apelação cível n. 2014.078902-0

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Apelação Cível n. 2014.078902-0, de Rio do Sul Relator: Des. Fernando Carioni APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. NULIDADE DO ASSENTO DE NASCIMENTO. LAVRATURA DO REGISTRO EM VIRTUDE DE CONVICÇÃO DA PATERNIDADE BIOLÓGICA DO NEONATO. DÚVIDA SUPERVENIENTE. EXAME DE DNA. EXCLUSÃO DA PATERNIDADE CONSANGUÍNEA. IRRELEVÂNCIA. VÍNCULO AFETIVO CONSOLIDADO POR MAIS DE UMA DÉCADA. IMPOSSIBILIDADE DE DESCONSTITUIÇÃO DA PATERNIDADE. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. "É irretratável e irrevogável o reconhecimento voluntário da filiação através de registro civil, consolidado mediante relação paterno-filial socioafetiva desenvolvida ao longo de onze anos de convivência" (TJSC, Apelação Cível n. 2013.032152-6, de Barra Velha, rel. Des. Monteiro Rocha, j em 10-7-2014). "'Quando a prova amealhada deixa clarividente a existência de vínculo socioafetivo, a descoberta de ausência de vínculo biológico não é capaz de derruir a paternidade socioafetiva" (TJSC, Apelação Cível n. 2014.019171-3, de Concórdia, rel. Des. Júlio César M. Ferreira de Melo, j em 13-10-2014). Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2014.078902-0, da comarca de Rio do Sul (Vara da Família Órfãos, Sucessões Inf e Juventude), em que é apelante D. C. D., e apelado R. M. D. Rep. P/ mãe M. N.: A Terceira Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, negar provimento ao recurso. Custas legais. Participaram do julgamento, realizado no dia 25 de novembro de 2014, os Exmos. Srs. Des. Marcus Tulio Sartorato e Saul Steil. Funcionou como Representante do Ministério Público a Exma. Sra. Dra. Lenir Roslindo Piffer. Florianópolis, 28 de novembro de 2014. Fernando Carioni PRESIDENTE E RELATOR

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filiação socioafetiva

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Page 1: Apelação Cível n. 2014.078902-0

Apelação Cível n. 2014.078902-0, de Rio do SulRelator: Des. Fernando Carioni

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE.NULIDADE DO ASSENTO DE NASCIMENTO. LAVRATURA DOREGISTRO EM VIRTUDE DE CONVICÇÃO DA PATERNIDADEBIOLÓGICA DO NEONATO. DÚVIDA SUPERVENIENTE.EXAME DE DNA. EXCLUSÃO DA PATERNIDADECONSANGUÍNEA. IRRELEVÂNCIA. VÍNCULO AFETIVOCONSOLIDADO POR MAIS DE UMA DÉCADA.IMPOSSIBILIDADE DE DESCONSTITUIÇÃO DAPATERNIDADE. SENTENÇA MANTIDA. RECURSODESPROVIDO.

"É irretratável e irrevogável o reconhecimento voluntário dafiliação através de registro civil, consolidado mediante relaçãopaterno-filial socioafetiva desenvolvida ao longo de onze anos deconvivência" (TJSC, Apelação Cível n. 2013.032152-6, de BarraVelha, rel. Des. Monteiro Rocha, j em 10-7-2014).

"'Quando a prova amealhada deixa clarividente a existênciade vínculo socioafetivo, a descoberta de ausência de vínculobiológico não é capaz de derruir a paternidade socioafetiva"(TJSC, Apelação Cível n. 2014.019171-3, de Concórdia, rel. Des.Júlio César M. Ferreira de Melo, j em 13-10-2014).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.2014.078902-0, da comarca de Rio do Sul (Vara da Família Órfãos, Sucessões Inf eJuventude), em que é apelante D. C. D., e apelado R. M. D. Rep. P/ mãe M. N.:

A Terceira Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, negarprovimento ao recurso. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado no dia 25 de novembro de 2014,os Exmos. Srs. Des. Marcus Tulio Sartorato e Saul Steil. Funcionou comoRepresentante do Ministério Público a Exma. Sra. Dra. Lenir Roslindo Piffer.

Florianópolis, 28 de novembro de 2014.

Fernando CarioniPRESIDENTE E RELATOR

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RELATÓRIO

Trata-se da Ação Negatória de Paternidade n. 054.14.002558-1,proposta por D. C. D. contra R. M. D., representado por sua mãe, na qual relatou queem setembro de 2002 iniciou um namoro com a genitora do requerido e, um mêsapós, foi informado que ela estaria grávida de um filho seu.

Afirmou que à época contava 19 anos de idade e não questionou apaternidade, efetuou o registro da criança e colaborou com o seu sustento, mesmosem manter relação afetiva com o requerido e sua mãe.

Disse que com o tempo as incertezas quanto à paternidadeaumentaram, razão pela qual realizou exame de DNA, que concluiu pela totalimpossibilidade de ser o pai biológico do requerido.

Ressaltou a inexistência de vínculo afetivo com o menor e que, com oresultado do exame genético, cessou o contato com aquela família.

Requereu, diante disso, a procedência do pedido, para que fosseafastada a paternidade do requerente.

Deferido o benefício da justiça gratuita ao autor (fl. 19).Citado (fl. 24), o requerido não apresentou contestação (fl. 25).Foi elaborado estudo social do caso (fls. 31-34).O Ministério Público apresentou manifestação pela improcedência do

pedido (fls. 35-37).Sentenciado o feito pelo MM. Juiz de Direito Dr. Renato Guilherme

Gomes Cunha, da Vara da Família Órfãos Sucessões Inf. e Juventude da Comarcade Rio do Sul (fls. 38-39v.):

Ante o exposto, com base no inciso I do artigo 269 do CPC, JULGOIMPROCEDENTE a presente demanda para o fim de manter hígida a paternidade deD. C. D. em relação à R. M. D.

Custas pelo autor, cuja exigibilidade fica suspensa nos termos do artigo 12 daLei 1.060/50.

Pelo autor foi interposta apelação cível (fls. 42-48), em que sustentou tersido levado a erro pela falsa informação de que seria pai do requerido, fato que foideterminante para o registro.

Destacou que o estudo social atestou que o vínculo afetivo com acriança não é fortalecido, bem como houve o afastamento gradual entre as partes,além de que o infante se refere ao avô como pai, o que indica que não o tem comoreferência de figura paterna.

Pugnou pelo provimento do recurso, para que o pedido fosse acolhido.Não houve oferta de contrarrazões (fl. 51).Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr.

Mário Luiz de Melo, que opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 56-63).Este é o relatório.

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VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, passa-se à análise dorecurso.

Busca o apelante a declaração de nulidade do estado de filiação emrelação ao requerido e, por consequência, a retificação do assento de nascimentodeste, por não corresponder à verdade real. Para tanto, alega a existência de vício deconsentimento, uma vez que teria sido induzido a erro pela mãe do menor, que o fezacreditar que era seu pai biológico.

É consabido que "ninguém pode vindicar estado contrário ao que resultado registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade do registro", conformepreceitua o art. 1.604 do Código Civil.

Assim, comprovada a existência de vício, capaz de macular a vontadedo pai registral no momento da lavratura do assento de nascimento, poderá elepostular a declaração de nulidade do registro.

Contudo, é irrevogável e irretratável a paternidade espontaneamentereconhecida por aquele que tinha plena consciência de que poderia não ser o paibiológico da criança.

A respeito, Maria Helena Diniz, com propriedade, enfatiza que"declarada a vontade de reconhecer filho, o ato passará a ser irretratável ouirrevogável, mesmo se feito em testamento, apesar deste poder ser a qualquer temporevogado (CC, art. 1.858), por implicar uma confissão de paternidade ou maternidade(RT, 371:96), apesar de poder vir a ser anulado se inquinado de vício de vontade,como erro, coação (AJ, 97:145; RT, 772:341), ou se não observar certas formalidadeslegais, ou, ainda, se houver falsidade no registro (CC, art. 1.604). A desconstituiçãode reconhecimento voluntário é admitida apenas nesses casos excepcionais, poismesmo que não haja a verdade biológica, a socioafetiva deverá prevalecer paraconceder ao menor o direito ao pai ou à mãe, e ainda, o da convivência familiar,optando-se para o parentesco socioafetivo, baseado no amor, tendo-se em vista osuperior interesse da criança" (Código Civil anotado. 11. ed. São Paulo: Saraiva,2005. p. 1.314-1.315).

Infere-se do caso em comento que o apelante registrou o apelado R. M.D. como se seu filho fosse logo após o nascimento, ocorrido em 16 de maio de 2003(fl. 10). À época, conforme relatado na petição inicial, não questionou a paternidade.

A dúvida quanto ao vínculo biológico surgiu posteriormente e motivou oapelante a realizar o exame de material genético em setembro de 2006, que concluiupela exclusão da paternidade do apelante.

Muito embora o recorrente sustente ter sido induzido em erro pelagenitora do menor, como bem ponderou o douto Procurador de Justiça, Dr. Mário Luizde Melo, "os indicativos também apontam que a própria mãe do infante desconheciaque o filho era proveniente de outra relação sexual, não agindo, portanto, de má-fé,pois à época, segundo afirma, foi molestada sexualmente pelo próprio pai (avômaterno do apelado). Todavia, mesmo considerando a hipótese de erro, em meu

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entender, deve-se manter entre as partes o vínculo parental, mormente porquesomente após aproximadamente 8 anos da realização do exame genético é que oapelante buscou extinguir esse vínculo, não se justificando, neste momento, diante detodos os laços parentais formados, a alteração ou a própria extinção deste vínculo."(fl. 60)

Cumpre ressaltar que o estudo social (fls. 31-34) verificou que orequerido tem como referência paterna o apelante, e manifestou inclusiveincompreensão quanto ao afastamento do pai e o desejo de vê-lo com maiorfrequência. Além disso, o menor possui laços afetivos sólidos e recíprocos com osavós paternos, que não pretendem se desvincular do infante.

A situação foi bem retratada na sentença, conforme se observa:Colhe-se do estudo social que ainda que os laços entre pai e filho não sejam

estreitos, provavelmente motivado pelo afastamento proposital do autor, odemandado o tem como pai nutrindo afeto e inclusive preocupação.

Colhe-se dos apontamentos da assistente social que o infante "demonstrouvontade de passar mais tempo com o pai e externou não compreender o porquê dodistanciamento de D."

Tais atitudes bem refletem a relação afetiva existente, senão do autor, mas porcerto do demandado, que em sua tenra idade sofre pelo abandono incompreendidodaquele que lhe acolheu desde o nascimento e lhe dedicou carinho e sustento porcerto tempo.

Ainda que tenha o autor afirmado inexistir tal vínculo de sua parte, é certo quede certa forma contribuiu para a formação do sentimento externado pelo menor, sejapelo convívio familiar – que por sinal ainda é existente – seja pela relação derespeito ou dependência, todas estas, de toda sorte, manifestações de afeto. (fls. 38v.).

Desse modo, inegável a existência da filiação socioafetiva, consolidadano afeto que o menor nutre pelo pai e na convivência familiar, mormente com os avóspaternos. Nesse contexto, a posse do estado de filho fica caracterizada na presençade três requisitos, quais sejam, o nome, o tratamento de filho e a reputação, ou seja,a pessoa deve utilizar o mesmo sobrenome que o suposto pai, bem como serreconhecida na sociedade como filho do indigitado pai, além de ser tratada pelafamília, afetiva e materialmente, como se filho fosse.

No caso, o requerido conta atualmente 11 (onze) anos de idade e, desdeo seu nascimento, teve como referência paterna o requerente, que lhe dispendeuamparo moral, afetivo e material. O afastamento, como já dito, ocorreupropositalmente, após o resultado do exame de material genético, que concluiu pelainexistência de vínculo biológico entre as partes; contudo, o requerido ao longo detoda a sua vida foi conhecido e tratado como filho biológico do autor.

Diante desse quadro, embora o resultado do teste de paternidade peloexame de DNA tenha reconhecido que o apelante não é o pai biológico do recorrido,a situação fática delineada nos autos não deixa dúvida acerca do estado de filiaçãosocioafetiva existente entre as partes, razão pela qual não há falar em desconstituiçãoda filiação.

Nesse sentido, colhe-se da jurisprudência deste Tribunal:

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APELAÇÃO CÍVEL. FAMÍLIA E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO NEGATÓRIA DEPATERNIDADE. ADOÇÃO À BRASILEIRA. IRREVOGABILIDADE DO ATO.INEXISTÊNCIA DE ERRO OU FALSIDADE. - IMPROCEDÊNCIA NA ORIGEM.

(1) JULGAMENTO EXTRA PETITA. VÍNCULO SOCIOAFETIVO. ADMISSÃONA INICIAL. PATERNIDADE RATIFICADA. INEXISTÊNCIA DE VÍNCULOBIOLÓGICO. CONTRADIÇÃO AUSENTE. PRELIMINARES REJEITADAS.

- O reconhecimento do vínculo socioafetivo entre autor e réu pelo juiz nãoimporta em julgamento extra petita, uma vez que matéria é inerente ao objeto da lidee, ademais, foi admitida pelo próprio autor.

- Não há incoerência em manter o autor como pai registral do réu ainda queincontroversa a ausência de vínculo biológico, pois o registro civil não está adstrito àpaternidade genética. (Apelação Cível n. 2014.047070-5, da Capital, rel. Des. HenryPetry Junior, j em 30-10-2014).

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. SENTENÇA DEIMPROCEDÊNCIA. FILIAÇÃO AFETIVA QUE SOBREPUJA A BIOLÓGICA.INSURGÊNCIA DO AUTOR. ALEGAÇÃO DE VÍCIO DE VONTADE.INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE PROVAS (CPC, ART. 333, I). INEXISTÊNCIA DEVÍNCULO BIOLÓGICO QUE NÃO REVELA, POR SI SÓ, INDUÇÃO EM ERRO NOATO DE RECONHECIMENTO. PROVA ESCORREITA DO VÍNCULOSOCIOAFETIVO. LAUDO PSICOLÓGICO. MANUTENÇÃO DO CONVÍVIO, MESMOAPÓS A DESCOBERTA, INCLUSIVE COM FAMILIARES DO AUTOR.RECONHECIMENTO DO ESTADO DE FILIAÇÃO, ADEMAIS, QUE É DIREITOPERSONALÍSSIMO, INDISPONÍVEL E IMPRESCRITÍVEL DO MENOR. ART. 27 DOESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. PARECER DO MINISTÉRIOPÚBLICO QUE CONFIRMA O ACERTO DO DECISUM. SENTENÇA MANTIDA.RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

I - A ausência de vínculo biológico, por si só, não atesta a alegada indução emerro no ato de reconhecimento, incumbindo ao Autor comprovar os fatos que alegou(CPC, art. 333, I).

II - Quando a prova amealhada deixa clarividente a existência de vínculosocioafetivo, a descoberta de ausência de vínculo biológico não é capaz de derruir apaternidade socioafetiva. (TJSC, Apelação Cível n. 2014.019171-3, de Concórdia,rel. Des. Júlio César M. Ferreira de Melo, j. 13-10-2014). (Apelação Cível n.2014.019171-3, de Concórdia, rel. Des. Júlio César M. Ferreira de Melo, j em13-10-2014).

DIREITO CIVIL - FAMÍLIA - ANULATÓRIA DE REGISTRO CIVIL -IMPROCEDÊNCIA EM PRIMEIRO GRAU - INCONFORMISMO - REGISTRO DENASCIMENTO REALIZADO POR ERRO - VÍNCULOS GENÉTICO E AFETIVOINEXISTENTES - ALEGAÇÃO AFASTADA - VÍCIO DE CONSENTIMENTOINCOMPROVADO - RECONHECIMENTO VOLUNTÁRIO - ATO IRREVOGÁVEL -RELAÇÃO SOCIOAFETIVA CONSOLIDADA AO LONGO DE 11 ANOS DECONVIVÊNCIA - PRETENSÃO ANULATÓRIA INCABÍVEL - SENTENÇA MANTIDA -RECURSO IMPROVIDO.

O vício de consentimento em que se funda a pretensão do pai registral deanular o reconhecimento da filiação exige prova específica e contundente, sendoinsuficiente a mera existência de exame DNA negativo, que apenas informa sobre aausência de vínculo genético entre as partes.

É irretratável e irrevogável o reconhecimento voluntário da filiação através de

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registro civil, consolidado mediante relação paterno-filial socioafetiva desenvolvida aolongo de onze anos de convivência. (Apelação Cível n. 2013.032152-6, de BarraVelha, rel. Des. Monteiro Rocha, j em 10-7-2014).

Ante o exposto, nega-se provimento ao recurso para manter incólume a sentença quejulgou improcedente a pretensão exordial.

Este é o voto.

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