apostila basica ciclo de recuperacao

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA Departamento de Engenharia Florestal Laboratório de Celulose e Papel CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TECNOLOGIA DE CELULOSE E PAPEL ENF 580 – Ciclo de Recuperação Química do Processo Kraft Prof.: Júlio César Tôrres Ribeiro Viçosa, MG Agosto - 2005

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Page 1: Apostila Basica Ciclo de Recuperacao

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA Departamento de Engenharia Florestal Laboratório de Celulose e Papel

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TECNOLOGIA DE

CELULOSE E PAPEL

ENF 580 – Ciclo de Recuperação Química do Processo Kraft

Prof.: Júlio César Tôrres Ribeiro

Viçosa, MG Agosto - 2005

Page 2: Apostila Basica Ciclo de Recuperacao

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SUMÁRIO

1 – INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 3

1.1 – Tendências do Mercado de Celulose ............................................................... 3

2 – O Ciclo de Recuperação de Químicos Kraft .......................................................... 4

2.1 – Cozimento e Lavagem da Polpa....................................................................... 4

2.1.1- Geração do licor preto fraco ...................................................................... 6

2.2 – Evaporação do Licor Negro ............................................................................. 7

2.2.1 - Composição do licor negro..................................................................... 10

2.2.2 - Propriedades do licor negro .................................................................... 11

2.3 – Caldeira de Recuperação................................................................................ 17

2.3.1- A Caldeira e suas partes principais .......................................................... 18

2.3.2- Aspersão de licor e a formação das gotículas .......................................... 21

2.3.3- Queima do licor negro ............................................................................. 22

2.3.4- Reações e composição dos fumos............................................................ 25

2.3.5- Incrustações e a composição das cinzas .................................................. 27

2.4 – Caustificação e Calcinação ............................................................................ 31

2.4.1- O Licor verde........................................................................................... 32

2.4.2- Preparo do licor branco............................................................................ 33

2.4.3- Calcinação................................................................................................ 36

BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................... 40

Page 3: Apostila Basica Ciclo de Recuperacao

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1 – INTRODUÇÃO

1.1 – Tendências do Mercado de Celulose

A partir da última década do século XX, as empresas do setor de celulose e papel

entraram numa era de transformação – é uma era marcada por grande número de

fusões de empresas do setor onde a competitividade e a busca por melhores

resultados está cada vez mais acirrada. A garantia de sobrevivência das empresas está

embasada não somente na incorporação de novas tecnologias aos seus ativos físicos,

permitindo produção em massa com eficiência e com produtos de padrão

internacional. Nesse cenário torna-se essencial a formação de profissionais dedicados

a pesquisas e mudanças de processo com o objetivo constante de otimização de

recursos, e conseqüentemente, de custos e produtividade. Naturalmente, o sucesso de

um negócio não depende apenas da capacitação de seus profissionais e da

produtividade e competitividade de seus produtos. É necessário o monitoramento dos

cenários presente e futuro para antecipar-se às oportunidades que possam vir a surgir.

Tendo como base este enfoque, a utilização de borato de sódio no ciclo de

recuperação de químicos kraft pode vir a ser, em um futuro próximo, mais um fator

de diferenciação das empresas de celulose. Algumas experiências industriais vêm

sendo desenvolvidas com resultados promissores, principalmente no tocante à

eliminação de gargalos de produção nas áreas de caustificação e fornos de cal. No

futuro esta tecnologia poderá influenciar até mesmo no custo de implantação de

novos empreendimentos devido à possibilidade de eliminação, ou pelo menos,

redução de necessidade de capacidade de etapas do processo hoje existentes.

Page 4: Apostila Basica Ciclo de Recuperacao

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2 – O Ciclo de Recuperação de Químicos Kraft

Este capítulo não tem por objetivo esgotar todos os processos e detalhes do ciclo de

recuperação kraft. Pretende-se apresentar de forma sucinta e objetiva as principais

variáveis de cada processo para que se possa efetuar um comparativo com as

modificações impostas pela introdução do metaborato de sódio no ciclo de

recuperação kraft. Na Figura 1 pode-se visualizar o ciclo de recuperação kraft

convencional.

Figura 1 - Ciclo de Recuperação Kraft

Fonte : Cenibra

2.1 – Cozimento e Lavagem da Polpa

As fibras e traqueídeos, principais elementos estruturais da madeira, apresentam

quatro camadas concêntricas envolvendo a cavidade central, denominada lúmen. A

Page 5: Apostila Basica Ciclo de Recuperacao

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camada mais externa é a parede primária (Pr), enquanto as outras três formam a

parede secundária dividida em camada externa (S1), média (S2) e interna (S3). A

camada S2 é a mais importante do ponto de vista da produção de celulose por ser,

geralmente, dez vezes mais espessa que Pr, S1 ou S3, e nela encontrar-se a maior

quantidade de celulose da fibra. A região entre as fibras é denominada lamela média

e é rica em lignina. Na Figura 2 é apresentado um esquema da estrutura da madeira.

Figura 2 - Esquema da organização da parede celular da fibra

Um dos objetivos dos processos químicos de cozimento é o de remover a lignina da

lamela média, visando a separação das fibras. Porém, a ação do licor de cozimento

não se limita à lamela média, pois atinge os carboidratos e a parede da fibra. A

retirada de parte dos polissacarídeos e sua alteração determinam a qualidade da pasta

tanto para papel como para dissolução. Da mesma maneira, a solubilização de

componentes não pertencentes à parede celular é importante para a qualidade da

pasta.

Page 6: Apostila Basica Ciclo de Recuperacao

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2.1.1- Geração do licor preto fraco

O cozimento da madeira é realizado em um equipamento denominado digestor. O

digestor é um vaso de pressão no qual são alimentados cavacos, licor branco e vapor.

O licor branco é o agente químico que reage com a lignina propiciando a separação

das fibras de celulose dos demais compostos orgânicos da madeira que são

dissolvidos. Como a lignina é o principal composto a ser separado, esta etapa é

também chamada de deslignificação. Na Figura 3 pode-se visualizar um fluxograma

da área de cozimento e lavagem.

Figura 3 - Fluxograma simplificado cozimento e lavagem

Fonte : Cenibra

O tempo de retenção no digestor é determinado pelo ritmo de produção, sendo que

normalmente a metade do tempo corresponde às etapas de impregnação dos cavacos

e cozimento. O restante do tempo corresponde ao que se chama de lavagem contra

corrente ou high heat. Dentro do digestor a massa formada pelo licor de cozimento

Page 7: Apostila Basica Ciclo de Recuperacao

7

e cavaco passa por três zonas. A primeira é a zona de cozimento que possui peneiras

destinadas à extração do licor e envio do mesmo a um trocador de calor, onde será

aquecido com vapor, retornando, após, ao local de onde foi extraído. Este licor, que

foi extraído pelas peneiras de cozimento, é misturado com licor branco na tubulação

antes da chegada ao aquecedor. A segunda zona possui peneiras de homogeneização,

que têm o mesmo propósito das peneiras de cozimento. A última zona possui

peneiras de extração, que retiram o licor e o conduzem para ciclones de expansão,

onde será expandido e enviado para os centrifilters, que são utilizados para filtrar o

licor e recuperar fibras. Este licor filtrado, denominado licor preto fraco, será enviado

à evaporação para recuperação dos químicos. No fundo do digestor a massa é

misturada ao licor preto fraco, originado nos difusores, sendo descarregada no

difusor pela própria pressão interna. Como o fluxo da descarga é pré-estabelecido, o

licor excedente à manutenção da consistência da polpa sobe em sentido contrário ao

da massa, arrastando o álcali nela contido, juntando-se ao licor de cozimento já

inativo que acompanhava a sua descida, sendo extraído em contra-corrente.

Apesar da lavagem em contra-corrente na metade inferior do digestor, a massa

descarregada ainda necessita de lavagem para retirada da soda e lignina dissolvida. O

segundo estágio de lavagem normalmente é feito em difusores utilizando o licor

preto diluído originário da etapa de depuração marrom. O sistema opera

completamente fechado, isolado do ar, minimizando a formação de espuma,

diminuindo contaminações e possibilita alta eficiência na reutilização do licor preto

diluído extraído do mesmo.

O licor enviado para a evaporação normalmente encontra-se com teor de sólidos

entre 14 e 20%, e é constituído de orgânicos dissolvidos (60 a 70%) provenientes da

madeira e de inorgânicos originados do licor de cozimento (30 a 40%).

2.2 – Evaporação do Licor Negro

A evaporação, ou concentração, do licor negro é realizada em evaporadores de

múltiplo efeito utilizando vapor de baixa pressão proveniente das extrações de uma

turbina. Uma planta de evaporação moderna normalmente consiste de 6 efeitos com

Page 8: Apostila Basica Ciclo de Recuperacao

8

uma economia de aproximadamente 5 t de água evaporada por t de vapor utilizado.

Os concentradores e/ou evaporadores são do tipo casco/tubo ou placas dependendo

da tecnologia empregada por cada fabricante. O evaporado gerado em cada efeito é

condensado no efeito seguinte através da troca de calor com o licor alimentado

naquele efeito, com o último efeito sendo condensado em um condensador

barométrico. A pressão decresce progressivamente até atingir vácuo de

aproximadamente 640 mmHg no condensador.

Existem várias tecnologias aplicadas a evaporadores e concentradores, sempre

visando a melhoria de sua eficiência energética.

É muito comum a ocorrência de corrosão em evaporadores e concentradores devido a

grande alcalinidade do licor, especialmente nos efeitos mais concentrados. Desta

maneira torna-se essencial a melhoria dos materiais empregados em sua fabricação.

Um dos aspectos que diminui a performance de uma planta de evaporação é a

formação de depósitos nos concentradores de licor, especialmente nos primeiros

efeitos, que trabalham com o licor mais concentrado. Este mecanismo já é bem

conhecido e está relacionado com o limite de solubilidade do licor negro e de sua

composição. Práticas operacionais e de limpeza são adotadas de forma a prevenir

grandes perdas devido a estas incrustações.

Uma planta típica de evaporação é apresentada na Figura 4.

Page 9: Apostila Basica Ciclo de Recuperacao

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Figura 4 - Fluxograma simplificado da evaporação

Fonte : Cenibra

Os principais objetivos da evaporação do licor negro são listados abaixo:

a) Utilizar eficientemente a energia requerida para evaporação, sendo que uma

planta típica de evaporação consome até 25% da energia total de uma planta

de celulose kraft.

b) Separar eficientemente o vapor d'água formado durante a evaporação,

fornecendo um produto com alto poder calorífico e altas concentrações de

inorgânicos.

c) Separar o tail oil, que além de grande valor econômico, pode gerar

incrustações e espuma. O tail oil é um componente de madeiras de

coníferas, não sendo encontrado em folhosas.

d) Concentrar o licor preto fraco para concentrações superiores a 64% para

possibilitar sua queima na caldeira de recuperação, sendo que quanto maior a

concentração mais eficiente é o processo de queima.

Page 10: Apostila Basica Ciclo de Recuperacao

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2.2.1 - Composição do licor negro

O licor negro proveniente da depuração e lavagem da polpa é composto basicamente

de compostos orgânicos complexos e inorgânicos dissolvidos em um meio aquoso

alcalino e sua composição química depende do tipo de madeira e das condições de

cozimento. As propriedades físicas do licor negro estão diretamente relacionadas à

sua composição química, à concentração de sólidos, ao teor de inorgânicos e à

temperatura. Esta dependência pode ser visualizada na Figura 5, proposta por

Soderhjelm, citado por Cardoso (2001).

Figura 5 - Origem do comportamento do licor negro

Fonte: Soderhjelm, citado por Cardoso (2001).

O termo “licor preto fraco” refere-se ao licor recebido da depuração e lavagem da

polpa, sendo que usualmente sua concentração encontra-se na faixa de 14 a 20%.

Após concentrado em evaporadores de múltiplos efeitos este licor pode ter sua

concentração aumentada até 80% nos sistemas mais modernos, sendo que 72% é uma

concentração bastante usual nos dias de hoje. A este licor concentrado, que

posteriormente será queimado na caldeira de recuperação, dá-se o nome de “licor

preto forte”.

Page 11: Apostila Basica Ciclo de Recuperacao

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A composição típica de um licor negro é apresentada na Tabela 1.

Tabela 1 - Composição típica do licor negro

Fonte: Green and Haugh, citado por Cardoso (2001)

2.2.2 - Propriedades do licor negro

As propriedades do licor negro, importantes para o processo de evaporação, são

densidade, viscosidade, elevação do ponto de ebulição, calor específico e poder

calorífico. Estas propriedades também influenciam o comportamento do licor

queimado na caldeira, porém neste tópico tem-se o objetivo de apenas discorrer-se

sobre seus efeitos no processo de evaporação.

Densidade

A densidade do licor negro afeta as características de seu escoamento. A um teor de

sólidos baixo tem-se que a densidade é bem próxima da densidade da água à mesma

temperatura. Quando concentrado, a densidade depende das características e teores

de materiais orgânicos e inorgânicos. Os inorgânicos têm maior influência na

densidade, pois enquanto a densidade característica dos materiais orgânicos é bem

próxima da água, a dos inorgânicos é praticamente o dobro.

Page 12: Apostila Basica Ciclo de Recuperacao

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O Gráfico 1 mostra a densidade em função da concentração de sólidos para alguns

licores específicos.

Gráfico 1 - Peso específico x Teor de sólidos para diversos licores

Fonte: Green e Hough (1992).

Viscosidade

A viscosidade é uma importante propriedade reológica do licor negro, que varia em

função de sua composição e temperatura, bem como sofre influência das práticas

operacionais. A viscosidade é de grande interesse para a área de evaporação devido

ao seu efeito nas taxas de evaporação, de transferência de calor e tamanho das

gotículas de licor.

Page 13: Apostila Basica Ciclo de Recuperacao

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Nos trocadores de calor e evaporadores, o coeficiente de transferência de calor decresce à medida que a viscosidade aumenta, aproximadamente de acordo com a relação abaixo Transferência de calor ~ ________1_________ (viscosidade, Cp)0,4 (GREEN e HOUGH, 1992).

Esta relação mostra que a capacidade de evaporação de um evaporador varia de

acordo com a viscosidade, permanecendo os demais fatores constantes. Um

decréscimo de viscosidade aumenta a taxa de transferência de calor.

Para concentrações de sólidos abaixo de 50% o comportamento da viscosidade do

licor negro é bem próximo do comportamento newtoniano, ou seja, “independe das

condições de fluxo e as tensões tangenciais são proporcionais às taxas de

deformação.” (FOX e McDONALD, 1985)

Para concentrações acima de 50% o comportamento do licor negro passa a ser não

newtoniano. Porém com o aumento de temperatura (110 a 121°C) tem-se a

diminuição de viscosidade e, mesmo em altas concentrações de sólidos (70 a 75%),

tem-se o comportamento newtoniano. (GREEN e HOUGH, 1992).

Do ponto de vista operacional, a viscosidade do licor negro, a qualquer concentração

de sólidos, pode ser alterada de três maneiras: adição de álcali, oxidação e estocagem

a altas temperaturas. A Tabela 2 indica como cada um destes fatores altera a

viscosidade do licor negro e o Gráfico 2 mostra os efeitos da adição de álcali na

viscosidade relativa.

Tabela 2 - Alteração de viscosidade do licor negro x variações

Condição Álcali residual baixo Álcali residual alto Adição de álcali Diminui Aumenta Oxidação Aumenta Diminui Estocagem a alta temperatura Aumenta Diminui

Fonte: Green e Hough (1992).

Page 14: Apostila Basica Ciclo de Recuperacao

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O álcali residual afeta fortemente a viscosidade aparente do licor negro, álcali

residual baixo implica em alta viscosidade e comportamento não newtoniano.

Gráfico 2 - Variação da viscosidade do licor negro x ATT

Fonte: Adaptado de Green e Hough (1992).

A oxidação do licor negro altera a viscosidade porque reduz a concentração de álcali

residual. A mudança depende do álcali inicial e de quanto ele varia durante a

oxidação. A mudança de viscosidade é reversível com a adição de álcali novamente.

Apesar das razões não estarem totalmente esclarecidas, é possível variar a

viscosidade do licor negro durante estocagem a alta temperatura. O mais provável é

que esta mudança deve-se à combinação de dois mecanismos: degradação dos

orgânicos de alto peso molecular e decréscimo na concentração de álcali residual.

Page 15: Apostila Basica Ciclo de Recuperacao

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Elevação do ponto de ebulição

A elevação do ponto de ebulição (EPE) é a diferença entre a temperatura de ebulição

do licor negro e a da água pura a mesma pressão. Esta propriedade é importante para

o desenvolvimento de balanços de massa e energia para o projeto e análise de

evaporadores. Nestes equipamentos, o calor transferido para o licor depende da

diferença de temperatura entre o vapor a ser condensado e o licor a ser evaporado.

Elevados valores de EPE implicam em uma redução significativa de transferência de

calor nos evaporadores.

A elevação do ponto de ebulição é função da concentração de sólidos presentes no

licor e, para o licor negro de coníferas, existem várias correlações empíricas

propostas na literatura, tais como as desenvolvidas por Clay e Grace, Szymonski e

Grace, Frederick et al. e Robinson e Clay, citados por Cardoso (2001). Conforme

mostrado no Gráfico 3, nota-se que para concentrações abaixo de 50% a variação do

EPE é pouca significativa com o aumento do teor de sólidos. Entretanto, para

concentrações acima de 50%, o aumento do EPE é bastante significativo se

relacionado com o aumento do teor de sólidos.

Gráfico 3 - Elevação do ponto de ebulição x teor de sólidos do licor negro.

Fonte: Cardoso (2001).

Page 16: Apostila Basica Ciclo de Recuperacao

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Calor específico

Dados experimentais sobre o calor específico do licor negro são necessários para se

calcular a troca de calor durante a evaporação do licor. O calor específico vem sendo

determinado em equipamentos de análise térmica, e atualmente já existem várias

correlações na literatura em função do teor de sólidos como visto na equação abaixo

e no Gráfico 4.

Cp = Cpag(1 - X) + Cpsol,

onde,

Cp Capacidade calorífica do licor

Cpag Capacidade calorífica da água

Cpsol. Capacidade calorífica do sólido seco

X fração de sólidos secos

Gráfico 4 - Calor específico do licor x teor de sólidos

Fonte: Green e Hough (1992).

Page 17: Apostila Basica Ciclo de Recuperacao

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Poder Calorífico

A queima do licor negro forte na caldeira de recuperação libera calor. O poder

calorífico superior (PCS) é a medida da quantidade de calor liberada. Valores típicos

de PCS do licor negro variam na faixa de 3000 a 3600 kcal/kg de sólidos secos. Os

componentes orgânicos e o enxofre reduzido no licor negro contribuem para o

aumento do poder calorífico. Outros inorgânicos agem como diluentes, diminuindo o

poder calorífico.

O poder calorífico de alguns constituintes do licor negro é apresentado na Tabela 3.

Tabela 3 - Poder calorífico superior de constituintes do licor

Componente PCS (kcal/kg) Lignina de coníferas 6.450 Lignina de folhosas 6.000 Carboidratos 3.240 Resinas, ácidos graxos 9.000 Sulfeto de sódio 3.080 Tiossulfato de sódio 1.380

Fonte: Green e Hough (1992).

2.3 – Caldeira de Recuperação

A caldeira de recuperação química é um gerador de vapor que utiliza o licor negro

concentrado proveniente da evaporação como combustível e cumpre três papéis de

extrema importância no ciclo de recuperação, sendo eles:

a) exercer o papel de um reator químico para produzir carbonato de sódio e

sulfeto de sódio;

b) destruir a matéria orgânica dissolvida eliminando o problema de descarga

deste material no meio ambiente; e

c) gerar de vapor e energia a partir da queima do licor negro.

Page 18: Apostila Basica Ciclo de Recuperacao

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Os objetivos de uma caldeira de recuperação são esquematizados na Figura 6.

Figura 6 - Objetivos da caldeira de recuperação

A geração de vapor e energia é um objetivo secundário da caldeira de recuperação.

Caso a caldeira de recuperação seja o ponto de restrição de produção é comum

prejudicar-se a eficiência da geração de vapor em detrimento do aumento do

potencial de queima de licor.

2.3.1- A Caldeira e suas partes principais

No passado, a caldeira de recuperação era uma das maiores fontes de poluição de

uma fábrica de celulose. Com as crescentes pressões ambientais, necessidade de

aumento de eficiência dos processos e desenvolvimento de novas tecnologias, ela se

tornou um processo extremamente eficiente no tocante a emissões atmosféricas e

geração de resíduos.

Na Figura 7 é apresentado um esquema de uma caldeira de recuperação onde são

mostrados os seus principais componentes.

Page 19: Apostila Basica Ciclo de Recuperacao

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Figura 7 - Caldeira de recuperação - Principais partes

Fonte : Cenibra

O licor para queima é injetado através dos bicos de licor localizados em aberturas nas

paredes da fornalha, que é formada de tubos e também faz parte do circuito de

geração de vapor. O licor acumula-se no fundo da fornalha formando o que se chama

de “camada”, região onde existe deficiência de ar para queima proporcionando uma

atmosfera redutora que irá propiciar a redução do sulfato de sódio a sulfeto de sódio.

A eficiência de redução é um dos parâmetros mais importantes de operação da

caldeira de recuperação, visto que o sulfato de sódio não tem ação no cozimento da

madeira e o sulfeto de sódio é um agente ativo de cozimento. Após queimado, o licor

Page 20: Apostila Basica Ciclo de Recuperacao

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negro dá origem a um fundido, também conhecido por licor verde ou smelt, que

escorre através das bicas de smelt em direção ao tanque dissolvedor. O licor verde é

rico em carbonato e sulfeto de sódio e é encaminhado ao processo de caustificação.

Tal como os bicos de licor, as aberturas para o ar de combustão estão localizadas nas

paredes da fornalha. Normalmente o ar é inserido em pelo menos três níveis

proporcionando 3 regiões diferenciadas de queima ao longo da fornalha conforme

detalhado na Figura 8. As funções de cada nível de inserção de ar podem ser

resumidas como abaixo:

Ar Primário – localizado na zona de redução.

a) queimar os sólidos que caem sobre a camada;

b) reduzir o sulfato a sulfeto; e

c) ajustar a forma e configuração da camada para obtenção de uma boa

eficiência de redução;

Ar Secundário – localizado na zona de secagem.

a) completar a combustão do licor e dos gases voláteis; e

b) auxiliar na secagem do licor.

Ar Terciário – localizado na zona de oxidação.

a) completar a combustão dos gases; e

b) realizar a selagem na região da fornalha para reduzir as emissões de material

particulado.

Os gases quentes resultantes da queima do licor são retirados da caldeira com o

auxílio de um ventilador de tiragem induzida. No trajeto de saída dos gases há grande

troca térmica nos superaquecedores, cortina d’água, bancada e economizadores.

Normalmente os gases de combustão estão na faixa de 450 a 550 °C na saída da

fornalha, sendo descartados na chaminé a uma temperatura média de 170 °C.

Page 21: Apostila Basica Ciclo de Recuperacao

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Figura 8 - Zonas de reação na fornalha de uma caldeira de recuperação

Fonte : Adaptado de Cardoso (2001)

A água faz o caminho inverso, sendo alimentada nos economizadores, aproveitando

o calor residual dos gases e chegando ao balão de água/vapor em uma temperatura

abaixo do ponto de saturação àquela pressão. Inicia-se, então, um processo de

circulação natural devido a diferença de densidade proporcionada pelas diferenças de

temperatura da água entre os diversos pontos da caldeira. A água desce pelas paredes

da fornalha e retorna ao balão de água/vapor, e posteriormente, já na forma de vapor

saturado, é encaminhado aos superaquecedores, onde ocorre o superaquecimento

para a temperatura e pressão desejadas.

2.3.2- Aspersão de licor e a formação das gotículas

A aspersão do licor negro na caldeira é feita através dos bicos de licor, cujo projeto

varia de fabricante para fabricante, e, muitas vezes, são desenvolvidos especialmente

para determinado tipo de licor ou caldeira. O objetivo do projeto do bico de licor é

proporcionar uma distribuição uniforme do fluxo circular em uma superfície plana. A

geometria deste leque de licor irá determinar o tamanho e a trajetória das gotículas

até a camada. (ADAMS et al., [199-?]). O controle do tamanho de gota na aspersão

do licor é de grande importância para uma operação eficiente. Na condição ideal a

gota de licor deveria atingir a camada enquanto ainda estivesse queimando. Gotas

muito pequenas vão promover uma rápida secagem, porém as partículas serão

facilmente arrastadas pelos gases. Gotas muito grandes poderão cair úmidas na

Page 22: Apostila Basica Ciclo de Recuperacao

22

camada, podendo causar forte esfriamento, resultando na perda de combustão e

apagamento. Ainda tem-se a situação em que a gota atinge a camada já como smelt, o

que indica que a mesma ainda está pequena. (HUPA. e FREDERICK, 2002) e

(HUPA, 2002).

O tamanho e distribuição das gotas de licor também dependem de outros fatores e

características do licor, tais como, a pressão de injeção, a viscosidade e densidade do

licor, a temperatura para queima e o teor de sólidos.

2.3.3- Queima do licor negro

Ainda que a queima do licor negro tenha muita similaridade com a queima de muitos

combustíveis fósseis, a química do processo é mais complexa devido à função de

recuperação química. Em adição ao carbono, oxigênio e hidrogênio que são comuns

nos combustíveis fósseis, o licor negro contém quantidades substanciais de álcali

(sódio e potássio) e enxofre. Os produtos da combustão não são apenas dióxido de

carbono e água, mas também os químicos do cozimento que são recuperados,

carbonato e sulfeto de sódio. Reações químicas importantes incluem a redução do

sulfato, formação de fumos e reações de liberação e captura de enxofre livre. Em

uma caldeira de recuperação, a queima do licor negro envolve a reação dos sólidos

do licor com o oxigênio do ar de combustão para a formação de gases combustíveis e

smelt.

A queima do licor na fornalha pode ser dividida em 4 etapas, sendo elas a pirólise,

queima de voláteis, queima na camada e oxidação de inorgânicos.

a) Pirólise : a pirólise é uma série de reações de degradação irreversíveis que os

sólidos contidos no licor negro sofrem na medida em que a temperatura é

aumentada. As reações de pirólise produzem um gás combustível rico em H2,

CO, CH4, TRS, CO2, H2O, outros hidrocarbonetos de alto peso molecular e

compostos orgânicos e uma camada rica em carbono reduzido.

Page 23: Apostila Basica Ciclo de Recuperacao

23

As reações da pirólise iniciam-se aproximadamente a 200 °C, quando as

gotículas de licor passam por um processo de inchamento e inicia-se a

liberação de gases voláteis. O inchamento das gotículas de licor é bastante

considerável (fator de expansão em volume de até 20 vezes) fazendo com que

a partícula resultante possua baixa densidade. Os resíduos sólidos da pirólise

dão origem a camada, que é rica em carbono fixo (20 a 25%) e inorgânicos

(75 a 80%).

As principais reações da pirólise podem ser representadas por :

Na2S + CO2 + H2O → Na2CO3 + H2S (1)

Na2O + CO2 → Na2CO3 (2)

CH4 + H2O → CO + 3H2 (3)

b) Queima de voláteis: a combustão dos gases originados na pirólise do licor é

uma reação relativamente rápida e homogênea que pode ser sintetizada como

Gases da pirólise ( H2, CO, CH4, TRS, etc.) + O2→ CO2 + H2O + SO2 (4)

Os principais fatores requeridos para assegurar a combustão completa são o

fornecimento de ar suficiente, boa mistura entre o ar e os gases e temperaturas

altas o suficiente para que as reações se procedam, geralmente na faixa de

760 a 815 °C.

c) Queima da camada: a camada consiste de carbono e sais inorgânicos. Os

inorgânicos presentes na camada são essencialmente os mesmos presentes no

smelt, ou seja, carbonato, sulfato e sulfeto de sódio e os sais análogos de

potássio.

A queima da camada consiste de duas etapas essenciais, sendo a primeira a

oxidação do carbono fixo para CO e CO2 para permitir a fusão do smelt e a

Page 24: Apostila Basica Ciclo de Recuperacao

24

segunda a redução dos compostos de enxofre. As principais reações da

queima na camada podem ser sintetizadas como abaixo:

Reações do carbono fixo

C + ½.O2 → CO (5)

C + O2 → CO2 (6)

C + CO2 → 2CO (7)

Reações de redução

C + ½.Na2SO4 → CO2 + ½.Na2S (8)

C + ¼.Na2SO4 → CO + ¼.Na2S (9)

C + Na2SO4 → Na2O + SO2 + CO (10)

As reações predominantes pelas quais o carbono é queimado na camada são

as reações com o sulfato presente no smelt (reações 8, 9 e 10). O sulfato e

sulfeto presentes agem como catalisadores para a queima do carbono, com o

sulfato sendo reduzido a sulfeto pelo carbono e o sulfeto sendo reoxidado

subseqüentemente a sulfato pela reação com o oxigênio.

O fator chave deste conceito é que a redução do sulfato ocorre

simultaneamente com a queima do carbono, e as reações entre sulfato e

carbono são mais rápidas que entre sulfeto e oxigênio. Isto ocorre a

temperaturas suficientemente altas, quando a reação de oxidação do sulfeto é

uma reação de transferência de massa controlada. Temperaturas na faixa de

980 a 1040 °C são adequadas para a ocorrência destas reações.

d) Oxidação de inorgânicos: são reações exotérmicas que ocorrem rapidamente

quando a camada é exposta a oxigênio na ausência de carbono. A mais

importante é a oxidação do sulfeto a sulfato de sódio, exatamente o contrário

do desejado.

Page 25: Apostila Basica Ciclo de Recuperacao

25

Na2S + O2 → Na2SO4 + 3.083 kcal/kg (11)

O mecanismo de reoxidação na camada já foi descrito no item ‘c) Queima na

camada’.

O mecanismo de queima da gota de licor pode ser sumarizado conforme a Figura 9,

adaptada de (HUPA e FREDERICK, 2002).

Figura 9 - Mecanismo da queima da gota de licor

Fonte: Adaptado de Hupa e Frederick (2002)

2.3.4- Reações e composição dos fumos

Fumo, ou arraste de cinzas, é o nome dado às partículas muito finas produzidas pela

vaporização do sódio (e potássio) na fornalha que são carregadas com os gases da

combustão. A química básica da formação das cinzas pode ser resumida conforme as

reações (12) a (19), descritas abaixo:

Page 26: Apostila Basica Ciclo de Recuperacao

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Queima do licor → Na (vapor) (12)

2Na + ½ O2 + CO2 → Na2CO3 (arraste) (13)

Na2CO3 + SO2 + ½ O2 → NaSO4 (arraste) + CO2 (14)

NaCl(líquido) + Calor → NaCl (vapor) (15)

NaOH(líquido) + Calor → NaOH (vapor) (16)

2NaOH + CO2 → Na2CO3 (arraste) + H2O (17)

Vaporização de sódio → Na2CO3 (arraste) (18)

Queima do licor → K (vapor) (19)

As reações químicas que produzem vapores de sódio (e potássio) são endotérmicas, e

portanto, a geração de fumos tende a ser auto limitante na ausência da fonte de calor.

Reações análogas ocorrem para o potássio que ainda é mais volátil que o sódio.

(GREEN e HOUGH, 1992)

Durante a pirólise do licor quantidades consideráveis de compostos de enxofre

reduzido, TRS, são geradas. Parte deste TRS vaporiza na fornalha e deve ser oxidado

a SO2 e capturado para controle das emissões totais de TRS através dos gases da

combustão. A captura do SO2 é determinada pela presença de quantidade suficiente

de álcali nos gases de combustão, que é determinada prioritariamente pela

temperatura na parte baixa da fornalha. À medida que a temperatura aumenta ocorre

maior vaporização de sódio, reações (12) e (18), gerando maior concentração de

álcali nos gases. Desta maneira geram-se condições propícias para a captura do SO2,

devido ao aumento da concentração de partículas de Na2CO3, reação (14), resultando

na formação de Na2SO4.

Page 27: Apostila Basica Ciclo de Recuperacao

27

O papel da vaporização de NaOH na formação de fumos, reação (16) é predita

através de reações de equilíbrio químico, e vapores de NaOH estão relacionados à

corrosão no lado frio da fornalha.

Os cloretos NaCl e KCl são muito voláteis e podem vaporizar como sais. Esta

volatilidade de cloretos é a razão pela qual as cinzas tendem a ser enriquecidas em

cloreto e potássio. Experiências têm mostrado que a proporção destes elementos em

depósitos e nas cinzas dos precipitadores pode ser de 2 a 3 vezes maior que a

proporção dos mesmos no licor para queima. (GREEN e HOUGH, 1992)

A formação de fumos possui aspectos benéficos e problemáticos para uma caldeira

de recuperação. O principal benefício é a captura de gases de enxofre, diminuindo as

emissões totais de TRS e reduzindo o odor. O lado problemático está relacionado

com a geração excessiva e concentração de íons Cl- e K+ nos fumos, o que contribui

fortemente para a obstrução das passagens de gases e corrosão em geral. Maior

detalhamento a este assunto será o objeto da seção 2.3.5.

2.3.5- Incrustações e a composição das cinzas

As incrustações nas tubulações de uma Caldeira de Recuperação têm sua origem nos

gases da combustão do licor na fornalha, onde sais de sódio, potássio e carbonatos

(constituídos basicamente de Na2CO3, Na2SO4, NaCl, KCl e K2SO4) incorporam-se

ao fluxo ascendente de gases em volumes maiores que os normais.

As cinzas aderidas aos tubos caracterizam-se pela presença de partículas fundidas, ou

parcialmente fundidas, cuja composição é predominantemente Na2SO4 e Na2CO3. A

aparência e a composição química do depósito indicam que tipo de mecanismo deu

origem ao arraste. Pode-se afirmar que elevados níveis de concentração de Na2CO3

nas cinzas são indicativos de arraste. Outro fato bastante citado na literatura é a cor

rosada ou avermelhada dos depósitos, indicando a presença de enxofre reduzido nos

depósitos. (GREEN e HOUGH, 1992)

Page 28: Apostila Basica Ciclo de Recuperacao

28

Os principais fatores que propiciam o arraste são:

a) O arraste mecânico de gotículas não queimadas é fortemente influenciado

pelo nível de sobrecarga da caldeira, que provoca um aumento no volume de

gases de combustão e, conseqüentemente, na velocidade de ascensão e

remoção destes gases.

b) A baixa concentração do licor para queima é outro fator que fortemente

contribui para o arraste mecânico de gotículas, pois o excesso de água que é

injetado na fornalha expande-se em vapor aumentando várias vezes em

volume, e é conduzido junto aos gases de combustão aumentando a

velocidade do fluxo.

c) A deficiência na distribuição e na pressão de ar para combustão

(especialmente o terciário e/ou quaternário que são os responsáveis pela

selagem da fornalha) é outro fator determinante para a ocorrência do arraste

mecânico de gotículas de licor.

d) Operação com temperaturas e pressões de licor inadequadas nos bicos

aspersores.

e) A ocorrência de variações bruscas de queima de licor na caldeira também

influencia no arraste mecânico devido aos gradientes de pressão e às

variações de vazão de gases que ocorrem durante as mudanças.

A influência que cada um destes fatores exerce no arraste de cinzas e na formação de

depósitos depende de cada caso e, normalmente, vários fatores ocorrem

simultaneamente, sendo necessário a adoção de várias contramedidas que visam

eliminar, ou pelo menos, minimizar os seus efeitos.

Page 29: Apostila Basica Ciclo de Recuperacao

29

Características Incrustantes das Cinzas

A composição química das cinzas pode contribuir negativamente na formação de

incrustações na parede externa dos tubos.

Um mecanismo bastante conhecido na literatura é a condensação dos vapores dos

compostos inorgânicos que são arrastados junto com os gases de combustão dando

origem a cinzas bastante aderentes.

Vários autores, entre eles Tran et al. (2001c), realizaram várias experiências e

chegaram a conclusão de que K+ e Cl- em determinadas concentrações e temperaturas

geram uma fase líquida, aumentando a aderência das partículas e tendo por

conseqüência dificuldades na remoção dos depósitos e aceleração do processo

incrustante e de obstrução das passagens de gases da caldeira.

De um modo geral, os principais problemas causados pela alta concentração de

cloreto e potássio no ciclo de recuperação são as incrustações, a corrosão nas

tubulações da caldeira, bem como a recirculação constante destes inertes no

processo.

Verificou-se também que a formação de depósitos nas tubulações depende da

quantidade de fase líquida presente nas cinzas e que esta quantidade de fase líquida

por sua vez é dependente da temperatura. Cinzas com porcentagem de fase líquida

entre 15 e 70% incrustam nas tubulações, causando problemas na troca de calor.

Cinzas com menos de 15 ou mais de 70% de fase líquida escoam pela tubulação,

eliminando os problemas de deposição.

Tran et al. (2001c) definem TSTK (Sticky Temperature) como sendo a temperatura

correspondente a cinzas com 15% de fase líquida e TRD (Radical Deformation

Temperature) como a temperatura correspondente a cinzas com 70% de fase líquida.

As temperaturas TSTK e TRD definem a região onde a formação de depósitos é mais

pronunciada. As Figuras 10 e 11 mostram as regiões de incrustação e escoamento em

Page 30: Apostila Basica Ciclo de Recuperacao

30

função das frações molares %Cl/Na+K e % K/Na+K nas cinzas em função da

temperatura dos gases de combustão.

Figura 10 - Regiões de incrustação e escoamento das cinzas.

Fonte : Tran et al. (2001c)

Figura 11 - Abaixamento temperatura de fusão das cinzas x concentração Cl- e K+.

Fonte : Tran et al. (2001c)

Page 31: Apostila Basica Ciclo de Recuperacao

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A região denominada Sticky (região escura) representa a região de ocorrência de

depósitos. Acima e abaixo desta região as cinzas escoam, não havendo problemas de

incrustação. As figuras 10 e 11 mostram também que o aumento nos níveis de cloreto

e potássio diminui ambas as temperaturas TSTK e TRD. Isto é extremamente

preocupante quando se inicia um processo de obstrução de uma caldeira, pois,

normalmente os primeiros sinais de obstrução são aumentos de temperatura dos

gases ao longo da caldeira devido à baixa troca térmica.

2.4 – Caustificação e Calcinação

“A viabilidade econômica de uma fábrica de celulose depende da capacidade da área de caustificação em converter os químicos recuperados em um licor de cozimento de qualidade apropriada com vazão suficiente e constante de maneira a permitir a produção contínua de celulose.” (GREEN e HOUGH, 1992).

O processo de caustificação possui dois objetivos básicos e de essencial importância,

que são a produção do licor branco para o cozimento dentro das especificações

requeridas para o processo e a lavagem da lama de cal gerada durante o processo de

caustificação para propiciar a sua requeima em um forno de cal. Nesta etapa fecha-se

o ciclo de recuperação, onde, a partir do licor preto fraco originado de um cozimento

anterior chega-se a um novo licor de cozimento. Na Figura 12 visualiza-se o

processo de caustificação e forno de cal.

Page 32: Apostila Basica Ciclo de Recuperacao

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FLUXOGRAMA GERAL DE CAUSTIFICAÇÃO E FORNO DE CALSmelt

Licor verde

Tanque de dissolução

Silo de cal CAL

D.C.01

D.C.05Filtrado

Dregs Águamorna

Filtro dedregs

Lavadorde dregs

Clarif icador de licor verde

Aterro sanitário

Dregs

Águamorna

Extintorde cal

Grits Caustif icadores

Poço de bombasLicor fraco fraco

D.C.03 D.C.02

Clarif icadoresde licor branco

Águamorna

Lama

Lama

Filtrado

D.C.04

Lama

Filtro delicor

Lavadorde lama

Licor brancopara o digestor

Licor branco fraco

Águamorna

Misturador de lama

Filtro delama

Forno de cal

Lama

Filtrado

Reservatóriode óleo

Cal

Licor branco fracoLicor branco fraco

Gases

Chaminé

Precipitadoreletrostático

Figura 12 - Fluxograma básico da caustificação e forno de cal.

Fonte : Cenibra

2.4.1- O Licor verde

Originado da queima do licor preto forte na caldeira de recuperação, o licor verde

escorre pelas bicas de smelt em direção ao tanque dissolvedor. No tanque dissolvedor

ocorre sua diluição com o licor branco fraco originado da lavagem de lama dando

origem ao que se chama de licor verde bruto. O licor verde bruto é composto

basicamente de carbonato e sulfeto de sódio, sendo que outros sais também estão

presentes em menores concentrações, tais como sulfato, tiossulfato e cloreto de

sódio. Neste licor não clarificado também se encontra um componente indesejável ao

processo chamado de dregs, que deve ser eliminado. O dregs é composto

basicamente de material carbonoso, sílica, sulfetos metálicos e outros sais.

Page 33: Apostila Basica Ciclo de Recuperacao

33

Para utilização no processo de caustificação, o licor verde bruto precisa passar por

um processo de clarificação, que ocorre basicamente por sedimentação em

clarificadores tradicionais, ou através de filtros pressurizados em processos mais

modernos. O dregs é então removido nesta etapa e passa por um processo de

lavagem para recuperação de álcali, sendo então filtrado e descartado.

Após este processo de clarificação, tem-se o licor verde clarificado, que é um dos

reagentes do processo de caustificação.

2.4.2- Preparo do licor branco

O carbonato de sódio presente no licor verde é inativo no processo de cozimento, e

cabe à etapa de caustificação convertê-lo em hidróxido de sódio, principal agente de

cozimento, através da adição de cal virgem.

A preparação do licor branco inicia-se em um equipamento denominado extintor de

cal. O extintor de cal compreende um tanque com agitação e uma região de

classificação que consiste de uma calha inclinada com um raspador no fundo. Nele

são alimentados o licor verde, a cal virgem e água dando início às reações de

caustificação. O licor branco bruto transborda para a calha e segue por gravidade

para os caustificadores, a próxima etapa do processo. A cal não reagida e outras

impurezas sedimentam no classificador e são então removidas. A este resíduo dá-se o

nome de grits.

Os caustificadores são tanques em série, usualmente em número de três, com

agitação, onde a reação de caustificação se completa.

A mistura licor branco e lama de cal é então bombeada para grandes tanques

chamados de clarificadores de licor branco, que operam em série, ou para filtros

pressurizados nas fábricas mais modernas. Nos clarificadores ocorre a clarificação do

licor branco através da sedimentação da lama de cal em um processo semelhante à

Page 34: Apostila Basica Ciclo de Recuperacao

34

clarificação do licor verde. Normalmente o primeiro tanque funciona como

clarificador e o segundo como estocagem do licor branco para envio ao digestor.

A qualidade do licor branco depende de um controle eficiente da reação de

caustificação, onde se atinge os valores de álcali efetivo e sulfididade desejados, e da

decantabilidade da lama. Lama com boa decantabilidade irá proporcionar um licor

com baixos valores de sólidos suspensos (menor que 40 mg/l), o que é ideal para o

cozimento. Para auxiliar no processo de clarificação do licor verde ou branco, pode-

se usar polímeros especiais que auxiliam na decantação do dregs e da lama de cal.

A lama de cal proveniente da etapa de clarificação de licor branco é bombeada ao

lavador de lama de cal, onde se adiciona água para a lavagem por diluição com o

objetivo de se recuperar o máximo de soda (NaOH) possível antes da etapa de

calcinação. Esta lavagem pode ser feita em uma unidade de decantação, filtro

pressurizado ou filtro com pré-camada a vácuo dependendo das instalações de cada

fábrica.

O filtrado desta etapa é conhecido como licor branco fraco e é enviado ao tanque

dissolvedor de fundido na caldeira de recuperação como elemento de diluição.

Opcionalmente pode-se primeiramente enviar a lama de cal proveniente da

clarificação do licor branco a um ‘filtro recuperador de licor’, normalmente a vácuo

com pré-camada, onde parte do licor branco bruto é recuperado como licor branco

clarificado.

A lama de cal lavada é então bombeada ao misturador de lama e, posteriormente, a

um filtro a vácuo para lavagem final, desaguamento e alimentação ao forno de cal.

A química do processo é relativamente simples, ocorre em duas etapas e pode ser

representada da seguinte maneira:

CaO + H2O ↔ Ca(OH)2 + 270 kcal/kg CaO (20)

Page 35: Apostila Basica Ciclo de Recuperacao

35

Ca(OH)2 + Na2CO3 + Na2S ↔ 2 NaOH + Na2S + CaCO3↓ (21)

O óxido de cálcio (CaO) reage primeiramente com a água para formar hidróxido de

cálcio Ca(OH)2, liberando uma considerável quantidade de calor. Essa reação é

conhecida como extinção de cal. O hidróxido de cálcio resultante reage então com o

carbonato de sódio do licor verde, gerando hidróxido de sódio e a lama de cal que se

precipita. Esta reação é a Caustificação propriamente dita.

Apesar das reações serem apresentadas como reações distintas e independentes, na

prática, há uma superposição das mesmas e a caustificação ocorre ao mesmo tempo

em que a extinção. Sendo as reações reversíveis, todo o carbonato de sódio não pode

ser transformado em hidróxido de sódio, qualquer que seja a quantidade de cal

adicionada. O grau de conversão atingido, denominado Eficiência da Caustificação,

é definido como a razão entre o peso do hidróxido de sódio final pela soma dos pesos

do hidróxido de sódio e do carbonato de sódio iniciais, conforme a equação 14.

Eficiência de caustificação = NaOH final / (NaOH + Na2CO3) inicial (22)

A eficiência de caustificação depende da concentração de álcali e da sulfididade do

licor branco conforme pode-se verificar através do Gráfico 5. Na prática procura-se

operar com eficiências de caustificação 5% abaixo do limite máximo estipulado no

Gráfico 5, com o objetivo de evitar a geração excessiva de lama de cal (CaCO3) no

extintor de cal.

Uma conversão máxima é desejável, pois o carbonato não convertido representa uma

carga inerte no sistema e necessidade adicional de soda cáustica. Por outro lado, o

uso de licor mais fraco para obter um maior grau de conversão significa um

incremento de custos na evaporação.

Page 36: Apostila Basica Ciclo de Recuperacao

36

Gráfico 5 - Eficiência de caustificação x álcali total titulável.

Fonte : Sanchez (2002)

A explicação de menor eficiência na caustificação com um licor mais concentrado é

que o hidróxido de sódio na solução reduz progressivamente a solubilidade do

hidróxido de cálcio, até que não existam mais íons cálcio presentes que sejam

suficientes para exceder o limite de solubilidade do carbonato de cálcio.

Um exame rigoroso de todas as variáveis que afetam a concentração ótima do licor

branco é um estudo muito complexo, mas os efeitos das diferentes concentrações de

licor sobre a caustificação são facilmente avaliadas.

2.4.3- Calcinação

A calcinação é basicamente o processo de conversão da lama de cal em cal

requeimada. Esta reação processa-se a elevadas temperaturas, acima de 800 °C, em

Page 37: Apostila Basica Ciclo de Recuperacao

37

fornos rotativos, que funcionam como reatores e como dispositivo para transferência

de calor. Os fornos são equipamentos de grandes dimensões, com comprimentos que

podem chegar a mais de 150 m e 5 m de diâmetro.

O processo compreende a filtragem da lama de cal, devidamente lavada, com o

objetivo de se atingir elevados teores de sólidos, geralmente acima de 70%. A lama

de cal filtrada é então encaminhada ao forno de cal com o objetivo de ser calcinada

dando origem novamente a cal.

A cal produzida possui impurezas e material não calcinado que podem chegar até

12% da massa total. Este fato dá origem ao conceito de cal útil, que é o produto total

da calcinação menos a carga de inertes.

A conversão da lama de cal em cal requeimada é um importante passo para a

produção do licor branco de cozimento no processo kraft e normalmente fornece

mais de 95% das necessidades de cal da fábrica. O make up pode ser realizado

através da compra de cal ou através da calcinação de calcário. Neste último caso tem-

se a desvantagem de se necessitar utilizar capacidade do forno. Normalmente os

fornos utilizam óleo ou gás como combustível, sendo que em algumas instalações, os

gases não condensáveis provenientes da evaporação e outros gases, como H2, são

utilizados como combustíveis.

Do ponto de vista químico, pode-se dividir forno de cal em quatro regiões: secagem

da lama de cal, aquecimento, calcinação propriamente dita e resfriamento.

A secagem da lama pode ser realizada em secadores de lama, que são equipamentos

acessórios aos fornos e aproveitam o calor residual dos gases da combustão ou no

interior do próprio forno, logo nos primeiros metros. A lama é aquecida em

contracorrente com os gases da combustão e com a energia armazenada em correntes

instaladas em seu interior. Os secadores de lama conferem maior eficiência

energética ao processo.

Page 38: Apostila Basica Ciclo de Recuperacao

38

A segunda etapa consiste no aquecimento da lama de cal até a temperatura de

calcinação, quando se inicia a terceira etapa com a conversão do carbonato de cálcio

em óxido de cálcio.

Na descarga do forno existe um dispositivo que realiza o resfriamento da cal

utilizando ar de combustão em contracorrente com o fluxo de produção do forno.

Este processo pode ser representado pelo Gráfico 6.

Gráfico 6 - Perfil de temperaturas do forno x posição

Fonte: Green e Hough (1992).

Do ponto de vista químico a reação é bastante simples, sendo representada por:

CaCO3 + Calor → CaO + CO2 (23)

Page 39: Apostila Basica Ciclo de Recuperacao

39

Pela reação (23) verifica-se que a calcinação também produz dióxido de carbono que

é descartado na atmosfera juntamente com os gases de combustão.

Os gases da combustão do forno de cal devem ser tratados por algum dispositivo de

retenção de material particulado antes do lançamento na atmosfera. Os limites

máximos permitidos de emissão de material particulado variam de país para país, de

estado para estado, de cidade para cidade e tendem a ser mais rígidos quão mais

próxima a fábrica está de um agrupamento populacional.

Uma visão geral do ciclo de recuperação química kraft será muito importante para se

entender as modificações impostas pela utilização do borato de sódio como agente de

autocaustificação.

Page 40: Apostila Basica Ciclo de Recuperacao

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BIBLIOGRAFIA ADAMS, T. N. et al. Kraft recovery boilers. Atlanta: TAPPI Press, [199-?]. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6023: Informação e documentação – referências – elaboração. Rio de Janeiro, ago 2002. ______. NBR 10520: Informação e documentação – apresentação de citações em documentos. Rio de Janeiro, jul 2001. CARDOSO, M. Unidade de recuperação (licor Negro, evaporadores e caldeira de recuperação) In: Curso de especialização em tecnologia de celulose, 2001, Belo Oriente. Apostila... Viçosa: UFV, 2001. FOGELHOHM, C. J.; GULLICBSEN, J. Papermaking and science technology – Book 6B – Chemical pulping. 1. ed. Helsink: Fapet Oy, 2000. GRACE, T. M. A review of char bed combustion. In: INTERNATIONAL CHEMICAL RECOVERY CONFERENCE, 2001, Whistler. Anais... Atlanta: TAPPI, 2001. 1 CD-ROM. GREEN, R. P.; HOUGH, R. Chemical recovery in the alkaline pulping processes. 3. ed. Atlanta: TAPPI Press, 1992. HUPA, M.; FREDERICK, W. J. Combustion of black liquor droplets. In: Curso de recuperação de produtos químicos, 2002, São Paulo. Apostila... São Paulo: TAPPI, 2002. HUPA, M. Recovery boiler chemical principles. In: Curso de recuperação de produtos químicos, 2002, São Paulo. Apostila... São Paulo: TAPPI, 2002. SANCHEZ, D. R. Recausticizing – principles and practice. In: Curso de recuperação de produtos químicos, 2002, São Paulo. Apostila... São Paulo: TAPPI, 2002. TRAN, H. Recovery boiler fireside deposits and plugging prevention. In: Curso de recuperação de produtos químicos, 2002, São Paulo. Apostila... São Paulo: TAPPI, 2002a.