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    compilaes doutrinais

    VERBOJURIDICO

    O PAPEL E A INTERVENO DA ESCOLAEM SITUAES DE CONFLITO PARENTAL

    ___________

    Antnio Jos FialhoJUIZ DE DIREITO

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    VERBOJURIDICO O PAPEL E A INTERVENO DA ESCOLA EM SITUAES DE CONFLITO PARENTAL :2

    O Papel e a Interveno da Escola

    em situaes de conflito parental

    Antnio Jos FialhoJUIZ DE DIREITO

    As crianas aprendem mais com aquilo que os

    adultos fazem - e com o que os pais lhes fazem - doque com o que os adultos lhes dizem.

    Joana Amaral Dias(Dirio de Notcias - 12/06/2006)

    - I -

    EXERCCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS

    O exerccio das responsabilidades parentais configura-se como um conjunto de

    faculdades cometidas aos pais no interesse dos filhos em ordem a assegurar

    convenientemente o seu sustento, sade, segurana, educao, a representao e a

    administrao dos seus bens (artigo 1878. do Cdigo Civil).

    Os pais ficam automaticamente investidos na titularidade das responsabilidades

    parentais, independentemente da sua vontade e por mero efeito da filiao, no podendo

    renunciar a estas nem a qualquer dos direitos que as mesmas especialmente lhes conferem,

    sem prejuzo do que legalmente se dispe a propsito da adopo (artigo 1882. do mesmo

    Cdigo).

    As responsabilidades parentais so um meio de suprimento da incapacidade de

    exerccio de direitos por parte da criana (artigo 124. do citado Cdigo) e so preenchidas

    por um complexo conjunto de poderes e deveres funcionais atribudos legalmente aos

    progenitores para a prossecuo dos interesses pessoais e patrimoniais de que o filho

    menor no emancipado titular.

    Assim, deste carcter funcional das responsabilidades parentais, resulta que o

    exerccio dos direitos e deveres que o integram, no tendo a ver com a realizao de

    interesses prprios dos progenitores, encontra-se particularmente vinculado salvaguarda,

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    ANTNIO JOS FIALHO O PAPEL E A INTERVENO DA ESCOLA EM SITUAES DE CONFLITO PARENTAL :3

    promoo e realizao do interesse da criana e que se traduz na realizao das tarefas

    quotidianas do filho.

    Com a Lei n. 61/2008, de 31 de Outubro, so tambm entendidas como o conjunto

    de poderes e deveres destinados a assegurar o bem-estar moral e material do filho,

    designadamente tomando conta da pessoa do filho, mantendo relaes pessoais com ele,

    assegurando a sua educao, o seu sustento, a sua representao legal e a administrao

    dos seus bens (Princpio 1. do Anexo Recomendao n. R (84) sobre as

    Responsabilidades Parentais adoptada pelo Comit de Ministros do Conselho da Europa

    em 28 de Fevereiro de 1984).

    Na exposio de motivos desta Recomendao, especialmente referido que o

    objectivo () convidar as legislaes nacionais a considerarem os menores j no comosujeitos protegidos pelo Direito, mas como titulares de direitos juridicamente reconhecidos

    () a tnica colocada no desenvolvimento da personalidade da criana e no seu bem-

    estar material e moral, numa situao jurdica de plena igualdade entre os pais ()

    exercendo os progenitores esses poderes para desempenharem deveres no interesse do filho

    e no em virtude de uma autoridade que lhes seria conferida no seu prprio interesse (

    3. e 6. da exposio de motivos).

    Adoptando perspectiva idntica, a Conveno sobre os Direitos da Crianaconsagrou tambm o princpio de que ambos os pais tm uma responsabilidade comum na

    educao e no desenvolvimento da criana e de que constitui sua responsabilidade

    prioritria a educao e o bem estar global da criana (artigos 18., n. 1 e 27., n. 2).

    Tambm a Conveno Europeia sobre os Exerccio dos Direitos da Criana,

    celebrada no mbito do Conselho da Europa em 25 de Janeiro de 1996, utiliza a expresso

    responsabilidades parentais a propsito da titularidade e do exerccio dos poderes-

    deveres que integram as funes parentais (artigos 1., n. 3, 2., alnea b), 4., n. 1 e 6.,alnea a), desta Conveno).

    Na definio e na repartio concreta das responsabilidades parentais devem atender-

    se prioritariamente aos interesses e direitos da criana e, em segunda linha, aos demais

    interesses e direitos atendveis (artigo 4., alnea a), da Lei de Promoo e Proteco das

    Crianas e Jovens em Perigo ex vi do artigo 147.-A da Organizao Tutelar de

    Menores).

    Este interesse da criana constitui um critrio essencial de deciso, cujo contedo e

    extenso carecem de um preenchimento reconduzvel a critrios objectivos. Tem-se

    entendido que estes critrios devem respeitar o princpio da igualdade dos pais, promover a

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    repartio das responsabilidades parentais mediante a adeso interna redutora dos

    conflitos, a atender aos direitos da criana e s suas escolhas preferenciais, respeitar a

    autonomia da famlia, em conformidade com o princpio da interveno mnima e mostrar-

    se exequveis e de aplicao gil e fcil (artigo 4., alneas a), d), ef), da Lei de Promoo

    e Proteco de Crianas e Jovens em Perigo ex vi do artigo 147.-A da Organizao

    Tutelar de Menores).

    O conceito de responsabilidades parentais permite ainda referenciar, de imediato, um

    conjunto de poderes-deveres (responsabilidade de guarda, de educao, de representao,

    de administrao de bens, de convvio e de relacionamento pessoal e de vigilncia

    educativa) cujo exerccio competir, conjunta ou repartidamente, consoante o caso, a

    ambos os pais.Por outro lado, susceptvel de facilitar tambm a identificao de uma unio

    parental diferenciada da unio conjugal ou da unio marital, apontando para a necessidade

    da sua permanncia e sobrevivncia aps a eventual dissoluo desta.

    Ningum duvidar que, em situaes de dissociao familiar, o interesse da criana

    deve ser identificado com o estabelecimento de condies psicolgicas, materiais, sociais e

    morais favorveis ao seu desenvolvimento harmnico e sua progressiva autonomizao.

    A garantia de tais condies depender, necessariamente, da insero da criana numncleo de vida familiar estvel e gratificante - do ponto de vista do seu bem-estar, da sua

    proteco e da sua educao - da possibilidade de um amplo relacionamento pessoal e

    directo com ambos os pais, e da promoo de um nvel de vida suficiente ao seu

    desenvolvimento fsico, mental, espiritual, moral e social.

    Assim, a realizao do interesse da criana parece estar essencialmente relacionada

    com a observncia de dois princpios fundamentais: -

    a) - o desenvolvimento harmnico da criana depende necessariamente de ambos os

    progenitores, no podendo nenhum deles substituir a funo que ao outro cabe;

    b) - as relaes paterno-filiais situam-se a um nvel diferenciado das relaes

    conjugais ou maritais.

    Evidencia o primeiro destes princpios a necessidade de promover a participao

    interessada, a interveno concertada e a co-responsabilizao activa de ambos os pais pela

    educao do filho enquanto que, do segundo, decorre a necessidade de garantir laos

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    afectivos estveis e profundos entre a criana e ambos os pais, apesar da separao destes,

    e de prevenir a sua instrumentalizao nos eventuais conflitos que os oponham.

    ainda sabido que, na grande maioria das famlias portuguesas, o lugar dos filhos

    expressa, sobretudo, a importncia que a maternidade e a paternidade detm na construo

    de uma identidade social positiva para o indivduo e na representao da criana, enquanto

    agente fundador da famlia ou fonte de gratificao pessoal, de continuidade, ou seja, como

    um processo natural da vida, associado ideia de constituir famlia e de deixar

    descendncia.

    Assim, a parentalidade um processo de afectos mas tambm, e cada vez mais, um

    processo de tomada de decises no qual, apesar da imagem social da criana poder traduzir

    alguma fragilidade e dependncia - por carecerem do apoio e proteco dos adultos comvista ao seu desenvolvimento integral - tambm devem dispor de capacidade de autonomia,

    de auto-determinao de acordo com a sua maturidade, sendo verdadeiros actores sociais e

    portadores de uma perspectiva prpria sobre as decises que lhes dizem respeito.

    Em suma, o contedo das responsabilidades parentais composto por um conjunto

    de direitos dirigidos realizao da personalidade dos filhos, um conjunto de direitos e

    deveres irrenunciveis, inalienveis e originrios, mediante os quais os pais assumem a

    responsabilidade dos seus filhos.Definem-se como um poder funcional cujo exerccio obrigatrio ou condicionado,

    acentuando-se a funcionalizao dos direitos dos pais aos interesses dos filhos, consistindo,

    assim, no apenas no conjunto de direitos e obrigaes, mas tambm nos cuidados

    quotidianos a ter com a sade, a segurana, a educao e a formao da criana, atravs

    dos quais esta se desenvolve intelectual e emocionalmente.

    A Constituio da Repblica Portuguesa consagra como princpio geral a igualdade

    dos pais na educao dos filhos (artigo 36., n. 5) o que implica que, seja qual for a relaofamiliar entre os progenitores (matrimnio, unio de facto ou mesmo sem qualquer

    coabitao), numa situao de dissociao familiar, o exerccio das responsabilidades

    parentais continua a ser exercido em conjunto por ambos (artigos 1901., 1906., n. 1,

    1911. e 1912., todos do Cdigo Civil, na redaco dada pela Lei n. 61/2008).

    O exerccio das responsabilidades parentais exercido em exclusivo por um dos

    progenitores quando o tribunal, atravs de deciso fundamentada, julgue o exerccio

    conjunto contrrio aos interesses da criana (artigo 1906., n. 2 do mesmo Cdigo),

    quando um dos pais no puder exercer as responsabilidades parentais, por ausncia,

    incapacidade ou outro impedimento (artigo 1903. do citado Cdigo), por morte de um dos

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    progenitores (artigo 1904. do referido Cdigo) ou quando um dos progenitores esteja

    inibido do exerccio das responsabilidades parentais (artigos 1913. e seguintes do Cdigo

    Civil).

    Caso o exerccio das responsabilidades parentais (na altura denominado por

    exerccio do poder paternal) tenha sido regulado no mbito do regime legal anterior Lei

    n. 61/2008, de 31 de Outubro, este poderia ser exercido em conjunto mediante o acordo de

    ambos os progenitores ou, na falta desse acordo, o mesmo era exercido pelo progenitor a

    quem a criana fosse confiada (artigo 1906., n.os 1 e 2 do Cdigo Civil, na redaco dada

    pela Lei n. 59/99, de 30 de Junho).

    Em concluso, perante uma situao de divrcio ou de separao dos progenitores da

    criana (dissociao familiar), haver que atender, em primeiro lugar, ao contedo doacordo ou da deciso de regulao do exerccio das responsabilidades parentais (ou do

    poder paternal) mas, no estando este ainda regulado nem se verificando qualquer situao

    que justifique o seu exerccio exclusivo, o mesmo exercido conjuntamente por ambos os

    pais.

    - II -

    RESPONSABILIDADES PARENTAIS NO MBITO DA EDUCAO

    Compete aos pais, no interesse dos filhos, dirigir a sua educao e, de acordo com as

    suas possibilidades, promover o desenvolvimento fsico, intelectual e moral daqueles,

    proporcionando-lhes, em especial aos diminudos fsica e mentalmente, adequada instruo

    geral e profissional, correspondente, na medida do possvel, s aptides e inclinaes de

    cada um (artigos 1878., n. 1 e 1885., ambos do Cdigo Civil).

    O escopo da funo educativa dos progenitores o de formar um ser livre, j que

    na liberdade que o adulto essencialmente se reconhece e se afirma.So os pais que tm o direito e o dever de educao dos filhos (artigo 36., n. 5 da

    Constituio da Repblica Portuguesa) e o direito de escolher o gnero de educao a dar

    aos filhos (artigo 26., n. 3 da Declarao Universal dos Direitos do Homem).

    Por seu turno, os cnjuges tm iguais direitos e deveres quanto capacidade civil e

    poltica e manuteno e educao dos filhos (artigos 36., n. 3 da Constituio da

    Repblica Portuguesa e 16. da Declarao Universal dos Direitos do Homem).

    O interesse superior da criana deve ser o guia dos que tm a responsabilidade da suaeducao e orientao e essa responsabilidade incumbe, em primeiro lugar, aos pais.

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    Com efeito, a estrutura familiar na educao das crianas um elemento essencial

    para o desenvolvimento do processo de socializao dos filhos atravs do qual se moldam

    as estruturas afectivas, mentais e sociais do ser humano que, s dificilmente, podero ser

    alteradas em momento ulterior.

    A educao compreende todos os aspectos da socializao da criana ou o processo

    pelo qual se lhe faz adquirir as atitudes, normas de comportamento, capacidades e

    conhecimentos indispensveis para levar uma vida social e integrada, incumbindo ao

    Estado garantir o apoio e reforo da funo educativa da famlia e o desenvolvimento da

    aptido educativa dos pais (Conferncia dos Ministros Europeus para os Assuntos

    Familiares realizada em Bona de 7 a 9 de Setembro de 1979).

    Com expressa consagrao no ordenamento jurdico portugus, incumbe aos pais eencarregados de educao uma especial responsabilidade, inerente ao seu poder-dever de

    dirigirem a educao dos seus filhos e educandos, no interesse destes, e de promoverem

    activamente o desenvolvimento fsico, intelectual e moral dos mesmos (artigo 6., n. 1 do

    Estatuto do Aluno do Ensino Bsico e Secundrio, aprovado pela Lei n. 3/2008, de 18 de

    Janeiro1).

    Com efeito, o direito educao constitui, hoje, nas sociedades modernas, um direito

    fundamental de cidadania, de que depende o efectivo exerccio de outros direitos. Cabe,por isso, ao Estado assegurar a todos e cada um dos cidados iguais oportunidades de

    explorar plenamente as suas capacidades e de adquirir as competncias e os conhecimentos

    que promovam o seu desenvolvimento pessoal e lhes permitam dar um contributo activo

    sociedade em que se integram.

    Com a Lei n. 85/2009, de 27 de Agosto, foi introduzida a obrigatoriedade de

    frequncia do ensino at aos dezoito anos de idade a todos os alunos que, no ano lectivo de

    2009/2010, estivessem matriculados no 7. ano de escolaridade (artigos 6., n.

    o

    1 e 66., n.1, ambos da Lei de Bases do Sistema Educativo, aprovada pela Lei n. 46/86, de 14 de

    Outubro, alterada pela Lei n. 115/97, de 19 de Setembro, pela Lei n. 49/2005, de 30 de

    Agosto, e pela Lei n. 85/2009, de 27 de Agosto, e artigos 2., n. 1 e 8., n. 1, ambos desta

    Lei n. 85/2009).

    O investimento de confiana da comunidade e do Estado no regime da escolaridade

    obrigatria, criando uma rede pblica de escolas e assegurando o corpo docente necessrio

    1 O Estatuto do Aluno do Ensino Bsico e Secundrio aplica-se ao ensino pr-escolar na parte relativa responsabilidade e ao papel dos membros da comunidade educativa e vivncia na escola e os seus princpios soaplicveis ao estabelecimentos de ensino das redes privada e cooperativa que devero adaptar os respectivosregulamentos internos (artigo 3., n.os 1 a 3 do Estatuto do Aluno).

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    ao ensino, responsabiliza o aluno e a sua famlia, atravs dos pais e encarregados de

    educao, em ordem ao respectivo cumprimento.

    O ensino obrigatrio e universal implica responsabilidade para a escola e para os

    seus rgos de gesto, estruturas de orientao educativa e professores, verificando o dever

    de frequncia assdua das actividades escolares, pelos alunos, informando e comunicando

    aos pais e encarregados de educao a assiduidade dos alunos e assegurando a prestao de

    servios de aco social, de sade, psicologia e orientao escolar, para apoiar e tornar

    efectivo o cumprimento do dever de frequncia assdua dos alunos.

    Com a escolaridade obrigatria, assumido o propsito de acompanhar uma

    evoluo dos sistemas educativos modernos que tem sido marcada, em sucessivos

    momentos, pela preocupao de alargar o tronco comum de formao geral oferecido pelaobrigatoriedade em frequentar a escola, de modo a que as novas geraes possam estar

    mais preparadas para responder, quer s aspiraes individuais, quer aos desafios do

    desenvolvimento e modernizao da sociedade.

    Assim, so deveres especiais dos pais e encarregados de educao (artigos 2., n. os 1

    e 4 e 12., n.os 1 e 2, ambos do Decreto-Lei n. 301/93, de 31 de Agosto2, 6., n. 2 do

    Estatuto do Aluno do Ensino Bsico e Secundrio e 47., n. 1 do Regime de Autonomia,

    Administrao e Gesto dos Estabelecimentos da Educao Pr-Escolar e dos EnsinosBsico e Secundrio3): -

    a) - Proceder matrcula do seu filho e educando quando este se encontre em idade

    escolar e assegurar o cumprimento do dever de frequncia das aulas;

    b) - Acompanhar activamente a vida escolar do seu educando;

    c) - Promover a articulao entre a educao na famlia e o ensino escolar;

    d) - Diligenciar para que o seu educando beneficie efectivamente dos seus direitos e

    cumpra rigorosamente os deveres que lhe incumbem, com destaque para os deveres de

    assiduidade, de correcto comportamento e de empenho no processo de aprendizagem;

    e) - Contribuir para a criao e execuo do processo educativo da escola e participar

    na vida da escola;

    2Estabelece o regime de matrcula e de frequncia do ensino bsico para as crianas e jovens em idade escolar. 3Aprovado pelo Decreto-Lei n. 75/2008, de 22 de Abril (revogou o Decreto-Lei n. 115-A/98, de 4 de Maio, alterado

    pela Lei n. 24/99, de 22 de Abril).

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    f) - Cooperar com os professores no desempenho da sua misso pedaggica, em

    especial quando para tal forem solicitados, colaborando no processo de ensino e

    aprendizagem dos seus educandos;

    g) - Contribuir para a preservao da disciplina da escola e para a harmonia da

    comunidade educativa, em especial quando para tal forem solicitados;

    h) - Contribuir para o correcto apuramento dos factos em procedimento de ndole

    disciplinar instaurado ao seu educando e, sendo aplicada a este medida correctiva ou

    medida disciplinar sancionatria, diligenciar para que a mesma prossiga os objectivos de

    reforo da sua formao cvica, do desenvolvimento equilibrado da sua personalidade, da

    sua plena integrao na comunidade educativa e do seu sentido de responsabilidade;

    i) - Contribuir para a preservao da segurana e integridade fsica e moral de todos

    os que participam na vida da escola;

    j) - Integrar activamente a comunidade educativa no desempenho das demais

    responsabilidades desta, em especial informando-se, sendo informado e informando sobre

    todas as matrias relevantes no processo educativo dos seus educandos;

    k) - Comparecer na escola sempre que julgue necessrio e quando para tal for

    solicitado;

    l) - Conhecer o estatuto do aluno, o regulamento interno da escola e subscrever,

    fazendo subscrever igualmente os seus filhos e educandos, declarao anual de aceitao

    do mesmo e de compromisso activo quanto ao seu cumprimento integral;

    m) - Participar na vida dos agrupamentos de escolas ou escola no agrupada atravs

    da organizao e colaborao em iniciativas visando a promoo da melhoria da qualidade

    e da humanizao daqueles estabelecimentos de ensino, em aces motivadoras de

    aprendizagem e da assiduidade dos alunos e em projectos de desenvolvimento scio-

    educativo do agrupamento de escolas ou escola no agrupada.

    O encarregado de educao a me, o pai ou qualquer pessoa que acompanha e

    responsvel pelo aproveitamento de uma criana ou adolescente menor, em idade escolar(Dicionrio da Lngua Portuguesa Contempornea, Academia de Cincias de Lisboa).

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    A figura do encarregado de educao surgiu no sistema educativo com uma funo

    facilitadora na relao que se estabelece entre a escola e a famlia da criana, entendendo-

    se este como o interlocutor privilegiado nessa relao.

    Para o efeito, as normas legislativas e regulamentares do sistema de ensino atribuem

    figura do encarregado de educao um conjunto de prerrogativas, direitos e deveres tais,

    como por exemplo, o dever de proceder primeira matrcula do aluno ou a faculdade de

    requerer o adiamento desta.

    O encarregado de educao definido como aquele que tenha menores sua guarda

    pelo exerccio das responsabilidades parentais, por deciso judicial, pelo exerccio de

    funes educativas na direco de instituies que tenham menores, por qualquer ttulo,

    sua responsabilidade ou por delegao, devidamente comprovada, por parte de qualquerdas entidades referidas (n. 1.2. do Despacho SEE n. 14026/007, publicado no Dirio da

    Repblica 2. srie n. 126 de 3 de Julho de 2007, rectificado pela Declarao n.

    1258/2007, publicado no Dirio da Repblica 2. srie n. 155 de 13 de Agosto de 2007,

    alterado pelo Despacho n. 13170/2009 publicado no Dirio da Repblica 2. srie n. 108

    de 4 de Junho de 2009, e pelo Despacho n. 6258/2011 publicado no Dirio da Repblica

    2. srie n. 71 de 11 de Abril de 2011).

    Na falta de uma definio legal de um estatuto do encarregado de educao, qualquerconflito que se levante respeitante conduo da vida escolar de uma criana, o alcance e

    os limites das prerrogativas, direitos e deveres que so conferidos ao encarregado de

    educao devem ser apreciados, interpretados e decididos luz dos princpios gerais

    estabelecidos na Constituio da Repblica Portuguesa e do Cdigo Civil, em particular

    sobre o contedo e o alcance das responsabilidades parentais e sobre a sua gnese e os

    respectivos limites.

    Com efeito, o direito e o dever de educao dos filhos , no s um dever tico esocial, mas tambm um dever jurdico dos pais.

    A direco e o acompanhamento da educao da criana podem compreender a

    prtica de actos de particular relevncia pelo que, da simples indicao de um dos

    progenitores como encarregado de educao, no resulta qualquer poder ou direito

    acrescido ou implica para o outro progenitor qualquer poder ou direito diminudo.

    Como primeira premissa, importa estabelecer que, da indicao de encarregado de

    educao perante a escola resulta apenas que o progenitor indicado a pessoa que, por

    acordo expresso ou presumido entre ambos, constitui o interlocutor privilegiado entre a

    escola e a famlia, seja por dispor de maior disponibilidade para o efeito, seja por ter maior

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    sensibilidade para o acompanhamento da vida escolar do filho, presumindo-se, at

    qualquer indicao ou suspeita do contrrio que, qualquer acto que pratica relativamente ao

    percurso escolar do filho, realizado por deciso conjunta do outro progenitor.

    Como segunda premissa, importa ter presente que, quando o exerccio das

    responsabilidades parentais seja exercido em conjunto, apenas os actos ou questes de

    particular importncia que devem ser decididas em conjunto por ambos os progenitores,

    mesmo em situaes de divrcio ou de separao dos progenitores, restando um conjunto

    de actos (usuais ou da vida corrente) que qualquer dos progenitores pode praticar quando o

    filho se encontre consigo (embora o progenitor no residente no possa contrariar as

    orientaes educativas mais relevantes definidas pelo progenitor residente).

    - III -

    O DESACORDO DOS PAIS E A INTERVENO JUDICIAL

    Com a Lei n. 61/2008, de 31 de Outubro, as responsabilidades parentais relativas s

    questes de particular importncia para a vida do filho passaram a ser exercidas em comum

    por ambos os progenitores, salvo nos casos de urgncia manifesta, em que qualquer dos

    progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informao ao outro logo que possvel

    (artigo 1906., n. 1 do Cdigo Civil).

    S o tribunal, atravs de deciso fundamentada, pode determinar que as

    responsabilidades parentais sejam exercidas apenas por um dos progenitores quando o

    exerccio conjunto - estabelecido como o regime regra - for julgado contrrio aos interesses

    da criana (n. 2 do mesmo artigo).

    O exerccio das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do

    filho4 cabem ao progenitor que com ele reside habitualmente, ou ao progenitor com quem

    ele se encontra temporariamente; porm, este ltimo, ao exercer as suas responsabilidades,no deve contrariar as orientaes educativas mais relevantes5, tal como elas so definidas

    pelo progenitor com quem o filho reside habitualmente (n. 3 do mesmo artigo).

    4 A doutrina tem entendido que o preenchimento do conceito de actos da vida corrente tem que ser feito porcontraposio com o conceito de questo de particular importncia, abrangendo todos aqueles que se relacionem com oquotidiano da criana, nomeadamente as decises usuais relativas disciplina, ao tipo de alimentao actividades eocupao de tempos livres, os contactos sociais, o levar e ir buscar o filho regularmente escola, acompanhar nostrabalhos escolares e efectuar a respectiva matrcula, decises quanto higiene diria, ao vesturio e calado, imposiode regras de convivncia, decises sobre idas ao cinema e sadas noite, consultas mdicas de rotina, uso e utilizao de

    telemvel e computador, etc.5As orientaes educativas mais relevantes so as que resultam de uma relao de maior proximidade da criana comum dos progenitores e que, por isso, define e transmite os valores, princpios e regras que lhe permitem estruturar a suapersonalidade e modelar o seu comportamento, designadamente os horrios de dormir e de tomar as refeies, os horriose cumprimento das obrigaes curriculares e extra-curriculares (preparar trabalhos de casa ou a frequncia de algumaactividade que a criana desenvolva habitualmente), as regras correctivas (retirada do telemvel e proibio de ir ao

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    VERBOJURIDICO O PAPEL E A INTERVENO DA ESCOLA EM SITUAES DE CONFLITO PARENTAL :12

    Por outro lado, se um dos pais praticar acto que integre o exerccio das

    responsabilidades parentais, presume-se que age de acordo com o outro, salvo quando a lei

    expressamente exija o consentimento de ambos os progenitores ou se trate de acto ou

    questo de particular importncia, no sendo a falta de acordo oponvel a terceiro de boa f

    (artigo 1902., n. 1 do mesmo Cdigo).

    O terceiro deve recusar-se a intervir no acto praticado por um dos cnjuges quando

    no se presuma o acordo do outro cnjuge ou quando conhea a oposio deste (n. 2 do

    citado artigo).

    Em caso de desacordo entre os pais sobre o exerccio das responsabilidades parentais

    relativas a questes de particular importncia, confiada ao juiz a tarefa de o resolver.

    Contudo, a interveno judicial assume um carcter excepcional e subsidirio face aoacordo dos pais, que consiste no modo principal do exerccio das responsabilidades

    parentais, sendo exigido para a interveno judicial que: -

    a) - A desavena entre os progenitores recaia sobre uma questo de particular

    importncia, cuja existncia deve ser controlada pelo juiz;

    b) - O juiz obrigado a tentar conciliar os progenitores, desempenhando uma funo

    mediadora com vista a sugerir uma soluo e a dialogar com aqueles sobre a natureza do

    conflito para que, com a sua ajuda, possa ser alcanado o acordo que, por si s, eles no

    foram capazes de encontrar;

    c) - O juiz ainda obrigado a ouvir o filho, salvo quando circunstncias ponderosas o

    desaconselhem.

    O primeiro requisito exige que se trate de actos ou questes de particular importncia

    cuja indeterminao deve ser concretizada judicialmente na medida em que no existe

    qualquer enumerao legislativa destes actos.

    Assim, foi confiada doutrina e jurisprudncia a definio das situaes que

    podero consubstanciar os actos e as questes de particular importncia que possam dar

    origem a um conflito entre os progenitores e que deva ser resolvido pelo tribunal.

    Vejamos.

    cinema ou de sair impostos por comportamentos desadequados, como ter faltado s aulas, ter tirado uma nota negativapor falta de estudo, ter desobedecido a um dos progenitores ou desrespeitado um professor). por isso que o progenitorno residente deve respeitar essas orientaes sob pena de desautorizar o progenitor residente e violar as regraseducativas por ele impostas.

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    ANTNIO JOS FIALHO O PAPEL E A INTERVENO DA ESCOLA EM SITUAES DE CONFLITO PARENTAL :13

    A doutrina e a jurisprudncia no evidenciam um entendimento uniforme quanto

    configurao da escolha e inscrio da criana em estabelecimento de ensino como questo

    de particular importncia ou acto da vida corrente.

    Tom dAlmeida Ramio entende que a matrcula em estabelecimento privado de

    ensino constitui questo de particular importncia enquanto que o mesmo acto em

    estabelecimento de ensino pblico constitui acto da vida corrente (O Divrcio e as

    Questes Conexas - Regime Jurdico Actual, 2. edio - actualizada e comentada, Lisboa,

    Quid Juris, 2010, pgs. 158-159); este entendimento foi igualmente seguido numa deciso

    do Tribunal da Relao de vora (Ac. RE de 19/06/2008 in CJ, III, pg. 254).

    Contudo, Helena Bolieiro e Paulo Guerra parecem entender como questo de

    particular importncia a escolha do ensino particular ou oficial (A Criana e a Famlia -Uma Questo de Direito(s): Viso Prtica dos Principais Institutos do Direito da Famlia e

    das Crianas e Jovens, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, pg. 176).

    Tambm Helena Gomes de Melo e outros entendem que se trata de questes de

    particular importncia bem como a opo pelo tipo de ensino a frequentar pela criana

    (Poder Paternal e Responsabilidades Parentais, 2. edio - revista, actualizada e

    comentada, Lisboa, Quid Juris, 2010, pg. 142).

    Ana Sofia Gomes afirma, por seu turno, que a escolha entre ensino pblico ouprivado e a colocao ou no do filho num colgio interno, bem como a mudana de

    escola, so questes de particular importncia (Responsabilidades Parentais, 2. edio,

    Lisboa, Quid Juris, 2009, pgs. 22-23 e 85).

    Em sentido algo diverso, Armando Leandro entende que a matrcula da criana um

    acto de particular importncia se respeitar ao futuro profissional no o sendo se se tratar de

    inscrio no ensino obrigatrio (Poder Paternal: Natureza, contedo, exerccio e

    limitaes. Algumas reflexes da prtica judiciria, Temas de Direito da Famlia, Ciclo deConferncias no Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, Coimbra,

    Almedina, 1986, pg. 130).

    Tambm Maria de Ftima Abrantes Duarte considera que so actos de particular

    importncia as inscries em estabelecimentos de ensino pblicos ou privado (O Poder

    Paternal - Contributo para o estudo do seu actual regime, 1. reimpresso, Lisboa, AAFDL,

    1994, pg. 162).

    Num trabalho exaustivo sobre as questes de particular importncia no exerccio das

    responsabilidades parentais, Hugo Manuel Leite Rodrigues defende que as questes

    relativas escola e formao da criana devem ser consideradas como questes de

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    particular importncia, utilizando os seguintes argumentos (Questes de Particular

    Importncia no Exerccio das Responsabilidades Parentais, Centro de Direito da Famlia

    22, Coimbra, Coimbra Editora, 2011, pgs. 153-157): -

    A escola um ponto fundamental do desenvolvimento da pessoa. Todo o seu

    futuro ser afectado pelo sucesso ou insucesso escolar, por uma boa ou m formao.

    Os prprios valores da pessoa so afectados pela capacidade cultural e intelectual que

    a escola consegue imprimir aos seus formandos.

    A instruo escolar e a formao tcnica e profissional reconduzem-se

    actividade dirigida promoo do desenvolvimento fsico, intelectual e cultural do

    filho com vista a proporcionar-lhe um conjunto de competncias profissionais. Deste

    modo, aos pais que cumpre a escolha da escola, bem como o ramo educacional,

    algumas disciplinas como as lnguas, e mesmo a continuao ou abandono da escola

    (...) Como tal, a escolha do estabelecimento bem como do tipo de ensino, parece-nos

    ter uma importncia fundamental no desenvolvimento do menor.

    Deste modo, entendemos que tanto a opo pelo ensino privado, como a opo

    pelo ensino pblico, so questes de particular importncia. So questes que no se

    enquadram nas decises quotidianas e sem relevo fundamental para a vida futura do

    menor.

    (...)

    A escola fundamental para o desenvolvimento do menor. A sua exigncia e

    condies tero sempre uma importncia decisiva na aprendizagem escolar e na

    formao da pessoa. A escolha de um concreto estabelecimento de ensino fruto da

    ponderao de vrios elementos. Por exemplo: a escolha entre uma escola

    geograficamente perto da residncia do menor que, contudo, tem uma elevada taxa de

    insucesso escolar e onde so frequentemente reportados casos de bullying e uma

    escola longe da residncia do menor (que pode at ficar perto do local de trabalho de

    um dos progenitores) mas com uma boa taxa de sucesso escolar e um ambiente seguro

    e saudvel para o desenvolvimento da personalidade da criana, preterindo assim do

    conforto de frequentar uma escola perto de casa pela qualidade do ensino e do

    ambiente de outra escola. Destarte, devem ser ambos os pais - quando exeram em

    comum as responsabilidades parentais (pelo menos quanto a questes de particular

    importncia) - a decidir qual o concreto estabelecimento de ensino que o menor deve

    frequentar, visto ser uma deciso rara e que susceptvel de moldar o futuro do

    menor.

    O mesmo se aplica em relao aos casos de mudana de estabelecimento de

    ensino, pois trata-se, no fundo, da escolha de uma escola para o menor (...).

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    ANTNIO JOS FIALHO O PAPEL E A INTERVENO DA ESCOLA EM SITUAES DE CONFLITO PARENTAL :15

    Em suma, consideramos que quando est em causa o futuro da educao do

    menor est-se perante questes/actos de particular importncia (...) Mas nem todos os

    actos conexionados com a educao do menor so actos de particular importncia.

    Assim, sero actos da vida corrente a assinatura de provas escritas de avaliao (paragarantir a tomada de conhecimento pelos pais dos resultados obtidos pelo menor), a

    autorizao para uma visita de estudo (a no ser que pelos contornos do caso implique

    algum risco para o menor v.g. se ele sofrer de asma que possa ser agravada pela visita

    de estudo se esta for ao campo), a conversa com a directora de turma quando o assunto

    abordado no dilogo no seja de particular relevncia - mas se o for j tal conversa

    deve ser considerada um acto de particular importncia, por exemplo, quando o menor

    altamente indisciplinado e a conversa tenha como objectivo encontrar uma soluo

    para o menor, como a mudana de escola, ou o acompanhamento por psiclogo -, a

    autorizao para a prtica de desporto escolar (salvo se representar risco para a sade

    do menor).

    Apesar de algumas divergncias, parece ser consensual que as questes relacionadas

    com a educao de uma criana ou adolescente no permitem uma resposta unvoca no

    sentido de podermos qualific-las como questes de particular importncia ou de actos da

    vida corrente.

    Assim, em primeiro lugar, importa densificar cada uma das questes relacionadas

    com a educao e, em seguida, procurar dar o contributo para a sua qualificao.

    Como princpio geral, importa ter presente que, nas relaes com terceiros - onde se

    incluem os actos praticados pelos pais relativamente escola -, a aplicao rgida de uma

    actuao conjunta, exigindo o consentimento de ambos os pais para a prtica de todos os

    actos relativos pessoa da criana, seria impraticvel ou demasiado gravosa em muitos

    casos, sendo necessrio conferir flexibilidade a estas regras, facilitando as tarefas e

    actuaes quotidianas dos pais.

    por isso que a lei prev, em relao a actos praticados com interveno de

    terceiros, a possibilidade de um exerccio individual e indistinto das responsabilidades

    parentais, ou seja, uma presuno de mandato tcnico recproco que permite a cada um dos

    pais actuar sozinho e visando tambm proteger os terceiros que contratam com um dos pais

    e promover a segurana no comrcio jurdico.

    Esta presuno permite a cada um dos progenitores actuar sem o consentimento do

    progenitor no actuante, dispensando-se de procurar obter o acordo daquele e de o provarperante terceiros.

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    Cada um dos pais actua livremente desde que o outro no manifeste o seu desacordo

    passando-se de uma regra de gesto conjunta para uma regra concorrencial, que favorece a

    iniciativa pessoal do mais diligente, isto , daquele que primeiro agir s.

    A presuno de consentimento apenas opera em relao prtica de actos da vida

    corrente pois que, em relao aos actos de particular importncia, se exige sempre a

    interveno de ambos os progenitores (artigo 1902., n. 2 do Cdigo Civil).

    Aps a dissociao familiar, o funcionamento desta presuno persiste mas, pelo

    facto de os pais viverem separados, na prtica, a educao quotidiana da criana realizada

    apenas pelo progenitor com quem esta reside habitualmente, existindo uma primazia de

    facto de um progenitor sobre o outro, fazendo com que seja o progenitor residente a

    praticar a grande maioria dos actos usuais ou da vida corrente relativos vida e educaoda criana.

    A educao constitui efectivamente uma escolha fundamental relativa pessoa da

    criana e deveria ser o produto de uma aco comum dos pais. Porm, os mecanismos

    usuais de coabitao relacionam-se com a vida quotidiana da criana e exigem a presena

    desta, pressupondo sempre uma relao imediata e uma convivncia contnua entre o

    progenitor e a criana que pode no existir em situaes de dissociao familiar mas em

    que o exerccio das responsabilidades parentais continue a ser exercido em conjunto (artigo1906., n. 1 do Cdigo Civil).

    Baseado numa presuno de consentimento (artigo 1902., n. 1 do Cdigo Civil), os

    actos que implicam uma deciso conjunta so os actos de particular importncia e aqueles

    para os quais se exige o consentimento de ambos, sendo a responsabilidade relativamente

    pessoa da criana no dia a dia (disciplina, cuidados mdicos de rotina, relaes da criana

    com terceiros, horrio e regime da alimentao, televiso, sono, higiene, vigilncia da

    educao e das tarefas dirias) exercida pelo progenitor residente e que convivehabitualmente com a criana, embora no com carcter de exclusividade, enquanto que o

    progenitor no residente tem competncia para a prtica daqueles actos usuais durante os

    perodos em que a criana esteja consigo.

    A prtica de qualquer dos actos ou questes de particular importncia quando o

    exerccio das responsabilidades parentais exercido em conjunto, deve ser feita de comum

    acordo, embora presumindo-se que, quando o progenitor pratica acto que integra o

    exerccio das responsabilidades parentais, o faz de acordo com o outro (artigo 1901. do

    Cdigo Civil).

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    O conceito de actos da vida corrente ou de actos usuais consiste tambm numa

    noo-quadro ou num conceito indeterminado na medida em que nenhuma definio legal

    poderia abranger as infinitas variaes da realidade6.

    Quando se trate de actos de reduzido interesse, no deve justificar-se uma

    interveno exterior ao prprio casal, que deve dirimir entre si estas situaes7.

    A delimitao entre os dois tipos de actos difcil de estabelecer em abstracto,

    existindo uma ampla zona cinzenta formada por actos intermdios que tanto podem ser

    qualificados como actos usuais ou de particular importncia, conforme os costumes de

    cada famlia concreta e conforme os usos da sociedade num determinado momento

    histrico8.

    Porm, se a escola vier, por qualquer meio, a saber ou suspeitar seriamente quedeixou de existir esse acordo entre ambos quanto s decises que afectam a vida da

    criana, dever abster-se de intervir, optando pela posio de um ou de outro progenitor

    (mesmo daquele indicado como encarregado de educao) (artigo 1902., n. 2 do Cdigo

    Civil).

    O progenitor separado dos filhos no tem que ficar necessariamente afastado das

    decises de menor importncia mas tem direito a intervir nelas se o desejar. Como no

    possvel aos pais recorrerem judicialmente contra as decises quotidianas tomadas pelooutro, em caso de desacordo, deve comunicar ao progenitor residente o seu desacordo para

    impedir a prtica do acto ou arguir a invalidade do mesmo, se este chegar a ser realizado,

    estando o terceiro de m f.

    Mais ainda, em caso de abuso sistemtico por parte do progenitor residente, usando a

    sua posio privilegiada para agir contra a vontade do outro em assuntos de particular

    importncia ou em actos da vida corrente, pode propor uma modificao do exerccio das

    responsabilidades parentais que restrinja os poderes do outro progenitor.

    6Cfr. Nota 4.7 por isso que sero os prprios progenitores (ou aquele com quem a criana se encontrar) que decidiro o que deve o

    filho menor vestir, se este deve ou no ir a uma festa de aniversrio para que foi convidado, bem como outras questes doquotidiano (Jos Antnio de Frana Pito, Unio de Facto e Economia Comum, 2. edio, Coimbra, Almedina, 2006, pg.85).

    8 Maria Clara Sottomayor enuncia um conjunto de critrios que, nas doutrinas francesa e espanhola, tm sidoutilizados para a determinao dos actos usuais e que se afiguram operativos para a realidade portuguesa. Assim, no casofrancs, ser acto usual aquele acto relativo ao perfil normal da vida de uma criana (acto usual quanto vida do filho) eaquele que, por sua natureza, se repete de tempos a tempos (acto usual quanto interveno dos pais), ou ainda, asiniciativas de pouca importncia, actos andinos, operaes correntes que no vale a pena realizar a dois e que usual

    cumprir relativamente vida da criana, na ordem das suas actividades (tempos livres e estudos) e dos cuidados que elareclama, cobrindo um conjunto de actos no tecido da vida quotidiana das famlias.Por outro lado, na doutrina espanhola, so aquelas actuaes necessrias para o cumprimento ordinrio, quotidiano dos

    deveres de guarda, educao, assistncia mdica e administrao dos bens do filho, cujas caractersticas gerais consistemna sua simplicidade, frequncia e carcter quotidiano (Regulao do Exerccio das Responsabilidades Parentais nosCasos de Divrcio, 5. edio - revista, aumentada e actualizada, Coimbra, Almedina, 2011, pgs. 275-285).

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    Nos casos de atribuio do exerccio das responsabilidades parentais exclusivamente

    a um dos progenitores - e sem o estabelecimento de qualquer reserva - efectivamente a

    este que compete exerc-lo, sem, porm, se poder esquecer que ao progenitor que no

    exera as responsabilidades parentais assiste o poder de vigiar as condies de vida e a

    educao do filho e, consequentemente, ter direito a solicitar e receber da escola todas as

    informaes relativas ao percurso e sucesso escolar do seu filho (artigo 1906., n.os 2 e 6 do

    Cdigo Civil, na redaco dada pela Lei n. 61/2008)9.

    Vejamos ento a primeira questo (matrcula e transferncia da criana em

    estabelecimento de ensino pblico).

    A frequncia de agrupamentos de escolas e dos estabelecimentos de educao pr-

    escolar e escolas no agrupadas do ensino pblico e do ensino particular e cooperativoimplicam a prtica dos actos de matrcula ou de renovao da matrcula o qual deve ser

    realizado no estabelecimento de ensino da rea de residncia da criana ou da actividade

    profissional dos pais ou encarregado de educao ou, no caso do ensino particular e

    cooperativo, na escola pretendida.

    atravs do acto de matrcula que conferido o estatuto de aluno criana ou jovem

    em idade escolar (artigo 11. do Estatuto do Aluno).

    No acto da matrcula ou de renovao de matrcula, o aluno ou o encarregado deeducao deve indicar, por ordem de preferncia e sempre que o nmero de

    estabelecimentos de educao pr-escolar ou de ensino o permita, cinco estabelecimentos

    cuja frequncia seja pretendida, subordinando-se esta preferncia, no caso da educao

    pr-escolar e do ensino bsico, aos agrupamentos de escola ou estabelecimentos de

    educao ou de ensino no agrupados em cuja rea de influncia se situe a residncia ou a

    actividade profissional dos pais ou encarregados de educao, ou ainda ao percurso

    sequencial do aluno, enquanto que, no ensino secundrio, existncia de cursos, opes ouespecificaes pretendidos.

    Assim, o estabelecimento de educao pr-escolar ou de ensino ir observar como

    prioridades na matrcula das crianas a existncia de irmos a frequentar o estabelecimento

    pretendido, a residncia dos pais ou encarregados de educao na rea de influncia do

    estabelecimento ou o desenvolvimento da actividade profissional dos pais e encarregados

    de educao na referida rea de influncia.

    Durante a frequncia do ensino bsico, incluindo a transio entre ciclos, ou do

    ensino secundrio, ou ainda na transio entre nveis de escolaridade, s so permitidas as

    9Na redaco anterior (dada pela Lei n. 59/99, de 30 de Junho), ao progenitor que no exercesse o poder paternalassistia tambm o poder de vigiar a educao e as condies de vida do filho.

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    transferncias de alunos entre escolas quando ocorra mudana de curso ou de disciplina de

    opo ou especificao que no existam na escola anterior, por vontade expressa e

    fundamentada do encarregado de educao ou do aluno quando maior ou na sequncia de

    pena disciplinar que determine a transferncia de escola.

    Facilmente se percebe que os critrios estabelecidos para a matrcula, renovao de

    matrcula e transferncia de escola de uma criana dependem de diversos factores, de entre

    os quais destacaramos os seguintes: -

    a) - a residncia dos pais ou encarregados de educao na rea de influncia do

    estabelecimento de educao pr-escolar ou de ensino;

    b) - o exerccio da actividade profissional dos pais ou encarregados de educao na

    rea de influncia do estabelecimento de educao pr-escolar ou de ensino.

    Ambos os factores so determinantes na escolha do estabelecimento de educao

    pr-escolar ou de ensino por ser nessa rea que ser mais vantajoso para os pais e

    encarregados de educao terem os seus filhos e educandos a estudar e ser normalmente

    nessa rea (de residncia) que as crianas iro desenvolver o seu ncleo de amigos, dentro

    e fora da escola, ou que iro beneficiar do apoio familiar no incio e no termo dasactividades lectivas.

    Assim sendo, parece-nos que a escolha de um estabelecimento de educao pr-

    escolar ou de ensino pblico que observe qualquer um destes factores cabe ao progenitor

    residente e no constitui acto ou questo de particular importncia.

    No faria qualquer sentido que fosse exigido ao progenitor residente (habitualmente

    tambm o encarregado de educao por opo expressa ou tcita de ambos os

    progenitores) que respeitasse qualquer um destes critrios e depois sujeitasse essa escolha concordncia do outro progenitor. Mais ainda: - em caso de conflito ou desacordo entre os

    progenitores sobre a escolha do estabelecimento de ensino e em que um deles tivesse

    observado qualquer um daqueles critrios, que opo iria ser adoptada pelo tribunal a no

    ser aquela que tem constitudo a orientao seguida pelos rgos de administrao escolar.

    Vejamos agora a segunda situao (matrcula em estabelecimento de ensino

    particular e cooperativo ou transferncia e mudana entre estabelecimento de ensino

    pblico e estabelecimento de ensino particular e cooperativo).

    Neste caso, o acto de matrcula deve ser realizado pelos pais ou encarregados de

    educao na escola pretendida, podendo esta situar-se fora dos critrios de proximidade

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    geogrfica em relao rea de residncia ou ao domiclio profissional de qualquer dos

    pais ou encarregados de educao, sendo orientada, designadamente, pela oferta educativa

    que possibilitam, pelos custos e encargos que os progenitores tero que suportar, pelos

    servios associados que possibilitam (transporte, alimentao ou prolongamento de

    horrio) ou pela prpria tradio familiar ou vontade manifestada pela criana (e.g. no caso

    das instituies de ensino de feio militar ou confessional).

    Esta opo dos pais pode assim constituir uma questo existencial grave e rara

    sobre a vida da criana que a qualifique como questo de particular importncia, no

    apenas pelas implicaes patrimoniais que implica para os progenitores (Ac. RE de

    19/06/2008 in CJ, III, pg. 255) mas tambm pela opo realizada por estes relativamente

    ao tipo de ensino escolhido, no se tratando necessariamente de decises quotidianas e semrelevo na vida da criana (no mesmo sentido, Tom dAlmeida Ramio, ob. cit., pg. 159;

    Ana Sofia Gomes, ob. cit., pg. 85; Armando Leandro, ob. cit., pg. 130; Maria Clara

    Sottomayor, Exerccio do Poder Paternal relativamente pessoa do filho aps o divrcio

    ou a separao de pessoas e bens, 2. edio, Porto, Publicaes Universidade Catlica,

    2003, pg. 474).

    Vejamos uma terceira questo (decises envolvendo questes de disciplina grave

    relativas criana ou adolescente).Aos pais e encarregados de educao incumbe, para alm das suas obrigaes legais,

    uma especial responsabilidade, inerente ao seu poder dever de dirigirem a educao dos

    seus filhos e educandos, no interesses destes, devendo, em especial, acompanhar

    activamente a vida escolar do seu educando, diligenciar para que este cumpra os seus

    deveres, contribuir para a preservao da disciplina na escola e contribuir para o correcto

    apuramento dos factos em procedimento de ndole disciplinar instaurado ao seu educando,

    diligenciando ainda para que este cumpra a medida disciplinar que lhe seja aplicada (artigo6., n.os 1 e 2, alneas a),f), e g), do Estatuto do Aluno).

    A violao pelo aluno dos deveres legais ou previstos no regulamento interno, que se

    revelem perturbadores do funcionamento normal das actividades da escola ou das relaes

    no mbito da comunidade educativa, constitui infraco passvel da aplicao de medida

    correctiva ou medida disciplinar sancionatria (artigo 23. do Estatuto do Aluno).

    Entre o momento da instaurao do procedimento disciplinar ao seu educando e a sua

    concluso, os pais e encarregados de educao devem contribuir para o correcto

    apuramento dos factos e, sendo aplicada medida disciplinar sancionatria, diligenciar para

    que a execuo da mesma prossiga os objectivos de reforo da formao cvica do

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    educando, com vista ao desenvolvimento equilibrado da sua personalidade, da sua

    capacidade de se relacionar com os outros, da sua plena integrao na comunidade

    educativa, do seu sentido de responsabilidade e das suas aprendizagens (artigo 51. do

    Estatuto do Aluno).

    Consagrando um princpio de contratualizao entre parceiros educativos, os pais e

    encarregados de educao devem conhecer o estatuto do aluno, o regulamento interno da

    escola e subscrever, fazendo subscrever igualmente aos seus filhos e educandos,

    declarao anual de aceitao do mesmo e de compromisso activo quanto ao seu

    cumprimento integral (artigos 6., n. 2, alnea k), e 54., n. 2, ambos do Estatuto do

    Aluno).

    So previstas duas modalidades de medidas educativas disciplinares (correctivas esancionatrias), prosseguindo ambas finalidades pedaggicas, preventivas, dissuasoras e de

    integrao, prosseguindo ainda as medidas sancionatrias finalidades punitivas (artigos

    24., 26. e 27. do Estatuto do Aluno) e que podem resultar na aplicao de uma ordem de

    sada da sala de aula ou demais locais em que se realize o trabalho escolar at

    transferncia de escola.

    As medidas disciplinares sancionatrias (repreenso registada, suspenso da escola

    at dez dias teis ou transferncia de escola) so aplicadas em funo da especialrelevncia do dever violado e gravidade da infraco praticada e a sua aplicao pode

    implicar a necessidade de ponderao sobre a prtica de factos impeditivos do

    prosseguimento do processo de ensino e aprendizagem dos restantes alunos da escola, do

    normal relacionamento com algum ou alguns dos membros da comunidade educativa,

    garantia de frequncia de outro estabelecimento de ensino ou se este estabelecimento

    estiver situado na mesma localidade ou localidade mais prxima, servida de transporte

    pblico ou escolar (artigo 27., n.

    os

    8 e 9 do Estatuto do Aluno).Facilmente se compreende que a aplicao de medida educativa disciplinar

    sancionatria pressupe a violao grave de deveres que incumbem ao aluno, cujas

    consequncias podem traduzir-se em alteraes significativas no seu processo de

    aprendizagem e nas prprias rotinas pessoais e familiares.

    Assim sendo, como critrio seguro, entendemos que, quando esteja em causa deciso

    que envolva questes de disciplina grave relativos criana ou adolescente, nomeadamente

    aquelas que possam implicar a aplicao de medida educativa disciplinar sancionatria,

    devem estas ser consideradas como questes de particular importncia.

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    VERBOJURIDICO O PAPEL E A INTERVENO DA ESCOLA EM SITUAES DE CONFLITO PARENTAL :22

    Vejamos uma quarta questo (decises sobre a participao numa actividade ou

    numa visita de estudo por uma criana com cuidados especiais de sade).

    As actividades ou visitas de estudo realizadas pelos estabelecimentos escolares ou de

    ensino so actividades decorrentes do projecto educativo de escola e normalmente

    enquadradas no mbito do desenvolvimento de projectos curriculares de escola e de turma,

    em especial quando realizada fora do espao fsico da escola ou da sala de aula.

    Assim, constituem actividades curriculares intencionalmente planeadas, servindo

    objectivos para desenvolver ou complementar contedos de todas as reas curriculares

    disciplinares e no disciplinares, de carcter facultativo, cuja operacionalizao dever

    estar definida no regulamento interno do agrupamento ou escola no agrupada.

    Cabe ao aluno participar nas mesmas de acordo com os deveres de frequncia e deassiduidade que lhe incumbem (artigo 15., alnea h), do Estatuto do Aluno) embora

    possam ser justificados os motivos da no participao nestas actividades, nomeadamente

    por razes de sade ou outras.

    Embora estas actividades sejam consideradas pelos rgos de administrao escolar

    como actividades lectivas e, consequentemente, estejam cobertas pelo seguro escolar

    (artigos 3., 5. a 10., 27. e 29., todos da Portaria n. 413/99, de 8 de Junho), possvel

    compaginar algumas actividades que no sero adequadas para alunos que necessitem decuidados mdicos especiais ou que evidenciem dificuldades ou limitaes na realizao

    dessas actividades.

    Tal como em qualquer outra deciso que diga respeito a uma criana, necessrio

    atender ao seu superior interesse, diferente para cada famlia e para cada criana, tendo

    como ncleo essencial o seu direito vida, segurana e sade.

    Neste caso, ainda que a participao nessas actividades possa no envolver riscos

    especiais para outras crianas, para uma determinada criana ou jovem pode implicarperigo para a sua sade, segurana ou at mesmo para a vida justificando a sua

    qualificao como questo de particular importncia que deve ser decidida por ambos os

    progenitores quando estes exercem conjuntamente as responsabilidades parentais.

    Vejamos agora uma quinta questo (a deciso sobre a participao numa viagem ao

    estrangeiro promovida pelo estabelecimento de ensino).

    Cada vez mais, verifica-se um interesse crescente por parte dos estabelecimentos de

    ensino, nacionais e estrangeiros, no desenvolvimento de programas de geminao,

    intercmbio escolar e visitas de estudo ao estrangeiro, em particular a pases membros da

    Unio Europeia, iniciativa que incentivada por diversas decises do Conselho da Europa.

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    ANTNIO JOS FIALHO O PAPEL E A INTERVENO DA ESCOLA EM SITUAES DE CONFLITO PARENTAL :23

    A participao dos alunos nestes programas proporciona uma relao intercultural e

    favorece a tomada de conscincia de um espao europeu, reforando os valores da

    democracia e contribuindo para a construo de uma verdadeira Europa dos Cidados.

    por isso que os estabelecimentos de ensino promovem iniciativas de intercmbio

    escolar que, no essencial, se traduzem em processos de permuta de alunos e docentes,

    sendo entendido como uma actividade interdisciplinar de ndole pedaggica e cultural,

    integrada no processo de ensino e aprendizagem, organizando segundo objectivos

    previamente definidos, visando um melhor conhecimento mtuo, atravs da

    correspondncia escolar, troca de material e participao na vida escolar do

    estabelecimento de ensino.

    As visitas de estudo ao estrangeiro consistem normalmente na deslocao de um oumais grupos de alunos de um estabelecimento de ensino ao estrangeiro, por um perodo

    varivel, com objectivos de aprendizagem definidos, visando complementar os

    conhecimentos terico-prticos previstos nos contedos programticos das diferentes

    matrias de ensino.

    Estabelece o artigo 44., n. 2 da Constituio da Repblica Portuguesa que a todos

    garantido o direito de sair do territrio nacional e o direito de regressar 10.

    A propsito da qualificao das sadas para o estrangeiro como actos da vida correnteou questes de particular importncia, a doutrina evidencia algumas divergncias.

    Ana Sofia Gomes considera ser necessria a autorizao de ambos os progenitores

    para que o menor viaje at ao estrangeiro, podendo essas autorizaes ser previamente

    estabelecidas no acordo de regulao do exerccio das responsabilidades parentais (ob. cit.,

    pgs. 64-65).

    Tambm Maria de Ftima Abrantes Duarte e Maria Clara Sottomayor consideram ser

    questo de particular importncia a deciso entre os pais para que a criana se desloque aoestrangeiro, devendo a autorizao ser assinada por ambos os progenitores; porm,

    referido por aquela que o pedido de passaporte no se reveste do carcter de particular

    importncia (Maria de Ftima Abrantes Duarte, ob. cit., pg. 162; Maria Clara Sottomayor,

    Exerccio do Poder Paternal, pg. 505).

    Armando Leandro considera o pedido de passaporte para efeitos de migrao ou

    mudana de residncia como acto de particular importncia mas o mesmo no se aplica aos

    pedidos de passaporte para efeitos de turismo (ob. cit., pg. 130).

    10 por isso que na medida em que a sada do pas exija um ttulo adequado e esse ttulo seja um passaporte, existe umdireito ao passaporte (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituio da Repblica Portuguesa Anotada, volume I, 4.edio revista e actualizada, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, pg. 252).

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    VERBOJURIDICO O PAPEL E A INTERVENO DA ESCOLA EM SITUAES DE CONFLITO PARENTAL :24

    Helena Gomes de Melo e outros entendem que a deciso de levar a criana para o

    estrangeiro no constitui questo de particular importncia, salvo quando se trata de pases

    em conflito blico ou inseguros ou com pandemias, uma vez que pode estar em causa a

    segurana e a sade da criana, tratando-se neste caso de questo de particular importncia

    (ob. cit., pgs. 144-145); esta posio igualmente defendida por Tom dAlmeida Ramio

    (ob. cit., pg. 159).

    Hugo Manuel Leite Rodrigues defende que a sada da criana para pas estrangeiro

    em turismo ou em viagem de lazer ou de estudo no constitui questo de particular

    importncia, salvo se essa experincia implicar perigo para a sade, segurana ou prpria

    vida da criana, caso em que a autorizao deve ser concedida por ambos os progenitores11

    (ob. cit., pg. 162).Estabelece o artigo 16., n. 2 do Decreto-Lei n. 83/2000, de 11 de Maio (com as

    alteraes introduzidas pelo Decreto-Lei n. 138/2006, de 26 de Julho) que a concesso de

    passaporte comum para menor requerida por quem, nos termos da lei, exerce o poder

    paternal (hoje responsabilidades parentais), a tutela ou curatela, mediante exibio pelo

    respectivo representante dos documentos comprovativos dessa qualidade legal.

    Por seu turno, o artigo 21. do mesmo diploma dispe que no pode ser emitido

    passaporte comum quando, relativamente ao requerente, conste oposio por parte dequalquer dos progenitores manifestada judicialmente, no caso de menor, enquanto no for

    judicialmente decidido ou suprido o poder paternal ou deciso dos rgos judiciais que

    impea a concesso do passaporte.

    Sobre a sada dos menores para o estrangeiro, dispe o artigo 23. do referido

    diploma que os menores, quando no forem acompanhados por quem exera as

    responsabilidades parentais, s podem sair do territrio nacional exibindo autorizao para

    o efeito, devendo esta constar de documento escrito, datado e com a assinatura de quemexerce as responsabilidades parentais legalmente certificada, conferindo ainda poderes de

    acompanhamento por parte de terceiros, podendo esta ser autorizao ser utilizada um

    nmero ilimitado de vezes, dentro do prazo de validade que o documento mencionar que

    no pode exceder o perodo de um ano civil ou, se no for mencionado outro prazo, sendo

    vlida por seis meses, contados da respectiva data de emisso.

    Assim sendo, salvo melhor opinio, afigura-se que a deciso de participao da

    criana numa viagem ao estrangeiro promovida pelo estabelecimento de ensino no

    constitui questo de particular importncia.

    11Esta a posio igualmente defendida por Helena Bolieiro e Paulo Guerra (ob. cit., pg. 175, nota 24).

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    Em primeiro lugar, no de prever que um qualquer estabelecimento de ensino

    promova uma viagem ou visita de estudo a um pas estrangeiro que esteja a viver uma

    situao de conflito, uma pandemia ou qualquer outra circunstncia que pudesse

    representar, de alguma forma, perigo para as crianas envolvidas. certo que essa situao

    de perigo pode ocorrer posteriormente, durante a viagem, j que algumas dessas

    circunstncias so de ocorrncia incerta e imprevisvel (cataclismos, terramotos, cheias,

    inundaes)12, outras podem ocorrer em espaos de tempo muito curto mas tambm de

    forma inesperada (atentados, tumultos ou rebelies que conduzam a situaes de conflito)

    mas, ainda assim, o juzo de prognose que feito sobre a escolha do destino de viagem

    assenta numa situao de normalidade.

    Em segundo lugar, mesmo que o transporte escolhido seja o avio, hoje em dia,viajar desta forma usual e massificado, to ou mais seguro do que viajar de automvel,

    no envolvendo maiores riscos do que aqueles que ocorrem em relao a qualquer outra

    viagem.

    Finalmente, se o pedido de autorizao para a viagem implicar igualmente a emisso

    de passaporte para efeitos de turismo13 - sem que implique a emisso de visto de residncia

    - tambm este no constitui acto ou questo de particular importncia, sem prejuzo do

    dever de informao que dever ser prestado pelo progenitor residente ao outro progenitor.Vejamos, em ltimo lugar, uma outra questo (deciso sobre a participao em

    actividades formativas que, por razes fundamentadas, um dos pais considere ter impacto

    negativo na vida do filho).

    Constitui princpio geral do sistema educativo portugus que, no acesso educao e

    na sua prtica, garantido a todos os cidados o respeito pelo princpio da liberdade de

    aprender e de ensinar, com tolerncia para com as escolhas possveis, tendo em conta,

    designadamente a no atribuio ao Estado do direito de programar a educao e a culturasegundo quaisquer directrizes filosficas, estticas, polticas, ideolgicas e religiosas, o

    princpio da no confessionalidade do ensino pblico e a garantia do direito de criao de

    escolas particulares e cooperativas (artigos 2., n. 3 da Lei de Bases do Sistema Educativo

    e 4., n.os 3 e 4 da Lei da Liberdade Religiosa, aprovada pela Lei n. 16/2001, de 22 de

    Junho).

    12

    Basta recordar que as zonas mais atingidas pelo tremor de terra e posterior deslocao da ondulao no mar(tsunami) ocorrido na zona do ndico e Sudoeste Asitico h alguns anos atrs afectaram especialmente pases ouregies fortemente ligadas ao turismo e ao lazer.

    13A livre circulao de pessoas e bens no interior dos pases da Unio Europeia dispensa a necessidade de emisso depassaporte pelo que, nestes casos, tambm a viagem em turismo ou lazer no constitui acto ou questo de particularimportncia.

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    A liberdade de conscincia, de religio ou de culto compreende, nomeadamente, o

    direito de ter, no ter ou deixar de ter religio, escolher livremente, mudar ou abandonar a

    prpria crena religiosa e praticar ou no praticar os actos de culto, particular ou pblico,

    prprios da religio professada (artigo 8., alneas a), a c), da Lei da Liberdade Religiosa).

    Os pais tm o direito de educao dos filhos em coerncia com as prprias

    convices em matria religiosa, no respeito da integridade moral e fsica dos filhos e sem

    prejuzo da sade destes, tendo os menores, a partir dos 16 anos de idade, o direito de

    realizar por si as escolhas relativas liberdade de conscincia, religio e de culto (artigos

    1886. do Cdigo Civil e 11. da Lei da Liberdade Religiosa).

    Apesar do carcter no confessional do ensino pblico, permitida a possibilidade

    das igrejas ou outras comunidades religiosas ministrarem ensino religioso nas escolaspblicas, sendo este opcional e no alternativo relativamente a qualquer outra rea ou

    disciplinar curricular (artigo 24., n.os 1 e 2 da Lei da Liberdade Religiosa).

    Contudo, no desta questo que cuidamos embora esta introduo se mostre

    conveniente para situar o problema.

    Com efeito, no obstante a natureza no confessional do ensino pblico ou o carcter

    opcional da educao moral e religiosa, por vezes, no mbito das prprias actividades

    lectivas ou curriculares usuais, podem ser realizadas iniciativas que envolvam os alunos eque colidam ou no sejam aceites por certas convices religiosas ou filosficas de um ou

    de ambos os progenitores.

    Basta pensar que, numa sociedade de tradio predominantemente crist, o

    estabelecimento escolar ou de ensino promova uma iniciativa relacionada com a

    celebrao do Natal ou da Pscoa (ou qualquer outro evento relacionado com a liturgia de

    uma determinada convico religiosa) quando estas ocasies no so celebradas por outras

    convices religiosas. Ou ainda numa iniciativa promovida pelo estabelecimento de ensinoque se inicie ou prolongue para depois do pr-do-sol quando um dos progenitores ou

    ambos professam uma convico religiosa que os impede de realizar qualquer actividade

    festiva depois desse momento.

    A escolha da religio constitui uma questo que a doutrina, de forma maioritria,

    classifica como questo de particular importncia.

    Assim, Rosa Martins afirma que cabe aos pais decidir da educao religiosa do filho

    at aos 16 anos, altura em que ele prprio passa a exercer sobre as suas prprias crenas

    religiosas (Menoridade, (In)Capacidade e Cuidado Parental, Centro de Direito da Famlia

    13, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, pgs. 211-212).

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    Tambm Pires de Lima e Antunes Varela afirmam que se trata incontestavelmente de

    questo de particular importncia (Cdigo Civil Anotado, volume V, Coimbra, Coimbra

    Editora, 1995, pg. 353); no mesmo sentido, pronunciam-se Tom dAlmeida Ramio (ob.

    cit., pg. 159), Ana Sofia Gomes (ob. cit., pg. 85), Helena Bolieiro e Paulo Guerra (ob. cit.,

    pg. 176) e Hugo Manuel Leite Rodrigues (ob. cit., pg. 147).

    Tratando-se de uma questo de particular importncia cujo eventual desacordo dos

    progenitores no tenha sido judicialmente resolvido, no deve o estabelecimento escolar ou

    de ensino efectuar a integrao da criana numa iniciativa que possa implicar, partida, a

    oposio de algum dos progenitores, caso tenha conhecimento dessa oposio (artigo

    1902. do Cdigo Civil).

    Contudo, se essa questo de particular importncia (a educao religiosa da crianamenor de dezasseis anos) tiver sido judicialmente resolvida e a participao na iniciativa

    em causa estiver de acordo com essa orientao religiosa e tiver sido autorizada pelo

    progenitor que pugnava por essa orientao, a oposio do outro progenitor no pode ser

    considerada relevante uma vez que a frequncia e o modo como vivida a orientao

    religiosa faz parte das decises quotidianas da criana.

    por isso que, do mesmo modo, se a criana estiver temporariamente com o

    progenitor que manifestou a sua oposio participao nessas iniciativas e este no olevar a participar na mesma, constitui um acto da vida corrente que esse progenitor pode

    praticar, sendo apenas da sua responsabilidade quais as consequncias futuras que poder

    ter sobre a vida do filho.

    - IV -

    O DIREITO DE INFORMAO DO PROGENITOR QUE NO EXERCE

    AS RESPONSABILIDADES PARENTAIS

    O progenitor que no exera as responsabilidades parentais tem o direito de vigiar as

    condies de vida e a educao do filho pelo que, consequentemente, beneficia do direito a

    solicitar e receber da escola todas as informaes relativas ao percurso e sucesso escolar do

    seu filho (artigo 1906., n.os 2 e 6 do Cdigo Civil, na redaco dada pela Lei n. 61/2008,

    de 31 de Outubro).

    Por maioria de razo, este direito (de vigilncia sobre as condies de vida e de

    educao do filho) extensivo aos progenitores que exeram conjuntamente asresponsabilidades parentais.

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    difcil compatibilizar o dever de informao do encarregado de educao

    (normalmente uma nica pessoa ou interlocutor com a escola) e o direito de informao

    que assiste ao progenitor com quem a criana no reside ou a quem no foi confiado o

    exerccio das responsabilidades parentais.

    Existindo um direito legal de informao do progenitor com quem o aluno menor no

    reside ou a quem no tenha sido confiado ou nem exera as responsabilidades parentais e,

    no sendo esse que, normalmente, exerce as funes de encarregado de educao, no

    podem os estabelecimentos de educao pr-escolar e de ensino (pblico, particular ou

    cooperativo) adoptar qualquer procedimento que impossibilite aquele de obter informaes

    sobre o rendimento escolar do filho, mesmo perante situaes de conflito parental.

    Vejamos.Os instrumentos de registo da escolaridade de cada aluno so o processo individual,

    o registo biogrfico, a caderneta escolar e a ficha trimestral de avaliao (artigo 26., n. 1

    do Decreto-Lei n. 301/93, de 31 de Agosto).

    O processo individual contm os elementos relativos ao percurso escolar do aluno,

    devendo acompanh-lo ao longo de toda a escolaridade bsica e ser devolvido, no termo da

    mesma, aos encarregados de educao (n. 2 do citado artigo)14.

    O registo biogrfico contm os elementos relativos assiduidade e aproveitamentodo aluno, cabendo escola a sua organizao, conservao e gesto (n. 3 do mesmo

    artigo).

    A caderneta escolar contm as informaes da escola e do encarregado de educao,

    bem como outros elementos relevantes para a comunicao entre a escola e os pais e

    encarregados de educao, sendo propriedade do aluno e devendo ser por este conservada

    (n. 4 do referido artigo).

    A ficha de avaliao contm um juzo globalizante sobre o desenvolvimento dosconhecimentos e competncias, capacidades e atitudes do aluno e entregue no final de

    cada perodo escolar ao encarregado de educao pelo professor, no 1. ciclo, ou, nos 2. e

    3. ciclos, pelo director de turma (n. 5 deste artigo).

    atravs destes instrumentos de registo que, normalmente, processada a

    transmisso da informao sobre a situao do aluno aos pais e encarregados de educao

    14 So registadas no processo individual do aluno as informaes relevantes do seu percurso educativo,

    designadamente as relativas a comportamentos meritrios e a medidas disciplinares sancionatrias aplicadas e os seusefeitos, sendo as informaes contidas referentes a matria disciplinar e de natureza pessoal e familiar estritamenteconfidenciais, encontrando-se vinculados ao dever de sigilo todos os membros da comunidade educativa que a elastenham acesso (artigo 16., n.os 2 e 4 do Estatuto do Aluno). A consulta destes elementos deve ser permitida ao aluno eaos seus pais ou encarregados de educao (artigo 62. do Cdigo de Procedimento Administrativo e Lei de Acesso aosDocumentos Administrativos, aprovada pela Lei n. 46/2007, de 24 de Agosto).

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    e, na verdade, o sistema no est preparado para garantir uma duplicao da informao

    quando ocorra uma situao de dissociao familiar.

    Com efeito, no caso particular dos elementos que so entregues aos pais e

    encarregados de educao, apenas existe um processo individual, uma caderneta escolar e,

    no final de cada perodo escolar, apenas elaborada uma ficha de avaliao que entregue

    ao pai ou encarregado de educao que comparea na reunio convocada pelo professor

    titular ou pelo director de turma ou que contacte com este posteriormente.

    Perante uma situao de dissociao familiar, era ao progenitor residente que caberia

    prestar as informaes que se mostrassem relevantes para que o outro progenitor

    (exercendo ou no as responsabilidades parentais) pudesse exercer o seu direito de

    vigilncia sobre as condies de vida e educao do filho comum, designadamenteenviando-lhe informaes sobre a identificao do professor titular ou director de turma,

    horrio de atendimento, resultados ou necessidades escolares, comportamento escolar,

    progresso nas aprendizagens, reunies de pais e encarregados de educao, permitindo

    que este acompanhe efectivamente o percurso escolar do filho e compartilhe os seus

    direitos e deveres parentais para com este.

    Infelizmente, no isto que se verifica numa boa parte das situaes em que um dos

    progenitores no cumpre os seus deveres de informao para com o outro, na prtica,impedindo ou dificultando o acesso aos elementos necessrios para que o outro progenitor

    possa exercer o seu direito de vigilncia sobre a vida e educao do filho, apenas restando

    o recurso ao estabelecimento de ensino para o efeito.

    O direito de ser informado significa que esse progenitor tem o direito a exigir do

    outro a informao relativa ao modo como o outro exerce a sua responsabilidade parental,

    em particular no que se refere educao e condies de vida do filho, e que o outro tem o

    correspectivo dever de as prestar (neste sentido, Tom dAlmeida Ramio, ob. cit., pg.158).

    Mas o direito de ser informado no tem que ser exercido apenas relativamente ao

    progenitor obrigado ao correlativo dever de prestar a informao, podendo s-lo

    relativamente ao estabelecimento escolar ou de ensino sem que este possa eximir-se a essa

    obrigao mesmo que a mesma j tenha sido legalmente cumprida perante aquele que foi

    indicado como encarregado de educao.

    S que, mesmo tendo conhecimento de uma situao de dissociao familiar que

    envolva o aluno, no incumbe ao estabelecimento escolar ou de ensino indagar se foi

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    cumprido o dever de informao por parte do progenitor a quem foram prestadas as

    informaes na qualidade de encarregado de educao.

    Sem qualquer dvida, o que lhe incumbe permitir que, perante um pedido

    formulado pelo progenitor que no est indicado como encarregado de educao e que

    normalmente no surge como o interlocutor privilegiado, sejam prestadas as informaes

    que lhe sejam pedidas nas mesmas condies que so fornecidas ao encarregado de

    educao.

    Em suma, a iniciativa ter que caber ao progenitor relativamente ao qual no foi

    cumprido o dever de informao sobre as condies de vida e educao do filho,

    pertencendo a este a opo se as deve obter atravs do estabelecimento escolar ou de

    ensino ou atravs de qualquer outra forma legalmente permitida.Perante esta iniciativa - que, em nosso entender, nem tem que ser fundamentada ou

    justificada - o estabelecimento escolar ou de ensino deve prestar as informaes que lhe

    forem solicitadas, nas mesmas condies que o faria relativamente ao outro progenitor e

    encarregado de educao, salvo se lhe for dado conhecimento escrito de qualquer restrio

    judicial que impea o acesso a essas informaes.

    - V -

    DELEGAO DAS FUNES DE ENCARREGADO DE EDUCAO

    Estabelece o artigo 1906., n. 4 do Cdigo Civil que o progenitor a quem cabe o

    exerccio das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente pode exerc-

    las por si ou delegar o seu exerccio, actos esses que podem ser exercidos por qualquer um

    dos progenitores quando a criana se encontra consigo.

    Para alguns autores, ter-se- pretendido permitir que, na ausncia desse progenitor,

    por motivos vrios e nomeadamente por razes profissionais, em que os filhos ficam aocuidados de ama, de familiar ou de instituies (infantrio ou creche), essas pessoas

    possam exercer as responsabilidades parentais quanto aos actos da vida corrente e tomem

    as decises adequadas nesses actos, presumindo-se que o progenitor, ao delegar essa

    responsabilidade, transmitir as respectivas orientaes (neste sentido, Tom dAlmeida

    Ramio, ob. cit., pg. 160).

    Para outros autores, esta disposio normativa veio igualmente conferir relevncia ao

    papel educativo cada vez mais importante e significativo que desempenhado pelosdenominados padrastros ou madrastas em situaes de reconstituio familiar (neste

    sentido, Guilherme de Oliveira, A Nova Lei do Divrcio, in Lex Familiae, Ano 7, n. 13,

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    Coimbra Editora, 2010, pg. 26) ou mesmo conferindo um estatuto jurdico ao crculo de

    pessoas com quem o progenitor no residente se relacionava e a quem este incumbia da

    realizao de tarefas atinentes aos filhos (neste sentido, Helena Gomes de Melo e outros,

    ob. cit., pg. 57).

    Nas famlias reconstitudas ou recompostas, dois adultos formam um casal, aps a

    dissoluo da unio de um deles, ou de ambos, com outrem e com eles podem viver filhos

    de ligaes anteriores, sendo usual a interferncia do novo companheiro do progenitor

    residente na educao dos filhos menores, podendo contribuir para evitar os elementos

    negativos associados vivncia ou estrutura monoparental, para criar ou agravar a

    conflitualidade no lar ou mesmo para dificultar ou quebrar os contactos entre a criana e o

    progenitor no residente (Jorge Duarte Pinheiro, O Direito da Famlia Contemporneo, 2.edio - reimpressso, Lisboa, AAFDL, 2009, pg. 322).

    O legislador (Ministrio da Educao) parece admitir a possibilidade de delegao

    das funes de encarregado de educao desde que esta seja devidamente comprovada15

    por parte daquele que tenha menores sua guarda pelo exerccio das responsabilidades

    parentais, por deciso judicial ou pelo exerccio de funes educativas na direco de

    instituies que tenham menores sua responsabilidades (n. 1.2. do Despacho SEE n.

    14026/007, publicado no Dirio da Repblica 2. srie n. 126 de 3 de Julho de 2007,rectificado pela Declarao n. 1258/2007, publicado no Dirio da Repblica 2. srie n.

    155 de 13 de Agosto de 2007, alterado pelo Despacho n. 13170/2009 publicado no Dirio

    da Repblica 2. srie n. 108 de 4 de Junho de 2009, e pelo Despacho n. 6258/2011

    publicado no Dirio da Repblica 2. srie n. 71 de 11 de Abril de 2011).

    Esta foi sempre a posio assumida pelo Ministrio da Educao na medida em que

    se entendia compatvel com o exerccio do poder paternal a delegao de funes de

    encarregado de educao, embora sujeita efectivao por ambos os progenitores quandoo exerccio do poder paternal fosse conjunto ou, ento, por aquele que exercesse o poder

    paternal, sendo esta revogvel a todo o tempo mas sujeita a confirmao no incio de cada

    ano lectivo (Parecer n. 43/2003 da Auditoria Jurdica do Ministrio da Educao16).

    Contudo, esta amplitude no aceite por alguma doutrina que entende que o

    encarregado de educao s poderia ser um terceiro quando algum dos progenitores

    estivesse limitado ou inibido do exerccio do poder paternal, sendo essa figura diversa

    15Uma simples consulta aos locais de internet de alguns estabelecimentos de ensino permite verificar que boa partedeles adoptaram um modelo ou formulrio prprio para a comprovao escrita da delegao das funes de encarregadode educao.

    16O texto deste Parecer encontra-se disponvel no livro de Ftima Correia Leite e Esmeralda Nascimento, O NovoEstatuto do Aluno Anotado e Comentado, 2. edio, Coimbra, Almedina, 2008, pgs. 89-97).

  • 8/3/2019 antoniojosefialho_papelintervencaoescola

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    VERBOJURIDICO O PAPEL E A INTERVENO DA ESCOLA EM SITUAES DE CONFLITO PARENTAL :32

    daquela prevista nos procedimentos a observar para as matrculas e suas renovaes

    (Ftima Correia Leite e Esmeralda Nascimento, O Novo Estatuto do Aluno Anotado e

    Comentado, 2. edio, Coimbra, Almedina, 2008, pg. 97).

    legalmente prevista a possibilidade de delegao quanto aos actos usuais ou da

    vida corrente da criana, delegao essa que pode ser realizada por qualquer dos

    progenitores.

    O factor de conflito que pode emergir da opo assumida nesta delegao radica

    normalmente na circunstncia desta ser realizada em benefcio de algum (avs ou adultos

    com quem o progenitor residente vive em relao conjugal ou marital) e o progenitor no

    residente entender que poderia ser ele a exercer essas funes, participando mais na vida

    do filho comum, ou entender que essa delegao vai aumentar os poderes de interfernciada pessoa a quem conferida essa delegao, em particular quando exista litgio entre o

    progenitor no residente e essa pessoa.

    Nas famlias em que ambos os membros do casal exercem actividade profissional,

    muitas vezes so os avs ou outros familiares que desempenham um verdadeiro papel de

    substituto dos progenitores durante a ausncia destes, assumindo uma funo educativa de

    enorme importncia social. S que, normalmente, esse papel conferido aos ascendentes

    com quem o progenitor residente tem maior proximidade e que, muitas vezes, no tem umaboa relao com o progenitor no residente ou que, antes da separao, nem sequer

    desempenhava essa funo na medida em que esta era exercida pelo outro ramo familiar da

    criana.

    Como principal premissa, podemos afirmar que a delegao das funes de

    encarregado de educao contempla um mbito ou um contedo mais vasto de direitos e

    deveres funcionais do que a delegao quanto aos actos usuais ou da vida corrente da

    criana na medida em que o exerccio das funes de encarregado de educao podeabranger no apenas actos da vida corrente mas tambm questes de particular

    importncia.

    Assim sendo, se o exerccio das responsabilidades parentais relativos criana for

    exercido em conjunto por ambos os progenitores, a delegao das funes de encarregado

    de educao deve ser conferida pelo pai e pela me da criana, sob pena de ficar limitada

    ao exerccio dos actos da vida corrente e, desta forma, obrigar o estabelecimento escolar ou

    de ensino a procurar obter o acordo dos pais quando esteja em causa acto ou questo de

    particular importncia.

  • 8/3/2019 antoniojosefialho_papelintervencaoescola

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    ANTNIO JOS FIALHO O PAPEL E A INTERVENO DA ESCOLA EM SITUAES DE CONFLITO PARENTAL :33

    Caso o exerccio das responsabilidades parentais seja exercido apenas por um dos

    progenitores, a delegao das funes de encarregado de educao cabe apenas a esse

    progenitor, sem prejuzo do direito de informao do outro progenitor sobre as condies

    de vida e educao do filho comum (artigo 1906., n.os 2 e 4 do Cdigo Civil).

    - VI -

    A PROIBIO DE CONTACTOS PESSOAIS DA CRIANA

    COM UM DOS PROGENITORES NO ESPAO ESCOLAR

    A criana tem o direito de estabelecer, reatar ou manter uma relao directa e

    contnua com o progenitor a quem no foi confiado, devendo este direito ser exercido no

    interesse da criana, verdadeiro beneficirio desse direito de visita17, incumbindo ao