aparecida dantas de almeida medeiros · o projeto privatista de saúde que tem por base o estado...

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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL MESTRADO SERVIÇO SOCIAL AUDIT SAÚDE NO SUS/RN: PROJETO ÉTICO POLÍTICO PROFISSIONAL E DE REFORMA SANITÁRIA Aparecida Dantas de Almeida Medeiros NATAL/RN 2011

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL

MESTRADO

SERVIÇO SOCIAL AUDIT SAÚDE NO SUS/RN: PROJETO ÉTICO POLÍTICO

PROFISSIONAL E DE REFORMA SANITÁRIA

Aparecida Dantas de Almeida Medeiros

NATAL/RN2011

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL

MESTRADO

SERVIÇO SOCIAL AUDIT SAÚDE NO SUS/RN: PROJETO ÉTICO POLÍTICO PROFISSIONAL E DE REFORMA SANITÁRIA

Aparecida Dantas de Almeida Medeiros

Trabalho de dissertação apresentado pela Assistente Social Aparecida Dantas de Almeida Medeiros como parte dos requisitos necessários à obtenção do Grau de Mestre em Serviço Social, no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Orientadora: Profª Drª. Márcia Maria de Sá Rocha

NATAL/RN2011

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FICHA CATALOGRÁFICA

Aparecida Dantas de Almeida Medeiros

Serviço Social Audit Saúde no SUS/RN: projeto ético político profissional e de reforma sanitária/ Aparecida Dantas de Almeida Medeiros – Natal/RN.115 fls 2011-10-23

115 fls.

Dissertação de Pós Graduação Stricto Sensu em Serviço Social –Programa de Pós Graduação do Departamento de Serviço Social –Universidade Federa do Rio Grande do Norte – UFRN/ Natal/RN , 2011.

Orientador (a): Profª Drª Márcia Maria de Sá Rocha UFRN

Palavras – chaves: 1. Auditorias Públicas 2. Saúde. Aluna: Aparecida Dantas de Almeida Medeiros II. Orientadora: Profª Drª Márcia Maria de Sá Rocha UFRN

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Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada àfonte.

MEDEIROS, A.D.A. Serviço Social Audit Saúde no SUS/RN: projeto ético político profissional e de reforma sanitária. 2011. 115 fls. Dissertação – Universidade

Federal do Rio Norte – UFRN/ Natal/RN

CDD ________

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Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem arbitrariamente, nas condições escolhidas por eles,

mas nas condições diretamente herdadas do passado.

Karl Marx – O 18 Brumário

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AGRADECIMENTOS

O percurso foi longo e doloroso!

Muitas pessoas me ajudaram de diferentes maneiras.

Foram tantas...

Que seria humanamente impossível citá-las todas.

Mas algumas, devo lembrar com imensa gratidão.

A Deus, que traçou meus caminhos até chegar aqui...

Aos meus lindos filhos: Anne, Hércules e Maria Carolina,

Pela bem-humorada e compreensão das minhas ausências.

Ao meu incansável cúmplice de sonhos, Heráclito.

Enfim... Agradeço a todos os decisivos estímulos intelectuais.

Fica aqui o explícito reconhecimento de uma dívida que não tenho como pagar.

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SUMÁRIO

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS..........................................................................10

LISTA DE QUADROS ...................................................................................................13

LISTA DE FLUXOGRAMAS...........................................................................................14

RESUMO.......................................................................................................................15

ABSTRACT.....................................................................................................................16

INTRODUÇÃO...............................................................................................................17

2 O IMPÉRIO DO CAPITAL NA POLÍTICA NEOLIBERAL DO ESTADO....................24

2.1 AS TRANSFORMAÇÕES NO MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA E AS

TENDÊNCIAS PÓS- MODERNAS...........................................................................24

2.2 A CONFORMAÇÃO DO ESTADO NO CONTEXTO DA CRISE DO CAPITAL E AS

POLÍTICAS SOCIAIS NO BRASIL................................................................................28

2.3 ESTADO E SERVIÇO SOCIAL: UMA HISTÓRIA DE LUTAS PELA

MATERIALIZAÇÃO DO PROJETO ÉTICO POLÍTICO PROFISSIONAL.....................39

3 POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL: HISTÓRIA E HERANÇA DO CAPITALISMO

TARDIO...........................................................................................................................46

3.1 O MOVIMENTO DE REFORMA SANITÁRIA BRASILEIRA E A APROPRIAÇÃO

MARXISTA: CONSCIÊNCIA REVOLUCIONÁRIA E RESISTÊNCIA POLÍTICA AO

PROJETO PRIVATISTA................................................................................................46

3.2 AS INVESTIDAS DO ESTADO BURGUÊS EM DERRUIR O SUS: ENTRE O

PÚBLICO E O PRIVADO................................................................................................53

3.3 O GOLPE DO FUNDO PÚBLICO: PROJETOS EM DISPUTA PELA

APROPRIAÇÃO DOS RECURSOS................................................................................59

3.4 BUROCRACIA E DIREITOS SOCIAIS: O MIX DOS CONTROLES PÚBLICOS NO

BRASIL (CONSELHOS, OUVIDORIAS, REGULAÇÕES E

AUDITORIAS).................................................................................................................65

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4 SERVIÇO SOCIAL E AUDITORIAS PÚBLICAS DO SUS: PARA ALÉM DA

DIMENSÃO BUROCRÁTICA.........................................................................................74

4.1 AUDITORIAS PÚBLICAS DE SAÚDE – SUS: CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA

NO BRASIL...............................................................................................................74

4.2 AUDITORIAS DO SUS ENQUANTO ESPAÇO SÓCIO OCUPACIONAL DO

ASSISTENTE SOCIAL NO RN: DEMANDAS E DESAFIOS..........................................85

4.3 O TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL NAS AUDITORIAS PÚBLICAS DE

SAÚDE NO RN: POSTURA CRÍTICA COMO PRESSUPOSTO DA

DEMOCRACIA..............................................................................................................93

CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................................98

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................................101

ANEXOS........................................................................................................................109

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABEPSS – Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social

AIH – Autorização de Internação Hospitalar

AIS – Assistência Integral à Saúde

APACs – Autorização de Procedimentos Ambulatoriais de Alta Complexidade

Audit – Auditoria

BIRD – Banco Internacional de Desenvolvimento

CSLL – Contribuição sobre o Lucro de Pessoas Jurídicas

CEAD – Curso de Educação à Distância

CEO – Centro de Especialidades Odontológicas

CF – Constituição Federal

CFC – Conselho Federal de Contabilidade

CFESS – Conselho Federal de Serviço Social

CIB – Comissão Intergestora Bipartite

CIT – Comissão Intergestora Tripartite

CLT – Código de Leis Trabalhistas

CNS – Conselho Nacional de Saúde

COFINS – Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social

CONASEMS – Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde

CONASS – Conselho Nacional de Secretários de Saúde

COSEMS – Conselho Estadual de Secretários Municipais de Saúde

CRESS – Conselho Regional de Serviço Social

DENASUS – Departamento Nacional de Auditoria do Sistema Único de Saúde

DESSO – Departamento de Serviço Social

DF – Distrito Federal

DRU – Desvinculação de Receita da União

EAD – Educação à Distância

EC – Emenda Constitucional

ESF – Estratégia de Saúde da Família

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FCM – Faculdade de Ciências Médicas

FGTS – Fundo de Garantia do Tempo de Serviço

FHC – Fernando Henrique Cardoso

FIOCRUZ – Fundação Oswaldo Cruz

FMI – Fundo Monetário Internacional

FNS – Fundo Nacional de Saúde

FSE – Fundo Nacional de Emergência

GAHP – Grupo de Auditoria dos Hospitais Psiquiátricos

GIH – Guia de Internação Hospitalar

GM – Gabinete do Ministro

INAMPS – Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social

INCA – Instituto Nacional do Câncer

INPS – Instituto Nacional de Previdência Social

INSS – Instituto Nacional de Seguridade Social

IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

LOS – Lei Orgânica da Saúde

MARE – Ministério da Administração e da Reforma do Estado

MS – Ministério da Saúde

MST – Movimento Sem Terra

NOBSUS – Norma Operacional Básica do Sistema Único de Saúde

OMC – Organização Mundial do Comércio

ONGs – Organizações Não Governamentais

OSCIPs – Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público

PACs – Programa de Agentes Comunitários de Saúde

PAS – Plano Anual de Saúde

PASEP – Programa de Formação do Patrimônio do Servidos Público

PDI – Plano Diretor de Investimentos

PDR – Plano Diretor Regional

PE – Pernambuco

PEC – Proposta de Emenda Constitucional

PIB – Produto Interno Bruto

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PIS – Programa de Integração Social

PMS – Plano Municipal de Saúde

PPA – Plano Plurianual

PPGSS – Programa de Pós Graduação em Serviço Social

PPI – Programação Pactuada Integrada

PROUNI – Programa Universitário

PUC – Pontifícia Universidade Católica

RAG – Relatório Anual de Gestão

REUNI – Reestruturação Universitária

RN – Rio Grande do Norte

SAC-SUS – Serviço de Atendimento ao Cidadão usuário do SUS

SAMU – Serviço de Atendimento Médico de Urgência

SEA – Sistema Estadual de Auditoria

SESAP – Secretaria Estadual de Saúde Pública

SNA – Sistema Nacional de Auditoria

SUDS – Sistema Unificado da Saúde

SUS – Sistema Único da Saúde

TCG – Termo de Compromisso de Gestão

UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte

UNB – Universidade de Brasília

UNICAMP – Universidade de Campinas

UPAs – Unidades de Pronto Atendimento

URSAPs – Unidades Regionais de Saúde Pública

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Quadro de distribuição dos gastos públicos do governo federal....................61

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LISTA DE FLUXOGRAMAS

Fluxograma 1: Fluxograma de Planejamento e Gestão do SUS.....................................71

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RESUMO

MEDEIROS, A.D.A. Serviço Social Audit Saúde no SUS RN: projeto ético político profissional e de reforma sanitária. 2011. 115 fls. Dissertação de Mestrado (PPGSS/DESSO/UFRN) 2011.

Nas políticas de saúde do Brasil, o processo de descentralização das responsabilidades da gestão do SUS para as três esferas de governo tem impulsionado a criação e regulamentação das auditorias em serviços de saúde no Sistema Nacional de Auditoria. Isso constitui uma tendência da política neoliberal imposta pelos organismos internacionais como Banco Mundial e FMI aos países periféricos caracterizado pela reestruturação produtiva e a reforma do Estado que incide na presença de dois projetos em disputa na área da saúde: o Projeto de Reforma Sanitária que tem como base o Estado Democrático de Direito com a premissa da saúde enquanto direito social e deverdo Estado, na defesa da ampliação da conquista dos direitos e democratização do acesso aos serviços de saúde, garantido através das estratégias de financiamentopúblico efetivo e da descentralização das decisões perpassadas pelo controle social; e o Projeto Privatista de Saúde que tem por base o Estado mínimo, com diminuição dos gastos sociais ou através de parcerias e privatizações, fortalecimento do terceiro setor, condicionado aos interesses capitalistas, efetiva-se através das estratégias de focalização das políticas de saúde e a re-filantropização das ações. Nesse contexto, o presente estudo consiste numa análise sobre o trabalho do assistente social nas auditorias públicas de saúde no RN a partir de uma abordagem quali-quantitativa, consubstanciada pelo método crítico dialético da teoria social marxista que nos permitiu desvelar a caracterização, as demandas, os desafios e traçar o perfil profissional do assistente social inserido nas equipes de auditorias do SUS no RN, como também forneceu elementos para demonstrar as perspectivas e possibilidades dessa área de atuação do assistente social. Constatou-se também que é através dos trabalhos de auditoria que o Estado cumpre seu papel burocrático e regulador dos serviços de saúde com eficácia, eficiência e economicidade. No entanto, paradoxalmente, as auditorias do SUS podem representar um instrumento de efetivação de direitos e garantia dos princípios fundamentais contidos no projeto de reforma sanitária, pois tanto pode se configurar num espaço de lutas políticas quanto representa um novo campo de produção de conhecimento que precisa ser apropriado por um referencial teórico crítico capaz de redirecionar os interesses sociais em favor do usuário. Nessa perspectiva, conclui-se também que o trabalho do assistente social nas auditorias públicas de saúde no RN apesar da relevância social que imprime, por se constituir uma atividade de estudo da realidade e proposição de sua transformação, requer uma ação política transformadora pautada no debate teórico marxista que sustenta o projeto ético político profissional do Serviço Social.

Palavras-chave: Saúde; Auditorias Públicas; Serviço Social; Marx; SUS.

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ABSTRACT

MEDEIROS, A.D.A. Social Audit in Health SUS/RN: ethical project professional politician and health reform. 2011. 115 fls. Dissertation (PPGSS / DESSO / UFRN) 2011.

Health policies in Brazil, the decentralization of SUS management responsibilities for the three spheres of government has driven the creation and regulation of the audits of health services in the National Audit Office, this is a trend of neoliberal policies imposed by international bodies like the World Bank and IMF to peripheral countries characterized by productive restructuring and reforming the state focuses on the presence of two competing projects in the area of health: Health Sector Reform Project which is based on the democratic rule of law with the assumption of health as social right and duty of the State in defending the extension of the conquest of rights and democratization of access to health care guaranteed through the public financing strategies and the effective decentralization of decisions pervaded by social control and privatized Health Project which is based on the state minimum, with a reduction in social spending or in partnerships and privatization, stronger nonprofit sector, subject to capitalist interests, is made effective through strategies targeting health policy and re-filantropização actions. In this context, the present study is an analysis on the work of social audits of public health in infants from a qualitative and quantitative approach, embodied by the critical method of dialectical Marxist social theory that enabled us to unveil the characterization, the demands, challenges and outline the profile of Social Work in teams inserted audits of SUS in RN, but also provided evidence to demonstrate the prospects and possibilities of this area of activity of social workers. It was also found that through the audit work that the state fulfill its role as bureaucratic and regulator of health services with efficiency, effectiveness and economy. Yet, paradoxically, the audits of SUS may provide a vehicle for enforcing rights and ensuring the fundamental principles contained in the project of health reform, because it can be configured in a space of political struggle as representing a new field of knowledge production that needs to be appropriate for a theoretical critic able to redirect the social interests in favor of the user. From this perspective, it is concluded that the work of social audits of public health in infants despite the social relevance that prints, as they constitute an activity study of reality and its transformation proposition requires a transformative political action guided the discussion Marxist theory holds that the ethical project professional politician of Social Work.

Keywords: Health; Audits Public Social Service; Marx; SUS.

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INTRODUÇÃO

O objeto desta pesquisa é o trabalho do assistente social nas atividades de

auditorias do SUS no RN, e o interesse em realizar um estudo sobre essa temática

surgiu durante a participação como discente num curso de pós graduação lato sensu no

ano de 2007 intitulado Auditoria em Serviços de Saúde, do qual também participavam

profissionais de diversas áreas como: médicos; contadores; farmacêuticos;

nutricionistas; enfermeiros; pedagogos; psicólogos; administradores e outros

assistentes sociais. A explícita dificuldade dos docentes e discentes desse curso em

caracterizar as atribuições específicas do assistente social na equipe de auditoria em

serviços de saúde e o escasso referencial teórico sobre a temática engessava o

aprofundamento das discussões naquele momento.

A crescente participação dos assistentes sociais nos trabalhos de auditorias públicas

dos SUS nos remeteu a necessidade de tentar desvelar: qual é o trabalho do assistente

social nas equipes de auditorias em serviços de saúde no RN? Qual é o perfil

profissional dos assistentes sociais que atuam nessa área? Quais são as demandas

postas aos assistentes sociais na auditoria?

As respostas a esses questionamentos subsidiarão a produção de conhecimentos

científicos capazes de conduzir uma reflexão teórica e critica sobre como a auditoria em

serviços de saúde, enquanto espaço sócio ocupacional do Serviço Social vem

contribuindo para a materialização dos projetos ético político da profissão e de reforma

sanitária? E ainda, se a atuação do assistente social nesse campo de trabalho aumenta

a possibilidade de destinação dos recursos do Fundo Público para a efetivação dos

direitos sociais enquanto políticas públicas não mercantilizadas?

Nessa perspectiva o trabalho: “SERVIÇO SOCIAL AUDIT1 SAÚDE NO SUS/RN:

PROJETO ÉTICO POLÍTICO PROFISSIONAL E DE REFORMA SANITÁRIA2”

contribuiu para construção dialética de um marco referencial que aprofunda a discussão

sobre o papel e a importância do assistente social nas equipes de auditorias em

1 O conceito de Auditoria (audit) foi proposto por Lambeck (1956) que tinha como premissa a “avaliação da qualidade da atenção com base na observação direta, registro e história clínica do cliente.”2 Movimento que representou a luta pela democratização da saúde, num contexto de repressão e aumento da pobreza que marcou a década de 1970 do século XX. Emerge no cenário de efervescência política da sociedade em resistência ao autoritarismo do governo militar.

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serviços de saúde na pós-modernidade enquanto profissional mediador da efetivação

das políticas públicas e da ampliação e garantia de direitos.

Por isso, o presente estudo tem significado relevante para o Serviço Social,

tendo em vista que diante da intensificação da proposta neoliberal de reforma estrutural

do Estado numa perspectiva reguladora, condicionada à lógica do mercado capitalista,

o Brasil vem favorecendo a valorização e internacionalização do capital financeiro em

detrimento do capital produtivo. Isso acarreta, pois, a precarização das relações sociais

de trabalho, um grave quadro de degradação social, a redução dos investimentos do

Estado para o setor público, impondo a lógica privatista, a desarticulação dos

movimentos sociais e consequentemente o aprofundamento das expressões da

Questão Social.

Nesse sentido, as políticas sociais, em especial a política de saúde, também vêm

sendo tensionada por dois projetos em disputa: o Projeto de Reforma Sanitária que tem

como base o Estado Democrático de Direito com a premissa da saúde enquanto direito

social e dever do Estado, na defesa da ampliação da conquista dos direitos e

democratização do acesso aos serviços de saúde, garantido através das estratégias de

financiamento público efetivo e da descentralização das decisões perpassadas pelo

controle social; e o Projeto Privatista de Saúde que tem por base o Estado mínimo, com

diminuição dos gastos sociais ou através de parcerias e privatizações, fortalecimento do

terceiro setor, condicionado aos interesses capitalistas, se efetiva através das

estratégias de focalização das Políticas de Saúde e a re-filantropização das ações.

De acordo com a Constituição Federal de 1988, as ações e serviços de saúde são

de responsabilidade das três esferas do governo (federal, estadual e municipal) sendo

que a principal estratégia de descentralização adotada pelo SUS é a municipalização

da saúde, na qual o município assume a totalidade da gestão, através da implantação,

estruturação e funcionamento dos serviços de auditoria (Lei Federal n⁰ 8.689/93 e

Decreto n⁰ 1.651/95) enquanto parte dos instrumentos de controle público.

Por se constituir um dos campos de atuação do assistente social na

contemporaneidade, ocorre o aumento dos espaços sócio ocupacionais dos assistentes

sociais integrante das equipes de auditoria em serviços de saúde. No entanto, a

recorrente escassez do referencial teórico, sendo em geral produzido por outras áreas

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de conhecimento, por conseguinte, distante do projeto ético político profissional do

Serviço Social remete a necessidade da construção do conhecimento nesse campo de

trabalho.

Estando a auditoria presente nas dimensões da ação profissional do assistente

social enquanto instrumentos de avaliação e assessoramento da aplicação dos

recursos públicos e da qualidade3 dos serviços no campo da saúde, preservando o

adequado cumprimento legal dos parâmetros regulamentares do SUS e legislações

vigentes. Assim, esse estudo aponta como objetivo geral analisar o trabalho do

assistente social nas Auditorias Públicas de Saúde no Rio Grande do Norte na

perspectiva do projeto ético político profissional e do projeto de Reforma Sanitária, com

objetos específicos de caracterizar o trabalho do assistente social nas equipes de

Auditoria em Serviços de Saúde no RN; traçar o perfil profissional dos assistentes

sociais que trabalham nas equipes de Auditorias Públicas da Saúde no RN e identificar

os desafios, as possibilidades de atuação e respostas do assistente social nas

Auditorias Públicas de Saúde face ao redimensionamento dos espaços ocupacionais e

suas demandas no contexto neoliberal. E ainda, analisar em que medida os

mecanismos internos de controle do Estado, nesse caso, as auditorias em serviços de

saúde, podem contribuir para a ampliação e garantia de direitos sociais enquanto

instrumento de controle democrático.

Por se tratar de uma pesquisa de natureza aplicada, possibilitou o

desenvolvimento de uma reflexão sistemática e crítica sobre a dupla direção dos

instrumentos de controle público do Estado, as auditorias públicas em serviços de

saúde do SUS inseridas nesse contexto de disputas entre o projeto privatista e os

projetos societários pela apropriação do fundo público, e como as auditorias do SUS

podem contribuir para a ampliação e garantia de direitos sociais, enquanto mecanismo

de avaliação da execução dos recursos do Fundo Público direcionados à

operacionalização das políticas sociais, assim como as possibilidades de atuação do

3 Baseado nos Princípios Fundamentais da Resolução CFESS nº 290 e 293/94 do Código de Ética Profissional, o assistente social tem o “compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população e com o aprimoramento intelectual, na perspectiva da competência profissional”, assim como o zelo com os recursos públicos, da participação política e da socialização das riquezas socialmente produzidas.

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assistente social nesse campo de trabalho para materialização do projeto profissional

ético político e o projeto de reforma sanitária.

Para isso utilizou o método científico dialético, a teoria do valor do trabalho e a

perspectiva revolucionária como referencial teórico para realização do trabalho de

pesquisa, tendo em vista que segundo NETTO (CFESS/ABEPSS, 2009, p 673) “A

teoria é, para Marx, a reprodução ideal do movimento real do objeto pelo sujeito que

pesquisa.” Ou seja, a relação ativa: sujeito/objeto é a ultrapassagem da aparência para

atingir a essência do objeto, que o sujeito reproduz no plano do pensamento,

construindo assim o conhecimento teórico baseado na indissociabilidade entre

elaboração teórica e formulações metodológicas presente no método em Marx que

reafirma a perspectiva de totalidade, mediação e contradição contidas na teoria social.

Contudo, para se chegar a uma elaboração teórica científica, o sujeito precisa se

aproximar; apoderar-se do objeto e suas múltiplas determinações que constituem o

concreto real, partindo da utilização das técnicas de pesquisa.

Por isso, a pesquisa SERVIÇO SOCIAL AUDIT SAÚDE NO SUS/RN: PROJETO

ÉTICO POLÍTICO PROFISSIONAL E DE REFORMA SANITÁRIA foi realizada na

SESAP (Secretaria Estadual de Saúde Pública), especificamente no SEA (Sistema

Estadual de Auditoria) e em algumas Auditorias Municipais de Saúde, especificamente

em Natal e Caicó, municípios de grande porte. A primeira cidade é a capital do estado

do RN e Caicó que fica situada no Seridó, interior do Rio Grande do Norte. Foram

realizadas através do seguinte conjunto de princípios metodológicos: levantamento

bibliográfico; estudo exploratório; observação sistemática; diário de campo; análise

documental; entrevistas semiestruturadas e análise de conteúdo.

O levantamento bibliográfico esteve presente em todas as etapas do trabalho,

objetivando deter informações científicas, documentais e eletrônicas relacionadas ao

objeto pesquisado. O estudo exploratório foi de fundamental importância no

planejamento de todas as fases da pesquisa, permitindo ao pesquisador um primeiro

contato com o universo pesquisado e a construção do conhecimento científico, visto

que existe a necessidade de “alargar e precisar os horizontes de leitura, tomar

consciência das dimensões e dos aspectos de um dado problema (...)” 4. A observação 4 (QUIVY & VAN CAMPENHOUDT, 1992, apud GONDIM, 1999, p. 33).

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sistemática, ou seja, planejada foi realizada em condições controladas para se

responder aos propósitos, que foram anteriormente definidos. É considerada, portanto,

ponto de partida para todo estudo científico e abrange de uma forma ou de outra, todos

os procedimentos utilizados na pesquisa. RUDIO (1982. p 33) defende ainda que “No

sentido mais simples, observar é aplicar os sentidos a fim de obter uma determinada

informação sobre algum aspecto da realidade” e acrescenta que é fundamental limitar e

definir com precisão o que se deseja observar. O diário de campo nos forneceu

elementos importantes para reflexões críticas tanto do universo pesquisado, quanto das

técnicas de pesquisa que foram utilizadas. Já na etapa de análise documental foi de

suma importância o acesso aos documentos específicos do objeto de pesquisa,

relatórios, Leis, Regulamentações, Orçamentos, Políticas etc. A realização das

entrevistas com as assistentes sociais integrantes das equipes de auditorias públicas

em saúde do Estado, selecionadas por amostragem não probabilística e tipificada,

escolhidas intencionalmente. A entrevista de forma despadronizada e semi estruturada,

com margens livres para coletar, de forma eficiente as informações importantes das

experiências do cotidiano do trabalho profissional, possibilitando-nos a construção

conhecimentos ainda não encontradas em fontes literárias. E por fim a análise dos

dados, seguindo a lógica dialética da pesquisa, deu-se qualitativa e quantitativamente,

reunindo resultados das aplicações dos instrumentos metodológicos, interpretados

reflexivamente de acordo com a perspectiva teórica crítica marxista, respondendo ao

problema da pesquisa.

No segundo capítulo, abordamos uma reflexão teórica sobre as tendências da

política neoliberal na pós-modernidade, desde as transformações no modo de produção

capitalista, o processo de precarização do trabalho e a intensificação das

desigualdades sociais e da Questão Social. Respaldado numa análise crítica, esse

primeiro capitulo nos permitiu desmistificar mitos difundidos por aparatos ideológicos

em favor da preservação do poder do capital, e ainda a conformação do Estado no

contexto da crise do capital e seus reflexos nas políticas sociais, em especial na

seguridade social brasileira. Por fim, a terceira parte desse capítulo remete um estudo

crítico sobre a relação de reciprocidade e contradição do Serviço Social no

desenvolvimento das ações do Estado burguês. Inicia com a reconstituição histórica do

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Serviço Social, desde sua gênese até a ruptura com o pensamento conservador no

lastro da Igreja Católica e a consequente aproximação com a tradição social marxista,

fundamento para a análise dos dilemas enfrentados no cerne da sociedade

contemporânea, dentre os quais: a precarização da formação profissional determinante

no processo de despolitização da categoria, do enfraquecimento das lutas contra o

capital e a materialização do projeto ético político profissional de resistência a ordem

hegemônica na sociedade burguesa.

O terceiro capítulo direciona o estudo para a Política de Saúde no Brasil, sua

contextualização histórica e a presente herança do modelo econômico capitalista da

época da ditadura militar. Aponta para a existência do embate de dois projetos distintos

tencionando as políticas de saúde: um projeto médico assistencial privatista que impõe

os interesses da classe burguesa e do capital em favor da mercantilização e

privatização dos serviços de saúde, e o outro, o projeto de reforma sanitária, o SUS

Constitucional, que prevê a “saúde como um direito de todos e dever do Estado”. Nessa

perspectiva, o presente capítulo dá conta de uma breve discussão sobre o Fundo

Público da Seguridade Social, enquanto objeto de disputa política da classe burguesa

no interior do Estado Neoliberal, que produz o desfinanciamento das políticas públicas

sociais e o consequente agravamento da Questão Social, o que exige dos assistentes

sociais a necessidade de apropriação crítica do orçamento público. Nesse capítulo,

defendemos a necessidade de recolocação do marxismo no âmbito da saúde, do

fortalecimento dos mecanismos de controle democráticos, com a efetiva participação

social no sentido de anular as investidas do poder do capital, através do Estado, em

derruir o SUS.

O quarto capítulo perfaz a contextualização histórica da auditoria no Brasil, o

processo de descentralização da gestão da saúde nas três esferas de governo: federal;

estadual e municipal. Realça a importância do Sistema Nacional de Auditoria, assim

como o papel do Departamento Nacional de Auditoria do SUS, demonstra os tipos,

concepções e modelos de auditorias na saúde pública, em seguida, condensa o

resultado da pesquisa empírica, objeto desse trabalho e demarca as preocupações

centrais do Serviço Social e as Auditorias Públicas de SUS com enfoque para o Rio

Grande do Norte. Nesse capítulo, foi possível caracterizar o trabalho do assistente

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social nesse emergente espaço sócio ocupacional de atuação, seu perfil profissional,

identificar demandas e desafios encontrados por esses profissionais nas atividades de

auditorias, assim como analisar, diante das respostas dadas pelos assistentes sociais

dessa área da saúde, sua postura crítica face ao contexto neoliberal.

Na seqüência, são apresentadas as considerações finais, a conclusão da

pesquisa e as referências bibliográficas.

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2 O IMPÉRIO DO CAPITAL NA POLÍTICA NEOLIBERAL DO ESTADO

2.1 AS TRANSFOMAÇÕES NO MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA E AS

TENDENCIAS PÓS MODERNAS

Durante a transição do século XX ao século XXI, o capitalismo financeiro

dominou as esferas da vida social, afirmando-se como sistema hegemônico globalizado

do pós-modernismo5, na qual através da ideologia neoliberal representa a

superestrutura ideológica da contrarreforma.

No século XXI, os padrões econômicos e a reestruturação do capital impõem a

socialização de valores e comportamentos de reprodução social. Ocorre a criação de

novas formas de organização do trabalho e do capital, do modo de produção fordista

para a acumulação flexível6, paralelo à implementação de novos pactos e consensos

entre capitalistas e trabalhadores “(...) já que o controle do capital não incide somente

na extração da mais-valia, mas ainda no consentimento e na adesão das classes à

nova ideologia”. (SIMIONATTO, CFESS/ABEPSS 2009. p 94.)

Os avanços tecnológicos nos sistemas de comunicação na pós-modernidade

contribuíram para a disseminação do conhecimento, o intercâmbio cultural e

principalmente para a expansão das formas de alienação e ampliação do poder dos

grupos manipuladores de informação e do capital. Essa expansão das redes de

comunicação impregna na sociedade também uma cultura ideológica consumista e

descartável, adequada à manutenção da racionalidade capitalista.

O neoliberalismo7 da pós-modernidade centraliza-se em ajuste econômicos,

privatizações, supremacia do mercado e principalmente na construção do consenso

sobre a ineficiência da gestão pública, da descentralização, da debilidade das

instituições públicas e da negação das decisões políticas na regulação do mercado.

5 Ver a Condição pós moderna de David Harvey.6 Momento de profundas transformações no mundo do trabalho propiciadas pela automação, a robótica e a microeletrônica nas formas de produção do capital e a fexibilização dos processos de trabalho e dos direitos trabalhistas e sociais. 7 Doutrina política- econômica que representa uma tentativa de adaptar os princípios do liberalismo econômico às condições do capitalismo moderno.

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A classe dominante, na tentativa de eliminar os interesses antagônicos,

dissemina a ideia abstrata de que a crise é global e transclassista, desarticulando

politicamente as classes subalternas.

As mudanças societárias são resultados das constantes transformações no

modo de produção capitalista, historicamente marcadas por períodos de crise.

Especificamente, desde os anos 70 do séc. XX instalou-se uma crise no sistema

capitalista do modelo político neoliberal baseado na acumulação e reprodução social.

Como estratégia de enfrentamento da atual crise, o capital precisou reorganizar-

se na utilização de mecanismos que garantam sua hegemonia política e econômica. A

mundialização financeira, a reestruturação produtiva, as novas formas da gestão do

trabalho, compuseram as estratégias de manutenção da hegemonia do grande capital,

implicando significativamente o processo de exploração/alienação da classe

trabalhadora, sua desarticulação e organização política. A reorganização do modo de

produção capitalista, essencial para otimizar o aumento da produtividade e a redução

dos custos com a produção, torna-se imprescindível para o processo de acumulação do

capital.

Por outro lado, percebe-se, além da submissão e do enfraquecimento da

organização política da classe trabalhadora, a agudização da pobreza e da diferença de

classes e a acumulação das riquezas que são socialmente produzidas.

Sendo o Estado, a expressão da hegemonia do capital, acompanhando

historicamente seu desenvolvimento, a expansão/estagnação desde seu surgimento,

este precisou modificar-se para manter a hegemonia burguesa e o seu papel na

reprodução social do trabalho e do capital, principalmente em tempos de crise.

Segundo Saes (1998 p. 30) “(...) o Estado pode ser qualificado como burguês quando

cria as condições ideológicas necessárias à reprodução das relações de produção

capitalista.”

Nesse cenário, o capital internacional requer um Estado forte para manter a

ordem através das leis, promovendo um “equilíbrio social” com tendências

antidemocráticas, conforme a hegemonia burguesa presente no interior do Estado,

reafirmando a política neoliberal e sua soberania.

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Com isso, o Estado atua no sentido de redefinição dos seus mecanismos legais

e institucionais de regulação, com objetivo de garantir a continuidade da acumulação

capitalista, numa sociedade harmônica e pacificadora, instituem, assim, intervenções

no sistema de proteção social, legislações trabalhistas e sindicais, articuladas à política

econômica vigente.

Os modelos estruturais econômicos propostos pelo o Banco Mundial, FMI (Fundo

Monetário Internacional) e OMC (Organização Mundial do Comércio) aos países

periféricos, interferem negativamente no desempenho das funções reguladoras do

Estado sobre o capital, agudizando tendências antidemocráticas, tendo em vista que a

hegemonia burguesa encontra-se no interior do Estado.

As contrarreformas neoliberais impostas à sociedade civil impactam

negativamente no enfrentamento da Questão Social e comprometem a participação e

organização política da classe trabalhadora, uma vez que a escassez de recursos e,

conseqüentemente, o corte de gastos estatais com o social, na verdade, ocorre devido

a um redimensionamento do fundo público para o pagamento do déficit público8. A

renúncia fiscal, a reestruturação produtiva atinge a carga tributária, assim como o

crescimento do mundo do trabalho informal e a proliferação das grandes indústrias

dificulta a arrecadação das fontes da Seguridade Social. Aliado à inoperância do

controle fiscal do Estado, esse prejuízo atinge prioritariamente as políticas sociais que,

historicamente, no Brasil, apresentam caráter paternalista, focalizado e compensatório,

e ainda, fortalece os processos de privatizações das estatais, a mercantilização dos

serviços sociais e de infra-estrutura. Desconstroem direitos outrora conquistados,

através de mobilizações sociais, desfinancia e desresponsabiliza o Estado para com a

proteção social. Essa é a conjuntura atual e é nesse cenário que o Serviço Social deve

trabalhar e responder as demandas que lhes são postas.

Para a autora Sara Graneman (CFESS/ABEPSS, 2009) a difusão do

pensamento burguês da superação do trabalho enquanto instrumento político de lutas

de classes e organização política, defendida inclusive por intelectuais em relatórios do

Banco mundial, FMI e OMC, recomenda também a urgente reforma estrutural do

8 Dívida do Estado contraída durante o período da Ditadura Militar, momento de abertura ao capital estrangeiro para o processo de industrialização do País, o que acarretou uma dependência financeira externa, chamada por Francisco de Oliveira (2003) de reiteração da financeirização da economia.

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Estado no que tange as políticas sociais, no sentido da redução dos direitos. Graneman

também defende que existe uma diferença entre trabalho e emprego: a concepção de

trabalho, enquanto fundador da sociabilidade humana implica o reconhecimento de que

as relações sociais construídas pela humanidade, além da reprodução da vida,

reproduzem os bens socialmente necessários para cada época.

(...) convertem a ação laborativa em atividade que produz uma sociedade alienada porque exercida com o fito da mercantilização, exclusivamente com o objetivo de auferir lucros para o capitalista e, por essa razão, no modo capitalista de reprodução impôs-se aos homens formas particular de efetivação do trabalho. (GRANEMAN, CFESS/ABEPSS, 2009, p. 226).

Nesse sentido, o homem diferencia-se dos outros seres pela capacidade de

construir instrumentos de trabalho, planejar a execução de sua atividade e a

transformação da matéria em outro objeto. O trabalho é o eixo fundamental da

sociabilidade humana.

Já a concepção de emprego representa apenas postos de trabalho para o

capital. Para Marx (1988, p. 187) “(...) o conjunto de faculdades físicas e mentais,

existentes no corpo e na personalidade viva de um ser humano, as quais ele põe em

ação toda a vez que produz valores-de-uso de qualquer espécie.”

O valor de cada mercadoria está relacionado ao desgaste da força humana, seja

ela intelectual ou física, na dinâmica da produção capitalista. E assim, ao derruir a vida

humana em mercadorias, edifica-se e fortalece a propriedade privada e o capital.

A sociedade capitalista, segundo os escritos de Marx, exige um processo de

produção contínuo, sem interrupção. Produzir em larga escala, sempre novos produtos,

criando novas necessidades de consumo, ou seja, produzir e reproduzir. Partindo desse

pensamento, o processo imediato de reprodução do capital é a mais-valia, o tempo

excedente do trabalho.

(...) a renovação do capital é possível tão somente se a extração da mais-valia se produzir e reproduzir em patamares cada vez mais elevado. A impossibilidade de extrair mais-valia da força de trabalho é o que “fere de morte”, é o que pode romper a reprodução do capital por impedir o seu ininterrupto movimento de acumulação. (GRANEMAN, CFESS/ABEPSS, 2009, p. 234).

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Sendo assim, a reprodução das relações sociais do modo de produção

capitalista fundada na mais-valia, na riqueza abstraída do trabalho não pago, torna-se

imprescindível superar essa forma de sociabilidade, tendo como protagonista a própria

classe operária, uma vez organizada.

Historicamente, as formas como se organiza a produção é determinada pelas

relações sociais estabelecidas, fundadas nas desigualdades de classes desde a

escravidão passando pelo feudalismo até o capitalismo. No entanto, nas formas de

produção primitiva, a exploração estagnava no limite biológico do trabalhador, tendo em

vista que o homem era um meio de produção. Já nas formas mais modernas de

exploração esse fator não é considerado, pois o processo de automação substitui a

força de trabalho humana.

Maria Augusta Tavares (CFESS/ABEPSS, 2009.) mostra que dependendo da

orientação teórica, a análise da relação entre capital, trabalho e desigualdades sociais

pode ser interpretada de diferentes formas. Seguindo a orientação da teoria marxista,

cuja referência de análise é a totalidade e, contrapondo-se a pressuposição que as

dificuldades sociais constituem-se fenômeno alheio ao capitalismo e sim decorrência do

subdesenvolvimento. Tavares (CFESS/ABEPSS, 2009. p. 243) defende ainda que as

desigualdades sociais são inerentes ao processo de acumulação capitalista “(...)

acumulação e desigualdades são indissociáveis do desenvolvimento do capitalismo.”

A lógica da acumulação acontece no ciclo produção-circulação-consumo e a “(...)

sociedade só se torna capitalista quando o capital domina a produção, ou seja, quando

a força de trabalho torna-se mercadoria e o assalariamento passa a ser à base desta

sociedade.” (TAVARES, CFESS/ABEPSS, 2009. p. 245).

A força de trabalho, como qualquer outra mercadoria em excesso, tem seu valor

empurrado para baixo, colocando os trabalhadores em condições desfavoráveis,

acentuando as desigualdades sociais como um fato natural, distante de ser solucionado

com políticas públicas.

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2.2 A CONFORMAÇÃO DO ESTADO NO CONTEXTO DA CRISE DO CAPITAL E AS

POLÍTICAS SOCIAIS NO BRASIL

Instituído nos séculos XVII e XVIII pela burguesia, essa relação entre Estado e

sociedade transformou-se em dominação através de aparatos burocráticos, legais,

policiais e ideológicos do Estado absolutista monárquico. Emerge nesse contexto,

distintas instâncias públicas (estabelecidas por lei e mantidas pelo Estado) e privadas

(particulares).

Para PEREIRA (2001) a reflexão sobre o Estado permite traçar três principais

evidências:

(...) de que o Estado não é um fenômeno unívoco, isto é, igual ou idêntico em todos os momentos históricos (...) não é o criador da sociedade, mas ao contrário, é criatura desta (ou de frações desta), embora nas diferentes formas com que tem se apresentado (oligárquica, liberal, social democrata etc.) sempre procure impor-se à sociedade e dominá-la; (...) existem diferentes e competitivas doutrinas, teorias ou concepções sobre o Estado e suas relações com a sociedade (...) (PEREIRA, 2001, p 25-26)

Fruto dos movimentos democráticos, os direitos civis, surgem como primeira

categoria de direitos de cidadania que tinha por finalidade impor limite ao domínio do

Estado, detentor de privilégios e repressor da liberdade individual. Segundo Potyara

(CFESS/ABEPSS, 2009), ainda no século XVIII, o liberalismo clássico burguês inicia um

processo de negação de qualquer interferência do Estado nos assuntos privados, no

mercado.

No fim do século XIX, com o desenvolvimento do capitalismo, a socialização

política na sociedade, o aumento das funções do Estado, surgem as liberdades

positivas: a participação social com vistas ao controle social do Estado (liberdade,

igualdade, equidade, e justiça social). Tais transformações incorreram na conquista

democrática de direitos civis, políticos e sociais, mediados por políticas públicas a partir

do século XX.

Diferente da política estatal ou de governo, ou ainda, da iniciativa privada, a

política pública tem sentido de universalidade e de totalidade orgânica, que envolve o

Estado em sua operacionalização e a sociedade no controle social. Sendo assim, as

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políticas públicas requerem esferas públicas, “espaço de todos” 9 constituídos social e

historicamente na relação Estado e sociedade.

Segundo a autora, existe uma complexidade de conceitos e definições sobre

Estado, porém, é considerado um fenômeno com processo histórico e índole

relacional10, servindo a uma única classe, a burguesa.

Na análise de IANNI (1986), o Estado é dotado de poder coercitivo e, quando

pressionado e controlado pela sociedade tem o poder de realizar ações protetoras. Pois

está vinculado à sociedade, apesar de ser um forte instrumento da classe dominante,

ou seja, constituída por interesses e objetivos diversos, e ainda, sem neutralidade.

Nesse sentido, o Estado configura uma relação de dominação que exige o

controle da sociedade.

(...) tanto o Estado como a sociedade são partes constitutivas e integrais de um todo contraditório que se publiciza à medida que se torna permeável aos conflitos e às diferenças, assim como à definição negociada de políticas públicas, isto é, de todos. (PEREIRA, CFESS/ABEPSS, 2009. p. 292).

Segundo Behring (CFESS/ABEPSS, 2009) do ponto de vista da totalidade, a

política social é o resultado de contradições estruturais: lutas de classes e processo de

valorização do capital, ou seja, configura-se como mediação entre economia e política.

As abordagens unilaterais, monocausais, idealistas, funcionalistas e a - históricas

de políticas sociais, tendem a despolitização da “questão social”, levando-a para uma

dimensão instrumental e técnica, vazias de tensões políticas e societárias. Para Behring

(CFESS/ABEPSS, 2009) a análise das políticas sociais exige reconhecê-las como

resultado de relações complexas e contraditórias entre o Estado e a sociedade civil.

Levando em consideração o pensamento de Marx (1988) que mostra que a mais-

valia e a busca por lucros movem a dinâmica do capital, realizado na circulação das

mercadorias, vem acompanhando as particularidades do modo de produção de cada

época. Como o modo de produção e reprodução do capitalismo é caracterizado por

períodos cíclicos de expansão e estagnação, o surgimento das políticas sociais vem à

9 Termo utilizado pela autora Potyara para referir-se à Política Pública enquanto “de todos para todos” com o Estado atendendo a demanda e as necessidades sociais e a sociedade no controle social democrático.10 O Estado não é um fenômeno isolado, fechado, autossuficiente. Precisa estabelecer relações dialéticas.

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esteira do contexto de acumulação capitalista e lutas de classes, a partir de ação do

Estado, keynesianismo.

Na verdade, a implementação de sistemas nacionais de seguridade representa

um empréstimo dos trabalhadores ao Estado em forma de poupança, para que este

aplique em medidas anti crises: FGTS, política habitacional, seguro desemprego etc.

Contudo, essas medidas não são capazes de prevenir os efeitos cíclicos da crise do

capital. “(...) do arsenal das técnicas keynesianas, a política social tem sido a menos

solicitada, a depender das opções políticas, econômicas e sociais de cada governo (...)”

(BEHRING, CFESS/ABEPSS, 2009. p. 315).

Nos países desenvolvidos da Europa, em especial Portugal, as políticas sociais

estão muito aquém das demandas sócio econômicas de sua população. RAMOS (2003;

p. 86) analisa que o Estado Providência é fraco11, pois esses serviços de proteção

social vem sendo compensado pela sociedade providência.

Portugal tem uma longa tradição de existência de instituições filantrópicas, como é o caso das Misericórdias. Nessa linha, enquadram-se as Instituições Privadas de Solidariedade (IPSS) que estão orientadas para a satisfação das necessidades sociais e que, embora privadas, recebem financiamento do Estado. Quando se fala na importância da sociedade-providência, deve ter-se em consideração que esta não substitui o Estado Providência. Os serviços propiciados por uma ou por outro não são os mesmos, pois, enquanto a sociedade-providência se baseia em relações concretas e não gerais, o Estado Providência assenta nos direitos de todos os cidadãos. (RAMOS; 2003, p. 86)

Nos países subdesenvolvidos como o Brasil, isso corresponde ao que denominamos

de terceiro setor. Muito embora Portugal e Brasil apresentem economias totalmente

diferentes, é patente o avanço do capital sobre as políticas públicas, tanto em países

subdesenvolvidos quanto em países desenvolvidos da Europa.

A ideia de saúde no Brasil contida na Constituição Federal de 1988 é resultado da

proposta do projeto de reforma sanitária, tendo o SUS como estratégia, foi conquistada

com lutas sociais pela afirmação dos direitos sociais e em favor da democratização da

11 Termo utilizado por Maria da Conceição Pereira Ramos ao comparar a quantidade e a qualidade dos serviços de proteção que o Estado Providência de Portugal oferece aos cidadãos em relação aos outros países da Europa.

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saúde. Tendo como base um Estado Democrático de Direito. “Saúde um direito de

todos e dever do Estado”. (CONSTITUIÇAO FEDERAL 1988).

Desde meados dos anos setenta do século XX, a consolidação dos princípios

contidos no Projeto de Reforma Sanitária apresenta desafios fundamentais mediante as

constantes investidas da corrente neoconservadora em derruir o SUS Constitucional,

tencionada pela contrarreforma do Estado.

A saúde faz parte da seguridade social num conjunto integrado de ações e

iniciativas dos poderes públicos e da sociedade (art. nº 194 da Constituição Federal.),

tem seu financiamento proveniente do pagamento de contribuições sociais (art. nº 195

da Constituição Federal) garantindo o direito de todos e dever do Estado, através de

políticas sociais e econômicas (art. nº 196 da Constituição Federal). De relevância

pública, as ações e serviços de saúde podem ser terceirizados por pessoas físicas,

jurídicas ou de direito privado, cabendo ao Estado, dentro da lei, regulamentar,

fiscalizar e controlar a execução dos serviços oferecidos à população (art. nº e 198 da

C.F.).

A sangria de recursos do fundo público, a maior parte originada do suor dos trabalhadores brasileiros em função de uma estrutura tributária regressiva fundada nos impostos sobre o consumo, apesar de ser maior nas situações de crise aguda do capital, na verdade tem sido uma marca da política econômica brasileira desde a implantação do Plano Real até os dias de hoje, com forte impacto sobre a política social, em especial a seguridade social. A alimentação de mecanismos como a Desvinculação de Receitas da União (DRU) e o superávit primário, direcionados para pagar juros, encargos e amortizações da dívida pública com recursos da seguridade social, vem levando ao desfinanciamento da saúde...(CARTA DE BRASÍLIA Aprovada na Plenária Final do 37º. Encontro Nacional CFESS/CRESS Brasília, 28 de setembro de 2008)

Concebido pela Constituição Federal de 1988, o SUS, em seu artigo nº 43

reforça a questão da gratuidade das ações e serviços de Saúde em instituições

públicas e privadas contratadas, sendo estas últimas em caráter complementar. (artigo

nº 24 da lei 8080/90 do SUS).

Apesar do SUS representar um avanço na garantia do direito à saúde de forma

universal, conquista da mobilização social. A política neoliberal de desestatização e

mercantilização das ações e serviços de saúde restringem os direitos sociais. Nesse

contexto IAMAMOTO (2002) analisa que é sob o fito das privatizações que o Estado

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minimiza os recursos orçamentários para o trato das demandas sociais e se

desresponsabiliza da implementação e fortalecimento dos direitos conquistados pela

classe trabalhadora.

Nesse sentido as políticas sociais, historicamente construídas, ainda apresentam

caráter conservador, paternalista, compensatório e focalizado, sofrendo

constantemente uma ofensiva neoliberal transformando-as em mercadorias e serviços

privados, desregulamentando, desresponsabilizando e desfinanciando os direitos

sociais contidos no tripé da seguridade social, para garantir os privilégios do capital,

contidos no ajuste estrutural propostos pelo FMI e Banco Mundial às economias

periféricas, como é o caso do Brasil. Vivenciamos um retrocesso histórico, inspirado

num clientelismo pós- moderno ou neocorporativista.

(...) a conjunção de políticas seletivas e focalizadas para a “horda” - (...) processos de assistencialização das políticas sociais – (...) transformando em mercadorias determinados serviços (...) ênfase ainda maior nas Organizações Nãogovernamentais, não lucrativas, empresariais “responsáveis” e no voluntariado, todos situado no campo da sociedade civil, suposto território da virtude (...) num contraponto ao Estado ineficiente (...) (BEHRING, 2008. p. 47-48)

Sob o padrão keynesiano e fordista, a seguridade social estruturou-se nos países

capitalistas como política de Estado, levando em consideração a organização da classe

trabalhadora e o grau de desenvolvimento do capitalismo. Atrelada a função de garantir

direitos aos trabalhadores inseridos no processo de trabalho, enquanto condição básica

ao acesso a seguridade social.

Os princípios estruturantes da seguridade social nos países capitalistas, inclusive

no Brasil, datam de 1883, quando surge na Alemanha o modelo bismarkiano baseado

em caixas de seguros e, logo em seguida do plano biveridgano, surgido em 1942 na

Inglaterra durante a Segundo Guerra Mundial, que apresentava uma forte crítica ao

modelo bismakiano, propondo a instituição do Welfare State.

Segundo BOSCHETTI (2009);

Em alguns países como França, Inglaterra e Alemanha, a lógica do seguro sustenta também a saúde. No Brasil, a lógica do seguro estruturou e estabeleceu os critérios do acesso da previdência e da

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Saúde desde a década de 1923 até a Constituição de 1988.(BOSCHETTI. CFESS/ABEPSS, 2009. p. 326).

Com a instituição da seguridade social pela Constituição Federal de 1988,

restringiu-se a Previdência Social aos trabalhadores contribuintes; a saúde foi

universalizada e a Assistência Social limitou-se aos necessitados.

Os avanços constitucionais no Brasil não se consolidaram em função de uma

série de elementos estruturais e conjunturais que determinaram uma política econômica

neoliberal de valorização do capital financeiro em detrimento dos avanços sociais.

O modelo de seguro e assistência, aplicado a uma sociedade com profundas

desigualdades sociais, pobreza estrutural e crescente informalidade no mundo do

trabalho, resultou em um grande contingente populacional excluído do acesso aos

direitos da seguridade social. Nesse sentido, a seguridade social não avançou na

lógica social, ao contrário permaneceu na lógica do contrato, do seguro, ou seja, a

proposta constitucional inovadora de caráter universal, redistributiva, pública, com

amplos direitos fundados na cidadania, "(...) ficou no meio do caminho, entre o seguro e

a assistência." (BOSCHETTI, CFESS/ABEPSS, 2009, p.331).

Os limites estruturais da ordem capitalista impõem condições sócio-econômicas

que coloca metade da população economicamente ativa fora do mercado formal do

trabalho, agravando dramaticamente a desigualdade e pobreza no Brasil. Exclui do

acesso aos direitos àqueles que podem trabalhar, compensando com políticas sociais

baseadas em programas de transferência de renda, sem qualquer caráter de direito e

valores.

Impulsionados pelas contrarreformas, vivenciamos o gradual desmonte

da seguridade social forçada pela lógica do seguro, desconfigurando, assim, direitos

conquistados constitucionalmente: Saúde, Assistência e Previdência. Fragilizam os

espaços democráticos de controle social, usurpam recursos do orçamento para fins

monetários, isenção e sonegação fiscal, que provocam enormes perdas de

arrecadação fiscal, enfim, o descaso do Estado na gestão dos recursos públicos e os

incentivos aos planos privados de aposentadorias, privatização dos serviços,

fragilizando a seguridade social pública.

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(...) a seguridade social brasileira, fruto das lutas e conquistas da classe trabalhadora, é espaço de fortes disputas de recursos e poder, constituindo-se em uma arena de conflitos. A defesa e ampliação dessas conquistas e o posicionamentos contrário às reformas neoliberais regressivas são desafios permanentes e condições para consolidação da seguridade social pública e universal. (BOSCHETTI, CFESS/ABEPSS 2009. p. 336)

As políticas de seguridade social representam a conquista de direitos sociais a

partir de disputas políticas de interesses antagônicos. Por isso, MOTA (1995) analisa

que para as classes dominantes é imprescindível difundir a existência de uma cultura

de crise como condição necessária para a legitimação da contrarreforma do Estado e

das políticas regressivas neoliberais, que formam um novo consenso e mantém as

bases hegemônicas do capital. Com isso, observa-se uma cultura ofensiva do capital

contra qualquer forma de regulação estatal através de mecanismos democráticos de

controle social.

O processo de descentralização da gestão do sistema de saúde no Brasil como

estratégia fundamental para redefinição do papel do Estado nas suas funções públicas

de normatizar, regular e garantir o acesso da população aos serviços de Saúde com

qualidade, equidade, integralidade e universalidade, configura-se um modelo de

sistema contra hegemônico que constantemente vem sendo desfigurado com políticas

nocivas e regressivas, descaracterizando os princípios que nortearam o projeto de

reforma sanitária.

Mesmo com as garantias constitucionais e as normas jurídicas fundamentais ao

exercício da cidadania, a efetivação das ações e serviços de saúde conforme os

princípios da universalidade, integralidade, igualdade e equidade (art. nº 7 da lei

8080/90) ainda não se consolidaram, o que compromete a eficácia e qualidade em

favor da lógica da lucratividade do mercado, conforme MONTAÑO analisa:

(...) o sistema capitalista tem demonstrado, historicamente, uma notável capacidade de se refazer como a “fênix”, de “corrigir”, de “neutralizar” (temporariamente) suas crises, mediante mecanismos (econômicos, políticos, ideológicos, legais ou não) que interceptam e anulam transitoriamente os efeitos da lei geral de tendência decrescente da taxa de lucro. (MONTAÑO, 2003. p 25).

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Nessa perspectiva, MONTAÑO aponta ainda que tanto do terceiro setor, quanto

das operadoras dos planos de saúde necessitam dos recursos públicos.

(...) o “terceiro setor” não tem condições de autofinanciamento e dependem particularmente da transferência de fundos públicos para o seu funcionamento mínimo. Essa transferência é chamada ideologicamente de “parceria” entre o Estado e a sociedade civil, com o Estado contribuindo financeiramente e legalmente, para propiciar a participação da sociedade civil. (MONTAÑO, 2003. p 199)

Já os planos suplementares de saúde imprimem uma marginalização comercial

diante da estratégia competitiva do mercado de negócios. Na qual a preocupação

essencial é o preço e não a qualidade e efetivação do tratamento da saúde.

A suplementação dos atendimentos, ações e serviços de saúde, ou seja, os

planos privados de Saúde, além de serem baseados no modelo americano, focalizado

na doença, contribuem também no fortalecimento da cidadania adquirida, pois as

instituições públicas estão de tais formas viciadas pelas manipulações e abusos de

poder, ausência de recursos financeiros e humanos, que os direitos dos cidadãos

persistem cerceados, gerando, assim, a demanda reprimida, na qual uma minoria pode

optar pelo sistema de saúde suplementar.

A expansão das redes de comunicação, suas formas de alienação e os avanços

tecnológicos, impregnam na sociedade contemporânea além de uma cultura ideológica

consumista e descartável adequada a manutenção da racionalidade capitalista, a

formação do consenso da ineficiência da gestão pública, da debilidade das instituições

de saúde e a total negação das decisões políticas na regulação do mercado.

(...) a conjunção “globalização” mais “neoliberalismo” veio para demonstrar aos ingênuos que o capital não tem nenhum “compromisso social” e seu esforço para romper com qualquer regulação política, extra-mercado, tem sido coroado com êxito. (NETTO, 2004. p 47).

Com o falso propósito de instrumentalizar a sociedade para o controle da

administração dos bens públicos, foi criada a lei complementar nº 101/00 de

Responsabilidade Fiscal, que em seu § 1º do artigo 1º estabelece normas de finanças

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públicas, ações planejadas e transparentes para prevenir riscos e corrigir desvios

capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas.

Esse novo controle da administração pública, através da Lei de

Responsabilidade Fiscal vai afetar negativa à gestão do trabalho em saúde, em seus

diferentes aspectos, em especial à precarização da estrutura da força de trabalho do

SUS, impondo como desafio a capacidade de articulação destes profissionais com os

movimentos populares em defesa do projeto de reforma sanitária.

É nesse contexto, que o mercado de trabalho impõe ações profissionais

multifacetadas, com eficiência técnica para resolução imediata das problemáticas

sociais e de saúde, reduzindo a prática profissional à identificação das demandas e

atendimentos focalizados. A superação dessa forma de abordagem pós-moderna

requer a compreensão das expressões da vida cotidiana numa análise dialética da

realidade, de seu movimento e de suas contradições.

Mesmo tendo o Serviço Social surgido no bojo da Igreja Católica, foi apenas

após a Segunda Guerra Mundial e na implantação do processo de industrialização no

Brasil, que o resultado da reprodução social das classes operárias, a intensificação da

questão social, exigiu do Estado respostas a essas demandas através da implantação

de um conjunto de instituições sociais, na qual o Serviço Social emergiu

profissionalmente atuando nos processos de regulação e reprodução social do Estado,

através das políticas públicas.

Com isso, o assistente social é inserido na divisão social e técnica do trabalho,

no estatuto de assalariado, atribuindo-lhe uma caracterização de servidor público,

sendo chamado a formular, implementar e avaliar políticas públicas de enfrentamento

da questão social direcionadas à manutenção da ordem social vigente: o capitalismo

monopolista.

No contexto de crise e reestruturação do capital internacional, as contrarreformas

do Estado produziram um complexo processo de desmonte dos direitos até então

conquistado através de lutas sociais históricas.

Behring (2003) analisa que:

(...) são desencadeados pertentosos mecanismo de convencimento e legitimação do mercado como lócus da sociabilidade e da perda de

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direitos como uma necessidade de governabilidade e governança nas contra-reformas do Estado. (BEHRING. 2003. p.47).

Essa reforma neoconservadora do Estado vem promovendo o sucateamento dos

serviços públicos e a mercadorização dos direitos sociais, com acesso via instituições

privadas. E ainda, financiadas com recursos públicos do Fundo Público da seguridade

social. Nesse sentido, o Estado, campo majoritário de atuação do assistente social, que

apesar de todas as reformas, ainda pode ser considerado a forma mais efetiva de

promover a universalização dos direitos, deixa de prestar serviços diretos à população,

o que despolitiza os conflitos sociais.

(...) “terceirização” (...) compra de serviços privados (...) gerou a quebra do vínculo daquele que executa o serviço público com o Estado e, sobretudo com a população beneficiária. (SOARES, 2003.p.29)

É acertada a análise de Raquel Raichelis (CFESS/ABEPSS, 2009) quando esta

se refere à importância da criação dos espaços públicos deliberativos e da participação

dos assistentes sociais nesses espaços, debatendo de forma crítica as políticas sociais,

democratizando conhecimento teórico-metodológico, ético-político e técnico-operativo

num movimento em defesa da universalização da seguridade social conduzida pelo

Estado e o controle social.

Nesse contexto, abrem-se novas alternativas e áreas de trabalho para o

assistente social, que passam a não apenas formular e implementar políticas públicas,

como também avaliar, planejar e gerir de forma crítica a elaboração de diagnósticos do

tecido social, formulação de indicadores sociais, apropriação do orçamento público etc.

É nesse solo histórico movente que atribui novos contornos ao mercado profissional de trabalho, diversificando os espaços ocupacionais efazendo emergir inéditas requisições e demandas a esse profissional, novas habilidades, competências e atribuições. Mas ele impõe também exigências de capacitação acadêmica (...) (IAMAMOTO.CFESS/ABEPSS, 2009. p. 343-344).

A aproximação do Serviço Social com a tradição marxista proporcionou a

profissão, sob processos sociais e históricos, formulação teórico-metodológico e política

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que adensaram reflexões e conhecimentos para contribuições no campo das políticas

sociais.

(...) para Marx, o capitalismo é a produção e a reprodução contínua e ampliada da “questão social”. Na ótica marxiana, a superação da “questão social”, demanda liminarmente, a ultrapassagem dos marcos do capitalismo. (NETTO, 1989. p 91).

2.3 ESTADO E SERVIÇO SOCIAL: UMA HISTÓRIA DE LUTAS PELA

MATERIALIZAÇAO DO PROJETO ÉTICO POLITICO PROFISSIONAL

Sendo o Serviço Social, originário dos pressupostos conservadores da doutrina

social da Igreja Católica, teve seu processo sócio histórico marcado pela matriz da

teoria positivista, perpassando, contudo, pelos desdobramentos das concepções

funcionalistas, estrutural-funcionalista, sistêmica e o racionalismo moderno crítico

dialético da teoria social marxista. Esse último representou um suporte teórico

metodológico e qualificação técnico cientifica para os profissionais, tornando-os

capazes de fazerem frente às exigências da modernização da sociedade capitalista e

do Estado burguês.

Desse modo, o movimento de reconceituação, desencadeado na América Latina

a partir dos anos 1960, propiciou uma aproximação do Serviço Social com a tradição

marxista que possibilitou a crítica ao conservadorismo e a ruptura do compromisso

social historicamente estabelecido com os interesses da classe burguesa.

Ao analisar o texto de Yazbec (CFESS/ABEPSS, 2009) numa perspectiva de

reconstituição histórica da profissão, observamos que desde a sua gênese católica

conservadora o Serviço Social permeia interesses contraditórios.

É uma profissão que surge na modernidade, no lastro conservador da Igreja

Católica, contrário ao pensamento iluminista, na tentativa de manter e recuperar a

hegemonia do pensamento católico, através do humanitarismo social cristão.

Com a intensificação do capitalismo e a presença do Estado social, o Serviço

Social brasileiro da década de 1940 buscou se tecnificar e aproximar-se da teoria social

positivista, que surgiu na modernidade, mas que apresenta caráter conservador, sendo

adotado pelo Serviço Social europeu e norte americano, do qual sofreu fortes

influências.

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O processo de reconceituação dos anos 1960 representa uma ruptura com o

Serviço Social tradicional, diante de uma aproximação com marxismo, assumindo a

construção de um projeto ético político profissional comprometido com as classes

subalternas e os movimentos sociais.

Neste contexto, o Serviço Social dos anos 1990, tem como desafio compreender

as lógicas do capitalismo e suas mudanças no mundo do trabalho, assim como o

processo de desestruturação das políticas de proteção social, que provocam a

precarização do trabalho, o desemprego, a informalidade, o aprofundamento da

Questão Social e das desigualdades, num terreno denso de tensões e contradições.

A aproximação do Serviço Social com a tradição marxista, de modo hegemônico,

permite visualizar a profissão inserida na divisão social e técnica do trabalho, envolvida

na dinâmica do processo de produção e reprodução das relações sociais difundindo a

ideologia da classe dominante, articulando projeto de profissão e trabalho assalariado.

No campo do conhecimento constroem-se novos referenciais teóricos

metodológicos e interventivos baseados na teoria social Marxista, num espaço plural de

debates, permitindo o confronto de tendências teórico metodológicas e posições

ideopolíticas.

Mesmo com a hegemonia e legitimação do pensamento marxista na profissão,

observa-se a interferência de tendências teóricas metodológicas conservadoras pós-

neoliberais nestes tempos de pós- modernidade.

No Brasil, após a ruptura com o tradicionalismo profissional e seu ideário

conservador, ocorrido num contexto histórico de ascensão dos movimentos políticos

(crise da ditadura militar) e das classes sociais (Constituição Federal de 1988), o

Serviço Social renova-se criticamente, provocando inovações importantes no campo do

ensino, pesquisa, regulamentação e organização político-corporativa, construindo

assim, “um projeto profissional radicalmente inovador e crítico, com fundamentos

históricos e teóricos-metodologicos hauridos na tradição marxista...” (IAMAMOTO,

CFESS/ABEPSS, 2009, p. 18). Nesse momento, o Serviço Social adquire materialidade

legal através do Código de Ética; da Lei de Regulamentação e das Diretrizes

Curriculares do Curso de Serviço Social.

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Neste contexto, ocorre também a abertura dos espaços institucionais do Estado,

empresas privadas capitalistas, ONGs, assessoria de organizações e movimentos

sociais para a atuação do assistente social. Momento que marca o processo de ruptura

teórico e política com o lastro conservador do Serviço Social, acentuando um debate

contraditório, pois, se observou uma ação profissional inserida na dinâmica neoliberal,

tendo em vista que as políticas públicas são formuladas sob recomendações de

organismos internacionais, sob a ordem do capital. Com essa mudança nos referenciais

teórico-metodológicos, ético-político e técnico-operativo, ocorre uma redefinição no

projeto de formação profissional, adotando a teoria crítico dialética de totalidade social

em suas dimensões de universalidade, particularidade e singularidade voltada à

emancipação humana.

A efetivação do projeto ético político profissional do Serviço Social, pautada na

defesa intransigente dos Princípios Fundamentais do Código de Ética Profissional12,

torna-se ameaçado diante da diminuição de investimentos sociais, a subordinação das

políticas sociais às dotações orçamentárias, das privatizações, das políticas sociais de

caráter compensatório, focalizado e seletivo, da flexibilização dos contratos

terceirizados e por tempo determinado de acordo com a lógica da acumulação

capitalista neoliberal.

Com isso, percebem-se a dimensão contraditória das demandas, os interesses

antagônicos, as requisições sociais postas ao Serviço Social. “Isso significa que o

exercício profissional participa de um processo que tanto permite a continuidade da

sociedade de classes quanto cria as possibilidades de sua transformação.”

12 Reconhecimento da liberdade como valor ético central e das demandas políticas a ela inerentes - autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais; Defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítrio e do autoritarismo; Ampliação e consolidação da cidadania, considerada tarefa primordial de toda sociedade, com vistas à garantia dos direitos civis sociais e políticos das classes trabalhadoras; Defesa do aprofundamento da democracia, enquanto socialização da participação política e da riqueza socialmente produzida; Posicionamento em favor da eqüidade e justiça social, que assegure universalidade de acesso aos bens e serviços relativos aos programas e políticas sociais, bem como sua gestão democrática; Empenho na eliminação de todas as formas de preconceito, incentivando o respeito à diversidade, à participação de grupos socialmente discriminados e à discussão das diferenças; Garantia do pluralismo, através do respeito às correntes profissionais democráticas existentes e suas expressões teóricas, e compromisso com o constante aprimoramento intelectual; Opção por um projeto profissional vinculado ao processo de construção de uma nova ordem societária, sem dominação/exploração de classe, etnia e gênero; Articulação com os movimentos de outras categorias profissionais que partilhem dos princípios deste Código e com a luta geral dos trabalhadores; Compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população e com o aprimoramento intelectual, na perspectiva da competência profissional; Exercício do Serviço Social sem ser discriminado, nem discriminar, por questões de inserção de classe social, gênero, etnia, religião, nacionalidade, opção sexual, idade e condição física.

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(IAMAMOTO, CFESS/ABEPSS, 2009 p. 24). No entanto, as estratégias do projeto

político profissional do assistente social devem fortalecer os interesses das classes

subalternas, impulsionando a participação política dos sujeitos na articulação e defesa

de suas necessidades e interesses coletivos na cena pública. Tem-se na verdade, uma

direção social de caráter ético-político de afirmação teleológica e de liberdade da práxis

social.

Historicamente o capitalismo vem sendo marcado por crises, principalmente

quando se refere à América Latina, pois apresenta um Estado forte no que diz respeito

às medidas de ajustes financeiros e estruturais, repercutindo decisivamente nas

políticas públicas, desenvolvidas de forma focalizada, descentralizada, desfinanciada e

totalmente em favor dos desmontes dos direitos trabalhistas, ou seja, “A questão social

é indissociável da sociabilidade capitalista” (IAMAMOTO, CFESS/ABEPSS, 2009, p. 27)

tendo ainda o efetivo respaldo do Estado.

Entre os dilemas do Serviço Social na cena contemporânea se destaca a luta

pela afirmação dos direitos sociais e da emancipação humana e contra a lógica do

capital.

É exatamente nessa trama que o assistente social desenvolve seu trabalho,

precarizado ainda mais com o processo de financeirização fetichizada “dinheiro que

gera dinheiro”13 mantido com a decisão política do Estado e o suporte das políticas

fiscais e monetárias, implicando na privatização do Estado, no desmonte das políticas

públicas e na mercantilização dos serviços, na reestruturação produtiva, na regressão

dos direitos do trabalho, seguindo sempre a ideologia neoliberal e concepção pós-

moderna.

Daí a necessidade do projeto ético político profissional do assistente social ser

indissociável dos projetos societários que propõem a produção e distribuição de forma

igual das riquezas socialmente produzidas; a superação das desigualdades sociais e de

classes; o fortalecimento dos direitos e da democracia.

No entanto, apesar do Serviço Social ser regularmente reconhecido como uma

profissão liberal, com autonomia teórico-metodológica, técnica e ética política em seu

13 Expressão usada por Marilda Iamamoto em seu livro Serviço Social em tempo de Capital Fetiche, capital financeiro e trabalho e questão social para exemplificar o processo de valorização fetichizada do capital.

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exercício, está inscrita como uma especialização do trabalho e depende também da

compra e venda da força do trabalho, o que compromete a autonomia profissional.

“É nesse terreno denso de tensões e contradições sociais que se situa o

protagonismo profissional.” (IAMAMOTO. CFESS/ABEPSS, 2009. p.44).

Aliado a esse contexto, ainda na perspectiva neoliberal e pós-moderna, a

contrarreforma da educação, atinge a viabilidade do projeto ético-político do assistente

social, pois atropela a graduação em sua tríade essencial: ensino; pesquisa e extensão,

reduzindo o tempo da graduação e flexibilizando as formas de ensino, tornando-os “à

distância”. Resultando assim, na “massificação e perda da qualidade da formação

universitária” (IAMAMOTO, CFESS/ABEPSS, 2009 p.42) incorrendo na ideologia da

submissão dos assistentes sociais aos ditames do mercado de trabalho, formação do

exército de reserva e conseqüente despolitização da categoria14.

Tendo em vista que, na sociedade capitalista em que vivemos a objetivação

histórica da ética é limitada e desigual, pois evidencia um processo de alienação na

qual a classe burguesa, através de mediações complexas, produz e reproduz

ideologicamente seus interesses, difundindo valores para os indivíduos das classes

subalternas.

Ocorre dessa forma também na política, que se dá hegemonicamente pelos

interesses do capital em detrimento aos valores éticos de interesses coletivos.

Como a moral é histórica e mutável, os homens criam as normas e os valores de

acordo com cada contexto histórico. Por isso a sociedade burguesa tende a suprimir os

valores éticos de emancipação humana em prol da ordem social capitalista,

contrapondo-se ao pensamento hegemônico dominante. Quando vinculada a essa

perspectiva o assistente social trabalha um projeto ético político com capacidade

teleológico, histórico e crítico que dá materialidade a projeções profissionais e

societárias numa práxis adversa ao neoconservadorismo.

A práxis profissional imprime uma direção social, norteada por interesses

políticos, ideológicos, econômicos, contidos nos valores, diretrizes profissionais tendo

por base os pressupostos ontológicos fundamentais de Marx, reconhecendo a liberdade

14 A ausência das experiências estudantis coletivas: Centro Acadêmico de Estudantes de Serviço Social; DESSO etc. não proporcionada nos cursos de graduação à distância, possibilitam práticas conservadoras, tradicionais e liberais. Oque implica em uma categoria profissional acrítica.

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como valor ético central que favorece a construção de uma nova ordem social, sem

dominação e exploração de classes, firmando o compromisso com a emancipação

humana.

Por apresentar uma “auto-imagem” da profissão, o projeto ético político do

Serviço Social precisa de componentes sócio-históricos que o materializem como:

princípios e valores éticos políticos já mencionados; uma matriz teórico-metodológica

baseada na Tradição Social Marxista, imprimindo uma crítica radical à ordem vigente e

o fortalecimento as formas coletivas de organizações sociais.

Esses elementos tornam-se possíveis mediante a produção de conhecimentos

no interior do Serviço Social, a partir de uma dimensão investigativo-pesquisadora, as

instâncias político-organizativas da profissão: CFESS-CRESS; ABEPSS; CAs e DAS,

associações profissionais e sindicatos etc., e com a dimensão político jurídica que

constitui o arcabouço legal e institucional da profissão.

Os desafios para a efetiva implementação do projeto ético político profissional é

não apenas lutar contra a ofensiva do capital, o neoliberalismo e à pós-modernidade,

como também intensificar a investida no fortalecimento das bases teóricas,

organizativas e ético-política, com projeções coletivas tanto no exercício profissional

(nas diversas áreas de atuação) quanto na formação (graduação e pós-graduação de

qualidade).

Neste contexto Maria Marieta Koike (CFESS/ABEPSS, 2009) aponta as

transformações societárias ocorridas como estratégias para superação das crises do

capitalismo, e mostra o quanto o projeto ético político do Serviço Social vem sendo

atacado e principalmente, as exigências e desafios postos ao processo de formação

profissional do assistente social no Brasil, frente ao envolvimento da educação com a

dinâmica do mercado e a precarização do ensino superior à distância.

Essa contrarreforma da educação no contexto do ajuste neoliberal para dar

respostas à crise contemporânea do capital retira as políticas sociais públicas das

funções do Estado transferindo para a mercantilização nos setores privados, altamente

lucrativos.

A reforma educacional (REUNI, CEAD, PROUNI) além de suplantar do Estado as

funções de regulação, também referenciou o mercado e a inovação tecnológica, com o

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falso argumento de democratização de acesso ao ensino superior e aligeiramento da

graduação. No entanto, o que se verificou foi apenas uma massificação, com

tendências deletérias imediatas na formação profissional.

Para o Serviço Social, isso representa a formação de um exército assistencial de

reserva de qualidade duvidosa, propiciando o voluntariado e a precarização do

exercício profissional, na tentativa de desmantelamento do projeto ético político

profissional na perspectiva do projeto societário que o inspira.

Por isso, torna-se necessário a mobilização coletiva da profissão no sentido de

garantir os avanços na legitimidade e construção do patrimônio profissional

historicamente construído, buscando a distribuição da riqueza socialmente produzida e

a luta pela construção de uma sociedade emancipada.

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3 POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL: HISTÓRIA E HERANÇA DO CAPITALISMO

TARDIO

3.1 O MOVIMENTO DE REFORMA SANITÁRIA BRASILEIRO E A APROPRIAÇÃO

MARXISTA: CONSCIÊNCIA REVOLUCIONÁRIA E RESISTÊNCIA POLÍTICA AO

PROJETO PRIVATISTA

Para conhecer as concepções que deram sustentação ao Movimento pela Reforma

Sanitária no Brasil e compreender as questões fundamentais que, por uma década,

mobilizou grupos diversos em torno dos interesses coletivos e na defesa de uma

política de saúde pública de qualidade, gerado a partir da adoção de um

posicionamento de resistência política, contrário à hegemonia do projeto privatista na

área de saúde, se faz necessário retomar a análise do contexto sócio-político e

econômico que antecedeu e desencadeou o movimento de reforma sanitária no país.

Outro aspecto importante para se compreender esse movimento e seu contexto

histórico na sociedade capitalista é abordar a delimitação das classes sociais, numa

perspectiva teórica marxista, tendo em vista que, por apresentar uma definição objetiva

e concreta, distingue as classes de acordo com a posição que ocupa no modo de

produção capitalista e polariza a sociedade em duas classes sociais distintas com

interesses antagônicos: a classe burguesa dominante, composta pelos proprietários dos

meios de produção e a classe subalterna, formada por uma camada populacional que

dispõe apenas da força de trabalho enquanto mercadoria a ser vendida.

Fundamental para a sociabilidade capitalista, essas classes sociais sobrevivem em

meio a revoluções passivas numa relação de disputa constante. Segundo Celso

Frederico (CFESS/ABEPSS: 2009) essas formas passivas de revolução sempre foram

características evidentes presente na história do Brasil, desde a independência até o

fim da ditadura militar. Contudo, dá-se ao processo de industrialização, que ocasionou a

vinda dos imigrantes europeus para o Brasil, um dos fatores determinantes para a

disseminação da consciência revolucionária e de organização dos movimentos

anarquistas, como também a derrubado do presidente Washington Luiz e a ascensão

de Getúlio Vargas ao poder no começo dos anos 1930, fruto do movimento da Aliança

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Liberal que culminou na Revolução de 30. A partir desse momento a ideia de revolução

passa a ser objetiva na sociedade e rapidamente a classe burguesa se sente

ameaçada e contra-ataca.

Leandro Konder (2009) revista esse período e descreve:

Aumentou, então, a inquietação das classes dominantes em face dos discursos que falavam de uma “revolução comunista”. Desencadeou-se, assim, uma ofensiva da literatura crítica anticomunista entre nós. Por seu baixo nível teórico, essa literatura facilitou o entorpecimento e a estratificação de fórmulas teóricas ineptas na consciência dos representantes do “marxismo” canhestradamente criticado. (KONDER, 2009; p 208)

Mesmo antes da ofensiva burguesa contra os comunistas, Marx já ficava fora do

ensino superior e, segundo KONDER (2009; p 148-149) “muito raramente era

mencionado”, “(...) o acesso a Marx por parte de algum estudioso brasileiro dependia de

circunstâncias verdadeiramente excepcionais”.

Essa verdadeira aversão a Marx pela classe burguesa se dava porque foi a partir da

razão dialética e ontológica dessa teoria, que aponta o processo revolucionário como

forma de superação da sociedade burguesa e possibilita tanto a crítica ao capitalismo, a

reafirmação histórica, quanto revestida de força política na transformação social.

Com isso, por vincular-se a um projeto revolucionário, a teoria social marxista

representava e ainda representa para a classe burguesa um problema não apenas de

natureza teórica ou filosófica, mas principalmente por razões ideoculturais. Em meados

do século XX, não se tem registro na história de quem alguém tenha sido torturado,

exilado ou assassinado por ser durkheimiano ou weberiano, no entanto, os que se

apropriavam da teoria social marxista, ditatoriamente foram abduzidos do convívio

social.

E NETTO (CFESS/ABEPSS, 2009, p 671) acrescenta: “(...) – afinal, Marx nunca foi

um obediente servidor da ordem burguesa: foi um pensador que colocou, na sua vida e

na sua obra, a pesquisa da verdade a serviço dos trabalhadores e da revolução

socialista.”

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Com o golpe militar de 196415, inicia-se a era dos governos militares e o contexto de

repressão e agudização da pobreza no país. BRAVO (2009) lembra que o processo de

industrialização sob o domínio do capital provocou a aceleração da urbanização e a

massa trabalhadora passa a morar nas cidades, próximo aos centros industriais16 em

péssimas condições de higiene, saúde e habitação. Contudo, nesse momento de

repressão da ditadura, esses problemas estruturais se agravaram e não foram

resolvidos, o que acarretaram sérias consequências à saúde das classes subalternas.

Nesse período histórico, dos governos militares, especificamente nos governos de

Médici (1969-1974) e Geisel (1974-1979) a política de saúde no país, além se sofrer

reflexos das mazelas do modelo econômico capitalista excludente, assentado na

exploração intensa da classe trabalhadora e na concentração de renda e de riquezas,

que implicou as sucessivas quedas das taxas de crescimento do Brasil: de 14% em

1973; de 8% em 1974 e de 5% em 1975. Dados contidos em BRASIL (CONASEMS,

2007; p 23) relatam que a inflação no país chegou a 48% no ano de 1976, mostraram

ainda que a dívida externa cresceu gradativamente, passou de US$ 9,5 bilhões de

dólares em 1972 para US$ 17,1 bilhões de dólares em 1974, em 1978 chega a US$

43,5 bilhões de dólares e, no período entre 1979 à 1985 a dívida externa passa de US$

49,9 bilhões de dólares para US$ 95,8 bilhões de dólares. Essa área, também padeceu

da falta de planos adequados para o enfrentamento do crítico estado sanitário da

população brasileira.

De acordo com BRASIL (CONASEMS; 2007) o cenário político era de constantes

perseguições, inclusive aos pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz de Manguinhos,

que lutavam pela valorização da pesquisa básica e pela criação do Ministério das

Ciências. Esse tipo de conduta, por ser considerada subversiva na época, levou esses

pesquisadores, com alto nível de conhecimento, a serem indiciados e cassados,

acusados de conspirações comunistas e ou tiveram os recursos financeiros das suas

pesquisas cortados.

O quadro sanitário do Brasil, nesse período de recessão, era calamitoso, pois

tínhamos cerca de 40 milhões de pessoas infectadas pelo vírus da tuberculose e

15 Movimento ocorrido em 1º de abril de 1964 que perdurou cerca de 20 anos com o objeto de travar as tendências democráticas e progressitas, contra as idéias comunistas.16 ABC Paulista; São Bernardo do Campo etc.

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desses, apenas 30% eram tratados. O índice de mortalidade infantil aumentou para

33,78% por mil habitantes, o que representava a quantidade de 105 crianças mortas

para cada mil nascidas. 63% da população brasileira sofriam de desnutrição. Nessa

época, ocorre também um aumento em 90% dos casos de meningite meningocócica,

que resulta na morte de 55 pessoas por dia durante o mês de junho de 1972 em São

Paulo. As verminoses infestavam cerca de 50 milhões de brasileiros, a doença de

chagas 8 milhões, a esquistossomose quase 12 milhões e a hanseníase, conhecida

nesse tempo histórico como lepra, atingia cerca de 1 milhão de pessoas.

O aumento dos casos de poliomielite (paralisia infantil) no Brasil incidia nos

números de óbitos entre as crianças que contraiam a doença. Segundo BRASIL

(CONASEMS; 2009) o cientista norte americano Dr. Albert Sabin17, por discordar das

estatísticas oficiais divulgadas no relatório do Serviço Especial de Saúde Pública

(SESAP) pede demissão do cargo de assessor especial do Ministério da Saúde,

alegando que havia no Brasil pelo menos dez vezes mais casos de poliomielite do que

os dados divulgados.

Esse quadro sanitário em tela, causado por carências provenientes da extrema

pobreza, a falta de saneamento básico e uma política de atenção médica privatista e

curativista, na qual os governo militares delegavam aos consultórios médicos,

laboratórios e hospitais privados os serviços e recursos financeiros.

Dados estatísticos da Organização Pan Americana da Saúde em Las

Condiciones de Salud en las Américas divulgaram que no ano de 1972, no governo

Médici, destinava à saúde pública apenas US$ 1,33 dólares por habitante/ano. Isso

rendeu ao Brasil no ano de 1974 o terceiro lugar entre os países americanos que

menos investia em saúde, perdendo apenas para o Equador e o Haiti.

17 Médico cientista responsável pelo desenvolvimento da vacina oral com vírus "vivo" para a pólio em 1961 que prevenia a contração da moléstia. Sua descoberta eliminou efetivamente a pólio em quase todo o mundo (exceto em alguns países na África e Ásia). Sabin renunciou aos direitos de patente da vacina que criou, facilitando a difusão da mesma e permitindo que crianças de todo o mundo fossem imunizadas.

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Nessa mesma década, apesar da subserviência imposta pelo regime militar,

alguns grupos sociais em caráter de associativismo como: as Centrais Sindicais e o

MST (Movimento dos Sem Terra) ressurgem sorrateiros com inesperada força. Dentre

os movimentos de resistência ao projeto privatista hegemônico estavam alguns

profissionais que trabalhavam diretamente ligados aos serviços públicos de saúde, com

formação universitária.

Para agravar a situação calamitosa dos serviços de atenção médica previdenciária, no primeiro semestre de 1981 os médicos do serviço público do Estado do Rio de Janeiro fazem quatro paralisações por conta do que denominavam de “contínua” ‘proletarização’ da classe”.Depois de realizarem passeatas nas ruas da capital fluminense em busca de apoio da população, o Sindicato dos Médicos sofre intervenção do Governo Federal e tem decretada a prisão de seu diretor-presidente, Dr Roberto Chabo. Entretanto, em julho, a intervenção é suspensa, a diretoria do sindicato é reconduzida aos seus cargos e, no final, a categoria conquista um aumento salarial. (BRASIL/CONASEMS, 2007 p. 38).

As greves representaram importantes instrumentos de conquistas democráticas

para a classe trabalhadora. No entanto, Celso Frederico analisa;

Quando se olha para o passado do “novo sindicalismo”, vem a lembrança das grandes greves operárias e o sentimento, por todos nos compartilhados, de que o movimento operário vivia o seu momento de redenção. Passados mais de 20 anos, pode-se dizer, sem demérito do heroísmo daqueles militantes, que as greves não anunciavam a nova era, mas, ao contrário, fecha um ciclo histórico. Elas foram o último suspiro do sindicalismo da era fordista. (FREDERICO, CFESS/ABEPSS; 2009. p 260)

BRAVO (2009) analisa que a ameaça de não consolidação dos interesses da classe

dominante no interior do Estado repressivo, diante da insurgência das mobilizações

sociais e das reivindicações das pressões populares impõe ao governo a necessidade

de modificar as relações de mediação com a classe trabalhadora.

Outro aspecto importante desse movimento de resistência foi a composição dos

Departamentos18 nas universidades, que apesar do momento histórico de repressão,

18 Departamento de Medicina Preventiva da UNICAMP, USP, UFF e UEL.

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desenvolveram papel fundamental enquanto espaço de discussão da Saúde Pública

vinculada a Questão Social.

Alguns depoimentos de Sergio Arouca19 na oportunidade de sua participação no

Encontro do CONASEMS (Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde) em

Brasília, no ano de 2003 e que foram publicados por esse órgão, relatam a importância

desses departamentos para o movimento de reforma sanitária brasileira:

O ponto de partida do movimento é a resistência à ditadura, na linha da ocupação de espaços para promover a redemocratização do país. Esse é o eixo central do movimento todo. Um dos pólos fundamentais nesse movimento de resistência à ditadura foram os Departamentos de Medicina Preventiva. Esses Departamentos das Universidades eram os locais onde era possível, na época, te alguma discussão sobre a questão social e a questão da saúde pública. Esses departamentos se tornaram espaços de atração de segmentos da esquerda democrata. Foram poucos departamentos empenhados nessa luta, mas algumas foram extremamente simbólicos nessa questão. (Depoimento de Sérgio Arouca, publicado no BRASIL. CONASEMS; 2007 p. 44)

Esses espaços propiciaram a constituição da preparação de uma oposição passiva

que resultou em mobilizações sociais pela luta por mudanças políticas e sanitárias no

Brasil. BRAVO (2009) também cita a importância desses espaços em suas

reconstituições históricas:

Os debates saíram dos seus fóruns específicos (Associação Brasileira de Pós – Graduação em Saúde Coletiva, Centro Brasileiro de Estudos em Saúde, Medicina Preventiva, Saúde Pública) e assumiram outra dimensão com a participação das entidades representativas da população: moradores, sindicatos, partidos políticos, associações de profissionais e parlamento. A questão da Saúde ultrapassou a análise setorial, referindo-se à sociedade como um todo, propondo-se não somente o Sistema Único, mas a Reforma Sanitária. (BRAVO, 2009; p 96)

Segundo depoimentos de Sérgio Arouca as bases teóricas e conceituais que

sustentaram o movimento de Reforma Sanitária brasileiro foi o questionamento critico

19 Médico Sanitarista; Doutor em Saúde Pública; Professor de Medicina Preventiva e Social da FCM da UNICAMP; Pesquisador da FIOCRUZ etc. Favoreceu a formulação e a introdução, no campo da saúde, das bases conceituais e ideológicas que sustentaram as concepções do Movimento de Reforma Sanitária no Brasil

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sobre as práticas de saúde do período da ditadura militar, baseado numa abordagem

marxista. Esse propósito se fortaleceu com o estreitamento das relações entre o espaço

acadêmico e os movimentos sociais.

O primeiro desafio dentro dos Departamentos de Medicina Preventiva foi começar a ter outra visão da questão social na área de saúde, com a introdução do pensamento marxista. Começamos a discutir a questão das relações entre classes sociais e saúde, da determinação social do processo saúde-doença, a utilizar os trabalhos de Gentile sobre organização do sistema, os trabalhos do próprio Mário Chagas sobre sistemas de saúde, indo buscar referências teóricas nos institutos de Filosofia e Ciências Humanas e de Ciências Econômicas das Universidades. Começamos, naquela época, uma grande discussão centrada na leitura de O Capital, de Marx, o que abriu, nos Departamentos de Medicina Preventiva mais comprometidos, uma nova vertente no debate sobre as ciências sociais aplicadas à saúde. Isso produziu enormes mudanças, não só no ensino das ciências sociais em saúde, mas mudanças que acabaram acontecendo na visão da epidemiologia clássica, ao incorporar nessa disciplina a visão da determinação social das doenças. (Depoimento de Sérgio Arouca, publicado no BRASIL. CONASEMS; 2007 p. 46)

Essa vertente fundamenta, inclusive, as capacitações promovidas pelo Ministério

da Saúde, através da Fundação Oswaldo Cruz. No ano de 2009, foi realizado um curso

de capacitação para os gestores do SUS e o conceito central da saúde trabalhado

enquanto proposta epidemiológica dava ênfase ao processo saúde-doença como:

(...) componentes integrados de modo dinâmico nas condições concretas de vida das pessoas e dos diversos grupos sociais; cada situação de saúde específica, individual ou coletiva, é o resultado, em dado momento, de um conjunto de determinantes históricos, sociais, econômicos, culturais e biológicos. (OLIVEIRA, 2009; p 29)

Baseado nessa concepção, começa a construção de um novo projeto para a

saúde pública, fruto do movimento sanitário brasileiro no momento histórico de lutas

contra a ditadura militar e que propiciou a emergência e o envolvimento de novos atores

sociais nos espaços públicos de gestão da saúde numa estreita relação entre

academia, serviços de saúde e comunidade.

Esse projeto culminou na VIII Conferência Nacional de Saúde realizada em

março de 1986, em Brasília no Distrito Federal com os temas: I – A Saúde como direito

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inerente à personalidade e à cidadania; II – Reforma do Sistema Nacional de Saúde e

III – Financiamento setorial.

A VIII Conferência Nacional de Saúde representou a expressão máxima das

bases teóricas e conceituais que sustentaram o Movimento do Projeto de Reforma

Sanitária brasileiro, como também é um marco referencial da história da saúde, pois, foi

nesse momento de participação social que foram delineados os princípios norteadores

do SUS, proposto pela Constituição Federal.

Portanto, apesar desse desfecho ter representado um avanço nas históricas

lutas democráticas pela saúde pública, a burguesia, travestida de Estado, continuou

impondo a lógica do projeto privatista.

3.2 AS INVESTIDAS DO ESTADO BURGUÊS EM DERRUIR O SUS: ENTRE O

PÚBLICO E O PRIVADO.

Se a derrota da ditadura militar e a consequente inegável conquista do SUS

representaram um divisor de águas na história da redemocratização política no Brasil,

desde então, o desafio gira em torno da sua efetiva implantação frente as constantes

ameaças das políticas de redução do Estado no contexto neoliberal. Afinal, a

consolidação do SUS na perspectiva do Projeto de Reforma Sanitária denota para a

classe burguesa uma proposta política contra-hegemônica.

Com isso, o Estado burguês adota ações de contra-ataques diferenciadas, tendo

como estratégia ideológica uma suposta aceitação do SUS e sua consequente

incorporação ao aparelho jurídico do Estado, com a exclusiva finalidade de travar a

materialização e promover a inoperância deste.

Visivelmente, o ponto de partida desse processo se encontra retratada no próprio

aparato jurídico federal que dá sustentação ao SUS. A Constituição Federal em seu

artigo nº 199 permite e resguarda os interesses do projeto privatista.

Art. 199 - A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.§ 1º - As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.

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§ 2º - É vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos.§ 3º - É vedada a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no País, salvo nos casos previstosem lei. (CONSTITUIÇÃO FEDERAL 1988)

BOBBIO (1992) analisa que os direitos sociais são mais difíceis de defender do

que os direitos de liberdade, pois dependem da intervenção do Estado para sua

efetivação.

Atrelado ao projeto privatista, o Estado, sob a alegação da incapacidade da

administração pública direta20 de suprir as necessidades e especificidades da saúde,

principalmente no atendimento de média e alta complexidade, tem propiciado o

desenvolvimento de novas formas de gestão na área de saúde que, pela complexidade,

tem profundas implicações políticas, técnicas, assistenciais, jurídicas e financeiras.

Essas modalidades de gestão se configuram na Administração Indireta que faz parte do

conjunto dos entes personalizados que, vinculados a um ministério ou secretaria,

prestam serviços públicos ou de interesse público. Integram a administração indireta as

Autarquias, as Empresas Públicas, as Fundações Públicas de Direito Público, as

Fundações Estatais de Direito Privado, as Organizações Sociais e as Organizações da

Sociedade Civil de Interesse Público.

As autarquias são serviços autônomos, com personalidade jurídica e patri-

mônio, tem orçamento público próprio, com capacidade exclusivamente administrativa

para executar atividades públicas. Seus bens são indisponíveis e apesar de seguir os

mesmos princípios e regras21 dos serviços públicos, incluindo vantagens tributárias, as

autarquias têm maior autonomia que a administração direta, mas estão sujeitas às

normatizações e fiscalizações do Estado.

As Fundações públicas de direito público são entidades que realizam atividades

não-lucrativas atípicas do poder público, mas de interesse coletivo, com determinada

finalidade social. Após a Constituição de 1988, passaram a ser considerada autarquias

fundacionais.

20 Gestão pública com grau de autonomia administrativa e financeira na execução dos recursos do Fundo Municipal de Saúde.21 Também estão sujeitas à Lei de Responsabilidade Fiscal e ao teto salarial.

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As Fundações estatais de direito privado são entidades dotadas de

personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e capital

exclusivamente público, tem como objetivo a exploração de atividade econômica que o

governo seja levado a exercer por força de contingência ou de conveniência

administrativa, podendo revestir-se de qualquer das formas admitidas em direito. Suas

atividades regem-se pelos preceitos comerciais. É um modelo recente que, apesar da

sua regulamentação ainda está tramitando no Congresso Nacional Brasileiro, algumas

gestões municipais e estaduais já a implantaram por meio de legislações locais,

alastrando os serviços de saúde.

Por sua estrutura de direito privado, essa modalidade de gestão goza de maior

autonomia e flexibilidade, é regida pelo Código Civil, mas, segue as regras das

empresas públicas estabelecendo contratos de gestão, fixação de metas e resultados

em troca da autonomia gerencial, orçamentária, patrimonial e financeira. E ainda, pode

até realizar concursos públicos, mas a forma de contratação de pessoal é feita pela

CLT22.

O presidente do Conselho Nacional de Saúde Francisco Júnior defendeu na

Plenária de Participação e Mobilização popular em Saúde, no Seminário Nacional de

Serviço Social em Saúde, em 09/06/2009 no Centro de Convenções de Olinda/PE que

é “questão de ordem” a urgente necessidade de fortalecimento dos movimentos contra

as Fundações Estatais de Direito Privado e a defesa dos serviços públicos e direitos

sociais, dizendo que (...) pegar o que é público e entregar ao privado para administrar,

inclusive, com recursos públicos e toda estrutura... É a pior forma de

desregulamentação, pior ainda do que as privatizações.

Outra forma de gestão se refere às Organizações Sociais que foram criadas

ainda no governo Fernando Henrique Cardoso com a Reforma Bresser. São entidades

privadas sem fins lucrativos que atuam em diversas áreas e relacionam-se com o poder

público através de contrato de gestão para executarem serviços públicos com recursos,

pessoal e bens do Estado. As Organizações Sociais enfrentam questionamentos

22 Decreto-Lei n.º 5.452, de 1º de maio de 1943, que institui as normas que regulam as relações individuais e coletivas de trabalho no Brasi.

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jurídicos, problemas administrativos e de custos, por isso resistem à regulação do SUS

e tendem a fazer seleção de demanda.

As Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs) são modelos

de entidades privadas sem fins lucrativos, habilitada a firmar termo de parceria com o

poder público. Não é qualificada como sociedade comercial, organização social,

entidade religiosa ou filantrópica e cooperativa, apenas como parceira no

desenvolvimento de alguns projetos ou programas específicos.

Na realidade, as OSCIPs representam o terceiro setor23, condição que as

desobrigam o cumprimento da lei de Licitações públicas24 impostas às empresas

estatais.

Essa tendência danosa de terceirização dos serviços públicos na área da saúde

se configura apenas como um dos resultados das estratégias de reforma do Estado,

que segundo SILVA (2007; p141) “significou desestatização” em função da introdução

da lógica mercantil também na área da saúde, transformando a saúde da população em

mercadoria rentável.

Esse cenário em tela delata o retraimento do Estado brasileiro em relação às

políticas públicas, em especial as políticas de saúde quando deixa de cumprir o papel

de executor dessas políticas e passa a função de tão somente regular a prestação dos

serviços de saúde com aporte do orçamento público. Ocorre a transferência das

responsabilidades sócias do Estado para o terceiro setor.

As estratégias de refilantropização da saúde e ou mercadorização, rebatem

fortemente no esvaziamento dos espaços públicos e no crescimento das demandas,

pois acarreta o desmonte das instituições de representação coletiva, a diminuição da

qualidade dos serviços financiados pelo SUS.

Outra ofensiva da classe dominante para travar a efetivação dos princípios do

SUS foi a absorção para dentro da máquina do Estado de algumas decisões

fundamentais referentes ao desenvolvimento das políticas de saúde na tentativa de

coibir função do controle social.

23 Segundo MONTAÑO (2003) termo o terceiro setor foi trazido do modelo norte americano de associativismo e voluntariado correspondente a uma cultura política e cívica de individualismo liberal. 24 Lei nº 6.404 de dezembro de 1976.

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O desmonte do controle social no Brasil aconteceu com o fortalecimento das

Comissões Intergestoras Bipartite e Tripartite enquanto espaços de negociação,

pactuação, articulação, integração entre os gestores da saúde das três esferas de

governo. Francisco Júnior (Presidente do CNS) em entrevista a Revista RADIS - janeiro

de 2007 expôs sua análise:

A atribuição de cada um é diferente. Mas, a partir de 1999, houve um movimento deliberado de esvaziamento dos conselhos, tudo passou a ser acordado nas bipartites e tripartite. Foi um movimento pensado, não amador. E tem resquícios ainda. Definiam praticamente tudo em relação às políticas de saúde, nada passava pelos conselhos de saúde. E alguns gestores ainda pensam assim, que o último espaço de discussão é a bipartite. Nós temos claro que não. Sob o ponto de vista legal e político, o último espaço de definição de política de saúde é o conselho de saúde. A bipartite e a tripartite existem para cumprir papel de pactuação, de acordos multilaterais. Fechados os acordos e aprovadas as pactuações, devem ser imediatamente submetidas aos conselhos. A queixa é que em alguns lugares ainda é desrespeitada essa lógica. (Fonte: Revista RADIS 53. Jan/2007; p 21)

Existe ainda uma série de entraves a serem superados para que se alcance a

efetividade dos conselhos de controle democráticos, uns de ordem estrutural macro

econômica e política determinada pela dinâmica do capital, imposta pelos organismos

internacionais, que atingem fortemente o orçamento da saúde no Fundo Público e,

outros de origem funcional que comprometem a efetiva participação da população nas

decisões das políticas de saúde, arrefecendo as mobilizações sociais.

Com isso, analisamos não haver dúvidas de que o controle social no Brasil,

ainda no século XXI continua em fase de construção e CORREIA (2009; p 129) delimita

que seus maiores desafios são “(...) o controle sobre os recursos públicos, à resistência

a redução das políticas sociais, à sua privatização.”

Ações nocivas incidem também na própria gestão SUS. O processo de

municipalização da saúde, apesar de ser considerado um enorme avanço para a

descentralização da política de saúde no Brasil, a excessiva normatização burocrática,

o insuficiente financiamento público e os vestígios do modelo de atenção médico

assistencial da era ditatorial colocam em risco a viabilidade do SUS.

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A própria gestão do trabalho no SUS apresenta dificuldades em seus diferentes

aspectos. A descentralização da saúde transferiu aos municípios a responsabilidade

pela implementação e gerenciamento de programas como PACS, ESF, SAMU, CEO

etc. Isso implicou aos governos locais o ônus pela contratação da força de trabalho. Em

decorrência dos limites orçamentários e legais dos municípios (Lei de Responsabilidade

Fiscal) ocorre a precarização das formas de contratação: parcerias, cooperativas,

contratos temporários e não realização de concursos públicos.

Apesar dos avanços conquistados pelo SUS, há décadas se acumulam

problemas referentes ao financiamento na gestão da saúde pública no Brasil. Nos anos

iniciais da década de 2000 dados do CONASEMS mostram que o governo federal

reduziu seus gastos com saúde, elevando os gastos dos municípios nessa área. Esse

fenômeno acontece devido aos constantes descumprimentos das legislações do SUS

por todos os governos que se sucederam. A regulamentação das transferências de

recursos do Ministério da Saúde para os estados e municípios vem sendo feitas através

de portarias ministeriais, em divergência ao que defende a Lei nº 8.080/90 do SUS, que

aliado a falta de regulamentação da Emenda Constitucional 29 tem comprometido a

atuação de gestões locais de forma autônomas, a execução adequada das políticas de

saúde e a democratização do sistema da saúde.

Diante dessa realidade, TONET (2005) coloca que não é interesse do Estado

anular as desigualdades sociais, e ele nem tem poder para tal proeza, tendo em vista

ser uma expressão e condição fundamental na reprodução das desigualdades sociais.

Para isso, utiliza aparelhos repressivos e burocráticos institucionais e legais no sentido

conservar a classe dominante no poder.

A afirmação da necessidade de “quebrar” a velha máquina do Estado, recolhida por Lenin de alguns textos de Marx, é concretizada/superada por Togliatti. Ele diz: “Marx e Engels, primeiro e depois Lenin afirmaram que o aparelho do Estado burguês não pode servir para construir a sociedade socialista. Esse aparelho deve ser quebrado e destruído pela classe operária e substituído pelo aparelho de Estado proletário. (COUTINHO, 1994; p 64).

Por isso, reconhecemos que apesar dos avanços, o SUS implementado não é o

SUS previsto pelo movimento de Reforma Sanitária brasileiro, pois teve seu

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desenvolvimento tencionado pelas constantes investidas da classe burguesa, travestida

de Estado, em derruí-lo.

3.3 O GOLPE DO FUNDO PÚBLICO: EFEITOS DA POLÍTICA ECONÔMICA SOBRE O

FINANCIAMENTO DO SUS

As últimas três décadas do século XX foram marcadas por transformações

capitalistas e constantes crises na América Latina. Como estratégia de superação das

crises houve a intensificação da internacionalização da produção e do capital financeiro,

realizaram-se ajustes estruturais dos Estados Nacionais regidos por organismos

internacionais como o FMI e o Banco Mundial.

No Brasil, as políticas públicas também foram conformadas para atender aos

interesses do capital sob a responsabilidade do Estado neoliberal, apresentando caráter

focalizado, descentralizado e em processo de desfinanciamento.

Diante disso, ocorre de fato a agudização das expressões da Questão Social e

uma forte regressão dos direitos conquistados historicamente pela classe trabalhadora,

afetando diretamente as bases materiais do processo de trabalho do assistente social.

O modelo de reestruturação da economia mundial apropria-se fortemente do que

Marx chama de “Capital Fetiche” 25 na qual o capital circula enquanto mercadoria para

obtenção do lucro através dos juros, independente do processo de relações sociais da

produção, da apropriação do trabalho não pago. Ou seja, funciona como se “o capital –

dinheiro tivesse o poder de gerar dinheiro no circuito fechado das finanças.”

(IAMAMOTO, CFESS/ABEPSS, 2009. p. 29).

Como a forma de empréstimo configura-se numa fetichização do capital, na qual

o Estado brasileiro, enquanto “guardião dos contratos”26 efetiva o pagamento dos

encargos e juros da dívida pública27, utilizando as receitas anuais produzidas pelos

impostos pagos ao Estado, cancelando assim, o ideário constitucional que trata o

Fundo Público enquanto mecanismo de capitação, gestão e alocação das contribuições

25 (D – D ` ) O capital é coisa auto criadora de juros.26 Termo utilizado por Edmundo Fernandes Dias em sua obra: Política Brasileira: Embate de projetos hegemônicos. p. 83.27 Gerada no longo período da ditadura militar para a expansão do capital estrangeiro aos países subdesenvolvidos, com o intuito de alavancar a industrialização, o aumento da coerção estatal, o keynesianismo e a financeirização da economia e das contas.

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e impostos arrecadados pelo Estado com a finalidade de retornar à sociedade através

de ações, programas e serviços.

Para tratar desse “golpe”28 financeiro contra a classe trabalhadora, buscaremos

elementos teóricos e científicos capazes de analisar, de forma crítica em sua totalidade

histórica, o importe do Fundo Público29 na conjuntura sócio-econômica capitalista

contemporânea para o processo de produção e reprodução das formas de exploração

e apropriação da riqueza socialmente produzida.

O que foi considerado um avanço da Constituição Federal de 1988, com a

instituição da seguridade social presente no Título VIII, Capítulo II, do art. n⁰ 193 ao art.

n⁰ 204 que trata das Políticas de Saúde, Previdência e Assistência Social, e que traz

em seu art. n⁰ 194, parágrafo único que compete ao poder público a responsabilidade

em organizar a Seguridade Social, reforçando nos incisos V e VI a equidade na

participação do custeio e a diversidade na base de financiamento, ou seja, a criação de

um fundo exclusivo para o financiamento da seguridade social, com diversas fontes de

recursos, passou também a ser alvo de constantes investidas da hegemonia burguesa

neoliberal logo na década seguinte, na qual o capital perde a capacidade

autorregulatória e utiliza instrumentalmente a capacidade fiscal do Estado para

sustentar a política macroeconômica.

SALVADOR (2008) nos mostra a dimensão do fator que move o avanço dos

capitalistas sobre o Fundo Público no Brasil, sistematizando que;

A LOA 2008 fornece pistas dos valores em disputa no fundo público brasileiro: 1.424.390.706.030,00 (um trilhão, quatrocentos e vinte e quatro bilhões, trezentos e noventa milhões, setecentos e seis mil e trinta reais). No entanto, quase 30% desse valor (R$ 416 bilhões) está previsto para a rolagem de títulos da dívida pública, destinando-se R$ 946 bilhões aos orçamentos fiscal e da seguridade social; desse valor, 1/4 está previsto para ser utilizado no pagamento de juros e amortização da dívida pública. (SALVADOR, 2008, p. 19).

Nesse sentido, o capital financeiro, sob recomendação dos organismos

internacionais, estende-se sobre o Fundo Público, determinando a privatização do 28 Manobra para lesar outrem (Dicionário de Português Aurélio).29 O Fundo Público não é, portanto, a expressão apenas de recursos estatais destinados a sustentar e financiar a acumulação do capital; ele é um mix que se forma dialeticamente e representa na mesma unidade, no mesmo movimento, a razão do Estado, que é sociopolítica, ou pública e a razão dos capitais, que é privada. (OLIVEIRA. 1998, p. 53)

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Estado e mercantilizando serviços públicos. Promovendo assim, a imposição do

neoliberalismo enquanto modelo hegemônico, que preside a reforma do Estado,

incluindo a política de ajuste fiscal e altos juros, o crescente e extraordinário

endividamento público privilegiando o capital financeiro, uma política tributária

regressiva e injusta, o desmonte e terceirização das políticas públicas, passando a ser

determinada de acordo com as necessidades de rentabilidade do capital, e

consequentemente, a quebra dos direitos trabalhistas e a criminalização da pobreza.

O constante aumento das taxas de juros dos impostos produz a ampliação do

superávit primário30, que além de beneficiar os bancos e as instituições financeiras em

detrimento das políticas públicas, acarreta sobre a classe trabalhadora uma carga de

impostos elevadas. Dados do IPEA (2007. p. 11) nos mostra que na última década no

Brasil a carga tributária está acima das contribuições fiscais para o financiamento dos

gastos sociais públicos e o crescente superávit primário é desviado para

refinanciamento e amortização da dívida pública.

As fontes do orçamento da seguridade social têm em seu escopo além das

contribuições do INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social); a COFINS

(Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social); o CSLL (Contribuição Sobre

o Lucro de Pessoas Jurídicas); parte do PIS/PASEP (Programa de Integração Social) e

ainda, os Fundos de Combate a Pobreza.

Estudos indicam que o orçamento da seguridade social não é deficitário, e sim

canalizado com a DRU31 (Desvinculação da Receita da União) via FSE (Fundo Nacional

de Emergência) e FEF (Fundo de Estabilização Fiscal) garante a desvinculação de 20%

da arrecadação de impostos para o orçamento fiscal, compondo assim a estratégia de

superávit primário e pagamento da dívida pública.

30 É o resultado da diferença, para mais, entre a receita e a despesa do Orçamento da União. 31 Criada em 1994/1995, e prorrogada no Governo Lula até 2007, garante desvinculação de 20% da arrecadação de impostos e contribuições.

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Quadro 1: Quadro de distribuição dos gastos públicos do governo federal

Fonte: Siafi / STN/CCONT/Geinc. Elaborado por Sicsú (2007).

No ano de 2007, o superávit primário foi gerado com 65% do orçamento da

seguridade social, direcionando aproximadamente R$ 205,2 bilhões do orçamento da

Seguridade Social para amortização da dívida pública, o que corresponde a cinco vezes

o orçamento anual da Saúde.

BOSCHETTI e SALVADOR (2006) denominam esse golpe no Fundo Público de

“perversa alquimia” na qual acontece a apropriação dos recursos da seguridade social

para sustentar a política econômica conservadora e neoliberal do Estado.

Os recursos transferidos por meio da DRU, para composição do Superávit Primário, revelam que o Estado brasileiro age como Robin Hood às avessas, retirando recursos dos pobres para os mais ricos, sobretudo para a classe dos rentistas. A baixa carga de impostos diretos no Brasil revela que as elites querem ser sócias do fundo público, mas não querem ser tributadas. (BOSCHETTI e SALVADOR, 2009. p 70).

Parte dessa estratégia de golpe do Fundo Público, a proposta de reforma

tributária (PEC 233/2008) também representa ameaça a manutenção dos direitos

sociais brasileiros, pois extingue as fontes de recursos exclusivas para o financiamento

da Seguridade Social como a COFINS, PIS E CSLL e acaba com a segurança Jurídica

Constitucional, rompendo com o princípio de universalização dos direitos sociais,

garantido pelo Estado.

Itens de despesa em

bilhões de reais corrente.

2003 2004 2005 2006

Assistência Social 8,4000 13,9000 15,8000 21,5000

Saúde 27,2000 32,9000 36,5000 39,7000

Educação 14,2000 14,5000 16,2000 17,3000

Segurança Pública 2,4000 2,8000 3,0000 3,4000

Organização agrária 1,4000 2,6000 3,6000 4,2000

Despesas com pagamento

de juros

145,2000 128,3000 157,2000 163,5000

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A política tributária do Brasil é elevada e representava até o ano de 2003, 36%

do PIB Nacional, ultrapassando inclusive o percentual de alguns países desenvolvidos.

Tem ainda caráter regressivo, diante da incidência maior de arrecadação sobre o

consumo que representa 67%, sobre a renda 29% e 4% sobre o patrimônio.

Outro agravante importante na depreciação do Fundo Público da Seguridade

refere-se à sonegação da contribuição previdenciária que é rigorosamente cobrada dos

trabalhadores, mas não repassadas ao INSS pelas empresas e instituições. Segundo

dados do IPEA, em 2001 essa dívida somava R$ 115,0 bilhões, correspondendo a um

ano de pagamento de benefícios, em 2003 o governo Lula, através do Ministério da

Previdência Social atualizou um montante da dívida de R$ 153 bilhões.

Tomando como foco de análise a Política da Saúde no Brasil, tal qual a

Constituição Federal de 1988 e Leis Ordinárias como o SUS (Sistema Único De Saúde),

LOS (Lei Orgânica da Saúde), NOBSUS (Norma Operacional Básica do SUS) etc,

evidencia-se a investida do projeto Neoliberal na permissão do mercado privado em

comercializar e ganhar dinheiro com os Serviços de Saúde, participando inclusive dos

recursos do Fundo Nacional e Saúde, regulamentado pelo Plano Diretor32 da MARE

(Ministério da Administração e da Reforma do Estado) o que representa uma ameaça

ao sistema de saúde público.

Com relação ao FNS (Fundo Nacional de Saúde), observa-se uma discrepância

entre os recursos arrecadados das fontes de contribuição do financiamento do SUS e

os gastos públicos na saúde, sendo nitidamente insuficientes para gerir um sistema de

saúde público universal e de qualidade.

Salvador (2008, p. 262) acrescenta ainda que o gasto do FNS destinado aos

serviços de saúde públicos é menor do que com os serviços privados. No ano de 2006

foi disponibilizado cerca de R$ 562,00 por habitante do SUS, enquanto que para a

saúde complementar dos planos privados foi dispensado R$ 1.131,00 por beneficiário.

Outro aspecto importante é a utilização dos recursos do FNS para custeio de

planos, seguros e atendimento privado de saúde para os servidores e seus

dependentes. Que por se tratar de uma política de recursos humanos e de

32 Com os decretos n⁰ 2.847 e n⁰ 2.848/98 ocorre à regulamentação da transformação das fundações públicas em organizações sociais de direito privado sem fins lucrativos, com autorização para celebrar contratos de gestão e usufruir de parcela da dotação orçamentária.

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funcionamento da máquina pública, (deveria) ser realizado com os recursos do

orçamento fiscal.

Recentemente, a alteração da participação com os gastos públicos na Saúde,

preconizado pela emenda constitucional 29, promoveu a participação das

responsabilidades com o financiamento desta, ficando os Estados com 12% e os

municípios com participação de 15%. No entanto, a EC 29 não estipulou o percentual

mínimo de participação do Governo Federal.

Ao realizar o exercício da crítica no estudo sobre o Fundo Público da seguridade

social no Brasil, percebemos uma lógica de disputas no interior do Estado para

apropriação de parcelas cada vez mais significativas do orçamento da seguridade

social enquanto estratégia hegemônica de sustentação do Capitalismo Mundial na

contemporaneidade. Que a criação da DRU no governo FHC, ideologicamente

difundida como necessária para dar sustentação ao Plano Real, foi prorrogada no

governo Lula, o que Francisco de Oliveira (2003) considera haver um revezamento no

controle do acesso ao fundo público.

Analisamos também, as constantes investidas dos grandes setores econômicos

rentistas e financeiros, transfigurados em Estado, seja como Poder Executivo,

Legislativo ou Judiciário, na promoção da extinção das fontes exclusivas da seguridade

social, tal qual a proposta de Reforma Tributária presente nas contrarreformas do

Estado para atender a política neoliberal imposta pelos países capitalistas centrais.

Sob essa ordem do capital é desencadeado um processo complexo e

contraditório de produção e reprodução das relações sociais e econômicas que

potencializa o desvirtuamento dos recursos da seguridade social, não favorecendo a

distribuição da riqueza e renda no Brasil, afetando pois, diretamente as políticas

públicas, espaço de atuação dos assistentes sociais, o que requer novas exigências e

qualificações desses profissionais, dentre estas a apropriação teórica crítica capaz de

realizar a leitura dos orçamentos públicos enquanto espaço de lutas políticas e

interesses antagônicos e, consequentemente, base para o fortalecimento da luta pela

democracia e da participação política e garantia de direitos enquanto resultado histórico

do acúmulo das conquistas da classe trabalhadora, mediando a construção de uma

sociedade emancipada.

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3.4 BUROCRACIA E DIREITOS SOCIAIS: O MIX DOS CONTROLES PÚBLICOS NO

BRASIL.

Desde a década de 80 do século XX, em especial a partir da Constituição

Federal de 1988 e das Leis Orgânicas da Saúde, fruto de um período de efervescência

dos movimentos sociais contra a ditadura militar e o modelo médico assistencial

privatista de saúde, surge a expectativa de democratização do Estado, numa relação

recíproca e contraditória com a sociedade civil.

Para entender esse movimento entre o Estado e a sociedade civil se faz

necessário a recorrência à concepção gramsciniana presente nas análises de

CORREIA (2009) quando afirma que para Gramsci33 não existe a oposição entre

Estado e sociedade civil, e sim, uma relação hegemônica de uma classe sobre a outra

na disputa do poder. Por isso, a autora realça que o controle social no Brasil é

contraditório, tendo em vista funcionar tanto como mecanismo de consenso quanto

mecanismo de coerção em favor da preservação do domínio da classe burguesa no

interior do Estado.

O controle social das classes subalternas sobre as ações do Estado e sobre o destino dos recursos públicos torna-se um desafio importante na realidade brasileira para que se criem resistências à redução das políticas sociais, à sua participação e mercantilização. (CORREIA, 2009, p 117)

No entanto, apesar de ser consenso entre os autores34 que o controle social é

resultado do movimento de reforma sanitária brasileiro e que garante a participação

social nas decisões das políticas públicas, alguns atentam, contudo, para o que

CORREIA (2009) chama de giro neoliberal e destaca:

(...) o aspecto contraditório desses mecanismos de participação institucionalizada na área de Saúde, pois apesar de terem sido conquistados sob pressão, podem se constituir em mecanismos de legitimação do poder dominante e cooptação dos movimentos sociais. (...) (CORREIA, 2009, p 125).

33 Notas sobre o Estado e a Política. Maquiavel.34 CARVALHO (1995); BARROS (1998); RAICHELIS (2000); COHN (2000); BRAVO (2002) e ABREU (1999).

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Simionatto (2008) tece fortes críticas ao processo de formação de consensos do

Estado capitalista, que mediante a disseminação de valores e normas, minimiza os

recursos para as políticas públicas em nome da nacionalização das perdas e dos

déficits industriais

Atentos a essa manobra de cooptação do poder do capital sobre as classes

subalternas, analisamos sob a perspectiva histórica que os controles democráticos no

Brasil foram e são propósitos do movimento de reforma sanitária e compõem os novos

mecanismos democráticos do SUS. Nesse sentido, o controle social é uma forma pela

qual se garante o direito de participação real da sociedade na formulação,

implementação e controle das políticas e ações na área de saúde, sendo respaldada

pela Constituição Federal e a Lei Federal nº 8.142/90 e se dá por meio dos conselhos;

das conferências; dos fóruns; dos conselhos gestores; das regulações; das ouvidorias e

das auditorias.

Os conselhos de saúde foram instituídos no ano de 1990, no entanto

informações do CNS apontam a existência do Conselho Nacional de Saúde desde 1937

quando restringia a participação apenas aos membros do governo e especialistas em

Saúde Pública, sendo a presidência ocupada automaticamente pelo Ministro da Saúde.

Não apresentava caráter deliberativo e a participação da sociedade organizada não era

contemplada.

O começo da mudança desse cenário se deu no momento de realização da 8ª

Conferência Nacional de Saúde, em março de 1986, com a participação efetiva dos

segmentos da sociedade civil que reuniu cerca de cinco mil pessoas. Essa conferência

tinha como objetivo a legitimação da proposta de Movimento Sanitário em torno da

criação do SUS. A promulgação da Constituição Federal de 1988 sinalizou a

fundamental importância da participação popular na construção do modelo público de

saúde, fortalecida pela Lei nº 8.142/90 que materializou essa participação social na

gestão do Sistema Único de Saúde com a realização das conferências de quatro em

quatro anos para avaliar a situação da saúde, propor diretrizes para formulação das

políticas de saúde, e ainda, a criação dos conselhos permanentes, deliberativos e

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tripartite/paritários35 com o propósito de atuarem na formulação de estratégias e no

controle da execução da política de saúde e o bom uso dos recursos nas três esferas

de governo: federal, estadual e municipal.

Passados 20 anos de sua criação, os conselhos de saúde sobreviveram e se

organizaram no Brasil, porém um estudo realizado por pesquisadores da Ensp/Fiocruz36

indicou alguns limites e dificuldades ainda enfrentados por esses conselhos, que vão

desde a falta de estrutura física, equipamentos e orçamento para funcionamento

adequado, até a insuficiente capacitação para o desempenho do papel dos

conselheiros. Esse conjunto de dificuldades limita a autonomia dos conselhos.

Isso ocorre diante da estrutura contra-hegemônica dos conselhos, da

interferência destes nas decisões do Estado, papel justamente para o qual os

conselhos foram concebidos e que, se funcionassem adequadamente, com

conselheiros capacitados sobre as terminologias da política de saúde, a legislação do

setor, a história dos serviços, orçamento e financiamento nos governos etc. com

certeza, aumentaria a capacidade de argumentação e contra-argumentação, de

resistência política que, de uma forma ou de outra, representariam uma ameaça

constante à conservação das classes dominantes no poder.

Por isso, os conselhos de saúde são espaços de lutas de interesse

contraditórios, não são homogêneos, nem neutros. Os gestores de saúde ainda

preservam uma cultura autoritária, na qual não admitem dividir o poder político e

acabam entravando a possibilidade de uma gestão mais transparente. Isso acarreta a

perpetuação de um modelo de saúde centrado no medicamento de alto custo, nos

exames de alta complexidade, no curativo, no profissional médico, nas internações

hospitalares e consequentemente, nunca esteve tão ameaçado pela privatização, pela

insuficiência de recursos, totalmente distorcido do que propõe o SUS Constitucional.

35 A distribuição das vagas é paritária, ou seja, 50% da representação são destinadas a população por meio dos usuários ou entidades tais como associações de moradores, movimento populares de saúde, sindicatos e centrais sindicais, associações de famílias e portadores de patologias, de defesa dos direitos humanos e meio ambiente, dos estudantes etc. 25% são destinados aos trabalhadores de saúde, por meio de sindicatos, associações, conselhos profissionais e de servidores públicos e os 25% são destinados às instituições prestadoras de serviços de saúde e gestores do SUS nas três esferas do governo.36 Monitoramento e apoio à gestão participativa do SUS, coordenada pelos pesquisadores Marcelo Rasga e Sarah Escorel realizada no ano de 2006 com 91% dos conselhos, através do Cadastro Nacional de Conselhos de Saúde. Ver banco de dados do CNS.

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Portanto, Francisco Júnior37 enumera como fundamentos do controle social no

SUS: o desenvolvimento da cidadania; a construção de espaços democráticos; o

reconhecimento dos interesses diferentes e contraditórios na sociedade; a construção

de políticas e o desenvolvimento de programas e ações que beneficiem o conjunto da

população; a ação permanente; a vigilância, pelo cidadão, da ação do Estado,

objetivando o bem comum e contra a prevalência dos interesses privados.

O papel da sociedade civil na defesa do SUS é conhecer e zelar pelo respeito

dos seus princípios, especificamente: o direito universal à saúde; a atenção integral; a

igualdade de acesso; a descentralização; o controle social; a gestão única e estatal e o

financiamento.

Nesse sentido, evidenciamos que a participação popular não se reduz apenas

aos espaços dos conselhos, mas também a atomização dos movimentos sociais de

base e as outras formas de controle social existente na gestão do SUS no Brasil.

Um desses mecanismos do controle social no SUS já existentes em alguns

municípios, em cada Unidade de Saúde, são os conselhos gestores ou Comissões

Gestoras, ou ainda Conselhos Gestores de Unidade que são órgãos colegiados de

gestão participativa, de natureza deliberativa e fiscalizadora, criados por lei municipal

ou por ato do executivo, têm composição tripartite38 e reúnem-se regularmente, a cada

dois meses, e ou extraordinariamente, quando convocado por seu presidente ou

coordenador (a), ou por no mínimo 1/3 (um terço) dos seus membros.

Os conselhos gestores atuam no âmbito e abrangência da unidade de saúde. È

um órgão colegiado permanente do SUS e sua finalidade é garantir a participação da

população e dos trabalhadores no planejamento, acompanhamento, fiscalização,

avaliação e controle da execução das políticas, serviços e ações da saúde, assim

como, garantir o encaminhamento e fiscalização das deliberações e resoluções dos

conselhos de saúde.

Suas reuniões devem ser públicas e abertas à comunidade e ao Ministério da

Saúde, às secretarias estaduais e municipais de saúde, seguindo os princípios e

37 Perspectiva anunciada por Francisco Batista Júnior (Presidente do Conselho Nacional de Saúde) na Plenária de Participação e Mobilização popular em Saúde, no Seminário Nacional de Serviço Social em Saúde, em 09/06/2009 no Centro de Convenções de Olinda/PE.38 50% são de representantes dos usuários; 25% de representante dos trabalhadores da unidade e 25% destinado aos representantes da direção da unidade

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diretrizes do SUS, proporcionarão as condições necessárias, incluindo apoio técnico

para o funcionamento destes espaços democráticos de controlo social.

Não restam dúvidas de que os conselhos gestores constituem-se os novos

mecanismos de ampliação da participação popular e BIDARRA (2006) acrescenta “(...)

podem pôr freio às ações que pretendem desrespeitar os direitos sociais (...)”. No

entanto, a problemática é recorrente também nessa forma de controle democrático.

Um traço peculiar de autoritarismo social brasileiro consiste em imprimir às relações sociais uma forma de sociabilidade construída a partir do silêncio dos dominados, o qual é forjado, cotidianamente, por meio da desqualificação e, no extremo do espetáculo, da ridicularização dos discursos, dos códigos de interação e de pronunciamento dos “sujeitos falantes”. (BIDARRA, 2006. p 56)

Retomando o pensamento gramsciniano de que o Estado absorve demandas

das classes subalternas para viabilizar consensos, COUTINHO (1994: p 27) afirma que

(...) a dominação de classes não e manifesta apenas através da coerção (...) mas

resulta também de mecanismos de legitimação que assegurem o consenso dos

governados (...). Isso pode explicar a criação e funcionamento das ouvidorias dos SUS

como uma forma de controle democrático.

As ouvidorias são canais democráticos que permitem recepcionar, acolher e

disseminar informações prestadas pela população quanto à qualidade e satisfação dos

serviços públicos de saúde. São ferramentas estratégicas de comunicação abertas à

comunidade, de promoção da cidadania e produção de informações acessíveis que

poderão contribuir para o aperfeiçoamento dos serviços públicos em saúde.

O funcionamento do Sistema Nacional de Ouvidorias em Saúde permitirá, de

forma descentralizada, o acesso à integração do conjunto das ouvidorias em saúde nas

três esferas de gestão, a partir da estruturação de três serviços: Disque Saúde; Serviço

de Atendimento ao Cidadão usuário do SUS (SAC-SUS) e Centro Nacional de

promoção da qualidade e proteção ao usuário do SUS (Pró- Saúde). No entanto, a

aparente lentidão e desinteresse dos gestores da saúde em viabilizar o efetivo

funcionamento das ouvidorias nas três esferas da gestão do SUS comprometem a

democratização das informações sobre os serviços da saúde.

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COUTINHO (1994; p 19) aponta um sentido para esse entrave e mostra que “O

Estado, assim, é um estado de classe: não é a encarnação da Razão universal, mas

sim uma entidade particular que, em nome de um suposto interesse geral, defende os

interesses comuns de uma classe particular”.

Já adentrando o burocratismo39 do Estado, a regulação se constitui como um

mecanismo de controle interno exercido nos três níveis de gestão da saúde. E tem a

competência de fazer valer o cumprimento das regulamentações que orientam a

Política de Saúde na produção direta das ações e serviços de saúde nos diversos

níveis de complexidade40, ambulatorial e hospitalar. E ainda, a regulação do Estado

sobre sistemas comportam ações do gestor federal sobre os estados, municípios e o

setor privado não vinculado ao SUS, sempre por meio de normas e portarias atreladas

aos mecanismos financeiros, do gestor estadual sobre os municípios e seus

prestadores, do gestor municipal sobre os prestadores e a auto-regulação.

A instrumentalidade desse processo regulatório requer um verdadeiro arsenal de

documentos, relatórios, planos, protocolos, pactos e um sistema informatizado e

programado para cumprir prazos inflexíveis e pré estabelecidos pelo governo federal

aos estados e municípios atrelados a uma diversidade de siglas especificas

relacionadas a cada instrumento de planejamento da gestão correspondente.

O fluxograma abaixo se refere à lógica do funcionamento dos instrumentos de

planejamento da gestão municipal da saúde e sinaliza a vinculação desses

mecanismos de controle e de informações com a dotação orçamentária.

39 Termo utilizado por Décio Saes em Estado e Democracia: ensaios teóricos. 1998, caracterizando como um conjunto particular de normas de organização do aparelho do Estado.40 (básica, média e alta)

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Fluxograma 1: Fluxograma de Planejamento e Gestão do SUS

(Fonte: BRASIL, 2009; p 52)

O PAS ou Plano Anual de Saúde é uma revisão das metas e objetivos anuais do

PMS (Plano Municipal de Saúde) que é elaborado a cada quatro anos considerando as

diretrizes aprovadas na Conferência Municipal de Saúde.

O PPA ou Plano Plurianual é um instrumento de planejamento das ações da

administração pública, que definem diretrizes, objetivos, metas e programas a serem

implantados no período de 4 (quatro) anos. Do Plano Plurianual surgem a Lei de

Diretrizes Orçamentárias41 e a Lei de Orçamento Anual42.

41 Esta Lei tem por finalidade fazer a conexão entre o planejamento de longo prazo representando a PPA e as ações políticas e necessárias no dia-a-dia, concretizadas no Orçamento Anual. 42 A Lei Orçamentária Anual disciplina todos os programas e ações do governo municipal no exercício. Nenhuma despesa pública pode ser executada sem estar prevista no Orçamento. Para um projeto ser incluído no Orçamento tem que estar previsto no Plano Plurianual.

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O RAG (Relatório Anual de Gestão) foi instituído pela Portaria GM/MS n°

3.176/2008 como instrumento de prestação de contas da gestão municipal a partir do

desempenho financeiro, das metas e programações dos serviços de saúde

estabelecidas na PAS, após aprovação do Conselho Municipal de Saúde, o RAG é

encaminhado para a CIB43 (Comissão Intergestora Bipartite). Não há necessidade de

encaminhar o RAG para a CIT44 (Comissão Intergestora Tripartite) nem para o

Ministério da Saúde, no entanto devem ser disponibilizado aos órgãos de controle

social.

O Termo de Compromisso de Gestão – TCG regulamentado pela Portaria

GM/MS nº 399/2006 é um instrumento que representa as ações e as responsabilidades

sanitárias assumidas pelo gestor local e obrigatoriamente devem estar expressas no

Plano Municipal de Saúde.

Outros instrumentos necessários para o planejamento e avaliação das ações são

o PDR (Plano Diretor Regional) e o PDI (Plano Diretor de Investimentos), sendo o

primeiro a formatação da região de saúde em sua expressão física e política e o

segundo, responsável pela somatória de investimentos necessários e pactuados no

CGR (Colegiado de Gestão Regional) que é formado por todos os gestores municipais

de saúde da região para a formatação da PPI.

Essa burocracia minimiza o humanismo do trato da coisa pública e gera

dificuldades de entendimento por parte dos usuários e dos conselheiros de saúde.

No entanto, existe também outro tipo de regulação que pode ser colocada como

uma forma de controle democrático do SUS, a regulação do acesso à assistência ou

regulação assistencial, que representa um conjunto de relações, conhecimentos,

tecnologias e ações no sentido de canalizar as demandas dos usuários ao acesso dos

serviços de saúde. De acordo com as diretrizes do SUS, essa regulação deve se dá de

forma oportuna, ordenada, eficiente e eficaz.

Nesse cenário, vislumbramos que as auditorias públicas de saúde podem

desempenhar, enquanto instrumento de regulação e sob a perspectiva do projeto de

43 É o foro maior de pactuação da gestão do SUS no estado. Nessa comissão só participam os gestores.44 É o foro maior de pactuação da gestão do SUS no país, e composta por representantes do CNS (Conselho Nacional de Saúde), CONASS (Conselho Nacional de Secretários de Saúde), CONASEMS (Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde) e COSEMS (Conselho Estadual de Secretários Municipais de Saúde).

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reforma sanitária, além do papel fiscalizador da aplicação dos recursos do fundo público

e avaliador da qualidade dos serviços prestados na área de saúde, também a função de

canalizador das informações contidas nos relatórios de auditorias para o conhecimento

dos mecanismos de controle democrático, de forma sistematizada e permanente.

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4 SERVIÇO SOCIAL E AUDITORIAS PÚBLICAS DO SUS: PARA ALÉM DA

DIMENSÃO BUROCRÁTICA

4.1 AUDITORIAS PÚBLICAS DE SAÚDE – SUS: CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA

NO BRASIL

As estratégias de reordenamento do capitalismo mundial nos moldes da

ideologia neoliberal propostas pelos organismos internacionais FMI e Banco Mundial

promovem uma concepção de Estado baseado nas forças do mercado, em detrimento

de sua dimensão pública e democrática. Assim, deixa de ser provedor de serviços

públicos e passa a desempenhar a função de promotor da mercantilização dos direitos

sociais e regulador das iniciativas privadas, atendendo aos interesses das classes

dominantes que se perpetuam no interior do Estado. Desempenhando, por conseguinte,

um papel fundamental de alienação da sociedade, tanto nos processos de

privatizações, quanto no alastramento das “agências executivas de políticas públicas”45.

Assim, esse processo de flexibilização e descentralização favorece a separação

entre a formulação e a execução das políticas públicas, na qual o Estado formula e as

Agências executam. E ainda, permite o avanço do capital sob os serviços públicos

através da mercantilização, ou seja, da transformação dos direitos sociais em

mercadorias, passíveis de compra. No entanto, a sociedade, via controle social, impõe

ao Estado criar também os mecanismos internos de fiscalização, enquanto

instrumentos de supervisão e controle dos serviços oferecidos à população enquanto

direitos conquistados. Segundo Behring (CFESS/ABEPSS, 2009) do ponto de vista da

totalidade, a política social é o resultado de contradições estruturais: lutas de classes e

processo de valorização do capital, ou seja, configura-se como mediação entre

economia e política.

Desde o final do século XX, vivenciamos o gradual desmonte da Seguridade

Social forçada pela lógica do seguro, desconfigurando direitos conquistados

45 Como aspecto de destaque do processo de contrarreforma do Estado está a expressa criação das agências executivas de Políticas Públicas: ONGs, Instituições Filantrópicas, não lucrativas. Enfim, ocorre a regulamentação do terceiro setor, o fortalecimento do voluntariado. O que Behring (2008) vai chamar de “nova arquitetura institucional”.

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constitucionalmente: Saúde, Assistência e Previdência. Fragilizando os espaços

democráticos de controle social, usurpando recursos do orçamento para fins

monetários, isenção e sonegação fiscal que provocam enormes perdas de

arrecadação fiscal. Enfim, o descaso do Estado na gestão dos recursos públicos e os

incentivos aos planos privados de aposentadorias, privatização dos serviços, fragilizam

a Seguridade Social Pública.

(...) a seguridade social brasileira, fruto das lutas e conquistas da classe trabalhadora, é espaço de fortes disputas de recursos e poder, constituindo-se em uma arena de conflitos. A defesa e ampliação dessas conquistas e o posicionamentos contrário às reformas neoliberais regressivas são desafios permanentes e condições para consolidação da seguridade social pública e universal. (BOSCHETTI, CFESS/ABEPSS 2009. p. 336)

As políticas de Seguridade Social representam a conquista de direitos sociais a

partir de disputas políticas de interesses antagônicos. Por isso, MOTA (1995) analisa

que é imprescindível difundir a existência de uma cultura de crise como condição

necessária para a legitimação da contrarreforma do Estado e das políticas regressivas

neoliberais, que formam um novo consenso e mantêm as bases hegemônicas do

capital. Com isso, observa-se uma cultura ofensiva do capital contra qualquer forma de

regulação estatal através de mecanismos democráticos de controle social.

O processo de descentralização da gestão do sistema de Saúde no Brasil como

estratégia fundamental para redefinição do papel do Estado nas suas funções públicas

de normatizar, regular e garantir o acesso da população aos serviços de saúde com

qualidade, equidade, integralidade e universalidade, configura-se um modelo de

sistema contra hegemônico que constantemente vem sendo desfigurado com políticas

nocivas e regressivas, descaracterizando os princípios que nortearam o projeto de

reforma sanitária.

Assim, a auditoria em serviços de saúde constitui-se uma ferramenta de controle

interno do Estado, que diante do modelo político e organizacional, vem assumindo uma

posição de destaque na estrutura regimental para manutenção e desenvolvimento do

SUS para a administração pública.

Apesar de ser amplamente consolidado na área econômica, frequentemente

utilizado pelas ciências contábeis como uma referência para procedimentos de

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operações financeiras, registros contábeis, na função de controle e análise das ações e

serviços, a auditoria utilizada na área da saúde, independente de suas diversas

apropriações, desenvolve-se através de um processo sistemático e crítico, que analisa

instituições que prestam serviços à população através do financiamento do SUS,

visando à otimização da gestão administrativa com verificação e controle da execução e

implementação das políticas públicas.

Ao desenvolver essas práticas, a auditoria em serviços de saúde reproduz a

estrutura burocrática que norteia a adoção de leis, regulamentações, portarias e

decretos estabelecidos hierarquicamente pelo Estado, com o intuito de verificação da

conformidade da ação ou serviço. Alguns autores como Saes (2003, p. 25) chama a

atenção quanto ao papel fundamental da burocracia do Estado para a manutenção da

sociedade de classes: “a burocracia estatal, que governa em nome do princípio da

competência (...)” é um conjunto particular de normas impositivas e reguladoras das

relações sociais que mantém o Estado burguês.

Tendo em vista que, historicamente, a gestão descentralizada da saúde tem sido

dominada pela burocracia travestida das necessidades dos prestadores de serviços,

por isso as diretrizes do SUS não foram implantadas em sua totalidade conforme os

preceitos defendidos no projeto de reforma sanitária. Pode-se citar: a descentralização,

entendida enquanto divisão de responsabilidades pelas ações e serviços de saúde,

distribuída entre as esferas de governo, considerando que a chance de acerto de uma

decisão será maior se ela for tomada pelo ente federado que estiver mais próximo do

fato que a mobilize. Tendo, assim, como principal estratégia de materialização da

descentralização do SUS a municipalização da saúde enquanto instrumento

fundamental para a redefinição do papel do Estado nas funções públicas de

normatização; regulação e garantia do acesso da população aos serviços de saúde. No

entanto, a insuficiência de recursos públicos e a burocracia legal acarretam a falta de

autonomia local para execução adequada das políticas de saúde.

SOARES (2003, p. 32) analisa também a estratégia de descentralização como

propensa a corrupção e perda do controle fiscal, pois segundo a autora, essa estratégia

faz parte do ideário neoliberal, que tem como instrumentalidade a privatização das

políticas públicas.

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No entanto, mesmo distante da consolidação dos princípios do projeto de

reforma sanitária, permeado por interesses contraditórios, a descentralização da gestão

do sistema de saúde no Brasil, vem sendo implantada lentamente e alguns movimentos

como: as AIS, SUDS, SUS em suas Legislações específicas, até as Normas

Operacionais Básicas: 01/91 (BRASIL, 1991); 01/93 (BRASIL, 1993) e 01/96 (BRASIL,

1996), fizeram com que os municípios assumissem cada vez mais autonomia na

organização política dos sistemas de saúde, inclusive nas ações de auditoria como

parte dos mecanismos de controle clássico de responsabilização. É, pois, um atributo

da administração pública previsto no direito administrativo, com a responsabilidade

constitucional de acompanhar o desenvolvimento das ações de todos os serviços

municipais de saúde, ligados à administração direta ou indireta, mesmo os prestadores

de serviços contratados. O Decreto n⁰ 1.651/95 (BRASIL, 1995) do Ministério da Saúde

regulamenta o SNA (Sistema Nacional de Auditoria) e define suas competências nos

três níveis de gestão: Federal; Estadual e Municipal.

Para o fortalecimento da gestão, o Pacto pela Saúde (BRASIL, 2006 b)

estabelece que o financiamento pode ser garantido através do Bloco de Gestão que se

destina ao custeio de ações específicas relacionadas à organização dos serviços de

saúde, acesso da população e aplicação dos recursos financeiros do SUS com a

implantação e funcionamento das ações de regulação, controle, avaliação e auditoria,

definindo como responsabilidade dos municípios e Distrito Federal, a auditoria de todas

as ações e serviços de saúde, públicos ou privados, sob sua gestão. Cabendo ao

Estado, acompanhar a constituição da auditoria nos municípios, articulando os serviços

pactuados. E à União cabe a responsabilização pela constituição, qualificação e

verificação dos serviços de auditoria direcionados aos prestadores de serviços

vinculados ao SUS.

Na NOB/SUS 1993 fica estabelecido que o gestor municipal é responsável pelo

controle, avaliação e auditoria das instituições prestadoras de serviços, sejam privados,

filantrópicos ou próprios localizados no município, porém quando os serviços prestados

em outros municípios necessitar de uma avaliação específica ou auditoria, o gestor

municipal recorre ao gestor estadual para realizar o trabalho.

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Alguns autores46 relatam que LAMBECK, em 1956, nos Estados Unidos, utilizou

pela primeira vez o conceito de auditoria (audit) para os serviços de saúde com a

finalidade de avaliar a qualidade dos processos e resultados, através da observação

direta dos prontuários dos pacientes. Porém, no Brasil a história da auditoria em saúde

nos mostra que antes de 1976 as atividades de auditoria eram realizadas por

supervisores do INPS (Instituto Nacional de Previdência Social) apenas por meios da

apuração dos prontuários dos pacientes e em contas hospitalares. À época não havia

auditoria direta nos hospitais.

A partir de 1976, as chamadas “contas hospitalares” transformaram-se em Guia

de Internação Hospitalar – GIH. Nesse período, as atividades de auditoria ficam

estabelecidas como o controle formal e técnico.

No ano de 1978, é criada a Secretaria de Assistência Médica, subordinada ao

INAMPS (Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social). Com a

necessidade de aperfeiçoamento da GIH, cria-se, então, a Coordenadoria de Controle e

Avaliação nas capitais e, nos municípios, o Serviço de Medicina Social.

No início da década de 1980, a GIH é substituída pela AIH (Autorização de

Internação Hospitalar) ainda no Sistema de Assistência Médica da Previdência Social.

Em seguida, fica reconhecido o cargo de médico auditor e a auditoria passa a ser

realizada nos próprios hospitais.

Com a Lei n⁰ 8.080/90 (BRASIL, 1990) do SUS, estabelece a necessidade de

criação do Sistema Nacional de Auditoria – SNA, enquanto instrumento fiscalizador e

coordenador da avaliação técnica e financeira do SUS, em todo território Nacional. A

regulamentação da auditoria em saúde com o SNA representa um esforço de

fortalecimento e consolidação do SUS enquanto Política de Estado.

De acordo com o Decreto n⁰ 5.974 de 2006 (BRASIL, 2006 a) torna-se evidente

a importância da auditoria ao posicioná-la no novo organograma do Ministério da Saúde

em secretarias distintas e ligada diretamente à Secretaria de Gestão Estratégica e

Participativa.

Pela reestruturação regimental do SNA, com o Decreto n⁰ 3.496/00 (BRASIL,

2000) o DENASUS (Departamento Nacional de Auditoria do SUS) passa a determinar

46CALEMAN, MOREIRA e SANCHES (1998)

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as responsabilidades dos órgãos de auditoria, controlando e avaliando a correção de

irregularidades praticadas no SUS, assim como, deve prestar assessoria direta ao

Gabinete do Ministério da Saúde.

A extinção do INAMPS, em 1993, propicia a criação da Lei n⁰ 8.689/93 que

estabelece como competência do SNA: o acompanhamento, a fiscalização, o controle e

a avaliação técnico-científica, contábil, financeira e patrimonial das ações e serviços de

saúde. Diante disso, assume além da análise técnica, a função de reorientação nos

processos gerenciais, estruturado e operacionalizado por práticas de natureza

interdisciplinar, multiprofissional, interinstitucional e intersetorial. Isso possibilitou um

avanço da Auditoria enquanto mecanismo capaz de sugerir alternativas de melhorias

políticas e institucionais do desempenho operacional e o redirecionamento das políticas

públicas, buscando a qualidade dos serviços.

Sob uma perspectiva marxista de totalidade, refutamos a ideia de que a crise

contemporânea está localizada no Estado, ou menos ainda no trabalho. Observamos

que a crise é uma reação do capital ao ciclo depressivo iniciado nos anos 1970 do

século XX, impondo a necessidade de refuncionalidade do Estado, assim como a

transformação do mundo do trabalho.

Nesse sentido, a contrarreforma do Estado apresenta-se como alternativa

passiva de modernização conservadora, efetivada por reajustes fiscais, pela correção

de distorções e redução de custos. E impõem as privatizações das empresas estatais

como único caminho a ser adotado para a diminuição da dívida pública e a garantia da

eficiência e da qualidade dos serviços. Oliveira (2003. p. 150) demonstra criticamente

que “restam apenas as “acumulações primitivas”, tais como as privatizações

propiciaram: mas agora com o domínio do capital financeiro, elas são apenas

transferências de patrimônio (...).”

Esse é o reordenamento do capitalismo mundial nos moldes da ideologia

neoliberal, que promove uma concepção de Estado baseado nas forças do mercado,

em detrimento de sua dimensão pública e democrática. Um Estado que deixa de ser

provedor de serviços públicos e passa a desempenhar a função de promotor da

mercantilização dos direitos sociais e regulador das iniciativas privadas.

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Baseado nessa perspectiva, esta seção discorrerá um breve histórico da criação

e regulamentação das auditorias públicas de saúde no Brasil, enquanto ferramenta

consolidada na estrutura regimental da Gestão do SUS, através do SNA.

Segundo Melo (2007), apesar de poucos relatos bibliográficos, apenas algumas

regulamentações como o Decreto n 809/93, datam o início da presença dos trabalhos

de auditoria na saúde do Brasil. No entanto, há evidências que a auditoria em serviços

de saúde tenha sido importada do modelo norte americano de acreditação hospitalar

Peer Review, uma espécie de auditoria que seguia padrões estabelecidos pelo Colégio

Americano de Cirurgiões no ano de 1972. Tendo em vista que o SNA, respaldado em

manuais próprios, também realiza o programa de acreditação hospitalar47, baseado em

padrões construídos por profissionais técnicos especializados que estabelecem as

bases jurídicas, financeiras e estruturais de funcionamento dos hospitais.

Como já foram tratadas na parte introdutória deste trabalho, as auditorias em

saúde no país, têm uma trajetória histórica recente, datada dos anos 1990 do século

XX, com forte realce no modelo burocrático e regulador, necessários à manutenção do

controle interno do Estado. Entretanto, apesar da presença da forte herança da

concepção primária de “auditoria médica” 48 na qual os trabalhos de auditoria eram

centrados no profissional médico que realizavam inspeção direta nos prontuários

médicos, com a priorização das diretrizes do SUS, os trabalhos de auditoria foram

sistematizados como instrumentos de suporte estabelecidos para avaliar os serviços,

sugerir mudanças e aperfeiçoar os programas enquanto políticas públicas.

O percurso histórico das políticas públicas, em especial as políticas de saúde no

Brasil é marcado por avanços e recuos, os anos 90 do século XX caracterizou a

abertura das estratégias de investidas do capital na desestatização das políticas

públicas.

Apesar do SUS ter representado um marco nos processos de saúde no Brasil, o

Estado, através de uma política de ajuste49 desenvolve um modelo gerencial burocrático

que favorece a criação de uma esfera pública não estatal articulada ao mercado.

47 É uma metodologia que vem sendo desenvolvida pela auditora para apreciar a qualidade da assistência médico hospitalar em todos os serviços de um hospital.48 Zanon (2001) defende que esse termo foi criado em 1943 por Vergil Slee.49 Medidas baseadas em contenção de gastos, racionalização das ofertas de serviços, descentralização e desresponsabilização do Estado, privatizações, refilantropização etc.

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Promove a reatualização do modelo médico assistencial privatista e hospitalar em

detrimento das ações de promoção e proteção à saúde, fruto do processo de

redemocratização da saúde do movimento de reforma sanitária dos anos 1980.

Bravo (2009) refere-se à presença de um projeto de saúde hegemônico na

segunda metade da década de 90 do século XX, adverso ao SUS Constitucional, pois

está articulado a política de ajuste neoliberal. Tendência da pós modernidade, o projeto

de saúde privatista segue a lógica das concepções cientificas individualizadoras e

fragmentadas.

Seguindo essa tendência, os trabalhos de auditorias públicas em serviços de

saúde consistem na análise e verificação operativa, avaliação da qualidade dos

processos, sistemas e serviços e a necessidade de melhoria ou de ação preventiva,

corretiva e saneadora, objetiva propiciar a alta administração informações necessárias

ao exercício de um controle efetivo sobre a organização do sistema de saúde e

contribuir para o planejamento das ações.

Apesar de existir consenso referente ao caráter burocrático da auditoria, que

reproduz a estrutura gerencial da máquina administrativa ao adotar normas e padrões

de forma hierarquizada na condução dos trabalhos, alguns autores analisam a

diversidade de conceitos sobre as bases que sustentam a auditoria. Barzelay (2002)

aponta que a auditoria é uma forma de investigação que busca verificar o cumprimento

de critérios e ações, considera importante as transformações que produz na gestão. Já

Pina e Torres (2001) consideram a auditoria como importante para a administração

pública, pois é sustentada nos princípios de eficiência, eficácia e efetividade.

Sendo a auditoria interna (assessoria e planejamento) ou externa (de caráter

investigativo), analítica50 ou operacional51, o que torna importante salientar é que

historicamente foi construída uma proximidade entre a metodologia dos trabalhos de

auditorias e os métodos de pesquisa em ciências sociais. Promoveu-se pois, quase que

50 Baseia-se no desenvolvimento de atividades que têm por objetivo aprofundar as análises de aspectos específicos do sistema de saúde, ou seja, é voltada para a avaliação quantitativa, inferindo, em algumas situações, a qualidade das ações de saúde.51 Consiste na realização de atividades voltadas para o controle das ações desenvolvidas pela rede de serviços de saúde. Concentra-se nas condições da rede física, nos mecanismos de regulação e no desenvolvimento das ações de saúde.

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uma fusão entre auditoria e avaliação, na qual uma atividade complementa a outra,

enquanto ferramentas da gestão do SUS.

As ações de auditoria analítica e operacional constituem responsabilidade das três esferas gestoras do SUS, o que exige a estruturação do respectivo órgão de controle, avaliação e auditoria, incluindo a definição dos recursos e da metodologia de trabalho. É função desse órgão definir, também, instrumentos para realização das atividades, consolidar as informações necessárias, analisar os resultados obtidos em decorrência de suas ações, propor medidas corretivas e interagir com outras áreas da administração (...) (BRASIL, 2006. p 85-86 NOB/SUS 1993).

Também, sob esse aspecto, o que de novo se coloca enquanto instrumental

efetivo das ações das auditorias no SUS é o Termo de Ajuste Sanitário52. Documento

considerado um progresso para a saúde no Brasil, pois permite ao Ministério da Saúde,

por meio do Departamento Nacional de Auditoria do SUS (DENASUS), corrigir

impropriedades constatadas pela auditoria. Garante entre os gestores das três

instâncias do SUS o devido financiamento das políticas de Saúde e o acesso dos

usuários com o ressarcimento do dinheiro público.

É importante salientar que o Termo de Ajuste Sanitário somente poderá ser

assinado quando não houver má administração do dinheiro público ou quaisquer

ilegalidades. Se um gestor, por exemplo, recebe da União recursos para contratação de

profissionais para o desempenho dos serviços da atenção básica e utilizar esses

recursos para outros fins, que não sejam estes, mas ligados ao SUS, isso se

caracterizará como uma impropriedade e não uma ilegalidade ou malversação do

recurso. Constatado um ato assim, o município ou o Estado podem propor a assinatura

do termo, comprometendo-se com o MS a utilizar recursos próprios para repor ao seu

respectivo Fundo de Saúde em conta específica do programa/ação desfinanciado.

Um dos principais objetivos desse termo é melhorar a ação de auditoria no SUS,

agilizando o processo de correção e adequação da impropriedade e trazer maior

transparência à gestão diante da obrigatoriedade de constar no Relatório de Gestão o

ocorrido. Dessa forma, os recursos permanecem no município ou no estado,

fortalecendo o SUS. No entanto, esse instrumento da auditoria não se aplica aos 52 Portaria GM/NS nº 2.046, de setembro de 2009.

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recursos repassados mediante a celebração de convênio, acordo, ajuste ou

congêneres; quando houver infração à Lei, bem como aos prestadores de serviços

filantrópicos/privados.

Inegavelmente, essa estratégia de preservação dos recursos públicos, através

desse recém criado instrumento de auditoria não corresponde aos interesses do SUS.

Pois resguarda as formas autárquicas de gestão.

O SNA (Sistema Nacional de Auditoria) foi instituído no Ministério da Saúde pela Lei

Federal nº 8.689/93, mas seu § 2º “(...) a descentralização do Sistema Nacional de

Auditoria far-se-á dos órgãos estaduais e municipais e de representação do Ministério

da Saúde em cada Estado da Federação e no Distrito Federal” ainda está em

construção nas três esferas de gestão: Federal; Estadual e Municipal. Pois é possível

identificar, no processo de pesquisa deste trabalho, que o funcionamento do sistema de

auditoria é desarticulado e as composições das equipes apresentam cursos diferentes,

cada esfera de gestão do SNA se organiza respaldado em interesses diversos, tanto na

estrutura física, quanto na composição de seus funcionários.

Na esfera federal, o órgão responsável pela auditoria do SUS é o DENASUS

(Departamento Nacional de Auditoria do SUS) que realiza a avaliação das ações

gerenciais e dos procedimentos referentes ao atendimento ambulatorial e hospitalar,

aos programas, projetos e atividades, “(...) com a finalidade de emitir parecer sobre a

promoção da assistência à saúde ofertada à população, quanto ao aspecto da

eficiência, eficácia e economicidade” (BRASIL, 2005. p. 228). Dentre as competências

do DENASUS está também a responsabilidade de fortalecer as auditorias estaduais e

municipais que formam o SNA, promovendo assim, a unificação dos processos e

práticas das auditorias nas três esferas de gestão, o aperfeiçoamento organizacional,

normativo e a formação de recursos humanos.

No estado do Rio Grande do Norte, o órgão responsável pelas auditorias públicas

de saúde é o SEA (Sistema Estadual de Auditoria) que compõe a estrutura da SESAP

(Secretaria Estadual de Saúde Pública). Funciona no prédio da SESAP, localizado no

centro da cidade de Natal/RN e nas URSAPs (Unidades Regionais de Saúde Pública)

desenvolve a auditoria analítica e a auditoria operacional, tanto dos serviços de saúde,

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das denúncias domiciliares, quanto das auditorias de gestão nos municípios, serviços e

prestadores que recebem recursos estaduais.

No ano de 2008 do século XXI, ocorreu a realização do concurso público para

provimento do cargo de auditor em serviços de saúde, por representar uma ferramenta

legítima de acesso ao cargo, marcou a conquista dos profissionais de várias áreas da

saúde com especialização em serviço de saúde, pois sinalizou o início do processo de

construção da autonomia do auditor, tendo em vista que até então os profissionais eram

indicados para os cargos de auditores por questões políticas e influências pessoais.

Entretanto, o que sinalizaria na realidade o avanço para essa precarização do

trabalho não apenas de uma categoria, mas de todos os trabalhadores da saúde seria a

efetivação do Plano de Cargos Carreiras e Salários Unificado do SUS53.

O processo de descentralização, que nada mais é do que o atendimento às

determinações constitucionais e legais que embasam o SUS para efetivação da

transferência de responsabilidades de gestão, que definem atribuições comuns e

competências específicas aos entes federados, baseado também na Portaria GM/MS nº

399/06 que trata das Diretrizes Operacionais do Pacto pela Saúde define as

responsabilidades na regulação, controle, avaliação e auditoria dos municípios.

No estado do RN, apenas os municípios com gestão plena54 tem suas equipes de

auditorias em serviços de saúde criadas e regulamentadas de acordo com as

normatizações do SNA. No entanto, o Ministério da Saúde, considerando a diversidade

econômica, política, social e epidemiológica explicita no território brasileiro, impõe à

adequação de todas as gestões municipais a Portaria GM/MS nº 399/06 e intensifica a

cobrança da criação e regulamentação das auditorias públicas em todos os municípios

do país para um melhor controle das ações e serviços de saúde ofertados pelo SUS.

Diante dessa emergente responsabilidade para as gestões municipais de saúde,

acontecerá impreterivelmente tanto o aumento significativo das equipes de auditorias 53 Ao Ministério da Saúde compete apoiar e estimular a instituição de Planos de Carreira, Cargos e Salários nos estados, municípios e Distrito Federal, e estabelecer uma política de gestão do trabalho articulada que compatibilize as diferentes realidades sociais e institucionais. Assim, a adoção de diretrizes possibilitará a construção de uma Carreira Unificada, com estruturas semelhantes em todos os órgãos do sistema, facilitando, dessa forma, a criação de uma identidade e de uma cultura próprias dos trabalhadores do SUS.

54 Na gestão plena, os municípios recebem os recursos da assistência especializada ambulatorial e hospitalar e de assistência básica fundo a fundo.

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em serviços de saúde quanto o fortalecimento das auditorias municipais dos SUS já

existentes, que funcionam nas secretarias municipais de saúde, com sala própria

estruturada e informatizada para o trabalho multifuncional e coletivo, sendo utilizado

tanto para a realização de trabalhos burocráticos e reuniões, quanto para atendimento

ao público. Os usuários do SUS buscam as auditorias municipais com o objetivo de

obter informações sobre autorizações e agendamentos de procedimentos e cirurgias

diversas. Sem qualquer privacidade, os usuários expõem seus limites e dificuldades.

Quanto à composição dos recursos humanos das auditorias municipais de saúde

pesquisadas, foi evidenciado que apesar de regulamentadas por leis municipais, as

formas de nomeações são orientadas por indicações políticas, tendo em vista ser o

cargo de auditor uma função gratificada. Essa instabilidade representa um ponto crítico

da auditoria, pois gera insegurança dos profissionais nos resultados de suas ações.

4.2 O TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL NAS EQUIPES DE AUDITORIAS DO

SUS: DEMANDAS E DESAFIOS.

É bem verdade que a bibliografia sobre tal temática é recente e escassa.

Contudo, apesar desses limites, alguns estudos já apontam preocupações referentes a

necessidade de maiores aprofundamentos científicos para o desvelamento da

caracterização da auditoria enquanto prática profissional do assistente social. Algumas

produções55 dos anos 1970 do século XX trazem a discussão sobre essa temática, no

entanto, ao final dessa década, com a efervescência dos movimentos sociais dos anos

1980 do mesmo século, o tema ficou lateralizado pelos profissionais apesar dos

resultados de pesquisas dessa época já demonstrarem a dificuldade na definição das

assessorias, consultorias, avaliações e auditorias enquanto espaço sócio ocupacional

do assistente social e de sua atuação profissional.

Já nos anos 1990, diante da conjuntura produtiva e a reforma do aparelho do

Estado, que exige a reorganização das Instituições e do aprofundamento do

conhecimento do Serviço Social, o tema anteriormente citado retorna com destaque.

55 “Assessoria: uma função do Serviço Social” (Trabalho de Conclusão de Curso no ano de 1977 na PUC) de Márcia Vasconcelos, Maria Elisa Savoy e Suely Guirado,

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Porém persistem as velhas limitações no plano da caracterização do trabalho do

assistente social nas equipes de auditorias, consubstanciadas pela escassez de

referencial teórico, que dificultam o aprofundamento das discussões e das análises

críticas.

Com o intuito de desvelar as questões até então apresentadas, nessa pesquisa

realizamos entrevistas com as assistentes sociais que trabalham nas equipes de

auditorias públicas do SUS do Estado e dos municípios com gestão plena em saúde.

De acordo com a Resolução CNS Nº 196/96, as entrevistadas receberam nomes

fictícios para garantir a preservação das suas identidades.

Para iniciar o procedimento da pesquisa foram perguntadas às entrevistadas

envolvidas no processo de pesquisa “o porquê” de trabalhar em auditoria em serviços

de saúde. E Solar nos respondeu que faz parte da SESAP/RN (Secretaria Estadual de

Saúde Pública do RN) e foi convidada para compor a equipe do SEA devido à

experiência na área de saúde, pois já tinha exercido as funções de direção de hospital,

coordenação de saúde mental e compôs o GAHP, um grupo que auditava hospitais

psiquiátricos, e principalmente porque se identifica e gosta do trabalho de auditoria em

serviços de saúde. Já Estrela nos disse que sempre gostou da área de saúde e o curso

de especialização em saúde pública proporcionou sua permanência na área de saúde,

momento que surgiu o convite para trabalhar na auditoria como profissional contratado.

Estrela relata ainda que os fatores que contribuíram para sua inserção na equipe de

auditoria foram: o interesse pessoal; o convite que recebeu da coordenadora em

auditoria e a curiosidade em conhecer o sistema de funcionamento do SUS, as

autorizações, as AIHs etc. Quando a mesma pergunta foi direcionada a Brisa, esta nos

informou que a escolha partia do sentimento de ajudar, de acompanhar o atendimento e

dar qualidade aos serviços, acrescenta que os fatores que contribuíram para sua

inserção na equipe de auditoria estão relacionados ao processo de sua implantação,

tendo em vista que “(...) na época, quando começou, a equipe era multidisciplinar e a

inserção dos profissionais, dentre eles o assistente social, não tinha critério técnico,

bastava ser servidor público, integrante do quadro de pessoal dos órgãos que

compõem o SUS”. Sendo ainda, de acordo com a Lei Municipal nº 5.336/2001 função

gratificada.

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Analisa-se sobre essas respostas que os assistentes sociais, num contexto de

avanços macro econômicos e políticos que promovem a reforma estrutural do Estado, a

intensificação do seu aparato regulador/burocrático e a conseqüente abertura para a

mercadorização dos serviços de saúde, esses profissionais foram chamados a compor

os processos de trabalho coletivo do SUS, dentre as quais as auditorias públicas de

saúde, com base nos critérios de experiência e qualificação na área de saúde e do

próprio interesse do profissional, exigências necessárias ao desenvolvimento das ações

voltadas ao processo de reorganização da política de saúde no Brasil.

Na tentativa de especificar as atribuições e competências dos assistentes sociais,

Estrela caracteriza o trabalho do assistente social nas equipes de auditoria como

revisão de AIHs e dos internamentos hospitalares; visitas às unidades de saúde; visitas

aos leitos; visitas domiciliares para verificar a procedência do paciente;

acompanhamento e avaliação da PPI (Programação Pactuada Integrada) e acesso

constante do Sistema Audit SUS AIH. Quando questionada sobre a caracterização do

trabalho profissional do assistente social nas equipes de auditoria em serviços de

saúde, Solar nos relatou que especificamente o Serviço Social não existe, pois a

auditoria é um grupo e que o auditor tem que ter um conhecimento macro e ainda, “(...)

que o assistente social não pode ser assistente social auditor, ou é assistente social ou

é auditor.” Segundo Solar não existem demandas postas ao Serviço Social nos

trabalhos de auditorias em serviços de saúde, e sim demandas da própria auditoria

como a auditoria operativa de gestão com os trabalhos de visitas aos leitos; visitas

domiciliares; entrevistas com os pacientes e familiares; participação do grupo de espera

da unidade auditada; avaliação dos programas que a unidade oferece à comunidade e

acompanhamento das Estratégias de Saúde da Família e serviços, como também

checagem de centros cirúrgicos. E acrescenta que para dar conta dessas demandas o

auditor, seja ele: assistente social; médico; enfermeiro; dentista; nutricionista entre

outros, precisa estudar e acompanhar as normatizações do Ministério da Saúde

atualizadas diariamente. De acordo com Solar a denúncia também se configura como

uma demanda da auditoria e a qualquer profissional compete à verificação desta, pois

segundo Solar, cada profissional tem o conhecimento na área específica “(...) o

assistente social tem conhecimento na área de Serviço Social, mas é Auditor (...)”. Já

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Brisa nos relatou que o trabalho profissional do assistente social nas equipes de

auditoria em serviços de saúde não tem distinção “(...) é um só para todos os

profissionais, caracterizado em uma equipe multidisciplinar de sanitaristas”.

Semestralmente é lançada uma escala que determina as instituições a serem auditadas

e os respectivos auditores que vão fazer o acompanhamento por esse período. Nessa

dinâmica, Brisa cita a auditoria com um “apaga fogo” que demanda desde visitas

hospitalares e ambulatoriais com revisão das APACs (Autorização de Procedimentos

Ambulatoriais de Alta Complexidade/Alto Custo); AIHs (Autorização de Internações

Hospitalares) até visitas domiciliares e regulação de serviços.

O que se verifica nesse aspecto, consiste na temática recorrente do modelo médico

assistencial privatista hegemônico da saúde, decorrente da política neoliberal do Estado

burguês e que Dalva Horácio (2009) já qualificava em pesquisas realizadas no ano de

2007:

(...) a atual organização do sistema de saúde, ao mesmo tempo que atende algumas reivindicações históricas do movimento sanitário, de que são exemplos a universalização, a descentralização e a incorporação dos mecanismos de controle social e participação social da comunidade, ainda não superaram algumas contradições existentes, dentre as quais constam a demanda reprimida/exclusão, a precariedade dos recursos, a questão da quantidade e qualidade da atenção, a burocratização e a ênfase na assistência médica curativista individual. (COSTA; 2009, p 310-311)

Assim, as auditorias públicas de saúde têm sido demandas a atuar aonde o SUS

não acontece. No entanto, o que em tese nos preocupa é a diluição das competências

e atribuições de cada profissional, inclusive do assistente social no trabalho

multidisciplinar destas auditorias, identificado nos relatos dos profissionais

entrevistados.

Sob o ponto de vista do Serviço Social anterior ao Movimento de Reconceituação

que culminou no Congresso da Virada56 em 1979, quando se desenvolvia baseado no

assistencialismo, na ação pragmatizada. Analisamos que, nessa perspectiva, realmente

o assistente social se dilui nas demais atribuições e competências em nome da

56 Foi o ápice do movimento de ruptura da relação do Serviço Social com a conservação do poder dominante ocorrido no III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais, realizado em São Paulo no ano de 1979.

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auditoria. No entanto, se respaldado nos princípios que sustentaram o movimento de

reforma sanitária e que fundamentam o projeto ético político profissional como a

democracia, a cidadania e a emancipação humana, através da manutenção da

qualidade dos serviços públicos oferecidos aos usuários do SUS, as auditorias da

saúde podem se constituir num espaço de lutas frente à crise estrutural do Estado e

garantir a ampliação dos direitos sociais.

Estrela considera que a atuação profissional do assistente social nos trabalhos de

auditoria em serviços de saúde possibilita a efetivação das políticas públicas enquanto

direitos sociais e humanos contidos no projeto de reforma sanitária, pois “(...) o

assistente social explica ao paciente que aquele serviço é um direito e evita o

assistencialismo e a troca de favores”. Solar considera que a efetivação das políticas

públicas enquanto direitos sociais e humanos contidos no projeto de reforma sanitária

não é um trabalho específico do assistente social inserido nas equipes de auditoria em

serviços de saúde e sim do “(...) auditor com bom senso (...)”. Já Brisa considera que

diante das demandas, a atuação profissional do assistente social nos trabalhos de

auditoria em serviços de saúde possibilita a efetivação das políticas públicas enquanto

direitos sociais e humanos contidos no projeto de reforma sanitária, pois a auditoria

permite o acompanhamento da situação do paciente e seus familiares, verificando a

oferta e qualidade dos serviços oferecidos pelas unidades de saúde. Brisa nos informou

também que a auditoria da Secretaria Municipal de Saúde de Natal/RN não realiza

auditoria de gestão, mas avalia, controla e regula 100% da rede própria de saúde e os

serviços complementares que são comprados. Por isso, a denúncia é uma importante

ferramenta que pode ser utilizada pelos usuários do SUS para iniciar um processo de

verificação de “(...) não atendimento, ou atendimento insatisfatório, quando o

procedimento não foi realizado (...)” e aponta que “(...) os relatórios de auditoria gerados

anualmente podem ser importantes instrumentos de planejamentos de ações e

serviços. No entanto, os gestores públicos ainda não vislumbraram suas contribuições

(...)”.

Ao reconhecer que a auditoria é um importante instrumento de controle público, que

tem acesso às informações fundamentais dos recursos e serviços destinados à

população e adentra todas as formas de gestão da saúde, desde as instituições

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públicas até as autarquias fundacionais, podendo com isso servir ao aprimoramento

das políticas públicas de saúde no Brasil. Sob essa perspectiva, vislumbramos o

potencial deste mecanismo se seus relatórios chegassem aos sistemas de controles

democráticos do SUS. No entanto, para que isso seja concretizado se faz necessário

que o assistente social, enquanto profissional de reconhecido conhecimento

teórico/político, seja também propositivo e avance no sentido de criar as condições de

resgate do papel político e a direção social das auditorias. Pois é preciso redirecionar

esses espaços em favor das classes subalternas, uma vez que com base nesse estudo,

os assistentes sociais auditores, estão atendendo mais aos interesses do Estado

burguês.

Alguns autores57 consideram que a capacidade intelectiva do assistente social pode

ser um dos motivos para requisição deste profissional nos trabalhos de auditoria em

serviços de saúde. Quando indagadas sobre a linha teórica utilizada para atuação do

assistente social nas auditorias, Estrela explica que, apesar da ausência de referencial

teórico para realização dos trabalhos de auditoras em serviços de saúde adota uma

linha teórica crítica, quando precisa realizar alguma pesquisa bibliográfica recorre à

internet, mas não encontra muita coisa. Solar nos respondeu que o compromisso ético

e profissional é de todos os profissionais auditores, não especificamente do assistente

social. E acrescentou ainda que, não utiliza referencial teórico do Serviço Social e sim,

as regulamentações do SUS que fornecem as bases técnicas para auditar qualquer

procedimento de saúde. E Brisa nos responde que não segue nenhuma linha teórica,

porque não existe nada diretamente relacionado à auditoria e o assistente social, sendo

sua atuação fundamentada pelas regulamentações do Ministério da Saúde e o SUS.

Assim, o assistente social apresenta a contínua necessidade de reafirmação da

sustentação teórica, do domínio da teoria social marxista que embasam o projeto ético

político profissional. IAMAMOTO (1992) aponta a reflexão crítica enquanto condição

necessária para o distanciamento de uma práxis profissional baseada na herança

conservadora:

57Como Marilda Iamamoto, Maurílio Matos de Castro/material do curso de especialização Serviço Social: direitos sociais e competências profissionais (CFESS/ABEPSS)

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O debate sobre o significado e a direção social da prática profissional deve ser incentivado no meio dos Assistentes Sociais, para que se ampliem as bases de um exercício profissional que respeite e contribua para a defesa do espaço democrático, da participação popular no momento histórico presente. (IAMAMOTO; 1992; p 39)

Todavia, Estrela afirma que existe dificuldade do assistente social nas equipes de

auditorias em serviços de saúde para materialização do projeto ético político

profissional e acrescenta que a herança da concepção de “Auditoria Médica”, ainda

centralizada no profissional médico, “(...) as instituições auditadas questionam o fato do

profissional não ser um médico. O assistente social precisa se impor, e isso causa certa

empatia dos outros profissionais para com o Serviço Social (...)”. Já Solar, apesar de se

referir a auditoria enquanto um grupo indiscriminado de profissionais, cita a “Auditoria

Médica” enquanto atividade de autorização de procedimentos específica do profissional

médico e acrescenta que, quanto a auditoria estadual, o assistente social não encontra

dificuldades. Porém precisa se esforçar para interpretar e acompanhar as

regulamentações do SUS. No entanto, a mesma relata que em alguns pontos

divergentes, esta recorre ao comitê de ética do INCA (Instituto Nacional do Câncer).

Pois “(...) o médico solicita tratamento para o paciente... você vai dizer não?... ou você

vai dizer sim?... se o SUS não paga!”. Solar relata ainda que as dificuldades nos

trabalhos de auditoria estadual em serviços de saúde estão voltadas para falta de

articulação entre as auditorias: federais; estaduais e municipais. As dificuldades

expostas por Brisa se referem não apenas ao trabalho do assistente social e se

estendem a todos os profissionais da auditoria, começando pelas concepções que

ainda hoje permeiam a auditoria como, por exemplo, a “auditoria contábil”, baseada no

financeiro, em dados quantitativos, ou então a nomenclatura de “auditoria médica”, na

qual “(...) tem uma linha que acha que só quem deve auditar é o médico”. Outras

dificuldades dizem respeito às condições de trabalho para realizar as visitas

domiciliares e institucionais, à falta de transporte para deslocamento dos auditores

oferece risco aos profissionais.

Esses entraves ainda persistem nas relações sociais de trabalho enquanto

resquícios e condição necessária ao desenvolvimento da sociedade capitalista. Por

isso, não se configura característica apenas das auditorias do SUS no Rio Grande do

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Norte, muito embora a herança do modelo biomédico do método clínico dos anos 60 do

século XX, centrado no profissional médico, ainda seja temática recorrente na política

de saúde brasileira. Um exemplo claro dessa influência está presente no simples fato

da existência do “prontuário médico”, uma nomenclatura que não corresponde à política

de saúde do SUS, enquanto proposta do movimento de reforma sanitária, mas que

ainda são determinantes nos trabalhos coletivos da saúde.

A falta de regulamentação da inserção e permanência do profissional de serviço

social nas equipes de auditorias em serviços de saúde pelo SUS pode ser considerada

um dos desafios presentes na atualidade para o assistente social.

Baseada nessa reflexão, Estrela diz que a regulamentação da inserção e

permanência do profissional de Serviço Social nas equipes de auditorias em serviços

de saúde no município onde audita é determinada por uma Lei Municipal de criação da

auditoria que define as categorias profissionais que compõem a equipe de auditoria do

SUS. Por isso, a falta de regulamentação da inserção e permanência do assistente

social nas equipes de auditoria no município não se configura como desafio para a

profissão. Solar aponta que a lei que dispõe sobre SNA (Sistema Nacional de Auditoria)

define também a composição dos profissionais da saúde nas auditorias, e sendo o

assistente social reconhecidamente profissional da área de saúde de acordo com a

RESOLUÇÃO CFESS N.º 383/99 de 29/03/1999. E Brisa acrescenta que no município

no qual desenvolve as atividades de auditoria existe a Lei Municipal nº 5.336/95 que

regulamenta a composição dos profissionais que devem formar a equipe de auditores

de saúde, dentre eles está o assistente social.

Dessa forma, constatamos que tanto a inserção quanto o trabalho dos assistentes

sociais nas equipes de auditoria da saúde no RN vêm sendo precarizado, tendo em

vista que a regulamentação desses espaços ocupacionais do assistente social,

principalmente nos municípios, fica à mercê da sensibilidade do gestor local tanto a

inclusão dessa categoria no hall da equipe da auditoria no município quanto a garantia

das condições objetivas de trabalho.

Ao analisar o contexto neoliberal, Estrela aponta que o trabalho do assistente social

nas auditorias em serviços de saúde no RN atende aos interesses do Estado. Mas

ressalta que cabe ao profissional buscar atender aos interesses dos usuários, se

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impondo e mostrando a questão dos direitos sociais e finaliza apontando a necessidade

de, no processo de criação e regulamentação das auditorias nos municípios, garantirem

a presença da categoria profissional do assistente social e ainda, no cotidiano do

trabalho de auditoria romper com o conceito de “Auditoria Médica”.

Solar conclui sua participação afirmando que: “com a globalização a auditoria

ganhou muito campo, é respeitada e o Ministério da Saúde está investindo pesado na

auditoria. O caminho tem que ser esse para melhorar nossa saúde”.

Quando indagada sobre o direcionamento social do trabalho do assistente social

nas auditorias em serviços de saúde no RN, Brisa respondeu que “de qualquer forma o

assistente social colabora com os interesses do usuário, pois ele consegue chegar aos

serviços”, o sistema de avaliação, controle e regulação impossibilita a troca de favores e

o credenciamento de Unidades e Serviços de Saúde sem qualidade. E finaliza: “Como

em todos os setores de trabalho do assistente social que a gente sabe: tem a vontade

de fazer...”

A força do capital, sob a lógica neoliberal desenvolve o complexo ideológico no

individuo que constrói valores singulares na sociedade. Nesse contexto, os desafios

que se colocam para os assistentes sociais não são poucos, não são simples e não são

fáceis.

Assim, os assistentes sociais das equipes de auditorias do SUS/RN precisam estar

atentos para não se transformarem em meros instrumentos de controle do Estado, em

favor dos interesses do capital. E a condição essencial para enfrentar a tensão do

presente é a qualificação teórico-metodológica, ético-política e técnica-operacional

numa perspectiva crítica.

4.3O TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL NAS AUDITORIAS PÚBLICAS DE

SAÚDE NO RN: POSTURA CRÍTICA COMO PRESSUPOSTO DA DEMOCRACIA

Após a conquista do SUS, a reboque da Constituição Federal de 1988, momento

histórico de intensa mobilização com base teórica, metodológica e política marxista,

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paira na sociedade uma espécie de “silenciamento sobre o marxismo” 58. Para alguns

autores, talvez isso tenha ocorrido devido à institucionalização dos espaços de

participação democrática e a conseqüente cooptação das suas decisões para o aparato

estatal, ou então pelo visível redirecionamento do objeto das lutas de classes, na

transferência pela disputa da apropriação do fundo público, ou ainda devido ao

resultado da incidência dos complexos ideológicos do capital que apregoam na

sociedade a disseminação de valores calcados no individualismo, no consumismo e na

concorrência, arrefecendo as mobilizações sociais no Brasil.

Esse cenário em tela vem se configurando principalmente pela impregnação das

teorias pós-modernas do século XXI na área da saúde, pautadas num consenso

generalizado sobre o conhecimento teórico racional, seja ele histórico social ou das

ciências naturais, referente ao caráter relativista, inconcluso, revisável e retificável.

Alguns autores59 sustentam que a fragmentação do conhecimento imposta pelas

teorias pós modernas da burguesia provocam gradativamente a perda do potencial

crítico das massas na luta contra o capital, tendo em vista que se fragmentam em

grupos igualmente excluídos na defesa de interesses diversos: gênero, raça, etnia etc.

E abandonam a ideia de que essas contradições são inerentes do próprio sistema

capitalista.

A naturalidade com que essa tendência pós moderna se coloca no campo da

saúde, sendo absorvida inclusive por profissionais e pesquisadores e a subordinação

do Estado brasileiro aos interesses da política do capital internacional, orquestrada pelo

Banco Mundial, FMI, BIRD e OMC criam as condições essenciais ao avanço das

políticas neoliberais sobre a saúde. No panorama nacional é patente a presença

ostensiva do setor privado nos espaços físicos das instituições públicas. Não são

poucos os hospitais públicos do Brasil com “duas portas de entrada”: uma geralmente

lotada, em péssimas condições de funcionamento, destina a atender 73,1%60

população usuária do SUS, a outra porta, em situação totalmente adversa, ocupada

58 Expressão utilizada por Regina Helena Simões Barbosa em um artigo intitulado A ‘teoria da práxis’: retomando o referencial marxista para o enfrentamento do capitalismo no campo da saúde.59 WOOD (1996); CASTRO (2000); OLIVEIRA (2005); SIMÕES BARBOSA (2010).60 ABRASPE (1999)

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pelos planos de saúde, ou setores privados, destinada a uma parcela de 26,9% da

população consumidora dos serviços de saúde privados.

Outra forma inovadora de usurpação dos recursos públicos da saúde são as

UPAs (Unidades de Pronto Atendimento) criadas no governo Lula com financiamento

público, porém entregues e gerenciadas por grupos privados, sob a lógica de

funcionamento de uma empresa privada.

Vale lembrar também que as conferências, os encontros e os congressos das

categorias profissionais da saúde são quase todos patrocinados por empresas

multinacionais, enquanto estratégia política e econômica do complexo financeiro

externo. Afinal, os serviços de saúde são mercado rentável para o capital internacional.

Isso incorre conseqüências danosas e profundas repercussões no campo da

saúde que LAURELL (2002) qualifica como uma espécie de retrocesso ao Estado

assistencialista do século XIX, momento histórico no qual o Estado, determinado pela

política neoliberal, assiste apenas aos “incapazes” que não dispõem de recursos para

comprar os serviços oferecidos pelo mercado.

Diante dessa temática recorrente, na qual o SUS representa uma ameaça a

manutenção da elite dominante capitalista, torna-se evidente a necessidade de

retomada da ação mobilizadora, de contestação frente ao completo estabelecimento do

capital sobre a política de saúde no Brasil num movimento de resgate da práxis política

sustentada novamente nos instrumentos teóricos críticos marxistas.

SIMÕES BARBOSA (2010; p 21) defende a recolocação do marxismo na saúde

através da ‘teoria da práxis’ que associa os conhecimentos teóricos à ação política

transformadora, lembrando que:

O campo da saúde, que lida com questões tão caras à superação, solidariedade – é emblemático. Ele exige nosso compromisso com valores éticos e sociais que resultam de muitos séculos de história, de lutas e conquistas humanas. Não podemos, pois, permitir que os processos de banalização e mercantilização da vida nos transformem em profissionais, pesquisadores em pessoas insensíveis, indiferentes ou alienados em relação ao sofrimento e à injustiça. (SIMÕES BARBOSA, 2010; p 21-22)

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Assim, dentre os diversos setores da saúde, as auditorias públicas do SUS

podem se configurar como espaços de garantia e ampliação dos direitos coletivos da

cidadania referente às políticas de saúde no Brasil. Pois alcançam todas as ações e

serviços oferecidos à população com financiamento público, desde instituições próprias

do SUS até as autarquias fundacionais.

Os relatórios de auditorias consolidam a realidade dessas instituições auditadas

e podem representar instrumentos valiosos de informações para os sistemas de

controles democráticos regulamentados pelo SUS. Contudo, a perspicácia dos

profissionais que trabalham nas auditorias se constitui elemento fundamental para

estabelecer uma estreita relação entre os controles público dos SUS.

Nessa perspectiva, os trabalhos de auditorias, apesar de sustentados em

princípios burocráticos que reafirmam o poder do Estado, revelam também o

compromisso em preservar os recursos públicos e garantir a qualidade das ações em

saúde. Pressuposto fundamental para a temática do exercício profissional do assistente

social nessa área de atuação, não necessariamente como um instrumento do Estado

de controle de serviços, programas e projetos da saúde, mas sim, como a ampliação

dos espaços ocupacionais, sustentadas na apropriação teórica crítica para fortalecer as

políticas sociais e as instituições verdadeiramente democráticas e públicas, na

consolidação dos direitos enquanto resultado e acúmulo de lutas históricas dos

movimentos sociais e das classes trabalhadoras

Entretanto, sendo o assistente social, profissional que lida diretamente com as

políticas públicas, agora descentralizadas e mercantilizadas, remete a novas funções e

competências, qualificações e conhecimentos. IAMAMOTO (CFESS/ABEPSS, 2009. p.

368) revela a necessidade de um perfil profissional capaz de potencializar a análise

crítica numa perspectiva de totalidade histórica. “(...) requisita um perfil de profissional

culto, crítico e capaz de formular, recriar e avaliar propostas que apontem para a

progressiva democratização das relações sociais.”

Nesse sentido, o assistente social inserido nos trabalhos de auditorias do SUS

no RN precisa atender além da Lei de regulamentação da profissão n⁰ 8.662/93

(CFESS, 1993), que estabelece em seu artigo n⁰ 4⁰ a constituição das competências

do assistentes sociais, o conhecimento teórico-metodológico, ético-político e técnico-

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operacional, o compromisso com os direitos e interesses dos usuários, na defesa da

qualidade, que legitima o exercício profissional dos assistentes sociais nos trabalhos de

auditorias em serviços de saúde.

“A legislação profissional representa uma defesa da autonomia profissional, porque codifica princípios e valores éticos, competências e atribuições, além de conhecimentos essenciais, que tem força de lei, sendo judicialmente reclamáveis” (IAMAMOTO, 2008. p. 224).

Por isso, apesar desse arsenal de instrumentos legais e éticos, que

regulamentam a profissão enquanto liberal e relativamente autônoma, como também a

lealdade ao interesse público, que exige autonomia do assistente social auditor61 para

que a construção do relatório62 não seja tensionada, ou seja, mesmo sendo requisito

necessário para o exercício profissional a não subordinação à instituição auditada para

não se tornar subserviente à política vigente. Mesmo assim, com a sociabilidade

capitalista, sob a lógica da compra e venda da força de trabalho, tensiona a autonomia

do assistente social ao transformar o trabalho especializado deste profissional em

mercadoria a ser comprada. Dessa forma, os profissionais que integram a equipe de

Auditoria, dentre eles os assistentes sociais, se enquadram nas análises de

IAMAMOTO (2008) quando analisa a tensão entre a condição de trabalhador

assalariado e as relações sociais de produção.

Contudo, para analisar esses desafios impostos aos assistentes sociais das

equipes de auditorias do SUS no RN e desvendar algumas questões inquietantes

referentes à caracterização do trabalho do assistente social, seu perfil, demandas e

respostas, como também, o aprofundamento da discussão sobre o papel e a

importância do assistente social nas equipes de auditorias em serviços de saúde na

contemporaneidade, tendo em vista se constituir enquanto categoria profissional

mediadora da efetivação das políticas públicas e garantia de direitos, faz-se necessário

a apropriação dos referenciais teóricos marxistas e o resgate da construção

histórica/dialética da profissão sempre relacionada às transformações

61 Profissional com formação acadêmica diversa que desenvolve atividades de auditoria. (CFC, 1995).62 Documento conclusivo que mostram os resultados objetivos dos trabalhos e indica recomendações e providências.

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macrossocietárias. Nesse sentido, MATOS (CFESS/ABEPSS, 2009, p.514) alerta que

“(...) como toda temática emergente deve ser tratada com cuidado para que não caia

em um modismo – tão querido pela onda pós-moderna na sua busca frenética de novas

“teorias” e “metodologias”.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho exposto nos permite analisar que dentre as auditorias públicas de

saúde pesquisadas, os assistentes sociais representam 3,75 % dos profissionais

auditores do SUS. É bem verdade que, se comparada às outras áreas de saberes

como: a medicina, a enfermagem etc., ainda precisamos avançar na luta pela ocupação

desse espaço de trabalho do assistente social.

Entretanto, a tendência do processo de descentralização do SUS nas três

esferas de gestão, ainda em curso, implicará a abrangência de 100% dos municípios e

dos estados do país, a responsabilidade da criação e regulação das auditorias de

saúde.

Isso representará a ampliação dos espaços de trabalho do assistente social, o

que exigirá da categoria a necessidade de aproximação dos referenciais teóricos

marxistas para o aprofundamento da discussão de alguns pontos críticos detectados

por esse trabalho no percurso da realização da pesquisa como, por exemplo: a

eliminação da particularidade da profissão aflorada no discurso dos assistentes sociais

inseridos nas equipes de auditorias públicas, quando afirmam não haver distinção entre

as profissões e imergem num processo de diluição de saberes em nome da auditoria.

Sob esse aspecto, analisamos, contudo que as demandas, os desafios, as

práticas dos trabalhos de auditorias podem ser comuns a todas as profissões, porém a

defesa e materialidade do projeto ético político profissional do assistente social

vinculado aos projetos societários de defesa intransigente de uma sociedade livre da

dominação/exploração do sistema político e econômico vigente, contidos nos

referenciais teóricos e nos princípios fundamentais do Código de Ética e na Lei de

Regulamentação da profissão, são de competência do assistente social. Cabe,

portanto, a esse profissional incorporá-los nas mais diversas atividades, ações, projetos

em que estejam inseridos, especificamente nas auditorias públicas de saúde do SUS,

enquanto parte dos sistemas de controle público e produto do movimento de reforma

sanitária.

Nesse sentido, concluímos que, apesar das auditorias do SUS funcionarem

como um sistema de controle interno do Estado, sua competências são regulamentadas

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pelo Decreto n⁰ 1.651/95 (BRASIL, 1995) do Ministério da Saúde, que possibilitam a

sustentação de políticas públicas de qualidade destinadas à população e ainda, avaliam

a execução orçamentária dos recursos do Fundo Público da Saúde.

No tocante aos profissionais inseridos nas auditorias, alguns obstáculos ainda

precisam ser superados.

Primeiro, a desprecarização do trabalho do auditor em saúde, a começar pela

realização de concursos públicos nas três esferas de gestão do SNS para o cargo de

auditor em saúde respeitando as diversas categorias profissionais da área de saúde.

Isso permitirá a garantia da autonomia nos trabalhos, como também buscará formas de

romper com a herança da centralidade no profissional médico, impregnada na auditoria,

eliminando assim, o fantasma da concepção de “Auditoria Médica”. Tendo em vista que,

as equipes de auditorias do SUS são complexas, interdisciplinares e multiprofissionais,

trabalha em função de garantir a qualidade dos serviços profissionais e institucionais

oferecidos pelo SUS, como também, preservar a utilização adequada dos recursos

públicos na execução das políticas públicas de saúde.

Segundo, a burocratização própria do Estado e ainda tão presente nas auditorias

públicas de saúde, o que dificulta o acesso e compreensão dos controles sociais

democráticos. Tendo em vista que as informações contidas nos relatórios de auditorias

são importantes fontes de conhecimentos e instrumentos de avaliação se houvesse a

apropriação por parte dos conselhos participativos.

Isso permitiria outro direcionamento social aos resultados das auditorias públicas

de saúde, inclusive no RN, pois passariam de meros instrumentos de controle do

Estado, no fomento aos projetos privatista, ao mecanismo de transformação política,

através do estreitamento das relações com os sistemas de controles democráticos e

possibilitariam a participação da sociedade nas decisões das políticas de saúde,

conforme previa o Projeto de Reforma Sanitária.

Entretanto, não será com profissionais com acurada leitura da realidade, mas

sem clareza teórica política, a introdução de mecanismos ampliadores do espaço de

participação social e de defesa dos interesses coletivos nas auditorias do SUS. E sim,

na soma de esforços para a recolocação do marxismo na área da saúde, inclusive nas

auditorias, como pressuposto para o enfrentamento do domínio do capital nas ações e

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serviços da saúde. Nessa perspectiva, a atuação dos profissionais que trabalham nas

auditorias do SUS, especificamente do assistente social, objeto dessa pesquisa, precisa

estar sustentada numa dimensão dialética: investigação crítica e ação política

transformadora enquanto pressuposto da democracia e superação dos mecanismos

tradicionais da “auditoria médica”, baseada no modelo biomédico dos anos 1960, sob a

lógica do burocratismo estatal, centrados em faturamentos, produtividade e

economicidade, tão queridos do projeto privatista neoliberal.

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ANEXO I

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTECENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIALPROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL

MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

CARTA DE ANUÊNCIA

A/AO:_______________________________________________________________

Eu Aparecida Dantas de Almeida Medeiros, pesquisadora responsável pelo Projeto intitulado SERVIÇO SOCIAL AUDIT SAÚDE NO SUS/RN: PROJETO ÉTICO POLÍTICO PROFISSIONAL E DE REFORMA SANITÁRIA, trabalho de conclusão do curso de Pós Graduação – Mestrado em Serviço Social da UFRN tenho a intenção de realizar a pesquisa: entrevistando profissionais e coletando dados nesta instituição.

Aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFRN com registro nº _______.

Natal/RN, ________________ de 2010.

___________________________________Assinatura do Pesquisador responsável

Eu,______________________________________________concordo com a realização da Pesquisa SERVIÇO SOCIAL AUDIT SAÚDE NO RN: ESPAÇO PARA MATERIALIZAÇÃO DO PROJETO ÉTICO POLÍTICO PROFISSIONAL E DE REFORMA SANITÁRIA.

Natal/RN, ________________ de 2010.

_________________________________Assinatura do Responsável pela Instituição Pesquisada

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ANEXO II

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTECENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIALPROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL

MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Este é um convite para você participar da pesquisa: “SERVIÇO SOCIAL AUDIT SAÚDE

NO SUS/RN: PROJETO ÉTICO POLÍTICO PROFISSIONAL E DE REFORMA SANITÁRIA”,

que é orientada pela Professora Dra. Márcia Maria de Sá Rocha.

Sua participação é voluntária, o que significa que você poderá desistir a qualquer

momento, retirando seu consentimento, sem que isso lhe traga nenhum prejuízo ou penalidade.

Essa pesquisa procura Analisar o trabalho do Assistente Social na Auditoria em Serviços

de Saúde no Rio Grande do Norte à luz do projeto ético político profissional e do projeto de

Reforma Sanitária, no sentido de sistematizar a discussão sobre o papel e a importância do

Assistente Social nas equipes de Auditorias em Serviços de Saúde na Contemporaneidade

enquanto profissional mediador da efetivação das Políticas Públicas e garantia de Direitos,

visando à construção dialética de um marco referencial que propicie a regulamentação e a

qualificação dessa ação profissional nos serviços de saúde do Estado do Rio Grande do Norte.

Caso decida aceitar o convite, você será submetido (a) ao procedimento de entrevista de

forma despadronizada e semi estruturada, com risco mínimo de danos pessoal ou material

(conforme a Resolução CNS Nº 196/96). Esse procedimento lhe proporcionará uma reflexão crítica da

atuação profissional do assistente social nos trabalhos de auditoria em serviços de saúde.

Todas as informações obtidas serão sigilosas e seu nome não será identificado em

nenhum momento. Os dados serão guardados em local seguro e a divulgação dos resultados

será feita de forma a não identificar os entrevistados.

Em qualquer momento, se você sofrer algum dano comprovadamente decorrente desta

pesquisa, as entidades representativas da categoria (CFESS/CRESS) que funcionam como

Tribunal Superior de Ética Profissional, poderão ser acionadas para apuração dos fatos e sua

inconformidade com a Lei de regulamentação n 8.662/93 e o Código de Ética da profissão

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RESOLUÇÃO CFESS N.º 273/93 que dispõem sobre o exercício profissional do assistente

social e as formas de punição deste.

.Você ficará com uma cópia deste Termo e todas as dúvidas que você tiver a respeito

desta pesquisa, poderá perguntar diretamente para Aparecida Dantas de Almeida Medeiros, no

endereço eletrônico: email: [email protected] ou pelo telefone: (84) 9603-5503.

Dúvidas a respeito da ética dessa pesquisa poderão ser questionadas ao Comitê de

Ética em Pesquisa da UFRN no endereço eletrônico: email: [email protected] ou o site:

www.etica.ufrn.br ou pelo telefone: (84) 3215-3135.

Consentimento Livre e Esclarecido

Eu,_________________________________________________________Declaro que

compreendi os objetivos desta pesquisa, como ela será realizada, os riscos e benefícios

envolvidos e concordo em participar voluntariamente da pesquisa: “SERVIÇO SOCIAL AUDIT

SAÚDE NO SUS/RN: PROJETO ÉTICO POLÍTICO PROFISSIONAL E DE REFORMA

SANITÁRIA”

___________________________________

Assinatura do Participante da pesquisa

Aparecida Dantas de Almeida Medeiros

Pesquisador responsável.

email: [email protected] ou pelo telefone: (84) 9603-5503.

Comitê de Ética em Pesquisa da UFRN no endereço eletrônico: email: [email protected]

ou o site: www.etica.ufrn.br ou pelo telefone: (84) 3215-3135.

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ANEXO III

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTECENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIALPROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL

MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

“SERVIÇO SOCIAL AUDIT SAÚDE NO SUS/RN: PROJETO ÉTICO POLÍTICO PROFISSIONAL

E DE REFORMA SANITÁRIA”

Roteiro de entrevista 1: assistente social

1. Porque trabalhar em auditoria em serviços de saúde?

2. Que fatores contribuíram para sua inserção na equipe de auditoria?

3. Como é o trabalho profissional do assistente social nas equipes de auditoria em

serviços de saúde?

4. Quais são as demandas postas aos assistentes sociais nos trabalhos de

auditorias em serviços de saúde?

5. Considera a atuação profissional do assistente social nos trabalhos de auditoria

em serviços de saúde possibilita a efetivação das políticas públicas enquanto

direitos sociais e humanos contidos no projeto de reforma sanitária?

“Alguns autores consideram que a capacidade intelectiva do assistente social pode ser

um dos motivos para requisição deste profissional nos trabalhos de auditoria em

serviços de saúde.”

6. Qual é a linha teórica utilizada?

7. Existe escassez de referencial teórico?

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8. Existe dificuldade do assistente social nas equipes de auditorias em serviços de

saúde para materialização do projeto ético político profissional? Quais são?

“A falta de regulamentação da inserção e permanência do profissional de serviço social

nas equipes de auditorias em serviços de saúde pelo SUS, pode ser considerada um

dos desafios presentes na atualidade para o assistente social.”

9. Qual seria o caminho para regulamentação dos assistentes sociais nas equipes

de auditorias em serviços de saúde no RN?

10.Nesse contexto neoliberal, o trabalho do assistente social nas auditorias em

serviços de saúde no RN atende aos interesses do estado, ou fortalece os

projetos societários de resistência à ordem vigente?

11.E que respostas o assistente social tem apresentado frente às demandas

inerentes ao trabalho de auditorias públicas na saúde do RN?

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ANEXO IV