ao fazerem a transferência de informações do projeção cónica · adaptado de: ibge. atlas...
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Ao fazerem a transferência de informações do elipsóide para o plano, os cartógrafos se deparam com um problema insolúvel: qualquer que seja a projeção adotada, sempre haverá algum tipo de distorção nas áreas, nas formas ou nas distâncias da superfície terrestre. Só não há distorção perceptível em representações de escala suficientemente grande, como é o caso das plantas, nas quais não é necessário considerar a curvatura da Terra.
As projeções podem ser classificadas em conformes, equivalentes, equidistantes ou afiláticas, dependendo das propriedades geométricas presentes na relação globo terrestre/mapa-múndi. Além disso, podem ser agrupadas em três categorias principais, dependendo da figura geométrica empregada em sua construção: cilíndricas (as mais comuns), cónicas ou azimutais (também chamadas de planas).
Projeção cilíndrica
Adaptado de: IBGE. Atlas geográfico escolar. 5. ed. Rio de Janeiro, 2009, p, 21,
4 Observe que na projeção cilíndrica o globo terrestre parece estar envolvido por um cilindro de papel no qual são projeta-dos os paralelos e os meridianos.
Projeção cónica
Adaptado de: IBGE, Atlas geográfico escolar. 5, ed. Rio de Janeiro, 2009. p. 21.
Na projeção cónica, o globo parece estar envolvido por um cone de papel no qual são projetados os paralelos e os meridianos.
Projeção azimutal ou plana
Adaptado de: IBGE. Atlas geográfico escolar 5. ed Rio de Janeiro, 2009. p. 21.
Na projeção azimutal ou plana, a Terra parece ser tangen-ciada em qualquer ponto por um pedaço de papel no qual são projetados os paralelos e os meridianos. Quando o globo é tangenciado num dos poios, dizemos que se trata de uma projeção polar
CONFORMES
Projeção conforme é aquela na qual os ângulos são idênticos aos do globo, seja em u m mapa-múndi, seja em um regional. Nesse tipo de projeção, as formas terrestres (continentes e ilhas) são representadas sem distorção, porém com alteração do tamanho de suas áreas. Apenas nas proximidades do centro de projeção, que neste caso é o equador, é que se verifica distorção mínima. Quanto maior o afastamento a partir dessa linha imaginária, maior é a distorção. Por essa razão, quando se utiliza esse tipo de projeção, geralmente só são reproduzidos os territórios situados até 80° de latitude.
A mais conhecida projeção conforme é a de Mercator, cartógrafo e matemático belga cujo nome verdadeiro era Gerhard Kremer (1512-1594). Em 1569,
Mercator abriu novas perspectivas para a Cartografia, ao construir uma projeção cilíndrica conforme que imortalizou seu codinome (veja-a a seguir). Essa representação foi elaborada no século XVI, época em que os europeus comandavam a Expansão Marítima, conquistando novos territórios e dominando outros povos. Foi construída para facilitar a navegação, pois possibilitava representar com precisão, no mapa, a rede de coordenadas geográficas e os ângulos obtidos pela bússola. A precisão das áreas não era, nesse caso, tão importante; além disso, a maior parte do mundo era desconhecida dos europeus e a limitação técnica da Cartografia da época impedia representações precisas dos continentes.
REPRESENTAÇÕES CARTOGRÁFICAS, ESCALAS E PROJEÇÕES
Projeção de Mercator originai p ^ í t o
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WhiTFIELD. Peter r/ic /moje o/lhe World: 20 Centuty of World Maps. London: The British Lihrary. 1994 p. Í6 -67 .
No mapa-mtindi de Mercator a Europa aparece numa posição central, superior e, por se situar em altas latitudes, proporcionalmente maior do que é na realidade. Acabou se transformando no principal represen
tante da visão eurocêntrica do mundo. Durante séculos, foi uma das projeções mais usadas na elaboração de planisférios, e, apesar do surgimento posterior de muitas outras, ainda hoje é bastante usada.
^ °- Projeção de Mercator atuai
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W 180' 160' 140' 120' 100' BO" 60° W 20'
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Quando representada na projeção de Mercator, a Groenlândia parece ser maior que o Brasil (na realidade, cerca de quatro vezes mais extenso) e até mesmo que a América do Sul. O mapa originalmente feito por Mercator, como se pode ver acima, não mostrava os continentes de forma precisa como este planisferio, produzido de acordo com a projeção por ele criada, mas com as técnicas cartográficas disponíveis atualmente.
FUNDAMENTOS DE CARTOGRAFIA
EQUIVALENTES
N u m mapa-múndi ou regional com projeção equivalente as áreas mantêm-se proporcionalmente idênticas às do globo terrestre, embora as formas estejam deformadas em comparação com a realidade. U m exemplo desse t ipo de projeção é o mapa--múndi de Peters, elaborado pelo historiador e cartógrafo alemão Arno Peters (1916-2002) e publicado pela primeira vez em 1973. Embora essa projeção não tenha rompido completamente com a visão eurocêntrica, acabou dando destaque aos países de
baixa latitude, cujas áreas ficam relativamente d i m i nuídas na projeção de Mercator.
Essa representação do mundo atendeu aos anseios dos Estados que se tomaram independentes após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e que nessa época eram considerados subdesenvolvidos. Tentando afir-mar-se como nações autónomas, muitos desses países viram na projeção de Peters a materialização cartográfica de suas aspirações: receberem das demais nações o mesmo tratamento dado aos Estados desenvolvidos.
Projeção de Peters
Í 6 0 ° W 120° W eO°YJ 40° W 40°E e0°E 120°E WO'E
Adaptado de: CHARLIER, Jacques (Dir). Alias du2l' siécle édition 2012. Groningen: Wollers-Noordhoff: Paris: Éditions Nathan, 2011. p. 8.
Nessa projeção parece que os continentes e países foram alongados nos sentidos norte-sul. Há uma distorção em suas formas, mas todos mantêm seu tamanho proporcional. Por exemplo, a Groenlândia, embora irreconhecível, aparece bem menor que o Brasil e a América do Sul, como é na realidade.
Quando invertida em relação à convenção cartográfica dominante, mostrando o sul na parte superior, como chegou a ser impressa em alguns lugares, a projeção passa a representar o planeta da perspectiva dos países em desenvolvimento, que
em grande parte estão situados ao sul das regiões mais desenvolvidas. O mapa-múndi de Hobo-Dyer, outra projeção equivalente, também representa o m u n d o de forma " invert ida" , com o sul no topo, como se pode ver a seguir.
Esse m a p a - m ú n d i é uma projeção ci l índrica equivalente, semelhante à de Peters, e foi criado em 2002 para mostrar uma visão alternativa do mundo. Foi encomendado por Bob Abramms e Howard Bronstein, fundador e presidente da empresa ODT Maps (sediada em Amherst, Estados Unidos], ao c a r t ó grafo inglês Mick Dyer O nome da projeção resulta da junção das duas letras iniciais dos nomes de Howard e Bob com o sobrenome de_Micl<. Está centrada na África e mostra o sul em destaque.
Projeção de Hobo-Dyer
180° E 160° E 140° E 120° E 100° E 100° W 120° W 140° W 160° W 180° W
Adaptado de: DDT MAPS. Many Ways to Soe tbe World Disponível em: <http://odtmaps.com>. Acesso em: 9 ago. 2012.
REPRESENTAÇÕES CARTOGRÁFICAS, ESCALAS E PROJEÇÕES 45
EQUIDISTANTES
Nos mapas-múndi com projeção azimutal ou plana equidistante, a representação das distâncias entre as regiões é precisa. Elaborada pelo astrónomo e filósofo francês Guillaume Postei (1510-1581) e publicada no ano de sua morte, adota como centro da projeção u m ponto qualquer do planeta para que seja possível medir a distância entre esse ponto e qualquer outro. Por isso esse t ipo de projeção é ut i l izado especialmente para definir rotas aéreas ou marítimas.
A projeção equidistante mais comum é centrada em u m dos poios, geralmente o polo norte, como no mapa ao lado, mas, como foi dito, pode ter como centro qualquer ponto da superfície terrestre. No centro da projeção, pode-se situar a capital de um país, uma base aérea, a sede de uma empresa transnacional, etc. Entretanto, ela apresenta enormes distorções nas áreas e nas formas dos continentes, que aumentam com o afastamento do ponto central.
AFILÁTICAS
Atualmente é comum a utilização de projeções ou equidistância, mas em compensação não distorce com menores índices de distorção para o mapeamen- o planeta de forma tão acentuada como as projeções to do planeta, como a de Robinson (observe o mapa que vimos anteriormente; por isso, tem sido uma das abaixo). Essa projeção afilática não preserva nenhu- mais utilizadas para mostrar o mundo em atlas esco-ma das propriedades de conformidade, equivalência lares e mapas de di\ailgação.
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Essa projeção foi desenvolvida em 1961 pelo geógrafo e cartógrafo norte-americano Arthur H. Robinson 11915-2004). Segundo o IBGE: "É uma projeção afilática (não é conforme ou equivalente ou equidistante) e pseudocilíndrica (não possui nenhuma superfície de projeção, porém apresenta características semelhantes às da projeção cilíndrica)".
46 FUNDAMENTOS DE CARTOGRAFIA ' ' l i). xO .k:-. ;
Projeção azimutal com centro no polo norte 180'
Adaptado de: CHARUER, Jacques (DirJ. /((tos du P !• siécle édilm 20IZ Groningen: Wollers-Noordhoff: Paris: Éditions Nathan. 2011. p. 9.
Na projeção azimutal equidistante as distâncias só são precisas se traçadas radialmente do centro - no caso desta, o polo norte - até um ponto qualquer do mapa (na página 50 veremos uma projeção plana centrada em Brasí l ia-DF).
DIFE RENTES VISÕES DO MUNDO Nosso planeta é u m só, mas pode ser represen
tado de formas diferentes ou visto de perspectivas diversas. Como os mapas são feitos por profissionais que vivem n u m país e têm diferentes valores culturais, costumam expressar u m ponto de vista particular, além de interesses geopolíticos e económicos; em contrapart ida, também podem expressar u m questionamento desses interesses.
U m dos primeiros mapas-múndi foi elaborado em 1508 por u m cartógrafo de Florença cha
mado Francesco Rosseli. Esse mapa não t i n h a precisão nenhuma nem mostrava a Oceania, cont inente que ainda não era conhecido dos europeus. Como ele fo i feito no início das Grandes Navegações, o conhecimento do planeta ainda era m u i t o l i m i t a d o e n e n h u m povo o conhecia por inteiro. U m pouco mais tarde, em 1569, foi elaborado u m dos mapas-múndi mais importantes da História, o mapa de Mercator, cujas características vimos há pouco.
WHITFIELD, Peter. The Image of the Worttf 20 Cenluries d World Maps. London The Bntish Librarv. 1994 p 50-51.
Antes das Grandes Navegações existia um planeta ou um globo terrestre e vários "mundos", considerando "mundo" como o espaço geográfico conhecido por determinado povo; a partir daí, com as viagens transoceânicas, os diversos povos da Terra foram aos poucos entrando em contato e hoje se pode dizer que planeta, globo e mundo são sinónimos.
Esses primeiros mapas-múndi, especialmente o de Mercator, colocavam a Europa em destaque: esse continente aparecia no centro do mapa e na parte de cima. Os europeus - portugueses, espanhóis, ingleses, franceses, holandeses, etc. - estavam explorando o mundo e fundando colónias, portanto, era natural que ao representar o planeta se vissem no centro e no topo. O eurocentrismo era a materialização cartográfica do etnocentrisn-,. europeu. Mas não devemos nos esquecer de que a Terra é um planeta esférico, em movimento (rotação e translação) no espaço sideral, portanto, nele não existe nem "acima" nem "abaixo".
O costume de colocar o norte no topo do mapa, com a Europa no centro, começou a part ir das Grandes Navegações, como vimos. Até então os cartógrafos itahanos, influenciados pelos árabes, costumavam colocar o sul na parte de cima, como mostra o mapa a seguir, feito em 1459 pelo monge veneziano Fra Mauro. Os cartógrafos árabes costumavam representar o mundo com o sul no topo e com o centro em Meca, a principal cidade sagrada da reUgião islâmica. Até o leste já chegou a figurar no topo, como era comum nos mapas elaborados durante a Idade Média. ., „ . „ , , , .
REPRESENTAÇÕES CARTOGRÁFICAS, ESCALAS E PROJEÇÕES 47
Assim, o fato de o norte aparecer no topo, com a Europa no centro, é apenas mais uma convenção. Entretanto, essa visão eurocêntrica do mundo acabou se consolidando em 1884, ano em que se realizou a Con
ferência Internacional do Meridiano. Como vimos no capítulo anterior, nesse encontro foi acordado que o meridiano principal, o zero da longitude, seria o meridiano de Greenwich, portanto o "centro" do mundo.
WHITFIELD, Peter. The Image oj the World 20 Centunes of World Maps London: The British Libiary, 1994 p, 33.
Observe que as terras em torno do mar Mediterrâneo, região mais conhecida na época pelos europeus, têm contornos mais próximos da realidade (localize a Itália e a península Ibérica); entretanto, quanto mais distante da Europa, maior a deformação.
' ' Nada impede que o mundo seja visto de outras perspectivas e, em cada país, os atlas sejam produzidos valorizando sua localização no globo. Por exemplo, nos Estados Unidos, gerações de estudantes cresceram vendo seu país no centro do mapa-múndi com projeção de Mercator. Como antes aconteceu com os europeus, além de estar no centro do mundo o territó
rio norte-americano ainda aparecia ampliado. Era uma metáfora da superioridade geopolítica do país no período pós-Segunda Guerra. Os japoneses, que se recuperam da derrota nessa guerra, também costumam representar o planeta com seu país situado no centro, como mostra o mapa-múndi da página seguinte, publicado em u m atlas escolar.
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Na Austrália, também é comum o país ser representado no centro e no topo do mapa--múndi, só que neste caso o sul aparece acima. O primeiro mapa-múndi centrado na Austrália foi criado por Stuart McArthur, então u m jovem estudante da Universidade de Melbourne, e publicado em 1979 (observe-o abaixo).
O Brasil no centro do mundo apareceu em 1981 no livro Conjuntura política nacional: o Poder Executivo & geopolítica do Brasil, do general Golbery do Couto e Silva (1911-1987), u m dos expoentes do pensamento geopolítico do período militar (1964-1985). Há outro mapa com o Brasil no centro do mundo num livro do geógrafo Cêurio de Oliveira, publicado em 1993 (observe-o ao lado). Mais recentemente, mapas-múndi com o Brasil no centro podem ser encontrados no Atlas geográfico escolar do IBGE. Entretanto, uma visão brasileira do mundo nunca foi muito difundida e acabamos nos habituando a ver o planeta da perspectiva eurocêntrica.
Com isso, podemos concluir que não há uma forma certa ou errada de representar o mundo, mas cada uma delas expressa u m ponto de vista de um Estado nacional ou de um povo. A Cartografia expressa, em cada u m de seus produtos, um ponto de vista sobre o mundo, uma versão da realidade.
Projeção azimutal equidistante centrada em Brasília
Polo norte
AMERICA DO
NORTE
Á S I A
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Polo sul
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Brasília Latitude 15^4703" Longitude 47°55'24"
O mundo visto pelos australianos
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Adaptado de: ODT WEBSTORE SHOPPING CART, Disponível em: <http://odtor9/lndex,htm>. Acesso em: 9 ago. 2012.
Compreendendo conteúdos
1. Aponte as di ferenças fundamenta is entre mapa, carta e planta.
2. Explique para que serve a escala e como ela pode aparecer numa representação cartográfica.
3. Aponte as distorções verif icadas nas seguintes projeções: Mercator, Peters e azimutal .
U. Explique porque o mundo pode ser visto de diferentes perspectivas cartográficas. Dê exemplos.
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