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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA APLICABILIDADE E EFICÁCIA DA PENA DE MORTE COMO INSTRUMENTO DE DEFESA SOCIAL: estudo de caso nos Estados Unidos da América Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito na Universidade do Vale do Itajaí. ACADÊMICA: ANA PAULA KRENTZ XAVIER São José (SC), outubro de 2004.

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Page 1: APLICABILIDADE E EFICÁCIA DA PENA DE MORTE COMO ...siaibib01.univali.br/pdf/Ana Xavier.pdf · RESUMO O presente trabalho destina-se a estudar a aplicabilidade e eficácia do instituto

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA

APLICABILIDADE E EFICÁCIA DA PENA DE MORTE COMO INSTRUMENTO DE DEFESA SOCIAL: estudo de caso nos Estados Unidos

da América

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito na Universidade do Vale do Itajaí.

ACADÊMICA: ANA PAULA KRENTZ XAVIER

São José (SC), outubro de 2004.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA

APLICABILIDADE E EFICÁCIA DA PENA DE MORTE COMO

INSTRUMENTO DE DEFESA SOCIAL: estudo de caso nos Estados Unidos da América

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito na Universidade do Vale do Itajaí, sob orientação do Prof. Msc. Rogério Dultra dos Santos.

ACADÊMICA: ANA PAULA KRENTZ XAVIER

São José (SC), outubro de 2004.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA

APLICABILIDADE E EFICÁCIA DA PENA DE MORTE COMO INSTRUMENTO DE DEFESA SOCIAL: estudo de caso nos Estados Unidos

da América

ANA PAULA KRENTZ XAVIER

Esta Monografia foi julgada adequada para obtenção do título de Bacharel e aprovada pelo curso

de Direito da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Educação de São José.

São José, 10 de novembro de 2004.

Banca Examinadora:

_______________________________________________________ Prof. Msc. Rogério Dultra dos Santos

UNIVALI – CE de São José Orientador

_______________________________________________________ Prof. Msc. Camila Cardoso de Mello Prando

UNIVALI – CE de São José Membro

_______________________________________________________ Prof. Giovani de Paula

UNIVALI – CE de São José Membro

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À Dulce e Walter, Fátima e Wolney.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais, Fátima e Wolney, pelo infinito amor e compreensão, por

estarem sempre ao meu lado, pela oportunidade que me deram de ter concluído esta etapa da minha vida, por todas as vezes que foram excelentes ouvintes de todos os percalços deste trabalho, e acima de tudo, por terem construído a minha história;

à minha irmã Juliana, por cada vez mais se mostrar uma amada amiga, ao meu namorado Neto, por ter estado ao meu lado nesses cinco anos, e por todo

carinho e compreensão que sempre demonstrou nos momentos difíceis, além de toda a ajuda, apoio e incentivo, sem os quais eu não concluiria este trabalho;

à sua família, onde encontrei verdadeiros amigos, à Sônia, pelo seu bom humor

em todas as horas, e por saber que sempre posso contar com toda sua dedicação, ao Waltamir, pela enorme ajuda e apoio, que me deram todo o suporte necessário à conclusão desse trabalho, à Isabela e Robson por todo o carinho com que sempre fui tratada;

às amigas Letícia e Fernanda, por serem as melhores amigas que alguém pode ter,

pelas inúmeras palavras de conforto e alegria e por estarem incondicionalmente ao meu lado, à Eliane, que representa para mim nada mais do que uma grande amiga, e por ter

transformado este ano no melhor ano que eu já vivi, ao Professor Rogério Dultra pela infinita paciência e apoio, até mesmo nos finais

de semana e pelas inúmeras idéias, que me transformaram em uma pessoa ainda mais apaixonada por esse tema;

à Anilde Comin, por toda simpatia, carinho e comprometimento com que sempre

me atendeu; às pessoas da Turma 63 do Curso Dale Carnegie, que com todo o seu apoio,

dedicação, entrega e com suas histórias, me tornaram uma pessoa melhor por ter conhecido todos vocês e as suas vidas,

e por fim, à minha família, em especial Walter, Neicir, Fernanda, Rafael e

Rodrigo, que de tantas maneiras contribuem para que a minha história seja uma história de felicidade.

Obrigada a todos.

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“Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim.”

Francisco Cândido Xavier

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SUMÁRIO

RESUMO................................................................................................................................... 8 INTRODUÇÃO....................................................................................................................... 10 1 A DEFESA SOCIAL COMO FUNDAMENTO HISTÓRICO DA PENA DE MORTE NA MODERNIDADE.................................................................................................................... 12 1.1 AS ESCOLAS PENAIS........................................................................................................... 12

1.1.1 A Escola Clássica.................................................................................................................. 12

1.1.2 A Escola Positiva .................................................................................................................. 17

1.2 DEFESA SOCIAL................................................................................................................... 20

1.3 A PENA DE MORTE COMO ELEMENTO INTEGRANTE DA DEFESA SOCIAL.......... 25

2 FUNDAMENTOS JURÍDICOS DA DISCUSSÃO SOBRE A PENA DE MORTE.......... 34 2.1 OS PRINCÍPIOS ELEMENTARES DA DEFESA SOCIAL ................................................. 34

2.2 O ATAQUE DA CRIMINOLOGIA CRÍTICA....................................................................... 38

2.3 O SISTEMA PENAL ATUAL E A DEFESA SOCIAL ......................................................... 53

3 PENA DE MORTE NOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA – ESTUDO DE CASO.. 62 3.1 LEGISLAÇÃO FEDERAL SOBRE PENA DE MORTE NOS ESTADOS UNIDOS DA

AMÉRICA ..................................................................................................................................... 62

3.1.1 Legislação do Estado do Texas............................................................................................. 64

3.2 APLICAÇÃO DA PENA DE MORTE NOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA............. 67

3.2.1 Ano de 1993.......................................................................................................................... 67

3.2.2 Ano de 1996.......................................................................................................................... 73

3.2.3 Ano de 1999.......................................................................................................................... 77

3.2.4 Ano de 2002.......................................................................................................................... 81

3.3 EFICÁCIA DA PENA DE MORTE NOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA:

ESTIGMATIZAÇÃO E SELETIVIDADE DAS MINORIAS ÉTNICAS ................................... 85

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................. 94 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................... 98

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RESUMO

O presente trabalho destina-se a estudar a aplicabilidade e eficácia do instituto da pena da

morte como instrumento da defesa social, a partir da definição dos fundamentos históricos do

instituto, realizada através do estudo das Escolas Penais, e do entendimento de seus maiores

expoentes, bem como a definição de seus fundamentos teóricos, à luz dos Princípios que baseiam

o Sistema Penal, e ainda, através da análise dessas definições em relação ao funcionamento do

Sistema na prática, traçando um perfil da atuação da pena capital nos Estados Unidos da

América. Juntamente com os fundamentos teóricos estudados nos capítulos iniciais e os

fundamentos da aplicação do instituto na prática, definidos com o estudo de caso realizado no

último capítulo do trabalho, é que vai ser possível solucionar a problemática acerca da utilização

da pena de morte como maneira eficaz de defesa social contra a criminalidade.

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – situação das mulheres sentenciadas à morte, de acordo com sua raça em 1993.......... 69

Tabela 2 – situação dos homens sentenciados à morte, de acordo com sua raça em 1993........... 70

Tabela 3 – sentenciados de acordo com raça, etnia e sexo em 1996............................................. 74

Tabela 4 – sentenciados de acordo com raça, etnia e sexo em 1999............................................. 78

Tabela 5 – número dos que foram executados por ano em cada estado........................................ 84

Tabela 6 – sentenciados por raça em 1993, 1996, 1999 e 2002.................................................... 86

Tabela 7 – executados por raça em 1993, 1996, 1999 e 2002....................................................... 88

Tabela 8 – relação entre sentenciados e executados de cada raça nos anos de 1993, 1996, 1999 e

2002............................................................................................................................................... 88

Tabela 9 – escolaridade dos sentenciados em 1993, 1996, 1999 e 2002....................................... 90

Tabela 10 – idade dos sentenciados em 1993, 1996, 1999 e 2002................................................ 91

Tabela 11 – condenações anteriores dos sentenciados em 1993, 1996, 1999 e 2002.................... 92

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INTRODUÇÃO

A questão da eficácia do instituto da pena de morte é um tema polêmico discutido há

muitos anos. O presente trabalho se propõe a estudar os fundamentos históricos e teóricos desse

instituto como meio de defesa social, bem como realizar uma análise de sua utilização nos

Estados Unidos da América, para identificar até que ponto é possível falar em eficácia da medida.

Para tanto, o primeiro capítulo vai tratar da identificação dos fundamentos históricos da

pena capital, através do estudo das Escolas Penais, mais precisamente, da Escola Clássica e da

Escola Positiva, bem como a defesa social como fundamento da existência da pena.

O estudo das Escolas Penais é precedido por uma abordagem da obra do doutrinador

Cesare Beccaria, que foi, na verdade, o precursor da Escola Clássica. Beccaria será estudado em

razão de suas idéias contra a violência exagerada das penas utilizadas na Idade Média, dentre elas

a pena de morte, para a qual elenca diversas razões na tentativa de demonstrar sua ineficácia.

Porém veremos que o autor defende a mesma em alguns momentos considerados críticos para a

ordem social como um todo, ou seja, momentos de ameaça à paz social de uma Nação, e ainda

em casos onde ela seja a única maneira capaz de desviar o indivíduo do cometimento de crimes.

Após, passa-se ao estudo da Escola Clássica e seus autores. Veremos que a mesma

entende o delito como um ente jurídico, ou seja, a Escola, inspirada no direito natural, utilizando

o método dedutivo, vai acreditar que o delito é a conseqüência da vontade livre e da liberdade

consciente do indivíduo. O criminoso para os Classicistas, como veremos, tem a liberdade de

desejar o resultado do ilícito praticado, pois age conforme seu livre-arbítrio, discernimento e

consciência. A Escola vai, portanto, estudar o crime como entidade jurídica, por se tratar do

principal problema da criminalidade.

Já a Escola Positiva, estudada posteriormente, vai utilizar o método indutivo ou positivo

para estudar os delinqüentes, bem como sua morfologia e psicologia. Acreditavam que estudando

os criminosos poderiam encontrar características comuns, e que através da identificação dessas

características seria possível segregar mais facilmente aqueles que as possuíssem, encontrando

assim, as causas da criminalidade, e controlando-a. Diante disso, os doutrinadores da Escola

Positiva vão substituir a idéia do livre-arbítrio por uma ciência da sociedade, com o objetivo de

diagnosticar cientificamente as causas do delito, possibilitando a “luta” contra a criminalidade. O

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crime vai deixar de ser um ente jurídico e passa a ser um fato social, praticado por um homem

que expressa sua conduta anti-social e sua personalidade perigosa e anormal, sendo, portanto,

irrecuperável. Assim, a pena de morte se torna uma intervenção característica dessa Escola e de

seu modelo de defesa social.

Após estudados os fundamentos históricos da pena capital passa-se à análise dos

fundamentos teóricos do instituto. Os princípios que baseiam o Sistema Penal são: o Princípio do

Bem e do Mal, que trata o delito como um perigo social e o delinqüente como um elemento

negativo e disfuncional do sistema; o Princípio da Culpabilidade, onde o delito é a expressão da

conduta interior reprovável de seu autor; o Princípio da Legitimidade, onde o Estado é a

expressão da sociedade, tendo, portanto, legitimidade de agir com repressão em defesa desta; o

Princípio da Igualdade, que afirma que o Direito Penal é igual para todos, e a reação penal é

aplicada a todos os criminosos de maneira igualitária; o Princípio da Legalidade, que garante que

o Estado é autolimitado pelo Direito Penal no exercício de sua função punitiva; o Princípio do

Interesse Social e Delito Natural, que diz que os tipos penais são violações dos interesses e

necessidades próprios de toda a sociedade, e por fim, o Princípio da Finalidade ou da Prevenção,

que diz que a pena não tem intenção de retribuir o delito, mas apenas de prevenir novos crimes.

Porém todos estes princípios vão ser negados pela Criminologia Crítica, ou seja, uma

série de pesquisas vai refutar a todos, demonstrando que o Sistema Penal na realidade não atua de

acordo com os mesmos.

Por fim, no último capítulo, vai ser realizado um estudo de caso sobre a pena de morte nos

Estados Unidos da América, para verificar se o Sistema que possui o instituto está agindo

conforme os fundamentos teóricos do mesmo, ou está funcionando de maneira seletiva e

rotulante, negando os Princípios em que deveria se basear. Para tanto, vai ser verificado o

funcionamento da pena, bem como suas características, ao longo dos anos de 1993, 1996, 1999 e

2002.

Deste modo, em função do estudo dos fundamentos históricos e teóricos da pena de morte

em comparação com seu real funcionamento, é que poderemos tratar da eficácia da medida,

objetivo da realização deste trabalho.

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1 A DEFESA SOCIAL COMO FUNDAMENTO HISTÓRICO DA PENA DE MORTE NA

MODERNIDADE

1.1 AS ESCOLAS PENAIS

1.1.1 A Escola Clássica

É de longa data a utilização do instituto da pena de morte contra o ameaçador da paz

social. Na Idade Média, o sistema penal garantia aos delinqüentes execuções públicas regadas

com uma violência exagerada1, com direito a fogueira, retalhamento, enforcamento,

estrangulamento e guilhotina, dentre outros2.

O cruel sistema de punição do feudalismo vai ser criticado por Cesare Bonesana, o

marquês de Beccaria, em seu livro Dos Delitos e das Penas, onde o autor vai propor uma reforma

penal, com a humanização do Direito Penal, examinando também a utilidade da pena de morte.

Ele traz a idéia de uma reforma judiciária, com a racionalização das penas e do processo,

condenando as penas corporais, a tortura e também a pena capital. Para ele cada indivíduo

deveria ser responsável por seus atos, seguindo seu livre-arbítrio, em perfeita harmonia com o

Contrato Social3.

Foi no Contato Social que o autor encontrou fundamento e legitimidade para as penas e

para o direito de punir, pois acredita que “somente a necessidade obriga os homens a ceder uma

1 Cf. DORNELLES, João Ricardo W. O que é crime. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1988, p. 21-22. 2 Cf. PINTO FILHO, Edison. Pena de Morte: A possibilidade jurídica da aplicação da pena de morte no Brasil

com base na Constituição de 1988. Monografia de Graduação – Direito, São José: UNIVALI, 2002, p. 28, 29, 31,34.

3 O Contrato Social foi proposto por Jean-Jacques Rosseau, na Inglaterra do século XVIII, pouco antes de Beccaria lançar sua obra, e consistia na soma das vontades e interesses do povo, agindo de acordo com sua própria vontade, e com sua própria responsabilidade. Cada indivíduo cederia uma parcela de sua liberdade para um ‘depósito público’, e a soma dessas porções mínimas é que forma o direito de punir, tudo mais seria abuso e não justiça. Falam-se mínimas, pois todos querem colocar a menor porção possível de liberdade no depósito, apenas o suficiente para induzir os demais a defendê-lo. A sociedade, portanto, cedeu ao Estado o direito de gerenciá-la, e também, defendê-la.

A idéia do Contrato Social surge quando a burguesia, inconformada com o poder baseado na religião e nos laços de sangue, passa a reivindicar um Estado contratual, onde o direito gerencia as relações, impondo limites e criando a ordem. Assim, aquele que se ajustasse ao modelo de Estado baseado no Contrato, teria sua convivência social e sua liberdade asseguradas pelo mesmo.

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parcela de sua liberdade. [...] A reunião de todas essas pequenas parcelas de liberdade constitui o

fundamento do direito de punir”4.

Ou seja, o direito de punir teria seu fundamento na idéia do contratualismo, justamente

para preservar a nova ordem social existente, daqueles que não se adequam a ela, devendo ser

punidos, pois a sociedade legitimou o Estado para tal.

Sobre a pena, Beccaria acreditava que esta deveria ser imposta pelo Estado como punição

pela ameaça à harmonia e ao Contrato Social e que ela deveria ser proporcional ao dano5.

Essa proporcionalidade entre as penas e os delitos seria necessária, pois a finalidade das

leis não é apenas punir os crimes, mas também evitar que os crimes mais graves sejam os de

maior número6. Para os crimes graves, punições mais severas, havendo assim um nexo

quantitativo entre o crime a e pena, pois se dois atos ferem desigualmente a sociedade, e recebem

a mesma punição, não haveria razão para o delinqüente escolher o menos grave7.

Ele atribuía à pena a finalidade preventiva, que impedisse o aumento da criminalidade.

Era, portanto, adepto da concepção da Teoria da Prevenção Geral Negativa8, que tem como

escopo a intimidação do criminoso, para impedi-lo de praticar o delito, ou reincidir9.

Condenava veementemente a pena de morte, exceto em casos de anarquia ou de guerra10,

casos em que a nação fica a ponto de perder ou recuperar sua liberdade, ou em épocas de

confusão, conflito interno, onde um cidadão ameaça a segurança pública, podendo prejudicar o

governo existente.

4 ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica: do controle da violência à violência do

controle penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997, p.50. 5 Cf. DORNELLES, João Ricardo W. O que é crime. p. 23-24. 6 CF. GARCIA, Basileu. Instituições de Direito Penal. Vol. I, Tomo I. 4ºed., São Paulo: Editor Max Limonad. p.

59. 7 Cf. GARCIA, Basileu. Instituições de Direito Penal. p. 59. 8 Sobre as concepções acerca da pena, temos as Teorias Absolutas e Relativas. Para a Teoria Absoluta a finalidade da

pena seria a retribuição do dano causado (o mal pelo mal; olho por olho, dente por dente). Já para a Teoria Relativa a finalidade da pena seria a prevenção, e se dividiria em Teoria da Prevenção Especial, e Teoria da Prevenção Geral. A Teoria Especial (diretamente sobre o autor do delito) se subdivide em Prevenção Especial Positiva, que seria aquela em que o criminoso seria reeducado e ressocializado, e em Prevenção Especial Negativa, que tem como objetivo a neutralização do delinqüente, com o uso de medidas de segurança ou através da pena de morte. Já a Teoria da Prevenção Geral se subdivide em Prevenção Geral Positiva, que seria aquela onde a pena tem o escopo de afirmar valores e regras sociais, ou seja, estimular comportamentos entendidos como válidos, e em Negativa, que seria a contramotivação ao comportamento contrário à lei, ou seja, impedir o indivíduo de cometer delitos, ou reincidir.

9 ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica., p. 56-57. 10 Cf. BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução de Paulo M. de Oliveira. WEB: 2003. Disponível

em: <<http://www.ebooksbrasil.com/eLibris/delitosB.html>> Acesso em 10 out. 2003.

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Para ele, a utilização da pena não significava a redução do número de crimes, pois

acreditava que o homem resiste à violência das dores extremas e rápidas mais facilmente do que

as pequenas dores, porém constantes. Portanto, a pena de morte, apesar de extrema, é rápida, e

seria para um homem mais fácil agüentá-la do que uma pena perpétua, por exemplo, onde o pesar

é longo e constante11.

Condenava também a violência utilizada nos castigos impostos nos séculos anteriores,

como os suplícios e as mutilações12. A pena, ao ser ver, deveria estar prevista na lei como meio

de advertir os indivíduos que pudessem cometer delitos13, e seria justa aquela que tivesse o rigor

certo para desviar os homens dos crimes14. Assim, a pena perpétua seria o mais indicado para

impedir os criminosos de delinqüir, pois ela possui todo o rigor necessário para isso, visto que,

como já dito, para ele, o homem resiste mais às dores passageiras, do que as contínuas15.

Assim, Beccaria vai se orientar pela exigência de segurança individual contra a

arbitrariedade do Poder Punitivo, além de preocupar-se com “a instauração de um regime estrito

de legalidade [...] que evite toda a incerteza do poder punitivo, ao mesmo tempo em que promova

a sua humanização e instrumentalização utilitária”.16

Com suas idéias inovadoras e propostas contra a crueldade das penas, o marquês vai

marcar época, dividindo o Direito Penal em antes e depois de seu livro Dos Delitos e das Penas.

Alguns doutrinadores, como Carmignani, Romagnosi, Rossi e Carrara, vão seguir seus

estudos e ensinamentos, desenvolvendo e complementando sua obra, fundando assim, ao final do

século XVIII, no período Iluminista17, a Escola Clássica18.

Giovanni Domenico Romagnosi (1761 a 1835) era jusnaturalista e entendia que o Direito

Penal deveria ser direito de defesa, visando a defesa social e não a defesa individual, tendo como

objetivo combater o cometimento de crimes. Para ele o Direito independia das convenções

11 Cf. BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das penas, p.34. 12 Cf. DORNELLES, João Ricardo W. O que é crime. p. 24. 13 Cf. DORNELLES, João Ricardo W. O que é crime. p. 24. 14 Cf. BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das penas, p.35. 15 Cf. BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das penas, p.34-35. 16 ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.50. 17 ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.45. 18 Cf. FERRI, Henrique, Princípios de Direito Criminal. Tradução de Luiz de Lemos D’Oliveira. São Paulo: Ed.

Livraria Acadêmica, 1931, p. VII.

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humanas. Acreditava que a sociedade se defendia do crime através da pena, pois ela evitava

novos delitos, devendo ser, portanto, proporcional ao impulso criminoso e não ao dano causado.19

Giovanni Carmignani (1768 a 1847), também jusnaturalista, vai diferenciar Direito

Natural de Direito Político e também distinguir Moral de Direito. Para ele, a pena deve ter caráter

preventivo, com atitude de defesa, e não caráter punitivo, ou retributivo. O Direito Penal seria

uma imposição da exigência de conservação da sociedade.20

Pelegrino Luiz Eduardo Rossi (1768 a 1847), entende que a pena tem caráter educacional,

servindo como correção, sendo medida de utilidade social. A pena vai existir para punir o autor

do delito e para que ele não volte a praticar crimes.21

Francesco Carrara (1805 a 1888), considerado o doutrinador de maior destaque da Escola

Clássica, vai caracterizar o crime como um ente jurídico, como uma infração e não como uma

ação, um ente de fato que vai ser estudado em todos seus aspectos e conseqüências. Para ele, o

delito é um ente jurídico, pois se traduz na violação de um direito, consolidado na Norma Penal

incriminadora. Segundo o autor, “O delito é um ente jurídico, porque a sua essência deve

forçosamente consistir na violação de um direito”.22

A Escola vai se inspirar no Direito Natural, utilizando em seus estudos o método

dedutivo, de lógica abstrata, possuindo uma orientação político social, em acordo com as

solicitações dos direitos do homem.23 Vai estabelecer limites ao direito de punir e continuar,

assim como Beccaria, condenando as penas violentas e a pena de morte, reivindicando, ainda,

garantias para os indivíduos, tanto no processo quanto na aplicação da pena24.

Para os Classistas, o delito é a conseqüência da vontade livre e da liberdade, tanto moral,

como a responsabilidade moral, o discernimento, a consciência.25 O criminoso tem a liberdade de

querer o resultado ilícito do ato praticado, mas vai ser responsável, criminalmente e moralmente,

em razão do livre-arbítrio defendido pela Escola.

Portanto, eles acreditavam que o crime seria uma violação consciente e voluntária da

norma penal. A responsabilidade penal dependeria da responsabilidade moral, que é exercida 19 ZANON, Artemio. Introdução à ciência do direito penal. Florianópolis: Ed. OAB/SC, 2000, p.161-162. 20 Cf. ZANON, Artemio. Introdução à ciência do direito penal.. p.162. 21 Cf. ZANON, Artemio. Introdução à ciência do direito penal. p.163. 22 CARRARA, Francesco. Programa do curso de direito criminal. Parte Geral. Tradução por José Luiz V. de A.

Franceschini e J.R. Prestes Barra. São Paulo: Saraiva, 1956. V.1., p.11. Apud: ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica: do controle da violência à violência do controle penal, p.54.

23 Cf. FERRI, Henrique, Princípios de Direito Criminal. p.36. 24 Cf. FERRI, Henrique, Princípios de Direito Criminal. p.36. 25 Cf. ZANON, Artemio. Introdução à ciência do direito penal. p.159.

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através do livre-arbítrio, sendo assim, necessário que a vontade fosse livre para que fosse

culpável26.

Sendo assim, objeto da Escola era o crime como entidade jurídica, e, rompido o Contrato

Social da sociedade com o indivíduo, deveria ser aplicada à sanção penal27.

Tratando o crime como entidade jurídica, os classicistas vão estudar o delito

abstratamente e realçá-lo como ponto principal do problema da criminalidade, não analisando a

personalidade do criminoso, os elementos sociológicos e antropológicos, com que a Escola

Positiva vai se preocupar posteriormente28.

Devido a isso, em crítica direta a Beccaria, é que Ferri vai sustentar que a Escola fixou

seus estudos no crime e na pena, esquecendo o delinqüente e o meio em que ele vive, criando um

sistema de normas repressivas29.

Porém a Escola não se ocupou com o estudo do delinqüente por acreditar que ele seria um

homem igual a todos os outros. O criminoso dos Classicistas seria aquele que, agindo de acordo

com seu livre-arbítrio, violasse conscientemente a norma legal, fazendo, assim, com que o centro

de suas pesquisas fosse o fato-crime, e não o autor do fato.30

Os Classicistas vão acabar decaindo, e Ferri acredita que isso se deu porque as idéias da

Escola sobre o direito individual em relação ao Estado se excederam, fazendo-se esquecer a

individualidade do delinqüente e dando muita atenção à entidade jurídica do crime, a ponto de

acreditarem que o delinqüente seria uma vítima da tirania do Estado, além do método de estudo

escolhido, o dedutivo, fazer o criminoso ficar esquecido31.

Para Ferri a conseqüência dos estudos e ensinamentos da Escola foi o crescente aumento

da criminalidade e da reincidência, justamente o oposto do que necessita a defesa social contra a

delinqüência32.

Assim, extinguiu-se a Escola Clássica, pois de acordo com o autor: “não se preocupando

em conhecer cientificamente a realidade humana e as causas da delinqüência, não era possível

que delas indicassem os remédios adequados”.33

26 ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.55-56. 27 Cf. ZANON, Artemio. Introdução à ciência do direito penal. p.160. 28 Cf. ZANON, Artemio. Introdução à ciência do direito penal. p.160. 29 Cf. FERRI, Henrique, Princípios de Direito Criminal. p.36. 30 ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.58. 31 Cf. FERRI, Henrique, Princípios de Direito Criminal. p.36-37. 32 Cf. FERRI, Henrique, Princípios de Direito Criminal. p.39. 33 FERRI, Henrique, Princípios de Direito Criminal. p.39.

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1.1.2 A Escola Positiva

No século XIX, com a Revolução Industrial, e com o capitalismo monopolista, vai surgir

a Escola Positiva, fundada pelos doutrinadores Cesare Lombroso, antropólogo que vai estudar o

homem delinqüente, Rafaelle Garofalo, jurista que estuda as aplicações da nova doutrina, e o já

citado doutrinador Henrique Ferri, sociólogo que estuda o crime como fato social34.

A Escola Positiva, utilizando o método indutivo ou positivo, vai observar e classificar os

delinqüentes, estudar sua morfologia e psicologia, comparando-os com indivíduos “normais”,

analisando através disso as causas da criminalidade, sempre sob uma ótica naturalista35.

Vai estudar os fatores da criminalidade, tanto os físicos quanto os individuais e sociais36,

porém sem o enfoque filosófico da Escola Clássica, mas utilizando uma orientação científica37,

“tratava-se de eliminar sistematicamente a metafísica do livre-arbítrio e substituí-la por uma

Ciência da Sociedade apta a diagnosticar cientificamente as causas do delito e, por extensão,

possibilitar uma luta científica dirigida a erradicar a criminalidade”38.

O crime deixa de ser a prática da conduta descrita na lei, o ente jurídico, e passa a ser “um

fato natural e social, praticado pelo homem e causalmente determinado, que expressa a conduta

anti-social de uma dada personalidade perigosa do delinqüente”39, isso se dá pois a Escola

Positiva têm grande parte de sua influência vinda da Sociologia Criminal Ferriana, e da

Antropologia de Lombroso.

Com Lombroso (1835 a 1909), antropólogo e médico psiquiatra, e sua obra L’Uomo

Deliquente, vai nascer a Antropologia Criminal40, “que era o estudo dos caracteres somáticos dos

delinqüentes”41.

O autor vai estudar, usando métodos indutivos, o delinqüente, para tentar descobrir as

causas do crime42, visto que era necessário primeiramente estudar o delito como ação humana,

34 Cf. FERRI, Henrique, Princípios de Direito Criminal. p.39. 35 Cf. BETTIOL, Giuseppe, Direito Penal. Tradução de Paulo José da Costa Júnior e de Alberto Silva Franco. São

Paulo: Ed Revista dos Tribunais, 1966. 36 Cf. FERRI, Henrique, Princípios de Direito Criminal. p.IX-XI. 37 ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.61. 38 TAYLOR, Ian; WALTON Paul; YOUNG, Jock. La nueva Criminologia. Contriución a una teoria social de la

conducta desviada. Tradução por Adolfo Crosa. Buenos Aires: Amorrortu, 1990. Apud: ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica: do controle da violência à violência do controle penal, p.63.

39 ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.64. 40 Cf. DORNELLES, João Ricardo W. O que é crime. p. 28. 41 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. p. 297. 42 Cf. DORNELLES, João Ricardo W. O que é crime. p. 28.

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como fenômeno natural e social, antes de estudá-lo como ente jurídico e infração à lei43. Por isso

suas pesquisas visavam estudar as constituições orgânicas, fisiológicas e psicológicas do

criminoso44.

Concluiu que o criminoso era uma pessoa biologicamente inferior, e que por isso não

controlava seus impulsos, não sendo responsável por seus atos e não agindo de acordo com seu

livre-arbítrio45.

Para Lombroso, o homem delinqüente era um criminoso nato, possuidor de uma

personalidade anormal, com traços anatômicos diferenciados, e características físicas especiais

que o impediam de adequar-se à vida em sociedade, sendo que o crime cometido era uma

manifestação dessa anormalidade. O seu tipo antropológico diferenciado o fazia propenso ao

cometimento do delito, o que fez com que surgissem as medidas de segurança para que o Estado

controlasse esses impulsos46.

Ele associou esses traços anormais e diferentes aos selvagens, negros, orientais, e com o

tempo, essas características físicas e/ou comportamentais se assemelharam à porção pobre da

sociedade47. Acreditava-se que os pobres eram o resultado de uma seleção natural, e tinham uma

inferioridade tanto biológica quanto moral48.

Vai surgir, portanto, a figura do suspeito, do “elemento perigoso” e esses vão aos poucos

sendo excluídos do convívio social, ficando à margem da sociedade, sendo merecedores de

condutas repressivas, que controlassem a porção perigosa e ameaçadora de que passaram a fazer

parte, pois a causa do crime, para Lombroso, vai ser o próprio criminoso.49

A Criminologia vai ser essencial para garantir a conservação da ordem social e da

segurança pública da época50. Porém, as conclusões a respeito da inferioridade moral e biológica

de certos indivíduos só vão demonstrar a desigualdade social e legitimar o poder controlador do

Estado sobre essas pessoas excluídas da sociedade51.

Em contraponto, Rafaelle Garofalo (1851 a 1934), jurista italiano e magistrado, fundador

do termo Criminologia (1865), vai dar atenção às reformas jurídicas que ele acredita que 43 Cf. FERRI, Henrique, Princípios de Direito Criminal. p.40. 44 Cf. DORNELLES, João Ricardo W. O que é crime. p. 28. 45 Cf. DORNELLES, João Ricardo W. O que é crime. p. 29. 46 Cf. DORNELLES, João Ricardo W. O que é crime. p. 29. 47 Cf. DORNELLES, João Ricardo W. O que é crime. p. 29. 48 Cf. DORNELLES, João Ricardo W. O que é crime. p. 30. 49 Cf. DORNELLES, João Ricardo W. O que é crime. p. 31-33. 50 Cf. DORNELLES, João Ricardo W. O que é crime. p. 32. 51 Cf. DORNELLES, João Ricardo W. O que é crime. p. 33.

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precisam ser feitas na justiça penal, e criar o conceito da temibilidade do delinqüente, que hoje

chamamos de periculosidade, como critério de penalidade52. Foi também o responsável pela

renovação da Escola, com a idéia de que o criminoso nato não detém uma anomalia orgânica,

genética, e sim uma anomalia psíquica ou moral. Sua Criminologia vai estudar o delito, sua

natureza, origens e processo, e ainda, o delinqüente e a pena.53

Já Henrique Ferri (1856 a 1929), criador da Sociologia Criminal, orientado por uma

perspectiva sociológica, vai classificar como causas do crime os fatores individuais (orgânicos,

psíquicos) os fatores físicos, (ambientais), fatores sociais (ambiente social)54, e isso acaba

levando também a classificação dos criminosos em loucos, natos, habituais, ocasionais e

passionais55.

Ele salientava o caráter preventivo da punição e acreditava que a pena deveria reajustar o

criminoso para convivência em sociedade, além de entender que o meio influenciava o homem e

seus atos, chegando a conclusão que um homem poderia nascer um criminoso nato, porém

poderia nunca expressar esse caráter se o meio em que vivesse não contribuísse com o seu

comportamento.56

É com a Sociologia Criminal que Ferri vai estudar o meio (estado, família, profissão,

bairro, etc.)57, e sua influência nos criminosos, além da ocupação do território e sua utilização.

Nesse segmento, vai fazer uma analogia entre a sociedade e um organismo biológico, sendo que,

para ele, o crime seria o mau funcionamento dos órgãos desse organismo vivo chamado

sociedade.58

Dentre suas colaborações para a Escola, pode-se citar:

A criação das terminologias de delinqüente nato, de determinismo econômico, a independência da justiça penal do critério do livre arbítrio, as três ordens de fatores do crime, as cinco categorias de delinqüentes, os substitutivos penais como realização da defesa preventiva indireta, o critério dos motivos determinantes mesmo na interpretação das leis vigentes [...], as colônias agrícolas substituindo o isolamento celular diurno59

52 Cf. FERRI, Henrique, Princípios de Direito Criminal. p.41. 53 GAROFALO, Rafaelle. Criminologia: estudo sobre o delito e a repressão penal. Tradução de Julio de Mattos.

Lisboa: Ed. Livraria Clássica, 1908. 54 Cf. FERRI, Henrique, Princípios de Direito Criminal. p.40. 55 Cf. FERRI, Henrique, Princípios de Direito Criminal. p.41. 56 Cf. FERRI, Henrique, Princípios de Direito Criminal. Tradução de Luiz de Lemos D’Oliveira. São Paulo: Ed.

Livraria Acadêmica, 1931. 57 Cf. BETTIOL, Giuseppe, Direito Penal. p.24. 58 Cf. DORNELLES, João Ricardo W. O que é crime. p. 34-36. 59 FERRI, Henrique, Princípios de Direito Criminal. p.49.

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Para Ferri, o crime é “o resultado prev isível determinado por múltiplos fatores

(biológicos, psicológicos, físicos e sociais) que conformam a personalidade de uma minoria de

indivíduos como socialmente perigosa”. 60

Diante disso, o autor vai se encaixar nos moldes da Teoria de Prevenção Especial

Negativa61, que tem como escopo a neutralização do criminoso, seja pelas medidas de segurança

por tempo indeterminado, herança da Escola utilizada até hoje, seja através da pena de morte.

Portanto, a Escola Positiva vai ser aquela que, sob a utilização do método indutivo, de

observação dos fatos, vai estudar o delinqüente nas suas formas antropológicas, biológicas e

sociológicas, e vai, através de seu autor mais expressivo, Henrique Ferri, acreditar em um

criminoso biologicamente e psicologicamente atrasado, inferior, que tem a disposição para o

crime em sua essência, sendo, portanto, irrecuperável.

Assim, o instituto da pena de morte vai ser um tipo de intervenção repressiva

característica da Escola Positiva, e de seu modelo de Defesa Social.

1.2 DEFESA SOCIAL

Deste modo, a Escola Positiva resgata a preocupação com os direitos da sociedade,

resgata o "social” 62, deixando de lado a idéia do livre-arbítrio sustentada pela Escola Clássica.

Vai implantar a Sociologia Criminal, que é Ciência da Criminalidade e da Defesa Social contra

esta, que tem como objetivo, além de identificar as causas do crime, apontar as possibilidades de

erradicá-lo63.

Assim, “a política criminal de proteção da sociedade contra o crime, com o foco dirigido

para o indivíduo criminoso submetido à remoção, segregação, cura e educação, sob o fundamento

do estado perigoso [...]” 64 pode ser conceituada como Defesa Social, bem como a atitude

Positivista de proteção social.

60 ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.66. 61 Ver nota nº 8 que trata da forma de punição Prevenção Especial Negativa. 62 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.61. 63 Cf. TAYLOR, Ian; WALTON Paul; YOUNG, Jock. La nueva Criminologia. Contriución a una teoria social de la

conducta desviada. Tradução por Adolfo Crosa. Buenos Aires: Amorrortu, 1990. Apud: ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.62.

64 SANTOS, Juarez Cirino dos. As raízes do crime: um estudo sobre as estruturas e as instituições da violência, Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1984, p.51.

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Para Ferri, o homem que nasce com determinadas características está fatalmente

determinado a cometer delitos. Diante disso a sociedade fica igualmente determinada a se

defender dos ataques contra sua condição normal de existência, fazendo isso através da pena, que

é um meio de defesa social.65

A pena para o autor, a princípio, vai ter um caráter preventivo, de Prevenção Geral

Negativa, porém “como a prevenção não pode impedir que os crimes se cometam, sobrevém a

necessidade da repressão” 66, repressão essa já apontada relevantemente ao final do item anterior,

sendo essa, portanto, a maneira defendida pelo maior expoente da Escola Positiva de fazer a

defesa da sociedade de sua época.

Do século XVIII ao século XIX, época positivista, ocorreram transformações

fundamentais no controle das condutas desviantes. Transformações estas, ocorridas em função da

passagem do feudalismo para o capitalismo, que trouxe juntamente com a nova ordem

econômica, mudanças relevantes para o Direito Penal.

Com o capitalismo, o processo de industrialização e uma nova postura do mercado, era

importante regular a mão de obra e conter o proletariado nascente, e as execuções públicas e

violentas do feudalismo já não seriam mais eficazes67. “Era necessário um novo sistema de

dominação e disciplina para socializar a produção e criar uma força de trabalho submissa e

perfeitamente regulada” 68.

O sistema de produção deveria descobrir o método punitivo correspondente às suas

relações produtivas, e nesse caso, “o poder na sociedade capitalista devia ser exercido com o

menor custo possível, e seus efeitos deveriam ser intensos e extensos: transmitidos a todas as

partes do corpo social” 69.

Assim, como o sofrimento físico e corporal não constituíam mais elementos da pena,

passou a ser a certeza de ser punido a razão que desviaria o homem do crime, deslocando a

punição do corpo para a alma, fazendo da prisão o método punitivo do moderno Sistema Penal70.

O crescimento econômico do novo sistema de produção fez com que a acumulação de

capital gerasse um desequilíbrio na sociedade, causado pela desigualdade das classes sociais.

65 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.61. 66 FERRI, Henrique, Princípios de Direito Criminal. p.36. 67 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.191. 68 ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.191. 69 ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.196. 70 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.192-197.

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Essa desigualdade social, por sua vez, vai dar margem ao nascimento de uma classe

explorada, que vai ser definida e rotulada por um processo altamente seletivo e desigual de

controle social71.

Esse processo seletivo acontece devido à incapacidade operacional do Sistema, que é,

portanto, obrigado a selecionar quem deve ser classificado como criminoso, pois “Não há uma

justiça penal destinada a punir todas as práticas ilegais [...]” 72.

Evidenciando ainda essa incapacidade estrutural do Sistema Penal moderno, cita a

Doutrinadora Vera Regina Pereira de Andrade:

Se o sistema penal concretizasse o poder criminalizante programado ‘provocaria uma catástrofe social’. E diante da absurda suposição - absolutamente indesejável - de criminalizar reiteradamente toda a população, torna-se óbvio que o sistema penal está estruturalmente montado para que a legalidade processual não opere em toda sua extensão73.

Esse rótulo de delinqüência colocado na camada menos favorecida da sociedade acontece

por ela ser uma porção social mais frágil, indefesa, que não está caracterizada dentro dos padrões

de normalidade estipulados pela classe que elabora as leis, e porque “as classes inferiores

raramente podiam utilizar a complexa maquinaria judicial criada pela lei por falta tanto dos

conhecimentos necessários como os dos meios econômicos” 74, além do fato de que

A posição precária no mercado de trabalho (desocupação, subocupação, falta de qualificação profissional) e defeitos de socialização familiar e escolar, que são características dos indivíduos pertencentes aos níveis mais baixos, e que na Criminologia positivista e em boa parte da Criminologia liberal contemporânea são apontados como as causas da criminalidade [...]75.

“O desvio - e a criminalidade – não é uma qualidade intrínseca da conduta [...], mas uma

qualidade (etiqueta) atribuída a determinados sujeitos através de complexos processos de

interação social; isto é, de processos formais e informais de definição e seleção” 76, ou seja, a idéia

de que a pessoa nascia com características que a tornavam predispostas ao crime é substituída

71 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.189-207. 72 ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.253. 73 ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.265. 74 ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.193. 75 ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.280. 76 ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.205.

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pela pré-definição das pessoas pertencentes à classe explorada pelo modo econômico, rotuladas

como criminosas77.

Com isso, o foco deixa de ser as causas da criminalidade, e passa a ser a reação social da

conduta desviada, já que nesse momento da transformação do Sistema Penal o crime é o produto

da reação da sociedade78, visto que

[...] devemos reconhecer que não podemos saber se um certo ato vai ser catalogado como desviante até que seja dada a resposta dos demais. O desvio não é uma qualidade presente na conduta mesma, senão que surge da interação entre a pessoa que comete o ato e aqueles que reagem perante o mesmo.79

Acontece assim, a mudança do paradigma etiológico, aquele em que a Escola Positiva,

através da Criminologia, vai tentar explicar as causas do crime através de estudos antropológicos

e bio-psicológicos sobre a pessoa do delinqüente, para o paradigma da reação social, que é

justamente essa seleção feita pela Estado, e pela comunidade, que reage aos crimes cometidos

pela camada pobre da sociedade, a rotulando, assim, como a porção causadora da delinqüência80.

Passa-se da idéia de que o indivíduo com determinadas características biológicas e

psicológicas é anormal e tende à delinqüência, para a idéia de que certas pessoas da sociedade

foram escolhidas pelo Estado, e pela própria comunidade para serem rotuladas, criminalizadas, e

assim consideradas perigosas, sendo alvo da punição que o Estado só pode oferecer para alguns.

O questionamento vai deixar de ser, portanto, sobre as causas da criminalidade e sobre a

pessoa do criminoso, para ser sobre as condições da criminalização, sobre a reação social da

conduta desviada81.

Em relação a essa mudança de paradigma, aponta a Doutrinadora Vera Regina:

Desta forma, ao invés de indagar, como a Criminologia tradicional, ‘quem é criminoso?’, ‘por que é que o criminoso comete crime?’, o labelling82 passa a indagar ‘quem é definido como desviante?’ ‘por que determinados indivíduos são definidos como tais?’, ‘em que condições um indivíduo pode se tornar objeto de uma definição?’, ‘que efeito decorre desta definição sobre o indivíduo?’, ‘quem define quem?’ e, enfim, com base em que leis sociais se distribui e concentra o poder de definição?83.

77 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.205-207. 78 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.205-207. 79 ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p. 207. 80 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.192-206. 81 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.207. 82 Labelling Approach, ou paradigma da Reação Social é justamente essa Teoria do Etiquetamento, que contestou o

paradigma etiológico, introduzindo o padrão de punição seletiva, a partir da reação social ao cometimento do delito, por determinada camada social rotulada.

83 ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.207.

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Desloca-se ainda o interesse da pessoa do controlado para a pessoa do controlador, e dá-se

mais atenção ao Sistema, redefinindo o objeto criminológico, pois a compreensão desse processo

de rotulação, de seleção, vai fazer parte do entendimento da realidade social da criminalidade84.

Nasce a necessidade de individualizar as penas de acordo com as características de cada

criminoso, pois um castigo não possui efeito igual em todas as pessoas, como aponta Michel

Foucault:

A idéia de um mesmo castigo não tem a mesma força para todo mundo: a multa não é temível para o rico, nem a infâmia a quem já está exposto. A nocividade de um delito e seu valor de indução não são os mesmos de acordo com o status do infrator; [...]85.

Com essa nova exigência, de individualização da pena de acordo com as características do

criminoso, surgem múltiplas instâncias da decisão judiciária, para, através de guardas,

criminólogos, psiquiatras, etc., auxiliar o aparato judicial, até então composto de juízes e juristas,

fracionando, assim, “o poder legal de pu nir por pequenas justiças e juízes paralelos que se

multiplicaram em torno do julgamento principal” 86, fazendo parte da dupla seleção realizada pelo

Sistema Penal.

Essa dupla seleção consistiria na Seleção Primária que seria a seleção legal, ou seja, o

próprio Direito Penal seria construído para ajudar no processo seletivo através da legislação,

como expõe a Doutrinadora:

Assim, o processo de criação de leis penais (criminalização primária) que define os bens jurídicos protegidos, as condutas tipificadas como crime e a qualidade e quantidade da pena [...], obedece a uma primeira lógica de desigualdade que, mistificada pelo ‘caráter fragmentário’ do Direito Penal pré -seleciona, até certo ponto, os indivíduos criminalizáveis87.

E na Seleção Secundária, que diz respeito às instituições do Estado encarregadas na

rotulação e que atuam através de agentes do sistema como a polícia, o Ministério Público, e os

juízes88. Isso se dá pela “discricionariedade permitida pela vagueza e ambig üidade da linguagem

da lei [...]; pela ausência de parâmetros precisos na definição dos tipos penais [...] e para a

84 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.207-209. 85 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. História da violência nas prisões. Tradução por Ligia M. Podre Vassalo.

Petrópolis: Ed. Vozes,1987, p.89-90. 86 ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.207. 87 ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p. 278. 88 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.273.

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individualização e fixação da pena em geral [...]; seja pelas lacunas ou antinomias do

ordenamento jurídico” 89.

Portanto, a legislação penal realiza, primeiramente, o processo seletivo, levado adiante

pelos agentes do sistema que, pautados na lei, vão agir de modo discriminatório.

A função oficial do sistema seria proteger a sociedade, e isso deveria ser feito

identificando-se os criminosos, punindo-os ou recuperando-os. Porém, o sistema age isento de

identificações, punindo somente uma ínfima parcela da sociedade que realmente comete crimes,

parcela esta que é rotulada tanto pela lei, quanto por seus agentes, e também pela sociedade

através da sua reação ao cometimento delito.

Assim, o objetivo de defesa social não é alcançado, visto que esse processo seletivo não

protege a sociedade, pois só alguns são efetivamente punidos. Nesse contexto, fica claro que o

Sistema Penal é desigual e apresenta vários problemas em sua estrutura. Cabe, portanto, apontar

que não é possível e tampouco eficaz, atacar problemas complexos como estes com a solução

penal atualmente utilizada, que é uma solução derivada do século XIX.

Assim, surge o questionamento acerca de qual solução penal seria eficaz como

instrumento de defesa social. E é justamente esse questionamento que vai tentar ser respondido,

levando em conta uma das formas de pena existentes, qual seja, a pena de morte.

1.3 A PENA DE MORTE COMO ELEMENTO INTEGRANTE DA DEFESA SOCIAL

Para tentarmos responder ao questionamento feito ao final do item anterior é necessário

analisar as idéias de alguns doutrinadores a respeito da pena capital. Faz-se isso, pois é relevante

identificar a pena de morte como sendo um elemento da defesa social contra a criminalidade.

Acerca do estudo de alguns doutrinadores a respeito da pena de morte, dá-se especial

atenção a Cesare Beccaria, bem como Henrique Ferri, devido às suas marcantes inovações à

frente das Escolas Penais.

Sobre Beccaria é importante ressaltar que buscou com sua obra propor uma reforma no

Direito Penal, condenando a crueldade das sanções que eram impostas na época.

89 ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.273.

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Para o autor, a penalidade imposta à sanção tinha o objetivo de impedir que o autor do

delito voltasse a delinqüir, e também desviar os outros cidadãos do crime, como salienta Basileu

Garcia: “Elas visam alcançar a pessoa do delinqüente e, num campo mais amplo, toda a

sociedade: impedir que o autor do crime continue a delinqüir, e desviar de semelhante conjuntura

os seus cidadãos” 90.

A pena teria, portanto, uma dupla finalidade. Primeiro desmotivar o autor do delito a agir

novamente, e por fim, desmotivar toda a sociedade a atuar em oposição à norma legal91.

Essa idéia de impedir que o delinqüente volte a cometer crimes faz parte da Teoria da

Prevenção Geral Negativa92, que tem o escopo de contramotivar o comportamento delitivo,

justamente o que Beccaria procurava com sua proposta de moderação das penalidades.

Porém, de acordo com o mesmo, para que a pena pudesse alcançar seu compromisso

desmotivador, ela deveria ser severa, mas nos limites do Contrato Social93, pois “Não foi para

serem oprimidos que os homens cederam parcelas mínimas da sua liberdade” 94.

E vai ser justamente no Contrato Social que Beccaria vai se apoiar para fazer frente à

oposição da pena de morte. Para ele, a soberania e as leis são a tradução dessas parcelas que cada

um cedeu à sociedade, elas representam a vontade geral, que é composta pela junção dessas

vontades particulares95, e nunca vai ser vontade dos indivíduos, espontaneamente colocar no

depósito público do Contrato Social, não só uma parcela de sua liberdade, mas também sua

própria vida96. Por fim, o autor questiona, “Mas, quem já pensou em dar a outros homens o

direito de tirar-lhe a vida?” 97.

Basileu Garcia, em análise ao doutrinador em questão, aponta:

[...] o homem, cedendo uma parcela mínima da sua liberdade, para tornar possível a vida em coletividade, não se privou de todos os seus direitos; não poderia conferir a outrem o direito de matá-lo. Portanto, a pena de morte é desautorada pelo contrato social98.

90 GARCIA, Basileu. Instituições de Direito Penal. p. 53. 91 Cf. GARCIA, Basileu. Instituições de Direito Penal. p. 53. 92 Sobre as Teorias da pena, ver nota nº 6. 93 Sobre Contrato Social, ver nota nº 3. 94 GARCIA, Basileu. Instituições de Direito Penal, p. 53. 95 Cf. BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das penas, p.33. 96 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal: introdução à sociologia do direito

penal. Tradução por Juarez Cirino dos Santos. 3º ed., Rio de Janeiro: Editora Revan: Instituto Carioca de Criminologia, 2002, p. 34.

97 BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das penas, p.33. 98 GARCIA, Basileu. Instituições de Direito Penal. p. 54.

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Beccaria acredita ainda que é injusto que o Estado ensine a sociedade que o crime de

homicídio é um crime bárbaro, e o próprio tenha a faculdade de praticá-lo contra as pessoas99, e

questiona: “Não é absurdo q ue as leis, que são a expressão da vontade geral, que detestam e

punem o homicídio, ordenem um morticínio público, para desviar os cidadãos do assassínio?” 100.

Afirma ainda que, para que a pena exerça seu objetivo de intimidar, é necessário que os

homens tivessem sempre aos seus olhos o efeito do poder das leis, fazendo, assim, com que fosse

preciso que as execuções fossem reiteradas e para isso, que os crimes fossem freqüentes101.

Se os crimes dignos da pena capital são obrigados a se multiplicar para que ela possa ser

aplicada com freqüência e assim ficar aos olhos da sociedade, para o autor esta é a prova que ela

não causa a impressão que deveria produzir, sendo, portanto, desnecessária102.

Assim, vai propor que a pena de morte seja substituída pela pena perpétua, que ao seu ver

é mais rigorosa, pois para ele o rigor do castigo tem menos efeito sobre o homem do que a

duração da pena, pois o homem resiste mais facilmente às dores intensas, porém rápidas, do que

às dores que causam uma impressão constante103.

Outra causa a ser apontada como razão para a substituição é que o autor acredita que o

homem tema mais a “privação eterna de sua liberdade do que a privação de sua vida” 104, isso

porque os grandes criminosos geralmente têm indiferença pela vida, o que é reforçado pela

evidência de que o suicídio é prática comum entre os mesmos105. E ainda porque alguns encaram

a morte de maneira tranqüila, ou nos casos dos que estão desesperados ou cansados da vida,

como uma maneira de se livrarem da miséria106.

De acordo com o autor:

Dir-se-á que a escravidão perpétua é também uma pena rigorosa e, por conseguinte, tão cruel quanto a morte. Responderei que, reunindo num ponto todos os momentos infelizes da vida de um escravo, sua vida seria talvez mais horrível do que os suplícios mais atrozes; mas, esses momentos ficam espalhados por todo o curso da vida, ao passo que a pena de morte exerce todas as suas forças num só instante107.

99 Cf. BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das penas, p.38. 100 BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das penas, p.38. 101 Cf. GARCIA, Basileu. Instituições de Direito Penal. p. 55. 102 Cf. BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das penas, p.34. 103 Cf. GARCIA, Basileu. Instituições de Direito Penal. p. 56. 104 GARCIA, Basileu. Instituições de Direito Penal. p. 56. 105 Cf. GARCIA, Basileu. Instituições de Direito Penal. p. 56. 106 Cf. BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das penas, p.35. 107 BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das penas, p.36.

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Ele ainda refuta a pena capital pela impossibilidade de reparação de possíveis erros

judiciários. As penas devem ser reparáveis, porém, quanto mais grave o crime cometido, mais

difícil é a colheita das provas, e, obscuros os fatos, mais margem aos erros, que com a aplicação

da pena não poderão ser sanados108.

Por fim, o marquês acredita que a pena capital só pode ser entendida como necessária em

caso de guerra, um momento de confusão onde o país fica a ponto de perder ou recuperar sua

liberdade, ou em épocas de confusão, quando as leis foram substituídas pela desordem, onde o

cidadão possa atentar contra a segurança social e oferecer perigo ao governo existente109.

Porém, em contradição com tudo já dito a respeito das idéias do autor, ele entende que,

fora dessas situações excepcionais, em um governo tranqüilo, a pena de morte caberia se tivesse o

caráter da prevenção geral negativa, ou seja

[...] sob um reino tranqüilo das leis, sob uma forma de governo aprovada pela nação inteira, [...], não pode haver nenhuma necessidade de tirar a vida de um cidadão, a menos que a morte seja o único freio capaz de impedir novos crimes110. Grifo nosso.

Vê-se, portanto, que Beccaria se rende à Teoria da Prevenção Espacial Negativa,

defendendo a pena de morte em casos extremos, onde as penas corriqueiras não possuem efeito

nenhum diante dos indivíduos da sociedade.

Como o autor, a Escola Clássica, vai se basear na Teoria do Contrato Social, acreditando

que o Direito Penal deve ser obedecido pela sociedade, pois ele estabelece regras de convivência

social que devem ser seguidas, caso contrário, o sujeito deve ser punido. Para a Escola:

[...] o direito penal e a pena eram considerados pela Escola Clássica não tanto como meio para intervir sobre o sujeito delinqüente, modificando-o, mas sobretudo como instrumento legal para defender a sociedade do crime, criando, onde fosse necessário, um dissuasivo, ou seja, uma contramotivação em face ao crime. Os limites da cominação e da aplicação da sanção penal, assim como as modalidades de exercício do poder punitivo do Estado, eram assinalados pela necessidade ou utilidade da pena [...]111.

Importante destacar que assim como seu precursor, a Escola continua a entender a pena

com base na Teoria da Prevenção Geral Negativa, devido à concepção de sanção como

desmotivadora do comportamento contrário à lei penal.

108 Cf. GARCIA, Basileu. Instituições de Direito Penal. p. 57. 109 Cf. BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das penas, p.33. 110 BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das penas, p.33. 111 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 31.

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Para ilustrar ainda mais a idéia classicista da pena fundada na Teoria da Prevenção Geral

Negativa, serão evidenciados os doutrinadores Giandomenico Romagnosi, e Francesco Carrara.

Para Romagnosi, o sistema penal deveria nascer da própria filosofia do direito. E essa

filosofia do direito e da sociedade vai estar na base de seu sistema penal112.

O autor vai afirmar a natureza originariamente social do homem, negando o conceito de

independência natural do mesmo, que pode ser entendido como superação da natural dependência

humana da natureza por meio do estado social113.

No seu entendimento, o princípio do direito natural é a conservação da espécie humana e

a obtenção da máxima utilidade114. E desse princípio vão derivar três relações ético-jurídicas

fundamentais. Primeiro, o direito e dever de cada pessoa de conservar sua própria vida; segundo,

o dever recíproco dos homens de não atentar contra sua própria existência, e por fim, o direito de

cada um de não ser ofendido por outro.115

Para o autor, assim como para Beccaria, o fim da pena vai ser a defesa social, com a

característica de ser um contra-estímulo ao impulso criminoso116, evidenciando, portanto, a

Teoria da Prevenção Geral Negativa.

Porém, para ele a pena não vai ser o único meio de defesa social, pois o mesmo defende

que a sociedade deve se empenhar na prevenção dos delitos, através do melhoramento e

desenvolvimento das condições de vida social117.

Destaca-se ainda alguns ensinamentos do classista Francesco Carrara, considerado o

maior expoente da Escola.

Carrara tinha uma “visão rigorosamente juríd ica do delito” 118. Para ele o delito não era um

ente de fato e sim um ente jurídico, pois consistia na violação de um direito por um ato livre,

espontâneo e consciente de um sujeito119.

A delimitação feita pelo mesmo sobre esfera jurídica e esfera moral torna-se a base para o

autor reafirmar a tese de que a pena tem como função a defesa social120.

112 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 34. 113 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 34. 114 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal:. p. 34-35. 115 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 35. 116 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 35. 117 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 35. 118 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 36. 119 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 37. 120 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 37.

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Para o autor a pena tem como finalidade a eliminação do perigo social gerado com a

impunidade dos delitos, e não a retribuição nem a ressocialização, que pode ser uma finalidade

acessória e desejada, porém nunca a principal, nem ao menos servir como critério para a medida

da punição121.

Citados alguns doutrinadores clássicos e seus principais entendimentos sobre a sanção

imposta contra a criminalidade passa-se à análise da posição da Escola Positiva a respeito do

assunto em questão, sendo importante ressaltar que foram evidenciadas as premissas do

doutrinador Henrique Ferri.

Porém, antes de passar aos ensinamentos de Ferri sobre a pena, cabe destacar a obra

doutrinária de Lombroso e sua idéia sobre a mesma, bem como seu entendimento sobre delito.

Lombroso vai entender o delito como um ente natural, um fenômeno necessário causado

por razões biológicas, inclusive hereditárias, e antropológicas122. Seu estudo vai ser

posteriormente completado pelos estudos psicológicos de Garofalo, e sociais de Ferri123.

O autor vai imputar o delito à expressão do comportamento anormal do delinqüente, o que

torna indispensável a reação da sociedade a respeito do criminoso, porém em relação à sanção,

acredita ser desnecessária a retribuição jurídica ou ética da pena já que a finalidade da pena para

ele, também, vai ser um meio de defesa social124.

O crime vai ser combatido com uma pena que está agregada juntamente a todo o sistema

de meios preventivos de defesa social125.

Portanto, para Lombroso a pena não atua somente com caráter repressivo, de segregação

do criminoso, mas também de maneira ressocializadora, ressaltando-se assim em seus estudos a

Teoria da Prevenção Especial Positiva, que tem o objetivo desejado pelo autor, de reeducar o

delinqüente para a convivência social126.

Expondo as idéias de Lombroso sobre a pena e sua finalidade preventiva, passa-se aos

entendimentos de Henrique Ferri sobre a questão.

Cabe destacar que a Escola Positiva, em oposição à Clássica, não vai acreditar no

Contrato Social, pois, principalmente para ele, as regras sociais estabelecidas pelo Direito já

121 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 37. 122 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 38-39. 123 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 39. 124 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 39. 125 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 39-40. 126 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 40.

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existem, não sendo preciso mais normas, e sim, que as que já existem funcionem, através da

repressão ou da prevenção.

O autor acredita que através de instituições do Estado é que deve ser combatida a

criminalidade. E esta não se traduz no fato de um indivíduo não concordar livremente com as

regras impostas, e sim, de não possuir a capacidade de entendê-las devido à sua anormalidade,

sendo esta, a razão de ele não se adequar às normas.

A responsabilidade moral, fruto da Escola Clássica, que acreditava no delito como

expressão livre e consciente vontade do delinqüente, vai ser substituída pela responsabilidade

social127.

Ferri entende que o Estado exerce através da legislação, e seus órgãos de aplicação, um

poder protetor e coativo sobre a sociedade128.

Essa função de proteção ou defesa interna vai ser dirigida às pessoas consideradas

perigosas para ordem pública e para a tranqüilidade social, e também se dirige aos autores de

fatos ofensivos das condições de existência individual e social129, constituindo, assim, a defesa

preventiva e defesa repressiva. O Estado vai fazer isso através da lei penal, que é a expressão

social e jurídica da justiça penal, como norma de conduta para todos os indivíduos130.

A lei penal tem como origem a necessidade social de proibir determinadas ações,

acrescentando à proibição uma sanção, representando o poder soberano do Estado131, como expõe

Ferri: “O Estado é o único que pode ditar a lei penal [...] visto que nele só, reside a autoridade

soberana da defesa social contra os delinqüentes” 132.

Assim, através da lei penal é que vai realizada a defesa social, e é ela que vai dar aos

cidadãos a noção de lícito e ilícito133.

Inicialmente para o autor, a defesa social vai poder ser realizada tanto repressivamente,

como preventivamente134, e ela deve agir em proteção da sociedade toda vez que alguém

transgrida uma norma prevista em lei135. Aponta o autor:

127 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 39. 128 Cf. FERRI, Henrique, Princípios de Direito Criminal., p.5. 129 Cf. FERRI, Henrique, Princípios de Direito Criminal., p.5. 130 Cf. FERRI, Henrique, Princípios de Direito Criminal., p.105-106. 131 Cf. FERRI, Henrique, Princípios de Direito Criminal., p.105-106. 132 FERRI, Henrique, Princípios de Direito Criminal., p.117. 133 Cf. FERRI, Henrique, Princípios de Direito Criminal., p.107-108. 134 FERRI, Henrique, Princípios de Direito Criminal., p. 108-109. 135 Cf. FERRI, Henrique, Princípios de Direito Criminal., p.114.

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[...] a defesa social por meio da justiça penal pode e deve realizar-se não só com a coerção repressiva do condenado; mas – se para uma parte dos delinqüentes, pelas suas condições pessoais de patologia, anomalia ou degeneração não é possível mais do que o seu seqüestro do convívio civilizado – para a grande maioria deles é pelo contrário possível também a readaptação à vida livre e honesta e portanto para esses a defesa social, [...], deve realizar-se com um regime carcerário que seja ao mesmo tempo de reeducação social. Para a minha defesa pessoal de um inimigo, eu posso aniquilá-lo ou reduzi-lo à impotência por meio de uma ação violenta, mas posso também persuadi-lo a que me não moleste mais, quando as circunstâncias a isso se prestem136.

Mas para que isso aconteça é necessário que a lei penal tenha uma forma válida, ou seja,

que tenha disposta em seu preceito a sanção penal, que vai reger os cidadãos137. O conjunto das

leis penais com forma válida vai constituir o Direito Penal Objetivo, isto é, a organização jurídica

da defesa social em combate à criminalidade138.

A lei penal válida, por sua vez, vai ter como objeto o crime e o delinqüente, pois, “o crime

é e não pode ser senão a ação de um homem” 139. Deve prover as necessidades da defesa social,

devendo levar em conta a pessoa do delinqüente, com seu grau de periculosidade, e também o

crime como ação anti-social ou antijurídica, e ainda, como revelador da personalidade anormal,

perigosa e nociva do criminoso140.

A norma vai se dirigir ao homem pelas ações que ele pode realizar, e essas ações vão ser

sempre ações negativas, atos anormais, perigosos e nocivos para a sociedade, contra os quais é

necessária uma defesa social141.

E assim, Ferri acaba por entender que essa defesa social deve ser realizada de forma

repressiva, e não preventiva,

Porque estamos no campo da justiça penal – isto é defesa social repressiva – e não no terreno da polícia de segurança – isto é da defesa social preventiva – é evidente que a perpretação de um crime ou delito é condição preliminar para que a genérica lei repressiva receba particular aplicação e se lhe movam as engrenagens processuais142.

Portanto, Henrique Ferri, que é considerado o maior expoente da Escola Positiva, acredita

que a retribuição seja a forma mais adequada em favor da defesa social.

136 FERRI, Henrique, Princípios de Direito Criminal., p.114. 137 Cf. FERRI, Henrique, Princípios de Direito Criminal., p.124-125. 138 Cf. FERRI, Henrique, Princípios de Direito Criminal., p.124-126. 139 FERRI, Henrique, Princípios de Direito Criminal., p.129. 140 Cf. FERRI, Henrique, Princípios de Direito Criminal., p.132-133. 141 Cf. FERRI, Henrique, Princípios de Direito Criminal., p.128-129. 142 FERRI, Henrique, Princípios de Direito Criminal., p.131.

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Essa retribuição defendida por ele seria realizada nos moldes da Teoria da Prevenção

Especial, tanto Positiva como Negativa, ou seja, através da reeducação do criminoso, ou mediante

a sua neutralização. Porém, de acordo com as idéias do autor, a Prevenção Especial Positiva seria

realizada através da repressão, como meio para a ressocialização, acontecendo antes mesmo da

realização do tipo penal. Já a Prevenção Especial Negativa, realizada através da neutralização do

delinqüente, caracterizaria a repressão como fim, sendo efetivada pelo uso de medidas de

segurança, ou com a pena de morte.

Apontados os ensinamentos dos Doutrinadores das principais Escolas Penais, passa-se a

exposição dos princípios que baseiam o Sistema Penal, bem como a negação dos mesmos

realizada pela Criminologia Crítica e o modo de funcionamento do Sistema na prática.

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2 FUNDAMENTOS JURÍDICOS DA DISCUSSÃO SOBRE A PENA DE MORTE

2.1 OS PRINCÍPIOS ELEMENTARES DA DEFESA SOCIAL

Através de um apanhado realizado sobre as idéias da Escola Clássica, Escola Positiva e do

moderno Sistema Penal, o Doutrinador Alessandro Baratta, vai criar o termo “ideologia da defesa

social” e também definir seus princípios.

O estudo destes princípios elencados por Baratta é relevante, pois são eles que legitimam

o funcionamento do Direito Penal, e este por sua vez é a tradução da defesa social, já que

funciona com o objetivo de defender a sociedade.

Como conceito de ideologia da defesa social, aponta a Doutrinadora Vera Regina:

o conjunto das representações sobre o crime, a pena, e o Direito Penal construídas pelo saber oficial e, em especial, sobre as funções socialmente úteis atribuídas ao Direito Penal (proteger bens jurídicos lesados garantindo também uma penalidade igualitariamente aplicada para os seus infratores) e à pena (controlar a criminalidade em defesa da sociedade, mediante a prevenção geral (intimidação) e especial (ressocialização)143.

Em relação aos princípios definidos pelo autor temos, primeiramente, o Princípio do Bem

e do Mal, que trata o delito como um perigo para a sociedade e o delinqüente como um elemento

negativo e disfuncional do sistema144. A sociedade seria o bem, e a conduta desviante, o mal145.

A Escola Clássica demonstra esse princípio quando acredita que o delinqüente é um

elemento disfuncional do sistema, pois, agindo conforme seu livre-arbítrio, atenta contra a ordem

estabelecida pelo Contrato Social146.

Já a Escola Positiva retrata o princípio do bem e do mal quando apresenta sua concepção

de delinqüente, baseada em concepções científicas. Para ela, e mais especialmente para Henrique

Ferri, o delinqüente positivista seria aquele que, por força de anomalias biológicas,

antropológicas e sociológicas, cometeria o delito, evidenciando sua anormalidade, e se

apresentando como um perigo social, não se encaixando no sistema147.

143 ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.137. 144 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 42. 145 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 42. 146 Ver nota nº 3 que trata do Contrato Social. 147 Cf. FERRI, Henrique, Princípios de Direito Criminal.

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Baratta aborda ainda do Princípio de Culpabilidade, onde o delito seria a expressão de

uma conduta interior reprovável, já que o autor age de acordo com sua vontade livre e consciente,

violando normas sociais, presentes antes mesmo de serem sancionadas pelo legislador148.

Esse princípio evidencia a idéia da Escola Clássica de que o delinqüente comete o delito

sobre sua livre e espontânea vontade, que é regida por sua responsabilidade moral, de onde deriva

a responsabilidade penal. O indivíduo tem o poder de decidir se age conforme as regras

estabelecidas pelo Contrato Social, ou não. Porém, caso viole essas normas sociais, tem o Estado

direito de reprimi-lo, o que nos remete ao Princípio da Legitimidade, tratado a frente.

Já para os Positivistas, o delito se traduz na atitude interior reprovável do criminoso, que

ao praticar o crime evidencia sua anormalidade biológica, sociológica e antropológica, devendo

também ser reprimido, porém não pela legitimidade que o Estado possui ao ser autorizado pela

sociedade, e sim pela evidente periculosidade social do delinqüente.

O Princípio da Legitimidade traz o Estado como expressão da sociedade, e por isso tem

legitimidade para agir com repressão em defesa desta149. A criminalidade seria responsabilidade

de alguns indivíduos, e o seu controle seria realizado através de agentes do sistema como a

legislação, polícia, juízes, etc150. Esses agentes representam “a legítima reação da sociedade, ou

da grande maioria dela, dirigida à reprovação e do comportamento desviante individual e à

reafirmação dos valores e normas sociais” 151.

Quando o princípio se refere ao Estado como expressão da sociedade, e por isso estaria

legitimado para reprimir a criminalidade em sua defesa, aponta, assim como Beccaria, para a

função do Contrato Social. Ou seja, a idéia de Contrato Social, que nasceu da burguesia

insatisfeita com o governo fundamentado na religião e nos laços de sangue, desejando agora, um

governo baseado na vontade da sociedade, passa a legitimar o Estado, que é a expressão da

mesma, a agir contra a criminalidade para defendê-la. Isso acontece caso algum indivíduo resolva

conscientemente, através do seu livre-arbítrio, não seguir as novas regras impostas, legitimando o

Estado a punir aquele que escolhe não se enquadrar no sistema.

148 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 42. 149 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 42. 150 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 42. 151 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 42.

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Já no sistema penal moderno, o labelling approach152, ou teoria da reação social, vai expor

esse princípio quando relata que o sistema moderno funciona de maneira seletiva e rotulante, e

que essa seleção é feita primeiramente através da legislação, e completada pelos agentes desse

sistema, que, assim como exemplifica o princípio, se traduzem em juízes, na polícia e etc.

Já o Princípio de Igualdade afirma que o Direito Penal é igual para todos os indivíduos e

a reação penal é aplicada a todos os criminosos igualmente153. A criminalidade seria a expressão

do comportamento de uma minoria que viola diretamente o Direito Penal154.

Esse princípio é demonstrado pela Escola Clássica quando, se preocupando apenas com o

estudo do delito, aponta que não tratou de analisar o homem criminoso, como feito pela escola

posterior, pois para ela os cidadãos seriam todos iguais.

Ferri, como já dito, expõe a idéia de minoria quando aponta que essa parcela que viola o

direito diz respeito a uma minoria de indivíduos anormais da sociedade.

Porém, a parte do princípio que expõe que a criminalidade é a expressão do

comportamento de alguns, que violam diretamente o Direito Penal dá margem para elaboração de

um outro princípio, qual seja o Princípio da Legalidade.

Este aduz que o Estado “não apenas está legitimado para controlar a criminalidade, mas é

autolimitado pelo Direito Penal no exercício desta função punitiva” 155.

Ou seja, a criminalidade se traduz na violação da lei penal, o delito constitui o ato descrito

na norma penal, o tipo penal.

A idéia da Escola Clássica de que a pena e o Direito Penal eram maneiras de se intervir

sobre o delinqüente, e de defender a sociedade do crime criando uma desmotivação em relação a

este, fazem parte desse princípio da legalidade, onde há limites para cominação e aplicação da

sanção e para as modalidades do Estado exercer seu poder punitivo156.

O Princípio do Interesse Social e do Delito Natural vai ser aquele que acredita que os

tipos penais são violações de interesses e necessidades próprios de toda a comunidade157. Assim,

de acordo com Baratta, o princípio se traduz:

No núcleo central dos delitos definidos nos códigos penais das nações civilizadas representa ofensa de interesses fundamentais à existência de toda a sociedade. Os

152 Ver nota nº 82, que trata da Teoria da Reação Social, ou Labellig Approach. 153 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 42. 154 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 42. 155 ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.137. 156 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 31. 157 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 118.

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interesses protegidos pelo direito penal são interesses comuns a todos os cidadãos. Apenas uma pequena parte dos delitos representa violação de determinados arranjos políticos e econômicos, e é punida em função da consolidação destes (delitos artificiais)158.

Seus pressupostos são: a concepção da criminalidade como qualidade ontológica de certos

comportamentos ou indivíduos, bem como a homogeneidade dos valores e dos interesses que são

protegidos pelo Direito Penal159.

Aborda a idéia de Contrato Social, defendida por Beccaria, como já dito, quando expõe

que os interesses que o Direito Penal protege são comuns a todos, ou seja, o Direito estaria

legitimado pelos próprios cidadãos a defender seus interesses, que seriam condições essenciais de

existência da sociedade.

Demonstra ainda, a idéia positivista de naturalização da criminologia. Isso acontece

através da idéia científica da Escola, que acredita que por fatores biológicos, sociológicos e

também antropológicos, o criminoso nasce anormal, ou seja, já nasce criminoso.

Por fim, o Princípio da Finalidade ou da Prevenção que diz que a pena não tem intenção

de retribuir o delito, mas sim de prevenir novos crimes160. Ela, como sanção abstrata legalmente

prevista, tem como objetivo desmotivar o comportamento contrário à lei, fazendo assim, parte da

Teoria da Prevenção Geral Negativa161. E como sanção concreta tem o escopo de reeducar o

criminoso, Prevenção Especial Positiva162.

No caso da sanção abstrata, temos como expoente Beccaria, que acreditava que os delitos

deveriam ser combatidos através da Teoria da Prevenção Geral Negativa, ou seja, pena teria a

finalidade de desmotivar o comportamento delituoso.

E ainda sobre a sanção concreta, que possui como objetivo a reeducação e é traduzida pela

Teoria da Prevenção Especial Positiva, podemos apontar as idéias Ferrianas de repressão como

meio para a ressocialização.

Foi através desses princípios, que traduzem a conclusão do estudo de Alessandro Baratta

sobre as idéias dos principais pensadores da Escola Clássica, bem como da Positiva, que se funda

a legitimidade do Direito Penal em agir em defesa da sociedade, sendo, portanto relevante estudá-

los. 158 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 43. 159 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 117-118. 160 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 42. 161 Ver nota nº 8 que trata da Teoria da Prevenção Geral Negativa. 162 Ver nota nº 8 que trata da Teoria da Prevenção Especial Positiva.

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Porém, todos os princípios vão ser combatidos, demonstrando sua eficácia na teoria, e não

na prática, gerando assim a negação da ideologia da defesa social, que é o assunto explanado a

seguir.

2.2 O ATAQUE DA CRIMINOLOGIA CRÍTICA

Esses princípios vão, juntamente com a mudança de paradigma abordada no capítulo

inicial deste trabalho, ser confrontados criticamente, promovendo assim, a negação da ideologia

da defesa social163.

Esse confronto vai ser realizado por uma série de teorias sociológicas, que negando tais

princípios, vão culminar em um novo enfoque, o da reação social164.

O primeiro princípio, Do Bem e do Mal vai ser criticado, pois agora se entende que as

causas do desvio criminal não estão em uma patologia individual, tampouco social, mas sim que

a criminalidade seria um acontecimento normal dentro da estrutura da sociedade.

Acerca da crítica sofrida pelo Princípio Do Bem e do Mal, aponta Vera Regina:

Segundo esta teoria, somente quando se superam os limites fisiológicos do desvio, este se converte num fator negativo para a estabilidade e evolução do sistema social; enquanto, mantidos estes limites, este desvio é considerado como um fator parcialmente positivo devido a seu caráter inovador165.

O princípio vai ser posto em dúvida pela teoria estrutural-funcionalista da anomia e da

criminalidade, do doutrinador Emile Durkheim, que vai ser posteriormente desenvolvida por

Robert Merton166, e que conforme entende Alessandro Baratta, “constitui a primeira alternativa

clássica à concepção dos caracteres diferenciais biopsicológicos do delinqüente e, por

conseqüência, à variante positivista do princípio do bem e do mal” 167.

A teoria estrutural-funcionalista da anomia e da criminalidade vai afirmar que as causas

do desvio não devem ser estudadas sob as óticas bioantropológica e natural, nem como uma

situação patológica da estrutura social, pois o desvio é um fenômeno normal de toda a estrutura

163 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.200. 164 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 49. 165 ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.200-201. 166 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 59. 167 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 59.

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social, quando dentro de determinados limites funcionais, e o comportamento desviante é

necessário e útil para o desenvolvimento e equilíbrio sócio-cultural168.

Afirma ainda que apenas quando ultrapassados esses limites é que o fenômeno do desvio

passa a ser negativo para a estrutura da sociedade, pois é seguido de um estado de

desorganização, onde as regras de conduta perdem seu valor, enquanto um novo sistema ainda

não está firmado, situação denominada anomia169.

Durkheim vai criticar a noção de crime como fenômeno patológico, pois acredita que não

exista sociedade sem criminalidade170. Para ele o delito é um elemento funcional, da fisiologia e

não da patologia social171. Porém, como já dito, a sua forma anormal, quando há um crescimento

exagerado por exemplo, pode então ser considerada como patológica172.

Essa contradição pode ser explicada, segundo o autor, levando em conta o que se entende

por normalidade e funcionalidade do delito173.

Primeiramente, deve-se verificar que o delito provoca e estimula a reação social,

estabilizando e mantendo vivo o sentimento de conformidade da sociedade em relação às normas

que a regem174.

Possui também a característica de ser um fenômeno e entidade particular, sancionado pela

lei penal, pois a autoridade pública exerce sua reação reguladora sobre os fenômenos de desvio

que atingem a intensidade do crime, permitindo assim, a transformação e evolução social175.

Ademais, segundo ele, pode exercer ainda um papel direto no desenvolvimento moral da

sociedade, quando prepara diretamente as transformações ocorridas, antecipando o conteúdo das

mesmas176.

Dessa última teoria de Durkheim vai ser desenvolvida a teoria funcionalista da anomia,

por Robert Merton, que assim como o primeiro, vai se opor à idéia patológica do desvio177.

168 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 59-60. 169 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 59-60. 170 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 60. 171 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 60. 172 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 60. 173 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 60. 174 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 60. 175 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 60-61. 176 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 61. 177 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 62.

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Para Merton a sociedade vai reprimir o livre desenvolvimento dos recursos vitais dos

indivíduos, gerando assim uma revolta contra essa ação repressiva178. Por sua vez, essa revolta

vai ser repelida e sancionada pela sociedade como criminal, e portanto, patológica e perigosa179.

Já a teoria desenvolvida por ele vai considerar o desvio como o produto da estrutura

social, sendo tratado de forma normal, justamente como o comportamento considerado como

adequado, por ser seguidor das regras180. Assim, a estrutura da sociedade vai ter um efeito

repressivo, bem como um efeito estimulante sobre o comportamento de seus indivíduos181.

Deste modo, diante das teorias desenvolvidas pelos doutrinadores Durkheim e Merton,

vemos que o Princípio do Bem e do Mal é negado por se entender que o ato delituoso não diz

respeito a uma patologia individual, tampouco uma patologia social, e sim como um ato normal

de um indivíduo inserido em uma estrutura social que não corresponde à idéia em que se funda o

princípio, ou seja, da sociedade como o bem, e o delito como o mal.

O Princípio da Culpabilidade vai ser negado pela idéia de que o delito seria cometido em

razão da responsabilidade moral da pessoa, que, livre e conscientemente, atua de forma contrária

aos valores e normas existentes na sociedade182. Essa negação vai se dar, pois acredita-se que não

existe um sistema oficial de valores único, e sim diferentes mecanismos de socialização,

aprendizagens específicas nos ambientes e grupos sociais particulares em que cada um está

inserido183.

Vai ser negada pela teoria funcionalista, que trata do vínculo funcional do comportamento

desviante com a estrutura social, e pela teoria das subculturas criminais, que estuda como a

subcultura delinquencial se comunica aos delinqüentes184.

A primeira teoria, entretanto, é suscetível de ser integrada pela segunda, e assim vão ser

apresentadas como teoria funcionalista da anomia desenvolvida como teoria da subculturas

criminais185. Baseia-se na diversidade das chances que tem um indivíduo de utilizar meios

legítimos para alcançar fins culturais186.

178 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 62. 179 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 62. 180 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 62. 181 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 62. 182 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.201. 183 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.201. 184 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 69. 185 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 70. 186 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 70.

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Segundo os autores Cloward e Ohlin, que desenvolveram tal teoria, a distribuição das

chances de acesso a meios legítimos, baseada na estratificação social, tem origem nas subculturas

criminais da sociedade industrializada, e que assumem forma de bandos juvenis187.

A subcultura criminal diz respeito a reação de minorias desfavorecidas e a tentativa de sua

orientação dentro da sociedade, não obstante as poucas possibilidades legítimas que possuem

para agir188.

Essa teoria vai ser acrescida da teoria das associações diferenciais, proposta por Edwin

Sutherland, através da análise das formas de aprendizagem do comportamento desviante e da

dependência desta aprendizagem das várias associações que o indivíduo tem com os outros, ou

com outros grupos189.

Com seu estudo, o autor vai fazer uma crítica às teorias gerais do comportamento

criminoso baseadas nas condições econômicas, psicopatológicas ou sociopatológicas, pois

acredita que elas se fundam em uma falsa amostra da criminalidade, onde a criminalidade oficial

e tradicional é ignorada; e acredita também que elas não explicam corretamente a criminalidade

de colarinho branco, e também a criminalidade dos estratos inferiores190.

A teoria das subculturas criminais vai negar o princípio da culpabilidade, pois ela não

acredita que o delito possa ser considerado como expressão de uma atitude contrária aos valores e

às normas sociais gerais, pois defende que existem valores e normas específicos para os

diferentes grupos sociais, as subculturas191. Esses valores e normas específicos são interiorizados

pelas pessoas dos grupos através de mecanismos de interação e de aprendizagem, e determinam

seus comportamentos, em concurso com os valores e normas aceitos pelo direito ou pela moral

oficial192.

Deste modo não existe um só sistema de valores válido, pelo contrário, afirma Baratta:

Não só a estratificação e o pluralismo dos grupos sociais, mas também as reações típicas de grupos socialmente impedidos do pleno acesso aos meios legítimos para consecução dos fins institucionais, dão lugar a um pluralismo de subgrupos culturais, alguns dos quais rigidamente fechados em face do sistema institucional de valores e de normas, e caracterizados por valores, normas e modelos de comportamento alternativos àquele193.

187 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 70. 188 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 70. 189 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 71. 190 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 71-72. 191 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 73-74. 192 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 73-74. 193 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 74.

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Assim, fica à escolha do indivíduo o sistema de valores ao qual vai aderir, e essa escolha

vai ser influenciada pelas condições sociais, estruturas e mecanismos de comunicação e

aprendizagem194.

A discriminação do direito em relação à atitude interior conformista, atitude positiva, e a

atitude desviante, reprovável, ou seja, um ato espontâneo pelo sistema institucional de valores, ou

contra ele, são combatidas por estas teorias195.

Essa diferenciação de atitudes nos leva ao princípio do bem e do mal, que é baseado

nesse conjunto de valores e modelos de comportamentos autorizados pelo sistema penal como os

critérios positivos de conduta social que devem ser seguidos pela sociedade196. A minoria

desviante representaria assim, a conduta reprovável destes valores, sendo, portanto, a negação

culpável do mínimo ético defendido pelo sistema penal197.

Enfim, a teoria das subculturas criminais vai negar o princípio da culpabilidade

demonstrando que os modelos e mecanismos do comportamento criminoso não diferenciam dos

mecanismos de socialização sobre os quais é explicado o comportamento considerado aceito e

normal198.

Porém, esta teoria vai sofrer uma correção, feita através da análise das técnicas de

neutralização, ou seja,

daquelas formas de racionalização do comportamento desviante que são aprendidas e utilizadas ao lado dos modelos de comportamento e valores alternativos, de modo a neutralizar a eficácia dos valores e das normas sociais aos quais, apesar de tudo, em realidade, o delinqüente geralmente adere199.

Essa teoria corretiva vai ser apresentada como uma teoria da delinqüência, alternativa à

das subculturas criminais, que pregava um sistema de valores que representa uma mudança dos

valores aceitos na sociedade e na lei200. Ela vai se opor a esse sistema de valores e normas,

dizendo que isso não ocorre sempre, já que os delinqüentes estão inseridos na sociedade, e não

são submetidos a mecanismos de socialização específicos e exclusivos, o que lhes permite

interiorizar essas normas e valores socialmente aceitos201.

194 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 74. 195 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 74. 196 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 74. 197 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 74-75. 198 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 76. 199 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 77. 200 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 77-78. 201 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 77-78.

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Os autores que sustentam essa teoria chegaram a essa conclusão através da análise de

grupos de jovens delinqüentes, quando viram que eles reconhecem a ordem social dominante,

demonstrando sentimento de culpa ou de vergonha pelo ato praticado202.

O Princípio da Legitimidade vai ser criticado pelas teorias do Direito Penal e pelas teorias

psicanalíticas da criminalidade203, que vão negar também o princípio da legalidade, através de

duas grandes linhas de pensamento204.

A primeira, referente à explicação do comportamento criminoso, teve seu

desenvolvimento evidenciado a partir dos estudos de Freud sobre o comportamento delituoso205.

De acordo com Freud:

[...] a repressão de instintos delituosos pela ação do superego, não destrói estes instintos, mas deixa que estes se sedimentem no inconsciente. Esses instintos são acompanhados, no inconsciente, por um sentimento de culpa, uma tendência a confessar. Precisamente com o comportamento delituoso, o indivíduo supera o sentimento de culpa e realiza a tendência a confessar206.

Assim, segundo Freud, a repressão dos instintos criminosos do indivíduo faz com que

eles se sedimentem no inconsciente, acompanhados de um sentimento de culpa, e uma tendência

à confissão207.

A teoria psicanalítica do comportamento criminoso vai, portanto, negar além do princípio

da legalidade, também o da culpabilidade, bem como o direito penal baseado nele208.

A segunda linha de pensamento, que vai realizar a negação do princípio da legalidade,

se traduz na teoria psicanalítica que atribui à reação punitiva uma função psicossocial que

permite fazer a interpretação das funções preventivas, defensivas e éticas, como uma mistificação

racionalizante, sendo que estas funções é que baseiam a ideologia da defesa social, por sua vez, o

princípio em questão, e toda a ideologia penal209.

Para essa linha da teoria psicanalítica, a reação penal em relação ao comportamento

criminoso não tem o escopo de eliminar a criminalidade, mas diz respeito a mecanismos

202 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 78. 203 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.201. 204 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 49. 205 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 49. 206 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 50. 207 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 50. 208 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 50. 209 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 50.

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psicológicos sobre os quais o desvio criminalizado aparece como necessário e ineliminável da

sociedade210.

Freud ainda faz uma distinção entre neurose e tabu211. Sendo que a primeira seria uma

doença individual, enquanto a segunda, uma formação social212.

Deste modo, a violação do tabu, de formação social, a punição ocorre de maneira

espontânea, e a intervenção social é somente uma forma secundária da pena, que ocorre de

maneira subsidiária, pois o grupo se sente ameaçado pela violação do tabu e antecipam na

punição do violador213.

Portanto, a reação punitiva pressupõe a presença de impulsos iguais aos proibidos nos

membros do grupo214.

A teoria criada por Freud acerca do delito por sentimento de culpa vai servir de base para

Theodor Reik lançar sua teoria psicanalítica do Direito Penal, fundado na dupla função da pena,

ou seja, de que, primeiramente, a pena satisfaz a necessidade inconsciente de punição, gerada

pela realização da ação proibida, e também satisfaz a necessidade de punição da sociedade,

através de sua identificação inconsciente com o criminoso215.

Essas funções da pena são dois aspectos de uma teoria psicológica do Direito Penal,

entende Reik, onde a concepção retributiva e preventiva da pena são racionalizações de

fenômenos frutos do inconsciente da psique humana216.

A teoria retributiva vai encontrar sua correspondência nas autopunições inconscientes da

pessoa considerada neurótica, que são reguladas pelo princípio do talião, sendo que a retribuição,

como finalidade da pena, pode ser considerada como a representação de um impulso,

transformada em teoria217.

A teoria da retribuição vai destacar ainda a função da pena em face da sociedade, como

prevenção geral, com intuito de afirmar valores e regras sociais, e desmotivar o comportamento

210 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 50. 211 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 50. 212 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 50. 213 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 50. 214 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 51. 215 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 51. 216 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 51. 217 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 51.

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contrário à lei, e em face do autor do delito, como prevenção especial, com o escopo de

ressocialização ou neutralização desse criminoso218.

Essas funções da pena são transferidas para um resultado futuro, que se traduz na

influência da sociedade, no caso da prevenção geral, ou na influência ao autor do delito, no caso

da prevenção especial, e só podem ser entendidas através da fundação psicológica da finalidade

da pena, realizada por Freud acerca do sentimento de culpa219.

Relata ainda Baratta acerca da conclusão de Reik sobre a menor necessidade da existência

de punições:

Da hipótese segunda a qual o efeito dissuasivo da pena se funda sobre a identidade dos impulsos proibidos, no delinqüente e na sociedade punitiva, finalmente Reik extrai a conclusão de que a tendência de desenvolvimento do direito penal é a da superação da pena [...]220.

A teoria psicanalítica da finalidade da pena vai ser posteriormente enriquecida por Franz

Alexander e Hugo Staub, com a exposição de uma variante ao princípio de Freud sobre a

identidade dos impulsos que movem o criminoso e a sociedade221. Essa variante se traduz por

transportar o princípio de Freud para as características psicológicas gerais do mundo dos

delinqüentes e das pessoas que fazem parte dos órgãos do sistema penal222.

Afirmam os pensadores, que entre essas pessoas há uma afinidade que pode ser

explicada com a presença de tendências anti-sociais não totalmente reprimidas, as quais fazem

com que as pessoas do segundo grupo realizem um maior exercício punitivo223.

Deste modo, esta teoria desloca o âmbito de sua aplicação da sociedade em geral, para

as pessoas que estão a seu serviço, ou seja, os juízes, polícia, agentes de segurança, etc224.

Essa outra variante ainda complementa a teoria de Reik quando passa a ver a pena, não

como identificação da sociedade com o criminoso, mas sim da identificação de uma pessoa com a

sociedade punitiva e com os órgãos da reação penal225.

Paul Reiwark e Helmut Ostermeyer vão ainda, desenvolver a teoria da sociedade

punitiva, em seguida a Reik, Alexander e Staub226.

218 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 51. 219 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 51-52. 220 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 52. 221 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 53. 222 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 53. 223 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 53. 224 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 53. 225 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 53.

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Eles vão explicar a sociedade punitiva separando o bem do mal, do sujeito delinqüente,

e transferindo a ele suas próprias agressões227.

Ostermeyer acredita que a pena não basta para descarregar a agressão reprimida, pois

uma parte dela é transferida para o exterior, para a sociedade, pelo mecanismo de projeção, que é

quando as pessoas projetam suas tendências anti-sociais em delinqüentes, ou sujeitos

desviantes228.

Esse fenômeno de projeção é analisado através da figura do bode expiatório, que se

encontra no delinqüente e sobre o qual é projetada a inconsciente tendência criminosa dos

indivíduos229.

A respeito dessa projeção da tendência criminosa na figura do bode expiatório, relata

Baratta:

O nosso negativo, a assim chamada sombra, produz [...] sentimentos de culpa inconscientes que procuram ser descarregados. Em todo o homem existe a tendência a transferir esta sombra sobre uma terceira pessoa, objeto da projeção, ou seja, transportá-la para o exterior e, com isso, concebê-la como alguma coisa de externo, que pertence a um terceiro. Em lugar de voltar-se contra si próprio, insulta-se e pune-se o objeto desta transferência, o bode expiatório, para o qual é sobretudo característico o fato de que se encontra em condição indefesa230.

As teorias aqui apresentadas, da explicação do comportamento criminoso, bem como da

reação punitiva, apesar de negarem o princípio da legitimidade, através de suas críticas à

ideologia da defesa social, não superaram os limites da criminologia tradicional231.

A negação do Princípio de Igualdade vai ser realizada pela teoria do Labelling

Approach232, que vai atacar justamente a idéia de que o Direito é igual para todos, e que a reação

penal, e até a reação social, seria a mesma para todos os criminosos. Essa idéia é substituída pelo

paradigma da reação social, quando expõe que o desvio e a criminalidade são qualidades

atribuídas à determinada camada social por meio de mecanismos de seleção e rotulação, que

atuam de maneira desigual. Assim:

Isto implica que o princípio da igualdade, ou seja, a base mesma da ideologia do Direito Penal, seja posta em séria dúvida, eis que a minoria criminal a que se refere a definição

226 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 55. 227 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 55. 228 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 55. 229 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 56. 230 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 56. 231 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 57. 232 Ver nota nº 82 que trata do Labelling Approach, ou Paradigma da Reação Social.

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sociológica aparece, na perspectiva do labelling approach, como o resultado de um processo altamente seletivo e desigual dentro da população total; enquanto o comportamento efetivo dos indivíduos não é, por si mesmo, condição suficiente deste processo233.

Um fato que demonstra claramente a idéia de que a reação penal, e a reação social não são

iguais a todos os criminosos é a pesquisa realizada acerca do crime de colarinho branco,

característico das sociedades de capitalismo avançado234.

Esse crime e o seu autor se revestem de características muito distintas dos crimes e dos

autores selecionados pelo sistema para serem punidos. O crime de colarinho branco possui

conivências entre a classe política e a economia privada, os autores da infração detém um certo

prestígio, o efeito estigmatizante das sanções aplicadas é escasso, além da falta de um esteriótipo

que as agências oficiais possam perseguir, ao contrário do que ocorre nas infrações típicas das

camadas desfavorecidas235.

As pesquisas realizadas sobre esse tipo de crime demonstraram que as estatísticas

criminais e sua interpretação sobre a distribuição da criminalidade nas diversas camadas sociais,

bem como as teorias da criminalidade, estavam se baseando sobre a criminalidade identificada e

perseguida, ou seja, a criminalidade já selecionada, ocorrendo, portanto, uma distorção dessas

teorias da criminalidade, criando uma idéia falsa da distribuição da criminalidade nos grupos

sociais236.

Diante disso, tende-se a acreditar numa criminalidade concentrada nos estratos inferiores,

ligada a fatores pessoais e sociais, relacionadas geralmente à pobreza, e ainda à condição social a

que pertence o delinqüente, ou a situação familiar de que provém. Isso orienta e influencia os

órgãos oficiais, que continuam, através de suas ações, a alimentar esse processo seletivo237.

Sobre essa criminalidade relacionada às baixas classes sociais, afirma Baratta:

Uma pessoa que provém destas situações sociais deve ter consciência do fato de que seu comportamento acarreta uma maior probabilidade de ser definido como desviante ou criminoso, por parte dos outros, e de modo particular por parte dos detentores do controle social institucional, do que outra pessoa que se comporta do mesmo modo, mas que pertence a outra classe social ou a um milieu familiar íntegro238.

233 ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.202. 234 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 101. 235 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 102. 236 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 102. 237 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 102-103 e 111-112. 238 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 112.

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A definição de criminalidade, e as reações institucionais a ela relacionadas estão ligadas a

esse caráter estigmatizante, que não acontece no crime de colarinho branco, evidenciando a

seletividade do sistema e a distinta reação social e penal para determinados crimes, de acordo

com o estrato social do delinqüente239.

Uma segunda pesquisa, sobre a cifra negra da criminalidade, realizou uma análise crítica

do método e do valor das estatísticas criminais, levando em conta a verdadeira freqüência e

distribuição do comportamento desviante que é perseguido pelo sistema penal em uma

sociedade240. Concluiu que, diferentemente do que a ideologia da defesa social difunde, a

criminalidade não é um comportamento característico de uma minoria, e sim, um comportamento

de grande parte dos estratos sociais, ou mesmo da maioria dos membros da sociedade241.

Com a conclusão da pesquisa sobre a cifra negra da criminalidade e do crime de colarinho

branco, nega-se a idéia do princípio da igualdade, que relata que a criminalidade seria a expressão

do comportamento de uma minoria que viola diretamente o Direito Penal, já que se viu que ela é

um comportamento presente em todos os estratos da sociedade, e realizada pela maioria de seus

membros.

O Princípio da Legalidade, que corresponde à idéia de que criminalidade se traduz na

violação da lei penal, e o delito constitui o ato descrito na norma penal, e também que o Estado,

além de legitimado a controlar a criminalidade (princípio da legitimidade) também é autolimitado

pelo Direito Penal no exercício desta função punitiva242.

Vai ser negado, assim como o princípio anterior, em que está inserido. Essa crítica é feita

pela teoria da reação social, ou labelling approach, que expõe que, a partir da evidência de que

todos cometem delitos, o estado, e o direito penal devem selecionar quem será punido, negando,

portanto, a idéia de que a criminalidade é a violação da lei penal, justamente por essa

característica seletiva do sistema e pela teoria da reação social evidenciar que a criminalidade é

uma questão de reação que a sociedade têm frente à conduta criminosa.

Nega também a idéia de que o delito constitui a conduta descrita na norma penal, pois

sendo a ação descrita na norma, deveria ser atribuída a todos a característica de criminoso, mas

não o é, além do fato de que a seleção realizada pelo próprio sistema reflete em seus agentes, que,

239 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 103. 240 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 103. 241 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 103. 242 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.137.

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dotados de discricionariedade e apoiados pela vagueza ou ambigüidade das leis, perpetuam o

processo seletivo nas diversas fases do judiciário, contrariando o conteúdo da norma legal243,

como expõe Vera Regina:

[...] a discricionariedade judicial ingressa é [...] pelo da vagueza e/ou ambigüidade da linguagem da lei, se projetada para o Direito Penal já permitiu evidenciar, por isto mesmo, a debilidade do princípio da legalidade para cumprir uma função de garantia (segurança jurídica) [...]244.

O Princípio do Interesse Social e do Delito Natural vai ser questionado pelas Teorias do

Conflito, que são baseadas no labelling approach, e tem como objetivo analisar a maneira como

se dá o processo de definição, levando em conta os conflitos de interesse e as diferentes camadas

sociais245. Foi evidenciada assim, a desigualdade na rotulação dos criminosos, bem como a

desigualdade na distribuição do poder entre os grupos que fazem essa rotulação246.

Destaca-se também o questionamento realizado pela teoria do conflito combatendo a idéia

de que o processo de seleção primária247, aquele feito primeiramente pela legislação, onde os

mecanismos seletivos da criminalização se revelam no momento de elaboração das leis penais, e

de seleção secundária, realizado pelos agentes do sistema na aplicação da lei, têm bases nos

interesses fundamentais da sociedade, apontando que esses processos seletivos atendem aos

interesses dos grupos detentores do poder, que utilizam as instituições penais como uma maneira

de atacar e neutralizar o comportamento dos grupos contrários248.

Os pressupostos do princípio em questão, já abordados no item anterior, são: a concepção

da criminalidade como qualidade ontológica de certos comportamentos ou indivíduos, bem como

a homogeneidade dos valores e dos interesses que são protegidos pelo Direito Penal249.

O primeiro pressuposto vai ser negado pela teoria do labelling approach, pois este

demonstrou que o desvio “não é algo que precede as definições e as reações sociais, mais uma

realidade construída mediante as definições e reações, e que através delas adquire a qualidade

desviante ou criminosa” 250, ou seja, a criminalidade não seria uma qualidade ontológica, e sim

243 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.272. 244 ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.272. 245 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.202. 246 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.202. 247 Ver item 1.2 - Defesa Social. 248 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 129. 249 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 117-118. 250 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 118.

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um status social que é atribuído ao indivíduo através dos processos definição e etiquetamento e

dos mecanismos de reação251.

O princípio, no seu todo, vai ser negado pelas Teorias Conflituais da Criminalidade252,

que são justamente as teorias que tratam de estudar o processo da criminalização, que

compreende o processo de definição e de atribuição do status de criminoso ao indivíduo já

definido253.

Esta teoria afirma que os interesses que compõe a base de formação e aplicação do Direito

Penal são os interesses dos grupos detentores do poder de influir sobre o processo de

criminalização, negando o segundo pressuposto do princípio que diz que os interesses e valores

protegidos pelo Direito Penal são aqueles comuns a todos os cidadãos254.

Afirma ainda, que a criminalidade, assim como o Direito Penal, tem natureza política,

pois é uma realidade social gerada pelo processo de criminalização. Nega, assim, o segundo

pressuposto do princípio de que a proteção a determinados arranjos políticos e econômicos não é

exclusiva dos delitos artificiais, bem como a idéia de que a criminalidade seria uma qualidade

ontológica de certos indivíduos, enquanto, na verdade, trata-se justamente desse processo de

criminalização, seletivo, rotulante, e com características políticas, já que se dá do grupo detentor

do poder, para o grupo que é rotulado e selecionado, sendo, portanto, uma relação política de

domínio de uns indivíduos sobre os outros255.

Deste modo, a teoria do conflito vai negar os pressupostos do princípio do interesse social

e do delito natural ao afirmar que são os interesses dos grupos do poder que fundamentam a

formação e aplicação do direito penal, e não os interesses comuns a toda sociedade como aponta

o princípio, e ainda, que a criminalidade e o próprio Direito Penal são realidades sociais criadas

pelo processo de criminalização, que seleciona, rotula e ainda emprega uma reação ao

comportamento do indivíduo, em contrapartida à idéia de que a criminalidade diz respeito a uma

qualidade ontológica do comportamento de certas pessoas.

A crítica ao Princípio do Fim ou da Prevenção vai se dar em razão dos resultados das

investigações realizadas acerca da finalidade da pena, e da ressocialização através da prisão256.

251 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 118. 252 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 119. 253 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 119. 254 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 119. 255 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 119-120 e 123. 256 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.202.

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São questionados, o seu caráter reeducativo e “a ideol ogia do tratamento como o conceito mesmo

de reeducação e ressocialização, convertendo-os em objeto de profundas dúvidas” 257.

O princípio em questão vai ser refutado pela teoria da reação social, ou labelling

approach.

A pesquisa da reação social vai possuir duas principais correntes, o interacionismo

simbólico, que acredita que a realidade social é composta por inúmeras interações concretas entre

as pessoas, aos quais um processo de tipificação atribui um significado que se afasta dessas

situações concretas e se prolonga através da linguagem, e a etnometodologia, que entende que a

sociedade não é uma realidade que se conhece através de um plano objetivo, mas o resultado de

uma construção social, realizada por um processo de definição e tipificação por parte de

indivíduos ou grupos sociais diversos258.

De acordo com essas duas correntes, o estudo da realidade social pressupõe o estudo

desses processos, desde sua aplicação a um indivíduo, até a concepção de ordem social259.

O interacionismo simbólico, e seu desenvolvimento da teoria do desvio possui uma

divisão dos conceitos de comportamento e ação, e de normas ou práticas interpretativas260.

De acordo com a primeira divisão, o comportamento tem seu referente na estrutura

material da ação, ou seja, a ação é o comportamento ao qual se atribui um significado social,

dentro da interação261. E essa atribuição de um significado social, que faz a passagem do

comportamento para a ação é realizado de acordo com algumas normas, gerando a divisão entre

normas ou práticas interpretativas262. Estas, por sua vez, vão determinar a interpretação e a

aplicação das normas gerais a situações específicas263.

As normas ou práticas interpretativas e aplicativas são a base das interações sociais e vão

determinar o sentido de uma estrutura social264.

A teoria do labelling approach, orientada pelos questionamentos sobre a natureza do

sujeito e do objeto, vai possuir duas direções265. A primeira se refere ao estudo de como é

formada a identidade desviante, e como nasce a definição de desvio secundário, ou seja, qual o 257 ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.202. 258 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 87. 259 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 87. 260 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 88. 261 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 88. 262 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 88. 263 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 88. 264 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 88. 265 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 89.

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efeito da aplicação de uma etiqueta na pessoa em quem está sendo aplicada esse rótulo, já a

segunda diz respeito ao problema da definição, ou seja, da constituição do desvio como uma

qualidade atribuída ao comportamento de alguns indivíduos, e também ao problema da

distribuição desse poder de definir, quer dizer, o estudo daqueles que possuem o poder de

controle social266.

O desenvolvimento da primeira direção da pesquisa vai estudar os efeitos da

estigmatização na formação do status social de desviante, e concluir que a principal conseqüência

da aplicação de sanções é uma modificação na identidade social daquela pessoa, que acontece

assim que lhe é empregado o rótulo de criminoso267.

Para o desenvolvimento de uma teoria do desvio, fundada na reação social, é

imprescindível, de acordo com o doutrinador Edwin Lemert, que se diferencie a delinqüência

primária da delinqüência secundária268.

Essa distinção vai ser realizada pelo autor, com o escopo de demonstrar como a reação

social ou a punição de uma pessoa que comete seu primeiro desvio gera uma mudança de

identidade social do indivíduo estigmatizado, fazendo com que essa pessoa permaneça no papel

social que a estigmatização lhe conferiu269.

Ele vai ressaltar que os dois problemas centrais de uma teoria da criminalidade são a

maneira como surge o comportamento desviante, e como esses atos desviantes são ligados

simbolicamente, bem como as conseqüências desta ligação para os demais desvios realizados por

essa pessoas270.

Os desvios sucessivos à reação social são uma resposta à sociedade, conforme a etiqueta

atribuída à pessoa, ou seja, ela foi rotulada e já existe uma expectativa acerca de seus atos271. É

esperado que ela haja de acordo com aquela imagem que lhe conferiram, e ela, por acreditar

nessa etiqueta, e por não ser esperado nenhuma atuação diferenciada de sua parte, age conforme a

sociedade assim espera272.

266 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 89. 267 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 89. 268 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 89. 269 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 89. 270 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 90. 271 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 90. 272 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 90.

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A respeito afirma Baratta:

[...] os desvios sucessivos à reação social [...] são fundamentalmente determinados pelos efeitos psicológicos que tal reação produz no indivíduo objeto da mesma; o comportamento desviante (e o papel social correspondente) sucessivo à reação torna-se um meio de defesa, de ataque ou de adaptação em relação aos problemas manifestos e ocultos criados pela reação social ao primeiro desvio273.

Deste modo, o princípio do fim ou da prevenção, e em especial o caráter reeducativo da

pena, vai ser negado pela teoria da reação social ou labelling approach, pois com os resultados da

pesquisa realizada sobre os efeitos da estigmatização sobre a pessoa que recebe o status de

criminoso percebeu-se que a intervenção do sistema penal, e de suas penas detentivas, geralmente

determinam uma consolidação da identidade desviante do condenado e de sua entrada na vida do

crime, ao invés que possuírem o efeito reeducativo a que se propõe274.

Enfim, vê-se que os princípios em que se baseia e se funda o Sistema Penal, e também o

Direito Penal, foram negados pela criminologia crítica e suas teorias. Assim, resta saber como se

rege o sistema na prática, visto que não funciona da maneira como deveria, para assim analisar se

o instituto da pena de morte pode ser utilizado, e se teria eficácia em um sistema estruturalmente

comprometido.

2.3 O SISTEMA PENAL ATUAL E A DEFESA SOCIAL

A Criminologia da Seleção, assim denominada por Foucault, que tem como principais

argumentos o papel criador do juiz, a criminalidade de colarinho branco, a cifra oculta da

criminalidade e a crítica das estatísticas criminais vai traduzir a operacionalidade do Sistema

Penal, e seu atual funcionamento na prática275.

A primeira pesquisa, do papel do juiz como criador do Direito expõe a idéia de que a lei

não assegura completamente, tampouco de forma clara, a sua própria aplicação, possibilitando o

uso de regras, princípios e atitudes subjetivas de seu intérprete, até, enfim, adquirir sua forma

precisa276. Com isso, nota-se que a definição do desvio não se resolve definitivamente no

273 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 90. 274 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 90. 275 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.260. 276 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.260.

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momento normativo, posto que a lei penal constitui um marco onde os agentes do controle social,

os operadores da criminalização secundária, ou seja, a polícia, juízes, Ministério Público,

possuem uma grande discricionariedade no processo de seleção que realizam277.

Já a pesquisa acerca da criminalidade de colarinho branco, que compreende a

delinqüência praticada por pessoas com alto prestígio social que geralmente ficam impunes278, e a

da cifra negra da criminalidade, ou cifra obscura, traduz a disparidade entre a criminalidade real,

ou seja, as condutas criminosas realmente praticadas, e a criminalidade estatística, aquela que é

oficialmente registrada279.

Esta representa uma maneira de investigação criminológica, já que serve de base para a

quantificação da criminalidade real, para a elaboração e comprovação de teorias científicas, bem

como para cálculos acerca dos custos morais e materiais do crime (índices de criminalidade)280.

Com a análise das teorias sobre a criminalidade de colarinho branco e sobre a cifra negra,

as estatísticas oficiais sobre a quantificação da criminalidade real foram desqualificadas, já que

não traduzem os dados da criminalidade que efetivamente ocorre281. Elas possibilitaram,

entretanto, a conclusão de que a cifra negra varia de acordo com a classe de estatística, policial,

judicial ou penitenciária, pois não são todos os crimes que são perseguidos, registrados,

averiguados pela polícia, e denunciados, essa denúncia nem sempre é recebida, e não é todo

recebimento que acaba em uma condenação, portanto, esse delito que nem sequer é perseguido,

não chega ao conhecimento da polícia e não se torna parte das estatísticas, constituindo uma

criminalidade oculta, não oficial282.

Sobre essa defasagem existente entre os números que a criminalidade estatística revela, e

a criminalidade que realmente ocorre sem que se tome conhecimento, aponta Vera Regina:

Visível se torna, nesta perspectiva, como a criminalidade estatística não é, em absoluto, um retrato da criminalidade real, mas o resultado de um complexo processo de refração existindo entre ambas um profundo defasamento não apenas quantitativo, mas também aqui qualitativo283.

277 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.260. 278 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.261. 279 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.262. 280 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.262. 281 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.262. 282 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.262-263. 283 ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.263.

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Essa seletividade quantitativa diz respeito à seleção que o Sistema Penal é obrigado a

fazer, acerca do número de crimes que ele pune, de acordo com a sua capacidade, que não é

suficiente para combater a todos os crimes que efetivamente ocorrem, e que são inclusive

ignorados pelas estatísticas oficiais, como visto acima. Ou seja, a defasagem entre a programação

penal e os recursos disponíveis do sistema para sua operacionalização284.

As pesquisas que revelaram essa defasagem nas estatísticas também realizaram duas

importantes correções acerca da criminalidade, uma em seu conceito, outra em sua explicação e

distribuição285.

O conceito de criminalidade sofreu uma mudança, passando a ser entendido como uma

conduta majoritária, referente ao comportamento da maioria dos membros da sociedade, e não

mais o conceito baseado na criminologia positivista, que a entendia como atributo de alguns

indivíduos socialmente perigosos, com anomalias psicológicas, físicas e sociológicas, que os

tornaram propensos à delinqüência e os distinguiam das pessoas consideradas normais286.

A segunda correção foi realizada a respeito do conceito de distribuição, estatisticamente

fundada, e explicação, anteriormente etiológica, da criminalidade, que se deu devido às

conseqüências das pesquisas sobre a criminalidade de colarinho branco e cifra negra, no que

concerne à desqualificação do valor interpretativo das estatísticas criminais para a análise da sua

distribuição nos diversos estratos da sociedade e também a fundamentação das teorias

criminológicas a estas vinculadas287.

A correção se deu, pois as estatísticas criminais, se baseando na criminalidade

identificada e perseguida, não distribuíram corretamente a criminalidade entre as camadas

sociais, distorcendo as teorias baseadas nesta errônea distribuição288.

Desta forma, essas estatísticas fundamentaram o conceito da criminalidade em um

fenômeno característico das camadas inferiores, vinculando sua explicação a fatores relativos à

pobreza e moradia em favelas, por exemplo, reafirmando assim o esteriótipo de criminoso que o

próprio sistema já tratou de rotular289.

284 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.266. 285 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.264. 286 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.263-264. 287 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.264. 288 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.264. 289 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.264.

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A correção desta distribuição estatística e explicação etiológica é de que a criminalidade

está presente em todos os estratos sociais, sendo portanto um comportamento majoritário, ao

contrário do que se entende geralmente290. Assim, as classes inferiores, os pobres, não possuem

maior tendência a delinqüir, e sim de serem criminalizados291.

A incapacidade operacional do sistema é que dá origem a essa seletividade, comum a

todos os sistemas penais, pois suas estruturas não têm capacidade de atender a todos os delitos

que são cometidos, a menos que se criminalizasse várias vezes toda a população, efeito que não é

desejado, levando o sistema a não operar em toda a sua extensão292. Sobre essa reiterada

criminalização a toda uma população autora de delitos, relata Zaffaroni:

Se todos os furtos, todos os adultérios, todos os abortos, todas as defraudações, todas as falsidades, todos os subornos, todas as lesões, todas as ameaças, etc. fossem concretamente criminalizados, praticamente não haveria habitante que não fosse, por diversas vezes, criminalizado293.

A seletividade dos sistemas penais aqui apontada, devido às suas incapacidades

operacionais, por não haver possibilidade estrutural de todos os delinqüentes serem punidos, já

que todas as pessoas cometem delitos, aponta para a impossibilidade dos sistemas funcionarem

de acordo com os princípios em que, teoricamente, se baseiam, revelando assim a real maneira

como se regem e que é apontada pela doutrina

[...] como um ponto de partida extraordinariamente importante dentro de uma reflexão global sobre o sistema penal. [...] Todos os princípios ou valores sobre os quais o sistema se apóia (a igualdade dos cidadãos, a segurança, o direito à justiça etc.) são radicalmente deturpados, na medida em que só se aplicam àquele número ínfimo de situações que são os casos registrados294.

A seletividade qualitativa, por sua vez, trata da conotação social dos autores dos delitos.

Quer dizer, ela aponta que existe um processo seletivo, não acerca das ações cometidas, e sim de

quem as comete295. Assim, a seleção é feita com as pessoas que receberam a etiqueta de

delinqüentes, e não com as condutas qualificadas como delito296.

290 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.265. 291 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.265. 292 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.265. 293 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. p. 26. Apud: ANDRADE, Vera

Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica: do controle da violência à violência do controle penal, p.54. 294 ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.266. 295 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.266. 296 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.267.

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“O sistema penal se dirige quase sempre contra certas pessoas, mais que contra certas

ações legalmente definidas como crime297”, essas certas pessoas são as pessoas pertencentes às

classes inferiores estigmatizadas, que possuem uma maior conotação de suas condutas danosas,

“Pois os grupos poderosos na s ociedade possuem a capacidade de impor ao sistema uma quase

que total impunidade das próprias condutas298”, que acaba imunizando esses delitos cometidos

pelas classes sociais superiores, evidenciando assim, a seletividade qualitativa, exposta na

imunização das classes superiores e criminalização das classes inferiores299, e em geral, a

seletividade de todo o sistema penal, que destaca ainda mais o seu funcionamento em oposição

direta aos princípios que o baseiam.

Essa seleção das pessoas incluídas em estratos inferiores da sociedade se dá de acordo

com diversas variáveis, como status, etnia, condição familiar e de moradia, por exemplo, que

acabam por influenciar a seletividade decisória dos agentes do sistema, como polícia e juízes e

Ministério Público.

Essas variáveis não legalmente reconhecidas levaram à explicação da seleção da

criminologia positivista, superando o ponto de vista etiológico, ou seja, a seleção não é feita de

acordo com a tendência a delinqüir, e sim, de acordo com a tendência a ser criminalizado como

delinqüente300.

Com essa superação da Criminologia Positivista, e sua concepção etiológica, supera-se

também toda uma maneira de legitimação do processo de seleção, quer dizer, as teorias

etiológicas recaíam sobre o produto da seleção realizada pelo sistema, justificando assim a sua

periculosidade e sua maior tendência à criminalidade301. Elas contribuíram na mistificação e

estigmatização dos mecanismos de seleção, já que lhes conferiram uma explicação científica,

substituindo o processo de estigmatização baseado na crença e na fé, característico do Antigo

Regime, anterior à Escola302.

Atualmente, as atividades jurisdicionais também contribuem para que os mecanismos de

seleção continuem operando303. Isso se dá devido às múltiplas decisões que os juízes e tribunais

devem tomar, na fixação, valoração e qualificação dos fatos, ou individualização, escolha e 297 ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.267. 298 ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.267. 299 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.268. 300 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.269-270. 301 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.271. 302 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.271. 303 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.272.

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quantificação da pena, o que fazem com base em leis vagas e ambíguas, e dotados de grande

discricionariedade304.

Diante disso, os juízos de responsabilidade penal foram negados para serem reconhecidos

como juízos atributivos, posto que não devem descrever qualidades existentes no indivíduo, e sim

atribuí-las a ele305.

Essa desigualdade penal vem acompanhada de uma desigualdade social, e em especial, da

desigualdade social estrutural das sociedades capitalistas, que apresenta um nexo funcional com a

interpretação macrossociológica realizada pela Criminologia crítica, em face da seletividade

apontada pela Criminologia da reação social306.

A doutrina sustenta que os mecanismos da seletividade estão mesclados com os mesmos

mecanismos de interação, antagonismo e poder, responsáveis pela desigualdade na distribuição

de bens e oportunidades entre os indivíduos de uma certa estrutura social307.

Os grupos detentores o poder é que são responsáveis pela atribuição da qualidade de

criminoso, dependente direta da condição social e familiar do indivíduo selecionado308. Assim, a

criminalidade se traduz em uma etiqueta atribuída a determinado indivíduo, que corresponde a

determinada imagem e esteriótipo, e acaba por aceitar o status social que lhe foi imposto309.

Sobre essa atribuição de uma etiqueta de delinqüente a certos indivíduos, Vera Regina

relata que se tratam de juízos atributivos,

[...] que produzem uma qualidade criminal desta pessoa, com as conseqüências jurídicas (responsabilidade penal) e sociais (estigmatização, mudança de status e de identidade social etc.) decorrentes. Pois a sentença cria uma nova qualidade para o imputado, introduzindo-o em um status que, sem ela, não possuiria310.

O fenômeno da seletividade guiado pela desigualdade social vai partir da análise da

criminalização primária para a secundária, evidenciando a distribuição seletiva dos bens

jurídicos, desconstruindo, assim, a ideologia da defesa social311. Quer dizer, a criação das leis

penais, criminalização primária, define os bens jurídicos que serão protegidos, quais serão as

condutas tipificadas como crimes, e ainda a qualidade e quantidade das penas aplicadas ao

304 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.272. 305 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.274. 306 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.276. 307 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.276. 308 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.276-277. 309 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.276-277. 310 ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.278. 311 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.278.

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criminoso, obedecendo a uma desigualdade, mistificada pelo caráter fragmentário do Direito

Penal, que fez uma pré-seleção dos indivíduos que são criminalizáveis, dizendo respeito aos

conteúdos e não-conteúdos da lei penal312.

Os conteúdos do Direito Penal se revelam no direcionamento das leis penais, para que

seja criminalizada a classe socialmente inferior313. Já os não-conteúdos constituem no privilégio

garantido pelo Direito Penal aos interesses dos grupos socialmente superiores, e a imunização do

processo de criminalização daqueles comportamentos característicos dessa classe social,

evidenciando, portanto, que a criminalização secundária só acentua o caráter seletivo do Direito

Penal314.

Como o Direito Penal apresenta um funcionamento extremamente seletista, nada mais

lógico que seus agentes e órgãos continuem a exercer essa seletividade em suas atividades. O

status atribuído ao indivíduo cria uma expectativa da sociedade, que espera desse indivíduo uma

resposta condizente com a etiqueta que lhe foi imposta, assim, os agentes do sistema passam a

esperar um determinado comportamento, delituoso, das pessoas pertencentes às classes inferiores,

ao contrário do que esperam das pessoas de estratos superiores315. Assim relata Vera Regina

sobre essa expectativa de resposta social gerada pelo etiquetamento do sistema e de seus agentes:

Orientados por uma imagem estereotipada da criminalidade, os juízes tendem, como ocorre no caso do professor e dos erros nas tarefas escolares, a procurar a verdadeira criminalidade, principalmente naqueles estratos sociais dos quais é normal esperá-la316.

O sistema penal, portanto, “aparece [...] como filtro último e uma fase avançada de um

processo de seleção que tem lugar no controle informal (família, escola, mercado de trabalho)

[...]” e que, através de seus órgãos e agentes continuam a evidenciar esse caráter seletivo, e

também oposto ao que deveria ser a base de seu funcionamento, ou seja, os princípios elencados

no item anterior e ignorados por esse sistema.

Esses mecanismos utilizados no processo de seleção foram objetos de estudo de pesquisas

que condensaram sua conclusão em três proposições que negam o mito que se encontra na base

da ideologia da defesa social, o mito do Direito Penal como direito igualitário317. São elas: O

Direito Penal não defende a todos os cidadãos e os bens essenciais em que estão igualmente 312 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.278. 313 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.279. 314 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.279. 315 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.280. 316 ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.280. 317 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.282.

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interessados, quando pune a ofensa a esses bens o faz de maneira desigual e de modo parcial,

fragmentado; A lei penal não é igual para todos, o status de criminoso é atribuído de forma

desigual entre os indivíduos; e o grau efetivo de tutela e da distribuição desse status independe do

dano causado à sociedade e da gravidade da infração à lei, pois estas não são as principais

variáveis da reação criminalizadora e de sua intensidade318.

Fica claro, portanto, que “Não apenas as no rmas penais se criam e se aplicam

seletivamente e a distribuição desigual da criminalidade (imunidade e criminalização) obedece

geralmente à desigual distribuição do poder e da propriedade e à conseqüente hierarquia dos

interesses em jogo [...]319” mas que t ambém o sistema penal e o Direito Penal, exercem uma

função ativa de conservação e reprodução dessas relações sociais desiguais320.

Existe uma grande disparidade entre a programação normativa do sistema penal, ou seja,

como ele deveria funcionar, e o seu real funcionamento, e se conclui que na verdade, se trata de

um sistema que ao invés de proteger, viola os princípios do Estado de Direito e do Direito

Penal321. A realização desses princípios322, de legalidade, igualdade, culpabilidade, por exemplo,

não passam de uma ilusão, já que a operacionalidade do sistema está preparado estruturalmente

para violar a todos323.

Assim, se compararmos as funções instrumentais e socialmente úteis declaradas com as

funções reais da pena e do sistema, veremos que, além de estarem sendo descumpridas, vêm

sendo contrárias às declaradas324. As promessas do Direito Penal de que a pena cumpre uma

função de controle e redução da criminalidade e de defesa social são promessas falsas, ou no

mínimo, não verificáveis, posto que a função de proteção de bens jurídicos universais atinge

apenas a proteção dos bens jurídicos das classes superiores, sendo, portanto, uma proteção

seletiva, demonstrando a problemática da programação do Direito Penal325.

318 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.282. 319 ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.283. 320 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.283. 321 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.289. 322 Ver item 2.1, que trata dos princípios do Sistema Penal. 323 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.289. 324 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.291. 325 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.291.

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A função da pena se traduz em uma reprodução da criminalidade e a reprodução das

classes sociais, ao contrário das funções declaradas, que seriam a da repressão da criminalidade e

seu controle, e a redução dos crimes326.

Posto isso, conclui-se que o Sistema Penal e o Direito Penal, através de uma seletividade,

tanto quantitativa como qualitativa, demonstra uma problemática estrutural, gerando um

mecanismo complexo de atribuição de status de criminoso aos indivíduos pertencentes às classes

inferiores da sociedade, levado adiante pelos agentes desse sistema, guiados por leis vagas,

ambíguas e dotados de discricionariedade, e pelos grupos detentores do poder, evidenciando

ainda mais a negação aos princípios que, na teoria, os sustentariam, ignorando, portanto, como

deveriam atuar na prática.

326 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.291.

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3 PENA DE MORTE NOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA – ESTUDO DE CASO

3.1 LEGISLAÇÃO FEDERAL

Ficou demonstrado nos capítulos precedentes que o Sistema funciona de forma seletiva e

rotulante, já que é estruturalmente impossível punir todos aqueles que cometem crimes, e que ele

não atua conforme os princípios em que, teoricamente, estaria baseado, visto que no capítulo

anterior foram todos negados pela Criminologia Crítica.

Cabe, portanto, analisar dentro desse sistema estruturalmente problemático, em que a

repressão não vem se mostrando o melhor instrumento de defesa social, se o instituto da pena de

morte resolve os problemas a que se propõe, alterando ou não os índices da criminalidade que

deve ser por ela combatida.

Para isso foi realizado um estudo acerca da situação da criminalidade nos Estados Unidos

da América, levando em conta o perfil do criminoso sentenciado à pena de morte, sua

escolaridade, número de condenações anteriores, idade à época da sentença, sexo e raça. O perfil

do criminoso condenado e executado possibilita analisar se a pena de morte atua da mesma forma

que o Sistema Penal, ou seja, de maneira seletiva, como visto nos capítulos anteriores. Pois é

através dessa comparação que podemos identificar se o esteriótipo do criminoso que é

sentenciado e executado corresponde ao rótulo empregado às pessoas consideradas criminosas

pelo Sistema Penal.

Dentre todos os Estados Americanos que punem seus delinqüentes com a pena capital, o

Texas foi escolhido como exemplo ao longo do estudo, por se tratar de um dos três Estados mais

rígidos na condenação de criminosos à pena de morte, juntamente com a Califórnia e a Flórida.

Atualmente, trinta e oito dos cinqüenta Estados Americanos fazem uso do instituto.

Porém, cada Estado utiliza seu próprio estatuto, estabelecendo individualmente quais os crimes

que serão punidos com a pena capital, bem como a idade mínima para o estabelecimento dessa

punição327.

327 Entre os que possuem em seus estatutos a pena de morte como resposta contra a criminalidade podem ser citados

o Estado do Texas, como já dito, a Virginia, Flórida, Califórnia, Washington, Colorado e a Carolina do Norte, por exemplo, e ainda o Governo Federal e as Forças Armadas. Já os Estados do Alaska, Hawaii, Iowa, Maine, Massachusetts, Minchigan, Minnesota, Dakota do Norte, Rhode Island, Vermont, West Virginia, Wisconsin, e

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A lei Federal Americana prevê cerca de cinqüenta e oito assassinatos punidos com pena

de morte, entre eles pode-se citar328: assassinato cometido em um aeroporto que serve à aviação

civil internacional; assassinato de um membro do congresso, de um oficial executivo importante,

ou de um membro corte suprema de justiça; morte em conseqüência de um crime que envolva o

transporte dos explosivos; assassinato de um juiz federal, de um oficial de execução da lei ou de

um oficial estrangeiro; assassinato de um nacional de Estados Unidos em um país estrangeiro;

assassinato com a intenção de impedir o testemunho da vítima, de uma testemunha, ou de um

informante; ou assassinar durante seqüestro; assassinar ou seqüestrar tendo como resultado a

morte do presidente ou do vice-presidente; matar mediante contratação; e ainda o assassinato

realizado com o uso de armas de destruição em massa e assassinato envolvendo tortura329.

Os métodos utilizados na execução dos criminosos sofreram grandes alterações ao longo

dos anos. Enquanto no passado as execuções eram realizadas queimando, pendurando em

correntes, pressionando até a morte os condenados, atualmente, em todo o país, são utilizadas

apenas cinco maneiras para a aplicação da pena, são elas: a injeção letal, a cadeira elétrica,

câmara de gás, o pelotão de fuzilamento, e ainda o enforcamento. Porém o método mais utilizado,

e permitido em trinta e sete dos trinta e oito Estados que recorrem à penalidade máxima, é a

injeção letal330.

De 1976 a 2003, 718 das 885 execuções foram realizadas através do método de injeção

letal, 151 por eletrocussão, 11 pela câmara de gás, e apenas 3 por enforcamento e 2 através do

pelotão de fuzilamento. Independente do método, o criminoso realiza sua última refeição 1 ou 2

horas antes da execução, bem como recebe os serviços religiosos331.

Quanto à idade mínima para as execuções, somente sete países no mundo realizam a pena

de morte em pessoas consideradas jovens, isto é, com 18 anos ou menos à época do cometimento

do crime. Quase todas as execuções de jovens no mundo acontecem nos Estados Unidos da

ainda o Distrito de Columbia são os doze Estados Americanos que não autorizam o uso da pena capital em seus estatutos.

328 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Death Penalty Information Center. Federal laws providing for the death penalty. Disponível em <http://www.deathpenaltyinfo.org/article.php?scid=29&did=192>. Acesso em: 06 set. 2004.

329 Além desses exemplos de homicídios, os crimes de espionagem, traição, tráfico de grandes quantidades de drogas; a tentativa, autorização ou recomendação a morte de um oficial, jurado, ou testemunha nos casos que envolvam empresas criminais, mesmo que a morte não seja consumada, também podem resultar em sentenças de morte pela Lei Federal.

330 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Capital Punishment in the United States. Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/Capital_punishment_in_the_United_States>. Acesso em: 06 set. 2004.

331 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Capital Punishment in the United States.

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América, porém, devido ao lento processo de apelação, é incomum uma pessoa estar com 18 anos

no momento da execução332.

3.1.1 Legislação do Estado do Texas

Após breve exposição das características do instituto sob a ótica da Lei Federal, passa-se à

evolução histórica do instituto no Estado do Texas333, como amostra do desenvolvimento da pena

capital em um Estado Americano, bem como a previsão legal da pena em seu ordenamento

jurídico e algumas curiosidades.

De acordo com o Departamento de Justiça Criminal do Texas, o corredor da morte esteve

situado no Edifício Leste da Unidade de Huntsville de 1928 a 1952. De 1952 a 1965, a cadeira

elétrica esteve no Muro Leste da Unidade de Huntsville334.

Os homens do corredor da morte foram removidos da Unidade de Huntsville para a

Unidade de Ellis no ano de 1965, ficando lá até 1999. Neste mesmo ano, o Departamento de

Justiça Criminal do Texas levou o corredor da morte para a Unidade Polunsky335.

O corredor da morte na Unidade Polunsky separa os criminosos em celas individuais com

janela, e também concede a eles recreação individual. Os condenados recebem uma dieta pontual,

e têm acesso à leitura, à escrita e também a outros materiais que sejam considerados legais336.

Dependendo do nível da sua custódia, ao preso é permitido escutar rádio337.

332 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Capital Punishment in the United States. 333 TEXAS. Texas Department of Criminal Justice. Death Row Facts. Disponível em:

<http://www.tdcj.state.tx.us/start/drowfacts.htm>. Acesso em: 06 set. 2004. 334 TEXAS. Texas Department of Criminal Justice. Death Row Facts. 335 TEXAS. Texas Department of Criminal Justice. Death Row Facts. 336 TEXAS. Texas Department of Criminal Justice. Death Row Facts. 337 As mulheres do corredor da morte ficavam na unidade Mountain view. E todos os condenados que estavam no

corredor à espera da execução possuíam números de identificação especiais. De 1819 a 1923 a execução era realizada através de enforcamento. Em 1923 o Estado do Texas autorizou o uso da cadeira elétrica, e ordenou que todas as execuções fossem realizadas pelo Estado de Huntsville. Antes desse ano, os condados (municípios) do Texas eram responsáveis por suas próprias execuções. O Estado do Texas executou por eletrocução, seu primeiro criminoso, chamado Charles Reynolds do município de Red River, em 08 de fevereiro de 1924. Na mesma data foram executados ainda mais quatro criminosos, Ewell Morris, George Washington, Mack Matthews e Melvin Johnson. O Texas executou irmãos em seis ocasiões, Frank e Lorenzo Noel foram eletrocutados em 03 de julho de 1925, S.A e Forest Robins foram eletrocutados em 6 de abril de 1926, Oscar e Mack Brown foram também eletrocutados, no dia 01 de julho de 1936, assim como Roscoe e Henderson Brown em 06 de maio de 1938, e ainda os irmãos Curtis e Danny Harris, que morreram com injeção letal, e Jessie e Jose Gutierrez, executados da mesma maneira. Um dos casos mais notórios de execução de um criminoso foi o caso de Raymond Hamilton, membro da gangue Bonnie e Clyde. Ele foi sentenciado pelo município de Walker e executado em 10 de maio de 1935, por

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O Texas eletrocutou o total de 361 pessoas, enquanto e cadeira elétrica ainda era aceita

como método de execução no Estado. A última eletrocussão realizada foi ao condenado Joseph

Johnson, do município de Harris, em 30 de julho de 1964338.

Quando a pena de morte foi declarada pela Suprema Corte dos Estados Unidos, em 29 de

junho de 1972, como cruel e irregular havia 45 homens no corredor da morte no Texas, e 7

homens presos nos municípios com sentenças de morte a serem cumpridas. Todas as sentenças

foram convertidas em liberdade pelo Governador do Texas, e em março de 1973 o corredor da

morte estava vazio339.

No mesmo ano, uma alteração no Código Penal do estado permitiu novamente a

apreciação da pena capital, e foram retomadas as execuções em 01 de janeiro de 1974340.

A injeção letal, método que o estado utiliza atualmente em suas execuções, foi adotada

em 1977 e é composta de sódio tiopental (um barbitúrico), que primeiro anestesia o indivíduo, de

brometo, que relaxa seus músculos, e por fim, de cloreto de potássio, que pára as batidas do

coração341. A morte do executado é geralmente pronunciada 7 (sete) minutos depois da injeção

letal ter começado a agir342.

Em janeiro de 1996, foi permitido aos parentes próximos e amigos da vítima observassem

as execuções, e em dezembro de 1999 a pena de morte foi autorizada por trinta e oito Estados, e

pelo Governo Federal343.

O Estado do Texas liderou o número de execuções desde que a pena de morte foi

restabelecida em 1976, sendo que, junto com o Texas, a Califórnia e a Flórida possuem a maior

população do corredor da morte344.

O Código Penal do Texas345 traz em seu Título 5 (sobre as ofensas contra a pessoa),

Capítulo 19 (sobre homicídio) e Seção 19.03, a classificação dos crimes que são punidos com a

assassinato. Hamilton e outro homem escaparam do corredor da morte, mas foram recapturados, retornando ao corredor, aonde Hamilton permaneceu até a sua execução.

338 TEXAS. Texas Department of Criminal Justice. Death Row Facts. 339 TEXAS. Texas Department of Criminal Justice. Death Row Facts. 340 Sob o novo estatuto, o primeiro homem a ser mandado ao corredor da morte foi John Devries, em 15 de fevereiro

de 1974. Ele acabou cometendo suicídio por enforcamento em 01 de julho do mesmo ano, utilizando os lençóis de sua cama.

341 TEXAS. Texas Department of Criminal Justice. Death Row Facts. 342 O primeiro criminoso a ser executado com esse novo método, em 07 de dezembro de 1982, foi Charlie Brooks, do

município de Tarrant, condenado por seqüestro e assassinato de um mecânico de automóveis da cidade de Fort Worth. O custo da injeção letal por executado é de U$ 86,08 dólares.

343 TEXAS. Texas Department of Criminal Justice. Death Row Facts. 344 TEXAS. Texas Department of Criminal Justice. Death Row Facts.

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pena de morte, quais sejam346: o assassinato intencional ou proposital de um indivíduo, ou se esse

indivíduo era um policial de segurança pública ou um bombeiro que não estava exercendo sua

função e a pessoa sabia que se tratava de um policial de segurança pública ou de um bombeiro; se

a pessoa comete intencionalmente o assassinato no decorrer ou na tentativa de cometer um

seqüestro, arrombamento, roubo, ou uma agressão sexual, incêndio culposo, obstrução ou

retaliação, ou ainda, ameaça terrorista descrita na Seção 22.07 (a), (1), (3), (4), (5) ou (6) do

Código; se a pessoa realiza o assassinato mediante recompensa ou promessa de recompensa ou

emprega outro para que cometa o crime por recompensa ou promessa de recompensa; se a pessoa

comete o crime no curso ou na tentativa de fuga de uma instituição penal; se a pessoa, enquanto

presa em uma instituição penal, mata um empregado em atividade; ou age com o intuito de

estabelecer, manter ou participar de um acerto ou de obter vantagem de um acerto; se a pessoa

mata outra enquanto presa por um crime descrito nesta seção ou na seção 19.02, ou mata alguém

que está servindo a uma sentença de prisão por um período de 99 anos, pelo cometimento de um

crime descrito na seção 20.04, 22.021, ou 29.03; se a pessoa mata mais de um indivíduo

(assassinatos múltiplos) durante a mesma transação criminal ou durante diferentes transações

criminais mas os assassinatos são cometidos com o mesmo fim e no curso da mesma conduta; ou

ainda, se a pessoa assassina um indivíduo com menos de 6 (seis) anos de idade.

Os crimes descritos nesta seção do Código Penal do Estados do Texas são considerados

crimes capitais, punidos com pena de morte. Se o júri ou o juiz, quando autorizado por lei, não

tiver absoluta certeza que o acusado é culpado dos crimes acima descritos, ele pode condená-lo a

uma pena inferior347. Neste caso, portanto, parece não funcionar o princípio processual do “in

dubio pro reo”.

No Estado do Texas são esses os casos em que a pena de morte é aplicada como sanção

ao crime cometido, sendo que a idade mínima para ser condenado à pena capital é de 17

(dezessete) anos e não é proibida a execução de pessoas com problemas mentais348.

No Estado, juiz é quem prolata a sentença de morte, sendo que o Governador possui

autoridade sobre o conselho da comissão de absolvição e liberdade condicional. Ele necessita de

345 TEXAS. Texas Statutes. Penal Code. Disponível em: <http://www.capitol.state.tx.us/statutes/pe.toc.htm>.

Acesso em: 06 set. 2004. 346 TEXAS. Texas Statutes. Penal Code. 347 TEXAS. Texas Statutes. Penal Code. 348 TEXAS. Texas Statutes. Penal Code.

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uma recomendação favorável da comissão para que possa conceder o perdão ao sentenciado à

morte, porém não é obrigado a seguir essa recomendação349.

3.2 SISTEMA PENAL AMERICANO

Demonstrada a previsão legal do instituto da pena de morte sob a ótica da Lei Federal

Americana, bem como do Estado do Texas, cabe analisar como atuou o Sistema Penal na prática,

ou seja, como foi utilizada a pena capital em face da criminalidade aparente. Para isso, foram

escolhidos dados disponíveis dos anos de 1993, 1996, 1999 e 2002, a fim de ser traçado o perfil

da repressão da criminalidade em quase uma década, com o escopo de, por fim, correlacionar

esse perfil do foco específico da reação social com o estudado nos capítulos anteriores.

3.2.1 Ano de 1993

No ano de 1993, dez estados executaram 38 prisioneiros. O número de executados foi sete

vezes maior que no ano anterior, e foi o montante anual mais alto desde que a pena de morte foi

mantida pela Suprema Corte em 1976. Neste ano, o Estado do Texas foi o segundo no número de

prisões de condenados a morte, com 357 prisões350.

Entre 1º de janeiro e 31 de dezembro, trinta prisões estaduais e federais receberam 282

prisioneiros sentenciados à morte. O Texas, estado em destaque no presente estudo, recebeu 27

desses 282 sentenciados, e do número total, 44% foram presos sob a sentença de pena de morte,

sendo que no decorrer do ano, foram executadas 38 pessoas, 17 delas apenas nesse Estado.

Existiam neste ano, 2.716 indivíduos sentenciados à morte, 5,3% mais que em 1992, todos por

terem cometido assassinatos351.

Apesar do estado do Texas não ter recebido o maior número de sentenciados à morte, foi

o Estado com o maior número de execuções352.

349 TEXAS. Texas Statutes. Penal Code. 350 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1993. Disponível em:

<http://www.ojp.usdoj.gov/bjs/abstract/cp93.htm>. Acesso em: 07 set.2004. 351 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1993. 352 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1993.

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Destes 38 indivíduos executados, 18 eram brancos e não latinos, 13 eram negros e não

latinos, 1 era americano nativo, 4 eram latinos brancos, e 2 eram de origem latina desconhecida,

sendo um branco e um negro353.

Aproximadamente 1 em cada 7 pessoas sentenciadas à morte entre 1988 e 1993 já haviam

recebido duas ou mais sentenças de morte. Isso demonstra que, quase a metade daqueles que

foram sentenciados à morte no ano de 1993 já tinham passado pela justiça americana por outros

crimes, ou outras razões354, o que poderíamos considerar uma característica de reincidência, que

se perdurar ao longo dos anos pode demonstrar que a pena de morte não intimida os indivíduos

ao cometimento de crimes, não sendo eficaz no que se propõe.

Das pessoas sentenciadas à morte, 1.566 eram brancas, 1.109 eram negras, 22 eram

americanos nativos, 16 eram asiáticos nascidos no país, e 3 foram classificados como outra raça.

Assim, 57,7% eram brancos, 40,8% eram negros, 0,8% eram americanos nativos. Destes, apenas

35, ou seja, 1,3% eram mulheres, o que indica que foram sentenciados à pena de morte muito

mais homens que mulheres no ano de 1993355.

Desses sentenciados, foram executados 18 brancos não latinos, 13 negros não latinos, 4

brancos latinos, 1 branco com origem latina desconhecida, 1 negro de origem latina também

desconhecida e 1 americano nativo356.

No ano de 1993, 12 estados revisaram suas provisões estatutárias relacionadas à pena

capital. A maioria das mudanças envolveu as circunstâncias agravantes, categorias adicionais de

vítimas permitindo a aplicação da penalidade, e a permissão da lei para que o réu escolhesse entre

dois métodos de execução. O Texas adicionou à sua lista de crimes capitais o assassinato de mais

de uma pessoa durante a mesma transação criminal, o assassinato de mais de uma pessoa durante

transações criminais diferentes, mas de acordo com o mesmo esquema ou curso de conduta, e o

assassinato de crianças com menos de 6 anos de idade. As execuções federais passaram a ser

realizadas com injeção letal357.

Nos Estados Unidos o número total de condenados à pena de morte em dezembro de 1993

era de 2.716 indivíduos, um ganho de 136 indivíduos ou 5,3% se comparado ao fim de 1992. Três

353 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1993. 354 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1993. 355 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1993. 356 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1993. 357 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1993.

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Estados, que possuem 24% da população residente adulta representavam 38% da população do

corredor da morte: Califórnia, com 363, Texas, com 357 e Flórida, com 324 presos358.

Nas quatro regiões do país o número de prisioneiros sentenciados à morte aumentou. Foi

um acréscimo de 56, ou 4% no sul, 21 ou 13,1% no nordeste, 43 ou 7,6% no oeste, e 11 ou 2,7%

no centro oeste. Das 35 jurisdições com prisioneiros de pena de morte, 22 tiveram mais presos

que no ano anterior, 7 tiveram menos prisioneiros e seis mantiveram o número359.

Durante o ano, o número de negros sentenciados aumentou 7,6%, o de brancos 3,6%, e de

outras raças 7,9%.O número de latinos sentenciados também elevou-se, de 199 a 206 no decorrer

do ano, bem como o número de mulheres, que passou de 34 para 35360.

A situação das mulheres sentenciadas à morte, de acordo com sua raça, é demonstrada

pelo quadro361:

ESTADO BRANCAS NEGRAS TOTAL Total 24 11 32

Alabama 2 2 4 Califórnia 3 1 4

Flórida 3 1 4 Illinois 3 2 4

Oklahoma 3 1 4 Pennsylvania 1 2 3

Texas 2 1 3 Missouri 2 0 2

Carolina do norte 2 0 2 Arizona 1 0 1 Idaho 1 0 1

Mississippi 1 0 1 Nevada 0 1 1

Tennessee 1 0 1 Tabela 1

Como se vê, mais da metade das mulheres sentenciadas à pena de morte no ano de 1993

eram brancas, porém representam um percentual muito pequeno se levado em conta que 98,7%,

ou seja, 2.681 condenados à morte são homens. Destes, 57,7% são brancos, 40,8% são negros e

apenas 1,5% são de raças diversas, como revela a Tabela 2, na página seguinte362:

358 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1993. 359 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1993. 360 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1993. 361 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1993. 362 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1993.

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70

BRANCOS NEGROS OUTROS

Homem 1.542 1.098 41 Latino 187 11 5 Mulher 24 11 0 Latina 2 1 0

Tabela 2

Importante ressaltar que o número da população nos Estados Unidos da América no ano

de 1993 é disponibilizado pelo Departamento de Census Americano, porém não dividido em

raças, como acontece com a população fornecida no ano de 2002363. Fazendo uma projeção

regressiva da mesma, o que é possível já que o país não sofreu nenhuma migração significativa

nesse ano, tampouco houve um déficit populacional relevante, pode-se concluir que, diante da

população de 288.369.000 (duzentos e oitenta e oito milhões, trezentos e sessenta e nove mil),

sendo destes, 232.647.000 (duzentos e trinta e dois milhões, seiscentos e quarenta e sete mil)

brancos, 36.746.000 (trinta e seis milhões, setecentos e quarenta e seis mil) são negros e

18.976.000 (dezoito milhões, novecentos e seis mil) correspondem a habitantes de raças diversas,

e comparando-a com o percentual de condenados demonstrado na Tabela 2, no ano de 1993,

conclui-se que o país condenou à morte mais indivíduos negros, do que brancos, e ainda, como

demonstrou a Tabela, uma irrisória quantidade de mulheres, se comparada ao número de homens.

Dentre esses sentenciados à morte, mais de três quartos terminaram o ensino fundamental

(high school), representando, portanto, 38,1% dos sentenciados. Aqueles que não completaram o

ensino fundamental representavam também 38,1%, porém, a percentagem daqueles que não

foram além do ensino médio (8º série – middle school), 15,8 %, era duas vezes maior do que a

dos sentenciados que freqüentaram alguma faculdade (college), que totaliza 8%364, demonstrando

que nesse ano, foi sentenciado um número maior de indivíduos com baixa instrução, do que com

um nível de escolaridade razoável.

Cabe ressaltar que o ensino Americano365 divide suas séries de forma diversa do ensino

Brasileiro, não tendo como compará-las. A título de ilustração, foi utilizado no trabalho o termo

Ensino Básico para as 3º, 4º e 5º séries americanas, o que compreende a Elementary School, já o

termo Ensino Médio representa da 6º à 8º série, denominada Middle School, e o Ensino

363 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Census. Disponível em

<http://www.census.gov/prod/2004pubs/03statab/pop.pdf>. Acesso em: 15 out. 2004. 364 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1993. 365 TEXAS. Eastern Hills High School. Disponível em: <http://www.fortworthisd.org/profile/006hp.html>. Acesso:

13 out.2004.

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Fundamental a 9º, 10º, 11º e 12º séries americanas, chamadas de High School, e por fim o termo

Faculdade, correspondendo ao College Americano.

Entre todos os sentenciados, 45% tinham idade entre 30 a 39 anos, e 60.5% tinham idade

entre 25 a 39 anos, sendo a média geral das idades, 35 anos. Apenas 3.5% tinham 55 anos ou

mais, e menos de 1% tinham idade inferior a 20 anos. O delinqüente mais novo a ser sentenciado

tinha 18 anos, e o mais velho 78. Ao final do ano, mais da metade de todos os sentenciados

tinham de 20 a 29 anos no momento da sentença, apenas 3,9% tinham 19 anos ou menos, e 1,4%

tinham 55 anos ou mais366.

Em dezembro, das 97 pessoas que estavam sentenciadas à morte, 49 tiveram a sentença

reduzida, 36 para prisão perpétua, 12 para pena de prisão por mais de 20 anos, 1 para pena de

prisão por 20 anos ou menos, 23 passaram a esperar um novo julgamento, 23 esperavam pela

reapreciação da sentença, 1 teve sua acusação removida e 1 foi removido por motivo não

especificado367.

Além disso, 11 pessoas morreram sob a sentença de morte, 8 de causas naturais e 3 por

suicídio368.

Dos sentenciados até dezembro de 1993, 67,9% tinham uma história de condenação

prévia por outros crimes e 9,1% já haviam sido condenados pelo crime de homicídio, o que

demonstra que mais da metade já havia cometido crimes. Menos de 10% eram reincidentes em

crimes punidos com pena de morte, ou seja, aproximadamente 1 em cada 3 indivíduos já estavam

sentenciados por outro crime quando o crime capital ocorreu. Em alguns Estados, o fato de estar

sob sentença quando ocorre o crime capital é considerado um agravante importante369.

O padrão da história criminal do indivíduo varia também pela raça e origem. Quer dizer,

73,2% dos negros tiveram uma condenação prévia do crime comparados a 64,8% dos brancos e

60,9% dos latinos, portanto, mais negros (10,2%) do que brancos (8,4%) ou latinos (9,0%),

tinham uma condenação prévia por homicídio370.

366 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1993. 367 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1993. 368 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1993. 369 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1993. 370 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1993.

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Os dados analisados desde 1988 demonstraram o número de sentenças de morte impostas

a cada indivíduo que entra na prisão. Aproximadamente 1 em cada 7 indivíduos, dos 1.669

sentenciados sob a pena capital entrou na prisão com duas ou mais sentenças de morte371.

Em resumo, no ano de 1993 nos Estados Unidos da América encontravam-se presos 2.716

indivíduos condenados à morte, 5,3 % a mais que em 1992. No decorrer do ano, 282 prisioneiros

sentenciados foram admitidos nas prisões dos Estados Americanos, destes, 27 foram recebidos no

Estado do Texas372.

Dos indivíduos sentenciados em 1993, 1.566 eram brancos (57,7%), 1.109 eram negros

(40,8%), 22 eram americanos nativos (0,8%), 16 eram asiáticos nascidos no país e 3 classificados

com outras raças. O número de sentenciados aumentou 7,6% dos negros e 3,6% dos brancos,

sendo que os homens são mais sentenciados à morte que as mulheres, correspondendo um total

de 98,7%, e destes, 57,7% são brancos e 40,8% são negros373.

A idade média dos sentenciados é de 35 anos, porém, o número de sentenciados à pena de

morte pertencentes à faixa etária de 25 a 39 anos corresponde a 60,5% contra 45% das idades

entre 30 e 39 anos374.

A escolaridade tem sua percentagem concentrada em 38,1%, relativa aqueles que

concluíram o ensino básico e ensino médio, porém, a percentagem daqueles que não completaram

a oitava série é duas vezes maior do que a percentagem dos sentenciados que terminaram uma

faculdade375.

Entre os sentenciados, 67,9% já haviam sido condenados anteriormente e 9,1% em

conseqüência de crime de homicídio. Assim, 1 em cada 3 já tinha sentença quando o crime

capital ocorreu376.

No decorrer do ano foram executados 38 prisioneiros, 18 brancos não latinos, 13 negros

não latinos, 4 brancos latinos, 1 branco e 1 negro latinos e 1 americano nativo. Só no Texas, 38

condenados em 10 diferentes estados, 17 foram executados377.

371 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1993. 372 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1993. 373 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1993. 374 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1993. 375 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1993. 376 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1993. 377 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1993.

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73

3.2.2 Ano de 1996

Já no ano de 1996, 45 prisioneiros foram executados, número onze vezes menor que em

1995378.

Dessas pessoas, apenas 3 foram executadas no Estado do Texas, sendo que todos eram

homens, 27 brancos não latinos, 14 negros não latinos, 2 brancos latinos e 2 brancos de origem

latina desconhecidas. Assim, de todos os executados no ano de 1996, 31 eram brancos e 14 eram

negros379.

Ao final do ano, 3.219 prisioneiros estavam sob sentença de morte em 32 Estados,

representando 5,1% a mais que no ano anterior, ou um ganho de 155 indivíduos. O Texas era o

segundo Estado com o maior número de presos sentenciados, 438, representando junto com a

Califórnia, a Flórida e a Carolina do Norte, 41% de toda a população do corredor da morte380.

Das jurisdições com prisioneiros sentenciados, 25 tinham mais condenados que no ano

anterior, 8 tinham menos, e 2 tinham o mesmo número de presos. O Texas teve um crescimento

de 30 presos, sendo que o número por raças também aumentou, ou seja, durante 1996 o número

dos negros sob a sentença da morte aumentou por 7,6%; o número de brancos aumentou 3,6% e o

número das pessoas de outras raças aumentou 7,9%381.

O número de latinos sentenciados à morte elevou-se de 239 em 1995 para 259 durante o

ano, número que veio crescendo ao longo dos anos, desde 1993. Vinte e oito latinos foram

recebidos sob sentença, 6 foram removidos do corredor da morte, e 2 foram executados. Mais de

três quartos dos latinos foram encarcerados em apenas quatro Estados, o Texas com 76 latinos

presos, a Califórnia com 67, Flórida com 40, e o Arizona com 18, sendo este último, o único

Estado que teve o número de latinos menor neste ano em comparação ao ano anterior382.

Em geral, assim como nos anos anteriores, os homens correspondem a 98% de todos os

prisioneiros sob a sentença da morte, em um total de 3.171 presos. Os brancos predominam sendo

378 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1996. Disponível em:

<http://www.ojp.usdoj.gov/bjs/pub/pdf/cp96.pdf>. Acesso em: 07 set.2004. 379 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1996. 380 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1996. 381 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1996. 382Assim como o número de latinos, o número de mulheres sentenciadas à morte também aumentou

significativamente, passando de 36 para 41 no ano de 1994, e para 48 em 1996, por exemplo. Duas mulheres foram recebidas sob a sentença da morte, e nenhuma foi retirada do corredor ou executada, uma foi removida e nenhuma foi executada, como nos outros anos.

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57%, percentual idêntico ao de 1995; os negros compreendem 42%, percentual igual ao do ano

anterior; e outras raças 1,6%, também não sofreram alterações. Destes, 24 eram americanos

nativos, 18 eram asiáticos nascidos no país, e 8 pessoas de raças desconhecidas. Entre todos os

que a etnia era conhecida, 9% eram latinos383.

O quadro a seguir demonstra que, seguindo a tendência, os homens são maioria

predominante no corredor da morte, assim como a raça branca384.

BRANCOS NEGROS OUTROS Homem 1.788 1.333 50 Latino 236 13 7 Mulher 32 16 0 Latina 2 1 0

Tabela 3

Assim como no ano de 1993, o Census Americano não disponibilizou a população total

dos Estados Unidos dividida entre raças em 1996, não sendo, portanto, possível a análise de qual

raça está sendo sentenciada à morte em maior número. Entretanto, realizando uma progressão

regressiva, assim como feito no item 3.2.1 deste estudo, podemos notar que a população de 1996

não sofreu grandes alterações se comparada ao ano de 2002, já que em 1996 o país não teve

nenhum déficit populacional significativo, tampouco sofreu uma migração relevante, tornando

possível, assim, a comparação do conteúdo da Tabela 3 com a projeção da população neste ano.

Fazendo isso, conclui-se que, da mesma maneira que em 1993, os indivíduos da raça negra são

punidos em maior número do que os indivíduos brancos, e de raças diversas, e ainda, que os

homens lideram o número de sentenças se comparado ao número de mulheres na mesma

condição.

Entre os presos sob a sentença da morte em dezembro de 1996, três quartos completaram

o ensino fundamental (high school), representando 38%, e também 38% representa aqueles que

não completaram esse mesmo ensino385. A percentagem, 14%, daqueles que não foram além do

ensino médio (middle school) era 40% maior do que aqueles presos que tinham freqüentado

alguma faculdade (10%). Como nos anos anteriores, o número de presos com instrução de nível

383 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1996. 384 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1996. 385 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1996.

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baixo continua maior que daqueles que freqüentaram faculdades386. Porém, em comparação com

os anos 1993, 1994 e 1995, o percentual se manteve praticamente igual, não sofrendo alteração

significativa.

Entre todos os prisioneiros sob a sentença da morte, mais da metade tinha entre 20 e 29

anos no momento em que foram presos pelo crime capital que realizaram, 13% tinham 19 anos

ou menos, e menos de 1% tinha 55 anos ou mais. A idade média dos presos era de 28 anos,

número que veio diminuindo desde 1993. Ao final do ano, 40% dos presos tinham entre 30 e 39

anos e 70% entre 25 e 44 anos, percentagens que se mostraram praticamente as mesmas em

relação aos anos anteriores. O delinqüente mais novo tinha 17 anos e o mais velho 81 anos. De

1994 para 1995 a idade da pessoa mais velha a ser sentenciada sofreu um grande aumento,

passando de 55 anos para 80, e conforme demonstra a pesquisa do ano de 1996, ela continua

aumentando387.

Entre janeiro e dezembro, 31 prisões estaduais receberam 295 prisioneiros e o

Departamento de Prisões Federais recebeu 4 presos. Destes, todos foram sentenciados à morte

por assassinato. O Texas teve 33 admissões388, um número menor que dos anos anteriores.

Distribuídos por sexo e raça, 172 eram homens brancos, 119 eram homens negros, 5 eram

homens americanos nativos, 1 era um homem asiático, 2 eram mulheres brancas. Neste ano não

foram sentenciadas mulheres negras, tampouco homens ou mulheres latinos. Das 299 novas

admissões, 28 eram homens latinos389.

Neste ano, assim como nos anos anteriores, a injeção letal foi o método de execução

predominante, bem como o entendimento de que a idade mínima para imposição da pena capital

é de 18 anos390.

No decorrer do ano, 12 pessoas morreram esperando sob sentença de morte, 6 por causas

naturais e 6 devido a suicídios. Totalizando uma morte a menos que no ano anterior,

evidenciando a estabilidade desse número desde 1994391.

386 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1996. 387 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1996. 388 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1996. 389 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1996. 390 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1996. 391 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1996.

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76

Entre os presos sob uma sentença de morte em dezembro de 1996, 66% tinham

condenações anteriores, incluindo 9% com ao menos uma condenação precedente por crime de

homicídio392.

Relativamente mais negros, 70%, do que os brancos, 64% ou latinos, 57%, tiveram uma

condenação prévia por outro crime. Uma proporção praticamente idêntica de negros (9%),

brancos (8%), e latinos (7%) tiveram condenações prévias por homicídios393.

Desde que 1988 foram coletados dados acerca dos números de sentenças de morte

impostas aos indivíduos que foram sendo presos. Entre os 2.604 indivíduos recebidos sob

sentença de morte durante esse tempo, aproximadamente 1 em cada 7 entrou com duas ou mais

sentenças de morte, proporção que permaneceu igual desde 1993394.

Em resumo, no ano de 1996 nos Estados Unidos da América encontravam-se sentenciados

à morte 3.219 indivíduos. No decorrer do ano, 299 prisioneiros sentenciados foram admitidos nas

prisões dos Estados Americanos e prisões Federais, destes, 33 foram recebidos no Estado do

Texas, 7 a menos que no ano anterior395.

Dos indivíduos sentenciados em 1996, 172 eram homens brancos, 119 eram homens

negros e 6 eram homens com outras origens, 2 duas eram mulheres brancas. Portanto, os homens

continuam sendo a maioria dos sentenciados, correspondendo a 3.171 presos, num total de 98%

de todos os sentenciados à morte396.

A idade média dos sentenciados é de 28 anos. O número de sentenciados à pena de morte

pertencentes à faixa etária de 25 a 44 anos corresponde a 70% contra 44% das idades entre 30 e

39 anos397.

A escolaridade tem sua percentagem concentrada em 38%, relativa aqueles que

concluíram o ensino fundamental (high school), 38% para os que não concluíram esse mesmo

ensino, porém, a percentagem, 14%, daqueles que não completaram o ensino médio (8ª série -

middle school) é 40% maior do que a percentagem dos sentenciados que terminaram uma

faculdade (10%)398.

392 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1996. 393 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1996. 394 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1996. 395 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1996. 396 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1996. 397 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1996. 398 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1996.

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Entre os sentenciados, 66% já haviam sido condenados anteriormente e 9% em

conseqüência do crime de homicídio. Dos prisioneiros com condenação anterior, 70% eram

negros, 64% eram brancos e 57% eram latinos, e dos que já haviam sido condenados pelo crime

de homicídio, 9% eram negros, e 8% eram brancos e 7% eram latinos, demonstrando que a

maioria dos presos que já possuíam condenações anteriores eram indivíduos negros399.

No decorrer do ano foram executados 45 prisioneiros, 27 brancos não latinos, 14 negros

não latinos, 2 brancos latinos, 1 branco de origem desconhecida e nenhum americano nativo, ou

seja, 31 brancos e 14 negros. No Texas foram executados 3, dos quarenta e cinco executados em

dezenove estados diferentes400.

3.2.3 Ano de 1999

Em 1999, 98 prisioneiros foram executados, um total de 30 execuções a mais que no ano

de 1998, sendo o maior número de execuções anuais, desde as 105 execuções ocorridas em

1951401.

Neste ano, 3.527 presos encontravam-se sentenciados à pena capital no país, sendo que o

Estado da Califórnia tinha a maior população do corredor da morte, com 553 presos, seguida pelo

Estado do Texas, com 460 prisioneiros402.

Trinta e dois Estados e Prisões Federais receberam 272 prisioneiros com sentença de

morte, sendo o Texas o Estado com mais admissões, num total de 48403.

Dos executados durante o ano, 98 eram homens, 61 brancos, 33 negros e 4 de outras

origens, desse total, 9 eram latinos, 8 brancos e 1 americano com origem indígena404.

A idade mínima vai continuar sendo 18 anos na maioria dos Estados que acatam a pena

capital, bem como o método mais utilizado para as execuções vai continuar sendo a injeção

letal405.

399 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1996. 400 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1996. 401 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1999. Disponível em:

<http://www.ojp.usdoj.gov/bjs/abstract/cp99.htm>. Acesso em: 07 set.2004. 402 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1999. 403 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1999. 404 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1999. 405 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1999.

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78

Os 3.527 presos nos Estados e Prisões Federais, representam um aumento de 62, ou 1,8%

a mais que no ano de 1998, que teve ao todo 3.452 prisioneiros admitidos. A prisão federal

calculou um aumento de 19 prisioneiros em 1998, para 20 no decorrer de 1999, sendo que 3

Estados, Califórnia (553 presos), Texas (460 presos) e Flórida (365 presos) representam 39% da

população do corredor da morte do país406.

Das 38 jurisdições, 19 estavam com mais presos que no ano anterior, 11 tinham menos

prisioneiros, e 8 mantiveram o número407.

O número de latinos sentenciados à morte elevou-se de 315 para 325 durante o ano,

demonstrando o crescente aumento de latinos sentenciados a cada ano desde 1994, e o número de

mulheres passou de 49 para 50, evidenciando um crescimento mais lento do total de mulheres

sentenciadas em comparação com a quantidade de latinos sentenciados ao passar dos anos408.

Em 1999, os homens continuam a representar 99% de todos os prisioneiros sob a sentença

da morte, e não mais 98%, conforme a mudança ocorrida em 1997. Os brancos predominam

sendo 55%, os negros compreendem 43%, e outras raças 1,8%.

O quadro a seguir demonstra que a situação dos prisioneiros sentenciados à morte em

1999, distribuídos por raça, sexo e origem latina409:

BRANCOS NEGROS OUTROS Homem 1.919 1.495 63 Latino 296 13 12 Mulher 29 19 2 Latina 1 1 2

Tabela 4

Entre os presos sob a sentença da morte em dezembro de 1999, três quartos completaram

o ensino fundamental (high school), representando 38%, porém, como nos outros anos, a mesma

percentagem não completou esse ensino. Aqueles que não foram além do ensino médio, total de

14%, continuaram em maior número do que a dos presos que freqüentaram a faculdade (college),

total de 10%, números que não foram alterados nos anos de 1997 e 1998410. Porém, o número de

406 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1999. 407 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1999. 408 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1999. 409 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1999. 410 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1999.

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presos com instrução de nível baixo continuou maior do que daqueles que freqüentaram

faculdade, assim como nos anos passados.

Entre todos os prisioneiros sob a sentença da morte, mais da metade continua a ter entre

20 e 29 anos. Os presos com 19 anos ou menos continuam com o aumento de 12% para 13%

ocorrido em 1997, e os de 55 anos ou mais continuam representando 1% como ocorre desde

1993. A idade média dos presos também se mantém na faixa dos 28 anos, como nos últimos anos.

A queda ocorrida na percentagem das pessoas com idade entre 30 e 39 anos, que passou de 39%

em 1997 para 37% em 1998 se mantém, assim como a das pessoas com idade entre 25 e 44, que

passou de 70% para 69% nesses anos, e em 1999 permaneceu igual. Houve uma alteração apenas

na idade máxima dos indivíduos sob sentença de morte, que passou de 82 anos em 1997 para 83

em 1998, e neste ano aumentou para 84 anos, enquanto a idade mínima de presos sentenciados

permaneceu nos 18 anos411.

Entre janeiro e dezembro, as prisões Estaduais e Federais receberam 272 prisioneiros,

todos sentenciados à morte por assassinato, 13 presos a menos que no ano anterior. O Texas teve

48 admissões, quase duas vezes mais que em 1998, quando admitiu 39 prisioneiros412.

Distribuídos por sexo e raça, 155 eram homens brancos, 103 eram homens negros, 4

eram americanos com origem indígena, 6 eram homens asiáticos, 1 era um homem latino, 2 eram

mulheres brancas e 1 mulher negra. Das 272 novas admissões, 33 eram homens latinos. Nenhuma

das mulheres presas era de origem latina413.

No decorrer do ano, 24 pessoas morreram esperando sob sentença de morte, um número

onze vezes maior que nos dois anos anteriores. Sendo, 19 mortes por causas naturais, 2 por

suicídio, 2 presos foram mortos por outros presos e 1 morreu devido aos ferimentos causados

durante um conflito com um policial414.

Entre os presos sob sentença de morte em dezembro de 1999, 64% tinham condenações

anteriores, incluindo 8% com ao menos uma condenação precedente por homicídio. Número que

teve um pequeno decréscimo desde 1997 e 1998, onde 65% tinham condenações anteriores e 9%

já haviam sido condenados por homicídio415.

411 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1999. 412 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1999. 413 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1999. 414 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1999. 415 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1999.

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Relativamente mais negros, num total de 68%, do que os brancos, 62%, ou latinos, 58%,

tiveram uma condenação prévia por outro crime. Uma proporção mais ou menos idêntica de

negros (9%), brancos (8%), e latinos (7%) tiveram condenações prévias por homicídios416.

Desde que 1988 os dados coletados demonstram que entre os 3.448 indivíduos recebidos

sob sentença de morte durante esse tempo, aproximadamente 1 em cada 7 tinha com duas ou mais

sentenças de morte quando foi preso, proporção que permanece igual desde 1993417.

Em 1999, foram executados 98 prisioneiros, 35 deles no Estado do Texas. Todos eram

homens, 53 brancos, 33 negros, 9 latinos, 1 americano com origem indígena e 2 asiáticos. Os

números mostram, portanto, que no decorrer deste ano foram executados 30 prisioneiros a mais

que no ano anterior, e que o Estado Texas executou 15 presos a mais que em 1993. Deste modo,

no ano de 1999 foram presos 3.527 indivíduos condenados à morte418.

No decorrer do ano, 272 novos prisioneiros sentenciados foram recebidos pelas prisões de

32 Estados Americanos e nas prisões Federais. Destes, 48 foram admitidos pelo Estado do

Texas419.

Dos indivíduos sentenciados em 1996, 155 eram brancos, 103 eram negros e 20 tinham

outras origens. Das mulheres, 2 eram brancas e 1 era negra. Deste total, 33 eram latinos. Os

homens continuam sendo a maioria dos sentenciados, correspondendo a 99% de todos os

sentenciados à morte, sendo destes 55% brancos, 43% negros e 1,8% de outras raças420.

A idade média dos sentenciados é de 28 anos, sendo que o número de sentenciados à pena

de morte pertencentes à faixa etária de 25 a 44 anos corresponde a 69% contra 37% das idades

entre 30 e 39 anos421.

A escolaridade tem sua percentagem concentrada em 38%, relativa àqueles que

concluíram o ensino fundamental, também 38% para aqueles que não concluíram esse mesmo

ensino, porém, a percentagem, 14%, daqueles que não completaram o ensino médio (8º série –

middle school) continua maior do que a dos sentenciados que concluíram a faculdade (10%)422.

Entre os sentenciados, 64% já haviam sido condenados anteriormente e 8% em

conseqüência de crime de homicídio. Dos prisioneiros já condenados, 68% eram negros, 62% 416 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1999. 417 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1999. 418 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1999. 419 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1999. 420 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1999. 421 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1999. 422 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1999.

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eram brancos e 58% eram latinos, e dos que já haviam sido condenados pelo crime de homicídio,

9% eram negros, e 8% eram brancos e 7% eram latinos, percentual igual ao ano de 1996, porém

menor para os latinos já condenados por homicídio nos anos 1997 e 1998423.

No decorrer do ano foram executados 98 prisioneiros, 61 brancos, 33 negros e 4 de outras

raças, mas nenhum americano nativo. Só no Estado do Texas foram executados 35 prisioneiros,

dos 98 condenados em vinte diversos estados424.

3.2.4 Ano de 2002

Em 2002, 71 prisioneiros foram executados em treze Estados, número cinco vezes maior

que em 2001, porém menor que em 2000, quando houve 85 execuções425.

Das 71 pessoas executadas, 33 foram executadas no Estado do Texas, que neste ano foi o

Estado que mais realizou execuções. Destes, 69 eram homens e 2 eram mulheres, 53 brancos, dos

quais 6 eram latinos, e ainda, 18 negros426. Um total de 3.557 prisioneiros estavam sob sentença

de morte, e o Estado da Califórnia vai ter novamente o maior número de prisioneiros no corredor

da morte, 614, como aconteceu nos dois últimos anos, seguido pelo Estado do Texas, com 450

presos. Vinte e sete prisões estaduais e federais receberam 159 prisioneiros, tendo o Texas

admitido 37 deles427. Estes presos, distribuídos entre as prisões Federais e prisões de 37 Estados

Americanos, representam um decréscimo de 20 desde o final do ano de 2001. Esta queda é a

segunda queda consecutiva por ano do número de prisioneiros sob sentença de morte428.

Das 38 jurisdições com prisioneiros sentenciados, 9 tinham mais condenados que no ano

anterior, 14 tinham menos, e 15 tinham o mesmo número de presos, demonstrando a diminuição

do número de jurisdições com mais condenados que o ano de 2001429.

Neste ano o número de homens sentenciados vai continuar seguindo a mudança ocorrida

em 1997, correspondendo portanto, a 99% de todos os prisioneiros sentenciados à morte. Os

423 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1999. 424 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 1999. 425 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 2002. Disponível em:

<http://www.ojp.usdoj.gov/bjs/abstract/cp02.htm>. Acesso em: 07 set.2004. 426 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 2002. 427 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 2002. 428 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 2002. 429 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 2002.

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brancos vão representar 54%, os negros 44%, e outras raças 2%, sendo que o número de brancos

e pessoas de raças diversas caiu 1% do ano anterior para este, e o de negros aumentou 1%430.

Cinqüenta e uma mulheres foram sentenciadas à execução, número igual ao do ano

anterior, onde houve uma queda de 54 mulheres para 51. Deste total, 2 foram executadas431.

A situação da escolaridade no ano de 2002 não foi divulgada pelas pesquisas, porém, no

ano de 2001 de acordo com a pesquisa realizada pelo Bureau os Justice Statistics do Estados

Unidos da América, as percentagens correspondentes a cada nível de escolaridade permaneceram

semelhantes às dos anos anteriores, sendo que o número de prisioneiros que não completaram o

ensino médio (8ª série – middle school) continuou maior do que aqueles que tiveram condições

de estudar em faculdades432.

A escolaridade não sofreu alterações significativas, porém o percentual dos sentenciados

com idade entre 30 e 39 anos diminuiu 1% para cada ano, 2000 e 2001, passando de 36% em

2000, para 34% em 2002. Também não houve alteração no percentual de 13% dos presos com

idades de 19 anos ou menos, tampouco dos presos com 55 anos ou mais, correspondendo a 1%.

Já os presos com idade entre 20 e 44 anos permaneceram no percentual de 67% como no ano de

2001. Mais da metade dos sentenciados continua entre a faixa etária de 20 a 29 anos e a idade

média permanece 28 anos433.

Entre janeiro e dezembro deste ano, 27 prisões receberam 159 prisioneiros, todos

sentenciados à morte por assassinato. O Texas recebeu 37 presos, 11 a mais que em 2001 e 3 a

mais que no ano de 2000434.

Distribuídos por raça, 83 eram brancos, 73 eram negros, 2 eram asiáticos e 1 era

americano com origem indígena. Deste total, 5 eram mulheres, e 18 tinham origem latina435.

Ao longo do ano, 25 pessoas morreram esperando a execução no corredor da morte, 21

por causas naturais, 3 em razão de suicídio e uma por ter sido assassinada por outro

condenado436.

430 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 2002. 431 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 2002. 432 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 2001. Disponível em:

<http://www.ojp.usdoj.gov/bjs/abstract/cp01.htm>. Acesso em: 07 set.200.4 433 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 2002. 434 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 2002. 435 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 2002. 436 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 2002.

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Entre os presos sob sentença de morte em dezembro de 2002, 64% tinham condenações

anteriores, incluindo 8% com ao menos uma condenação precedente por homicídio. Número que

permaneceu igual desde o ano 2000437.

Relativamente mais negros, 69%, do que os brancos, 62% ou latinos, 58%, tiveram uma

condenação prévia por outro crime, proporção mais ou menos idêntica de negros (9%), brancos

(8%), e latinos (8%) que foram anteriormente condenados pelo crime de homicídio438.

Desde 2000 os prisioneiros sentenciados guardam a proporção de aproximadamente 1 em

cada 7, no fato de ter sido sentenciado tendo duas ou mais sentenças de morte anteriores439.

Em 2002, 71 prisioneiros foram executados, 33 deles apenas no Texas, que liderou o

número de execuções por estado. Destes, 69 eram homens e 2 eram mulheres, no total de 53

brancos, 18 negros e entre todos, 6 latinos440.

Resumindo, em 2002 encontravam-se presos 3.557 indivíduos condenados à morte, 450

deles só no Estado do Texas, que recebeu 37 prisioneiros do total de 159 prisioneiros

sentenciados admitidos nas 27 prisões dos Estados Americanos441.

Dos indivíduos sentenciados, 83 eram brancos, 73 eram negros e 2 eram asiáticos e 1

tinha origem indígena, deste total, 5 eram mulheres e 18 tinham origem latina442.

Os homens continuam sendo a maioria dos sentenciados, representando 99% de todos os

sentenciados à morte no ano de 2002, sendo, destes, 54% brancos, 44% negros e 2% de outras

raças443.

A idade média dos sentenciados é de 28 anos e o número de sentenciados à pena de morte

pertencentes à faixa etária de 25 a 44 anos corresponde a 67% contra 34% das idades entre 30 e

39 anos444.

Entre os sentenciados, 64% já haviam sido condenados anteriormente e 8% em

decorrência de homicídio. Dos prisioneiros com condenação anterior, 69% eram negros, 62%

eram brancos e 58% eram latinos, e dos que já haviam sido condenados pelo crime de homicídio,

437 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 2002. 438 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 2002. 439 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 2002. 440 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 2002. 441 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 2002. 442 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 2002. 443 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 2002. 444 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 2002.

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9% eram negros, e 8% eram brancos e 8% eram latinos, demonstrando que a maioria dos presos

que já possuíam condenações anteriores continuam a ser de indivíduos da raça negra445.

No decorrer do ano foram executados 71 prisioneiros, 69 homens e 2 mulheres, dentre os

quais, 53 eram brancos e 18 eram negros, sendo que 6 pessoas desse número total tinham origem

latina. Só no Texas foram executados 33, dos setenta e um condenados em treze estados

diversos446.

Após a exposição dos dados referentes aos anos de 1993, 1996, 1999 e 2002, traça-se um

panorama geral da situação da pena de morte nos Estados Unidos, desde 1976, quando o instituto

passou a ser novamente utilizado no país, até o ano atual.

Nesse período o país executou um total de 916 indivíduos447 (até 1º de julho de 2004),

como ilustra a Tabela 5 que trata das execuções ocorridas em cada estado dos anos

compreendidos entre 1977 e 2003.

EUA – EXECUÇÕES POR ANO448

1977 – 01 1991 – 14 1978 – 00 1992 – 31 1979 – 02 1993 – 38 1980 – 00 1994 – 31 1981 – 01 1995 – 56 1982 – 02 1996 – 45 1983 – 05 1997 – 74 1984 – 21 1998 – 68 1985 – 18 1999 – 98 1986 – 18 2000 – 85 1987 – 25 2001 – 66 1988 – 11 2002 – 71 1989 – 16 2003 – 65 1990 – 23 7/1/04 – 27

Tabela 5

Deste total exposto, 906 executados eram homens (98,9%), e apenas 10 eram mulheres

(1,1%)449. Distribuídos por raças450, 526 executados eram brancos (57,4%), 311 eram negros

445 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 2002. 446 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Statistics. Capital punishment 2002. 447 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. The Clark County Prosecuting Attorney. The Death Penalty. Disponível

em: <http://www.clarkprosecutor.org/html/death/dpusa.htm>. Acesso em 13 out. 2004. 448 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. The Clark County Prosecuting Attorney. The Death Penalty. 449 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. The Clark County Prosecuting Attorney. The Death Penalty. 450 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. The Clark County Prosecuting Attorney. The Death Penalty.

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(34%), 57 eram latinos (6,3%), 14 eram americanos considerados nativos (1,5%), e apenas 8

eram de origem asiática, totalizando 0,9%.

Até recentemente, mais precisamente até abril deste ano, o corredor da morte possuía

3.494 indivíduos esperando por suas execuções, incluindo 31 condenados que se encontravam no

corredor da morte da Prisão Federal e ainda 7 do corredor da morte das Forças Armadas451.

Destes, 3.443 eram homens, totalizando 98,5%, contra apenas 51 mulheres, num

percentual de 1,5%, sendo que do total, 1.597 eram brancos (46%), 1.462 eram negros (42%),

354 eram latinos (1%), 40 eram asiáticos (1%), e 17 eram de raças diversas, representando apenas

0,5%452.

Destaca-se ainda que, dos prisioneiros do corredor da morte neste ano, 3.415 tinham

dezoito anos ou mais na época do crime, percentual de 97,8% em relação aos 2,2% dos 79

prisioneiros com menos que dezoito anos na data do fato453.

Expostos os dados acerca das execuções, raça, origem e idade dos indivíduos

sentenciados atualmente em espera no corredor da morte, cabe desenvolver uma análise das

informações até aqui expostas, com intenção de demonstrar as características da pena, a fim de

concluir se ela está funcionando de maneira seletiva, como o Sistema, ou está realmente atuando

conforme os princípios em que teoricamente se baseia.

3.3 A ANÁLISE DOS DADOS DA PENA DE MORTE

A partir da exposição dos dados dos prisioneiros sentenciados e executados com a pena

capital nos Estados Unidos da América nos anos de 1993, 1996, 1999 e 2002, passa-se à análise

dos mesmos, com objetivo de constatar se o Sistema Penal Americano apresenta no seu real

funcionamento os problemas teóricos anteriormente abordados. Para tanto, foram elaboradas

Tabelas a fim de ilustrar os dados coletados no item anterior.

451 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. The Clark County Prosecuting Attorney. The Death Penalty. 452 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. The Clark County Prosecuting Attorney. The Death Penalty . 453 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. The Clark County Prosecuting Attorney. The Death Penalty .

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A Tabela 6 mostra o número de sentenciados existentes nos corredores da morte dos 38

Estados norte-americanos que adotam a pena capital, referente aos anos em estudo, divididos,

ainda, em brancos, negros e outros.

SENTENCIADOS 1993 1996 1999 2002

Quant. % Quant. % Quant. % Quant. % Total 2.716 100,0 3.219 100,0 3.527 100,0 3.557 100,0 Brancos 1.566 57,7 1.835 57,0 1.940 55,0 1.921 54,0 Negros 1.109 40,8 1.352 42,0 1.517 43,0 1.565 44,0 Outros 41 1,5 32 1,0 70 2,0 71 2,0 Homens 2.681 98,7 3.171 98,5 3.492 99,0 3.521 99,0 Mulheres 35 1,3 48 1,5 35 1,0 36 1,0

Tabela 6

Através de sua leitura podemos constatar que, apesar de mudarem ao longo dos nove anos

compreendidos na tabela, o número de brancos condenados não é muito diferente do número de

negros, ao passo que a quantidade de presos de outras etnias é muito inferior.

A população nesse país em 1993 era de 259.991.000 habitantes. Já em 2002, a população

passou para 288.369.000 habitantes, representando um aumento de 10,9%. Desses 288.369.000

habitantes, 232.647.000 são brancos, 36.746.000 são negros, enquanto as outras etnias

correspondem a 18.976.000, ou seja, a grande maioria da população americana é composta de

brancos, número mais de seis vezes maior que o número de negros e mais de doze vezes maior

que o número de pessoas de outras raças454.

Analisando esses dados e comparando-os com os dados da Tabela 6, fica evidente que,

proporcionalmente, os negros são os mais sentenciados com a pena de morte, com 0,0043%,

enquanto os brancos vêm em segundo lugar, com 0,0008%, deixando as pessoas de outras etnias

na posição de raça menos punida com a pena capital, com um número muito menor,

correspondente a 0,0004%. Estes números indicam que a relação percentual de negros

sentenciados corresponde a cinco vezes a de brancos e dez vezes a de outras etnias, ou seja,

evidencia que o Princípio da Igualdade está sendo desrespeitado pelo sistema penal dos Estados

Unidos da América.

454 Disponível em http://www.census.gov/prod/2004pubs/03statab/pop.pdf. Acesso em: 15 out. 2004.

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O gráfico a seguir mostra o percentual de sentenciados, por etnia, em relação à população

norte-americana no ano de 2002, conforme acima comentado.

Sentenciados por Etnia (%)

0,0043 78%

0,0004 7%0,0008

15%

Negros

Brancos

Outros

De acordo com o critério do sexo dos sentenciados, constata-se que o número de homens

é absurdamente maior se comparado ao número irrisório de mulheres no corredor da morte.

Porém, a população dos Estados Unidos da América é composta de muito mais mulheres do que

homens. Era assim em 1990, quando existiam 127.507.000 mulheres, enquanto o número de

homens se limitava a 121.284.000, e ainda era, mais de uma década depois, em 2002, quando a

população norte-americana era composta por 146.708.000 mulheres e 141.661.000 homens455.

Levando em conta esses danos, pode-se evidenciar aqui um exemplo claro de seletividade

do sistema, em oposição direta ao Princípio da Igualdade. Quer dizer, o fato de os homens

estarem em maior número no corredor da morte não significa que são eles quem comete mais

crimes, significa apenas que a eles é atribuída mais facilmente a etiqueta de criminoso456.

Os dados demonstram essa realidade, deixando clara a atuação do sistema em oposição ao

princípio da igualdade, pois se para todos a reação penal deve ser aplicada igualmente, número de

mulheres nos corredores da morte não deveria ser tão baixo, por não corresponder com o número

real de mulheres que cometem crimes, revelando, assim, também a cifra negra da criminalidade

455 Disponível em http://www.census.gov/prod/2004pubs/03statab/pop.pdf. Acesso em: 15 out. 2004. 456 Isso se dá, pois no passado o homem era o provedor de sustenta de sua família, era ele quem trabalhava, quem se

responsabilizava, enquanto a mulher permanecia em casa. Essa situação deixava o homem numa posição diferente da mulher em relação à sociedade. Ele era tido como o líder absoluto da família, enquanto a mulher, justamente por sempre permanecer em casa, cuidando dos filhos do casal, realizando as tarefas domésticas, era muito mais reprimida. Como foi dito, o homem saia de casa para trabalhar, ele mantinha uma situação financeira. Portanto, ele se encontrava presente em situações que levam a idéia de se cometer um crime, como assaltar um banco, obter vantagens ilícitas enganando terceiros, ou até mesmo matar um inimigo. A mulher não tinha motivos para delinqüir, pois era sustentada por seu marido, não tinha interesse econômicos. Em razão disso ao homem foi atribuído o estereótipo de criminoso.

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no que se refere aos crimes cometidos por pessoas do sexo feminino, pois como demonstram os

dados, essa criminalidade aparente certamente não reproduz os números dos delitos

verdadeiramente cometidos pelas mulheres.

Já a Tabela 7 mostra o número de pessoas executadas em toda América do Norte nos anos

escolhidos para o estudo. Os números foram divididos de acordo com a etnia do executado, da

mesma forma que vínhamos adotando anteriormente, ou seja, brancos, negros e outros.

EXECUTADOS 1993 1996 1999 2002

Quant. % Quant. % Quant. % Quant. % Total 38 100,0 45 100,0 98 100,0 71 100,0 Brancos 19 50,0 27 60,0 61 62,3 53 74,6 Negros 13 34,2 14 31,1 33 33,7 18 25,4 Outros 6 15,8 4 8,9 4 4,1 - - Homens 38 100,0 45 100,0 98 100,0 69 99,9 Mulheres - - - - - 2 0,1

Tabela 7

Os números são parecidos nos quatro anos analisados, com exceção da execução de

pessoas de outras raças no ano de 2002, onde nenhuma delas foi executada. Esses números, no

entanto, não nos ajudam a chegar a qualquer conclusão se não forem comparados aos números da

Tabela 6, motivo pelo qual foi elaborada a Tabela 8, a seguir, que retrata a proporcionalidade dos

executados de cada raça quando comparada ao número de presos das mesmas raças.

EXECUTADOS X SENTENCIADOS

1993 1996 1999 2002 % % % %

Total 1,3990 1,3980 2,7790 1,9960 Brancos 1,2130 1,4710 3,1440 2,7590 Negros 1,1720 1,0360 2,1750 1,1500 Outros 14,6340 12,5000 5,7140 - Homens 1,4170 1,4190 2,8060 1,9600 Mulheres - - - 5,5560

Tabela 8

Em 1993, dos 2.716 presos nos corredores da morte dos Estados Unidos da América,

morreram 38, o que corresponde a 1,3990% daquele número. Dividindo esses valores pelas raças

é que se pode analisar qual delas está sendo executada em maior quantidade que outra. Cabe

lembrar que, como visto há pouco, analisados os mesmos quatro anos, o número de negros que

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são condenadas à pena capital é o maior dos três, seguido pelos brancos, e, por último, com um

número muito menor, as pessoas de outras etnias. Com relação, então, ao número de executados,

ao observar a Tabela 8, percebe-se que, no ano de 1993, morreu 1,2130% dos condenados

brancos, 1,1720% dos negros e 14,6340% dos sentenciados de outras raças. O número de brancos

e negros executados, proporcionalmente ao número das mesmas raças condenadas é tão similar,

que só consegue-se constatar que morreram mais brancos utilizando mais de uma casa decimal.

Agora, o número de executados de outras etnias é visivelmente maior nesse ano.

Fazendo a mesma análise no ano de 1996, vimos que o percentual de executados em

relação ao número total de condenados é praticamente idêntico ao ano anterior, ou seja, 1,3980%

para 1,3990% no ano de 1993. Ao dividir esse número pelas raças, no entanto, percebe-se que

houve mudanças. O número de executados brancos comparado ao número de condenados da

mesma raça subiu para 1,4710%, enquanto o mesmo número correspondente aos negros e às

outras raças diminui para os índices de 1,0360% e 12,5000%, respectivamente. Portanto, da

mesma forma como ocorreu em 1993, morreram mais pessoas de outras raças, porém, em menor

proporção, ao passo que o número de brancos mortos aumentou em relação ao número de negros

mortos naquele mesmo ano.

Já em 1999, registra-se um aumento considerável de executados em relação ao número de

condenados, apresentando agora um índice de 2,7790% (Tabela 8). Seguindo o ocorrido três anos

antes, foram mortas mais pessoas de outras raças, mas com uma proporção ainda menor se

comparada aos anos anteriores. O número de brancos comparado ao número de negros

executados aumentou muito, passando, a diferença de 0,435 ponto percentual em 1996 para 0,969

ponto percentual em 1999.

O último ano modifica o que vem acontecendo nos anos analisados até o momento, no

que diz respeito ao índice de executados em comparação ao número de condenados. Ao invés de

continuar aumentando, o mesmo cai para 1,9960%. O número de executados de outras raças, até

então sempre maior proporcionalmente do que o número de executados brancos e negros,

seguindo o que vinha acontecendo e cai, agora para o número de zero morto. O índice de

executados brancos e negros em relação ao número de condenados das mesmas raças caiu em

conseqüência da queda do número total de executados, mas manteve a praticamente a mesma

proporcionalidade dos anos anteriores, morrendo mais brancos que negros. A grande diferença

constatada nesse ano é a execução de duas mulheres, o que corresponde ao índice de 5,5560% do

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número total de mulheres condenadas, enquanto o mesmo índice referente aos homens é de

1,9600%. Não podemos, no entanto, fazer qualquer tipo de afirmação no sentido de que,

proporcionalmente, executaram quase três vezes mais mulheres do que homens, pois o número de

mulheres condenadas é tão ínfimo se comparado ao número de homens na mesma situação, que

uma mulher executada a mais aumentaria esse índice de 5,5560% para 8,3330%.

Outro aspecto que não poderíamos deixar de falar nessa pesquisa diz respeito à

escolaridade dos sentenciados à pena capital nos Estados Unidos da América. Para tanto

reunimos os dados obtidos e organizamos os mesmos na Tabela 9:

ESCOLARIDADE 1993 1996 1999 2002 % % % %

ELEMENTARY 38,1 38,0 38,0 37,0 MIDDLE SCHOOL 15,8 14,0 14,0 14,0 HIGH SCHOOL 38,1 38,0 38,0 38,0 COLLEGE 8,0 10,0 10,0 10,0 TOTAL 100,0 100,0 100,0 100,0

Tabela 9

Como já falado anteriormente, Elementary School diz respeito às 3ª, 4ª e 5ª séries

americanas, que equivalem às 2ª, 3ª e 4ª séries do 1º grau no Brasil, enquanto a Middle School,

6ª, 7ª e 8ª séries americanas equivalem às nossas 5ª, 6ª e 7ª séries do 1º grau, e por fim, a High

School, 9ª, 10ª, 11ª e 12ª séries dos Estados Unidos da América são comparadas à nossa 8ª Série

do 1º grau, 1ª, 2ª e 3ª séries do 2º grau.

A tabela 9 nos mostra que nos quatro anos analisados, que representam praticamente uma

década, os índices variaram muito pouco, motivo pelo qual será utilizado os números de 2002.

Aproximadamente 37% dos condenados à pena capital possuíam apenas o nível básico de

estudos, enquanto apenas 10,0% deles chegou ao College, que pode ser comparado a

universidade no Brasil.

No que diz respeito aos índices de condenados que freqüentaram a Middle School e High

School, no entanto, percebe-se que aproximadamente 14,0% dos condenados têm o nível médio

de ensino, enquanto mais ou menos 38,0% têm o nível fundamental.

A conclusão a que se chega, portanto, é que, apesar de um considerável número de

condenados ter chegado ao que corresponde ao segundo grau brasileiro, a grande maioria deles

nunca chegou a cursar uma universidade. É importante destacar que os Estados Unidos da

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América possuem um sistema de ensino muito avançado se comparado ao do Brasil, com escolas

públicas que oferecem a mesma qualidade de ensino, senão superior à das escolas particulares.

Portanto, a maior parte da população norte americana tem acesso facilitado à educação, sendo

este o possível motivo pelo qual o número de sentenciados com 2º grau se mostra tão elevado.

Porém, mesmo que um percentual considerável de condenados tenha completado o ensino

fundamental, cabe lembrar que, em todos os anos estudados, as pesquisas revelaram que o

percentual dos condenados que não completaram a 8º série foi sempre superior ao percentual dos

que tiveram acesso à faculdade. O que nos permite concluir que o perfil da escolaridade dos

condenados à pena de morte é de um grande número de indivíduos de baixa instrução escolar, ou

seja, que não ultrapassaram a 8º série.

A idade dos condenados também é assunto que merece destaque, uma vez que já foi

tratado das raças, sexo e escolaridade dos mesmos. Analisando a tabela abaixo, percebe-se que a

idade média dos condenados diminui nesses noves anos, passando de 35 anos em 1993 para 28

anos em 2002.

Em 1993, o índice de condenados com até 20 anos era de apenas 1,0%. Três anos depois,

pode-se observar um índice muito maior para condenados com até 19 anos, percentual que se

manteve inalterado até 2002. Os condenados de 25 a 39 anos representavam 60,5% do número

total de presos de 1993, aumentando para 70% em 1996, caindo a 67,0% em 2002. De uma

maneira geral, percebe-se que essa faixa etária também aumentou nos corredores da morte dos

Estados Unidos da América. Seguindo essa linha, o índice dos condenados de 30 a 39 anos

diminui 11 pontos percentuais de 1993 para 2002. O número de condenados com mais de 55

anos, que já era pequeno, diminui ainda mais, chegando ao índice de 1,0% em 2002.

Assim, conclui-se que, ao longo dos anos foram sentenciados à morte um número cada

vez maior de indivíduos jovens, com faixa etária de 25 a 39 anos aproximadamente, como

demonstra a Tabela 10:

IDADE 1993 1996 1999 2002 ATÉ 20 ANOS 1,0% (19) 13,0% (19) 13,0% (19) 13,0% 25 A 39 ANOS 60,5% (25 A 44) 70,0% (25 A 44) 69,0% (20 A 44) 67,0% 30 A 39 ANOS 45,0% 40,0% 37,0% 34,0% MAIOR 55 ANOS 3,5% 1,0% 1,0% 1,0% MAIS NOVO 18 anos 17 anos 18 anos 18 anos MAIS VELHO 78 anos 81 anos 84 anos 87 anos MÉDIA 35 anos 28 anos 28 anos 28 anos

Tabela 10

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Por fim, o último aspecto a ser analisado diz respeito aos antecedentes dos sentenciados à

pena de morte. A Tabela 11 foi elaborada para demonstrar quantos desses condenados já haviam

cometido crimes anteriormente, especificando inclusive quantos já haviam sido condenados por

homicídio, como se vê a seguir:

CONDENAÇÕES ANTERIORES 1993 1996 1999 2002 % % % %

CONDENAÇOES ANTERIORES 67,9 66,0 64,0 64,0

Brancos 64,8 64,0 62,0 62,0 Negros 73,2 70,0 68,0 69,0 Outros 60,0 57,0 58,0 58,0

POR HOMICÍDIO 9,1 9,0 8,0 8,0

Brancos 8.4 8,0 8,0 8,0 Negros 10,2 9,0 9,0 9,0 Outros 9,0 7,0 7,0 8,0

Tabela 11

Em 1993, é constatado que a grande maioria dos condenados não eram primários, com

67,9% dos mesmos já tendo cumprido algum tipo de pena. Dividindo essa estatística pelas etnias

do modo que foi trabalhado até o momento, percebe-se que dos brancos presos, 64,8% já tinham

condenação anterior, enquanto 73,2% dos negros e 60,0% de outras raças estavam na mesma

situação.

Dos 67,9% de condenados com antecedentes criminais, 9,1% haviam cometido o crime de

homicídio. Dos brancos presos, 8,4% já haviam matado outra pessoa, enquanto 10,2% dos negros

e 9,0 das outras raças também já haviam atentado contra a vida de outrem.

Nos anos que se passaram, os índices caíram pouco, chegando em 2002 a 64,0% de

sentenciados à pena capital que tinham antecedentes criminais. Os negros ainda lideravam as

estatísticas com 69,0%, contra 62,0% dos brancos e 58,0 de outras raças.

Assim, realizada uma análise dos sentenciados e executados à pena capital nos Estados

Unidos da América nos anos de 1993, 1996, 1999 e 2002, no que diz respeito à raça, sexo, idade,

escolaridade e condenações prévias dos mesmos, conclui-se que, ao longo de aproximadamente

uma década, o instituto da pena de morte manteve em seus corredores um maior número de

indivíduos do sexo masculino, dentre eles um número proporcional maior de negros, porém,

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desses indivíduos presos, são executados um número maior de prisioneiros de raças diversas,

além de estar caracterizado o baixo nível escolar dos condenados, bem como a queda na idade de

condenação, traçando o perfil de prisioneiros jovens e com elevados percentuais de reincidência,

inclusive por crimes de homicídio.

Resta evidenciado, portanto, o perfil do criminoso no corredor da morte, como de um

homem negro, jovem, com baixa escolaridade, e altos índices de reincidência.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da recuperação histórica dos fundamentos da pena de morte como elemento de

defesa social, à luz do entendimento da Escola Clássica e Escola Positiva, realizado no primeiro

capítulo do presente trabalho, bem como da abordagem dos princípios da defesa social, e sua

posterior negação pela Criminologia Crítica, assunto tratado no segundo capítulo, conclui-se que

o Sistema Penal possui problemas estruturais que o levam a agir de maneira seletiva, ou seja, pela

incapacidade operacional do Sistema de punir todos aqueles que cometem delitos, ele é obrigado

a selecionar dentre toda a população, quais os indivíduos que serão penalizados. Essa seleção,

como vimos, é realizada através da atribuição de etiquetas a determinadas pessoas, que acabam

formando o esteriótipo do criminoso, concebido desde as Escolas Penais, e colocado em prática

ainda nos dias de hoje, inclusive pelo Direito Penal.

Juntamente com essa característica rotulante, vimos que o Sistema Penal, que

teoricamente se baseia em alguns princípios que lhe conferem características de sistema

igualitário, defensor dos interesses gerais da população, destinado à prevenção de crimes, atua, na

prática, em oposição a estes. A demonstração dessa desconformidade entre o fundamento do

Sistema Penal na teoria e sua atuação na prática foi vista através do ataque efetuado pela

Criminologia Crítica, que realizou várias pesquisas a fim de evidenciar a negação que o Sistema

promove aos seus próprios fundamentos.

Depois de demonstrado que o funcionamento do Sistema não corresponde aos princípios

que o baseiam, no que diz respeito às questões teóricas, o trabalho tratou de averiguar se esses

problemas teóricos se refletem também no funcionamento do Sistema Penal na prática, através de

um estudo de caso do instituto da pena de morte nos Estados Unidos da América.

Com a análise dos dados obtidos no estudo de caso, conclui-se que o Sistema Penal

padece de todos os problemas apontados pelo segundo capítulo deste estudo, senão vejamos:

foram estudados os anos de 1993, 1996, 1999 e 2002, como já dito, e com a interpretação dos

dados que as pesquisas do Governo Americano fornecem sobre o instituto da pena de morte,

verifica-se que, no período de aproximadamente uma década, foi sentenciado um número

absurdamente maior de homens do que de mulheres, não obstante o país possuir um número de

mulheres mais elevado do que de homens, como demonstraram os dados do ano de 2002, onde se

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viu que a população norte-americana era composta por 141.661.000 homens e 146.708.000

mulheres, entretanto no corredor da morte 99% dos prisioneiros eram homens.

Cabe destacar que, como já dito, o fato dos números apontarem um maior número de

homens no corredor da morte não significa necessariamente que os mesmos cometem mais

crimes que as mulheres, e sim que o sexo masculino têm uma tendência maior a ser rotulado

como criminoso, além do fato de que esses números não traduzem o índice real da criminalidade

feminina, evidenciando, portanto, a ocorrência da cifra negra da criminalidade, ou seja, a

criminalidade aparente não traduz com fidelidade os números da criminalidade que efetivamente

ocorre.

Além dos dados demonstrarem uma maior seleção de homens sentenciados à pena de

mote, indicou também que destes, proporcionalmente, o maior número de presos é da raça negra,

bem como o maior número de execuções é de indivíduos com origem latina. Ou seja, os Estados

Unidos privilegia a execução de pessoas que não são de etnias originárias da composição

histórica do povo americano, ou seja, os estrangeiros, merecendo destaque o povo latino, ou os

que têm uma vinculação étnica com povos de outras nações que não são os povos pertencentes à

colonização norte americana.

Em relação aos dados que demonstram o nível de escolaridade dos sentenciados, foi visto

que, ao longo desses quatro anos, o número de sentenciados que não completou a 8º série foi

sempre superior ao número dos prisioneiros que freqüentaram uma universidade, evidenciando,

assim, que indivíduos com baixa escolaridade são mais sentenciados do que aqueles que aqueles

que tiveram acesso ao estudo.

Foi visto também que o índice dos prisioneiros sentenciados à morte com condenações

anteriores era alto, cerca de 65%, sendo que a raça negra lidera essa estatística. Deste modo,

podemos ressaltar que esse dado demonstra, não apenas o maior número de negros reincidentes,

mas sim, que pode estar acontecendo uma maior repressão à raça negra do que a raça branca.

Quer dizer, os agentes do Sistema podem estar exercendo um controle maior sobre os negros, já

que estes são mais etiquetados com o rótulo de criminoso, o que não permitiria a apreciação do

número real de brancos reincidentes.

Além disso, nos anos estudados, uma média de 1 em cada 7 indivíduos já haviam sido

condenados anteriormente à pena de morte, o que poderia nos levar a considerar como uma

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característica de reincidência, que pode ser apreciada como uma evidência de que a pena de

morte não intimida os indivíduos ao cometimento de crimes, não sendo eficaz no que se propõe.

Quanto à faixa etária dos sentenciados podemos concluir que a média da idade dos

prisioneiros nos anos estudados foi de 28 anos, ou seja, uma idade relativamente jovem de

indivíduos está sendo condenada à morte.

Com isso, conclui-se que o perfil dos indivíduos sentenciados à pena de morte nos

Estados Unidos da América é de homens negros, jovens, com baixos níveis escolares e com um

histórico de condenações anteriores, inclusive sentenças de morte, e condenações por homicídio.

Esse perfil se encaixa com o esteriótipo de criminoso que se encontra atualmente sendo

selecionado pelo Sistema, através da pena de morte, e que normalmente vimos sendo

selecionados pela pena de prisão, que já teve demonstrada sua ineficácia na defesa social contra a

criminalidade.

Os dados demonstram também, que na prática, o Princípio do Bem e do Mal realmente

não vem sendo aplicado pelo Sistema, já que diante de toda uma população que comete delitos,

apenas alguns vêm sendo selecionados para receberem punições, o que se demonstrou através dos

dados.

O Princípio da Igualdade também é contrariado pelo Sistema, já que a resposta do Direito

Penal ao cometimento de crimes não está sendo aplicada a todos os indivíduos de maneira

igualitária, posto que o maior número de sentenciados é de homens negros, como visto.

O Princípio da Legitimidade também é negado, pois o Estado, tendo legitimidade para

agir em defesa da sociedade contra a criminalidade, rotula apenas uma parcela de indivíduos,

jovens negros e pouco instruídos para serem punidos, o que deixa claro que a criminalidade não

está sendo combatida, e a sociedade tampouco defendida. Desta forma, é negado também o

Princípio da Legalidade, posto que todos os que cometeram o tipo penal deveriam ser

sentenciados, sem que houvesse a seletividade evidenciada acima.

Assim, de acordo com o que foi demonstrado pelos dados oficiais do Governo

Americano, o Sistema Penal está atuando de forma seletiva, excludente e racista, confirmando o

ataque aos princípios realizado pela Criminologia Crítica. Assim, além de comprovada a truncada

operacionalidade estrutural do Sistema, vê-se que os problemas teóricos se refletem no seu

funcionamento real, e, desta forma, também na utilização do instituto da pena de morte.

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Desta feita, diante dos altos índices de reincidência, restou provado que a pena de morte,

quando aplicada na prática não previne os crimes que com ela são punidos, demonstrando assim

que não neutraliza os delinqüentes que cometeram homicídios, como deveria fazer por se tratar

de uma medida de Prevenção Especial Negativa, e que tampouco evita que novos crimes se

realizem, não sendo, portanto, eficaz no que se propõe.

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