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UNIVERSIDADE DE VORA

SEBENTA DE HIDROLOGIA

Carlos Rodrigues Madalena Moreira

Rita Guimares

VORA 2001

NDICE

1 O CICLO HIDROLGICO.......................................... 5 1.2 Consideraes gerais ..................................... 5 1.2 Equao clssica da hidrologia ........................... 6 1.3 Distribuio da gua na Terra ............................ 7 1.4 Processos e factores do ciclo hidrolgico ................ 8 1.4.1 Processos termodinmicos.............................. 8 1.4.2 Processos hidrodinmicos.............................. 9 1.5 Interveno humana no ciclo hidrolgico ................. 10 1.6 A gua no ordenamento do territrio ..................... 11 1.6.1 Recurso.............................................. 11 1.6.2 Meio receptor........................................ 11 1.6.3 Ecossistema.......................................... 11 2 A BACIA HIDROGRFICA....................................... 13 2.1 Generalidades ........................................... 13 2.2 Delimitao da bacia hidrogrfica ....................... 13 2.3 Caractersticas fisiogrficas da bacia .................. 14 2.3.1 Caractersticas geomtricas.......................... 15 2.3.2 Caractersticas do sistema de drenagem............... 16 2.3.3 Caractersticas do relevo............................ 18 2.3.4 Geologia, solos e coberto vegetal.................... 21 3 PRECIPITAO............................................... 23 3.1 Generalidades ........................................... 23 3.2 Classificao das precipitaes ......................... 24 3.2.1 Convectivas.......................................... 25 3.2.2 Orogrficas.......................................... 25 3.2.3 Ciclnicas ou frontais............................... 26 3.3 Medio das precipitaes ............................... 27 3.3.1 Aparelhos de medio da precipitao................. 27 3.3.2 Rede udomtrica...................................... 30 3.3.3 Precipitao em rea................................. 32 3.4 Distribuio espao-temporal da precipitao ............ 35 3.4.1 Estruturas espao-temporais da precipitao.......... 36 3.4.2 Tendncia da variao espacial....................... 37

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3.4.3 Postos udomtricos virtuais.......................... 39 3.5 Preenchimento de falhas nos registos .................... 40 3.5.1 Mdia aritmtica..................................... 41 3.5.2 Rcio mdio (U.S. Weather Bureau).................... 41 3.5.3 Inverso da distncia................................. 41 3.5.4 Correlao........................................... 41 3.5.5 Coeficiente angular.................................. 42 3.6 Anlise da qualidade dos dados .......................... 42 3.6.1 Verificao da consistncia.......................... 42 3.6.2 Verificao da homogeneidade......................... 45 3.7 Distribuio temporal da precipitao ................... 46 3.7.1 Anlise de sries de precipitao anual.............. 46 3.7.2 Anlise das sries de precipitao mensal............ 48 3.8 Precipitaes intensas .................................. 49 3.8.1 Introduo........................................... 49 3.8.2 Curvas de possibilidade udomtrica................... 51 3.8.3 Relao entre a precipitao, durao e a rea....... 52 3.8.4 Distribuio temporal da precipitao................ 53 4 INTERCEPO................................................ 59 4.1 Generalidades ........................................... 59 4.1 Medio e estimativa da intercepo ..................... 59 5 EVAPORAO E EVAPOTRANSPIRAO............................. 61 5.1 Definies .............................................. 61 5.2 Factores intervenientes ................................. 62 5.2.1 Factores climticos.................................. 62 5.2.2 Factores fsicos..................................... 63 5.2.3 Factores da vegetao................................ 63 5.2.4 Factores do solo..................................... 64 5.3 Medio da evaporao e da evapotranspirao ............ 64 5.3.1 Evapormetros de tina ou de tanque................... 64 5.3.2 Atmmetros........................................... 66 5.4 Clculo da evaporao por meio de balano hidrolgico ... 67 5.5 Medio da evapotranspirao ............................ 68 5.6 Clculo emprico da evapotranspirao ................... 69 5.6.1 Mtodo de Thornthwaite............................... 69

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5.6.2 Mtodo de Turc....................................... 70 5.6.3 Mtodo de Penman Modificado.......................... 71 5.6.4 Mtodo de Penman-Monteith............................ 72 5.7 Conceito de evapotranspirao cultural .................. 76 5.8 Clculo da evapotranspirao real ....................... 76 6 GUA NO SOLO: INFILTRAO PERCOLAO E DRENAGEM............ 78 6.1 Conceitos bsicos ....................................... 78 6.2 Potenciais da gua do solo .............................. 80 6.3 Movimento da gua no solo ............................... 80 6.4 Infiltrao e o escoamento superficial .................. 80 7 ESCOAMENTO SUPERFCIAL..................................... 84 7.1 Conceitos gerais ........................................ 84 7.2 Processo de escoamento .................................. 85 7.3 Componentes do escoamento ............................... 87 7.4 Factores de escoamento .................................. 89 7.5 Medio do escoamento superficial ....................... 91 7.5.1 Mtodo da seco-velocidade.......................... 92 7.5.2 Mtodo estrutural.................................... 94 7.5.3 Curva de vazo....................................... 96 7.5.4 Registo dos nveis hidromtricos..................... 98 7.5.5 Rede hidromtrica.................................... 98 7.6 Distribuio espacial do escoamento ..................... 99 7.7 Distribuio temporal do escoamento .................... 100 7.8 Estimao do escoamento na ausncia de medies ........ 104 7.8.1 Valores anuais...................................... 104 7.8.2 Valores de durao inferior anual................. 105 7.9 Estudo do hidrograma ................................... 106 7.9.1 Componentes do hidrograma........................... 106 7.9.2 Separao das componentes do hidrograma............. 107 7.9.3 Forma do hidrograma................................. 108 7.9.4 Factores que afectam a forma do hidrograma.......... 110 8 BALANO HIDROLGICO....................................... 113 8.5 Definio .............................................. 113 8.6 Modelo sequencial de balano de Thornthwaite ........... 114

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8.6.1 Introduo.......................................... 114 8.6.2 Metodologia do balano.............................. 114 9 ESTUDO DAS CHEIAS......................................... 117 9.1 Consideraes gerais ................................... 117 9.2 Factores que influenciam as cheias ..................... 117 9.3 Pr-determinao das pontas de cheia ................... 118 9.3.1 Generalidades....................................... 118 9.3.1 Frmulas empricas.................................. 118 9.3.2 Mtodos estatsticos................................ 129 9.4 Determinao de hidrogramas de cheia ................... 130 9.4.1 Hidrograma de Giandotti............................. 130 9.4.2 Hidrograma unitrio................................. 130 9.4.3 Hidrogramas unitrios sintticos.................... 135 9.5 Cheia mxima provvel .................................. 138 10 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS................................ 140 ANEXO 1...................................................... 141 ESTATSTICA E PROBABILIDADE APLICADA HIDROLOGIA............ 141

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1 O CICLO HIDROLGICO 1.2 Consideraes gerais

O ciclo hidrolgico o conceito fundamental da Hidrologia. Pode ser definido como a parte do sistema climtico relativa s propriedades hdricas dos diversos componentes: atmosfera, hidrosfera, criosfera, litosfera e biosfera, quando relacionados pelos processos de evaporao, condensao, precipitao, adveco e escoamento (Figura 1.1).

Rn ATMOSFERA Wi Wo P T E SUPERFCIE I SOLO R AGUA Qg SUBTERRNEA ? LITOSFERA Qs E Qo D R E N A G E M ? P E

Rn ATMOSFERA P RAMO AREO

Q

OCEANO

RAMO TERRESTRE

?

?

LITOSFERA

RAMO CONTINENTAL

RAMO OCENICO

I = INFILTRAO P = PRECIPITAO Q = ESCOAMENTO Qo = " SUPERFICIAL " SUBSUPERFICIAL Qs = " SUBTERRNEO Qg =

E = EVAPORAO R = RECARGA Rn = RADIAO LQUIDA T = TRANSPIRAO Wi = ADVECO OCEANO-CONTINENTE Wo = " CONTINENTE-OCEANO

Fig. 1.1 - Representao esquemtica dos subsistemas do ciclo hidrolgico(CEDEX, 1992) O termo ciclo encerra os conceitos de repetitividade e conectividade dos processos envolvidos e o termo hidrolgico delimita o campo de interveno ao estudo da gua nas mais diversas formas (slida, lquida ou gasosa), propriedades (fsicas, qumicas e por vezes biolgicas) e situaes de ocorrncia (gua superficial e gua subterrnea). O ciclo hidrolgico originado e mantido pela radiao solar e modulado pela energia potencial gravtica. O processo segundo o qual a evapotranspirao seguida pela condensao,

5

precipitao e escoamento, assegura o abastecimento continuo de gua, que assim constitui um recurso renovvel. Os fenmenos naturais que constituem o ciclo hidrolgico so: Transferncia de gua, no estado vapor, da superfcie do Globo para a atmosfera, por evapotranspirao; Transporte de gua (lquida, slida e gasosa) em resultado das circulaes locais e/ou gerais da atmosfera; Condensao parcial do vapor de gua da atmosfera em pequenas partculas lquidas e slidas, formando as nuvens e nevoeiros; Transferncia de gua (lquida, slida e gasosa) da atmosfera para o Globo por precipitao e deposio de hidrometeoros; Escoamento e reteno na superfcie ou infiltrao no subsolo da gua e consequente formao de cursos de gua e lagos, ou lenis freticos. Equao clssica da hidrologia

1.2

Em termos analticos possvel exprimir o ciclo hidrolgico atravs de uma equao geral de balano de tal modo que o balano hidrolgico total, para uma dada regio se pode traduzir por: P + N + D = So + Ss + Sg + r o + r s + E (1.1)

onde P representa a quantidade de gua recebida no Globo por precipitao (chuva e neve), N, traduz a intercepo do nevoeiro e D, a deposio de outros hidrometeoros (orvalho, geada), So, Ss e Sg, incluem as variaes das quantidades de gua correspondentes ao armazenamento superficial, do solo e dos aquferos, ro e rs representam as quantidades de gua escoada superfcie e no subsolo e, E, quantifica a gua devolvida atmosfera por evaporao e transpirao. As componentes ro e rs podem ser agrupadas num nico termo, R, quando considerados em relao seco final dos cursos de gua. Em tal situao, R representa o escoamento gerado na rea a montante de seco considerada e aglutina as componentes superficial e subterrnea. escala global os termos N, D, e Ss no tm qualquer significado e no so, por isso, considerados aquando do balano hidrolgico. Nestas condies a equao 1.1 vem bastante simplificada: P = R + E + S (1.2)

em que S agrupa as variaes de armazenamento superficial e subterrneo. Para um perodo de tempo suficientemente longo (um ou mais anos hidrolgicos), as variaes de armazenamento podem

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desprezar-se em comparao com os restantes termos da equao 1.2, donde: P = R + E 1.3 Distribuio da gua na Terra (1.3)

O volume mdio de gua na atmosfera estimado em cerca de 12 500 km3 (0.001 % dos recursos mundiais em gua) e, na sua maioria, encontra-se no estado vapor. A condensao deste vapor de gua e sua distribuio uniforme superfcie do globo ao nvel dos oceanos, representaria uma altura de gua precipitada da ordem dos 26 mm (26 l/m2). A distribuio da gua na atmosfera no homognea obedecendo a um duplo gradiente j que decresce com a latitude (cerca de 2.6% no Equador, 0.9% a 50 de latitude e s 0.2% no plos) e com a altitude (70% at aos primeiros 3.5 km, 90% nos primeiros 5 km). Imediatamente por baixo da atmosfera surge a hidrosfera. Esta compreende os mares e oceanos, lagos, zonas hmidas e pantanosas e os cursos de gua. A distribuio da gua por cada um dos constituintes da hidrosfera apresentado no Quadro 1.1. Quadro 1.1 - gua na hidrosfera (UNESCO, 1980)

Hidrosfera Mares e Oceanos Lagos Pantanos Rios Total

Volume (km3) (%) 1 338 000 000 99.99 176 400 0.01 11 470 2 120 1 338 189 990

Altura equivalente (m) 2441.61 0.32 0.02 0.0039 2441.95

A cifra correspondente aos mares e oceanos, quando comparada com o total dos recursos em gua do Globo, representa 96.5%. A gua planetria no estado slido individualizada da hidrosfera tomando a designao de criosfera. Geralmente feita a distino entre a gua correspondente aos glaciares e aquela existente em gelos subterrneos de congelao perptua. O Quadro 1.2 ilustra a repartio da gua da criosfera. Salienta-se ainda, que do montante relativo aos glaciares, 90 % corresponde aos glaciares da Antrctida. Quadro 1.2 - gua na criosfera (UNESCO, 1980)

Criosfera Glaciares Outras zonas Total

Volume (km3) 24 064 100 300 000 24 364 1007

(%) 98.77 1.23

Altura equivalente (m) 4.39 0.55 4.94

A gua contida no solo e na rochas faz parte da litosfera. Sob o ponto de vista estritamente hidrolgico, interessa considerar os primeiros 2.000 metros da crosta terrestre aos quais corresponde um volume de gua estimado em 23.400.000 km3 (174 metros de altura equivalente). Metade deste valor corresponde a gua doce situada a profundidades inferiores ao 600 metros. Mais importante em termos hidrolgicos a gua do solo j que impe fortes condicionalismos aos balanos de humidade e calor entre o solo e as suas condies fronteira (ar e aquferos). Em concreto a humidade do solo exerce marcada influncia na taxa de evaporao, no valor do albedo da superfcie e na condutividade trmica do solo. O valor da gua do solo escala planetria est estimado em 16.500 km3 (20 mm de altura equivalente). Por ltimo, pese embora o seu valor ser insignificante quando comparado escala global, que considerar a gua biolgica, isto , a gua constituinte dos organismos vivos e que constitui a biosfera. O seu montante estimado em cerca de 1.120 km3 (2 mm de altura equivalente). 1.4 Processos e factores do ciclo hidrolgico

Os processos mais directamente relacionados com o ciclo hidrolgico podem ser objecto de agrupamento em dois grandes grupos: fundamentalmente termodinmicos, quando relacionados com a evapotranspirao, a condensao, e a adveco, e processos predominantemente hidrodinmicos, quando relacionados com a precipitao e com a escorrncia. 1.4.1 Processos termodinmicos Evapotranspirao O termo evapotranspirao aglutina o conceito de evaporao, compreendendo as trocas de fase lquido-vapor, e o conceito de transpirao como resultado da actividade biolgica das plantas e animais. A estimativa do volume de gua envolvido, por ano, neste processo tendo em conta a distribuio relativa entre os oceanos e continentes, encontra-se expressa no Quadro 1.3. Quadro 1.3 - gua evaporada anualmente (UNESCO, 1980)

Oceanos Continentes Total

Volume (km3) (%) 505 000 87.52 72 000 12.48 577 000

Altura equivalente (m) 1.398 0.483 1.131

Da anlise do Quadro 1.3 ressalta a importncia dos oceanos como fonte de vapor de gua, proporcionando cerca de 87% do total de gua evaporada por ano. Este valor tanto mais significativo se

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tivermos em ateno que a superfcie ocupada pelos oceanos, no ultrapassa 71% do total da superfcie do da Terra. Condensao A condensao o processo oposto evaporao e consiste na passagem ao estado lquido do vapor de gua com a consequente libertao de calor em resultado da mudana de estado. A ocorrncia de condensao uma condio necessria, mas no suficiente, para que ocorra precipitao. 1.4.2 Processos hidrodinmicos Precipitao Entende-se por precipitao, o processo pelo qual a gua, sob a forma liquida ou slida, atinge a superfcie do Globo. Em termos globais o seu valor iguala o da evaporao, embora o Quadro 1.4 permita ressalvar diferenas claras na sua distribuio. De facto, a quantidade de a gua precipitada nos oceanos inferior em 47.000 km3 correspondente evaporao. Quadro 1.4 Valores da precipitao anual (UNESCO, 1980)

Oceanos Continentes Total

Volume (km3) (%) 458 000 79.38 119 000 20.62 577000

Altura equivalente (m) 1.268 0.799 1.131

A comparao entre os valores da precipitao anual mdia global (1131 mm) e os volumes de gua na atmosfera precipitveis em cada instante (cerca de 25 mm), permite introduzir o conceito de perodo de renovao mdio (PRM) da gua atmosfrica o qual, corresponde ao tempo, em dias, necessrio para a substituio integral da gua na atmosfera, ou seja: PRM da gua atmosfrica = 365 x 25 / 1131 = 8.1 dias O valor do PRM pode variar desde os 10 000 anos, no caso da gua constituinte dos gelos eternos subterrneos, at poucas horas no caso da gua biolgica. Adveco A adveco o processo que condiciona o movimento horizontal das massas de ar. A adveco responsvel pela transferncia do excesso da gua evaporada sobre a precipitada dos oceanos para os continentes. O seu montante anual anda pelos 47.000 km3. Escorrncia

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A gua em excesso, nos continentes, em resultado da precipitao e que no a utilizada para evaporao ou transpirao, devolvida aos oceanos por escorrncia superficial, subsuperficial e subterrnea. 1.5 Interveno humana no ciclo hidrolgico

um facto que a gua um recurso renovvel por virtude do ciclo hidrolgico. Mas trata-se tambm de um recurso limitado a necessitar de uma criteriosa gesto. Uma vez que em termos globais o volume de gua disponvel para participar no ciclo hidrolgico no varia (excluindo, por ser insignificante, a obteno de gua doce por dessalinizao da gua dos mares), a interveno do homem no ciclo hidrolgico tanto mais significativa quanto mais eficiente for a sua aco no sentido de diminuir o tempo necessrio realizao de cada ciclo e evitar perdas desnecessrias aumentando, assim, a eficincia do seu uso. O controle do ciclo hidrolgico pelo homem compreende necessariamente o encarar dos seguintes aspectos: minimizar a evaporao a partir dos continentes; acelerar a evaporao a partir dos oceanos; evitar que haja gua a participar no ciclo sem ter produzido o mximo rendimento. Se bem que no que concerne aos dois primeiros aspectos, a margem de interveno humana seja muito limitada, a capacidade para tirar partido da passagem da gua pelos continentes em proveito prprio, merece mais algumas consideraes. De facto, e embora a descarga de gua para os oceanos encerre em si uma enorme perda de gua utilizvel, este processo sem dvida aquele em cujo o homem mais tem intervido atravs da criao de lagos artificiais. Os grandes aproveitamentos hidrulicos tiram partido do ciclo hidrolgico na medida em que, controlando o escoamento, possibilitam o uso da gua para diversos fins: produo de energia, abastecimento de populaes e industrias, rega, controlo de cheias, actividades ldicas, etc. O reverso desta prtica, reside no consequente aumento da evaporao em resultado do aumento das superfcies livres evaporantes. Um caso pragmtico foi o que aconteceu com a construo da barragem de Assuo, no rio Nilo que possibilitou a reduo drstica do caudal afluente ao Mediterrneo mas, cuja albufeira passou a induzir perdas por evaporao enormes (da ordem dos 24 x 109 m3 por ano ou seja cerca de 1/4 do caudal mdio em regime natural). O controle do ramo areo do ciclo hidrolgico tem sido tentado atravs da induo artificial da precipitao. Este processo consiste na injeco nas nuvens de substncias (neve carbnica, iodeto de prata etc.) que actuam como ncleos de condensao capturando as molculas de gua, quando a atmosfera est saturada, possibilitando a formao de gotculas cada vez maiores, at darem origem a precipitao. No entanto, at agora

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este processo tem dado poucos frutos e alterado a velocidade do ciclo hidrolgico. 1.6 A gua no ordenamento do territrio

portanto

pouco

tem

A interveno do elemento gua no ordenamento do territrio processa-se a trs nveis: como recurso, como meio receptor e como constituinte fundamental do ecossistema. 1.6.1 Recurso A inventariao das disponibilidades hdricas condio basilar para um apropriado ordenamento do territrio no sentido do desenvolvimento sustentvel. Para alm da quantificao dos recursos disponvel fundamental a sua classificao qualitativa em funo do uso a que se destina e o conhecimento preciso da sua localizao e distribuio espacial. Na caracterizao do recurso gua factor essencial a considerao do seu regime de ocorrncia e a taxa de renovao quer em termos anuais como em termos interanuais. 1.6.2 Meio receptor As alteraes qualitativas das massas de gua resultam da adio de elementos estranhos e da contaminao por bactrias e vrus. Estas alteraes provocam impactes ambientais significativos e condicionam a sua utilizao. Por fora da sua capacidade de autodepurao, os meios hdricos funcionam como um receptor privilegiado para os desperdcios resultantes da industrializao mais ou menos acentuada das sociedades actuais. Os oceanos acabam, em ltima instncia, por funcionarem como mega estaes de tratamento de guas residuais (ETAR) mas, para as quais no possvel retirar tratar periodicamente as lamas. Os elementos nocivos acumulados nos sedimentos (fenis, metais, detergentes, etc.) acabem por contaminar toda a cadeia alimentar. A capacidade de depurao dos meios hdricos depende fortemente da sua condio de recurso superficial ou subterrneo j que apresentam perodos de renovao mdia muito diferentes. Um acidente de poluio num rio tem um caracter de severidade agudo, se excluirmos os efeitos perversos da poluio dos sedimentos, o qual se traduz por uma recuperao relativamente rpida em resultado da lavagem para os oceanos. Em contrapartida a poluio de um aqufero assume um cariz mais gravoso por ser muito difcil a sua recuperao em resultado da sua reduzida mobilidade traduzida por perodos de renovao mdia muito elevados (dezenas a centenas de anos). 1.6.3 Ecossistema A importncia da gua como suporte dos ecossistemas por demais conhecida. Qualquer uso que dela se faa deve pressupor a no

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adulterao das suas caractersticas fsicas, ecolgicas por forma a preservar o biota aqutico.

qumicas

e

No meio aqutico, as bactrias convertem a matria orgnica em inorgnica cuja forma utilizada pelas algas para o seu desenvolvimento. Estas por sua vez alimentam o zooplancton, constituinte principal da dieta dos peixes., os quais, por sua vez, constituem uma importante fonte de protena para o homem.

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2 2.1

A BACIA HIDROGRFICA Generalidades

Por bacia hidrogrfica de um curso de gua entende-se a rea de captao natural da gua precipitada, cujo escoamento converge para uma seco nica de sada seco de referncia. A precipitao que cai sobre as vertentes tende a infiltrar-se totalmente no solo at sua saturao superficial. A taxa de infiltrao decresce e, se a precipitao no cessar, comea a ser cada vez maior o escoamento superficial em direco rede hidrogrfica. Esta, por sua vez, encarregar-se- de transportar a gua at seco de sada. Na seco de referncia o hidrograma resultante incorpora, para alm do escoamento superficial, tambm a contribuio subterrnea, em regra desfasada no tempo relativamente ocorrncia da precipitao. Na Figura 2.1 apresenta-se, a titulo de exemplo, a bacia hidrogrfica do rio Mondego com realce para a sua rede hidrogrfica.

Seco de referncia Linha de contorno

Fig. 2.1 Bacia do rio Mondego 2.2 Delimitao da bacia hidrogrfica

Em terrenos impermeveis ou impermeabilizados pela aco do homem, os limites das bacias hidrogrficas coincidem com as linhas de cumeada (ou de festo, ou de separao de guas). Em solos permeveis, a existncias de escoamentos subterrneos torna a delimitao das bacias menos linear. Nas situaes em que se verifique a existncia no subsolo de formaes crsicas ou de origem vulcnica, a linha de contorno topograficamente definida - linha de separao de guas superficial - pode diferir consideravelmente da linha de separao de guas subterrnea (Figura 2.2.). Em bacias de reduzida dimenso, o acrscimo para escoamento das bacias adjacentes em resultado da no coincidncia entre as linhas de separao de guas superficial e subterrnea, pode ser

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percentualmente significativo. Nas grandes bacias, a importncia dos acrscimos ou decrscimos de escoamento resultantes desta forma geralmente pequena.

Limite do escoamento Limite do escoamentoEsc. subterrneo

Nvel impermevel

Fig. 2.2 Limites dos escoamentos superficial e subterrneo Em termos prticos, por uma questo de facilidade, a delimitao das bacias hidrogrficas faz-se com recurso apenas topografia dos terrenos. Nesse processo h que respeitar um conjunto de regas, a saber: a) Escolher uma escala adequada como ordem de grandeza, pode admitir-se que para uma bacia com 1000 km2 de rea, a escala 1:25 000 ser adequada, para bacias menores, a escala 1:10 000 e maiores, a escala 1:50 000. b) A linha de contorno (ou divisria) perpendicularmente as curvas de nvel. deve cortar

c) Na passagem de uma curva de nvel para outra, se a altitude aumenta, ento a linha de contorno corta a curva de nvel pela sua parte convexa, se a altitude diminui, as curvas de nvel so cortadas pela sua parte cncava. d) A linha divisria no pode cruzar os cursos de gua, salvo no local da seco de referncia da bacia. 2.3 Caractersticas fisiogrficas da bacia

Consideram-se caractersticas fisiogrficas de uma bacia hidrogrfica aqueles elementos que podem ser retirados a partir de cartas, fotografias areas ou imagens de satlite. Hidrologicamente interessa caracterizar a bacia em termos geomtricos, relativamente ao sistema de drenagem e do relevo, e no que concerne a outros aspectos igualmente condicionantes do comportamento hidrolgico da bacia como, por exemplo, a sua constituio geolgica, o tipo de solos presentes e cobertura vegetal predominante. A caracterizao assim efectuada permite encontrar afinidades entre as diferentes bacias hidrogrficas e consequentemente regionalizar alguns dados e parmetros hidrolgicos.

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2.3.1 Caractersticas geomtricas A principal caracterstica geomtrica a considerar a rea de drenagem, A. Esta deve resultar da projeco horizontal da bacia uma vez definidos os respectivos contornos. A rea normalmente expressa em km2 ou hectares. A caracterizao da forma das bacias hidrogrficas prende-se com a sua maior ou menor propenso a concentrar o escoamento superficial em resposta ocorrncia de precipitaes intensas. Numa bacia arredondada a ocorrncia de eventos de cheias mais acentuada j que a forma favorece a maior concentrao do escoamento, em contraponto ao que se passa se a bacia for alongada. No sentido de quantificar a forma das bacias, pode recorrer-se a alguns ndices quantitativos: a) ndice de compacidade (ou ndice de Gravelius), Kc relao entre o permetro da bacia, P, e o permetro de uma bacia com igual rea, A, mas, com forma circular. A rea e o permetro da bacia circular sero 2 respectivamente, A = r e P = 2r , logo:

K c = 0.282

P A

com P (km); A (km2)

(2.1)

Este coeficiente adimensional no dependendo o seu valor do tamanho da bacia. No mnimo igual unidade o que corresponderia estarmos em presena de uma bacia circular. Por isso, e em igualdade dos restantes factores, a tendncia para grandes cheias mais marcada em bacias com Kc prximos da unidade. Valores de Kc iguais ou inferiores a 1.13 traduzem, geralmente, bacias arredondadas. b) factor de forma, Kf traduz a relao entre a largura mdia, l, e o comprimento da bacia, L. A largura mdia da bacia definida pela razo entre o comprimento da bacia e a sua rea, A. Assim, Kf ser:

Kf =

l A = 2 L L

(2.2)

Uma bacia com um factor de forma baixo encontra-se menos sujeita ocorrncia de cheias, que outra do mesmo tamanho, mas com um factor de forma maior, j que na bacia alongada a probabilidade de ocorrncia de chuvas intensas cobrindo a totalidade da bacia pequena. Por outro lado, em tal bacia, a contribuio de cada uma dos afluentes chega ao curso de gua principal e consequentemente seco de referncia, em tempos desencontrados atenuando, assim, os picos de escoamento. No limite Kf ser igual a um, correspondendo a uma bacia quadrada.

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2.3.2 Caractersticas do sistema de drenagem 2.3.2.1 Constncia do escoamento Os cursos de gua podem ser classificados em trs grandes categorias, tendo em conta o seu regime de escoamento: efmeros, intermitentes e perenes. Um curso de gua diz-se efmero quando transporta apenas escoamento superficial, em resposta a um evento de precipitao. Os perodos de escoamento so curtos e ocorrem durante ou imediatamente aps a ocorrncia da chuvada. No h qualquer contribuio subterrnea para o escoamento porque as subidas do nvel fretico nunca atingem o leito (Figura 2.3a). Intermitentes a classificao que recebem aqueles cursos de gua que geralmente escoam durante a estao hmida, mas acabam por secar no perodo estival. Durante o perodo das chuvas o nvel fretico sobe acima do nvel inferior do leito escoando, por isso, gua de origem subterrnea e superficial. Durante a poca seca, o nvel fretico desce para alm do nvel do leito, o escoamento acaba por cessar, ocorrendo apenas em resultado de chuvadas pontuais (Figura 2.3b). Os cursos de gua perenes escoam gua durante todo o ano. Nas nossas condies, onde praticamente no chove durante a estao seca, o escoamento mantido graas s reservas subterrneas, que vo alimentando continuamente o curso de guas, mesmo durante as secas mais severas (Figura 2.3c).

a)

b)

c)

Fig. 2.3 - Regime de escoamento dos cursos de gua 2.3.2.2 Classificao dos cursos de gua A necessidade de rpida localizao e identificao dos cursos de gua constituintes da rede hidrogrfica de uma regio ou Pas, tem levado ao estabelecimento de classificaes que traduzam o seu grau de ramificao ou bifurcao. Existem muitas e variadas maneiras de classificar as linhas de gua. Em Portugal utilizada uma classificao decimal proposta pela extinta Direco-Geral dos Recursos e Aproveitamentos Hidrulicos que agrupa o Pas em sete regies hidrogrficas classificadas com nico nmero de um digito - 1 a 7. Os rios principais dentro da regio so classificados com dois nmeros,16

o primeiro relativo regio e o segundo, com dois dgitos, atribudo a cada rio principal dentro de regio (rios principais de uma regio desaguam no mar). Aos afluentes de primeira ordem de cada rio principal, acrescentado um terceiro nmero par, se corresponderem a afluentes da margem direita ou impar, para os afluentes da margem esquerda e assim sucessivamente de jusante para montante (DGRAH, 1980). Ex.: A classificao decimal do rio Corvo 7.01.11.01 e corresponde a localiza-lo na regio hidrogrfica 7 (Mondego e Vouga), na bacia hidrogrfica do rio principal 01 (rio Mondego), na dcima primeira sub-bacia da margem esquerda do rio Mondego 11 (rio Ceira), como o primeiro afluente esquerdo do rio Ceira 01.Esta classificao foi estabelecida para a escala 1:250 000 no pressuposto de classificar apenas as bacias com reas superiores a 5 km2, j que as de menor rea, salvo algumas excepes pontuais, tm reduzido interesse hidrolgico. 2.3.2.3 Densidade de drenagem Caracterizar a rede de drenagem de uma bacia hidrogrfica passa tambm por quantifica-la na sua extenso. Esta quantificao faz-se com recurso a um ndice que relaciona o comprimento total, Lt , dos cursos de gua, (sejam eles perenes, intermitentes ou efmeros) com a respectiva rea de drenagem, A este ndice d-se o nome de densidade de drenagem Dr:

Dr =

Lt A

(2.3)

A densidade de drenagem fornece uma boa indicao da eficincia da drenagem natural da bacia. Em termos genricos, os valores da densidade de drenagem variam entre 0.5 km/km2, para bacias mal drenadas, e 3.5 km/km2 ou mais, para bacias excepcionalmente drenadas. Estas ltimas, e em igualdade dos restantes factores, acabam por corresponder a bacias com maior tendncia para a ocorrncia de cheias, ao favorecerem o transporte da gua em detrimento da infiltrao. 2.3.2.4 Extenso mdia do escoamento superficial O percurso mdio do escoamento superficial, Ps , numa bacia, traduz a distncia mdia, em km, que a gua da chuva tem que percorrer at atingir o curso de gua mais prximo. O seu valor aproximadamente um quarto do inverso da densidade de drenagem:

Ps =

1 A 4 Lt 4 Dr

(2.4)

17

2.3.3 Caractersticas do relevo 2.3.3.1 Hipsometria A caracterizao hipsomtrica uma bacia hidrogrfica passa pela quantificao das reas por classes de altitudes, estabelecendo, assim, a distribuio das respectivas frequncias altimtricas. O modo mais usual de fazer esta caracterizao consiste em graficamente, representar a funo A = f (Z) a qual traduz a rea da bacia acima da altitude Z , expressa em unidades de rea ou em percentagem da rea total - curva hipsomtrica da bacia (Figura 2.4).2000 1800 1600 1400 1200 1000 800 600 400 200 0 1 200 1 600 2 000 2 400 2 800 3 200 3 600 4 000 4 400 4 800 5 200 5 600 6 000 6 400 6 800 400 800 0

Altitude (m)

r e a (k m 2)

Fig. 2.4 Curva hipsomtrica da bacia do Mondego Actualmente, com recurso cartografia digital e s ferramentas associadas aos Sistemas de Informao Geogrfica (SIG), o estudo da hipsometria dos terrenos passou a ser facilitado devido existncia de cartografia hipsomtrica. A titulo de exemplo veja-se a Fig. 2.5 obtida a partir da carta topogrfica da bacia hidrogrfica do rio Mondego.

Fig. 2.5 Carta hipsomtrica da bacia do Mondego

18

2.3.3.2 Altitude e altura mdia A altitude mdia, Z (m), resulta do somatrio dos produtos da

altitude mdia entre duas curvas de nvel consecutivas, Zi , e do valor da respectiva rea, Ai, pelo valor da rea total da bacia, A:

Z=

Z Ai

i

A

(2.5)

Da mesma forma se define a altura mdia, H , considerando nesse caso a referncia de origem das alturas, a cota da seco de referncia da bacia, Zmin. Assim temos:

H =

H Ai

i

A

= Z Z min

(2.6)

2.3.3.3

Perfil longitudinal

O perfil longitudinal do curso de gua relaciona, em cada ponto, as cotas do seu leito com a distncia do ponto foz. No traado grfico do perfil longitudinal usual assinalar os acidentes mais relevantes ( barragens, e audes, confluncias, etc.). Na Figura 2.6 apresentado o perfil longitudinal do rio Mondego.

Fig. 2.6 Perfil longitudinal do rio Mondego (Lencastre,1984) 2.3.3.4 Declive mdio do rio Este valor obtido tendo em conta a diferena de altitudes (ou entre o ponto mais elevado e o ponto mais baixo alturas), Z do curso de gua principal e o seu comprimento total, L:

Dm =

Z 1000L

(2.7)

com Z em metros e L em km.

19

2.3.3.5 ndice de declive da bacia A determinao da declividade mdia da bacia encontra-se hoje facilitada com recurso aos SIG e cartografia digital. As ferramentas SIG, possibilitam a obteno do Modelo Digital do Terreno (MDT), a partir dos elementos topogrficos e da rede hidrogrfica, e da, determinar um valor de declive associado a cada uma das malhas constituintes do MDT. O declive mdio da bacia pode, ento, ser determinado estatisticamente a partir daqueles valores. Na ausncia de meios para realizao do procedimento supra referido existem, definidos na bibliografia, alguns ndices de declive para a bacia desde que, previamente, se determine o correspondente rectngulo equivalente. O rectngulo equivalente de uma bacia hidrogrfica definido como o rectngulo cuja rea e permetro coincidem com a rea e permetro da bacia. O comprimento, Le, e a largura, le, do rectngulo equivalente de uma bacia de rea A e permetro P, obtm-se a partir do seguinte sistema de equaes: Le le = A 2 (Le + le) = P A resoluo deste sistema de equaes em funo de Le e le, permite obter:

P + P 2 16 A Le = 4le = P P 2 16 A 4

(2.8)

(2.9)

Na Figura 2.7 apresenta-se o rectngulo equivalente do bacia do Mondego.

Fig. 2.7 Rectngulo equivalente da bacia do Mondego (Lencastre, 1984)

20

Paralelamente ao lado menor do rectngulo encontram-se traadas as curvas de nvel. A distncia, Xi, que separa duas curvas de nvel consecutivas, directamente proporcional rea, ai, entre elas, tal que:

xi =

ai leda bacia, o

(2.10) ndice de

Conhecido o rectngulo equivalente declive, Id, pode ser obtido por:

Id =

Z

Ai A 1000 Lei

(2.11)

onde Zi e Ai representam, respectivamente, a diferena de altitude e a rea entre duas curvas de nvel consecutivas. O valor de Zi constante e igual equidistncia, excepo do primeiro valor, que corresponder diferena entre o ponto de cota mais baixa e a primeira curva de nvel, e do ltimo valor, relativo diferena entre o ponto de maior cota e a ltima curva de nvel da bacia. 2.3.4 Geologia, solos e coberto vegetal

As caractersticas geolgicas da bacia condicionam fortemente a gerao da rede de drenagem, o tipo de solo presente e consequentemente a distribuio e o movimento da gua na bacia. O regime de escoamento da bacia, em igualdade de outros factores, tanto mais constante quanto maior for a permeabilidade dos seus solos e formaes geolgicas (porque favorecido o armazenamento nos aquferos) e, pelo contrrio, mais irregular, com hidrogramas caracterizados por picos acentuados em resposta s chuvadas, quando a permeabilidade baixa. As caractersticas dos solos que mais condicionam o movimento da gua na bacia so as suas capacidade de infiltrao (geralmente crescente com a granulometria) e a capacidade de reteno (geralmente crescente com a diminuio da granulometria. A considerao do coberto vegetal da bacia e do uso do solo, factores que condicionam fortemente o escoamento e a infiltrao, tem tambm grande importncia na anlise do comportamento hidrolgico das bacias hidrogrficas. Nas Figuras 2.8, a 2.10 representam-se, para a bacia do Mondego, as cartas de solos, do coberto vegetal e das principais unidade hidrogeolgicas.

21

Fig. 2.8 Solos da bacia do Mondego

Fig. 2.9 Coberto vegetal da bacia do Mondego

Fig. 2.10 Principais unidades hidrogeolgicas da bacia do Mondego

22

3 3.1

PRECIPITAO Generalidades

Por precipitao entende-se toda a gua meterica que, provindo do vapor de gua da atmosfera, atinge a superfcie do Globo. Por gua meterica, deve entender-se aquela constituinte da chuva, chuvisco, aguaceiro, neve, granizo, orvalho e geada. Pela sua importncia no gerar do escoamento, a chuva o tipo de precipitao mais importante em hidrologia. A quantidade de precipitao numa regio fundamental para a determinao, entre outros, das necessidades de rega de culturas ou do abastecimento domstico e industrial. A intensidade de precipitao importante para a determinao das pontas de cheia e determinante nos estudos de eroso. As caractersticas principais da precipitao so o seu total, a durao e o modo como se distribui no espao e no tempo. A quantidade de precipitao s tem significado quando associados a uma durao. Por exemplo valores de 100 mm podem representar pouco para num ms da estao hmida, mas j bastante se ocorrer num dia e uma excepcionalidade se verificado numa hora. A ocorrncia de precipitao um fenmeno puramente aleatrio que no possibilita previses com grande antecedncia. Por isso, o tratamento dos dados de precipitao passa, na maioria dos casos, por aplicao de tcnicas de inferncia estatstica no sentido de estimar a magnitude dos eventos pluviosos em funo de uma dada probabilidade de ocorrncia. Para que haja precipitao, necessrio que ocorra um desequilbrio trmico ao nvel das nuvens provocado pela condensao do vapor de gua, sempre que a temperatura dese a baixo do ponto de saturao da massa de ar. Todavia, a condensao, s por si, no conduz a um aumento das gotas de gua ao ponto de se verificar o seu desprendimento e queda, pela aco da gravidade. necessrio que ocorra em simultneo a fuso sucessiva das micro gotas, que vo assim aumentando de tamanho processo de coalescncia directa. Para que a chuvada se efective com uma durao determinada, fundamental a convergncia horizontal do vapor de gua no sentido das camadas atmosfricas sob as nuvens. Deste modo, a gua liquida acumulada junto nuvem para posterior reposio das perdas, medida que esta vai precipitando. Se o mecanismo de convergncia horizontal diminui ou eventualmente troca de sentido (divergncia), a precipitao reduz-se ou cessa, podendo no caso de haver divergncia, verificar-se um fenmeno de dissipao da nuvem. A Figura 3.1 procura esquematizar o mecanismo de precipitao acima descrito.

23

MECANISMO DA PRECIPITAOARREFECIMENTO DA MASSA DE AR ABAIXO DO SEU PONTO DE SATURAO

CONDENSAO DO VAPOR DE GUA: DIFERNA DE TAMANHO ENTRE GOTAS DA NUVEM; DIFERNA DE TEMPERATURA ENTRE REGIES PRXIMA DA NUVEM; COEXISTNCIA, NUMA REGIO DA NUVEM, DE GOTCULAS DE GUA E CRISTAIS DE GELO; NCLEOS DE CONDENSAO SALINOS

COALESCNCIA DIRECTA: ATRACO ELECTROSTTICA DAS GOTAS DA NUVEM CARREGADAS ELECTRICAMENTE; EFEITOS DE INDUO PROVOCADOS PELO DESLOCAMENTO DAS GOTAS NO CAMPO MAGNTICO TERRESTRE; ATRACO HIDRODINMICA ENTRE DUAS GOTAS PRXIMAS E EM MOVIMENTO RELATIVO FACE AO AR ENVOLVENTE; MICROTURBULNCIA QUE PROVOCA COLISES ANLOGAS S QUE IMPLICAM A TEORIA CINTICA DOS GASES; CAPTURA DE FINAS GOTCOLAS POR GOTAS MAIORES EM QUEDA ATRAVS DA NUVEM.

CONVERGNCIA HORIZONTAL DE VAPOR DE GUA

PRECIPITAO NO SOLOFig. 3.1 Sequncia dos processos envolvidos no mecanismo da precipitao (Rodrigues, 1986) 3.2 Classificao das precipitaes

Dependendo do mecanismo que condiciona a elevao do ar hmido at camadas mais frias da atmosfera, assim as precipitaes so classificadas em convectivas, orogrficas e frontais ou ciclnicas.

24

3.2.1 Convectivas As precipitaes convectivas so aquelas que tm origem fruto do aquecimento directo de uma massa de ar sobre a superfcie terrestre (Figura 3.2). Regista-se ento, uma brusca ascenso de ar menos denso que atingir a sua temperatura de condensao com a consequente formao das nuvens e, muitas vezes, originando precipitao. As chuvadas convectivas so caractersticas das regies tropicais ocorrendo tambm nas nossas condies durante o Vero. So geralmente chuvas de grande intensidade e reduzida durao, muito localizadas e normalmente acompanhadas de trovoadas. A sua ocorrncia conduz a inundaes nas bacias hidrogrficas de reduzida dimenso.

ar aquecido Fig. 3.2 - Processo convectivo da precipitao 3.2.2 Orogrficas Tal como o seu prprio nome induz, a orografia tem aco preponderante na sua gnese. Ocorrem quando, impelida pelo vento, uma massa de ar encontra uma cadeia montanhosa que a obriga a ascender por deslizamento sobre as vertentes at arrefecer abaixo do ponto de saturao formando as nuvens e posteriormente, dando origem precipitao (Figura 3.3). As precipitaes de origem orogrfica traduzem-se por chuvadas de reduzida intensidade embora possam prevalecer por largos perodos de tempo. As encostas orientadas a barlavento (voltadas ao vento) acabam por registar valores de precipitao bastante elevados quando comparados com as encostas de sotavento, porque a maior parte da humidade descarregada durante a ascenso. Este facto leva a que a sotavento se criem, em certos casos, zonas semi-ridas efeito da chamada sombra pluviomtrica porque ao chegarem a tais zonas, as massas de ar encontram-se j exauridas da humidade.

25

sotavento ar Hmido colina hmido

barlavento

Fig. 3.3 - Processo orogrfico da precipitao 3.2.3 Ciclnicas ou frontais So precipitaes associadas passagem de perturbaes ciclnicas podendo a ascenso do ar ser provocada por uma depresso baromtrica ou pelo contacto entre duas massas de ar, uma quente e outra fria (Figura 3.4). As chuvas de origem ciclnica ou frontal so de grande durao, com intensidades mdias, mas afectando grandes reas. Por vezes so acompanhadas por ventos fortes de circulao ciclnica. A sua grande durao acaba por conduzir, muitas vezes, formao de cheias em grandes bacias. No territrio portugus as precipitaes ciclnicas encontram-se condicionadas pela depresso que no Inverno tende a formar-se na regio dos Aores, em oposio ao centro de altas presses anticiclone dos Aores caracterstico do perodo estival.

Fig. 3.4 Processo frontal de precipitaes (Lencastre, 1984)

26

3.3

Medio das precipitaes

Qualquer superfcie que retenha a gua da chuva pode, na prtica, servir para a quantificar o montante de precipitao verificado num determinado local. Quanto se divide o total precipitado pelo tempo de durao daquele evento, obtemos a intensidade da respectiva chuvada. A quantidade de precipitao, P, expressa em milmetros (mm) e traduz a quantidade de precipitao correspondente a um volume de um litro por um metro quadrado de superfcie (1 mm = 1 l/m2 = 10 m3/ha =1000 m3/ km2). A intensidade mdia de precipitao, im, normalmente expressa em milmetros por hora (mm/h) tal que: im = P / t (3.1)

com P e t representando, respectivamente, o total precipitado (mm) num determinado intervalo de tempo (horas). Numa situao limite, traduzida pela aproximao a zero da durao da chuvada, podemos definir uma intensidade instantnea de precipitao, i: i =

P / t

(3.2)

3.3.1 Aparelhos de medio da precipitao A necessidade de comparao dos valores de precipitao entre os diversos locais, levou padronizao dos equipamentos de medida. Surgiram, assim, os udmetros ou pluvimetros padronizados. Estes aparelhos possibilitam a medio discreta da precipitao. So normalmente constitudos por: anel circular que limita a rea de recepo; funil cuja projeco constitui a superfcie receptora (100 a 1000 cm2); recipiente para acumulao de gua; proveta graduada.

Na Figura 3.5, apresentam-se desenhos esquemticos de equipamentos clssicos para medio de precipitaes comuns em Portugal. As medies de rotina num udmetro so realizadas diariamente s 9:00 horas TMG. Nestas condies os valores diariamente registados so os acumulados nas 24 horas anteriores e o parmetro medido a precipitao diria. Em situaes excepcionais e quando se pretende obter quantidades ou intensidades de precipitao inferiores s dirias, o intervalo entre observaes dos udmetros pode ser encurtado.

27

Fig. 3.5 - Udmetros Os registos contnuos da precipitao [P = P(t)] so obtidos com recurso aos udgrafos ou pluvigrafos. Nestes aparelhos, a proveta de medida substituda por mecanismos de registo grfico, das quantidades de precipitao (relgio, tambor, aparo). Os mais comuns so os de bia sifo e os basculantes cujos o princpios de funcionamento se procuram ilustrar nas Figuras 3.6 e 3.7.

Fig. 3.6 - Udgrafo de bia e sifo

28

Fig. 3.7 - Udgrafo de bscula O registo grfico de um udgrafo toma o nome de udograma. Na Figura 3.8 apresenta-se o registo grfico de um udgrafo de bia sifo relativo ao temporal de 15 a 17 de Novembro de 1967 na regio de Lisboa. Registe-se que este temporal levou ocorrncia de inundaes graves na bacia do Alenquer e Trano com dezenas de vtimas mortais.

Fig. 3.8 - Udograma do temporal de Novembro de 1967: estao de S. Julio do Tojal. (Lencastre, 1984) O tratamento dos dados de precipitao medidos pelos udgrafos um processo muito demorado e trabalhoso, uma vez que obriga leitura dos respectivos udogramas atravs de mesas e de programas prprios de digitalizao.

29

Actualmente, com o advento das novas tecnologias, os udmetros vem munidos com sistemas de aquisio de dados (data logger) que disponibilizam a informao j no formato digital, quer localmente quer remotamente, quando acoplados a um sistema de teletransmisso (rdio, telefone, GSM, satlite, etc.). Os registos podem, ento ser descarregados directamente nas bases de dados, sem necessidade de prvio processamento. A Figura 3.9, apresenta um exemplo de udmetro automtico com registo analgico/digital, e que cada vez mais vem substituindo os udmetros e udgrafos clssicos.

Fig. 3.9 - Udmetro automtico 3.3.2 Rede udomtrica O conjunto de aparelhos de medida da precipitao associados a uma regio constitui a rede udomtrica. A densidade da rede udomtrica (n. de udmetros por 1000 km2) depende dos objectivos que presidem a sua instalao. Assim, quando se pretende apenas a caracterizao meteorolgica ou climtica da regio, a densidade utilizada menor que aquela necessria para uma correcta caracterizao hidrolgica dos locais. Como exemplo refira-se o que se passa com a rede do Instituto de Meteorologia(IM), com cerca de 100 postos udomtricos, suficientes para caracterizar, em termos meteorolgicos o Pas, quando comparada com a rede udomtrica da responsabilidade das Direces Regionais do Ambiente e Ordenamento do Territrio (DRAOT) e Instituto da gua (INAG), fundamental para a caracterizao das disponibilidades hdricas e que, por isso, constituda por cerca de 700 postos. A Figura 3.10, mostra a distribuio espacial da totalidade dos postos de determinao da precipitao constituintes da rede udomtrica actualmente em operao em Portugal continental. A densidade mdia da rede de 10/1000km2.

30

Fig. 3.10 - Rede udomtrica do continente A instalao de cada um dos udmetros no locais definidos pela rede, obedece a um conjunto de regras padro. Os locais de instalao devem estar desimpedidos de obstculos que, de algum modo, possam influenciar as quantidades de precipitao captadas pela rea de recepo do udmetro. Salvo excepes, a altura da boca do udmetro, em relao ao terreno, no deve ser superior a 1.5 metros, nem inferior a 0.5 metros. A distncia aos obstculos mais prximos deve ser, no mnimo, 2 vezes superior altura do respectivo obstculo (Figura 3.11).

31

Fig. 3.11 - Directivas mnimas para a localizao de uma estao udomtrica. 3.3.3 Precipitao em rea Os udmetros implantao. parmetro. As aos satlites medem a precipitao registada no seu local de Constituem assim, medies pontuais daquele medies em rea so tambm possveis com recurso e radares meteorolgicos.

Atravs da informao obtida por satlite, possvel observar o deslocamento das grandes massas de ar na atmosfera e estimar fenmenos convectivos resultantes da transformao hipottica do vapor de gua existente numa coluna da atmosfera, em gua liquida, associada a uma determinada rea. Com recurso ao radar, possvel caracterizar eventos de precipitao mais em pormenor e de forma continua, tanto no espao como no tempo. O radar fornece uma medida volumtrica da precipitao, com grande detalhe espacial tanto na direco horizontal como vertical. O recurso a esta ferramenta para quantificao da precipitao em rea necessita de prvia calibrao a partir da rede udomtrica. Uma das principais vantagens que advm da utilizao do radar em termos hidrolgicos, reside na possibilidade de prever, por antecipao de alguma horas, a ocorrncia de precipitao, estimar a sua magnitude e o sentido de deslocamento das superfcies frontais. A Figura 3.12 mostra uma imagem de radar relativa a um evento pluvioso, obtida a partir de um radar instalado na zona do aeroporto da Portela em Lisboa. A precipitao em rea pode, todavia, ser estimada a partir dos dados pontuais recolhidos nas estaes udomtricas e udogrficas. Pode-se recorrer a uma mdia simples dos valores dos postos contidos na rea em causa, ou ento, ponderar a influncia de cada posto tendo em conta a sua distribuio espacial.

32

Fig. 3.12 - Padres de precipitao obtidos atravs do radar O recurso a uma mdia simples s justificvel quando no exigido rigor de clculo, quando a rede udomtrica uniformemente distribuda no espao relativamente rea em questo e, nas condies de as precipitaes mdias de cada posto no diferirem significativamente. Preferencialmente, deve ser sempre ponderada a influncia que cada posto exerce na rea em estudo. A precipitao ponderada ento, obtida por:

P =ai A

1

N

ki pi

(3.3)

com ki =

em que P, traduz a precipitao na rea, A, em anlise, N, o nmero de postos influentes, ki o factor de ponderao do posto i, pi a precipitao no posto i, ai , a rea de influncia do posto i; O factor de ponderao de cada posto pode ser obtido por vrios mtodos com destaque para: mtodo dos polgonos de Thiessen, mtodo das isoietas e mtodo dos polgonos de Thiessen modificados. Mtodo dos polgonos de Thiessen Este mtodo baseia-se no pressuposto de atribuir o mesmo valor de precipitao registado no udmetro, a todos os pontos cuja distncia aquele udmetro menor que a qualquer outro da rede. As reas de influencia so obtidas a partir de uma malha de polgonos formados pelas mediatrzes dos lados dos tringulos com vrtices nos postos udomtricos(Figura 3.13). O polgono que contm um posto udomtrico, limita a rea de influncia desse

33

posto, dentro da qual se considera a precipitao uniforme e igual que nele se regista. O valor de ki para cada posto udomtrico, resulta da razo entre a rea do polgono de influncia e a rea total.

Fig. 3.13 - Traado dos polgonos de Thiessen Mtodo da isoietas o recurso a este mtodo, obriga ao traado de linhas de igual valor de precipitao durante um determinado intervalo de tempo isoietas (Figura. 3.14). O valor de ki ento, obtido pela razo entre a rea entre duas isoietas consecutivas e a rea total, pi, resulta da mdia entre duas isoietas contguas.

Fig. 3.14 - Isoietas num dado ano hidrolgico

34

Mtodo dos polgonos de Thiessen modificado Trata-se de um mtodo misto relativamente aos anteriores, no qual o valor de ki multiplicado por um factor modificador, wi, que resulta da razo entre a precipitao mdia sobre o polgono de influncia da estao i a uma escala superior, deduzida pelo mtodo das isoietas, ri, e precipitao mdia na estao i a uma escala superior, ri, tal que:

wi =3.4

ri . ri

(3.4)

Distribuio espao-temporal da precipitao

A distribuio da precipitao, tanto no espao como no tempo, est longe de ser uniforme. As variaes observadas tm carcter eventual, quando associadas a uma escala temporal pequena (horria, diria ou semanal) condicionadas por condies climticas locais, ou carcter sistemtico, condicionadas pelo clima global, onde a escala temporal ser totalizadora das precedentes (mensal, semestral, anual ou multianual). A Figura 3.15 esquematiza as variaes espao-temporais da precipitao e os principais factores condicionantes do carcter eventual ou sistemtico da precipitao. VARIAES DA PRECIPITAO EVENTUAIS SISTEMTICAS

ESPACIA L

Local

Global

ESCALA

TEMPOR AL

Sub-horria Horria Diria Semanal Altitude Afastamento do Mar Orientao das vertentes e sua pendente Deslocao das massas de ar Vento Temperatura

Mensal Semestral Anual Multianual

GEOGRFICOS

FACTORE CONDICIONANTES PRINCIPAIS

Latitude

FSICOS

METEORO LGICOS-

Circulao Atmosfera

Geral

da

Radiao Solar Presso

Fig. 3.15 - Variaes espao-temporais da precipitao

35

3.4.1 Estruturas espao-temporais da precipitao Na Figura 3.16 so expostas cinco regularidades estruturais da precipitao. As suas caractersticas espao-temporais so: reas sinpticas, com extenses superiores a 104 km2 e persistncia de um a vrios dias; as reas de grande meso escala, com extenses de 103 a 104 km2 e durao de vrios dias, podendo existir at seis em simultneo dentro de uma rea sinptica; reas de pequena meso escala, com extenses de 102 a 103 km2 e durao de poucas horas, existindo dentro das anteriores; cachos de clulas convectivas, existindo dentro e fora das reas anteriores, com reas idnticas; clulas convectivas, com reas de 10 a 30 km2, dependendo do tipo de chuvada.

-

Clulas convectivas rea sinptica Limite da B. H.

Pequena Meso Escala

Grande Meso Escala Postos pluviomtricos

Fig. 3.16 Estruturao hierrquica dos sistemas de precipitao A intensidade de precipitao aumenta e a sua durao diminui, medida que se desce na escala hierrquica: Escala sinptica Meso escala Convectiva

36

3.4.2 Tendncia da variao espacial A precipitao numa dada regio cresce com a altitude at valores da ordem dos 2000 a 3000 metros. Este efeito mais notrio numa cadeia de montanhas que num pico isolado e resulta das precipitaes de origem orogrficas, j anteriormente referidas. Com o aumento da altitude diminui, em termos relativos, a precipitao na forma de chuva e passa a ter mais importncia a precipitao na forma slida, normalmente neve. Define-se, ento, o coeficiente de neves como o valor percentual de precipitao na forma de neve em relao ao total precipitado em ano mdio. Embora com reduzido interesse nas nossas condies, apresentam-se no Quadro 3.1, valores usuais para o coeficiente de neves em funo da altitude. Quadro 3.1 Valores do coeficiente de neves Altitude (m) 500 1000 2000 3000 Coef. neves (%) 10 20 50 85

A inclinao e orientao das encostas exerce forte influncia no modo como a precipitao se distribui no espao. A pluviosidade tende a ser maior a barlavento que a sotavento devido ao efeito orogrfico. Em igualdade de altitude e orientao de encosta, a pluviosidade diminui com o afastamento ao mar. Embora na prtica no se tomem geralmente em conta estas variaes, podem ser cometidos erros apreciveis no registo dos valores, principalmente quando relativos a pontos de medio isolados e os intervalos de tempo so reduzidos. Algum aumento de rigor pode ser obtido corrigindo os valores medidos, em vertentes inclinadas, atravs do coeficiente r, determinado por:

r = 1

tg cos tg

3.4)

em que , representa a pendente do terreno, , a inclinao da trajectria das gotas em relao horizontal e ,o ngulo entre o plano das trajectrias das gotas e o plano que contm a linha de maior declive do terreno. A diferenciao espacial da precipitao com a altitude, aconselha que o traado das isoietas seja realizado com base na interpolao linear com a altitude e no com a distncia que separa os postos udomtricos, como prtica comum. Na Figura 3.17, esquematiza-se o traado das isolinhas de precipitao por interpolao linear com a distncia e com a

37

altitude. Verificamos que neste ltimo caso o desenho das isoietas mais consentneo com a realidade pois, de esperar que a precipitao pouco varie na zona plana at a sop da elevao e, ento ai, comear a aumentar em concordncia com o aumento de altitude. Este facto no evidenciado quando a interpolao se faz com base na apenas na distncia entre os postos. A distncia ao mar tem tambm influencia na forma como a pluviosidade se distribui. Em igualdade de altitude e orientao, a precipitao tende a ser maior nas zonas costeiras do que no interior do territrio. Por ltimo refira-se que a experincia tende a confirmar a influncia das vastas manchas arborizadas como forte condicionador dos valores de precipitao, sendo um caso flagrante a forte pluviosidade registada na regio amaznica e em outras regies do Sudoeste Asitico.

55 mm

10 km 5 mm

0.00

100

300 * 55 mm

200

P (mm) 55

P (mm) 55

5

5

0

5

10 d (km)

0

200

300

400 h (m)

5 5 15 25 35 45 55

30 50

Fig. 3.17 - Modalidades usadas no traado das isolinhas de precipitao

38

Na carta de isolinhas dos valores mdios de precipitao anual em Portugal (Figura 3.18), so evidentes os efeitos da altitude na precipitao, bem como, em especial na regio alentejana, o efeito da distncia ao mar.

Fig. 3.18 - Isoietas da precipitao mdia anual em Portugal Continental 3.4.3 Postos udomtricos virtuais. Com o objectivo de possibilitar uma melhor definio das isoietas, tendo em conta o relevo, necessrio por vezes determinar valores pontuais de precipitao em locais onde no existem medies pluviomtricas. Os dados assim obtidos permitem constituir sries de valores associados aquele ponto em concreto, os quais podem sofrer tratamento posterior como se tratasse de mais um posto udomtrico da rede. A criao de postos udomtricos virtuais uma prtica corrente quando se procede ao desenho automtico das isoietas atravs de programas computacionais. Nessas condies necessrio atribuir informao pluviomtrica geo-referenciada aos locais de

39

indefinio da rede (limites da rea, zonas altas, vertentes de encosta sem registos, etc.). A metodologia para a definio dos postos virtuais passa por: desenhar as existentes; isoietas com base nos postos de precipitao

-

comparar a carta de isoietas com a sentido de detectar inconsistncias cobertura da rede pluviomtrica;

carta altimtrica no devido deficiente

-

definio dos pontos para os quais se justifica a criao de estaes virtuais e determinao da sua altitude; estimar a precipitao mdia anual nas estaes virtuais, Pv, com base na informao dos postos vizinhos, atravs de uma relao linear precipitao-altitude:

-

Pv = a + Alti b

(3.5)

onde Alti, representa a altitude do posto virtual e a e b so parmetros da regresso; desagregar as precipitaes anual mdia em precipitaes anuais, utilizando o mtodo do inverso da distncia:

(Pv )iPv

=

N

n =1

An

(Pn )iPn

(3.6)

onde: (Pv)i precipitao anual, na estao virtual, no ano i; Pv precipitao mdia anual, na estao virtual, no perodo em estudo; N nmero de postos utilizados; (Pn)i precipitao anual, no posto n, no ano i; Pn precipitao mdia anual , no posto n, no perodo em estudo; An coeficiente de ponderao que traduz o inverso da distncia que separa a estao virtual dos restantes postos: (1/rn-v) 3.5 Preenchimento de falhas nos registos

Salvo raras excepes as sries de precipitao comportam falhas de registos. Para completar os registos associados a uma estao da rede pode recorrer-se aos dados disponveis nas estaes vizinhas com regime similar de funcionamento. Este problema pode ser resolvido pela utilizao de vrios mtodos: mdia aritmtica, rcio mdio, inverso da distncia , correlao e determinao do coeficiente angular entre uma ou vrias sries.

40

3.5.1 Mdia aritmtica um mtodo pouco fivel a menos que, aplicado em regies onde a variao espacial da precipitao anual seja pequena. A sua formulao consiste:

Px =

1 n Pi n i =1

(3.7)

em que Px corresponde ao valor a calcular Pi o valor de precipitao em cada um dos n postos considerados, para o mesmo perodo do valor em falta. 3.5.2 Rcio mdio (U.S. Weather Bureau) Consiste de uma mdia ponderada por um factor correspondente razo entre a mdia anual da srie com falha, Px e a correspondente mdia anual de cada uma das n sries consideradas, Pi :

Px =

1 n Px ( Pi ) n i =1 Pi

(3.8)

3.5.3 Inverso da distncia Pondera as observaes em trs postos vizinhos, P1, P2 e P3, pelo inverso das respectivas distncias ao posto considerado, r1, r2 e r3

P 1 P 1 P 1 1 Px = Px ( 1 * + 2 * + 3 * ) 1 + 1 + 1 P1 r1 P2 r2 P3 r3 r1 r2 r3

(3.9)

3.5.4 Correlao Neste mtodo, estabelece-se uma relao linear entre os dados da estao incompleta e as n estaes da regio:

P = axiP i xi=1

n

(3.9)

onde Px corresponde ao valor a estimar, Pi, o valor observado na estao i. axi , representa o coeficiente de correlao entre as estaes x e i, e n o nmero de estaes vizinhas.

41

3.5.5 Coeficiente angular Enunciado no ponto seguinte quando se falar no mtodo das duplas acumulaes 3.6 Anlise da qualidade dos dados

As sries de dados de precipitao necessitam de ser validadas quanto sua consistncia e homogeneidade. Sries revelando inconsistncias nos seus registos devem ser corrigidas ou, eventualmente, eliminadas nas caracterizaes posteriores da precipitao. As inconsistncias verificadas nos registos anuais relativas a um posto udomtrico, repercutem-se tambm s outras escalas temporais (ms, dia, hora, etc). 3.6.1 Verificao da consistncia Uma srie diz-se consistente se o seu comportamento no for anmalo relativamente ao comportamento observado nas sries da sua vizinhana. As inconsistncias resultam associadas a alteraes no equipamento de medio, alteraes do local do posto ou devidas substituio do observador responsvel pela estao. Para verificao da consistncia usual recorrer-se determinao das mdias mveis e ao ensaio dos valores duplamente acumulados, ou seja, ao mtodo das duplas acumulaes. Este ltimo mtodo possibilita a correco dos dados relativos aos perodos inconsistentes, se tal se tornar necessrio. A) Mdias mveis Dada uma srie, y1, y2, y3, y4, ..., define-se mdia mvel de ordem N sequncia das mdias aritmticas obtidas por:

y1 + y2 + ... + y N y + y3 + ... + y N +1 y + y4 + ... + y N + 2 ; 2 ; 3 ;... N N N

(3.10)

O recurso s mdias mveis permite reduzir as, normalmente grandes, variaes dos dados ao longo do tempo, atenuando assim, as flutuaes. Se as sries em anlise forem consistentes ento, o andamento das respectivas mdias mveis similar. Para verificao da consistncia dos registos anuais da precipitao recomendado o uso de mdias mveis de ordem 10 ( 10 anos, portanto). Na Figura 3.18 representam-se, a ttulo de exemplo, as mdia mveis das sries anuais registadas nos postos de precipitao da bacia da ribeira de Oeiras (Alcaria Longa; S. Barnab e Almodvar), onde notrio a falta de consistncia nos registos do posto de Almodvar.

42

Mdias moveis de 10 anos (mm)

800 600 400 200 0 11 13 15 17 19 21 23 25 27 29 Nmero de anos S. Barnab Almodovar Alcaria Longa 31 1 3 5 7 9

Fig. 3.18 - Mdia mveis B) Duplas acumulaes Passa pela representao grfica dos pares de pontos obtidos pelas acumulaes sucessivas de duas sries de dados obtidos no mesmo intervalo de tempo. Se as sries assim contrastadas forem consistentes ento, os valores duplamente acumulados distribuemse em torno de uma recta cujo declive representa a constante de proporcionalidade entre as sries. A Figura 3.19, representa o grfico duplamente acumulado para avaliao da consistncia da srie A. A srie B relativa a um posto consistente ou resulta do somatrio dos valores (ou mdias) postos vizinhos de A que apresentem mdia anual estabilizada. A a1 b1 a1 +a2 b1+b2 a1+a2+a3 b1+b2+b3 .. a1++an b1++bn

B Fig. 3.19 - Grfico de valores duplamente acumulados A inconsistncia das sries resultam de anomalias nos registos, muitas das quais podem e devem ser corrigidas. As situaes anmalas mais frequentes so: i) existncia de um erro sistemtico no possvel o ajuste dos valores a uma nica recta (Figura 3.20) porque a partir de uma determinada data, os valores da srie A passaram a ser sistematicamente menores. Vrias causas podem estar na origem deste erro mas, as mais comuns esto associadas a uma alterao do local de implantao do posto ou mesmo, resultam da instalao de novo equipamento de medida por substituio do anterior. Os valores errados podem ser corrigidos se multiplicados por um factor de correco c, tal que:

c=

tg tg

(3.11)

43

onde tg , representa o coeficiente angular no intervalo de tempo tomado como referncia e tg , o coeficiente angular correspondente s observaes a ajustar. O coeficiente angular ou de proporcionalidade entre sries consistentes, pode tambm ser usado para a determinao de registos em falta numa das sries desde que se faa:

Px = tg Pi

(3.12)

onde Pi representa o valor medido e Px o valor em falta. A

B Fig. 3.20 - Registo de um erro sistemtico as srie A ii) erro sistemtico corrigido neste caso verifica-se que os valores se ajustam a trs rectas com a particularidade da primeira e terceira serem paralelas (Figura 3.21). Este facto denota a existncia de um erro sistemtico que acabou por ser corrigido. Nestas condies, haver necessidade de corrigir apenas os dados relativos a perodo intermdio, para o qual o erro sistemtico persistiu. A

B Fig. 3.21 - Erro sistemtico corrigido na srie A iii) desajuste relativamente proporcionalidade do perodo - os valores duplamente acumulados ajustam-se a vrias rectas devido existncia de valores aberrantes em uma das sries44

(Figura 3.22). Em cada caso particular, deve ser estudada a hiptese de retirai os valores aberrantes (outlayers) ou, eventualmente, eliminar do estudo a srie. A

B Fig. 3.22 Existncia de valores aberrantes na srie A 3.6.2 Verificao da homogeneidade Uma srie homognea se os factores que a influenciam se mantiverem constantes ao longo do perodo de observaes. As quebras de homogeneidade podem ser provocadas, por exemplo, por alterao na localizao da estao, alteraes climticas, etc. A homogeneidade e a consistncia das sries hidrolgicas so conceitos muito idnticos, pelo que a verificao da consistncia pelos mtodos j referidos constitui, s por si uma razovel garantia de que sries consistentes so homogneas. Todavia existe um conjunto vasto de teste estatsticos para verificao da homogeneidade. Destes, e a ttulo de exemplo, destacamos dois: teste dos chorrilhos e teste do desvio da mdia cumulado. A) Teste dos chorrilhos Este teste consiste na determinao da estatstica Z1 e em testar a hiptese de esta possuir uma distribuio normal reduzida, comparando o seu valor com o valor crtico para um determinado nvel de confiana (normalmente 1.645 para um nvel de confiana de 95%). A distribuio considerada homognea, para um determinado nvel de confiana quando Z1 menor que o valor crtico. O valor de Z1 determinado por:

Z1 =

r

N +1 2 N 1 4

(3.13)

45

onde r o nmero total de chorrilhos, ou seja, nmero de valores acima e abaixo do valor da mediana da srie com N elementos. Os conceitos de distribuio normal reduzida, nvel de confiana e mediana so abordados no Anexo I. B) Teste do desvio da mdia acumulado qual mede o mximo de P implicam uma ou abaixo do valor que a srie no

Consiste na determinao da estatstica P, a desvio da mdia acumulado. Valores elevados sequncia de valores sistematicamente acima mdio da srie o que pode levar a inferir homognea. O valor de P obtido por:

P = mx

(xk i =1

i

X)i

ok N

1 N

(xN i =1

X)

(3.14)

2

Os valores crticos relacionados com P para um nvel de confiana de 95% esto traduzidos no quadro 3.1 em funo do nmero de elementos da srie. Quadro 3.1 - Valores crticos de P/N1/2 para O nvel de confiana de 95%. N 10 20 30 40 50 100 P/N1/2 1.14 1.22 1.24 1.26 1.27 1.29 1.36

3.7

Distribuio temporal da precipitao neste ponto, so

Os conceitos estatsticos aqui referidos objecto de aprofundamento no Anexo I. 3.7.1 Anlise de sries de precipitao anual

Na anlise das sries de precipitao anual convir comear por testar a sua qualidade incluindo a reconstituio dos dados da srie e a verificao da sua consistncia, de acordo com a tcnicas j mencionadas nos pontos 3.5 e 3.6. Idealmente, cada posto deve ser contrastado com os postos vizinhos tidos estveis em termos de mdia.

46

Para uma rpida identificao dos postos com mdia estvel, pode-se recorrer representao grfica das mdias anuais acumuladas (Figura 3.23). A anlise do grfico obtido fornece indicao quanto ao nmero mnimo de anos necessrios ao estudo de caracterizao (cerca de 15 anos, neste caso).acumuladas (mm) 1000 800 600 400 200 0 1 4 7 10 13 16 19 22 25 28 Nm e ro de a nosS. Barnab A lm o d o v a r A lc a r ia L o n g a

Mdias anuais

Fig. 3.23 - Mdias anuais acumuladas A caracterizao propriamente dita das sries anuais, resume-se na determinao dos quatro primeiros momentos estatsticos (mdia, desvio padro, coeficiente de assimetria e coeficiente de achatamento ou curtose) e na identificao da funo densidade de probabilidade que melhor se ajusta aos valores observados em cada posto bem como do coeficiente de variao da amostra. A seleco da funo terica pode, numa primeira anlise, ser obtida atravs a determinao do histograma e a avaliao do ajustamento funo terica, poder ser determinado atravs de testes estatsticos onde o do quiquadrado mais potente. Nesta fase da caracterizao possvel determinar a precipitao associada a um determinado perodo de retorno, T, desde que se determine, na funo estatstica ajustada, o valor correspondente probabilidade de 1/T. Nestas condies, o valor de T ser:

T =

1 1 = G(X ) 1 F (X )

(3.15)

F(X) = P(X x), e precipitao no ser superado probabilidade de excedncia tal que: G(X) = 1 F(X).

onde F(X) traduz a probabilidade de no excedncia, ou seja, corresponde probabilidade de um determinado valor de G(X) a

Mesmo antes do ajustamento dos dados da srie a uma distribuio de probabilidade terica(distribuio Normal nas sries anuais), a o valor de F(X) pode ser obtido empiricamente, como uma probabilidade de posio, pela aplicao da expresso de Weibull:

F(X ) =

m N +147

(3.16)

31

onde m corresponde posio de cada valor da srie quando agrupados segundo uma ordenao crescente e N o nmero total dos elementos da srie. 3.7.2 Anlise das sries de precipitao mensal A caracterizao sumria da precipitao mensal feita com recurso a diagramas cronolgico dos valores mdios de cada ms, a diagramas classificado de frequncias relativas (probabilidades), pela representao grfica dos valores mximos e mnimos da srie (Figura 3.26) e determinando o coeficiente de variao da precipitao mensal. i) Diagrama cronolgico dos valores mdios consiste na representao grfica da mdia de cada ms, determinada para o perodo de estudo. Diagrama classificado de frequncias passa pela representao da frequncia com que os valores so ultrapassados em cada um dos meses da amostra.

ii)

iii) Representao grfica dos valores mximos e mnimos representao grfica dos mximos e mnimos registados no perodo para cada ms da srie. iv) Coeficiente de variao mensal uma medida da variabilidade mensal da precipitao dentro do ano e pode ser definido como:

(P P )i =1 i

12

2

Cv mensal =

12 P

(3.17)

Em que Pi o valor da precipitao em cada ms e P a precipitao mdia mensal do ano em anlise. Este coeficiente permite evidenciar que a regularidade do ano mdio muito superior regularidade mdia dos anos do respectivo perodo (Quadro 3.3).

48

Fig. 3.24 - Distribuio mensal das precipitaes na bacia do Mondego em Ponte de Tbua (DGRAH, 1984) Quadro 3.3 Parmetro da distribuio da precipitao anual e mensal em quatro bacias portuguesas (DGRAH, 1984)

3.8

Precipitaes intensas

3.8.1 Introduo Por precipitaes intensas devem ser entendidas as chuvas de grande intensidade, com durao desde dias a poucos minutos (10 a 5 min), cujo clculo fundamental ao dimensionamento de obras hidrulicas (sistemas de drenagem, diques de proteco contra cheias, descarregadores de barragem, etc.), na medida em que condicionam directamente o valor do caudal mximo de uma cheia (caudal de ponta).

49

O estudo das precipitaes intensas tambm fundamental para a anlise da susceptibilidade dos solos eroso. A anlise dos valores mximos de precipitao associados a uma durao evidncia acentuadas diferenas nos valores extremos da precipitao. A ttulo de exemplo apresenta-se a Figura 3.25, onde possvel avaliar da distribuio espacial em Portugal, das precipitaes horrias mximas histricas. Os valores mais elevados foram verificados na Serra de Monchique (cerca de 90 mm), mas tambm em vora, junto foz do Guadiana e na regio da Serra da Estrela, foram registados valor excepcionais (cerca de 75 mm).

Fig. 3.25 - Isolinhas das precipitaes horrias mximas histricas As chuvadas intensas so caracterizadas por trs parmetros: i) Durao A anlise da precipitao segundo a sua durao, fundamental para o dimensionamento das obras hidrulicas onde a determinao dos caudais de cheia requerida. O perodo de tempo a considerar pode variar desde poucos minutos (colectores de guas pluviais) a algumas horas (obras em rios com pequenas bacias

50

hidrogrficas) ou, at mesmo, alguns dias (obras em rios com grandes bacias hidrogrficas). ii) Intensidade J se referiu que a intensidade traduz quociente entre a altura de chuva e o tempo de durao do evento.

iii) Frequncia Representa a probabilidade de ocorrncia de uma chuvada conhecida a sua durao e intensidade, normalmente expressa em termos de perodo de retorno, (T). 3.8.2 Curvas de possibilidade udomtrica A caracterizao das precipitaes intensas pode ser realizado de duas maneiras: uma puramente descritiva; outra recorrendo ao tratamento estatstico dos dados. Na forma descritiva so identificados, na srie de dados, os valores relativos ao primeiro mximo na unidade de tempo em anlise e em unidades de tempo mltiplas, ajustando-se-lhe depois, uma funo do tipo h = atn, onde h altura em milmetros, t o tempo e a e n so constantes caractersticas de cada local obtidas pelo mtodo dos mnimos quadrados aps logaritmizao (log h = log a + n log t), e corresponde implantao dos valores mximos de precipitao associados durao segundo uma recta traada em papel logaritmo. A funo h = h(t) designada por curva de possibilidade udomtrica (altura-durao-frequncia). Na abordagem estatstica, os mximos de precipitao em cada intervalo de tempo, comeam por ser ajustados a uma lei de densidade de probabilidade (normalmente a lei de Gumbel), para depois se ajustar a curva de possibilidade udomtrica, aos valores gerados para cada frequncia e durao. As curvas assim obtidas acabam por ser uma derivao das curvas de alturadurao-frequncia, e so conhecidas como curvas IDF (intensidade-durao-frequncia):

h at n i = = = at n1 t t

(3.18)

em que a intensidade da precipitao, i (mm/h) funo decrescente da durao t (min.), supondo constante o perodo de retorno. No Quadro 3.4, apresentam-se os parmetros das curvas IDF para cinco perodos de retorno, resultantes da anlise estatstica das sries de precipitao de quatro postos udogrficos (Universidade de Aveiro, Lisboa IGIDL, vora-Cemitrio e FaroAeroporto) e na Figura 3.26 o correspondente traado grfico.

51

Quadro 3.4 - Parmetros das curvas IDF (Brando, 1995)Parmetros a Posto udogrfico Aveiro Lisboa vora Faro Aveiro Lisboa vora Faro 100 421 594 584 728 -0.621 -0.638 -0.636 -0.636 50 385 532 533 636 -0.620 -0.636 -0.638 -0.638 Perodo de retorno (anos) 20 10 337 450 465 561 -0.619 -0.631 -0.642 -0.640 301 386 412 487 -0.617 -0.627 -0.645 -0.643 5 263 320 357 411 -0.616 -0.621 -0.650 -0.647 2 205 221 272 295 -0.612 -0.607 -0.662 -0.657

b = (n-1)

250

200 Intensidade (mm/h)

T=100 T=20

150

T=2

100

50

0 0 100 200 300 400 Durao (min) 500 600 700

Fig. 3.26 - Curvas IDF relativas ao Quadro 3.4 3.8.3 Relao entre a precipitao, durao e a rea A relao entre a precipitao, a durao e a rea genericamente, traduzida por uma funo exponencial do tipo: ,

PA = Po e kA

n

(3.19)

onde PA representa a precipitao ponderada em mm, Po a precipitao pontual, em mm, A a rea em km2, e k e n so constantes regionais positivas e inferiores unidade dependentes da durao da chuvada. Da anlise desta relao possvel concluir: a relao PA/Po diminui com o aumento da rea; com a rea atenua-se quando cresce a

a relao PA/Po durao;

52

Estas relaes , traduzidas na Figura 3.27, fornecem estimativas mdias de redues, no espao, da precipitao registada num ponto, onde se agregam distintos tipos de precipitao. A anlise em separado para cada tipo de precipitao, conduziria necessariamente a maiores afastamentos entre o valor pontual e espacial medida que os fenmenos convectivos fossem predominantes em relao ao ciclnicos.

Fig. 3.27 - Variaes da precipitao com a rea 3.8.4 Distribuio temporal da precipitao As curvar de possibilidade udomtrica fornecem apenas, para uma durao da chuvada, a altura de precipitao para um dada perodo de retorno sem indicaes sobre a forma como se distribui no tempo da chuvada, a precipitao. A distribuio no tempo do total precipitado, permite definir o hietograma (grfico da variao temporal da precipitao) de projecto fundamental para a determinao dos hidrogramas de cheia, objecto de referncia no ponto 9. A forma mais simples, mas tambm menos realista, de distribuir a precipitao no tempo, consiste em assumir uma distribuio uniforme do volume precipitado durante a durao da chuvada. Nestas condies o hietograma resultante tem intensidade constante pelo que a quantidade de precipitao resulta do produto da durao pela correspondente intensidade. Todavia, e na sequncia do que foi referido em 3.5.2, de supor que a intensidade de precipitao decresa com a durao, obrigando decomposio do volume precipitado ao longo da chuvada de forma no constante.

53

A distribuio temporal segundo trs metodologias -

da precipitao distintas:

pode

ser

realizada

-

-

recorrendo a hietogramas, em que cada ordenada representa a precipitao ou a intensidade ocorrida em cada incremento de tempo; atravs da curva cumulativa da precipitao, tal que cada ordenada indica a precipitao ocorrida at ao instante considerado; recurso s curvas de Huff onde cada ordenada representa a fraco da precipitao total da chuvada at ao instante considerado.

Para efeitos desta disciplina vamos considerar duas metodologias para decomposio do volume precipitado, uma recorrendo s curvas IDF, outra tendo por base os registos udogrficos. i) Recorrendo s curvas I-D-F Chow et al. (1988) sugere o uso do mtodo dos blocos alternados na construo do hietograma. Nesta metodologia, a precipitao ocorrida em n nmero de intervalos de tempo sucessivos de durao t, especificada numa durao total de D = nt. O mtodo obedece aos seguintes procedimentos: 1. 2. 3. 4. Escolha do perodo de retorno. Obteno, a partir das I-D-F, das intensidades para cada durao t, 2t, 3t., nt, e correspondente precipitao. Estimar as diferenas entre intervalos de tempo sucessivos, com o objectivo de determinar a precipitao em cada intervalo t - Quadro 3.5. Ordenar aquelas precipitaes de modo a centrar o maior valor e alternar os valores direita e esquerda, por ordem decrescente Figura 3.28 a)

Quadro 3.5 - Obteno do hietograma pelo mtodo dos blocos alternados relativo ao perodo de retorno de 100 anos, com 2 horas de durao em vora-CemitrioD u ra o (m in ) 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 110 120 In te n s id a d e (m m /h ) 1 3 5 .0 2 8 6 .8 9 6 7 .1 4 5 5 .9 1 4 8 .5 1 4 3 .2 0 3 9 .1 7 3 5 .9 8 3 3 .3 8 3 1 .2 2 2 9 .3 8 2 7 .8 0 Tem po A c u m u la d a (m in ) 0 -1 0 1 0 -2 0 2 0 -3 0 3 0 -4 0 4 0 -5 0 5 0 -6 0 6 0 -7 0 7 0 -8 0 8 0 -9 0 9 0 -1 0 0 1 0 0 -1 1 0 1 1 0 -1 2 0 2 2 .5 0 3 6 .9 9 4 8 .1 7 5 7 .4 9 6 5 .5 8 7 2 .7 8 7 9 .3 1 8 5 .3 0 9 0 .8 7 9 6 .0 7 1 0 0 .9 7 1 0 5 .6 0 P re c ip ita o (m m ) In c re m e n to 2 2 .5 0 1 4 .4 8 1 1 .1 9 9 .3 2 8 .0 9 7 .2 0 6 .5 3 6 .0 0 5 .5 6 5 .2 0 4 .9 0 4 .6 3

H ie to g ra m a I 4 .9 0 5 .5 6 6 .5 3 8 .0 9 1 1 .1 9 2 2 .5 0 1 4 .4 8 9 .3 2 7 .2 0 6 .0 0 5 .2 0 4 .6 3

54

Ainda recorrendo s IDF, a precipitao pode ser especificada de forma a considerar uma sucesses decrescente ou crescente das intensidades ao longo da respectiva durao. A primeira situao (Figura 3.28 b) mais realista j que est de acordo a evoluo da generalidade dos fenmenos pluviosos (a diminuio da quantidade precipitada em cada intervalo de tempo, t, directamente proporcional durao da chuvada). Todavia, h que ter presente, que nesta situao a maior quantidade de precipitao ocorre no perodo onde maior a infiltrabilidade do solo, o que se traduz em termos de menor precipitao efectiva e consequentemente menores picos de cheia. A situao traduzida na Figura 3.28 c, menos comum mas, o seu uso pode ser justificado, em termos de projecto, por sobre valorizar as quantidades de precipitao ocorridas no final das chuvadas, numa altura em que o solo se encontra j saturado e em que praticamente toda a precipitao vai contribuir para o escoamento, originando, por isso, picos de cheia mais significativos, e consequentemente, um dimensionamento das estruturas hidrulicas do lado da segurana.

20.00 18.00 16.00 14.00 12.00 10.00 8.00 6.00 4.00 2.00 0.0010 00 -2 10 0 -3 20 0 -4 30 0 -5 40 0 -6 50 0 -7 60 0 -8 70 80 0 -9 00 -1 90 0 11 010 0 12 011

Precipitao (mm)

T em p o (m in)

a)

160.00 140.00 120.00 100.00 80.00 60.00 40.00 20.00 0.00

160.00 140.00 120.00 100.00 80.00 60.00 40.00 20.00 0.00 0-10 10- 20- 30- 40- 50- 60- 70- 80- 90- 100- 11020 30 40 50 60 70 80 90 100 110 120 Tempo (min)

Precipitao (mm)

010 10 -2 0 20 -3 0 30 -4 0 40 -5 0 50 -6 0 60 -7 0 70 -8 0 80 -9 90 0 -1 10 00 01 11 10 012 0

Tempo (min)

b)

Precipitao (mm)

c)

Fig. 3.28 - Obteno dos hietogramas de projecto atravs das IDF

55

ii) Recorrendo aos registos de estaes udogrficas Estes modelos tem por base a anlise estatstica de uma grande nmero de acontecimentos pluviosos. De entre os vrios trabalhos realizados neste mbito destacam-se as, entre ns muito utilizadas, distribuies temporais de Huff Figura 3.29. A definio das seguintes fases: 1. 2. distribuies temporais de Huff recorre s

3. 4.

5.

Leitura dos udogramas em cada 5, 15 ou 30 minutos (a durao depende do tipo de registo existente). Identificao de acontecimentos pluviosos independentes (aqueles em que se verifique uma separao em relao ao precedente e ao seguinte de pelo menos 6 horas). Elaborar uma curva de distribuio temporal de precipitao onde a precipitao e durao vm expressas em percentagem. Agrupar os acontecimentos pluviosos em quatro grupos consoante a localizao temporal da precipitao mxima acumulada estiver no 1, 2, 3 ou 4 quartil da durao total. Desenho, para cada quartil, das vrias curvas de distribuio temporal de precipitao, consoante a sua probabilidade de ocorrncia.

Fig. 3.29 - Hietogramas cumulativos adimensionais distribuies temporais de Huff (Chow, 1988)

das

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O Quadro 3.6 corresponde traduo numrica das curvas de DTP de Huff do 1 quartil. Quadro 3.6 - Valores das curvas DTP do 1 quartil correspondentes s probabilidades de ocorrncia de 10, 50 e 90%

D rao(% u ) P b exced cia(% ro . n ) 10 50 90 0 0.0 0.0 0.0 10 51.3 18.5 10.0 20 79.2 50.1 38.5 30 87.8 71.5 46.0 40 92.3 80.2 51.8 50 96.7 88.0 57.5 60 99.2 90.1 63.0 70 99.4 93.0 71.5 80 99.7 95.5 82.0 90 99.7 98.0 92.5 100 100.0 100.0 100.0

A escolha da probabilidade a considerar para efeitos de clculo dos caudais de cheia de projecto depende da maior ou menor segurana requerida. Assim, para muitos casos, a utilizao de uma distribuio com probabilidade mdia de 50%, suficiente, sendo, no entanto, mais apropriado, no clculo de caudais extremos, considerar a probabilidade extrema de 10%. As DTP mais desfavorveis correspondem ao 4 quartil, pois resultam da anlise de sries de precipitaes intensas, em que a maior intensidade ocorre no ltimo quarto da durao do evento pluvioso. Nestas condies, maior a quantidade de precipitao no infiltrada o que conduz, necessariamente, a volumes e pontas de cheia superiores. Seguindo a metodologia proposta por Huff, vrios autores determinaram DTP para vrios locais do nosso pas. Como exemplo apresentam-se as DTP obtidas por Brando, 1995, para voraCemitrio e Faro-Aeroporto (Figuras 3.30 e 3.31). Da sua anlise possvel verificar que para atingir 50% da precipitao total em vora, necessrio decorrer 23%, 39%, 29% e 74% da durao total, respectivamente, para o 1, 2, 3 e 4 quartil, evidenciando, deste modo, a ocorrncia da precipitao mxima acumulada cada vez mais prxima do final do evento. Este comportamento verifica-se tambm o caso de Faro. No Quadro 3.7 apresenta-se a discretizao das DTP para as curvas medianas (50% de probabilidade de excedncia) para os locais referidos. Quadro 3.7 - Discretizao da mediana das curvas DTP para vora e FaroUnidades: %

Q uartil 1 2 3 4

Local vora Faro vora Faro vora Faro vora Faro

0 0 0 0 0 0 0 0 0

10 20 24 4 5 3 2 3 3

20 46 50 13 12 10 6 7 8

30 60 67 30 35 15 19 13 12

40 68 75 51 55 21 23 17 20

D urao 50 74 81 71 76 28 30 25 31

60 79 88 78 81 51 47 30 39

70 87 91 84 89 75 77 42 43

80 94 94 92 95 91 87 60 53

90 99 98 98 98 97 97 81 81

100 100 100 100 100 100 100 100 100

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Fig. 3.30 - Curvas de Huff para vora-Cemitrio

Fig. 3.31 - Curvas de Huff para Faro-Aeroporto

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4 4.1

INTERCEPO Generalidades

Durante a ocorrncia de um evento de precipitao, uma fraco da gua precipitada acaba por ficar retida na vegetao, acabando por retornar atmosfera antes de contribuir para a escorrncia superficial ou infiltrao no solo. Este efeito de intercepo das precipitaes induzido pelo coberto vegetal tem poucas implicaes na reduo dos escoamentos resultantes das grandes chuvadas, mas importante na reduo da energia cintica das gotas da chuva, contribuindo para a diminuio da aco erosiva durante as chuvadas intensas. A quantidade de precipitao interceptada depende das caractersticas da precipitao e da natureza da cobertura do terreno. Nas zonas urbanizadas no desprezvel a fraco da precipitao retida nos telhados, estradas, parques de estacionamento e outras superfcies impermeabilizadas. Numa zona coberta por vegetao a gua interceptada por duas vias: intercepo pelo copado e intercepo pela manta morta junto ao solo. A maior parte da gua interceptada pelas copas das rvores, volta atmosfera pela aco da evaporao. Todavia o efeito continuado da queda de precipitao conduz a que, uma vez preenchida a capacidade de reteno do copado, a totalidade da gua penetre ou escorra pelos troncos at manta morta. Parte desta ter oportunidade de evaporar e a restante escorre ou infiltra-se no solo. 4.1 Medio e estimativa da intercepo

Como no possvel a medio directa da intercepo, a sua estimativa feita com base na quantificao da precipitao total, P; na determinao da penetrao T, e na avaliao do escoamento nos troncos e da variao do teor de humidade da manta morta, L. A precipitao total medida atravs de udmetros colocados acima da zona de influncia das copas. Por outro lado, udmetros colocados sob