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o apocalipse siraco de daniel
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Coleo ApocryphA
O Apocalipse siraco de Daniel, Marcus Vinicius Ramos
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DANIEL
MARCUS VINICIUS RAMOS
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Direo editorialClaudiano Avelino dos Santos
Coordenao de revisoTiago Jos Risi Leme
CapaRaquel Ferreira Cardoso
Imagem da capaiStock
Editorao, impresso e acabamentoPAULUS
PAULUS 2017
Rua Francisco Cruz, 229 04117-091 So Paulo (Brasil)Tel.: (11) 5087-3700 Fax: (11) 5579-3627paulus.com.br [email protected]
ISBN 978-85-349-4496-0
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1a edio, 2017
Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)(Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Ramos, Marcus Vinicius Apocalipse siraco de Daniel / Marcus Vinicius Ramos. So Paulo: Paulus, 2017. ISBN: 978-85-349-4496-0
1. Bblia. A.T. Daniel - Crtica, interpretao, etc. 2. Bblia. N.T. Apocalipse - Crtica, interpretao, etc.3. Literatura apocalptica I. Ttulo.
17-00811 CDD-228.06
ndices para catlogo sistemtico:1. Apocalipse de Daniel: Interpretao e crtica 228.06
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CLARINHA.
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Livre-se da complacncia simples da mente, que procura
colocar as coisas em ordem e espera subjugar fenme-
nos. Livre-se do terror do corao, que procura e espera
encontrar a essncia das coisas. Conquiste a ltima, a
maior tentao de todas: a esperana.
Nikos Kazantzakis
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ApresentaoO Apocalipse siraco de Daniel um pouco conheci-
do pseudoepgrafo cristo posterior ao sculo VII EC. Ele
embeleza a histria bblica de Daniel, o qual na primeira
parte do texto serve na corte de vrios monarcas estran-
geiros. A poro mais longa do Apocalipse inclui a viso de
Daniel sobre o final dos tempos. Essa viso comea com
a revolta dos povos do Norte e culmina com a chegada do
Messias, a grande cena do julgamento e o banquete mes-
sinico na Nova Jerusalm.
A histria da recepo do livro bblico de Daniel no
judasmo e no cristianismo tem sido notvel, e o Apocalipse
siraco de Daniel junta-se agora s fileiras dos muitos outros
apocalipses ps-bblicos atribudos a um vidente bblico. O
trabalho sobrevive num nico manuscrito siraco do sculo
XV EC, que desde sua publicao original, h pouco mais
de uma dcada, tem recebido ateno apenas esparsa. , no
entanto, uma composio importante, principalmente por
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o apocalipse siraco de daniel
conta dos numerosos e intrigantes tropos exegticos e te-
mas apocalpticos nele contidos, alguns dos quais so bem
conhecidos de outros escritos, enquanto outros parecem
ser originais para essa composio.
Marcus Vinicius Ramos escreveu um livro notvel,
pelo qual merece a nossa sincera gratido. Para escrev-lo,
passou os anos letivos de 2012 e 2013 pesquisando o ma-
nuscrito no Instituto Oriental da Universidade de Oxford,
onde traduziu a totalidade do texto original do Apocalipse
siraco de Daniel para o portugus. Este livro baseado em
sua tese de doutorado apresentada Universidade de Bra-
slia em 2014, intitulada: O livro e o manuscrito: texto, tra-
duo e comentrio ao Apocalipse Siraco de Daniel. Esta
a primeira e nica traduo, alm de um breve coment-
rio do Apocalipse siraco de Daniel para a lngua portuguesa.
Nas ltimas dcadas, temos visto um aumento no-
tvel da ateno acadmica sobre a literatura apocalpti-
ca, e, sem dvida, esse texto ser de grande interesse para
aqueles que estudam a histria do pensamento apocalp-
tico, especialmente para aqueles que trabalham com a li-
teratura siraca do sculo VII EC. Somos particularmente
gratos ao Dr. Ramos por ter escrito o texto disponvel para
o pblico que fala portugus, e por nos fornecer o seu pr-
prio comentrio sobre esse texto intrigante.
Matthias Henze Isla Carroll e Percy E. Turner
Professor de Bblia Hebraica e de Judasmo AntigoUniversidade Rice Houston, Texas
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PrefcioTradicionalmente associados a uma literatura
de resistncia, os apocalipses vm sendo tratados nas
ltimas dcadas como um gnero exclusivamente lite-
rrio, e sob essa ptica tm sido predominantemente
colocadas as questes textuais e exegticas, isolados
os modos de pensamento, e identificados os contextos
sociais desses textos. Tal enquadramento nem sempre
se ajusta, no entanto, aos apocalipses escritos nos pri-
meiros sculos da Era Comum, especialmente no caso
daqueles atribudos a Daniel. Compostos em diversas
lnguas e em sua maioria sem sinais de dependncia
mtua, muitos desses textos recorrem a tradies di-
ferentes, como a vinda do Anticristo e a revolta dos
povos do Norte no final dos tempos, liderada por Gog
e Magog. O Apocalipse siraco de Daniel, virtualmente
desconhecido at o incio deste sculo, corresponde a
um desses exemplos.
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ABREVIATURAS
1. Geral
AEC Antes da Era Comum AT Antigo Testamentoca. por volta de, aproximadamenteEC Era Comumcf. comparecap(s). captulo(s)col(s). coluna(s)ed(s). edio(es)ep(s). epstola(s)fol(s). flio(s)frg(s). fragmento(s)l(l). linha(s)lit. literalmentems(s). manuscrito(s)n(n). nota(s)NT Novo Testamentop. pgina(s)v(v). verso(s)
2. Lnguas, verses e edies de textos bblicos
BH Bblia hebraica LXX Septuaginta P Peshitta Syr Siraco T Targum V Vulgata
3. Livros bblicos (incluindo apcrifos e deuterocannicos)
Gn Gnesis Ex xodo Lv Levtico Nm Nmeros Dt Deuteronmio Js Josu Jz Juzes Rt Rute1-2Sm Samuel1-2Rs Reis 1-2Cr Crnicas
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inTrodUo
Esd Esdras Ne Neemias Est Ester Sl Salmos Pr Provrbios Ecl/Qoh Eclesiastes/Colet Ct Cntico dos Cnticos Is Isaas Jr Jeremias Ez Ezequiel Dn Daniel Jl Joel Am Ams Hab Habacuc Zc Zacarias Tb Tobias Eclo/Sir Eclesistico/Sircida Br Baruc1-4Mc Macabeus Mt Mateus Jo Joo At Atos dos Apstolos 1-2Cor Corntios 1-2Ts Tessalonicenses 1-2Tm Timteo 1-2Pd Pedro 1-3Jo Joo Ap Apocalipse
4. Pseudoepgrafos do Antigo Testamento
1En Apocalipse etipico de Enoch 2Br Apocalipse siraco de Baruc 4Ez Apocalipse de Esdras ApEl Apocalipse de Elias ApStTJn Apocalipse do Santo Telogo JooAscenIs Ascenso de Isaas Jub Jubileus L.A.B. Liber Antiquitatum Biblicarum SibOr Orculos sibilinosSibOrTib Sibila tiburtina
5. Padres apostlicos e apcrifos do Novo Testamento
ActsPaul Atos de PauloApPd Apocalipse de Pedro Barn Epstola de Barnabas
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o apocalipse siraco de daniel
Did DidachJovem Apocalipse do jovem Daniel SyrDan Apocalipse siraco de Daniel
6. Outros testemunhos e trabalhos judaicos e cristos da Antiguidade
Aph Afrahat Dem Demonstraes Ath Atnasio de AlexandriaEF Epstola festivaBardesanesBLC O Livro das Leis dos Pases Ephr Efrm, o SrioCntJul Hinos contra Juliano Eus Eusbio da CesareiaDmEvg Demonstrao do Evangelho HE Histria eclesistica Hipp Hiplito de Roma Anti AnticristoIr IrineuAH Contra as heresias Jer Jernimo CommDan(Pr) Comentrios sobre Daniel (Prlogo)CommEzek Comentrios sobre EzequielJos JosefoAnt. Antiguidades judaicas BJ Guerra dos judeusJus Justino, o MrtirDialTrifo Dilogo com Trifo ub ubhalmaran BkGft Livro dos presentesTert Tertuliano de CartagoApolg Apologia ResCar Ressurreio da carne
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IntroduoAps a morte de Alexandre, em 323, a Judeia passou
a integrar o reino Lgida e assim permaneceu at o final
do sculo III AEC. Durante esse perodo de mais de um
sculo, enquanto seus gestores procuraram consolidar o
modelo de administrao ptolomaica na regio, parte da
populao resistia mudana, invocando a peculiar rela-
o existente entre o povo escolhido e seu Deus. Ecos
desse ressentimento j podiam ser encontrados em Isaas,
que informava estar a terra profanada, as leis transgre-
didas e a aliana eterna rompida (Is 24,5-6).1 Queixas
semelhantes foram tambm relatadas na segunda parte
de Zacarias, cujo texto foi provavelmente escrito aps as
conquistas de Alexandre, nas ltimas dcadas do sculo
IV AEC. Embora guardando pouca homogeneidade entre
si, vrios de seus captulos revelavam a indisfarvel ani-
1 Isaas teria vivido na segunda metade do sculo VIII AEC.
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mosidade dos judeus em relao crescente helenizao
da regio e, tal como em Isaas, condenavam a submisso
do povo judaico ao opressor estrangeiro, incitando-o a
destruir todas as naes que avanam contra Jerusalm
(Zc 12,9). A fora dessas palavras deixava claro que as mu-
danas na atividade econmica e nos hbitos religiosos
efetivadas por administradores helenizados, fossem eles
nativos ou estrangeiros, incomodavam, se no o todo, boa
parte da sociedade judaica, pouco acostumada quelas
prticas (EDDY, 1961, p. 187).
Os sinais que chegavam da Dispora, uma popula-
o obviamente mais exposta ao mundo gentio, interfe-
riam cada vez mais na cultura e na religio dos residentes
na Judeia. Essa presena j era evidente, por exemplo, em
Tobias,2 em que a influncia de costumes persas era clara,
tanto nos personagens quanto na ambientao da histria
que narrava (Tb 3,8; 6,10). Como Isaas e Zacarias haviam
feito anteriormente, Tobias manifestava inconformismo
com as duras condies enfrentadas pelos judeus, e as as-
sociava dominao estrangeira. No difcil imaginar que
a m vontade desses autores fosse utilizada pela populao
menos favorecida contra o comportamento da populao
privilegiada, cada vez mais identificada com a lngua, o
modo de administrar e a religio dos seus senhores. Assim,
quando as tropas selucidas sob o comando de Antoco III
2 Eclesistico e Tobias no fazem parte da Bblia Hebraica, mas so reconhecidos como cannicos pela Igreja catlica. Ambos teriam sido escritos por volta do ano 200 AEC, na Judeia.
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inTrodUo
invadiram a Judeia em 201 AEC, receberam franco apoio
popular, recompensado aps a vitria com isenes de ta-
xas e outros privilgios, conforme relata Josefo:
Uma vez que os judeus, aps a nossa primeira en-trada em seu pas, demonstraram a sua amizade para conosco e, quando chegamos sua cidade [Jerusalm], nos receberam de forma esplndi-da, vindo ao nosso encontro com o senado, e nos deram provises e elefantes em abundncia para os nossos soldados, juntando-se a ns em ejetar a guarnio dos egpcios que estavam na fortale-za, temos pensado ser adequado recompens-los; e para recuperar a condio de sua cidade, hoje muito despovoada por tais acidentes [...] determi-namos, por conta de sua piedade para com Deus, conceder a eles como compensao pelo sacrifcio de seus animais que estavam aptos para o sacri-fcio, pelo vinho, o azeite e o incenso, o valor de vinte mil peas de prata [...] E esses pagamentos eu pagarei integralmente a eles, como enviei ordens a voc. Tambm gostaria de ter o trabalho sobre o templo terminado [...] tambm dispens-los no futuro de uma terceira parte de seus impostos, de modo a reparar as perdas que sofreram. E todos aqueles cidados que foram levados e se tornaram escravos, ns concederemos a eles e aos seus filhos a liberdade (Ant. 12.3.3).
Essa maior lenincia com o povo judeu, observada ao
longo do primeiro quartel do sculo II AEC, refletiu-se na
literatura da poca, principalmente nos escritos de Jesus
ben Sirach. Sem utilizar o tom inflamado dos textos atri-
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budos a Isaas, Zacarias e Tobias, ben Sirach enfatizava
no Eclesistico a lealdade que o povo judaico se obrigava
a prestar a seu Deus e a seu Templo (Eclo 7,29-35), a qual
devia continuar a ser intermediada pelo sumo sacerdote.
A estrita observncia Lei, pregava, seria a nica maneira
de se preservar a integridade da religio e da sociedade.
O governo selucida no deixaria de ser, no entanto,
muito diferente daquele que o antecedeu, e a derrota sofri-
da diante dos romanos em Magnsia (190 AEC) no demo-
rou a se fazer sentida. A necessidade de enfrentar a ameaa
crescente de romanos e partas, o esgotamento econmico
provocado pelo constante aumento de taxas, as permanen-
tes campanhas militares contra os vizinhos e a reforma re-
ligiosa levada a efeito por Antoco IV Epfanes reverteram,
em pouqussimo tempo, as condies dos judeus mesma
situao da gerao anterior. preciso notar, no entanto,
que tais medidas no caracterizavam necessariamente uma
perseguio de natureza religiosa, e sim poltica, pois ti-
nham como objetivo primrio a destruio do corpus legal
observado pelos judeus, e no abolir ou eliminar um deus
ou um povo especificamente (EDDY, 1961, p. 211-212). O
reinado de Antoco IV Epfanes e a perseguio do povo
judeu pelo imperador selucida esto descritos no livro de
Daniel, cujo texto trata da crescente helenizao da regio,
personificada em Nabucodonosor e sua corte. Muitas das
ideias expressas nesse apocalipse3 provavelmente chegaram
3 Do grego (revelao).
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a Jerusalm por meio das comunidades judaicas resi-
dentes na Prsia ou na prpria Babilnia. Denunciavam
os males da idolatria e os perigos que tal prtica trazia
verdadeira religio, antecipando a interveno divina na
materializao de um reino que jamais ser destrudo,
um reino que jamais passar a outro povo, mas que dura-
ria para sempre (Dn 2,44).
O movimento que congregava aqueles que posterior-
mente viriam a ser conhecidos como cristos, concentra-
do inicialmente em Jerusalm (At 2,44-47), em breve se di-
fundiria por todo o Imprio Romano, dando origem a um
processo que iria proporcionar aos seus seguidores uma
sensao relativamente estvel, amplamente comparti-
lhada e socialmente incorporada, de quem eram e o que
representavam pelos dois sculos seguintes. A formao
de tal identidade seria estimulada pela tendncia dessas
comunidades de se sentirem parte de um nico povo,
uma vez que as discordncias e discrepncias entre elas
no seriam suficientes para superar o sentimento comum
de envolvimento e dependncia mtua. Essa coeso seria
tambm fortalecida pela convico de estarem alienadas
da ordem mundial, pois, se o mundo exterior as entendia
como potencialmente perigosas, tambm elas considera-
vam que a ordem estabelecida estava sob o domnio de
poderes hostis a Deus e a Cristo (NORRIS, 2004c, p. 71).
No seria correto, no entanto, considerar nesses
primeiros tempos que essas comunidades j professa-
vam uma nova religio, uma vez que o cristianismo no se
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desenvolveu de modo paralelo f judaica, mas sim como
uma corrente dentro do judasmo do Segundo Templo.
No seria, portanto, possvel atribuir uma data precisa
para essa separao, embora parea provvel que cristos
e judeus j estivessem afastados poca da revolta de Bar
Kochba (132-135 EC). A expulso dos judeus de Jerusalm
e a mudana do nome de Judeia para Palestina medidas
levadas a efeito como consequncia dessa derrota colo-
caram, porm, a cristandade como um culto independen-
te aos olhos de Roma, hostil aos seus deuses e contrria
ordem vigente. Aqueles que professavam a nova f no
deixariam, porm, de se reconhecer como herdeiros da
mesma histria cultuada pelos judeus, da qual se consi-
deravam legtimos sucessores (NORRIS, 2004c, p. 79).
A rpida expanso e as acomodaes necessrias
prpria sobrevivncia dentro do Imprio Romano viriam
a modificar significativamente o pensamento apocalpti-
co dessas primeiras comunidades crists. Confrontada
pela demora da chegada da Parsia,4 e ainda que formada
no mesmo cadinho das tradies apocalpticas judaicas,
a apocalptica crist daria incio, no sculo II, criao
de novos cenrios para o drama que se desenrolaria no
final dos tempos, perdendo as preocupaes histricas
caractersticas dos textos judaicos produzidos no pero-
do intertestamental. Entre os principais componentes
desse processo, encontravam-se o desenvolvimento da
4 Do grego (presena).
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figura do Anticristo, a revitalizao do tema das idades do
mundo e a valorizao do milenarismo (McGINN, 1979, p.
16-18). O prprio estilo dos apocalipses modificou-se, pas-
sando a intensificar o foco no presente e no futuro ime-
diato, uma vez que o(s) autor(es) de um apocalipse cristo
escrevia(m) sob uma perspectiva cronolgica diferente da
judaica. Afinal, a vinda do Messias j havia acontecido,
e o exemplo de Cristo, especialmente seu sofrimento e
morte, estava disponvel como fonte de inspirao para
o visionrio. Contudo, os valores ticos presentes nesses
apocalipses no foram muito diferentes dos que os ante-
cederam. Tanto quanto aqueles que professavam a f ju-
daica, os cristos tambm procuraram expressar naque-
les textos os medos e esperanas que os atormentavam
(COLLINS, 1998, p. 278).
A maioria dos estudos sobre a origem das primeiras
comunidades crists e suas relaes com outros grupos
religiosos esteve, porm, confinada por sculos aos limi-
tes ocidentais do Imprio Romano. Eusbio, por exem-
plo, deu pouca ou nenhuma ateno quelas situadas nas
provncias romanas orientais em sua Histria eclesistica
(a primeira narrativa crist com pretenses historiogrfi-
cas, escrita em torno de 325) e praticamente ignorou as
situadas junto aos limites do Imprio Sassnida. O peso
desse modelo ocidental e a grande influncia que essa
obra teve sobre a histria da Igreja deixaram a impresso
de que a cristandade constituiu um fenmeno restrito ao
mundo cultural greco-latino, uma vez cortados os laos
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o apocalipse siraco de daniel
que o conectavam s suas razes judaicas, praticamente
marginalizando uma terceira tradio, a cristandade sira-
ca (BROCK, 1992, p. 212). No de se estranhar, portanto,
que pouco se saiba a respeito da cristandade de fala ara-
maica entre as populaes que viviam nas regies mais ao
leste do Imprio Romano.5
A LITERATURA SIRACA NOS PRIMEIROS SCULOS DA CRISTANDADE
Variante do aramaico, o idioma siraco6 foi a lngua
franca do Oriente Mdio durante quase todo o milnio
que antecedeu as invases rabes. Originrio da regio
que tinha como centro cultural e comercial a cidade de
Edessa,7 no noroeste da Mesopotmia (onde as primeiras
comunidades crists j estavam estabelecidas desde os
sculos II e III), foi por meio do siraco que a maior parte
da produo literria da cristandade oriental passou a ser
transmitida a partir do sculo IV (MURRAY, 2006, p. 4).
O livro de Daniel no deixou de influenciar a conscin-
cia coletiva daquelas comunidades, embora apenas uma
pequena proporo da literatura referente quele profeta
tenha sido composta nesse perodo. Datam dessa poca
5 Essas regies correspondiam aproximadamente ao Sudeste da Turquia moderna e totalidade dos territrios dos atuais Estados da Sria, Lbano, Jordnia e Israel.
6 O idioma siraco pertence ao grupo do ramo aramaico das lnguas semticas e era falado no Oriente Mdio, do Mediterrneo Mesopotmia e Assria (a leste), e s fronteiras do Egito e Arbia (ao sul).
7 Edessa, atual Urfa, situa-se na regio Sudeste da Turquia moderna, oitenta quilmetros a leste do rio Eufrates.