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Page 1: Apelação Criminal - legale.com.br · Apelação Criminal “Apropriação indébita previdenciária, Art. 168-A C/C 71 DO CÓDIGO PENAL PRESCRIÇÃO IN CONCRETO. RÉU COM IDADE

Apelação Criminal

“Apropriação indébita previdenciária, Art. 168-A C/C 71 DO CÓDIGO PENAL PRESCRIÇÃO IN CONCRETO. RÉU COM IDADE SUPERIOR A 70(SETENTA) ANOS. ART. 115 DO CÓDIGO PENAL. CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 168-A DO CP. ESTADO DE NECESSIDADE E INEXIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. NÃO CARACTERIZAÇÃO. DESNECESSIDADE DO DOLO ESPECÍFICO. PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO DE APELAÇÃO”.

Egrégia Turma,

Trata-se de Recurso de apelação interposto por XXXXXXXXXXX e XXXXXXXXXXXX em face da r. sentença que os condenou pela prática do delito previsto no art. 168-A, c.c o art. 71 do Código Penal.

Segundo a Denúncia, XXXXXXXX e XXXXXXXX, na qualidade de sócios-gerentes da empresa XXXXXXXXXX, não recolheram, aos cofres da Seguridade Social, as contribuições previdenciárias descontadas de seus empregados, relativas ao período de janeiro de 2004 a dezembro do mesmo ano, incluindo o décimo terceiro salário, gerando débito no valor de R$ 304.783,71 (trezentos e quatro mil, setecentos e oitenta e três e setenta e um centavos), atualizado até 20.01.2011, consolidado com o acréscimo relativo aos juros legais e á multa, conforme NFLD n°37.189.731-9 (fls. 134/135).

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A denúncia foi recebida em 22 de março de 2010 (fl. 137).

A r. sentença julgou procedente a pretensão punitiva para:

a) condenar XXXXXXX á pena de 2 (dois) anos 9 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial aberto, bem como ao pagamento de 13 (treze) dias-multa, no valor unitário mínimo, pela prática do crime previsto no art. 168-A, c.c art. 71 do Código Penal; sendo que a pena base foi fixada em 2(dois) anos e 6(seis) meses de reclusão, reduzida em 1/6 (um sexto), por ser réu maior de setenta anos, e majorada em 1/3 (um terço), em razão da continuidade delitiva; e

b) condenar XXXXXXX á pena de 3 (três) anos, 1 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial aberto, bem como ao pagamento de 14 (quatorze) dias-multa, no valor unitário mínimo, pela prática do crime previsto no art. 168-A, c.c, art. 71 do Código Penal, sendo que a pena-base foi fixada em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão, majorada em 1/3 (um terço), em razão da continuidade delitiva.

Cada pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritiva de direitos, a saber: prestação pecuniária e prestação de serviços a comunidade.

A sentença foi publicada em 10 de agosto de 2011 (fl.260).

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Inconformados , XXXXXXX e XXXXXXX interpuseram recurso de apelação (fls. 271/272), requerendo a absolvição, alegando (fls. 279/283):

a) a violação ao art. 5°, LXVII da CF, que prevê apenas duas hipóteses de prisão civil por dívida;

b) a ausência de configuração do dolo específico; e

c) dificuldades financeiras pelas quais a empresa passava, a justificar a conduta delituosa.

O ministério Público Federal apresentou as contrarrazões de apelação (fls. 285/290).

É o relatório Opino.

1- DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA

Impõe-se á hipótese o reconhecimento da pretensão punitiva estatal com base na pena in concreto, e, por conseguinte, a extinção da punibilidade do acusado XXXXXXX, conforme o disposto no art. 109, inciso IV, c.c arts. 110, §§ 1° e 2°, e 115 do Código Penal.

Nessa prisma, impede salientar que a Lei n° 12.234, de 05 de maio de 2010, deu nova redação ao § 1° e revogou o § 2° do art. 110 do Código Penal, estabelecendo que a prescrição retroativa regular-se-á pela pena aplicada e, em hipótese alguma, poderá ter por termo inicial data anterior á da denúncia ou queixa.

No entanto, por se tratar de novatio legis in pejus, não poderá retroagir para alcançar delito praticado em momento anterior á sua vigência, de tal sorte que, no presente caso, deve-se analisar a ocorrência ou não de prescrição retroativa á luz da antiga redação dos parágrafos do art. 110 do CP.

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Com efeito nos termos do §§ 1° e 2° do art. 110 do Código Penal, ocorre a prescrição retroativa

e, via de consequência, a extinção da punibilidade, sempre que, tendo transitado em julgado a

sentença penal condenatória para a acusação ou tendo sido improvido o seu recurso, decorra

entre a data do fato e a do recebimento da denúncia, ou entre esta e a data da sentença

condenatória, prazo superior aquele calculado sobre a pena em concreto.

XXXXXXX tinha 74 (setenta e quatro) anos de idade na data da publicação da sentença (fl.260),

pois nasceu em 21/06/1937. Destarte, o apelante faz jus á redução, pela metade, do prazo

prescricional, nos termos do art. 115 do Código Penal.

No caso vertente, o apelante foi condenado á pena de 2 (dois) anos e 1 (um) mês de reclusão

(descontando, para efeito de contagem prescricional, o acréscimo correspondente á

continuidade delitiva, nos termos da Súmula 497 do Supremo Tribunal Federal), pelo que, sua

conduta delituosa prescreveria em 8(oito) anos, a teor do disposto no art. 109, inciso IV, do

Código Penal. Todavia, como o acusado possui mais de 70 (setenta) anos, o prazo prescricional

passa a ser de 04 (quatro) anos.

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Eis o teor da Súmula 497 do C. STF:

“QUANDO SE TRATAR DE CRIME CONSTINUADO, A PRESCRIÇÃO REGULA-SE PELA PENA IMPOSTA NA SENTENÇA, NÃO SE COMPUTANDO O ACRÉSCIMO DECORRENTE DA CONTINUAÇÃO”

Constata-se dos autos que, da data da consumação da ulltima infração cometida (dezembro de 2004), á data do recebimento da denúncia (22.03.2010 - fl. 137), decorreu lapso de tempo superior a 4 (quatro) anos, suficiente para a prescrição nos termos do artigo 110, §§ 1° e 2°, c.c, os artigos 109, inciso IV, e 115 do Código Penal.

II- DA CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 168-A DO CÓDIGO PENAL.

A defesa alega a inconstitucionalidade art. 168-A do Código Penal, por violar a proibição de prisão civil por dívidas, pois o legislador estaria buscando uma cobrança de dívida civil por tipificação penal.

Não merece prosperar a tese da defesa.

O tipo penal descrito no art. 168-A do Código Penal não se refere a cobrança de dívida civil. As figuras incriminadoras previstas no dispositivos têm por finalidade proteger a fonte de custeio da Previdência Social. Portanto, não se há falar em desrespeito á proibição de prisão por dívidas, pois o crime de apropriação indébita previdenciária não enseja prisão civil.

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Nesse sentido a orientação pretoriana.

EMENTA: HABEAS CORPUS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. CONDUTA PREVISTA COMO CRIME INCONSTITUCIONALIDADE INEXISTENTE VALORES NÃO RECOLHIDOS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICANCIA. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. ORDEM DENEGADA.

1. A norma penal incriminadora da omissão no recolhimento de contribuição previdenciária - art. 168-A do Código Penal - é perfeitamente válida. Aquele que o pratica não é submetido á prisão civil por dívida, mas sim responde pela prática do delito em questão. Precedentes.

2. Os pacientes deixaram de recolher contribuições previdenciárias em valores muito superiores aquele previsto no art. 4° da Portaria MPAS 4910/99, invocada pelo impetrante. O mero fato de a denúncia contemplar apenas um dos débitos não possibilita a aplicação do art. 168-A,§3°, II, do Código Penal, tendo em vista o valor restante dos débitos a executar, inclusive o objeto de outra ação penal.

3. Ordem denegada. (STF, HC 91704/PR, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, STF)

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PENAL E PROCESSUAL PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. ART. 168-A, §1°, i, DO CÓDIGO PENAL. CONSTITUCIONALIDADE. AUTORIA E MATERIALIDADE. DOLO GENÉRICO. DIFICULDADES FINANCEIRAS NÃO COMPROVADAS. DOSIMETRIA. PENA SUBSTITUTIVA. APELAÇÃO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. O tipo penal previsto no artigo 168-A, §1°, inciso I, do Código Penal não pune o sujeito que simplesmente apresenta débito perante a previdência social, mas sim aquele que confere, de forma livre e consciente, destinação ilícita á cota previdenciária descontada do pagamento feito aos segurados, que constitui bem de terceiros afetados a uma finalidade específica de interesse social e, por assim ser, não está submetida ao poder de disposição do agente. Portanto, não se trata de hipótese de prisão civil por dívidas, mas de sanção pelo cometimento de ilícito penal. Precedente do STF.

...omissis...

Apelação desprovida. (TRF-3° Região, ACR 200361170002733, Rel. Des. Fed. Cotrim Guimarães, Segunda Turma, j. 11/03/2010)

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• III - DA NÃO CARACTERIZAÇÃO DA INEXIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA

Compulsando os autos, constata-se não haver provas suficientes e sólidas das dificuldades financeiras alegadas pela defesa a fim de justificar a impossibilidade dos recolhimentos das contribuições descontadas dos salários dos empregados.

As alegações da defesa, no sentido de excluir a ilicitude da conduta, não devem prosperar. É mister ressaltar que, para a configuração do estado de necessidade e da inexigibilidade de conduta diversa, no caso de apropriação indébita previdenciária, é imprescindível a comprovação da absoluta impossibilidade de serem efetuados os recolhimentos nas épocas próprias, consoante se infere do vv. julgados do E. Tribunal Regional Federal da 3° Região, assim ementados, verbis.

“ PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA SENTENÇA CONDENATÓRIA. ALEGAÇÃO DE DIFICULDADES FINANCEIRAS. EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE. PARCELAMENTO DA PENA DE PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. ALEGAÇÕES DE DIFICULDADES FINANCEIRAS. EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE. PARCELAMENTO DA PENA DE PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. ALEGAÇÕES AFASTADAS. APELAÇÃO DESPROVIDA.

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Fixada, na sentença, pena de dois anos de reclusão e não havendo recurso da acusação, deve ser declarada a prescrição em relação aos fatos ocorridos há mais de quatro anos, contados retroativamente do recebimento da denúncia.

Para a configuração do delito de apropriação indébita previdenciária, previsto no art. 168-A do Código Penal, não se exige o animus rem sibi habendi, BASTANDO O DOLO GENÉRICO.

Comprovados a materialidade, a autoria e o dolo do delito de apropriação indébita previdenciária, é de rigor manter a condenação exarada em primeiro grau de jurisdição.

A ocorrência de meras dificuldades financeiras não escusa a apropriação indébita de contribuições previdenciárias; para configurar-se o estado de necessidade ou a inexigibilidade de conduta diversa, é mister a efetiva comprovação, pela defesa, da absoluta impossibilidade de efetuarem-se os recolhimentos nas épocas próprias.

Não há falar em parcelamento da multa e da prestação pecuniária se a defesa não comprovou a impossibilidade financeira do réu. Prescrição parcial reconhecida. Apelação desprovida. Substituição, de oficio, da segunda multa (no valor de R$ 5.000,00) por prestação pecuniária (no importe de quatro salários mínimos). “

(TRF3, ACR 200261020073183, DES. FED. NELTON DOS SANTOS, SEGUNDA TURMA, 21/01/2010) (g.n)

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“ PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS SENTENÇA ABSOLUTÓRIA FUNDAMENTO PRESUNÇÃO NÃO CONFIRMADA DE QUE A RÉ EXERCIA A ADMINISTRAÇÃO DA SOCIEDADE. PROVAS INÁBEIS Á COMPROVAÇÃO. SENTENÇA REFORMADA. CONDENAÇÃO: DOSIMETRIA DA PENA APELAÇÃO PROVIDA.

1. Recorrida denunciada como incursa nas penas do artigo 168-A do CP, por ter, na qualidade de responsável pela administração de empresa, deixando de recolher, no prazo legal, contribuições destinadas á Previdência Social e que foram descontadas dos salários de seus funcionários.

2. A sentença a absolveu com fundamento no artigo 386, inciso IV, do CPP, entendendo estar demonstrado que a ré não detinha os poderes de administração e gerência da empresa.

3. Materialidade delitiva comprovada por diversos documentos. Autoria inequívoca. A acusada era responsável pela gerência e administração da empresa, fato comprovado pelo contrato social e confirmado pelos demais elementos dos autos. Tinha, ademais, plena ciência e controle sobre os fatos narrados na denúncia.

4. O tipo penal da apropriação indébita exige apenas o dolo genérico consiste na conduta omissiva de deixar de recolher, no prazo legal, as contribuições destinadas á Previdência Social, que tenham sido descontadas de pagamentos efetuados, não exigindo do agente o animus rem sibi habendi dos valores descontados e não repassados, uma vez que a consumação do delito se dá com a mera ausência de recolhimento dessas contribuições.

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5. Para a caracterização da inexigibilidade de conduta diversa, as dificuldades financeiras devem ser de tal ordem que coloquem em risco a própria existência da empresa e devidamente justificada, além de esporádica.

A empresa deve se utilizar de todos os meios legalmente possíveis para tentar saldar sua dívida para com a Previdência.

6. No caso, evidencia-se que adotou como rotina a incorporação dos valores relativos á contribuições previdenciárias ao patrimônio da empresa por diversos anos.

7. Sentença absolutória reformada, para condenar a apelada pela prática da conduta tipificada no artigo 168-A, c/c o artigo 71, ambos do Código Penal, á pena de 3(três) anos de reclusão, a ser cumprido em regime aberto e a pena pecuniária de 96 (noventa e seis) dias-multa, no valor de 1/30 do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato, corrigido monetariamente na fase da execução, nos termos dos artigos 49 a 52 e 60, caput, do Código Penal.

8. Nos moldes do artigo 44, parágrafo 2°, do CP, substituição da pena privativa de liberdade por uma restritiva de direitos e uma prestação pecuniária.

9. Apelação provida.”

(TRF3, ACR 200461020063824, DES. FED. HENRIQUE HERKENHOFF, SEGUNDA TURMA, 21/01/2010) (g.n)

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In casu, o acusado XXXXXXX limitou-se a arguir que tanto ele quanto a empresa sofriam de dificuldades financeiras e que não havia condições de efetuar o recolhimento das contribuições previdenciárias. Todavia, não juntou documentos suficientes que comprovassem o seu estado financeiro e o da empresa á época dos fatos.

Destarte, somente a prova cabal de que nem a empresa, nem o próprio acusado tinham condições de, na data dos fatos, saldar as dívidas junto aos cofres públicos, tem o condão de afastar a responsabilidade criminal. Não seria razoável, diante de tais circunstâncias, considerar o réu XXXXXXX em estado de necessidade, ou mesmo afirmar a inexigibilidade de conduta diversa.

Com efeito, a referida excludente de culpabilidade somente é aplicável, em se tratando de crime de omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias, quando todos os dados coligidos pela defesa na instrução probatória da ação penal evidenciam a penúria do empresário em face de grave crise financeira causada por atos e fatos alheios a sua vontade, compelindo-o a abster-se do compromisso com a Previdência Social, ou seja, honrar seus encargos para com os empregados, fornecedores e outras despesas relacionadas á sua própria subsistência e á de sua empresa.

Dessa forma, evidenciado o dolo do crime de apropriação indébita previdenciária por parte do apelante, e não comprovadas as alegadas dificuldades financeiras que ensejariam o estado de necessidade, a inviabilizar, assim, o repasse das contribuições previdenciárias, torna-se de rigor a manutenção da condenação pela prática do crime previsto no art. 168-A, c/c o art. 71, ambos do Código Penal.

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IV – DA DESNECESSIDADE DO DOLO ESPECÍFICO

É incontestável que as contribuições foram descontadas dos salários dos empregados da empresa em questão nos meses apontados e não foram recolhidas aos cofres da Previdência Social, conforme atestam os documentos levantados pela fiscalização do INSS (Representação Fiscal para Fins Penais n° 16095.000744/2008-18)

Tais fatos caracterizam o crime previsto no art. 168-A, caput, do Código Penalm para cuja configuração basta o agente deixar de recolher, na época própria, a contribuição previdenciária descontada do salário do empregado, não necessitando, para aperfeiçoar-se da sua intenção de ficar definitivamente com o dinheiro destinado á Previdência Social.

Também é pacifico o entendimento de que o dolo do crime de apropriação indébita previdenciária é a vontade de não repassar á previdência as contribuições recolhidas, dentro do prazo e da forma legais, não se exigindo o animus rem sibi habendi, sendo, portanto, prescindível a demonstração do especial fim de agir ou do dolo específico de fraudar a Previdência Social, como elemento essencial do tipo penal.

Nesse sentido, os VV. Julgados do E. Superior Tribunal de Justiça, da relatoria dos eminentes Ministros Hélio Quaglia Barbosa, Laurita Vaz, verbis:

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“Ementa: RECURSO ESPECIAL. PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. AUSÊNCIA DE PERÍCIA CONTÁBIL. NULIDADE. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. DIFICULDADES FINANCEIRAS DA EMPRESA. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. SÚMULA N° 7 DESTA CORTE. ARTIGO 168-A DO CP. CRIME OMISSIVO. DOLO ESPECÍFICO. DESNECESSIDADE. SÚMULA 83 DESTA CORTE. APLICAÇÃO RETROATIVA DE LEI MAIS GRAVOSA. INOCORRÊNCIA. RECURSO QUE NÃO CONHECE PARCIALMENTE E, NA EXTENSÃO, NEGA-SE PROVIMENTO,

...omissis...

2. De outra parte, o princípio do livre convencimento fundamentado, regente no direito processual penal brasileiro, permite ao juiz que aprecie livremente a prova, conforme o ditame principiológico contido no artigo 157 do Código de Processo Penal.

3. A alegação de que a empresa passava por uma série de dificuldades financeiras, motivo pelo qual não foi possível repassar a contribuição previdenciária recolhida dos empregados implicariam no caso, o reexame de provas, inviável em sede de recurso especial por esbarrar no óbice imposto pelo enunciado sumular n°7 desta Corte.

4. O dolo, nesses delitos, esgota-se com a simples omissão, pois não se pretende a causação de resultado algum. Dai porque a jurisprudência desta Corte pacificou-se no sentido de não exigir o fim especial de agir do agente, o dolo específico, não havendo de se demonstrar o animus rem sibi habendi para a caracterização do delito.

5. Este Superior Tribunal já consolidou posicionamento no sentido de que a Lei 9.983/00, ao acrescentar o artigo 168-A, § 1°, ao Código Penal, revogando no art. 95 da Lei n° 8.212/91, manteve a figura típica anterior no seu aspecto substancial, não fazendo desaparecer o delito em questão ou configurando aplicação de lei mais gravosa.

6. Recurso de que se conhece parcialmente e a que, nessa extensão, se nega provimento” (g.n). (Resp n° 510742/RS, rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, Sexta Turma, j. 09/12/2005, DJ 13.02.2006, pág. 855)

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“ Ementa: HABEAS CORPUS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ABOLITIO CRIMINIS. NÃO OCORRÊNCIA. DEMONSTRAÇÃO DO DOLO ESPECÍFICO DE APROPRIAR-SE DOS VALORES NÃO RECOLHIDOS. PERÍCIA CONTÁBIL . DESNECESSIDADE. PRECEDENTES DO STJ.

O art. 3° da Lei n° 9.983/2000, não descriminalizou o delito tipificado no art. 95, alínea ‘d’, da Lei n°8.212/1991, porquanto o tipo penal – ‘‘deixar de recolher’’ – não sofreu qualquer alteração substancial com o advento da nova legislação. Resta, portanto, afastada a tese de abolitio criminis pois a figura penal permaneceu intacta, em essência, no período de vigência das Leis n° 8.137/1990 e 8.212/1991.

Considera-se que o dolo do crime de apropriação indébita previdenciária é a vontade de não repassar á previdência as contribuições recolhidas, dentro do prazo e da forma legais, não se exigindo o animus rem sibi habendi, sendo, portanto, descabida a exigência de se demonstrar o dolo específico de fraudar a Previdência Social como elemento essencial do tipo penal.

É indispensável para configurar a materialidade do crime de apropriação indébita previdenciária a realização de perícia contábil, sobretudo se fundar-se a denúncia em processo administrativo apto á caracterização do crime.

Precedentes do STJ.

Ordem denegada”. (g.n) (HC 41975/SP, rel. Min. Laurita Vaz, Quinta Turma, j.13.09.2005, DJ 10.10.2005, pág. 402)

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No presente caso, a robustez do conjunto probatório produzido nestes autos, conduz, inexoravelmente, á condenação do recorrente.

Enfatize-se: não há qualquer elemento nos autos que descaracteriza a autoria e o dolo, eis que o acusado, na qualidade de gestor da empresa XXXXXXXXXXX, de modo consciente, deixou de recolher, á época própria e de forma continuado, ao INSS, valores de contribuições previdenciárias que descontou de seus funcionários, no período compreendido entre os meses de janeiro de 2004 a dezembro de 2004, incluindo o décimo terceiro salário.

Conclusão

Ante o exposto, opina este Órgão Ministerial pelo desprovimento do recurso de Apelação.

São Paulo, 29 de maio de 2012.

XXXXXXXXXXXXXXXXXXX

Procuradora Regional da República