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TEMAS LIVRES FREE THEMES 925 Apoio social e redes: conectando solidariedade e saúde Social support and network: connecting solidarity and health 1 Departamento de Ciências Sociais, Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz. Av. Leopoldo Bulhões 1.480/9 o andar. 21041-210 Manguinhos, Rio de Janeiro RJ. [email protected] Gabriela R. B. de Andrade 1 Jeni Vaitsman 1 Abstract This article discusses the participa- tion of patients in health services through so- cial support groups. Based on a qualitative re- search, with semi-structured questions and participant observation, one of the roles of As- sociação Lutando para Viver (ALpViver) act- ing withing Instituto de Pesquisa Evandro Cha- gas (IPCEC), is analysed. The group’s actions were considered as promoting patient’s auton- omy, increasing their self-steem and avoiding loneliness. It was concluded that it is possible to establish an active place for users of public health services, through the valorization of a participative culture. Key words Social Networks, Social Support, Empowerment, Participation Resumo Este artigo discute alguns aspectos da participação de usuários de um serviço pú- blico de saúde, o Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (IPCEC/Fiocruz), em uma associação de pacientes, a Associação Lutan- do para Viver (ALpViver). Baseado em pesqui- sa qualitativa, com entrevistas semi-estrutu- radas e observação participante, o trabalho analisa o papel dessa associação, na visão de profissionais do hospital e pacientes, a partir dos conceitos de rede social, apoio social e em- powerment. A relevância deste estudo se dá a partir da noção de que a valorização de uma cultura participativa dentro das instituições de saúde contribui para aumentar a autono- mia e elevar a auto-estima dos usuários, me- lhorando a qualidade de vida e de saúde dos mesmos. Palavras-chave Análise de discurso, Mídia Redes sociais, Apoio Social, Empowerment , Participação dos Usuários

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Apoio social e redes:conectando solidariedade e saúde

Social support and network:connecting solidarity and health

1 Departamento de CiênciasSociais, Escola Nacional de Saúde Pública,Fundação Oswaldo Cruz.Av. Leopoldo Bulhões1.480/9o andar.21041-210 Manguinhos,Rio de Janeiro [email protected]

Gabriela R. B. de Andrade 1

Jeni Vaitsman 1

Abstract This article discusses the participa-tion of patients in health services through so-cial support groups. Based on a qualitative re-search, with semi-structured questions andparticipant observation, one of the roles of As-sociação Lutando para Viver (ALpViver) act-ing withing Instituto de Pesquisa Evandro Cha-gas (IPCEC), is analysed. The group’s actionswere considered as promoting patient’s auton-omy, increasing their self-steem and avoidingloneliness. It was concluded that it is possibleto establish an active place for users of publichealth services, through the valorization of aparticipative culture.Key words Social Networks, Social Support,Empowerment, Participation

Resumo Este artigo discute alguns aspectosda participação de usuários de um serviço pú-blico de saúde, o Instituto de Pesquisa ClínicaEvandro Chagas (IPCEC/Fiocruz), em umaassociação de pacientes, a Associação Lutan-do para Viver (ALpViver). Baseado em pesqui-sa qualitativa, com entrevistas semi-estrutu-radas e observação participante, o trabalhoanalisa o papel dessa associação, na visão deprofissionais do hospital e pacientes, a partirdos conceitos de rede social, apoio social e em-powerment. A relevância deste estudo se dá apartir da noção de que a valorização de umacultura participativa dentro das instituiçõesde saúde contribui para aumentar a autono-mia e elevar a auto-estima dos usuários, me-lhorando a qualidade de vida e de saúde dosmesmos.Palavras-chave Análise de discurso, MídiaRedes sociais, Apoio Social, Empowerment,Participação dos Usuários

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Introdução

Este trabalho discute alguns aspectos da parti-cipação de usuários do Instituto de PesquisaClínica Evandro Chagas (IPCEC/Fiocruz, Man-guinhos/Rio de Janeiro) na Associação Lutan-do para Viver (ALpViver), que atua dentro dohospital. Analisa o seu papel sob a perspectivade profissionais do hospital e de pacientes, combase nos conceitos de rede social, apoio social eempowerment. Os dados foram levantados emuma pesquisa qualitativa, na qual se combinoua observação participante com entrevistas se-mi-estruturadas.

A importância de se discutir formas de par-ticipação dos usuários nos serviços públicos desaúde deve-se a uma concepção que se vem tor-nando bastante difundida no campo da saúdepública: o avanço substantivo na qualidade dosserviços e das ações de saúde – sejam elas pre-ventivas ou de promoção – só é possível com aparticipação efetiva da população, pois esta po-de apontar problemas e soluções que atendamàs suas demandas mais diretamente.

Nas instituições de atenção à saúde, a parti-cipação do usuário passa basicamente pelos se-guintes elementos: maior democratização dainformação; reconhecimento dos usuários, porparte dos profissionais, como sujeitos no pro-cesso do cuidado com a saúde e não somente co-mo objeto de práticas e prescrições; conscienti-zação dos usuários quanto aos seus direitos eao seu papel na defesa dos próprios interesses.

Durante os últimos dez anos, as associaçõesde pacientes têm crescido no Brasil, explicitan-do objetivos que vão desde a defesa dos direi-tos dos pacientes até a busca por mais informa-ção, maior autonomia e responsabilidade pelaprópria saúde. Os grupos voltados às questõesdo HIV/Aids – os quais reúnem pacientes, fa-miliares, amigos e profissionais de saúde – têmse destacado no cenário das associações, for-mando uma rede que abrange grupos mais for-malizados, como as ONGs, e grupos menores emais “voltados para dentro”.

Em estudo recente sobre hospitais no Riode Janeiro e São Paulo, uma das constataçõesfoi a de que 36% desses hospitais instituíram aparticipação de associações e comunidades emitens de decisão do hospital (Costa et al., 2000).Tal dado levanta questões interessantes como,por exemplo, o perfil dessas associações e qualo seu papel no cenário da saúde pública.

Neste artigo discutimos, por meio de um es-tudo de caso, o papel da ALpViver na formação

de uma rede de apoio que contribuiu, de formasignificativa, para a melhoria das condições desaúde dos participantes.

Associações voluntárias e redes

As associações voluntárias, com diferentes ob-jetivos e graus de formalização, representam umcontraponto à atomização dos indivíduos e àdesintegração social nas sociedades modernas.O número de associações voluntárias presentesem determinada sociedade indica o grau de or-ganização e atividade de sua sociedade civil.

Para além dos objetivos específicos a que sepropõem, esses grupos promovem uma opor-tunidade para a troca de conhecimento e coo-peração entre seus participantes. Pela expres-são e confronto de idéias e da formação de con-senso e de possíveis ações coletivas, os cidadãosaprendem e exercitam valores e práticas demo-cráticos (Wessels, 1997; Van Deth, 1997; Hech-ter, 1987).

Wessels (1997) afirma que a capacidade deorganização da sociedade civil aumenta à me-dida que são mais desenvolvidos o grau de ins-trução, a renda per capita e a estabilidade de-mocrática de determinado país, passando aexistir também maior número de associações egrupos de caráter voluntário.

Podem ser diferenciados três tipos de orga-nização: as sociais (religião, comunidade, jo-vens, esportes, mulheres, saúde e grupos de edu-cação e informação); as políticas tradicionais(sindicatos, associações profissionais e partidospolíticos); e as que alguns denominam “novasorganizações políticas” (meio ambiente, paz,direito dos animais e grupos defensores de di-reitos coletivos e da cidadania).

É possível supor que, no contexto brasilei-ro, a dificuldade de sobrevivência, a educaçãodeficiente e a baixa renda per capita são fatoresque desfavorecem a mobilização da populaçãoem torno de interesses comuns, contribuindopara uma baixa capacidade de organização eatividade da sociedade civil.

Por sua vez, a teoria do path dependenceoferece uma explicação ancorada na trajetóriahistórico-cultural para o baixo associativismo(Putnam, 1996). Nesse sentido, a maior partedos países em desenvolvimento se caracteriza-ria por déficit de participação cívica e política.A pobreza e a desconfiança mútua minariam aspossibilidades para a solidariedade horizontal,o que, segundo Putnam (1996), geraria um sen-

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timento de pertencimento para além do pró-prio grupo mais próximo.

Nossa trajetória histórica deixou, como he-rança cultural, uma grande desconfiança nasinstituições públicas e a dificuldade de o cida-dão participar de forma desinteressada na re-solução dos problemas que dizem respeito a to-dos (Santos, 1993). Tal situação poderia ser re-vertida mediante ações e formas de organiza-ção que contribuíssem para estimular a con-fiança social e a consciência cívica, criando ba-ses para a solidariedade social.

As associações de caráter voluntário consti-tuem formas de as pessoas se reunirem em tor-no de objetivos comuns e cooperarem entre si.No Brasil, as organizações e associações ganha-ram visibilidade e se proliferaram, na décadade 1990, sob a égide da solidariedade, tendo-seo ponto alto na campanha contra a fome Açãoda Cidadania contra a Miséria e pela Vida ouapenas Ação da Cidadania, encabeçada pelo so-ciólogo Herbert de Souza, o Betinho.

Essa rede de solidariedade presente no teci-do social brasileiro contrariou a tese de que asociedade civil estaria totalmente desativada eapática. A importância da formação e amplia-ção dessas redes de solidariedade estava não sóna mobilização e distribuição de recursos parafamílias, grupos e pessoas em situação de ca-rência, mas também na disseminação de umanoção de cidadania ligada à idéia de interde-pendência entre os membros da sociedade. Es-sa idéia vincula-se à noção de redes, já que es-sas envolvem relações de trocas, as quais impli-cam obrigações recíprocas e laços de dependên-cia mútua (Landim, 1998).

Ainda que o conceito de rede seja utilizadopara fazer referência a distintas realidades,apresenta, no entanto, como idéia comum, aimagem de pontos conectados por fios, de mo-do a formar a imagem de uma teia. Por inter-médio dos estudos das redes pode-se, por exem-plo, mapear as relações entre indivíduos ou gru-pos, iniciando-se pelos contatos diretos, ou es-tudá-los a partir das variáveis intensidade, ta-manho, freqüência e qualidade dos contatos.Pensar uma sociedade em rede significa enten-dê-la na sua interdependência e policentrismo(Oliveira, 2000).

Como resultado de processos macrossociaisdas sociedades modernas, a perda da força e dosignificado dos contextos locais estaria crian-do, nos indivíduos, uma sensação de estaremfora da rede social e, consequentemente, de es-tarem alijados dos processos decisórios. A per-

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cepção mais imediata seria a do esvaziamentodas relações afetivas entre as pessoas e, no pla-no político, do enfraquecimento da cidadania(Giddens, 1991).

Desse modo, as associações voluntárias se-riam formas de ativar e estreitar as redes sociais,evitando o isolamento dos indivíduos. Na áreada saúde, tais associações podem exercer im-portante papel para romper o isolamento indi-vidual e melhorar as condições de saúde.

Redes sociais e saúde

Investigações vêm mostrando que a pobreza derelações sociais constitui fator de risco à saúdecomparável a outros que são comprovadamen-te nocivos, tais como o fumo, a pressão arterialelevada, a obesidade e a ausência de atividadefísica, os quais acarretam implicações clínicaspara saúde pública (Broadhead et al., 1983).

Nos países em desenvolvimento, essa rela-ção se mostra ainda mais claramente, uma vezque as redes são, com freqüência, a única possi-bilidade de ajuda com que as famílias carentespodem contar, além de serem o único suportepara ajudar a aliviar as cargas da vida cotidia-na. Semelhante constatação pode ser averigua-da na relação entre mortalidade infantil e au-sência ou precariedade dos vínculos pessoais.Essa relação foi analisada por Bronfman (1993),ao mostrar a importância que as relações pes-soais têm na sobrevivência de crianças em fa-mílias pobres.

Por seu turno, a condição de enfermidade,por si só, coloca os indivíduos diante de limita-ções, impedimentos e situações que mudam arelação da pessoa com o trabalho, com seus fa-miliares, amigos e parceiros, bem como abalamsua identidade. Muitas vezes, o enfermo expe-rimenta fragilização da identidade, do própriosentido da vida e da capacidade de resolver pro-blemas que o afetam, já que tudo aquilo que or-ganizava a identidade é alterado de forma brus-ca com a doença (Gibson, 1991).

Estando debilitada, a pessoa reduz as inicia-tivas de trocas com seus contatos pessoais afe-tivos, fazendo com que aqueles com quem se re-lacionava na rede também diminuam a sua in-teração. Isso porque as relações sociais têm porbase uma troca, um quid pro quo em que se es-pera que a atenção oferecida seja retribuída namesma intensidade.

A desvitalização do intercâmbio interpes-soal cria uma espécie de círculo vicioso desin-

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Uma das maneiras pelas quais podem sercompreendidas as influências positivas da redesocial na saúde – em particular, quando nos re-ferimos a ações terapêuticas prolongadas, atépara a vida toda – é a constatação de que a con-vivência entre as pessoas favorece comporta-mentos de monitoramento da saúde. Seria oque Sluzki (1995) chama de comportamentoscorretivos, nos quais um chama a atenção dooutro para mudanças visíveis – como palidez,por exemplo –, além de aconselhar e incentivara adesão. Tal atitude acabaria por incentivarmuitas das atividades pessoais que se associampositivamente à sobrevida: rotina de dieta, exer-cícios, sono, adesão a regime medicamentoso ecuidados com a saúde em geral. Assim, as rela-ções sociais também contribuem para dar sen-tido à vida, favorecendo a organização da iden-tidade através dos olhos e ações dos outros, jáque se sente que “estamos aí para alguém”.

O apoio social que as redes proporcionamremete ao dispositivo de ajuda mútua, poten-cializado quando uma rede social é forte e inte-grada. Quando nos referimos ao apoio socialfornecido pelas redes, ressaltamos os aspectospositivos das relações sociais, como o compar-tilhar informações, o auxílio em momentos decrise e a presença em eventos sociais. Um en-volvimento comunitário, por exemplo, podeser significativo fator psicossocial no aumentoda confiança pessoal, da satisfação com a vida eda capacidade de enfrentar problemas. Na si-tuação de enfermidade, a disponibilidade doapoio social aumenta a vontade de viver e a au-to-estima do paciente, o que contribui com osucesso do tratamento (Minkler, 1985).

Embora os mecanismos específicos pelosquais o apoio social influencia na saúde aindanão tenham sido completamente elucidados,estudos apontam para o papel de efeito tampãoque o apoio social exerce sobre o sistema imu-nológico (Broadhead et al., 1983; Dalgard &Haheim, 1998). O apoio social atuaria ameni-zando os efeitos patogênicos do estresse no orga-nismo, incrementando a capacidade das pessoasem lidarem com situações difíceis (Cassel, 1974).

Outro efeito do apoio social seria a sua con-tribuição no sentido de criar uma sensação decoerência e controle da vida, o que beneficiariao estado de saúde das pessoas (Cassel, 1974).Nesse sentido, o apoio social poderia ser umelemento a favorecer o empowerment, processono qual indivíduos, grupos sociais e organiza-ções passam a ganhar mais controle sobre seuspróprios destinos (Valla, 1999).

O conceito de empowerment tem sido exa-minado em diversas disciplinas e campos pro-fissionais, recebendo larga variedade de defini-ções e cobrindo diferentes dimensões: indivi-dual, organizacional e comunitário (Israel et al.,1994). O empowerment, como processo e resul-tado, é visto como emergindo em um processode ação social no qual os indivíduos tomam pos-se de suas próprias vidas pela interação com ou-tros indivíduos, gerando pensamento crítico emrelação à realidade, favorecendo a construção dacapacidade social e pessoal e possibilitando atransformação de relações de poder. No nível in-dividual, refere-se à habilidade das pessoas emganhar conhecimento e controle sobre forçaspessoais, sociais, econômicas e políticas para agirna direção da melhoria de sua situação de vida.

Amplamente usado no que concerne à so-ciedade civil e no contexto dos cuidados de saú-de, o conceito de empowerment faz referência amovimentos de busca de reconhecimento dasdemandas das minorias, ou seja, a busca de al-gum grau de poder de influência (Rodwell,1996). O caso da Aids é representativo da buscade empowerment pela mobilização dos pacien-tes, profissionais e familiares.

No contexto dos usuários dos serviços desaúde, empowerment significa os pacientes pas-sarem a conformar uma voz na organização, aadotarem postura mais ativa no tratamento,discutindo e fazendo perguntas ao médico, bus-cando informação, assumindo também a res-ponsabilidade por sua própria saúde, além deserem informados sobre decisões tomadas du-rante o período de tratamento. Faz igualmentereferência ao reconhecimento e respeito aos di-reitos dos pacientes.

Entretanto, a baixa escolaridade e a falta derecursos dificultam uma ligação mais dinâmicacom o serviço, já que os usuários se encontramdiante de uma relação de desigualdade econô-mica, social e cultural, evidenciando, muitas ve-zes, dificuldade de reconhecer que aquele ser-viço é um direito e não um favor. Isso impõe li-mitações nas relações entre profissionais de saú-de e pacientes.

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A discussão sobre redes, apoio social e em-powerment chama a atenção para o saber e opoder que os próprios pacientes, organizadosem comunidades e movimentos, podem adqui-rir para influir nas várias dimensões de sua saú-de, desde a interferência sobre as próprias con-dições individuais de saúde, até as condições defuncionamento e atendimento dos serviços desaúde (Labonte, 1994).

Nossa análise sobre a ALpViver foi efetiva-da a partir dessa perspectiva, identificandoprocessos de empowerment derivados da parti-cipação de pacientes em uma associação e daformação de redes sociais a partir das ações deapoio social.

O estudo

Os dados foram obtidos por meio de observa-ção participante e entrevistas semi-estruturadascom informantes qualificados, visando apreen-der percepções e opiniões a respeito do papel eda atuação da ALpViver no IPCEC. Foram en-trevistados profissionais de formações diferen-ciadas, alguns dos quais indicados por pacien-tes que integram a associação em razão de teremparticipado dela e ajudado em sua formação.Outros foram escolhidos por sua área de atua-ção, formação profissional e tipo de atuação nohospital, a fim de se obter maior variedade depontos de vista. Cinco profissionais foram en-trevistados: uma assistente social, uma psicólo-ga, uma funcionária do setor administrativo,um médico e uma enfermeira.

Em relação aos pacientes entrevistados, fo-ram escolhidos os que tinham presença maisconstante e intensa no dia-a-dia da ALpViver,totalizando seis entrevistas. O roteiro de per-guntas foi direcionado no sentido de identifi-car o significado atribuído, pelos próprios pa-cientes, às suas experiências e à atuação daALpViver no hospital.

Instituto Evandro Chagas

O estudo foi realizado no Instituto de PesquisaClínica Evandro Chagas – IPCEC – unidadetécnico-científica da Fundação Oswaldo Cruz(Rio de Janeiro), que presta atendimento e fazpesquisa na área das doenças infecto-contagio-sas – tais como Aids, leishmaniose, HTLV, mi-coses sistêmicas, doença de Chagas e toxoplas-mose –, constituindo referência no tratamento

e no estudo da síndrome da imunodeficiênciaadquirida (Aids).

As atividades do IPCEC são efetuadas pormeio dos Programas de Atendimento, integra-dos a linhas e projetos de pesquisa, e do ensinointerdisciplinar, voltado à recuperação, à pro-moção da saúde e à prevenção de agravos. Tra-ta-se de um hospital de referência que dispõede 25 leitos para todas as patologias atendidas.No final de 1999, havia 500 pacientes HIV/Aidscadastrados na Farmácia, todos recebendo me-dicamentos anti-retrovirais regularmente.

Existem três modalidades de atenção: Am-bulatório, Hospital-Dia e Internação, além delaboratório voltado a exames específicos paraapoio diagnóstico. O atendimento é realizadopor infectologistas e por clínicos de diversas es-pecialidades (Ginecologia, Dermatologia, Car-diologia, Oftalmologia), integrados aos servi-ços clínicos complementares (Enfermagem,Nutrição, Farmácia, Psicologia, Serviço Social eFisioterapia).

Associação Lutando para viver

A Associação Lutando para Viver (ALpViver) éuma associação de pacientes do IPCEC quefunciona em uma sala do hospital. Seu objetivoprincipal seria o de apoiar os pacientes do IPCECcom cestas básicas de alimentos. No entanto,constitui também um local de trocas de infor-mações e experiências entre os pacientes, comoveremos na discussão dos dados.

A ALpViver formou-se a partir da iniciativade duas enfermeiras do Hospital-Dia no senti-do de pôr em prática a Campanha do Leite. Es-sa campanha procurava ajudar pacientes do IP-CEC cuja situação socioeconômica, agravadapela doença, impedia a alimentação adequadados filhos. Contudo, outros pacientes começa-ram a levar suas dificuldades para as enfermei-ras, as quais propuseram que eles assumissemo trabalho, considerando que muitos, apesar dese encontrarem em estado de saúde estabiliza-do, já não tinham vida laboral ativa.

Aceitando o desafio, duas pacientes toma-ram a frente da campanha e, em 1998, foi cria-da a associação de pacientes, intitulada Asso-ciação Lutando para Viver e Amigos do Institu-to de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (ALp-Viver), sediada em uma sala do hospital, ondehavia sido desativado o almoxarifado. Na salaforam disponibilizados um microcomputadore uma impressora – doados por colaboradores

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externos –, mesa, cadeiras, livros, estantes e pra-teleiras – onde os alimentos são armazenados –e telefone com ramal próprio.

Na época da pesquisa, de janeiro a outubrode 2000, a associação contava com a participa-ção voluntária de dez pacientes, os quais se re-vezavam em turnos durante a semana, das 9 às15 horas. Essa participação dependia da dispo-nibilidade e vontade de cada um. Desses dez pa-cientes, sete eram portadores do vírus HIV/Aids,ficando clara a maior participação desse grupona administração da ALpViver.

Os participantes dividiam-se em funções ecargos diferenciados, definidos no estatuto daassociação, mas, na prática, nem sempre as ta-refas eram realizadas de acordo com as funçõesdeterminadas pelo cargo. Como eles mesmosdisseram: “cada um faz o que quer e o que sepropõe a fazer”.

Em agosto de 2000, a ALpViver apoiava,com cestas básicas de alimentos, 78 pacientescadastrados na associação. Contava com 40 as-sociados, entre amigos e parentes dos pacien-tes, e, em sua grande maioria, com funcioná-rios do hospital. Desses associados, 21 colabo-ravam com doações mensais sob a forma de di-nheiro ou alimentos, ao passo que os 19 restan-tes faziam doações esporádicas.

Além das doações individuais, a ALpViverrecebia mensalmente 29 cestas básicas prontasprovenientes da Associação de Funcionários doBNDES (Banco Nacional do DesenvolvimentoEconômico e Social) e 39 da Associação de Ser-vidores da Fundação Oswaldo Cruz (Asfoc). Emcasos emergenciais, a associação prestava auxí-lio a pacientes do hospital, através do serviçosocial, com dinheiro para passagem de ônibuse doações de vitaminas, roupas ou brinquedos.

O auxílio material aos pacientes mais caren-tes – mães, pessoas em situação de desempregoou que esperavam auxílio-doença ou aposenta-doria – caracterizava-se como o objetivo prin-cipal, a razão de ser da associação. Ao mesmotempo, configuravam-se outros objetivos maisinformais, como aconselhar e dar orientaçãoem relação ao tratamento e ao viver com Aids.

ALpViver estimula rede de apoio social

A associação é um espaço onde os pacientescompartilham experiências sobre temas comoproximidade com a morte, sexualidade e HIV,preconceito, esperança de cura e qualidade devida. Ali se faz um trabalho cotidiano, de for-

ma não-sistematizada, voltado a informar econscientizar os demais pacientes sobre a im-portância de não desistir, de aderir aos medica-mentos e ao tratamento, de cuidar da higiene eda alimentação.

Os que compareceram à associação parabuscar a cesta básica de alimentos acabarampor estabelecer algum tipo de vínculo com ospacientes que trabalham ali, transformando olocal em espaço de encontro e convivência. Umdos objetivos da ALpViver era a aproximaçãoentre os pacientes como meio para combater atendência ao isolamento e suas conseqüências.

Esses pacientes preocuparam-se em com-partilhar informações, discutir questões relati-vas ao tratamento e à relação médico-paciente.Havia apoio mútuo, principalmente em rela-ção ao tema da adesão aos medicamentos anti-retrovirais. O amparo estendeu-se também apacientes que compareceram à associação parabuscar donativos. Um paciente fala da impor-tância do apoio mútuo: quando uma pessoa es-cuta a história de uma outra pessoa que já pas-sou por aquilo e sobreviveu a todos esses medos,(...) eu acho que ajuda. (Paciente no 5).

Surgiram propostas, entre os pacientes, dedesenvolver ações mais sistemáticas com o con-junto de pacientes do hospital como, por exem-plo, visitas aos doentes internados, produçãode informativos educativos e formação de umgrupo para discutir questões relativas ao vivercom HIV – medicamentos, sexualidade, famí-lia, etc. Outra proposta foi a formação de umgrupo para trabalhos de prevenção em outroshospitais e escolas. Essas idéias demonstramque a mobilização dos pacientes da associaçãose dava principalmente em torno das questõesrelativas ao HIV/Aids.

Observou-se, igualmente, que durante operíodo estudado as ações da ALpViver se vol-taram mais para o espaço da associação, ou se-ja, para dentro. Exceções foram as participa-ções pontuais em reuniões institucionais doHospital, efetivando-se o estabelecimento darepresentação dos usuários no Conselho Deli-berativo do hospital, embora, como observa-ram alguns profissionais, a participação fossebastante incipiente do ponto de vista de in-fluência nas decisões.

Seus integrantes participaram de eventosda Fiocruz para a comunidade, nos quais fize-ram trabalho de prevenção ao HIV e, ao mes-mo tempo, recolheram donativos para a asso-ciação. Da mesma forma, os eventos realizadosdentro do hospital – como o Café Positivo, que

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reuniu pacientes, familiares e profissionais –foram significativos.

Essas ações são evidências de que a associa-ção desempenha vários papéis no Hospital. Va-mos nos ater aqui ao que consideramos o papelmais ativo da ALpViver no período observado,a saber, o de estimular uma rede de apoio so-cial a partir do Hospital.

A associação proporcionou maior integra-ção entre os pacientes, formando laços de ami-zade e fortalecendo a rede social dentro doHospital, pois esta envolveu também funcioná-rios, familiares e amigos. Como rede de solida-riedade, congregou funcionários do BNDES,da Asfoc e demais associados. A atuação da as-sociação implicou então a formação de uma re-de de apoio, através de contatos e relações.

O fortalecimento dessa rede contra o isola-mento e, muitas vezes, a rejeição por parte dafamília e de amigos, proporcionou o acolhi-mento crucial para a retomada dos laços, da so-ciabilidade. Da mesma forma, a aproximaçãoentre os pacientes se efetivou nos eventos so-ciais realizados pela ALpViver, como almoçosde confraternização nas residências de pacien-tes, comemorações de aniversários, visitas apessoas internadas no Hospital ou em repousono domicílio. Outros eventos procuraram en-volver toda a comunidade do hospital, como oque foi organizado no Café Positivo, em refe-rência ao Dia Internacional da Aids.

Como foi dito acima, o processo de empo-werment diz respeito ao aumento da capacida-de de os indivíduos se sentirem influentes nosprocessos que determinam suas vidas. No casoaqui discutido, o processo de destituição – re-lacionado também aos efeitos patogênicos dainternação no hospital – leva os pacientes a sesentirem isolados e impotentes diante da con-dição em que estão vivendo. Ficar sem fazer na-da, sem vida laboral, principalmente para osque eram ativos, tende a favorecer o pensamen-to na doença, como diz um dos pacientes: vocêficar o dia inteiro dentro de casa, você começa apensar besteira,... aí acha que qualquer espirro-zinho, que você tá doente. (Paciente nº 5).

Assim, a associação conforma um espaçode oportunidade para agir novamente no mun-do. Para esses pacientes – fragilizados pela con-dição de saúde que provocou sua retirada dosprocessos produtivos, quando já não se encon-travam fora, e o agravamento da situação decarência econômica, afora o conseqüente isola-mento social –, a participação no grupo e a en-trada em uma rede de solidariedade e apoio

possibilita a retomada dos laços sociais em si-tuação na qual esses laços são ainda mais ne-cessários.

Nesse sentido, a união em torno de objeti-vos comuns e a transmissão de informações re-levantes quebram o isolamento, favorecendo ocompartilhar de problemas, o que pode ser me-lhor compreendido nas palavras de um pacien-te: (...) um chega aqui e fala ‘ah, tomei um remé-dio novo’, experiência, né, passar experiência deum pro outro. (Paciente no 2).

Dessa maneira, os que ajudam sentem-sefortalecidos pelo fato de terem condições deapoiar outro paciente mais carente. Isso podecontribuir para elevar a auto-estima tanto doreceptor, que se sente foco da atenção de al-guém, quanto do doador, que se sente mais ati-vo e importante, conforme depoimento de pa-ciente: (...) tinha depressão, ficava só dentro decasa, acomodada. Vim aqui e fiz novos amigos,conversando, compartilhando e passando expe-riência. (...) Tive mais força de vontade para vi-ver, mais ânimo. Eu era uma pessoa muito tími-da, muito fechada, fiquei mais comunicativa.(Paciente no 3).

A preocupação em transmitir informaçõesreflete o empowerment individual, ou seja, re-velam-se capacidades e aumenta a responsabi-lização com a própria saúde, estimulando-seoutros pacientes a buscarem informação e adialogarem com seus médicos. Há um reconhe-cimento das limitações do trabalho dos profis-sionais de saúde, principalmente do médico,que nem sempre tem tempo suficiente para ex-plicar detalhadamente como os pacientes de-vem agir. Essa limitação não pode ser atribuídaà competência ou incompetência dos médicose, tampouco, apenas ao nível sociocultural dospacientes. Seria, antes, um efeito inerente aopróprio modelo assistencial, extremamentecentralizado na figura do “doutor”.

A posição social mais humilde da grandemaioria dos pacientes que procuram o IPCECcontribui para fortalecer o poder do médico.Diante da linguagem diferenciada deste, dianteda diferença cultural, dentre outras desigualda-des, o paciente muitas vezes sente-se constran-gido, acuado para comunicar seus problemas.No entanto, ao se encontrar diante de outropaciente, essa dificuldade não existe ou, se exis-te, é bem mais diluída, já que estão na mesmasituação, do mesmo lado. Nesse sentido, a asso-ciação contribuiu para que os pacientes ga-nhassem mais autonomia, aprendendo a cui-dar melhor da própria saúde sem a necessidade

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permanente do aval e/ou da intervenção domédico.

A maior convivência entre pacientes/pa-cientes e pacientes/profissionais, resultante daparticipação na associação, que implica maiorpermanência no espaço do hospital, tambémpossibilita que se detecte com mais clareza al-gumas dificuldades bem concretas que podeminterferir na eficácia do tratamento. Isso podeser mais bem compreendido nas palavras deum paciente: Porque daí já houve caso de pa-ciente falar que toma o remédio errado, ele chegapra mim e fala, aí eu vejo e conto pro médico eele diz que não tá sabendo de nada, que não viunada. (Paciente no 4).

Além de favorecer a transmissão de infor-mação correta sobre o tratamento e, portanto,influir sobre sua eficácia, a existência de rela-ção direta entre a participação na ALpViver e amelhoria na saúde dos pacientes, a partir davontade de viver e engajamento no tratamento,foi apontada por alguns profissionais. Isso sereflete na descoberta e no desenvolvimento decapacidades administrativas e sociais, de habi-lidades individuais de ajudar e buscar informa-ção e na recuperação da vontade de viver e deatribuição de um sentido para a vida.

No plano psicológico, verificou-se que há re-cuperação da auto-estima, surgindo novo senti-do para a vida, como no depoimento: A gente vêque tem uns pacientes que estão muito envolvidosna associação e tudo o mais, eles recuperaram avontade de viver, o sentido da vida. (Médico).

Já no plano social e institucional, com basena atuação na AlpViver, os pacientes passam aser reconhecidos como mais informados e au-tônomos, capazes de constituírem uma rede decontatos e de se responsabilizarem mais pelaprópria saúde. Para os profissionais mais oti-mistas, a associação provocou uma mudança dolugar do paciente no Hospital, trazendo benefí-cios ao conjunto de pacientes, como atesta odepoimento: eles estão mais inteirados, mais ci-dadãos, conhecem tudo aqui no hospital, as pes-soas, (...) estão mais comunicativos, mais respei-tados... os outros pacientes estão ganhando comisso, estão se informando das coisas. (Psicóloga).

Todos esses processos sinalizam mudançasculturais que conferem ao usuário do serviçopúblico de saúde – na maioria advindo de umhistórico de dificuldades econômicas e com bai-xa escolaridade – um lugar de sujeito ativo noprocesso de construção da saúde, contribuindopara a construção de uma sociedade mais par-ticipativa na esfera dos serviços de saúde.

Considerações finais

Tomando como referência os conceitos de redesocial, apoio social e empowerment, procuramosentender o papel da ALpViver para produçãode autonomia e participação dos pacientes emum conjunto de atividades, bem como o efeitodesses processos sobre seu estado de saúde.

Vimos que a ALpViver, através de ações deapoio social, possibilitou a formação e o estrei-tamento de uma rede de relações sociais e aju-da mútua. Essas ações constituíram mecanis-mos de aproximação dos pacientes em direçãoa objetivos comuns, contribuindo para seu em-powerment no sentido do desenvolvimento e dadescoberta de capacidades individuais, do au-mento da auto-estima e de um papel mais ati-vo no tratamento.

Saindo de uma situação de internação e de-sesperança, os pacientes encontraram a possi-bilidade de agir novamente no mundo. De umasituação de crise na qual as redes sociais se en-fraquecem, a estrutura de apoio social possibi-litou a reconstrução de novas redes de relaçõessociais.

Ainda que existindo na fronteira entre a for-malidade e a informalidade, a associação mos-trou seu importante papel para a aproximaçãodos pacientes e circulação de informações. Nocaso dos soropositivos, a perspectiva da morte– quando se descobrem com o vírus HIV posi-tivo – e a esperança de cura e de levarem umavida normal são experiências que não se restrin-gem ao espaço clínico ou à relação médico/pa-ciente. A existência da ALpViver possibilitouencontros e apoios mútuos para além do espa-ço clínico, ainda que no interior do hospital.

Uma associação de pacientes significou apossibilidade de reconstituir laços sociais e deajuda mútua – em contexto no qual a possibili-dade de as pessoas participarem dos processosque lhes dizem respeito como cidadãs e que in-fluenciam diretamente suas vidas é bastante di-ficultado pela insegurança e pressão causadaspela instabilidade social e econômica, reforça-da pela baixa escolaridade. O sentimento departicipar de uma comunidade, de se sentir im-portante e parte de alguma ação social foi ca-paz de fazer com que esses indivíduos elevas-sem sua auto-estima e recuperassem algum sen-tido para continuar vivendo.

Tomando o caso de uma pequena unidadede saúde vê-se então que a valorização da par-ticipação não apenas promove bases para o in-cremento da cultura cívica, mas pode fomentar

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um círculo virtuoso capaz de minorar condi-ções sociais e de saúde adversas. Nos serviços desaúde, a participação do usuário passaria basi-camente pela maior democratização da infor-mação e pelo reconhecimento dos usuários co-mo sujeitos no processo do cuidado com a saúde.

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Artigo apresentado em 10/6/2002Aprovado em 25/9/2002Versão final apresentada em 16/10/2002