antónio m. a. gonçalves - que língua falamos, quando falamos inglês
TRANSCRIPT
-
8/8/2019 Antnio M. A. Gonalves - Que lngua falamos, quando falamos ingls
1/105
UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE LETRAS
DEPARTAMENTO DE ESTUDOS ANGLSTICOS
Que lngua falamos,quando falamos ingls?
Para o estudo do ingls como lngua de comunicao
internacional
Antnio Manuel Azevedo Gonalves
MESTRADO EM ESTUDOS ANGLSTICOS(Lingustica Inglesa)
2007
-
8/8/2019 Antnio M. A. Gonalves - Que lngua falamos, quando falamos ingls
2/105
1
UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE LETRAS
DEPARTAMENTO DE ESTUDOS ANGLSTICOS
Que lngua falamos,quando falamos ingls?
Para o estudo do ingls como lngua de comunicao
internacional
Dissertao orientadapela Prof. Doutora Maria Lusa Fernandes Azuaga
e pelo Prof. Doutor Carlos A. M. Gouveia
Antnio Manuel Azevedo Gonalves
MESTRADO EM ESTUDOS ANGLSTICOS(Lingustica Inglesa)
2007
-
8/8/2019 Antnio M. A. Gonalves - Que lngua falamos, quando falamos ingls
3/105
Agradecimentos
De diferentes maneiras, vrias pessoas foram obrigadas a dar uma ajuda para que este
trabalho acabasse reduzido a escrito e merecem, por isso, que lhes diga obrigado, ressalvando
embora que nenhuma delas pode ser responsabilizada pelas insuficincias do resultado final:
Ester (a mais exigente e menos entusistica das leitoras), por tudo, simplesmente. Ao
Carlos e ao professor Carlos A. M. Gouveia, pela impacincia e pelos empurres.
professora Lusa Azuaga, pela (exagerada) confiana.
I would also like to thank professor Jennifer Jenkins, who generously allowed me to
read part of her forthcoming book, and helped me find the key.
Duas amigas e colegas tiveram que ser especialmente pacientes nos ltimos meses e
prefiro agradecer-lhes do que pedir-lhes desculpa: a Natlia, que teve que ouvir falar de ELF
mais vezes do que saudvel, e a (outra) Lusa, que foi mais compreensiva com as minhas
divididas atenes no local de trabalho.
-
8/8/2019 Antnio M. A. Gonalves - Que lngua falamos, quando falamos ingls
4/105
ii
Resumo
Esta dissertao tem como ponto de partida a situao sem precedentes criada pela
difuso da lngua inglesa no mundo, que se caracteriza pelo facto de o nmero de falantes
nativos ser inferior ao de falantes no nativos e por um crescente nmero de interaces
mediadas pelo ingls em que apenas os segundos participam. Se as normas das variedades
nativas, nestas circunstncias, so ainda as que melhor podem assegurar a inteligibilidade
internacional, a dvida que recentemente tem vindo a ser suscitada.
Numa nova rea de investigao a que se tem chamado ELF ( English as a lingua
franca), alguns linguistas alargaram aos usos do ingls no crculo em expanso a perspectiva
endonormativa que permitira j o reconhecimento de variedades do ingls no crculo exterior.
O principal objectivo averiguar se existem caractersticas especficas dos usos do ingls
como lngua franca que sejam partilhadas pela maioria dos falantes de ELF.
Apresento sumariamente as concluses de alguma da investigao j desenvolvida
sobre a pragmtica, a lxico-gramtica e a fonologia do ELF, as quais parecem sugerir que
podemos estar em presena de um ncleo de traos bastante difundidos, que seriam
suficientes para justificar a substituio da perspectiva deficitria inerente ao ensino do
ingls como lngua estrangeira, desde que o trabalho descritivo torne possvel a codificao e
que a variao detectada venha progressivamente a ser aceite.
Por fim, reflicto sobre as implicaes de alargar a perspectiva endonormativa aos usos e
ao ensino de gneros valorizados, uma vez que as comunidades acadmica e cientfica
parecem bastante dependentes das normas das variedades nativas. Ainda que haja sinais de
uma mudana, provocada pelo nmero crescente de falantes no nativos, as convenes
genolgicas continuam marcadas pelo enviesamento nativista. A orientao exonormativa
dos falantes no nativos que pretendam aceder a estas comunidades , assim, compreensvel,
tal como a abordagem contrastiva adoptada no ensino do ingls para fins acadmicos.Para explicar o tipo de dificuldades que esta perspectiva cria a quem aprende ingls,
recorro ao quadro da gramtica sistmico-funcional, observando o modo como so realizadas
as trs variveis do registo (campo, relaes e modo), com destaque para os problemas
colocados pelos recursos interpessoais.
Palavras-chave: World English; ELF (ingls como lngua franca); EFL (ingls como lngua
estrangeira); gnero; registo.
-
8/8/2019 Antnio M. A. Gonalves - Que lngua falamos, quando falamos ingls
5/105
iii
Abstract
This dissertation takes as its starting point the unprecedented situation created by the
spread of English around the world, in which non-native speakers outnumber native speakers,and increasingly use the language to interact with one another, rather than with native
speakers. Whether in this kind of interaction inner circle norms remain the most likely to
ensure international intelligibility has recently been called into question.
Within a new field of research known as ELF (English as a Lingua Franca), some
linguists have extended to the uses of English in the expanding circle the endonormative
perspective which has already ensured the recognition of outer circle varieties. The primary
aim is to establish whether there are characteristics specific to the uses of English as a linguafranca that are distinct from native varieties and shared by most ELF users. I summarise the
conclusions of some of the research carried out in recent years on the pragmatics,
lexicogrammar and phonology of ELF. These seem to indicate we could at least be in the
presence of a core of widespread features which would justify overturning the deficit
perspective inherent in the teaching of English as a foreign language, providing the
descriptive groundwork makes a codification possible, and acceptance of the detected
variation then follows.
Finally, I explore the implications of extending the endonormative approach to the uses
and teaching of valued genres, since academic and scientific discourse communities appear to
be heavily dependent on the norms of native varieties. Even though signs of an ongoing
change caused by the growing number of non-native speakers are already apparent, a native-
speaker bias is still operative in the gatekeeping role played by genre conventions. This
explains both the exonormative orientation of non-native users who wish to gain entrance to
such communities, and the contrastive approach adopted in the teaching of English for
academic purposes (EAP).
In order to explain the kind of difficulties this bias creates for learners and further stress
the need for a change of perspective, I resort to the systemic-functional grammar framework,
considering how speakers/writers typically negotiate the three variables of register (field,
tenor and mode), with special emphasis on the problems posed by interpersonal resources.
Keywords: World English; ELF (English as a lingua franca); EFL (English as a foreignlanguage) genre; register.
-
8/8/2019 Antnio M. A. Gonalves - Que lngua falamos, quando falamos ingls
6/105
ndice
Resumo....................................................................................................................................... ii
Abstract .....................................................................................................................................iii
Introduo Um ingls excntrico ............................................................................................ 5
Captulo I Ingls no mundo ou ingls do mundo? ................................................................ 10
1. Demografia e propriedade................................................................................................ 10
2. Pizza ouBig Mac?............................................................................................................14
3. Divergncia e convergncia ............................................................................................. 18
4. O ingls embalsamado ou o regresso a Babel? ................................................................23
5. Padres locais: as novas variedades de ingls do crculo exterior ................................... 26
6. Um ingls padro internacional?...................................................................................... 28
Captulo II ELF: A funo procura de uma forma............................................................. 33
1. O ingls no uma lngua estrangeira - ELF vs. EFL ..................................................... 33
2. Conceito(s) e objecto(s) ................................................................................................... 37
3. Descries do ELF falado: cooperao e regularizao................................................... 43
4 . Jennifer Jenkins e a fonologia do ingls como lngua franca.......................................... 504.1. Um modelo realista ................................................................................................... 504.2. Transferncia fonolgica e questes de inteligibilidade ...........................................534.3.Lingua Franca Core: inteligvel, ensinvel, aprendvel ...........................................554.4. Pronncia e acomodao ........................................................................................... 584.5. Crticas, reservas e mal-entendidos........................................................................... 59
Captulo III Gneros do discurso e o futuro do ELF............................................................. 64
1. O ingls na universidade, o efeitoMicrosofte o ELFA................................................... 64
2. Gneros do discurso e competncia comunicativa........................................................... 69
3. Conhecimento dos gneros e variveis do registo ........................................................... 743.1. Campo ....................................................................................................................... 753.2. Modo ......................................................................................................................... 763.3. Relaes .................................................................................................................... 79
4. A especificidade intercultural do ELF ............................................................................. 84
Concluso: A lngua que falamos, quando falamos ingls ...................................................... 90
Referncias............................................................................................................................... 94
-
8/8/2019 Antnio M. A. Gonalves - Que lngua falamos, quando falamos ingls
7/105
5
Introduo Um ingls excntrico
Consuetudo loquendi est in motu.
[the vernacular is always in motion].(Varro, 116-27 a. C.
citado em Chambers et al 2002)
I feel I am always dealing in linguistic half-truths.
(Crystal 2007: xi)
Para um professor de ingls que levante a cabea do manual escolar e olhe para fora da
sua sala de aula, estes deveriam ser tempos de alguma inquietao. O ingls l fora j no oque era. As condies em que a lngua ensinada, porm, bem como a insuficiente traduo
da lingustica aplicada em aplicaes da lingustica, sustentam uma confortvel fico de
estabilidade e uniformidade quanto matria leccionvel. Contudo, ela move-se.
As pginas que se seguem so uma reflexo sobre mudana e variao lingusticas e
sobre a necessidade de actualizar alguns conceitos para melhor compreender o que de novo se
passa com a lngua inglesa que julgvamos conhecer. Esta no , contudo, uma reflexo sobre
a lngua dos ingleses, antes uma reflexo sobre a nossa lngua inglesa. No umareflexo, portanto, sobre essa lngua estrangeira que a escola (pensa que) ensina, mas sobre a
lngua franca que talvez devesse ensinar. Aquilo que aqui proponho , num primeiro
momento, explicar de que modo o ingls como lngua franca recentemente se imps
considerao dos linguistas. Em seguida, tentarei dar conta do que estes mesmos linguistas j
fizeram para o descrever e caracterizar. Por fim, procurarei antecipar linhas de investigao
possveis num quadro terico que permita dar conta dos usos da lngua em toda a sua gama
funcional.
A difuso acelerada do ingls a que assistimos no ltimo meio sculo no um
fenmeno de distribuio de um produto acabado, comparvel exportao de um
refrigerante ou de um electrodomstico. Se a lngua est em permanente mudana, como j
Varro observava, e se a mudana ocorre tambm por fora dos contextos sociais em que
usada, o ingls na dispora s poderia ser um conjunto de realidades lingusticas
diferenciadas. Brutt-Griffler (2002: 138) prope que se pense o ingls no mundo como
produto da aco de duas foras indissociveis: difuso e mudana, ou mudana em
consequncia da prpria difuso. Uma das manifestaes desta mudana do ingls no mundo
-
8/8/2019 Antnio M. A. Gonalves - Que lngua falamos, quando falamos ingls
8/105
6
foi o surgimento de variedades de ingls em todos os continentes. So variedades locais,
nacionais ou regionais, que funcionam em geral como segunda lngua, com funes internas,
e que tm vindo a ganhar progressivo reconhecimento. Mas o ingls difundiu-se tambm em
pases que o no adoptaram oficialmente, para os quais muitas vezes a lngua preferencial
dos contactos internacionais.
Esta , naturalmente, uma viso simplificada, mas que ajuda a estabelecer diferenas
historicamente relevantes. Corresponde a uma maneira de representar a distribuio dos
falantes de ingls em todo o mundo que se tornou familiar: o modelo de trs crculos
concntricos de Kachru (1985: 12; 1992: 356). Cada um dos crculos representa um conjunto
de pases e distingue os modos como o ingls neles se estabeleceu, a maneira como
adquirido/aprendido pelos falantes e as funes que desempenha. Os pases que Kachru
colocou no inner circle (crculo interior) so aqueles cujos falantes designamos como nativos
(Reino Unido, Estados Unidos, Irlanda ou Austrlia). O outer circle (crculo exterior)
compreende pases nos quais o ingls lngua oficial e a segunda lngua da generalidade dos
falantes (como a ndia ou a Nigria, por exemplo). Finalmente, o expanding circle (crculo em
expanso) representa o nmero crescente de pases nos quais o ingls se diz lngua estrangeira
e onde no desempenha (pelo menos oficialmente) funes internas. Sem questionar aqui a
validade do modelo, adopto as designaes, que passo a usar em traduo, como forma
abreviada de remeter para contextos sociolingusticos diferentes.
H, no entanto, outras boas razes para seguir Kachru. De facto, a reflexo que
proponho nas pginas seguintes inscreve-se numa fase de desenvolvimento recente de um
paradigma nos estudos da lngua inglesa pelo qual Braj Kachru foi um dos principais
responsveis. Podemos designar esse paradigma como World English, se quisermossublinhar
especialmente o carcter planetrio da difuso da lngua, ou World Englishes, se
pretendermos assinalar como mais relevante a variao da mesma. Numa primeira fase, foram
essencialmente as variedades do crculo exterior que ocuparam os investigadores, justificandoo uso do plural. Mais recentemente, as atenes de alguns voltaram-se tambm para o que
acontece nos pases do crculo em expanso e, uma vez que nestes as funes que o ingls
desempenha so fundamentalmente internacionais, ou seja, a lngua usada para interagir
com pessoas de outros pases, entrmos numa fase dos estudos do World English a que por
vezes se chama International English, English as an International Language (EIL), ou
English as a Lingua Franca (ELF). Sobre as vantagens e desvantagens destas designaes,
falarei no primeiro captulo, bastando para j dizer que a terceira tem vindo a ser adoptadacada vez com maior frequncia.
-
8/8/2019 Antnio M. A. Gonalves - Que lngua falamos, quando falamos ingls
9/105
7
O enorme nmero de interaces mediadas pelo ingls em contextos internacionais
justifica que sobre elas exista a curiosidade cientfica de averiguar como que funciona a
comunicao mediada por uma lngua que, muitas das vezes, no a lngua materna de
nenhum dos interlocutores. Ser o ingls usado nessas situaes, necessariamente, uma
espcie depidgin, cujas regras so, em grande parte, circunstancialmente negociadas, ou ser
possvel que tenha adquirido regras prprias, que o distingam das variedades conhecidas,
descritas, codificadas e ensinadas? Haver pelo menos um conjunto mnimo de traos
partilhados que permite a compreenso mtua? Poderemos falar de uma verdadeira variedade
internacional, ou supranacional, de uma supravariedade ou de um ingls padro internacional?
Dado o carcter sem precedentes do fenmeno que a expanso do ingls constitui,
sobretudo por se tratar da primeira lngua viva que tem entre os no nativos o maior nmero
de utilizadores, sugiro que pode ser metodologicamente proveitoso suspender o juzo
relativamente a alguns conceitos que herdmos da descrio e classificao de realidades que
no so absolutamente comparveis com o objecto que nos ocupa, evitando transferi-los para
este contexto sem previamente questionar a sua adequao.
Adoptando o ponto de vista do professor de ingls preocupado em estabelecer
objectivos para os cursos que lecciona, o primeiro pressuposto da minha reflexo pode
exprimir-se nestes termos: sendo mais provvel que, para a maioria dos alunos das nossas
escolas, a lngua inglesa venha a ser no futuro, como para a maioria de ns j o no presente,
essencialmente um instrumento de comunicao com pessoas para as quais o ingls tambm
no a primeira lngua, no estaro os nossos curricula e as nossas prticas pedaggicas
desajustados da realidade? Da caracterizao dessa realidade, bem como do que j foi feito e
se pode ainda fazer para a conhecer melhor, ocupar-me-ei nos trs captulos seguintes, cujos
objectivos passo a apresentar de forma resumida.
No primeiro captulo, dou conta do deslocamento do centro de gravidade que o nmerode falantes de ingls no nativos provoca na configurao sociolingustica contempornea e
da necessidade de retirar consequncias desse facto. A esse descentramento, porque um
fenmeno peculiar, que no se verificou antes com outras lnguas, no me parece
despropositado chamar a excentricidade do ingls, jogando com o duplo sentido do termo e
com um dos esteretipos associados cultura inglesa. Ainda que de forma breve, no poderia
deixar de dar conta de algumas das preocupaes suscitadas pela posio hegemnica do
ingls no mundo, bem como pela potencial perda de inteligibilidade provocada peladivergncia entre variedades locais. O papel que a ideologia da padronizao, ou ideologia
-
8/8/2019 Antnio M. A. Gonalves - Que lngua falamos, quando falamos ingls
10/105
8
da lngua padro (Milroy e Milroy 1999), desempenha na resistncia ao reconhecimento de
novas variedades do ingls merece tambm alguma ateno, at porque esteve no centro de
um dos debates marcantes na afirmao do novo paradigma dos estudos ingleses a que acima
aludi (Quirk 1990; Kachru 1991).
No segundo captulo, comeo por estabelecer uma distino entre lngua franca e lngua
estrangeira, para concluir que o ingls no uma lngua estrangeira igual s outras. Procuro
depois definies satisfatrias de ingls como lngua franca, uma vez que a acepo
corrente de lngua franca pode no traduzir com rigor a realidade em apreo. Em seguida,
resumo as principais concluses de alguns estudos recentes e de projectos de investigao em
curso nos domnios da pragmtica, da lxico-gramtica e da fonologia daquilo a que j se
convencionou chamar, simplesmente, ELF (acrnimo deEnglish as a Lingua Franca). Trata-
-se de estudos e projectos de investigao cujo objecto o ingls falado e que procuram
eventuais traos distintivos da lngua usada nas interaces entre falantes no nativos. A
perspectiva neles adoptada endonormativa, isto , procuram descrever a lngua falada sem
avaliar como erro as diferenas encontradas, por referncia s normas do ingls padro, mas
sim como possveis normas emergentes. Por ser a rea em que a investigao est mais
avanada, dedico especial ateno aos aspectos da pronncia do ingls como lngua franca e
s propostas de Jennifer Jenkins (2000; 2002) para o estabelecimento de um ncleo mnimo
de traos que garantam a inteligibilidade.
O terceiro captulo tem uma natureza essencialmente prospectiva e parte da convico
de que ser pela explorao da dimenso funcional que se poder obter um conhecimento
mais profundo do que efectivamente caracteriza os usos do ingls como lngua franca.
Comeo por fazer referncia a um projecto de investigao em curso, sob a direco de Anna
Mauranen (2006b), que tem como objecto o ingls usado como lngua franca em contexto
acadmico. Linguisticamente mais exigente, este um dos contextos que geralmente
determinam uma orientao exonormativa dos falantes uma aproximao tendencial snormas inglesa ou norte-americana. Sendo o discurso acadmico mediado por gneros cujo
conhecimento constitui condio de acesso a determinadas comunidades disciplinares,
pareceu-me importante reflectir sobre esta dimenso da competncia lingustica e
comunicativa e sobre a natureza das dificuldades que falantes de ingls no nativos sentem na
aproximao s normas de prestgio. Adoptei, para esse fim, o quadro sistmico-funcional,
essencialmente porque permite distinguir com clareza diferentes nveis de anlise, isolando os
recursos lingusticos consoante a metafuno que servem na produo de significado.
-
8/8/2019 Antnio M. A. Gonalves - Que lngua falamos, quando falamos ingls
11/105
9
Em certa medida, a adopo deste quadro terico uma resposta sugesto de Kachru e
Nelson (2001: 19) sobre o interesse em explorar a perspectiva funcional no estudo dos World
Englishes. Pode revelar-se particularmente pertinente e interessante desenvolver esta
perspectiva na investigao futura do ingls como lngua franca, uma vez que os estudos j
conhecidos sugerem a primazia dada neste tipo de interaco aos aspectos utilitrios, ou seja,
eficcia na transmisso do significado ideacional, em detrimento das funes textual e
interpessoal. Ao reflectir sobre as diferenas entre nativos e no nativos na maneira de utilizar
os recursos das trs variveis do registo (campo, relaes e modo), estou apenas a abrir uma
porta para possveis investigaes futuras em que se passem a considerar os comportamentos
lingusticos dos no nativos, inclusive na produo de gneros valorizados, numa perspectiva
endonormantiva. Mesmo nos meios acadmico e cientfico, observa-se j uma tendncia para
a eroso acelerada do peso relativo de falantes para os quais o ingls a primeira lngua,
tornando cada vez mais discutvel a presuno de que as normas nativas so necessariamente
as que melhor asseguram a inteligibilidade e uma comunicao bem sucedida.
Sendo o ELF uma rea de investigao que s muito recentemente comeou a adquirir
autonomia e atendendo a que no se realizaram ainda em Portugal estudos empricos sobre o
assunto, pareceu-me importante explorar o tema sob um ponto de vista terico, partindo
embora dos resultados de alguma da investigao j desenvolvida, at como forma de
desenhar os contornos de um objecto cujo conhecimento pode vir a revelar-se importante na
redefinio futura de curricula, programas e critrios de avaliao. Ao longo dos meses de
leituras que resultaram na escrita desta dissertao, deixei-me persuadir da pertinncia de
estudar o ingls como lngua franca e de, para tal, adoptar uma perspectiva no deficitria
na anlise do desempenho lingustico dos falantes. No entanto, no ainda possvel fazer
afirmaes demasiado peremptrias e conclusivas relativamente a uma realidade lingustica
sobre a qual o que h para descobrir muito mais do que aquilo que j foi descoberto.
-
8/8/2019 Antnio M. A. Gonalves - Que lngua falamos, quando falamos ingls
12/105
10
Captulo I Inglsno mundo ou inglsdo mundo?
Theres one problem with International English. Its getting
into the hands of foreigners.
(orador no identificado, citado em Gnutzmann 1999)
Sentiu uma pena imensa dos ingleses: deram a sua lngua a
tanta gente que acabaram por ficar sem lngua alguma. A
nossa lngua materna, pensou, no pode ser um aeroporto
por onde transitam as multides apressadas, tem de ser um
lugar de refgio, um clube com direito de admisso
reservado.
(Jos Eduardo Agualusa, 2000.A Substncia de Amor eOutras Crnicas.)
1. Demografia e propriedade
A oitava conferncia da European Society for the Study of English (ESSE-8, Londres,
29 de Agosto a 2 de Setembro de 2006) proporcionou uma observao prtica, em
microcosmo, da singular situao da lngua inglesa no mundo no incio do sculo XXI. A
ironia do acontecimento, que estando longe de ser indito, s em tempos recentes se tornou
possvel, no ter escapado a muitos dos presentes: realizada bem no centro da capital do pas
onde a dispora da lngua teve incio, tendo os estudos ingleses como motivo congregador, ali
foi possvel assistir a inmeros seminrios, painis e palestras em que, ou simplesmente no
havia participantes cuja primeira lngua fosse o ingls, ou a presena destes era to minoritria
que facilmente passaria despercebida. E, no entanto, o ingls foi a nica lngua utilizada em
todas as comunicaes, em todas a sesses de perguntas e respostas, bem como, seguramente,na grande maioria das interaces informais em que os participantes se viram envolvidos
margem dos eventos programados. A ironia ainda mais completa pelo facto de os objectos
de estudo das disciplinas representadas serem a prpria lngua inglesa e a literatura nela
produzida.
seguramente tentador ver nesta ocorrncia o simblico fechamento de um crculo. O
processo de expanso e difuso, em consequncia do qual a lngua inglesa adquiriu uma
posio hegemnica, teve aqui, num regresso circunstancial ao centro irradiador, uma
-
8/8/2019 Antnio M. A. Gonalves - Que lngua falamos, quando falamos ingls
13/105
11
manifestao paradoxal do fenmeno de descentramento e expropriao a que tem vindo a
ser sujeita.
Desde o incio do perodo dito ps-colonial e em ritmo acelerado com o fenmeno a que
se convencionou chamar globalizao, situaes como aquela que acima descrevi parecem dar
plena justificao s palavras de uma muito citada palestra de Widdowson sobre a
propriedade do ingls (1993/2003) e observao espirituosa que escolhi para primeira
epgrafe deste captulo. Mas o sentido da passagem habitualmente citada da conferncia de
Widdowson, retoricamente calculada para produzir um efeito de choque, parece hoje muitas
vezes ser dado como adquirido, no se questionando o alcance prtico da sua linguagem
figurada. Julgo por isso pertinente l-la de novo luz de alguns factos relevantes sobre a
situao actual do ingls no mundo:
How English develops in the world is no business whatever of nativespeakers in England, the United States, or anywhere else. They have no sayin the matter, no right to intervene or pass judgment. They are irrelevant.() It is a matter of considerable pride and satisfaction for native speakersof English that their language is an international means of communication.But the point is that it is only international to the extent that it is not theirlanguage. It is not a property for them to lease out to others while stillretaining the freehold. Other people actually own it. (Widdowson 2003: 43)
O que a conferncia da ESSE em rigor reflecte, tal como centenas de eventos
semelhantes que todos os anos tm lugar pelo mundo fora, consequncia da actual
distribuio demogrfica dos falantes/utilizadores do ingls e da funo de lngua franca que
este desempenha em inmeros contextos. Embora tendo crescido em termos absolutos, o
nmero de falantes do ingls como primeira lngua continua a diminuir relativamente ao
nmero daqueles que o falam como segunda lngua ou como lngua estrangeira (Crystal 1997;
2004; Graddol 1997; 1999; 2006). A desproporo demogrfica entre nativos e no nativos,
no obstante a dificuldade por todos reconhecida de obter estatsticas e estimativas
inteiramente rigorosas e actualizadas, permite afirmar que a esmagadora maioria das
interaces mediadas pelo ingls, em contextos internacionais, no envolve falantes nativos e
que, em termos prticos, a capacidade destes para intervir sobre os destinos do ingls, ou a
possibilidade de exercerem alguma funo de arbitragem sobre os seus usos como lngua
internacional s podero ter tendncia a diminuir.
O nmero de falantes nativos, de resto, no parece ser j um factor determinante para a
preservao do lugar que o ingls ocupa como nica lngua verdadeiramente global: Native-
-
8/8/2019 Antnio M. A. Gonalves - Que lngua falamos, quando falamos ingls
14/105
12
speaker numbers may matter less than they used to in providing a world language status. The
number of second language speakers are [sic] of growing importance (Graddol 2006: 62).
Poderemos mesmo ter atingido uma situao em que a sobrevivncia do ingls como lngua
global j completamente independente do papel que possam ter pases como os Estados
Unidos e o Reino Unido:
At the beginning of the twenty-first century some indicators seem to besuggesting that English may once again survive the framework that made ita lingua franca for a particular time and place. There are signs that thenumber of speakers has achieved a kind of critical mass which suggestsEnglish might persist in its lingua franca role even in a scenario where theUnited States was no longer the prime motor of globalisation. (Wright 2004:155)
De Swaan (2001: 17) dissera j essencialmente o mesmo, falando de inrcia
lingustica para exprimir a ideia de que o ingls est em condies de sobreviver perda de
peso poltico e econmico dos pases anglfonos. Afirmando que a difuso do ingls no
ltimo sculo se deve exclusivamente ao aumento do nmero de falantes para quem ele
constitui segunda lngua ou lngua estrangeira, acrescenta ainda que a sua posio como
centro do sistema lingustico mundial no s garante a sua auto-preservao, como assegura
a sua auto-expanso (2001: 185). A escolha da lngua estrangeira que se aprende , segundoDe Swann, determinada pelo seu valor de comunicao (valor-Q). O valor-Q de uma lngua
calculado pela multiplicao do nmero de pessoas com as quais o contacto mediado por
essa lngua possvel o que define a sua prevalncia pelo nmero de pessoas
multilingues que tm essa lngua no seu repertrio, relativamente ao nmero total de falantes
multilingues o que define a sua centralidade (ibidem: 34). Quanto mais elevado o valor-Q
de uma lngua, mais desejvel se torna a sua aquisio enquanto bem colectivo. Aprende-se
ingls porque a lngua que nos pode pr em contacto, directo ou indirecto, com o maiornmero de pessoas. No fazer essa escolha pode significar optar pela auto-
-excluso da mais vasta comunidade lingustica do planeta e por uma drstica reduo das
possibilidades de acesso informao, cultura e ao entretenimento.
a mesma ideia de auto-suficincia, ou massa crtica, que o nmero de
falantes/utilizadores da lngua inglesa atingiu no mundo, que permite a Graddol (2006: 101)
avanar com a previso de que, dentro de poucos anos, um tero da populao mundial estar
a aprender ingls e que, aquilo que h poucas dcadas atrs constitua uma inegvel vantagem
competitiva, muito em breve no passar de uma competncia bsica que a todos ser
-
8/8/2019 Antnio M. A. Gonalves - Que lngua falamos, quando falamos ingls
15/105
13
exigvel, sob pena de excluso social, num fenmeno de redistribuio da pobreza (ibidem:
38) indissocivel das tendncias de desenvolvimento global que possvel observar em
inmeras reas de actividade. As razes da possvel sobrevivncia do ingls como primeira
lngua residem, portanto, no facto de se ter tornado na lngua preferencial de discursos e
actividades que no so monoplio de nenhuma comunidade de falantes nativos:
It might survive because it has become the purveyor of the discourses of thedominating ideologies of Western democracy and neo-liberal free marketCapitalism, the common language of the international scientific community,and the main medium of the new audio-visual and info tech networkswhether or not these are US dominated. (Wright 2004: 155)
Se o futuro do ingls como primeira lngua global est ou no assegurado, e por quantotempo, no a questo que aqui interessa discutir, mas este descentramento da posio da
lngua relativamente ao crculo interior de pases e falantes que at aqui pareciam, e se
sentiam, os seus donos e guardies, suficiente para lhe conferir um papel nico na
comunicao inter-cultural e justifica reflexo e estudo aprofundados. Por um lado, interessa
descrever de que maneira cumpre esse papel em diferentes contextos, por forma a estudar os
modos de aumentar a sua eficcia; por outro, ser importante tentar avaliar at que ponto a
relativa diminuio do nmero de falantes nativos tem j, ou poder vir a ter no futuro, um
reflexo directamente proporcional na perda de influncia destes nas comunidades discursivas
a que pertencem e quais as consequncias possveis dessa eventual alterao de posies
relativas.
O que est verdadeiramente em causa no , naturalmente, saber se os falantes nativos
so, ou podero vir a tornar-se, irrelevantes, mas sim averiguar se as normas lingusticas
das duas variedades usadas como modelos para o ensino do ingls so ainda as que melhor
podem servir o maior nmero de pessoas, num tempo em que a lngua usada, um pouco por
todo o mundo, na ausncia de representantes dessas mesmas variedades. Os falantes no
nativos, cujo peso demogrfico motiva este tipo de reflexo, no pertencem, porm, a um
grupo sociolinguisticamente uniforme, o que imediatamente faria pressupor diferentes
tendncias de mudana lingustica. A sua diviso tradicional em dois grandes grupos, acima
referidos de passagem com a aluso a falantes do ingls como segunda lngua e a falantes do
ingls como lngua estrangeira, justifica uma breve reflexo sobre um quadro de mudana,
no exclusivamente lingustica, e sobre os debates que na ltima dcada a tm
problematizado, avaliando criticamente o papel do ingls no mundo, bem como o lugar dos
-
8/8/2019 Antnio M. A. Gonalves - Que lngua falamos, quando falamos ingls
16/105
14
novos ingleses e do ingls global na reconceptualizao de um objecto de estudo e da
prpria pedagogia da lngua.
2. Pizza ou Big Mac?
The most popular food in the world is not the Big Mac. Its
pizza. And what is pizza? It is just a flat piece of dough on
which every culture puts its own distinctive foods and
flavours. So Japan has sushi pizza and Bangkok has Thai
pizza and Lebanon has mezze pizza. The flatworld platform is
just like that pizza dough. It allows different cultures to
season and flavour it as they like and you are going to see
that more now than ever.
(Friedman 2006: 506-07)
Antes mesmo da reflexo sobre o ingls que se ensina e dos ingleses que se deviam
(ou no) ensinar, no podemos deixar de considerar as questes poltico-lingusticas e eco-
-lingusticas suscitadas pela posio hegemnica de uma nica lngua em quase todos os
quadrantes geogrficos e domnios de actividade. Podemos tentar aproximar-nos de uma
explicao das mudanas em curso no quadro daquilo que Crystal (2004) designa como
revoluo lingustica. Iniciada na segunda metade do sculo XX, ter-se-ia acentuado eadquirido novos contornos a partir do incio dos anos 90. Caracterizar-se-ia agora pela
conjugao de trs factores: a emergncia do ingls como a primeira lngua verdadeiramente
global; o desaparecimento, ou o risco iminente de extino, de um grande nmero de lnguas,
e o efeito radical sobre lnguas e comunicao produzido pelo aparecimento da Internet.
talvez a adio deste terceiro factor que justifica o termo revoluo, dada a sua indiscutvel
influncia na acelerao dos processos que adjectivamos como globais.
Os trs fenmenos so, por assim dizer, manifestaes lingusticas da globalizao, e asua interdependncia apenas veio tornar mais evidente a relao tensa, que em rigor sempre
existiu, entre o que local e o que, vindo de fora, se afigura muitas vezes invasivo e imposto,
mesmo quando voluntariamente importado, ou adoptado. Que o ingls aparea hoje, quase
universalmente, como a primeira lngua associada ao elemento invasor um facto histrico
novo, o que poder em parte explicar alguns excessos metonmicos e metafricos dos debates
da ltima dcada e meia, em que a lngua inglesa aparece como imperialista (Phillipson
1992) e assassina de outras lnguas (Skutnabb-Kangas 2000; 2003), como se fosse parteexclusiva do arsenal blico de duas ou trs potncias expansionistas e de uma poltica
-
8/8/2019 Antnio M. A. Gonalves - Que lngua falamos, quando falamos ingls
17/105
-
8/8/2019 Antnio M. A. Gonalves - Que lngua falamos, quando falamos ingls
18/105
16
O equilbrio do ecossistema lingustico necessariamente instvel e o nmero de
variveis em presena torna difcil qualquer tipo de previso quanto ao resultado final. Nem
mesmo a posio de hegemonia aparentemente inexpugnvel que o ingls hoje ocupa permite
prever que tal situao se mantenha inalterada por um prazo muito dilatado. Como Graddol
ressalva (2006: 13), o ingls global pode revelar-se um fenmeno transitrio e possvel
que novas relaes de poder econmico e cultural venham dar origem a novos cenrios
sociolingusticos. Mas parece seguro afirmar que quanto mais forem as lnguas em presena,
maior ser a necessidade de adoptar a lngua auxiliar partilhada pelo maior nmero de pessoas
e/ou comunidades. Ou seja, nas circunstncias actuais, a proliferao de lnguas, em qualquer
contexto, favorecer geralmente a posio central do ingls. o caso da Unio Europeia, por
exemplo, em que o alargamento do nmero de pases membros e o consequente aumento do
nmero de lnguas oficiais se traduz, de facto, no uso do ingls como primeira lngua auxiliar,
ou lngua oficiosa. Traduzindo o ttulo do captulo que De Swaan (2001: 144) dedica
precisamente Unio Europeia, pode afirmar-se que quanto mais lnguas, mais ingls.
Na maior parte dos casos, porm, o resultado no parece ser o desaparecimento de
lnguas locais, mas sim a emergncia de situaes de diglossia, as quais podero, a prazo,
evoluir nos mais diversos sentidos (De Swaan 2001: 187-8). pelo menos isso o que parece
ter acontecido nos pases e regies nos quais o ingls funciona como segunda lngua (quer lhe
chamemos lngua oficial, auxiliar, ou mesmo lngua franca), aqueles que, no modelo de trs
crculos concntricos de Kachru (1985: 12; 1992: 356), so colocados no crculo exterior.
De um ponto de vista lingustico, podemos dizer que metforas poltico-militares como
imperialismo, invaso, hegemonia, subordinao, dominao, no constituem explicao
suficiente para a difuso e mudana do ingls nos pases que o adoptaram como segunda
lngua, nos quais ocorreu o processo a que Brutt-Griffler chama macroaquisio e que
define do seguinte modo:
Macroacquisition is the acquisition of a second language by a speechcommunity. It is a process of social second language acquisition, theembodiment of the process of language spread and change, or languagechange through its spread. This approach to World English has the potentialto explain how a language can be appropriated by its speakers. (Brutt-Griffler 2002: 138)
Nestes casos, comunidades inteiras fizeram sua, para mltiplos fins, uma lngua que
alguns tero tentado impor-lhes, mas que os prprios sentiram, mais tarde ou mais cedo,necessidade de aprender. E no necessariamente, ou apenas, numa manifestao de
-
8/8/2019 Antnio M. A. Gonalves - Que lngua falamos, quando falamos ingls
19/105
17
hegemonia consentida (Wright 2004: 156). De resto, a poltica lingustica do imprio
britnico, que na ndia hesitou entre anglicistas e orientalistas, nunca postulou sequer o ensino
generalizado do ingls (Pennycook 1994: 82). Exceptuando a necessria formao de uma
elite que garantisse o funcionamento do aparelho administrativo, a poltica colonial britnica
tinha mesmo como propsito conter, e no fomentar, a difuso do ingls, baseando-se o
sistema educativo no uso de outras lnguas, no necessariamente locais, nem maternas, uma
vez que o seu objectivo era unicamente garantir uma mo-de-obra pouco qualificada para a
produo das matrias-primas de que a indstria da metrpole carecia (Brutt-Griffler 2002:
86-106; 2005: 31).
Alm disso, se o ingls foi instrumento do colonialismo, tambm o foi da resistncia ao
mesmo; se comeou por ser a lngua do outro, tambm se tornou forma de exprimir uma
nova identidade, conforme testemunham vrios autores das novas literaturas de lngua inglesa
(ver, por exemplo, Pennycook 1994: 84-85). Centrar a anlise do lugar e funes do ingls no
mundo na imposio de cima para baixo de uma ideologia ignorar o movimento de sentido
oposto, accionado por todos aqueles que procuram ser parte activa do processo:
To see those who want to be part of global networks, structures and flows ascompletely hoodwinked by hegemonic manipulation from the heartland ofCapitalism denies agency to the vast majority. It is difficult to accept thatthe individual subject is never competent and that their motivations andrationales do not sometimes develop from a dispassionate assessment of theopportunities open to them and the constraints operating on them. (Wright2004: 170-1)
Do mesmo modo, seria tambm simplista e redutor atribuir a adopo do ingls como
lngua franca, nos mais diversos domnios de actividade, exclusivamente ao exerccio da
hegemonia imperial americana, uma vez que o poder econmico, que seria o seu motor, tende
igualmente a tornar-se cada vez mais alheio a estados e naes. Combater essa adopo, poroutro lado, seria seguramente intil e contraproducente, sobretudo quando assistimos
progressiva transformao do ingls em competncia indispensvel, ao nvel mesmo da
literacia elementar e dos conhecimentos de informtica que permitem o uso dos programas de
processamento de texto, de correio electrnico e de navegao na Internet. Uma atitude mais
positiva, e potencialmente mais produtiva, para lidar com as desigualdades inevitavelmente
decorrentes da posio do ingls no mundo, pode ser representada pelas seguintes palavras de
Halliday (2003: 416-17):
-
8/8/2019 Antnio M. A. Gonalves - Que lngua falamos, quando falamos ingls
20/105
18
Many people would like to resist this dominance of English. The strategicresponse would seem to be: do away with English. Dont teach it, or doanything to perpetuate its standing in the community. But most seriousthinkers believe that that wont work: English is too deeply entrenched, andif people are deprived of the chance of learning it they are the ones who
suffer. () Rather than trying to fight off global English, which at presentseems a rather quixotic venture, those who seek to resist its baleful impactmight do better to concentrate on transforming it, reshaping its meanings,and its meaning potential, in the way that the communities in the outer circlehave already shown it can be done.
O que Halliday parece sugerir que se comapizza em vez deBig Mac, para adaptar
variabilidade do ingls, a que se tem chamado nativizao ou indigenizao, a metfora
com que Friedman (2006: 506-07) procura caracterizar o efeito nivelador e a plasticidade
cultural da globalizao. Sobre uma base comum, cada variedade faz uso de ingredienteslocais. O que Halliday prope no parece ser mais do que uma extenso consciente e crtica
do processo de macroaquisio acima referido: uma apropriao progressiva dos recursos
da lngua inglesa para a criao de novas realidades lingusticas, dando outra forma aos seus
significados e ao seu potencial de significao (Halliday 2003: 417).
primeira vista, contudo, estes processos de indigenizao pareceriam comprometer
a inteligibilidade mtua, pondo em causa os benefcios que poderiam advir do facto de a
lngua ser partilhada por um nmero de pessoas cada vez maior.
3. Divergncia e convergncia
A mudana de paradigma nos estudos lingusticos que reflecte a conscincia da
variedade a que a difuso do ingls no mundo deu origem e das suas potenciais consequncias
para o estudo e ensino da lngua um fenmeno relativamente recente, cujos marcos
fundadores foram talvez as conferncias que, em 1978, tiveram lugar no East-West Center doHawai e na Universidade do Illinois em Urbana-Champaign (Smith 1981; Kachru 1982). Mas
a questo da propriedade da lngua, da sua variao e da adequao das normas inglesa e
americana aos novos contextos de utilizao comeara a ser colocada algum tempo antes,
como a seguinte passagem, que curiosamente tambm tem a assinatura de Halliday, pode
comprovar:
English is no longer the possession of the British, or even the British and theAmericans, but an international language which increasing numbers of
-
8/8/2019 Antnio M. A. Gonalves - Que lngua falamos, quando falamos ingls
21/105
19
people adopt for at least some of their purposes, () and this one language,English, exists in an increasingly large number of different varieties. () InWest Africa, in the West Indies, and in Pakistan and India () it is nolonger accepted by the majority that the English of England, with RP as itsaccent, are the only possible models of English to be set before the young.
(Halliday, McIntosh e Strevens 1964: 293-94)
A realidade sociolingustica a que esta passagem alude, a mesma que constituiu a
motivao central das duas conferncias de 1978 acima referidas e da maioria dos estudos a
que deram origem, apenas uma das dimenses da internacionalizao do ingls que
contribuem para a sua posio central nas constelaes de lnguas contemporneas (De
Swaan 2001). Trata-se das variedades locais ou regionais do ingls que emergiram,
essencialmente em consequncia do passado colonial britnico, nos pases do j mencionado
crculo exterior de Kachru (1985: 12; 1992: 356). So contextos scio-culturais em que, quer
se tenha institucionalizado como lngua oficial, indigenizado ou nativizado como segunda
lngua, ou simplesmente servido como lngua franca, o ingls no apenas se estabeleceu em
lugares longe da terra que lhe dera nome, como se tornou plural e sofreu afastamentos
inevitveis relativamente a um padro domstico de uniformidade mais ou menos idealizada.
So estas variedades locais que tm merecido as designaes, entre outras, de New Englishes
ou World Englishes. A prpria utilizao ou no de maisculas nas vrias designaes, no
apenas na posio adjectiva, mas at mesmo na posio nominal, outra das variaes
possveis que procuram dar conta da nova realidade lingustica.2
Esta multi-localizao do ingls produz necessariamente um efeito de divergncia
entre variedades que poderia configurar uma progressiva perda de inteligibilidade mtua, a
qual, em ltima anlise, estaria na origem de novas lnguas. Era o que pensava Burchfield, por
exemplo, que estabeleceu uma analogia com o caso do latim e da sua ciso nas vrias lnguas
romnicas para prever o progressivo afastamento entre as variedades do ingls (1985: 173).
Porm, a este movimento divergente corresponde hoje um movimento de sentido contrrio,em que a facilidade de contacto entre indivduos, organizaes, culturas e sociedades
geograficamente distantes tende a fazer convergir variedades pela simples exposio mtua e
necessidade de comunicao. Neste caso, no estamos necessariamente perante falantes de
uma variedade local, por um lado, e falantes de uma variedade global, por outro, mas antes
2Ashcroft, Griffiths e Tiffin (1989: 8), por exemplo, estabelecem a distino entre English e english, oprimeiro, para designar a lngua que desde o centro do antigo imprio britnico se propusera como cdigo
padro; o segundo, para referir o cdigo lingustico transformado e subvertido nas diversas novas variedades umpouco por todo o mundo.
-
8/8/2019 Antnio M. A. Gonalves - Que lngua falamos, quando falamos ingls
22/105
20
perante uma situao que no seria desajustado qualificar como de diglossia3 e/ou
bilinguismo, reflexo da participao potencial de cada falante em duas comunidades
lingusticas, quer elas sejam de duas variedades da mesma lngua, quer de duas lnguas
diferentes:
World language divergence and convergence () reflect the multiple levelsof speaker affiliation with the construct of speech communities. There are(at least) two contexts defined by speech communities in World English.One is the local (or national) speech community that plays the essential rolein divergence. The second is the international speech community that formsthe basis for convergence. (Brutt-Griffler 2002: 177)
ao movimento de convergncia, para o qual contribui a participao dos falantes nesta
comunidade lingustica internacional, que verdadeiramente se pode chamar globalizao do
ingls e esta dimenso internacional que tem sido designada, entre outras coisas, como
Global English, International English, English as an International Language, ouEnglish as a
Lingua Franca, numa indeciso/indefinio conceptual que s recentemente comeou a ser
objecto de tentativas de sistematizao (McArthur 1999, 2004; Seidlhofer 2004; Erling 2004,
2005; Jenkins 2006a).
Nesta comunidade lingustica global, em que a convergncia no plano da expresso
condio necessria da inteligibilidade e a convergncia no plano do contedo condio
necessria da comunicao, no participam apenas, como facilmente se pode depreender do
que acima fica dito, falantes dos dois primeiros crculos. Dado o carcter global da
comunidade lingustica aqui em causa, a convergncia s se pode produzir por efeito da
participao de falantes dos trs crculos do modelo de Kachru ou, para adoptar outros termos
familiares na lingustica aplicada e no ensino da lngua, dos falantes do ingls como lngua
nativa/materna (English as a Native Language, ENL); como segunda lngua ( English as a
Second Language, ESL) e como lngua estrangeira (English as a Foreign Language, EFL).A prpria designao que Kachru escolheu para o terceiro crculo do seu modelo,
crculo em expanso (1985: 12; 1992: 356), indicativa do seu carcter aberto e, por isso
mesmo, de contornos mais difceis, se no impossveis, de delimitar. Nele caberiam todos os
pases em que o ingls no desempenha funes internas e em que as pessoas o utilizam
3 O conceito de diglossia, originalmente exposto por Ferguson (1959), referia-se apenas co-existncia de doisou mais dialectos de uma mesma lngua, em que um deles desempenhava as funes de maior prestgio social.
Fishman (1967) alargou o campo de aplicao a situaes de bilinguismo, ou multilinguismo, em que cada umadas lnguas ocupa diferentes domnios funcionais. nesta segunda acepo que o conceito relevante para oscontextos sociolingusticos que aqui interessa considerar.
-
8/8/2019 Antnio M. A. Gonalves - Que lngua falamos, quando falamos ingls
23/105
21
unicamente para a comunicao internacional. Em todo o caso, a sua participao na
comunidade lingustica do World English (para manter a terminologia de Brutt-Griffler),
contribui para o movimento de convergncia entre variedades e, sendo o nmero de falantes
deste crculo aquele que mais rapidamente pode crescer, a sua importncia para o estudo do
ingls que realmente se fala internacionalmente dificilmente pode ser ignorada. Tal como s
internacional porque j no propriedade exclusiva dos falantes nativos, regressando s
palavras de Widdowson (ver acima, pg. 11), o ingls tambm s global porque pode ser
apropriado para os mais diversos fins por utilizadores de qualquer lugar do globo. Da que
se tenha assistido, sobretudo na ltima dcada, a um trabalho de reconceptualizao do ingls
que procura levar em conta todos os seus utilizadores e todos os seus contextos de utilizao,
com especial ateno para aqueles que at agora tm sido mais negligenciados:
() it is high time that the legitimacy which has already been accorded toOuter circle Englishes should be extended to the Expanding circle. At a timewhen English is the de facto global lingua franca, it is anachronistic to denythat widespread development in these contexts of use also constitutelegitimate change which needs to be described and taken into pedagogicaccount. (Seidlhofer e Jenkins 2003: 152)
J anteriormente Kachru (1985: 13) sublinhara o peso dos pases includos nesta terceira
categoria como factor determinante do lugar e do papel do ingls no mundo: It is the users of
this circle who actually strengthen the claims of English as an international or universal
language. Sendo que os pases passveis de incluso no crculo em expanso so
virtualmente todos aqueles em que o ingls no nem lngua materna, nem segunda lngua e
nos quais o ingls quase exclusivamente usado para comunicao internacional, caracterizar
os usos da lngua inglesa neste crculo implica um estudo descritivo de interaces ocorridas
entre falantes de diferentes primeiras lnguas, qualquer que seja o crculo de onde sejam
provenientes. Ou seja, o estudo dos usos do ingls no crculo em expanso confundir-se-sempre, por definio, com o estudo do ingls como lngua franca. No se trataria aqui,
portanto, de estudar novas variedades nacionais, muito embora no possa deixar de ser levado
em considerao o papel das diferentes primeiras lnguas na produo lingustica dos falantes,
mas sim de avaliar a possibilidade de reconhecer a existncia de uma espcie de supra-
-variedade, comum a utilizadores da lngua inglesa provenientes de pases em que ela tem
funes e estatutos distintos. Nos pases do crculo em expanso, porm, ao contrrio do que
ocorre no crculo exterior, as potenciais implicaes pedaggicas no passariam,
-
8/8/2019 Antnio M. A. Gonalves - Que lngua falamos, quando falamos ingls
24/105
22
naturalmente, pela codificao de normas nacionais ou regionais, mas pela codificao de
normas internacionalmente partilhadas.
Brutt-Griffler no reclama para o seu World English a categoria de variedade do ingls,
parecendo sugerir que se trata apenas de um ncleo onde traos distintivos seriam como que
neutralizados, respondendo s necessidades de comunicao e garantindo a inteligibilidade
entre falantes de todas as origens:
World English, rather than a variety, constitutes a sort of center of gravityaround which the international varieties revolve. Their functional relation inthe arena of the world econocultural relations (business and trade, popularculture, science and technology) serves to ensure their continuous mutualinteraction. Hence, unlike the various Romance languages, which evolvedinto wholly separate languages in the wake of the death of Latin, the
varieties of World English retain their essential linguistic unity. (Brutt-Griffler 2002: 177)
Seja qual for a natureza desta nova realidade, a mudana que o reconhecimento da sua
legitimidade representa no deixar de enfrentar as resistncias que o prprio reconhecimento
das variedades locais j enfrentou e, em certa medida, enfrenta ainda. Tanto no caso das
variedades locais, como do ingls como lngua internacional, essas resistncias exprimem-se
muitas vezes sob a forma de preocupaes com aspectos to importantes como
inteligibilidade e comunicao, que a divergncia entre variedades poria em causa. Parece
difcil, no entanto, no ver nelas tambm manifestaes daquilo a que Milroy e Milroy (1999)
chamaram ideologia da padronizao, ou ideologia da lngua padro. Ainda que de modo
por vezes no declarado, ou mesmo apenas subliminar, a ideia de lngua padro nunca est
verdadeiramente ausente das discusses sobre variao e mudana lingustica, pelo que
proponho considerar o problema que nos ocupa sob essa perspectiva.
Pode, de facto, revelar-se produtivo pensar as mudanas em causa como parte de um, ou
vrios processos de padronizao em curso e algumas das atitudes relativas aos mesmos comomanifestaes da ideologia que sempre parece acompanh-los. Por um lado, talvez assim se
tornem mais claros os paralelos e as diferenas entre o que aconteceu no crculoexterior e o
que est j a ocorrer com as propostas de reconceptualizao do ingls no crculo em
expanso. Por outro lado, talvez assim seja mais fcil no perder de vista que, na relao entre
velhas e novas variedades, podemos estar apenas perante uma extenso do que sempre se
passou nos prprios pases do crculo interior, e nomeadamente na Inglaterra, com a relao
entre o ingls padro e os dialectos regionais.
-
8/8/2019 Antnio M. A. Gonalves - Que lngua falamos, quando falamos ingls
25/105
23
4. O ingls embalsamado ou o regresso a Babel?
Para alguns, a multiplicidade de normas locais exige um esforo acrescido no sentido da
difuso do ingls padro, predominantemente com a sua dupla face britnica e norte-
-americana, como forma de garantir a inteligibilidade. Para outros, o que necessrio a
padronizao das novas variedades, como forma de reconhecimento do seu carcter
endonormativo e do policentrismo da nova condio do ingls no mundo de hoje. Quirk
(1985; 1990) e Kachru (1985; 1991), parecem ter demarcado o territrio de cada uma destas
posies, o primeiro insurgindo-se contra os malefcios de uma lingustica da libertao, o
segundo contra uma lingustica do dfice, que encara a diferena como erro. As palavras de
Quirk mais frequentemente citadas e criticadas (1985: 6) justificam a necessidade de um
padro pelas suas vantagens pedaggicas no ensino do ingls como segunda lngua e como
lngua estrangeira:
The relatively narrow range of purposes for which the non-native needs touse English (even in ESL countries) is arguably well catered for by a singlemonochrome standard form that looks as good on paper as it sounds inspeech. There are only the most dubious advantages in exposing the learnerto a great variety of usage, no part of which he will have time to masterproperly, little of which he will be called upon to exercise, all of which is
embedded in a controversial sociolinguistic matrix he cannot be expected tounderstand.
O tom paternalista de Quirk parece particularmente deslocado nos dias de hoje, quando
se confronta a sua ideia da limitao funcional dos usos do ingls pelos no nativos com o que
efectivamente se passa em inmeros contextos. Nos pases do crculo exterior, a sua funo
alargou-se aos mais variados domnios e em alguns deles j a escolha no marcada a
lngua a que os falantes espontaneamente recorrem em numerosas interaces, mesmo de
natureza informal (McKay 2002: 37).
Mas mesmo nos pases em que mais frequentemente se opta por orientar o ensino da
lngua para fins ditos especficos, presumindo precisamente que os falantes apenas tero
necessidade de usar o ingls para o desempenho de um conjunto muito restrito de tarefas
profissionais, cada vez mais comum que a exposio, muitas vezes informal, a uma gama
variada de registos, acabe na prtica por comprometer a presumvel eficcia e o relativo
conforto de uma uniformidade suficiente que a disseminao exclusiva do padro (aqui
quase sinnimo de mnimo denominador comum) pareceriam favorecer.
-
8/8/2019 Antnio M. A. Gonalves - Que lngua falamos, quando falamos ingls
26/105
24
Deixando em suspenso uma possvel definio da realidade lingustica que o conceito
de Standard English procura nomear, talvez seja mais pertinente sumariar os objectivos a
atingir pelo processo do qual essa realidade o sempre provisrio produto. O ideal a atingir
num processo de padronizao lingustica, segundo Haugen (2003: 419), consistiria em
assegurar a mnima variao formal, resultado de uma fase de codificao da lngua, e a
mxima variao funcional, resultado da fase de elaborao. Ora, uma vez que a mudana
lingustica permanente, nem o processo de padronizao alguma vez verdadeiramente se
conclui, nem a ausncia total de variao formal se pode concebivelmente consumar. isso
que justifica que Milroy e Milroy (1999: 19) e Milroy (2000: 13) prefiram tratar a
padronizao como uma ideologia e as lnguas padro como idealizaes conjuntos
abstractos de normas das quais o uso efectivo da lngua apenas relativa e variavelmente se
aproxima. O que no impede que uniformidade e invariabilidade sejam altamente valorizadas
e que, em consequncia, ainda que a padronizao no tenha o poder de impedir a mudana, a
ideologia que a sustenta tenha pelo menos o condo de a inibir:
As for standardisation (...) there should be no illusion as to what its aimactually is: it is to fix and embalm (Samuel Johnsons term) the structuralproperties of the language in a uniform state and prevent all structuralchange. No one who is informed about the history of the standard ideology
can seriously doubt this. The intention is to prevent change: the effect is toinhibit it. (Milroy 2000: 14)
Convm tornar claro que a supresso (ideal) da variabilidade, inerente ao processo de
padronizao, no , em si mesma, uma manifestao de intolerncia, nem o prescritivismo
caucionado pela codificao da lngua tem necessariamente motivaes repressivas, embora
possam servir para justificar os estigmas lanados por certos puristas, linguistas amadores e
outros utilizadores, em geral, pouco informados. Tal como acontece noutros domnios, o
estabelecimento de um padro lingustico decorre da necessidade de evitar mal-entendidos ede garantir a eficincia, convencionando uma medida que todos reconheam em toda a
parte.
No que lngua inglesa diz respeito, porm, todos so hoje cada vez mais, e em toda
a parte tem um significado muito (alguns, como j vimos, diriam mesmo excessivamente)
literal. Os factores de desagregao seriam mais fortes do que os factores de coeso e tamanha
variao lingustica, real e/ou potencial, no poderia deixar de suscitar reaces negativas. A
uniformidade ideal da lngua nunca antes pareceu to ameaada, pelo que a ideologia dapadronizao que acompanhou as duas disporas do ingls dificilmente deixaria de se
-
8/8/2019 Antnio M. A. Gonalves - Que lngua falamos, quando falamos ingls
27/105
25
manifestar num momento em que no s se reclama, e se vem obtendo, o reconhecimento
pleno das novas variedades locais, que estariam j em processo de padronizao, como
tambm h quem preveja, ou defenda, a emergncia de um padro internacional no
coincidente com nenhuma das normas dominantes:
The ideology of standardisation requires not only that the English in theBritish Isles should be as uniform as possible, but also that it should beuniform in other places throughout the world where English has beenimplanted. Thus this ideology affects not only North America andAustralasia, but also the English of other post-colonial countries, such as theCaribbean islands and India. (Milroy e Milroy 1999: 19-20)
Pelo menos em parte, a resistncia ao reconhecimento da legitimidade das novas
variedades seguramente expresso da ideologia da padronizao e prolongamento natural do
estigma antes associado aos dialectos regionais, embora possa igualmente manifestar o
legtimo receio de que a divergncia e a fragmentao decorrentes da localizao do ingls
acabem por comprometer a inteligibilidade e a funo de lngua franca que ele estaria em
posio privilegiada para desempenhar pela globalizao do seu uso. Mas ainda quando as
novas variedades so finalmente admitidas, a superioridade mtica e a relativa estabilidade das
normas dos pases em que o processo de padronizao mais claramente se consolidou afirma-
-se em impulsos proprietrios sobre os quais Widdowson ironizou na palestra j citada:
As the language spreads, there are bound to be changes out on theperiphery; so much can be conceded. But these changes must be seen notonly as peripheral but as radial also and traceable back to the stable centreof the standard. If this centre does not hold, things fall apart, mere anarchyis loosed upon the world. Back to Babel. (Widdowson 1993: 163; 2003: 36)
Tambm segundo Widdowson, semelhantes receios so infundados, no que est de
acordo com a j citada Brutt-Griffler, mas tambm com Crystal, que acha mais provvel, ou
mesmo iminente, a emergncia de um World Standard Spoken English (1997: 136-37), ou de
um International Standard English (2004: 38-39), o qual, numa espcie de situao de
triglossia, passaria a coexistir com os dialectos locais e as variedades nacionais, ou com as
outras lnguas nacionais e respectivos dialectos. Mas h questes de ordem prtica que
concorrem para a dificuldade de reconhecer certas manifestaes de variao como instncias
de uma nova variedade e, por maioria de razo, como sinais de um padro emergente, quer a
nvel nacional, ou regional, quer a nvel internacional.
-
8/8/2019 Antnio M. A. Gonalves - Que lngua falamos, quando falamos ingls
28/105
26
5. Padres locais: as novas variedades de ingls do crculo exterior
O ainda insuficiente conhecimento das novas realidades lingusticas torna difcil
demarcar e caracterizar as possveis variedades no interior de cada pas e concluir se usos
particulares so produto da interferncia da primeira lngua dos falantes, de uma falta de
domnio do ingls e/ou de criatividade lingustica. A classificao desses usos e das variaes
detectadas em cada pas parece muitas vezes uma simples questo de perspectiva. Segundo
Bamgbose (1992: 151-54), por exemplo, nas tentativas de explicar as diferenas entre as
variedades nigerianas do ingls, os linguistas dividem-se precisamente entre os que as
caracterizam pelo grau de interferncia das lnguas maternas (o que sobretudo relevante para
o caso da variao fonolgica, mas tem escassa utilidade para explicar variaes lxico-
-gramaticais); aqueles que as tratam por comparao com o ingls nativo, do que resulta a
classificao das diferenas encontradas como desvios; e, por fim, aqueles cuja abordagem
aprecia as diferenas enquanto explorao criativa dos recursos disponibilizados pelas lnguas
nigerianas e pelo ingls. Todas as abordagens revelam uma parte da realidade, mas todas
esto limitadas pelos seus pressupostos (ou preconceitos), pelo que Bamgbose sugere uma
conjugao das trs, embora reconhea que inevitvel um certo grau de subjectividade,
quando se trate de julgar determinados usos do ingls nigeriano como aceitveis ou no.Porm, o carcter subjectivo, ou pelo menos extra-lingustico, dos juzos de
aceitabilidade tambm um dos traos identificadores da ideologia da padronizao e no me
parece sequer imaginvel que o fenmeno de nativizao da lngua inglesa possa ocorrer sem
uma concomitante nativizao da ideologia. No apenas o ingls, portanto, que deixa de
ser propriedade dos seus falantes nativos. Para que a apropriao da lngua que as novas
variedades constituem possa consumar-se, mais tarde ou mais cedo far-se- sentir a
necessidade de uma referncia prescritiva endgena sobre a norma local, uma medida queos falantes reconheam, o seu prprio ideal de lngua, ou seja, um novo padro.
De facto, uma vez identificados e descritos os usos lingusticos dos pases do crculo
exterior, qualquer que seja a sua variao relativamente aos modelos nativos, podemos falar
deles como parte de uma norma lingustica autctone em processo de padronizao.
Bamgbose (1998: 3) estabelece cinco critrios para avaliar se uma inovao local pode ou no
ser considerada norma: o demogrfico (quantos falantes a utilizam); o geogrfico (qual a sua
difuso no pas); o de autoridade (quem usa essa inovao); a sua codificao (onde que ouso reconhecido) e a sua aceitabilidade (qual a atitude de utilizadores e no utilizadores
-
8/8/2019 Antnio M. A. Gonalves - Que lngua falamos, quando falamos ingls
29/105
27
perante a nova forma). Uma vez que Bamgbose considera que os factores decisivos para
classificar uma inovao como norma so a sua codificao, em dicionrios e manuais, e o
facto de ser aceite pela generalidade dos falantes, podemos voltar ao encontro de Haugen
(2003) e das suas fases do processo de padronizao de uma lngua.
Talvez o modelo de Haugen no possa ser integralmente transferido para estes novos
contextos sem algumas reservas, mas no me parece descabido estabelecer comparaes.
Aquilo a que Mazzon (2000: 78-79) chama ciclo de vida dos New Englishes no pode
deixar de conter as etapas de aproximao a um conjunto normativo partilhado e partilhvel
pelo maior nmero de falantes no interior da comunidade lingustica. A seleco da variedade
que vai servir de base ao futuro padro de uma lngua poderia aqui corresponder ao primeiro
momento do ciclo, a que se tem chamado indigenizao. O segundo momento, a fase de
expanso, em que a lngua escolhida v o seu uso interno alargar-se a um cada vez maior
nmero de domnios, corresponderia, pelo menos parcialmente, fase de elaborao funcional
da terminologia de Haugen (2003: 418), a qual se consumaria no momento subsequente do
ciclo, a institucionalizao da nova variedade, em que esta possui j uma completa gama de
registos e estilos, bem como uma literatura prpria (Mazzon 2000: 79). tambm nesta fase
que a nova variedade da lngua adquire para os seus falantes um valor identitrio e em que a
variedade estigmatizada passa a ser aquela cujas formas mais se aproximam do velho modelo
nativo (Bamgbose 1992: 149-50).
A codificao defendida por Bamgbose (1998) prende-se com a necessidade de dar aos
falantes das novas variedades a segurana de que precisam quanto natureza endonormativa
das formas lingusticas localmente consagradas. Sem referncias de autoridade relativamente
correco dos usos correntes da variedade local, ser inevitvel o recurso s variedades h
muito codificadas e, portanto, a padres exonormativos, o que apenas perpetuar a ideia de
que os usos locais que deles se afastem so, simplesmente, errados:
Crucial to the entrenchment of innovations and non-native norms iscodification. Without it users will continue to be uncertain about what is andwhat is not correct and, by default, such doubts are bound to be resolved onthe basis of existing codified norms, which are derived from anexonormative standard. Codification is therefore the main priority of themoment, and it is to be hoped that research and collaboration in the futurewill be directed toward this objective. (Bamgbose 1998: 12)
-
8/8/2019 Antnio M. A. Gonalves - Que lngua falamos, quando falamos ingls
30/105
28
6. Um ingls padro internacional?
Embora no se possa nunca excluir o papel desempenhado por factores extra-
-lingusticos, envolvendo, por exemplo, questes de afirmao de independncia e de
identidade nacional, classificar o ingls usado num determinado contexto scio-cultural como
nova variedade, ou mesmo como norma-padro emergente j no apenas em pases do
crculo interior, como a Austrlia, a Nova Zelndia, a Irlanda e o Canad, mas tambm em
pases do crculo exterior, como a ndia, Singapura ou a Nigria justifica-se, sobretudo, pela
identificao de graus de afastamento sistemtico relativamente a um padro bipolar (ingls e
norte-americano) mais ou menos estabilizado. Como j antes vimos, esta tendncia centrfuga
pareceria apontar o caminho de uma divergncia crescente, que os processos de codificao e
estabilizao das novas variedades, com a sua progressiva adopo como modelos autctones
para o ensino da lngua, s poderiam contribuir para acentuar. Para alguns, no entanto,
tendncias divergentes e convergentes podem ocorrer simultaneamente, no atingindo de
igual modo a totalidade do sistema lingustico do ingls:
() varieties of English around the world, while they may demonstratelexical convergence, are diverging phonologically: accents of English fromNew Zealand to the United States are getting less like one another, not more.(Trudgill 2002d: 180)
Indo alm mesmo dos aspectos fonolgicos, no ser difcil observar maiores
divergncias entre variedades do ingls no plano da expresso oral. Contudo, quando se fala e
se pensa em ingls padro, quase sempre por referncia ao cdigo escrito, uma vez que at
muito recentemente no se poderia verdadeiramente falar de uma codificao da gramtica
do ingls falado, situao que apenas comeou a ser alterada com o surgimento de trabalhos
como os de Biber et al (1999) e Carter e McCarthy (2006). No que escrita diz respeito, noh dvidas quanto a uma menor variao nos usos do ingls um pouco por todo o mundo. Mas
tambm no podemos ignorar que, aos materiais impressos dos meios de comunicao
tradicionais, que tero necessariamente contribudo para o elevado grau de uniformizao da
lngua escrita, se vieram no ltimo sculo juntar meios de comunicao de massas, de mais
rpida circulao e consumo, que forosamente tero papel semelhante tambm no plano da
lngua oral, impedindo os padres locais de se afastarem excessivamente uns dos outros em
qualquer dos nveis do sistema lingustico, ou contribuindo mesmo para a sua convergncia
(Greenbaum 1996: 14).
-
8/8/2019 Antnio M. A. Gonalves - Que lngua falamos, quando falamos ingls
31/105
29
Podemos, portanto, voltar posio de vrios autores relativamente existncia, ou
emergncia, de um ingls padro internacional, que Crystal mais reiteradamente tem
defendido em termos muito semelhantes (por exemplo, Crystal 1988; 1995; 1997; 2004) e
retomar a ideia de convergncia favorecida pelo mais frequente contacto entre utilizadores do
ingls de todo o mundo, para questionar o alcance do conceito e o seu significado prtico:
Teachers already routinely draw attention to local lexical and grammaticaldifferences, such as UKpavement, US sidewalkand Australianfootpath, butthe perspective is invariably from one of these varieties towards the others.Someone teaching British English draws attention to American alternatives,or vice versa. It may not be many years before an international standard willbe the starting-point, with British, American and other varieties all seen asoptional localizations. (Crystal 2004: 40)
Se parece que podemos dar como adquirido que a ameaa de babelizao nos
domnios da anglofonia um receio infundado, j esta ideia de um padro internacional
parece demasiado vaga, uma vez que no se baseia em nenhuma descrio de corpus e muito
menos parece passvel de aplicao pedaggica (Erling 2004: 62). Tal como ao centro de
gravidade do World English, que Brutt-Griffler no considera sequer uma variedade do
ingls (2002: 177), e muito menos um padro, falta ao conceito sustentao emprica. O
mesmo se passa, alis, com o World Standard English de McArthur (1998: 97), no obstanteuma importante ressalva, feita alguns anos mais tarde, e contida na primeira frase da seguinte
passagem:
A world standard for English cannot be wished into existence simply bygiving it some names. However, the fact that several commentators have fora number of years been feeling for the rightkind of name (or names) forsuch a phenomenon is evidence that something of the kind already exists oris coming into existence. () It is already widely agreed that English is the
worlds lingua franca, but a paradoxically prestigious and high-level linguafranca can hardly be said to exist if it does not have a consistent form. Thecardinal evidence for such a standard is in fact already largely in place andmanifest almost everywhere, notably in the international media (print, radio,television and electronic) and in the worlds fluent arrangements for travel,business, sport, and many other activities. (McArthur 2002: 447)
McArthur continua o seu raciocnio aludindo quilo a que anteriormente chamara os
indicadores objectivos de que uma variedade possui j o seu prprio padro (ibidem: 443),
como sejam, os mecanismos habituais de codificao (os dicionrios, gramticas e manuais deestilo que teriam j comeado a aparecer) e ainda um cnone literrio. Deste, no apresenta,
-
8/8/2019 Antnio M. A. Gonalves - Que lngua falamos, quando falamos ingls
32/105
30
de facto, qualquer prova. E, a avaliar pelos exemplos de dicionrios e gramticas que cita em
seguida, parecemos estar apenas perante o progressivo reconhecimento acadmico da
existncia de mltiplas variedades padronizadas, em plano de igual legitimidade, e no ainda
de um nico padro. Um pouco mais adiante, porm, ir reforar a ideia, aparentemente
paradoxal, mas que essencialmente uma extenso das realidades lingusticas nacionais, de
uma convivncia entre diferentes, mas iguais:
A federation of standards appears therefore to be already with us, anevolving super-standard that is comfortable with both territorial andlinguistic diversity. Such a World/International Standard English is in effectan ad hoc global balancing-out of the practices of publishers, educationalinstitutions, governmental departments, legal institutions, and the like in
many places, much indeed as in the past, but of necessity with a moreequitable response to social and cultural sensitivities than in the past.(McArthur 2002: 448)
Esta espcie de compromisso neutralizador, produzido por prticas institucionais,
parece ter implcito um conceito de lngua padro em que se minimiza o nico critrio
estritamente lingustico, a ideia de uniformidade, para se dar maior importncia a factores
extra-lingusticos e puramente valorativos, que so tambm manifestaes da ideologia da
padronizao, como o prestgio (Milroy 2001: 533) ou, como parece ocorrer no caso vertente,
uma ideia de igualitarismo, ou de igual prestgio, justificada pela necessidade de no ferir
susceptibilidades, ou de ser politicamente correcto, como j nos habitumos a dizer,
inevitavelmente traduzindo do ingls.
E, no entanto, se tantos sinais parecem apontar no sentido da convergncia, ou pelo
menos da manuteno da inteligibilidade, entre as mltiplas variedades do ingls,
seguramente porque existe um ncleo de traos lingusticos reconhecidos e/ou reconhecveis
pela generalidade dos falantes. O que alguns autores sugerem que esses traos partilhados
podero ser caractersticos dos usos do ingls como lngua franca ( English as a Lingua
Franca ELF), ou como lngua internacional (English as an International Language EIL),
e no necessariamente identificveis com as variedades padro inglesa ou americana, no que
poderia adivinhar-se uma certa endonormatividade, ainda que embrionria, e a potencial
emergncia de uma variedade verdadeiramente internacional. Para que essa potencial
variedade possa verdadeiramente ser padronizvel e aceite pelos seus falantes enquanto
padro, necessrio dar um conjunto de passos sucessivos de reconceptualizao do ingls
enquanto lngua internacional e de descrio e codificao dos seus usos.
-
8/8/2019 Antnio M. A. Gonalves - Que lngua falamos, quando falamos ingls
33/105
31
Concluindo este captulo em jeito de sumrio, podemos dizer que a difuso do ingls e a
sua apropriao por utilizadores em todo o mundo constituem factores de mudana que
obrigam a repensar a prpria natureza da lngua e o papel que falantes nativos e no nativos
podem ter na sua mudana. No tanto a relevncia dos primeiros que est em causa, mas
sim a sua preponderncia presente e futura.
A emergncia de variedades locais/nacionais, que se afastam entre si e dos padres
nativos dominantes, compensada pela necessidade de comunicao internacional, que
favorece a preservao de caractersticas partilhadas e mutuamente inteligveis. A existir um
conjunto identificvel de traos partilhados, tal ficar a dever-se maioritariamente aco de
falantes no nativos, uma vez que se calcula que 80% das interaces mediadas pelo ingls
em todo o mundo envolvam apenas pessoas com outras lnguas maternas (Beneke 1991,
citado em Seidlhofer 2004: 209).4 Assim sendo, talvez seja altura de comear a questionar
afirmaes como a seguinte:
The true repository of the English language is its native speakers, and thereare so many of them that they can afford to let non-natives do what they likewith it so long as what they do is confined to a few words here and there.(Trudgill 2002c: 151)
O argumento demogrfico, como j vimos, o mais fraco que pode ser avanado emfavor do papel dos falantes nativos, como Seidlhofer (2005: 63) fez notar em resposta a estas
mesmas palavras:
() it is a simple fact that in the unparalleled situation English finds itselfin, native speakers have ceased to be the only true repository of thelanguage: precisely following Trudgills own logic, if it is the numbers ofspeakers that are decisive then ELF [English as a Lingua Franca] speakerscan do to the language what they like as it is they that are in the majority.
O indesmentvel desequilbrio da balana demogrfica no encontra ainda, porm, uma
correspondncia no conhecimento da lngua efectivamente falada no lado do prato mais
pesado. O ingls utilizado como lngua franca suspendendo para j o impulso de o
4 Como Trudgill observou (2005: 78), um maior nmero de falantes no equivale a um maior nmero deinteraces: enquanto que os falantes nativos usam geralmente o ingls em todas as situaes do quotidiano, paratodo o tipo de funes, e muitos dos falantes do ingls como segunda lngua usam com frequncia o ingls naescola e no trabalho, mas no em casa; os falantes do crculo em expanso usam-no quase exclusivamente para
contactos internacionais, em domnios, regra geral, menos variados. Uma simples soma do nmero deinteraces ainda daria, provavelmente, vantagem aos falantes nativos. O que se pode dizer com mais segurana que os no nativos so quase seguramente dominantes em situaes de comunicao internacional.
-
8/8/2019 Antnio M. A. Gonalves - Que lngua falamos, quando falamos ingls
34/105
32
classificar como variedade ou como padro internacional de todos o menos
conhecido. deste ingls, objecto de um trabalho de reconceptualizao e descrio iniciado
na ltima dcada, que me ocuparei no prximo captulo.
-
8/8/2019 Antnio M. A. Gonalves - Que lngua falamos, quando falamos ingls
35/105
33
Captulo II ELF: A funo procura de uma forma
The new language which is rapidly ousting the language of
Shakespeare as the worlds lingua franca is English itself
English in its new global form. () this is not English as wehave known it, and have taught it in the past as a foreign
language. It is a new phenomenon, and if it represents any
kind of triumph it is probably not a cause of celebration by
native speakers.
(Graddol 2006: 11)
1. O ingls no uma lngua estrangeira - ELF vs. EFL
Em linguagem corrente, quando se fala do ingls como lngua franca, designa-se a
funo que a lngua efectivamente desempenha em inmeros contextos. O que a expresso
passa a designar, no trabalho de reconceptualizao em curso, necessariamente mais do que
isso, aquilo a que chamaria uma funo procura de uma forma.
A necessidade de reconceptualizar o ingls enquanto lngua franca resulta da deslocaodo centro de gravidade produzida pela actual distribuio demogrfica dos falantes, de que
falei no captulo anterior. O objectivo que se procura atingir que os comportamentos
lingusticos da esmagadora maioria dos falantes de ingls sejam apreciados pelo que
efectivamente so: instncias de comunicao mediadas por um sistema lingustico que
obedece s suas prprias regras, e no desvios relativamente s normas de comunidades
lingusticas restritas, com direito de preferncia adquirido por antiguidade e natividade.
imperativo conhecer melhor a lngua usada por esta comunidade planetria, no partindo dopressuposto de que ela o simples produto de redues e contaminaes mais ou menos
aleatrias, ou um cdigo empobrecido para satisfao de necessidades bsicas. Mas ainda que
o fosse, ou ainda que o seja, a sua existncia suficiente para justificar uma investigao
rigorosa e sistemtica.
Das reflexes e debates em curso parece j ter resultado a adopo de um acrnimo para
designar o novo objecto de estudo: ELF (English as a Lingua Franca). O termo tem vindo a
ganhar terreno, entre os investigadores que se dedicam descrio do ingls usado como
meio de comunicao internacional, sobre uma designao alternativa, English as an
-
8/8/2019 Antnio M. A. Gonalves - Que lngua falamos, quando falamos ingls
36/105
34
International Language (EIL). Este segundo, sendo tambm por vezes abreviado para
International English, presta-se facilmente a confuses e ambiguidades que interessa evitar.
Por exemplo, International English o ttulo de uma obra de Trudgill e Hannah (4 edio,
2002), que tem como objecto, essencialmente, as variedades nativas, com dois captulos finais
dedicados aos crioulos de base inglesa das Carabas e s principais variedades do ingls como
segunda lngua. O que a obra de Trudgill e Hannah exclui o ingls usado
predominantemente, ainda que no exclusivamente, por (e entre) falantes dos pases do
crculo em expanso, precisamente aquele a que o EIL, de facto, se refere (Jenkins 2006a:
160).
Para alm de ser uma abreviatura conveniente, o acrnimo ELF presta-se na perfeio
ao jogo de reajustamento conceptual em causa: basta inverter a ordem das segunda e terceira
iniciais que nos habitumos a usar no ensino do ingls como lngua estrangeira, EFL passa a
ELF (English as a Foreign Language passa a English as a Lingua Franca), para podermos
observar a realidade sob outra perspectiva. De facto, de uma mudana de perspectiva que se
trata. Os falantes de ingls do crculo em expanso de Kachru (porque a estes que o EFL se
aplica), deixariam de ser concebidos como estrangeiros, ou como aqueles para quem o
ingls uma lngua estrangeira, para serem entendidos como falantes da lngua por direito
prprio, ultrapassando a viso exclusiva que est implcita no ensino das lnguas estrangeiras
em geral:
EFL approaches, like all foreign languages