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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 593.283-8, DA COMARCA DE CAMPO MOURÃO – 2ª VARA CRIMINAL. APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO.
APELADO: ALDENIR BARBOSA.
RELATOR: DES. LIDIO J. R. DE MACEDO.
APELAÇÃO CRIMINAL. – CRIME CONTRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO. – IMPROPRIEDADE DOS PRODUTOS CONSISTENTE NA EXPOSIÇÃO A VENDA DE PRODUTO EM DESACORDO COM AS NORMAS REGULAMENTARES DE FABRICAÇÃO, DISTRIBUIÇÃO OU APRESENTAÇÃO (QUE IMPÕEM A PRÉVIA INSPEÇÃO SANITÁRIA E INDICAÇÃO NA EMBALAGEM DAS DATAS DE FABRICAÇÃO E DE VALIDADE). – NECESSÁRIA CONDENAÇÃO. – SENTENÇA REFORMADA. – RECURSO PROVIDO. I Conclui-se, portanto, que a expressão "impróprio ao consumo" constante da norma legal não se limita à verificação da deterioração do produto. Ao contrário, estende-se a várias hipóteses, dentre elas a constatação do produto em desacordo com as normas regulamentares de distribuição ou apresentação, como no caso dos autos, para se caracterizar o crime em tela.
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A conduta de manter produto exposto à venda com data de validade vencida ou em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação (que impõem a prévia inspeção sanitária e indicação na embalagem das datas de fabricação e de validade) por si só configura desobediência à lei e a imprestabilidade dos produtos para o consumo. II. Restando comprovada nos autos a exposição à venda de carne clandestina, ou seja, em desacordo com as normas regulamentares, não há falar em absolvição porquanto caracterizado o delito contra as relações de consumo previsto no art. 7º da Lei 8.137/90. Não há como aplicar o princípio da bagatela se apesar de apreendida a mercadoria, não há nos autos a avaliação da mesma. Não há falar em redução do valor da prestação pecuniária quando o réu foi representado por advogado constituído, sendo possível, entretanto, o parcelamento da mesma.” (TJMG. Apelação Criminal nº 1.0431.04.010228-4/001. Des. VIEIRA DE BRITO. 5ª CÂMARA CRIMINAL. Julgado em 31/07/2007)
VISTOS, relatados e discutidos estes autos
de Apelação Criminal nº 593.283-8, da 2ª Vara Criminal da
Comarca de Campo Mourão – PR., em que é apelante o
MINISTÉRIO PÚBLICO e apelado ALDENIR BARBOSA.
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I. ALDENIR BARBOSA e SONIA MARIA
CARDOSO BARBOSA foram denunciados e regularmente
processados como incursos nas sanções do art. 7º, inciso IX, da Lei
8.137/90, assim constando da exordial acusatória:
“No dia 20 de novembro de 2002, por volta das 13:30
horas, na Rua Santos Dumont, nº 530, no local
conhecido como ‘Açougue Denil’, na cidade de
Janiópolis-PR., os denunciados ALDENIR BARBOSA
e SONIA MARIA CARDOSO BARBOSA, dolosamente,
com vontade livre e consciente, em co-autoria, um
aderindo deliberadamente a conduta delituosa do
outro, venderam e expuseram a venda, mercadorias
impróprias para o consumo, ou seja, carne bovina,
sem as devidas especificações sanitárias, sendo
autuados em flagrante, quando foram apreendidos
4,650KG (quatro quilos, seiscentos e cinqüenta
gramas) de carne bovina sem a devida inspeção
sanitária, conforme comprovam o Auto de Prisão em
Flagrante (fls. 02/04) e Termo da Secretaria de Estado
da Saúde (fls. 09).
Ultimada a instrução criminal, sobreveio
sentença julgando improcedente a denúncia para absolver os réus
ALDENIR BARBOSA e SONIA MARIA CARDOSO BARBOSA, nos
termos do art. 386, inciso VI, do CPP.
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Inconformado com a sentença, apela o
MINISTÉRIO PÚBLICO pleiteando a reforma parcial da sentença,
para o fim de ser o denunciado Aldenir Barbosa condenado nos
termos da exordial acusatória sob o fundamento de que, por se
tratar de crime de perigo abstrato, presume-se de forma absoluta a
superveniência de perigo à coletividade em virtude da conduta do
agente, carecendo, portanto, de demonstração pericial. Aduz que,
deve ser mantida a absolvição da denunciada Sonia Maria Cardoso
Barbosa, porquanto inexistente nos autos qualquer prova de que
tivesse conhecimento acerca da ilicitude da conduta perpetrada por
seu marido, ora apelado.
O recurso foi contrarrazoado às fls. 141/146.
A Procuradoria Geral de Justiça, através do
parecer da lavra do Dr. Ricardo Pires de Albuquerque Maranhão,
opinou pelo não provimento do recurso por entender que, apesar de
se tratar de crime de perigo abstrato, imprescindível que o agente
tenha em seu estabelecimento, para venda, produtos impróprios
para o consumo, quais sejam, os com prazos de validade vencidos,
produtos deteriorados, avariados, falsificados, corrompidos,
fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos, ou ainda, aqueles
em descordo com as normas regulamentares de fabricação,
distribuição ou apresentação e aqueles que, por qualquer motivo, se
revelem inadequados a que se destinam. Entende por fim, que é
possível que a carne não inspecionada pelo órgão sanitário
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competente possa estar em condições perfeitamente normais de
consumo, enquanto outra, em situação regular perante tal órgão,
pode apresentar-se deteriorada.
É o Relatório. VOTO. II. Lavra-se do recurso a pretensão do
agente ministerial em ser o denunciado Aldenir Barbosa condenado
nos termos da exordial acusatória.
O apelado foi denunciado pela prática do
crime tipificado no art. 7º, inciso IX, da Lei 8.137/90, que assim
dispõe:
“Art. 7° Constitui crime contra as relações de
consumo:
...
IX - vender, ter em depósito para vender ou expor à
venda ou, de qualquer forma, entregar matéria-prima
ou mercadoria, em condições impróprias ao
consumo;
Pena - detenção, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, ou
multa.”
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Em se tratando de norma penal em branco,
impende definir o que deve ser considerado como impróprio ao
consumo, de molde a configurar a prática delitiva, o que será
dirimido pelo disposto no art. 18, § 6º, do Código de Defesa do
Consumidor.
"São impróprios ao uso e consumo:
I – os produtos cujos prazos de validade estejam
vencidos;
II – os produtos deteriorados, alterados, adulterados,
avariados, falsificados, corrompidos, fraudados,
nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou, ainda,
aqueles em desacordo com as normas regulamentares
de fabricação, distribuição ou apresentação;" (grifo
nosso).
Conclui-se, portanto, que a expressão
"impróprio ao consumo" constante da norma legal não se limita à
verificação da deterioração do produto. Ao contrário, estende-se a
várias hipóteses, dentre elas a constatação do produto em
desacordo com as normas regulamentares de distribuição ou
apresentação, como no caso dos autos, para se caracterizar o
crime em tela.
A conduta de manter produto exposto à
venda com data de validade vencida ou em desacordo com as
normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação
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(que impõem a prévia inspeção sanitária e indicação na embalagem
das datas de fabricação e de validade) por si só configura
desobediência à lei e a imprestabilidade dos produtos para o
consumo.
Insta salientar que o tipo penal em questão é
um crime formal e de perigo abstrato, ou seja, não exige lesão ou
dano, contentando-se com a mera potencialidade lesiva, pelo que,
consoante jurisprudência consolidada no egrégio Superior Tribunal
de Justiça, para o aperfeiçoamento do delito basta a simples
transgressão da norma incriminadora, sendo desnecessária a
existência de laudo pericial para a constatação da impropriedade do
produto para consumo.
“APELAÇÃO - CRIME CONTRA AS RELAÇÕES DE
CONSUMO - VENDA DE MERCADORIA IMPRÓPRIA
PARA CONSUMO - CONDENAÇÃO - MANUTENÇÃO -
AMPLO CONJUNTO PROBATÓRIO - PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA - INAPLICABILIDADE - REDUÇÃO
DA PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA - IMPOSSIBILIDADE -
PARCELAMENTO. Restando comprovada nos autos a
exposição à venda de carne clandestina, ou seja, em
desacordo com as normas regulamentares, não há
falar em absolvição porquanto caracterizado o delito
contra as relações de consumo previsto no art. 7º da
Lei 8.137/90. Não há como aplicar o princípio da
bagatela se apesar de apreendida a mercadoria, não
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há nos autos a avaliação da mesma. Não há falar em
redução do valor da prestação pecuniária quando o
réu foi representado por advogado constituído, sendo
possível, entretanto, o parcelamento da mesma.”
(TJMG. Apelação Criminal nº 1.0431.04.010228-4/001.
Des. VIEIRA DE BRITO. 5ª CÂMARA CRIMINAL.
Julgado em 31/07/2007)
"RECURSO ESPECIAL. PENAL. CRIME CONTRA AS
RELAÇÕES DE CONSUMO. ART.7º, INCISO IX, DA LEI
Nº 8.137/90. ABSOLVIÇÃO POR FALTA DE PROVAS.
INVERSÃO DO JULGADO. REEXAME DO CONJUNTO
FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA
Nº 07 DO STJ.
1. Consoante jurisprudência consolidada nesta
Egrégia Corte, é crime formal e de perigo abstrato, ou
seja, que não exige lesão ou dano, contentando-se
com a mera potencialidade lesiva.” (STJ. RESP
476340. Relatora Ministra Laurita Vaz, publicado no
DJ em 16.02.2004, p.295)
Tecidas estas consideração é de se analisar
se o réu incorreu nas sanções do referido tipo penal.
Consoante se extrai do conjunto probatório, o
réu efetivamente expunha a venda carne bovina sem a devida
inspeção sanitária.
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Eis os depoimentos testemunhais:
“Que a depoente trabalha na Vigilância Sanitária
Estadual e atendendo ofício do Ministério Público
local, realizou inspeção nos estabelecimentos que
comercializavam carne no município de Janiópolis...
que no estabelecimento comercial dos réus foi
encontrada a carne bovina mencionada na denúncia,
sem a devida inspeção sanitária... que o réu não
informou se recebeu a carne para venda ou para
consumo próprio, todavia, quando foi apreendida, a
carne estava exposta no balcão do açougue...”
(Elisete Dengo Perin, fls, 68/69)
“...que no açougue de propriedade dos réus foi
encontrada carne bovina sem inspeção... a carne
irregular estava no balcão onde o réu guarda carne
para comercialização.” (Joel Fernandes de Freitas,
fls. 70)
A exposição da carne sem inspeção no
balcão utilizado para a comercialização dos produtos dentro do
açougue já induz à pratica delituosa, porquanto, consoante já
explicitado, o réu violou as normas regulamentares de fabricação,
distribuição ou apresentação, deixando de constar a prévia
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inspeção sanitária e a indicação na embalagem das datas de
fabricação e de validade da mercadoria exposta à venda.
A justificativa de que a carne bovina em
questão, pertenceria a terceira pessoa que logo iria buscá-la não
conduz á descaracterização do crime, porquanto, trata-se de
estabelecimento comercial especializado na comercialização de
carnes, devendo o réu certificar-se da origem dos produtos que
coloca em exposição, pois a ele, como proprietário do
estabelecimento comercial autuado cabia a responsabilidade pela
fiscalização e vistoria dos produtos que comercializa.
Desta forma, deve o réu Aldenir Barbosa, ser
condenado nas sanções do art. 7º, inciso IX, da Lei 8.137/90, razão
pela qual, passo à análise da dosimetria da pena.
Partindo do mínino legal de 02 (dois) anos de
detenção, analisa-se as circunstâncias judiciais do artigo 59 do
Código Penal.
A culpabilidade está assentada no fato de
que, na condição de proprietário do estabelecimento comerciai,
tinha por dever zelar pela regularidade do produto que
comercializava. Não possui maus antecedentes. Os motivos do
crime não lhes são desfavoráveis. No que tange à personalidade,
nada há para ser considerado. Quanto à conduta social, apresenta-se positiva ao réu, pois há nos autos, informações acerca
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de ser uma pessoa trabalhadora. As circunstâncias normais à
espécie. As conseqüências do crime não foram desfavoráveis,
pois apreendido o produto antes de sua comercialização. O
comportamento da vítima é desinfluente.
Diante das circunstâncias judiciais analisada,
fixo a pena-base no mínimo legal de 02 (dois) anos e 2 (dois)
meses de detenção, a qual torno definitiva ante a ausência de
outras causas modificativas.
Nos termos do art. 33, § 2º, letra “c” do CP,
determino o regime aberto para o cumprimento da pena.
Preenche o réu os requisitos do artigo 44 do
Código Penal, razão pela qual substituo a pena corporal por duas
restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à
comunidade à razão de uma hora por dia de condenação, nos
termos do artigo 46, § 3º, do Código Penal e prestação pecuniária
no valor de dois salários mínimos à entidade com destinação social
(artigo 45, § 1º, do Código Penal), a critério do Juízo da execução.
“Possível a substituição das penas privativas de
liberdade por restritivas de direitos, ante os
antecedentes dos condenados e a natureza e
circunstância do crime praticado, que não envolveu
violência. Como as penas estão fixadas acima de um
ano de prisão, substituo-as por duas restritivas de
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direitos, a saber: prestação pecuniária e prestação de
serviços a comunidade ou entidades públicas.”
(TACRIM-SP. Apelação Criminal nº 1174417/1. Relator
Des. João Morenghi. Julgado em. 15.02.2000)
Ante o exposto, dou provimento ao recurso
para o fim de condenar o réu ALDENIR BARBOSA nas sanções do
art. 7º, inciso IX, da Lei 8.137/90.
ACORDAM os Desembargadores
integrantes da Segunda Câmara Criminal do Egrégio Tribunal de
Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar
provimento ao recurso, nos termos do voto relatado.
Participaram do julgamento os Senhores
Desembargadores NOEVAL DE QUADROS e JOÃO KOPYTOWSKI.
Curitiba, 29 de outubro de 2009.
LIDIO JOSÉ ROTOLI DE MACEDO Presidente - Relator