTÂNICA NO INVERNO 2012