antónio m. a. gonçalves - que língua falamos, quando falamos inglês

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  • 8/8/2019 Antnio M. A. Gonalves - Que lngua falamos, quando falamos ingls

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    UNIVERSIDADE DE LISBOA

    FACULDADE DE LETRAS

    DEPARTAMENTO DE ESTUDOS ANGLSTICOS

    Que lngua falamos,quando falamos ingls?

    Para o estudo do ingls como lngua de comunicao

    internacional

    Antnio Manuel Azevedo Gonalves

    MESTRADO EM ESTUDOS ANGLSTICOS(Lingustica Inglesa)

    2007

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    1

    UNIVERSIDADE DE LISBOA

    FACULDADE DE LETRAS

    DEPARTAMENTO DE ESTUDOS ANGLSTICOS

    Que lngua falamos,quando falamos ingls?

    Para o estudo do ingls como lngua de comunicao

    internacional

    Dissertao orientadapela Prof. Doutora Maria Lusa Fernandes Azuaga

    e pelo Prof. Doutor Carlos A. M. Gouveia

    Antnio Manuel Azevedo Gonalves

    MESTRADO EM ESTUDOS ANGLSTICOS(Lingustica Inglesa)

    2007

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    Agradecimentos

    De diferentes maneiras, vrias pessoas foram obrigadas a dar uma ajuda para que este

    trabalho acabasse reduzido a escrito e merecem, por isso, que lhes diga obrigado, ressalvando

    embora que nenhuma delas pode ser responsabilizada pelas insuficincias do resultado final:

    Ester (a mais exigente e menos entusistica das leitoras), por tudo, simplesmente. Ao

    Carlos e ao professor Carlos A. M. Gouveia, pela impacincia e pelos empurres.

    professora Lusa Azuaga, pela (exagerada) confiana.

    I would also like to thank professor Jennifer Jenkins, who generously allowed me to

    read part of her forthcoming book, and helped me find the key.

    Duas amigas e colegas tiveram que ser especialmente pacientes nos ltimos meses e

    prefiro agradecer-lhes do que pedir-lhes desculpa: a Natlia, que teve que ouvir falar de ELF

    mais vezes do que saudvel, e a (outra) Lusa, que foi mais compreensiva com as minhas

    divididas atenes no local de trabalho.

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    ii

    Resumo

    Esta dissertao tem como ponto de partida a situao sem precedentes criada pela

    difuso da lngua inglesa no mundo, que se caracteriza pelo facto de o nmero de falantes

    nativos ser inferior ao de falantes no nativos e por um crescente nmero de interaces

    mediadas pelo ingls em que apenas os segundos participam. Se as normas das variedades

    nativas, nestas circunstncias, so ainda as que melhor podem assegurar a inteligibilidade

    internacional, a dvida que recentemente tem vindo a ser suscitada.

    Numa nova rea de investigao a que se tem chamado ELF ( English as a lingua

    franca), alguns linguistas alargaram aos usos do ingls no crculo em expanso a perspectiva

    endonormativa que permitira j o reconhecimento de variedades do ingls no crculo exterior.

    O principal objectivo averiguar se existem caractersticas especficas dos usos do ingls

    como lngua franca que sejam partilhadas pela maioria dos falantes de ELF.

    Apresento sumariamente as concluses de alguma da investigao j desenvolvida

    sobre a pragmtica, a lxico-gramtica e a fonologia do ELF, as quais parecem sugerir que

    podemos estar em presena de um ncleo de traos bastante difundidos, que seriam

    suficientes para justificar a substituio da perspectiva deficitria inerente ao ensino do

    ingls como lngua estrangeira, desde que o trabalho descritivo torne possvel a codificao e

    que a variao detectada venha progressivamente a ser aceite.

    Por fim, reflicto sobre as implicaes de alargar a perspectiva endonormativa aos usos e

    ao ensino de gneros valorizados, uma vez que as comunidades acadmica e cientfica

    parecem bastante dependentes das normas das variedades nativas. Ainda que haja sinais de

    uma mudana, provocada pelo nmero crescente de falantes no nativos, as convenes

    genolgicas continuam marcadas pelo enviesamento nativista. A orientao exonormativa

    dos falantes no nativos que pretendam aceder a estas comunidades , assim, compreensvel,

    tal como a abordagem contrastiva adoptada no ensino do ingls para fins acadmicos.Para explicar o tipo de dificuldades que esta perspectiva cria a quem aprende ingls,

    recorro ao quadro da gramtica sistmico-funcional, observando o modo como so realizadas

    as trs variveis do registo (campo, relaes e modo), com destaque para os problemas

    colocados pelos recursos interpessoais.

    Palavras-chave: World English; ELF (ingls como lngua franca); EFL (ingls como lngua

    estrangeira); gnero; registo.

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    iii

    Abstract

    This dissertation takes as its starting point the unprecedented situation created by the

    spread of English around the world, in which non-native speakers outnumber native speakers,and increasingly use the language to interact with one another, rather than with native

    speakers. Whether in this kind of interaction inner circle norms remain the most likely to

    ensure international intelligibility has recently been called into question.

    Within a new field of research known as ELF (English as a Lingua Franca), some

    linguists have extended to the uses of English in the expanding circle the endonormative

    perspective which has already ensured the recognition of outer circle varieties. The primary

    aim is to establish whether there are characteristics specific to the uses of English as a linguafranca that are distinct from native varieties and shared by most ELF users. I summarise the

    conclusions of some of the research carried out in recent years on the pragmatics,

    lexicogrammar and phonology of ELF. These seem to indicate we could at least be in the

    presence of a core of widespread features which would justify overturning the deficit

    perspective inherent in the teaching of English as a foreign language, providing the

    descriptive groundwork makes a codification possible, and acceptance of the detected

    variation then follows.

    Finally, I explore the implications of extending the endonormative approach to the uses

    and teaching of valued genres, since academic and scientific discourse communities appear to

    be heavily dependent on the norms of native varieties. Even though signs of an ongoing

    change caused by the growing number of non-native speakers are already apparent, a native-

    speaker bias is still operative in the gatekeeping role played by genre conventions. This

    explains both the exonormative orientation of non-native users who wish to gain entrance to

    such communities, and the contrastive approach adopted in the teaching of English for

    academic purposes (EAP).

    In order to explain the kind of difficulties this bias creates for learners and further stress

    the need for a change of perspective, I resort to the systemic-functional grammar framework,

    considering how speakers/writers typically negotiate the three variables of register (field,

    tenor and mode), with special emphasis on the problems posed by interpersonal resources.

    Keywords: World English; ELF (English as a lingua franca); EFL (English as a foreignlanguage) genre; register.

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    ndice

    Resumo....................................................................................................................................... ii

    Abstract .....................................................................................................................................iii

    Introduo Um ingls excntrico ............................................................................................ 5

    Captulo I Ingls no mundo ou ingls do mundo? ................................................................ 10

    1. Demografia e propriedade................................................................................................ 10

    2. Pizza ouBig Mac?............................................................................................................14

    3. Divergncia e convergncia ............................................................................................. 18

    4. O ingls embalsamado ou o regresso a Babel? ................................................................23

    5. Padres locais: as novas variedades de ingls do crculo exterior ................................... 26

    6. Um ingls padro internacional?...................................................................................... 28

    Captulo II ELF: A funo procura de uma forma............................................................. 33

    1. O ingls no uma lngua estrangeira - ELF vs. EFL ..................................................... 33

    2. Conceito(s) e objecto(s) ................................................................................................... 37

    3. Descries do ELF falado: cooperao e regularizao................................................... 43

    4 . Jennifer Jenkins e a fonologia do ingls como lngua franca.......................................... 504.1. Um modelo realista ................................................................................................... 504.2. Transferncia fonolgica e questes de inteligibilidade ...........................................534.3.Lingua Franca Core: inteligvel, ensinvel, aprendvel ...........................................554.4. Pronncia e acomodao ........................................................................................... 584.5. Crticas, reservas e mal-entendidos........................................................................... 59

    Captulo III Gneros do discurso e o futuro do ELF............................................................. 64

    1. O ingls na universidade, o efeitoMicrosofte o ELFA................................................... 64

    2. Gneros do discurso e competncia comunicativa........................................................... 69

    3. Conhecimento dos gneros e variveis do registo ........................................................... 743.1. Campo ....................................................................................................................... 753.2. Modo ......................................................................................................................... 763.3. Relaes .................................................................................................................... 79

    4. A especificidade intercultural do ELF ............................................................................. 84

    Concluso: A lngua que falamos, quando falamos ingls ...................................................... 90

    Referncias............................................................................................................................... 94

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    Introduo Um ingls excntrico

    Consuetudo loquendi est in motu.

    [the vernacular is always in motion].(Varro, 116-27 a. C.

    citado em Chambers et al 2002)

    I feel I am always dealing in linguistic half-truths.

    (Crystal 2007: xi)

    Para um professor de ingls que levante a cabea do manual escolar e olhe para fora da

    sua sala de aula, estes deveriam ser tempos de alguma inquietao. O ingls l fora j no oque era. As condies em que a lngua ensinada, porm, bem como a insuficiente traduo

    da lingustica aplicada em aplicaes da lingustica, sustentam uma confortvel fico de

    estabilidade e uniformidade quanto matria leccionvel. Contudo, ela move-se.

    As pginas que se seguem so uma reflexo sobre mudana e variao lingusticas e

    sobre a necessidade de actualizar alguns conceitos para melhor compreender o que de novo se

    passa com a lngua inglesa que julgvamos conhecer. Esta no , contudo, uma reflexo sobre

    a lngua dos ingleses, antes uma reflexo sobre a nossa lngua inglesa. No umareflexo, portanto, sobre essa lngua estrangeira que a escola (pensa que) ensina, mas sobre a

    lngua franca que talvez devesse ensinar. Aquilo que aqui proponho , num primeiro

    momento, explicar de que modo o ingls como lngua franca recentemente se imps

    considerao dos linguistas. Em seguida, tentarei dar conta do que estes mesmos linguistas j

    fizeram para o descrever e caracterizar. Por fim, procurarei antecipar linhas de investigao

    possveis num quadro terico que permita dar conta dos usos da lngua em toda a sua gama

    funcional.

    A difuso acelerada do ingls a que assistimos no ltimo meio sculo no um

    fenmeno de distribuio de um produto acabado, comparvel exportao de um

    refrigerante ou de um electrodomstico. Se a lngua est em permanente mudana, como j

    Varro observava, e se a mudana ocorre tambm por fora dos contextos sociais em que

    usada, o ingls na dispora s poderia ser um conjunto de realidades lingusticas

    diferenciadas. Brutt-Griffler (2002: 138) prope que se pense o ingls no mundo como

    produto da aco de duas foras indissociveis: difuso e mudana, ou mudana em

    consequncia da prpria difuso. Uma das manifestaes desta mudana do ingls no mundo

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    foi o surgimento de variedades de ingls em todos os continentes. So variedades locais,

    nacionais ou regionais, que funcionam em geral como segunda lngua, com funes internas,

    e que tm vindo a ganhar progressivo reconhecimento. Mas o ingls difundiu-se tambm em

    pases que o no adoptaram oficialmente, para os quais muitas vezes a lngua preferencial

    dos contactos internacionais.

    Esta , naturalmente, uma viso simplificada, mas que ajuda a estabelecer diferenas

    historicamente relevantes. Corresponde a uma maneira de representar a distribuio dos

    falantes de ingls em todo o mundo que se tornou familiar: o modelo de trs crculos

    concntricos de Kachru (1985: 12; 1992: 356). Cada um dos crculos representa um conjunto

    de pases e distingue os modos como o ingls neles se estabeleceu, a maneira como

    adquirido/aprendido pelos falantes e as funes que desempenha. Os pases que Kachru

    colocou no inner circle (crculo interior) so aqueles cujos falantes designamos como nativos

    (Reino Unido, Estados Unidos, Irlanda ou Austrlia). O outer circle (crculo exterior)

    compreende pases nos quais o ingls lngua oficial e a segunda lngua da generalidade dos

    falantes (como a ndia ou a Nigria, por exemplo). Finalmente, o expanding circle (crculo em

    expanso) representa o nmero crescente de pases nos quais o ingls se diz lngua estrangeira

    e onde no desempenha (pelo menos oficialmente) funes internas. Sem questionar aqui a

    validade do modelo, adopto as designaes, que passo a usar em traduo, como forma

    abreviada de remeter para contextos sociolingusticos diferentes.

    H, no entanto, outras boas razes para seguir Kachru. De facto, a reflexo que

    proponho nas pginas seguintes inscreve-se numa fase de desenvolvimento recente de um

    paradigma nos estudos da lngua inglesa pelo qual Braj Kachru foi um dos principais

    responsveis. Podemos designar esse paradigma como World English, se quisermossublinhar

    especialmente o carcter planetrio da difuso da lngua, ou World Englishes, se

    pretendermos assinalar como mais relevante a variao da mesma. Numa primeira fase, foram

    essencialmente as variedades do crculo exterior que ocuparam os investigadores, justificandoo uso do plural. Mais recentemente, as atenes de alguns voltaram-se tambm para o que

    acontece nos pases do crculo em expanso e, uma vez que nestes as funes que o ingls

    desempenha so fundamentalmente internacionais, ou seja, a lngua usada para interagir

    com pessoas de outros pases, entrmos numa fase dos estudos do World English a que por

    vezes se chama International English, English as an International Language (EIL), ou

    English as a Lingua Franca (ELF). Sobre as vantagens e desvantagens destas designaes,

    falarei no primeiro captulo, bastando para j dizer que a terceira tem vindo a ser adoptadacada vez com maior frequncia.

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    O enorme nmero de interaces mediadas pelo ingls em contextos internacionais

    justifica que sobre elas exista a curiosidade cientfica de averiguar como que funciona a

    comunicao mediada por uma lngua que, muitas das vezes, no a lngua materna de

    nenhum dos interlocutores. Ser o ingls usado nessas situaes, necessariamente, uma

    espcie depidgin, cujas regras so, em grande parte, circunstancialmente negociadas, ou ser

    possvel que tenha adquirido regras prprias, que o distingam das variedades conhecidas,

    descritas, codificadas e ensinadas? Haver pelo menos um conjunto mnimo de traos

    partilhados que permite a compreenso mtua? Poderemos falar de uma verdadeira variedade

    internacional, ou supranacional, de uma supravariedade ou de um ingls padro internacional?

    Dado o carcter sem precedentes do fenmeno que a expanso do ingls constitui,

    sobretudo por se tratar da primeira lngua viva que tem entre os no nativos o maior nmero

    de utilizadores, sugiro que pode ser metodologicamente proveitoso suspender o juzo

    relativamente a alguns conceitos que herdmos da descrio e classificao de realidades que

    no so absolutamente comparveis com o objecto que nos ocupa, evitando transferi-los para

    este contexto sem previamente questionar a sua adequao.

    Adoptando o ponto de vista do professor de ingls preocupado em estabelecer

    objectivos para os cursos que lecciona, o primeiro pressuposto da minha reflexo pode

    exprimir-se nestes termos: sendo mais provvel que, para a maioria dos alunos das nossas

    escolas, a lngua inglesa venha a ser no futuro, como para a maioria de ns j o no presente,

    essencialmente um instrumento de comunicao com pessoas para as quais o ingls tambm

    no a primeira lngua, no estaro os nossos curricula e as nossas prticas pedaggicas

    desajustados da realidade? Da caracterizao dessa realidade, bem como do que j foi feito e

    se pode ainda fazer para a conhecer melhor, ocupar-me-ei nos trs captulos seguintes, cujos

    objectivos passo a apresentar de forma resumida.

    No primeiro captulo, dou conta do deslocamento do centro de gravidade que o nmerode falantes de ingls no nativos provoca na configurao sociolingustica contempornea e

    da necessidade de retirar consequncias desse facto. A esse descentramento, porque um

    fenmeno peculiar, que no se verificou antes com outras lnguas, no me parece

    despropositado chamar a excentricidade do ingls, jogando com o duplo sentido do termo e

    com um dos esteretipos associados cultura inglesa. Ainda que de forma breve, no poderia

    deixar de dar conta de algumas das preocupaes suscitadas pela posio hegemnica do

    ingls no mundo, bem como pela potencial perda de inteligibilidade provocada peladivergncia entre variedades locais. O papel que a ideologia da padronizao, ou ideologia

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    da lngua padro (Milroy e Milroy 1999), desempenha na resistncia ao reconhecimento de

    novas variedades do ingls merece tambm alguma ateno, at porque esteve no centro de

    um dos debates marcantes na afirmao do novo paradigma dos estudos ingleses a que acima

    aludi (Quirk 1990; Kachru 1991).

    No segundo captulo, comeo por estabelecer uma distino entre lngua franca e lngua

    estrangeira, para concluir que o ingls no uma lngua estrangeira igual s outras. Procuro

    depois definies satisfatrias de ingls como lngua franca, uma vez que a acepo

    corrente de lngua franca pode no traduzir com rigor a realidade em apreo. Em seguida,

    resumo as principais concluses de alguns estudos recentes e de projectos de investigao em

    curso nos domnios da pragmtica, da lxico-gramtica e da fonologia daquilo a que j se

    convencionou chamar, simplesmente, ELF (acrnimo deEnglish as a Lingua Franca). Trata-

    -se de estudos e projectos de investigao cujo objecto o ingls falado e que procuram

    eventuais traos distintivos da lngua usada nas interaces entre falantes no nativos. A

    perspectiva neles adoptada endonormativa, isto , procuram descrever a lngua falada sem

    avaliar como erro as diferenas encontradas, por referncia s normas do ingls padro, mas

    sim como possveis normas emergentes. Por ser a rea em que a investigao est mais

    avanada, dedico especial ateno aos aspectos da pronncia do ingls como lngua franca e

    s propostas de Jennifer Jenkins (2000; 2002) para o estabelecimento de um ncleo mnimo

    de traos que garantam a inteligibilidade.

    O terceiro captulo tem uma natureza essencialmente prospectiva e parte da convico

    de que ser pela explorao da dimenso funcional que se poder obter um conhecimento

    mais profundo do que efectivamente caracteriza os usos do ingls como lngua franca.

    Comeo por fazer referncia a um projecto de investigao em curso, sob a direco de Anna

    Mauranen (2006b), que tem como objecto o ingls usado como lngua franca em contexto

    acadmico. Linguisticamente mais exigente, este um dos contextos que geralmente

    determinam uma orientao exonormativa dos falantes uma aproximao tendencial snormas inglesa ou norte-americana. Sendo o discurso acadmico mediado por gneros cujo

    conhecimento constitui condio de acesso a determinadas comunidades disciplinares,

    pareceu-me importante reflectir sobre esta dimenso da competncia lingustica e

    comunicativa e sobre a natureza das dificuldades que falantes de ingls no nativos sentem na

    aproximao s normas de prestgio. Adoptei, para esse fim, o quadro sistmico-funcional,

    essencialmente porque permite distinguir com clareza diferentes nveis de anlise, isolando os

    recursos lingusticos consoante a metafuno que servem na produo de significado.

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    Em certa medida, a adopo deste quadro terico uma resposta sugesto de Kachru e

    Nelson (2001: 19) sobre o interesse em explorar a perspectiva funcional no estudo dos World

    Englishes. Pode revelar-se particularmente pertinente e interessante desenvolver esta

    perspectiva na investigao futura do ingls como lngua franca, uma vez que os estudos j

    conhecidos sugerem a primazia dada neste tipo de interaco aos aspectos utilitrios, ou seja,

    eficcia na transmisso do significado ideacional, em detrimento das funes textual e

    interpessoal. Ao reflectir sobre as diferenas entre nativos e no nativos na maneira de utilizar

    os recursos das trs variveis do registo (campo, relaes e modo), estou apenas a abrir uma

    porta para possveis investigaes futuras em que se passem a considerar os comportamentos

    lingusticos dos no nativos, inclusive na produo de gneros valorizados, numa perspectiva

    endonormantiva. Mesmo nos meios acadmico e cientfico, observa-se j uma tendncia para

    a eroso acelerada do peso relativo de falantes para os quais o ingls a primeira lngua,

    tornando cada vez mais discutvel a presuno de que as normas nativas so necessariamente

    as que melhor asseguram a inteligibilidade e uma comunicao bem sucedida.

    Sendo o ELF uma rea de investigao que s muito recentemente comeou a adquirir

    autonomia e atendendo a que no se realizaram ainda em Portugal estudos empricos sobre o

    assunto, pareceu-me importante explorar o tema sob um ponto de vista terico, partindo

    embora dos resultados de alguma da investigao j desenvolvida, at como forma de

    desenhar os contornos de um objecto cujo conhecimento pode vir a revelar-se importante na

    redefinio futura de curricula, programas e critrios de avaliao. Ao longo dos meses de

    leituras que resultaram na escrita desta dissertao, deixei-me persuadir da pertinncia de

    estudar o ingls como lngua franca e de, para tal, adoptar uma perspectiva no deficitria

    na anlise do desempenho lingustico dos falantes. No entanto, no ainda possvel fazer

    afirmaes demasiado peremptrias e conclusivas relativamente a uma realidade lingustica

    sobre a qual o que h para descobrir muito mais do que aquilo que j foi descoberto.

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    Captulo I Inglsno mundo ou inglsdo mundo?

    Theres one problem with International English. Its getting

    into the hands of foreigners.

    (orador no identificado, citado em Gnutzmann 1999)

    Sentiu uma pena imensa dos ingleses: deram a sua lngua a

    tanta gente que acabaram por ficar sem lngua alguma. A

    nossa lngua materna, pensou, no pode ser um aeroporto

    por onde transitam as multides apressadas, tem de ser um

    lugar de refgio, um clube com direito de admisso

    reservado.

    (Jos Eduardo Agualusa, 2000.A Substncia de Amor eOutras Crnicas.)

    1. Demografia e propriedade

    A oitava conferncia da European Society for the Study of English (ESSE-8, Londres,

    29 de Agosto a 2 de Setembro de 2006) proporcionou uma observao prtica, em

    microcosmo, da singular situao da lngua inglesa no mundo no incio do sculo XXI. A

    ironia do acontecimento, que estando longe de ser indito, s em tempos recentes se tornou

    possvel, no ter escapado a muitos dos presentes: realizada bem no centro da capital do pas

    onde a dispora da lngua teve incio, tendo os estudos ingleses como motivo congregador, ali

    foi possvel assistir a inmeros seminrios, painis e palestras em que, ou simplesmente no

    havia participantes cuja primeira lngua fosse o ingls, ou a presena destes era to minoritria

    que facilmente passaria despercebida. E, no entanto, o ingls foi a nica lngua utilizada em

    todas as comunicaes, em todas a sesses de perguntas e respostas, bem como, seguramente,na grande maioria das interaces informais em que os participantes se viram envolvidos

    margem dos eventos programados. A ironia ainda mais completa pelo facto de os objectos

    de estudo das disciplinas representadas serem a prpria lngua inglesa e a literatura nela

    produzida.

    seguramente tentador ver nesta ocorrncia o simblico fechamento de um crculo. O

    processo de expanso e difuso, em consequncia do qual a lngua inglesa adquiriu uma

    posio hegemnica, teve aqui, num regresso circunstancial ao centro irradiador, uma

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    manifestao paradoxal do fenmeno de descentramento e expropriao a que tem vindo a

    ser sujeita.

    Desde o incio do perodo dito ps-colonial e em ritmo acelerado com o fenmeno a que

    se convencionou chamar globalizao, situaes como aquela que acima descrevi parecem dar

    plena justificao s palavras de uma muito citada palestra de Widdowson sobre a

    propriedade do ingls (1993/2003) e observao espirituosa que escolhi para primeira

    epgrafe deste captulo. Mas o sentido da passagem habitualmente citada da conferncia de

    Widdowson, retoricamente calculada para produzir um efeito de choque, parece hoje muitas

    vezes ser dado como adquirido, no se questionando o alcance prtico da sua linguagem

    figurada. Julgo por isso pertinente l-la de novo luz de alguns factos relevantes sobre a

    situao actual do ingls no mundo:

    How English develops in the world is no business whatever of nativespeakers in England, the United States, or anywhere else. They have no sayin the matter, no right to intervene or pass judgment. They are irrelevant.() It is a matter of considerable pride and satisfaction for native speakersof English that their language is an international means of communication.But the point is that it is only international to the extent that it is not theirlanguage. It is not a property for them to lease out to others while stillretaining the freehold. Other people actually own it. (Widdowson 2003: 43)

    O que a conferncia da ESSE em rigor reflecte, tal como centenas de eventos

    semelhantes que todos os anos tm lugar pelo mundo fora, consequncia da actual

    distribuio demogrfica dos falantes/utilizadores do ingls e da funo de lngua franca que

    este desempenha em inmeros contextos. Embora tendo crescido em termos absolutos, o

    nmero de falantes do ingls como primeira lngua continua a diminuir relativamente ao

    nmero daqueles que o falam como segunda lngua ou como lngua estrangeira (Crystal 1997;

    2004; Graddol 1997; 1999; 2006). A desproporo demogrfica entre nativos e no nativos,

    no obstante a dificuldade por todos reconhecida de obter estatsticas e estimativas

    inteiramente rigorosas e actualizadas, permite afirmar que a esmagadora maioria das

    interaces mediadas pelo ingls, em contextos internacionais, no envolve falantes nativos e

    que, em termos prticos, a capacidade destes para intervir sobre os destinos do ingls, ou a

    possibilidade de exercerem alguma funo de arbitragem sobre os seus usos como lngua

    internacional s podero ter tendncia a diminuir.

    O nmero de falantes nativos, de resto, no parece ser j um factor determinante para a

    preservao do lugar que o ingls ocupa como nica lngua verdadeiramente global: Native-

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    speaker numbers may matter less than they used to in providing a world language status. The

    number of second language speakers are [sic] of growing importance (Graddol 2006: 62).

    Poderemos mesmo ter atingido uma situao em que a sobrevivncia do ingls como lngua

    global j completamente independente do papel que possam ter pases como os Estados

    Unidos e o Reino Unido:

    At the beginning of the twenty-first century some indicators seem to besuggesting that English may once again survive the framework that made ita lingua franca for a particular time and place. There are signs that thenumber of speakers has achieved a kind of critical mass which suggestsEnglish might persist in its lingua franca role even in a scenario where theUnited States was no longer the prime motor of globalisation. (Wright 2004:155)

    De Swaan (2001: 17) dissera j essencialmente o mesmo, falando de inrcia

    lingustica para exprimir a ideia de que o ingls est em condies de sobreviver perda de

    peso poltico e econmico dos pases anglfonos. Afirmando que a difuso do ingls no

    ltimo sculo se deve exclusivamente ao aumento do nmero de falantes para quem ele

    constitui segunda lngua ou lngua estrangeira, acrescenta ainda que a sua posio como

    centro do sistema lingustico mundial no s garante a sua auto-preservao, como assegura

    a sua auto-expanso (2001: 185). A escolha da lngua estrangeira que se aprende , segundoDe Swann, determinada pelo seu valor de comunicao (valor-Q). O valor-Q de uma lngua

    calculado pela multiplicao do nmero de pessoas com as quais o contacto mediado por

    essa lngua possvel o que define a sua prevalncia pelo nmero de pessoas

    multilingues que tm essa lngua no seu repertrio, relativamente ao nmero total de falantes

    multilingues o que define a sua centralidade (ibidem: 34). Quanto mais elevado o valor-Q

    de uma lngua, mais desejvel se torna a sua aquisio enquanto bem colectivo. Aprende-se

    ingls porque a lngua que nos pode pr em contacto, directo ou indirecto, com o maiornmero de pessoas. No fazer essa escolha pode significar optar pela auto-

    -excluso da mais vasta comunidade lingustica do planeta e por uma drstica reduo das

    possibilidades de acesso informao, cultura e ao entretenimento.

    a mesma ideia de auto-suficincia, ou massa crtica, que o nmero de

    falantes/utilizadores da lngua inglesa atingiu no mundo, que permite a Graddol (2006: 101)

    avanar com a previso de que, dentro de poucos anos, um tero da populao mundial estar

    a aprender ingls e que, aquilo que h poucas dcadas atrs constitua uma inegvel vantagem

    competitiva, muito em breve no passar de uma competncia bsica que a todos ser

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    exigvel, sob pena de excluso social, num fenmeno de redistribuio da pobreza (ibidem:

    38) indissocivel das tendncias de desenvolvimento global que possvel observar em

    inmeras reas de actividade. As razes da possvel sobrevivncia do ingls como primeira

    lngua residem, portanto, no facto de se ter tornado na lngua preferencial de discursos e

    actividades que no so monoplio de nenhuma comunidade de falantes nativos:

    It might survive because it has become the purveyor of the discourses of thedominating ideologies of Western democracy and neo-liberal free marketCapitalism, the common language of the international scientific community,and the main medium of the new audio-visual and info tech networkswhether or not these are US dominated. (Wright 2004: 155)

    Se o futuro do ingls como primeira lngua global est ou no assegurado, e por quantotempo, no a questo que aqui interessa discutir, mas este descentramento da posio da

    lngua relativamente ao crculo interior de pases e falantes que at aqui pareciam, e se

    sentiam, os seus donos e guardies, suficiente para lhe conferir um papel nico na

    comunicao inter-cultural e justifica reflexo e estudo aprofundados. Por um lado, interessa

    descrever de que maneira cumpre esse papel em diferentes contextos, por forma a estudar os

    modos de aumentar a sua eficcia; por outro, ser importante tentar avaliar at que ponto a

    relativa diminuio do nmero de falantes nativos tem j, ou poder vir a ter no futuro, um

    reflexo directamente proporcional na perda de influncia destes nas comunidades discursivas

    a que pertencem e quais as consequncias possveis dessa eventual alterao de posies

    relativas.

    O que est verdadeiramente em causa no , naturalmente, saber se os falantes nativos

    so, ou podero vir a tornar-se, irrelevantes, mas sim averiguar se as normas lingusticas

    das duas variedades usadas como modelos para o ensino do ingls so ainda as que melhor

    podem servir o maior nmero de pessoas, num tempo em que a lngua usada, um pouco por

    todo o mundo, na ausncia de representantes dessas mesmas variedades. Os falantes no

    nativos, cujo peso demogrfico motiva este tipo de reflexo, no pertencem, porm, a um

    grupo sociolinguisticamente uniforme, o que imediatamente faria pressupor diferentes

    tendncias de mudana lingustica. A sua diviso tradicional em dois grandes grupos, acima

    referidos de passagem com a aluso a falantes do ingls como segunda lngua e a falantes do

    ingls como lngua estrangeira, justifica uma breve reflexo sobre um quadro de mudana,

    no exclusivamente lingustica, e sobre os debates que na ltima dcada a tm

    problematizado, avaliando criticamente o papel do ingls no mundo, bem como o lugar dos

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    novos ingleses e do ingls global na reconceptualizao de um objecto de estudo e da

    prpria pedagogia da lngua.

    2. Pizza ou Big Mac?

    The most popular food in the world is not the Big Mac. Its

    pizza. And what is pizza? It is just a flat piece of dough on

    which every culture puts its own distinctive foods and

    flavours. So Japan has sushi pizza and Bangkok has Thai

    pizza and Lebanon has mezze pizza. The flatworld platform is

    just like that pizza dough. It allows different cultures to

    season and flavour it as they like and you are going to see

    that more now than ever.

    (Friedman 2006: 506-07)

    Antes mesmo da reflexo sobre o ingls que se ensina e dos ingleses que se deviam

    (ou no) ensinar, no podemos deixar de considerar as questes poltico-lingusticas e eco-

    -lingusticas suscitadas pela posio hegemnica de uma nica lngua em quase todos os

    quadrantes geogrficos e domnios de actividade. Podemos tentar aproximar-nos de uma

    explicao das mudanas em curso no quadro daquilo que Crystal (2004) designa como

    revoluo lingustica. Iniciada na segunda metade do sculo XX, ter-se-ia acentuado eadquirido novos contornos a partir do incio dos anos 90. Caracterizar-se-ia agora pela

    conjugao de trs factores: a emergncia do ingls como a primeira lngua verdadeiramente

    global; o desaparecimento, ou o risco iminente de extino, de um grande nmero de lnguas,

    e o efeito radical sobre lnguas e comunicao produzido pelo aparecimento da Internet.

    talvez a adio deste terceiro factor que justifica o termo revoluo, dada a sua indiscutvel

    influncia na acelerao dos processos que adjectivamos como globais.

    Os trs fenmenos so, por assim dizer, manifestaes lingusticas da globalizao, e asua interdependncia apenas veio tornar mais evidente a relao tensa, que em rigor sempre

    existiu, entre o que local e o que, vindo de fora, se afigura muitas vezes invasivo e imposto,

    mesmo quando voluntariamente importado, ou adoptado. Que o ingls aparea hoje, quase

    universalmente, como a primeira lngua associada ao elemento invasor um facto histrico

    novo, o que poder em parte explicar alguns excessos metonmicos e metafricos dos debates

    da ltima dcada e meia, em que a lngua inglesa aparece como imperialista (Phillipson

    1992) e assassina de outras lnguas (Skutnabb-Kangas 2000; 2003), como se fosse parteexclusiva do arsenal blico de duas ou trs potncias expansionistas e de uma poltica

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    O equilbrio do ecossistema lingustico necessariamente instvel e o nmero de

    variveis em presena torna difcil qualquer tipo de previso quanto ao resultado final. Nem

    mesmo a posio de hegemonia aparentemente inexpugnvel que o ingls hoje ocupa permite

    prever que tal situao se mantenha inalterada por um prazo muito dilatado. Como Graddol

    ressalva (2006: 13), o ingls global pode revelar-se um fenmeno transitrio e possvel

    que novas relaes de poder econmico e cultural venham dar origem a novos cenrios

    sociolingusticos. Mas parece seguro afirmar que quanto mais forem as lnguas em presena,

    maior ser a necessidade de adoptar a lngua auxiliar partilhada pelo maior nmero de pessoas

    e/ou comunidades. Ou seja, nas circunstncias actuais, a proliferao de lnguas, em qualquer

    contexto, favorecer geralmente a posio central do ingls. o caso da Unio Europeia, por

    exemplo, em que o alargamento do nmero de pases membros e o consequente aumento do

    nmero de lnguas oficiais se traduz, de facto, no uso do ingls como primeira lngua auxiliar,

    ou lngua oficiosa. Traduzindo o ttulo do captulo que De Swaan (2001: 144) dedica

    precisamente Unio Europeia, pode afirmar-se que quanto mais lnguas, mais ingls.

    Na maior parte dos casos, porm, o resultado no parece ser o desaparecimento de

    lnguas locais, mas sim a emergncia de situaes de diglossia, as quais podero, a prazo,

    evoluir nos mais diversos sentidos (De Swaan 2001: 187-8). pelo menos isso o que parece

    ter acontecido nos pases e regies nos quais o ingls funciona como segunda lngua (quer lhe

    chamemos lngua oficial, auxiliar, ou mesmo lngua franca), aqueles que, no modelo de trs

    crculos concntricos de Kachru (1985: 12; 1992: 356), so colocados no crculo exterior.

    De um ponto de vista lingustico, podemos dizer que metforas poltico-militares como

    imperialismo, invaso, hegemonia, subordinao, dominao, no constituem explicao

    suficiente para a difuso e mudana do ingls nos pases que o adoptaram como segunda

    lngua, nos quais ocorreu o processo a que Brutt-Griffler chama macroaquisio e que

    define do seguinte modo:

    Macroacquisition is the acquisition of a second language by a speechcommunity. It is a process of social second language acquisition, theembodiment of the process of language spread and change, or languagechange through its spread. This approach to World English has the potentialto explain how a language can be appropriated by its speakers. (Brutt-Griffler 2002: 138)

    Nestes casos, comunidades inteiras fizeram sua, para mltiplos fins, uma lngua que

    alguns tero tentado impor-lhes, mas que os prprios sentiram, mais tarde ou mais cedo,necessidade de aprender. E no necessariamente, ou apenas, numa manifestao de

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    hegemonia consentida (Wright 2004: 156). De resto, a poltica lingustica do imprio

    britnico, que na ndia hesitou entre anglicistas e orientalistas, nunca postulou sequer o ensino

    generalizado do ingls (Pennycook 1994: 82). Exceptuando a necessria formao de uma

    elite que garantisse o funcionamento do aparelho administrativo, a poltica colonial britnica

    tinha mesmo como propsito conter, e no fomentar, a difuso do ingls, baseando-se o

    sistema educativo no uso de outras lnguas, no necessariamente locais, nem maternas, uma

    vez que o seu objectivo era unicamente garantir uma mo-de-obra pouco qualificada para a

    produo das matrias-primas de que a indstria da metrpole carecia (Brutt-Griffler 2002:

    86-106; 2005: 31).

    Alm disso, se o ingls foi instrumento do colonialismo, tambm o foi da resistncia ao

    mesmo; se comeou por ser a lngua do outro, tambm se tornou forma de exprimir uma

    nova identidade, conforme testemunham vrios autores das novas literaturas de lngua inglesa

    (ver, por exemplo, Pennycook 1994: 84-85). Centrar a anlise do lugar e funes do ingls no

    mundo na imposio de cima para baixo de uma ideologia ignorar o movimento de sentido

    oposto, accionado por todos aqueles que procuram ser parte activa do processo:

    To see those who want to be part of global networks, structures and flows ascompletely hoodwinked by hegemonic manipulation from the heartland ofCapitalism denies agency to the vast majority. It is difficult to accept thatthe individual subject is never competent and that their motivations andrationales do not sometimes develop from a dispassionate assessment of theopportunities open to them and the constraints operating on them. (Wright2004: 170-1)

    Do mesmo modo, seria tambm simplista e redutor atribuir a adopo do ingls como

    lngua franca, nos mais diversos domnios de actividade, exclusivamente ao exerccio da

    hegemonia imperial americana, uma vez que o poder econmico, que seria o seu motor, tende

    igualmente a tornar-se cada vez mais alheio a estados e naes. Combater essa adopo, poroutro lado, seria seguramente intil e contraproducente, sobretudo quando assistimos

    progressiva transformao do ingls em competncia indispensvel, ao nvel mesmo da

    literacia elementar e dos conhecimentos de informtica que permitem o uso dos programas de

    processamento de texto, de correio electrnico e de navegao na Internet. Uma atitude mais

    positiva, e potencialmente mais produtiva, para lidar com as desigualdades inevitavelmente

    decorrentes da posio do ingls no mundo, pode ser representada pelas seguintes palavras de

    Halliday (2003: 416-17):

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    Many people would like to resist this dominance of English. The strategicresponse would seem to be: do away with English. Dont teach it, or doanything to perpetuate its standing in the community. But most seriousthinkers believe that that wont work: English is too deeply entrenched, andif people are deprived of the chance of learning it they are the ones who

    suffer. () Rather than trying to fight off global English, which at presentseems a rather quixotic venture, those who seek to resist its baleful impactmight do better to concentrate on transforming it, reshaping its meanings,and its meaning potential, in the way that the communities in the outer circlehave already shown it can be done.

    O que Halliday parece sugerir que se comapizza em vez deBig Mac, para adaptar

    variabilidade do ingls, a que se tem chamado nativizao ou indigenizao, a metfora

    com que Friedman (2006: 506-07) procura caracterizar o efeito nivelador e a plasticidade

    cultural da globalizao. Sobre uma base comum, cada variedade faz uso de ingredienteslocais. O que Halliday prope no parece ser mais do que uma extenso consciente e crtica

    do processo de macroaquisio acima referido: uma apropriao progressiva dos recursos

    da lngua inglesa para a criao de novas realidades lingusticas, dando outra forma aos seus

    significados e ao seu potencial de significao (Halliday 2003: 417).

    primeira vista, contudo, estes processos de indigenizao pareceriam comprometer

    a inteligibilidade mtua, pondo em causa os benefcios que poderiam advir do facto de a

    lngua ser partilhada por um nmero de pessoas cada vez maior.

    3. Divergncia e convergncia

    A mudana de paradigma nos estudos lingusticos que reflecte a conscincia da

    variedade a que a difuso do ingls no mundo deu origem e das suas potenciais consequncias

    para o estudo e ensino da lngua um fenmeno relativamente recente, cujos marcos

    fundadores foram talvez as conferncias que, em 1978, tiveram lugar no East-West Center doHawai e na Universidade do Illinois em Urbana-Champaign (Smith 1981; Kachru 1982). Mas

    a questo da propriedade da lngua, da sua variao e da adequao das normas inglesa e

    americana aos novos contextos de utilizao comeara a ser colocada algum tempo antes,

    como a seguinte passagem, que curiosamente tambm tem a assinatura de Halliday, pode

    comprovar:

    English is no longer the possession of the British, or even the British and theAmericans, but an international language which increasing numbers of

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    people adopt for at least some of their purposes, () and this one language,English, exists in an increasingly large number of different varieties. () InWest Africa, in the West Indies, and in Pakistan and India () it is nolonger accepted by the majority that the English of England, with RP as itsaccent, are the only possible models of English to be set before the young.

    (Halliday, McIntosh e Strevens 1964: 293-94)

    A realidade sociolingustica a que esta passagem alude, a mesma que constituiu a

    motivao central das duas conferncias de 1978 acima referidas e da maioria dos estudos a

    que deram origem, apenas uma das dimenses da internacionalizao do ingls que

    contribuem para a sua posio central nas constelaes de lnguas contemporneas (De

    Swaan 2001). Trata-se das variedades locais ou regionais do ingls que emergiram,

    essencialmente em consequncia do passado colonial britnico, nos pases do j mencionado

    crculo exterior de Kachru (1985: 12; 1992: 356). So contextos scio-culturais em que, quer

    se tenha institucionalizado como lngua oficial, indigenizado ou nativizado como segunda

    lngua, ou simplesmente servido como lngua franca, o ingls no apenas se estabeleceu em

    lugares longe da terra que lhe dera nome, como se tornou plural e sofreu afastamentos

    inevitveis relativamente a um padro domstico de uniformidade mais ou menos idealizada.

    So estas variedades locais que tm merecido as designaes, entre outras, de New Englishes

    ou World Englishes. A prpria utilizao ou no de maisculas nas vrias designaes, no

    apenas na posio adjectiva, mas at mesmo na posio nominal, outra das variaes

    possveis que procuram dar conta da nova realidade lingustica.2

    Esta multi-localizao do ingls produz necessariamente um efeito de divergncia

    entre variedades que poderia configurar uma progressiva perda de inteligibilidade mtua, a

    qual, em ltima anlise, estaria na origem de novas lnguas. Era o que pensava Burchfield, por

    exemplo, que estabeleceu uma analogia com o caso do latim e da sua ciso nas vrias lnguas

    romnicas para prever o progressivo afastamento entre as variedades do ingls (1985: 173).

    Porm, a este movimento divergente corresponde hoje um movimento de sentido contrrio,em que a facilidade de contacto entre indivduos, organizaes, culturas e sociedades

    geograficamente distantes tende a fazer convergir variedades pela simples exposio mtua e

    necessidade de comunicao. Neste caso, no estamos necessariamente perante falantes de

    uma variedade local, por um lado, e falantes de uma variedade global, por outro, mas antes

    2Ashcroft, Griffiths e Tiffin (1989: 8), por exemplo, estabelecem a distino entre English e english, oprimeiro, para designar a lngua que desde o centro do antigo imprio britnico se propusera como cdigo

    padro; o segundo, para referir o cdigo lingustico transformado e subvertido nas diversas novas variedades umpouco por todo o mundo.

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    perante uma situao que no seria desajustado qualificar como de diglossia3 e/ou

    bilinguismo, reflexo da participao potencial de cada falante em duas comunidades

    lingusticas, quer elas sejam de duas variedades da mesma lngua, quer de duas lnguas

    diferentes:

    World language divergence and convergence () reflect the multiple levelsof speaker affiliation with the construct of speech communities. There are(at least) two contexts defined by speech communities in World English.One is the local (or national) speech community that plays the essential rolein divergence. The second is the international speech community that formsthe basis for convergence. (Brutt-Griffler 2002: 177)

    ao movimento de convergncia, para o qual contribui a participao dos falantes nesta

    comunidade lingustica internacional, que verdadeiramente se pode chamar globalizao do

    ingls e esta dimenso internacional que tem sido designada, entre outras coisas, como

    Global English, International English, English as an International Language, ouEnglish as a

    Lingua Franca, numa indeciso/indefinio conceptual que s recentemente comeou a ser

    objecto de tentativas de sistematizao (McArthur 1999, 2004; Seidlhofer 2004; Erling 2004,

    2005; Jenkins 2006a).

    Nesta comunidade lingustica global, em que a convergncia no plano da expresso

    condio necessria da inteligibilidade e a convergncia no plano do contedo condio

    necessria da comunicao, no participam apenas, como facilmente se pode depreender do

    que acima fica dito, falantes dos dois primeiros crculos. Dado o carcter global da

    comunidade lingustica aqui em causa, a convergncia s se pode produzir por efeito da

    participao de falantes dos trs crculos do modelo de Kachru ou, para adoptar outros termos

    familiares na lingustica aplicada e no ensino da lngua, dos falantes do ingls como lngua

    nativa/materna (English as a Native Language, ENL); como segunda lngua ( English as a

    Second Language, ESL) e como lngua estrangeira (English as a Foreign Language, EFL).A prpria designao que Kachru escolheu para o terceiro crculo do seu modelo,

    crculo em expanso (1985: 12; 1992: 356), indicativa do seu carcter aberto e, por isso

    mesmo, de contornos mais difceis, se no impossveis, de delimitar. Nele caberiam todos os

    pases em que o ingls no desempenha funes internas e em que as pessoas o utilizam

    3 O conceito de diglossia, originalmente exposto por Ferguson (1959), referia-se apenas co-existncia de doisou mais dialectos de uma mesma lngua, em que um deles desempenhava as funes de maior prestgio social.

    Fishman (1967) alargou o campo de aplicao a situaes de bilinguismo, ou multilinguismo, em que cada umadas lnguas ocupa diferentes domnios funcionais. nesta segunda acepo que o conceito relevante para oscontextos sociolingusticos que aqui interessa considerar.

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    unicamente para a comunicao internacional. Em todo o caso, a sua participao na

    comunidade lingustica do World English (para manter a terminologia de Brutt-Griffler),

    contribui para o movimento de convergncia entre variedades e, sendo o nmero de falantes

    deste crculo aquele que mais rapidamente pode crescer, a sua importncia para o estudo do

    ingls que realmente se fala internacionalmente dificilmente pode ser ignorada. Tal como s

    internacional porque j no propriedade exclusiva dos falantes nativos, regressando s

    palavras de Widdowson (ver acima, pg. 11), o ingls tambm s global porque pode ser

    apropriado para os mais diversos fins por utilizadores de qualquer lugar do globo. Da que

    se tenha assistido, sobretudo na ltima dcada, a um trabalho de reconceptualizao do ingls

    que procura levar em conta todos os seus utilizadores e todos os seus contextos de utilizao,

    com especial ateno para aqueles que at agora tm sido mais negligenciados:

    () it is high time that the legitimacy which has already been accorded toOuter circle Englishes should be extended to the Expanding circle. At a timewhen English is the de facto global lingua franca, it is anachronistic to denythat widespread development in these contexts of use also constitutelegitimate change which needs to be described and taken into pedagogicaccount. (Seidlhofer e Jenkins 2003: 152)

    J anteriormente Kachru (1985: 13) sublinhara o peso dos pases includos nesta terceira

    categoria como factor determinante do lugar e do papel do ingls no mundo: It is the users of

    this circle who actually strengthen the claims of English as an international or universal

    language. Sendo que os pases passveis de incluso no crculo em expanso so

    virtualmente todos aqueles em que o ingls no nem lngua materna, nem segunda lngua e

    nos quais o ingls quase exclusivamente usado para comunicao internacional, caracterizar

    os usos da lngua inglesa neste crculo implica um estudo descritivo de interaces ocorridas

    entre falantes de diferentes primeiras lnguas, qualquer que seja o crculo de onde sejam

    provenientes. Ou seja, o estudo dos usos do ingls no crculo em expanso confundir-se-sempre, por definio, com o estudo do ingls como lngua franca. No se trataria aqui,

    portanto, de estudar novas variedades nacionais, muito embora no possa deixar de ser levado

    em considerao o papel das diferentes primeiras lnguas na produo lingustica dos falantes,

    mas sim de avaliar a possibilidade de reconhecer a existncia de uma espcie de supra-

    -variedade, comum a utilizadores da lngua inglesa provenientes de pases em que ela tem

    funes e estatutos distintos. Nos pases do crculo em expanso, porm, ao contrrio do que

    ocorre no crculo exterior, as potenciais implicaes pedaggicas no passariam,

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    naturalmente, pela codificao de normas nacionais ou regionais, mas pela codificao de

    normas internacionalmente partilhadas.

    Brutt-Griffler no reclama para o seu World English a categoria de variedade do ingls,

    parecendo sugerir que se trata apenas de um ncleo onde traos distintivos seriam como que

    neutralizados, respondendo s necessidades de comunicao e garantindo a inteligibilidade

    entre falantes de todas as origens:

    World English, rather than a variety, constitutes a sort of center of gravityaround which the international varieties revolve. Their functional relation inthe arena of the world econocultural relations (business and trade, popularculture, science and technology) serves to ensure their continuous mutualinteraction. Hence, unlike the various Romance languages, which evolvedinto wholly separate languages in the wake of the death of Latin, the

    varieties of World English retain their essential linguistic unity. (Brutt-Griffler 2002: 177)

    Seja qual for a natureza desta nova realidade, a mudana que o reconhecimento da sua

    legitimidade representa no deixar de enfrentar as resistncias que o prprio reconhecimento

    das variedades locais j enfrentou e, em certa medida, enfrenta ainda. Tanto no caso das

    variedades locais, como do ingls como lngua internacional, essas resistncias exprimem-se

    muitas vezes sob a forma de preocupaes com aspectos to importantes como

    inteligibilidade e comunicao, que a divergncia entre variedades poria em causa. Parece

    difcil, no entanto, no ver nelas tambm manifestaes daquilo a que Milroy e Milroy (1999)

    chamaram ideologia da padronizao, ou ideologia da lngua padro. Ainda que de modo

    por vezes no declarado, ou mesmo apenas subliminar, a ideia de lngua padro nunca est

    verdadeiramente ausente das discusses sobre variao e mudana lingustica, pelo que

    proponho considerar o problema que nos ocupa sob essa perspectiva.

    Pode, de facto, revelar-se produtivo pensar as mudanas em causa como parte de um, ou

    vrios processos de padronizao em curso e algumas das atitudes relativas aos mesmos comomanifestaes da ideologia que sempre parece acompanh-los. Por um lado, talvez assim se

    tornem mais claros os paralelos e as diferenas entre o que aconteceu no crculoexterior e o

    que est j a ocorrer com as propostas de reconceptualizao do ingls no crculo em

    expanso. Por outro lado, talvez assim seja mais fcil no perder de vista que, na relao entre

    velhas e novas variedades, podemos estar apenas perante uma extenso do que sempre se

    passou nos prprios pases do crculo interior, e nomeadamente na Inglaterra, com a relao

    entre o ingls padro e os dialectos regionais.

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    4. O ingls embalsamado ou o regresso a Babel?

    Para alguns, a multiplicidade de normas locais exige um esforo acrescido no sentido da

    difuso do ingls padro, predominantemente com a sua dupla face britnica e norte-

    -americana, como forma de garantir a inteligibilidade. Para outros, o que necessrio a

    padronizao das novas variedades, como forma de reconhecimento do seu carcter

    endonormativo e do policentrismo da nova condio do ingls no mundo de hoje. Quirk

    (1985; 1990) e Kachru (1985; 1991), parecem ter demarcado o territrio de cada uma destas

    posies, o primeiro insurgindo-se contra os malefcios de uma lingustica da libertao, o

    segundo contra uma lingustica do dfice, que encara a diferena como erro. As palavras de

    Quirk mais frequentemente citadas e criticadas (1985: 6) justificam a necessidade de um

    padro pelas suas vantagens pedaggicas no ensino do ingls como segunda lngua e como

    lngua estrangeira:

    The relatively narrow range of purposes for which the non-native needs touse English (even in ESL countries) is arguably well catered for by a singlemonochrome standard form that looks as good on paper as it sounds inspeech. There are only the most dubious advantages in exposing the learnerto a great variety of usage, no part of which he will have time to masterproperly, little of which he will be called upon to exercise, all of which is

    embedded in a controversial sociolinguistic matrix he cannot be expected tounderstand.

    O tom paternalista de Quirk parece particularmente deslocado nos dias de hoje, quando

    se confronta a sua ideia da limitao funcional dos usos do ingls pelos no nativos com o que

    efectivamente se passa em inmeros contextos. Nos pases do crculo exterior, a sua funo

    alargou-se aos mais variados domnios e em alguns deles j a escolha no marcada a

    lngua a que os falantes espontaneamente recorrem em numerosas interaces, mesmo de

    natureza informal (McKay 2002: 37).

    Mas mesmo nos pases em que mais frequentemente se opta por orientar o ensino da

    lngua para fins ditos especficos, presumindo precisamente que os falantes apenas tero

    necessidade de usar o ingls para o desempenho de um conjunto muito restrito de tarefas

    profissionais, cada vez mais comum que a exposio, muitas vezes informal, a uma gama

    variada de registos, acabe na prtica por comprometer a presumvel eficcia e o relativo

    conforto de uma uniformidade suficiente que a disseminao exclusiva do padro (aqui

    quase sinnimo de mnimo denominador comum) pareceriam favorecer.

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    Deixando em suspenso uma possvel definio da realidade lingustica que o conceito

    de Standard English procura nomear, talvez seja mais pertinente sumariar os objectivos a

    atingir pelo processo do qual essa realidade o sempre provisrio produto. O ideal a atingir

    num processo de padronizao lingustica, segundo Haugen (2003: 419), consistiria em

    assegurar a mnima variao formal, resultado de uma fase de codificao da lngua, e a

    mxima variao funcional, resultado da fase de elaborao. Ora, uma vez que a mudana

    lingustica permanente, nem o processo de padronizao alguma vez verdadeiramente se

    conclui, nem a ausncia total de variao formal se pode concebivelmente consumar. isso

    que justifica que Milroy e Milroy (1999: 19) e Milroy (2000: 13) prefiram tratar a

    padronizao como uma ideologia e as lnguas padro como idealizaes conjuntos

    abstractos de normas das quais o uso efectivo da lngua apenas relativa e variavelmente se

    aproxima. O que no impede que uniformidade e invariabilidade sejam altamente valorizadas

    e que, em consequncia, ainda que a padronizao no tenha o poder de impedir a mudana, a

    ideologia que a sustenta tenha pelo menos o condo de a inibir:

    As for standardisation (...) there should be no illusion as to what its aimactually is: it is to fix and embalm (Samuel Johnsons term) the structuralproperties of the language in a uniform state and prevent all structuralchange. No one who is informed about the history of the standard ideology

    can seriously doubt this. The intention is to prevent change: the effect is toinhibit it. (Milroy 2000: 14)

    Convm tornar claro que a supresso (ideal) da variabilidade, inerente ao processo de

    padronizao, no , em si mesma, uma manifestao de intolerncia, nem o prescritivismo

    caucionado pela codificao da lngua tem necessariamente motivaes repressivas, embora

    possam servir para justificar os estigmas lanados por certos puristas, linguistas amadores e

    outros utilizadores, em geral, pouco informados. Tal como acontece noutros domnios, o

    estabelecimento de um padro lingustico decorre da necessidade de evitar mal-entendidos ede garantir a eficincia, convencionando uma medida que todos reconheam em toda a

    parte.

    No que lngua inglesa diz respeito, porm, todos so hoje cada vez mais, e em toda

    a parte tem um significado muito (alguns, como j vimos, diriam mesmo excessivamente)

    literal. Os factores de desagregao seriam mais fortes do que os factores de coeso e tamanha

    variao lingustica, real e/ou potencial, no poderia deixar de suscitar reaces negativas. A

    uniformidade ideal da lngua nunca antes pareceu to ameaada, pelo que a ideologia dapadronizao que acompanhou as duas disporas do ingls dificilmente deixaria de se

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    manifestar num momento em que no s se reclama, e se vem obtendo, o reconhecimento

    pleno das novas variedades locais, que estariam j em processo de padronizao, como

    tambm h quem preveja, ou defenda, a emergncia de um padro internacional no

    coincidente com nenhuma das normas dominantes:

    The ideology of standardisation requires not only that the English in theBritish Isles should be as uniform as possible, but also that it should beuniform in other places throughout the world where English has beenimplanted. Thus this ideology affects not only North America andAustralasia, but also the English of other post-colonial countries, such as theCaribbean islands and India. (Milroy e Milroy 1999: 19-20)

    Pelo menos em parte, a resistncia ao reconhecimento da legitimidade das novas

    variedades seguramente expresso da ideologia da padronizao e prolongamento natural do

    estigma antes associado aos dialectos regionais, embora possa igualmente manifestar o

    legtimo receio de que a divergncia e a fragmentao decorrentes da localizao do ingls

    acabem por comprometer a inteligibilidade e a funo de lngua franca que ele estaria em

    posio privilegiada para desempenhar pela globalizao do seu uso. Mas ainda quando as

    novas variedades so finalmente admitidas, a superioridade mtica e a relativa estabilidade das

    normas dos pases em que o processo de padronizao mais claramente se consolidou afirma-

    -se em impulsos proprietrios sobre os quais Widdowson ironizou na palestra j citada:

    As the language spreads, there are bound to be changes out on theperiphery; so much can be conceded. But these changes must be seen notonly as peripheral but as radial also and traceable back to the stable centreof the standard. If this centre does not hold, things fall apart, mere anarchyis loosed upon the world. Back to Babel. (Widdowson 1993: 163; 2003: 36)

    Tambm segundo Widdowson, semelhantes receios so infundados, no que est de

    acordo com a j citada Brutt-Griffler, mas tambm com Crystal, que acha mais provvel, ou

    mesmo iminente, a emergncia de um World Standard Spoken English (1997: 136-37), ou de

    um International Standard English (2004: 38-39), o qual, numa espcie de situao de

    triglossia, passaria a coexistir com os dialectos locais e as variedades nacionais, ou com as

    outras lnguas nacionais e respectivos dialectos. Mas h questes de ordem prtica que

    concorrem para a dificuldade de reconhecer certas manifestaes de variao como instncias

    de uma nova variedade e, por maioria de razo, como sinais de um padro emergente, quer a

    nvel nacional, ou regional, quer a nvel internacional.

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    5. Padres locais: as novas variedades de ingls do crculo exterior

    O ainda insuficiente conhecimento das novas realidades lingusticas torna difcil

    demarcar e caracterizar as possveis variedades no interior de cada pas e concluir se usos

    particulares so produto da interferncia da primeira lngua dos falantes, de uma falta de

    domnio do ingls e/ou de criatividade lingustica. A classificao desses usos e das variaes

    detectadas em cada pas parece muitas vezes uma simples questo de perspectiva. Segundo

    Bamgbose (1992: 151-54), por exemplo, nas tentativas de explicar as diferenas entre as

    variedades nigerianas do ingls, os linguistas dividem-se precisamente entre os que as

    caracterizam pelo grau de interferncia das lnguas maternas (o que sobretudo relevante para

    o caso da variao fonolgica, mas tem escassa utilidade para explicar variaes lxico-

    -gramaticais); aqueles que as tratam por comparao com o ingls nativo, do que resulta a

    classificao das diferenas encontradas como desvios; e, por fim, aqueles cuja abordagem

    aprecia as diferenas enquanto explorao criativa dos recursos disponibilizados pelas lnguas

    nigerianas e pelo ingls. Todas as abordagens revelam uma parte da realidade, mas todas

    esto limitadas pelos seus pressupostos (ou preconceitos), pelo que Bamgbose sugere uma

    conjugao das trs, embora reconhea que inevitvel um certo grau de subjectividade,

    quando se trate de julgar determinados usos do ingls nigeriano como aceitveis ou no.Porm, o carcter subjectivo, ou pelo menos extra-lingustico, dos juzos de

    aceitabilidade tambm um dos traos identificadores da ideologia da padronizao e no me

    parece sequer imaginvel que o fenmeno de nativizao da lngua inglesa possa ocorrer sem

    uma concomitante nativizao da ideologia. No apenas o ingls, portanto, que deixa de

    ser propriedade dos seus falantes nativos. Para que a apropriao da lngua que as novas

    variedades constituem possa consumar-se, mais tarde ou mais cedo far-se- sentir a

    necessidade de uma referncia prescritiva endgena sobre a norma local, uma medida queos falantes reconheam, o seu prprio ideal de lngua, ou seja, um novo padro.

    De facto, uma vez identificados e descritos os usos lingusticos dos pases do crculo

    exterior, qualquer que seja a sua variao relativamente aos modelos nativos, podemos falar

    deles como parte de uma norma lingustica autctone em processo de padronizao.

    Bamgbose (1998: 3) estabelece cinco critrios para avaliar se uma inovao local pode ou no

    ser considerada norma: o demogrfico (quantos falantes a utilizam); o geogrfico (qual a sua

    difuso no pas); o de autoridade (quem usa essa inovao); a sua codificao (onde que ouso reconhecido) e a sua aceitabilidade (qual a atitude de utilizadores e no utilizadores

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    perante a nova forma). Uma vez que Bamgbose considera que os factores decisivos para

    classificar uma inovao como norma so a sua codificao, em dicionrios e manuais, e o

    facto de ser aceite pela generalidade dos falantes, podemos voltar ao encontro de Haugen

    (2003) e das suas fases do processo de padronizao de uma lngua.

    Talvez o modelo de Haugen no possa ser integralmente transferido para estes novos

    contextos sem algumas reservas, mas no me parece descabido estabelecer comparaes.

    Aquilo a que Mazzon (2000: 78-79) chama ciclo de vida dos New Englishes no pode

    deixar de conter as etapas de aproximao a um conjunto normativo partilhado e partilhvel

    pelo maior nmero de falantes no interior da comunidade lingustica. A seleco da variedade

    que vai servir de base ao futuro padro de uma lngua poderia aqui corresponder ao primeiro

    momento do ciclo, a que se tem chamado indigenizao. O segundo momento, a fase de

    expanso, em que a lngua escolhida v o seu uso interno alargar-se a um cada vez maior

    nmero de domnios, corresponderia, pelo menos parcialmente, fase de elaborao funcional

    da terminologia de Haugen (2003: 418), a qual se consumaria no momento subsequente do

    ciclo, a institucionalizao da nova variedade, em que esta possui j uma completa gama de

    registos e estilos, bem como uma literatura prpria (Mazzon 2000: 79). tambm nesta fase

    que a nova variedade da lngua adquire para os seus falantes um valor identitrio e em que a

    variedade estigmatizada passa a ser aquela cujas formas mais se aproximam do velho modelo

    nativo (Bamgbose 1992: 149-50).

    A codificao defendida por Bamgbose (1998) prende-se com a necessidade de dar aos

    falantes das novas variedades a segurana de que precisam quanto natureza endonormativa

    das formas lingusticas localmente consagradas. Sem referncias de autoridade relativamente

    correco dos usos correntes da variedade local, ser inevitvel o recurso s variedades h

    muito codificadas e, portanto, a padres exonormativos, o que apenas perpetuar a ideia de

    que os usos locais que deles se afastem so, simplesmente, errados:

    Crucial to the entrenchment of innovations and non-native norms iscodification. Without it users will continue to be uncertain about what is andwhat is not correct and, by default, such doubts are bound to be resolved onthe basis of existing codified norms, which are derived from anexonormative standard. Codification is therefore the main priority of themoment, and it is to be hoped that research and collaboration in the futurewill be directed toward this objective. (Bamgbose 1998: 12)

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    6. Um ingls padro internacional?

    Embora no se possa nunca excluir o papel desempenhado por factores extra-

    -lingusticos, envolvendo, por exemplo, questes de afirmao de independncia e de

    identidade nacional, classificar o ingls usado num determinado contexto scio-cultural como

    nova variedade, ou mesmo como norma-padro emergente j no apenas em pases do

    crculo interior, como a Austrlia, a Nova Zelndia, a Irlanda e o Canad, mas tambm em

    pases do crculo exterior, como a ndia, Singapura ou a Nigria justifica-se, sobretudo, pela

    identificao de graus de afastamento sistemtico relativamente a um padro bipolar (ingls e

    norte-americano) mais ou menos estabilizado. Como j antes vimos, esta tendncia centrfuga

    pareceria apontar o caminho de uma divergncia crescente, que os processos de codificao e

    estabilizao das novas variedades, com a sua progressiva adopo como modelos autctones

    para o ensino da lngua, s poderiam contribuir para acentuar. Para alguns, no entanto,

    tendncias divergentes e convergentes podem ocorrer simultaneamente, no atingindo de

    igual modo a totalidade do sistema lingustico do ingls:

    () varieties of English around the world, while they may demonstratelexical convergence, are diverging phonologically: accents of English fromNew Zealand to the United States are getting less like one another, not more.(Trudgill 2002d: 180)

    Indo alm mesmo dos aspectos fonolgicos, no ser difcil observar maiores

    divergncias entre variedades do ingls no plano da expresso oral. Contudo, quando se fala e

    se pensa em ingls padro, quase sempre por referncia ao cdigo escrito, uma vez que at

    muito recentemente no se poderia verdadeiramente falar de uma codificao da gramtica

    do ingls falado, situao que apenas comeou a ser alterada com o surgimento de trabalhos

    como os de Biber et al (1999) e Carter e McCarthy (2006). No que escrita diz respeito, noh dvidas quanto a uma menor variao nos usos do ingls um pouco por todo o mundo. Mas

    tambm no podemos ignorar que, aos materiais impressos dos meios de comunicao

    tradicionais, que tero necessariamente contribudo para o elevado grau de uniformizao da

    lngua escrita, se vieram no ltimo sculo juntar meios de comunicao de massas, de mais

    rpida circulao e consumo, que forosamente tero papel semelhante tambm no plano da

    lngua oral, impedindo os padres locais de se afastarem excessivamente uns dos outros em

    qualquer dos nveis do sistema lingustico, ou contribuindo mesmo para a sua convergncia

    (Greenbaum 1996: 14).

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    Podemos, portanto, voltar posio de vrios autores relativamente existncia, ou

    emergncia, de um ingls padro internacional, que Crystal mais reiteradamente tem

    defendido em termos muito semelhantes (por exemplo, Crystal 1988; 1995; 1997; 2004) e

    retomar a ideia de convergncia favorecida pelo mais frequente contacto entre utilizadores do

    ingls de todo o mundo, para questionar o alcance do conceito e o seu significado prtico:

    Teachers already routinely draw attention to local lexical and grammaticaldifferences, such as UKpavement, US sidewalkand Australianfootpath, butthe perspective is invariably from one of these varieties towards the others.Someone teaching British English draws attention to American alternatives,or vice versa. It may not be many years before an international standard willbe the starting-point, with British, American and other varieties all seen asoptional localizations. (Crystal 2004: 40)

    Se parece que podemos dar como adquirido que a ameaa de babelizao nos

    domnios da anglofonia um receio infundado, j esta ideia de um padro internacional

    parece demasiado vaga, uma vez que no se baseia em nenhuma descrio de corpus e muito

    menos parece passvel de aplicao pedaggica (Erling 2004: 62). Tal como ao centro de

    gravidade do World English, que Brutt-Griffler no considera sequer uma variedade do

    ingls (2002: 177), e muito menos um padro, falta ao conceito sustentao emprica. O

    mesmo se passa, alis, com o World Standard English de McArthur (1998: 97), no obstanteuma importante ressalva, feita alguns anos mais tarde, e contida na primeira frase da seguinte

    passagem:

    A world standard for English cannot be wished into existence simply bygiving it some names. However, the fact that several commentators have fora number of years been feeling for the rightkind of name (or names) forsuch a phenomenon is evidence that something of the kind already exists oris coming into existence. () It is already widely agreed that English is the

    worlds lingua franca, but a paradoxically prestigious and high-level linguafranca can hardly be said to exist if it does not have a consistent form. Thecardinal evidence for such a standard is in fact already largely in place andmanifest almost everywhere, notably in the international media (print, radio,television and electronic) and in the worlds fluent arrangements for travel,business, sport, and many other activities. (McArthur 2002: 447)

    McArthur continua o seu raciocnio aludindo quilo a que anteriormente chamara os

    indicadores objectivos de que uma variedade possui j o seu prprio padro (ibidem: 443),

    como sejam, os mecanismos habituais de codificao (os dicionrios, gramticas e manuais deestilo que teriam j comeado a aparecer) e ainda um cnone literrio. Deste, no apresenta,

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    de facto, qualquer prova. E, a avaliar pelos exemplos de dicionrios e gramticas que cita em

    seguida, parecemos estar apenas perante o progressivo reconhecimento acadmico da

    existncia de mltiplas variedades padronizadas, em plano de igual legitimidade, e no ainda

    de um nico padro. Um pouco mais adiante, porm, ir reforar a ideia, aparentemente

    paradoxal, mas que essencialmente uma extenso das realidades lingusticas nacionais, de

    uma convivncia entre diferentes, mas iguais:

    A federation of standards appears therefore to be already with us, anevolving super-standard that is comfortable with both territorial andlinguistic diversity. Such a World/International Standard English is in effectan ad hoc global balancing-out of the practices of publishers, educationalinstitutions, governmental departments, legal institutions, and the like in

    many places, much indeed as in the past, but of necessity with a moreequitable response to social and cultural sensitivities than in the past.(McArthur 2002: 448)

    Esta espcie de compromisso neutralizador, produzido por prticas institucionais,

    parece ter implcito um conceito de lngua padro em que se minimiza o nico critrio

    estritamente lingustico, a ideia de uniformidade, para se dar maior importncia a factores

    extra-lingusticos e puramente valorativos, que so tambm manifestaes da ideologia da

    padronizao, como o prestgio (Milroy 2001: 533) ou, como parece ocorrer no caso vertente,

    uma ideia de igualitarismo, ou de igual prestgio, justificada pela necessidade de no ferir

    susceptibilidades, ou de ser politicamente correcto, como j nos habitumos a dizer,

    inevitavelmente traduzindo do ingls.

    E, no entanto, se tantos sinais parecem apontar no sentido da convergncia, ou pelo

    menos da manuteno da inteligibilidade, entre as mltiplas variedades do ingls,

    seguramente porque existe um ncleo de traos lingusticos reconhecidos e/ou reconhecveis

    pela generalidade dos falantes. O que alguns autores sugerem que esses traos partilhados

    podero ser caractersticos dos usos do ingls como lngua franca ( English as a Lingua

    Franca ELF), ou como lngua internacional (English as an International Language EIL),

    e no necessariamente identificveis com as variedades padro inglesa ou americana, no que

    poderia adivinhar-se uma certa endonormatividade, ainda que embrionria, e a potencial

    emergncia de uma variedade verdadeiramente internacional. Para que essa potencial

    variedade possa verdadeiramente ser padronizvel e aceite pelos seus falantes enquanto

    padro, necessrio dar um conjunto de passos sucessivos de reconceptualizao do ingls

    enquanto lngua internacional e de descrio e codificao dos seus usos.

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    Concluindo este captulo em jeito de sumrio, podemos dizer que a difuso do ingls e a

    sua apropriao por utilizadores em todo o mundo constituem factores de mudana que

    obrigam a repensar a prpria natureza da lngua e o papel que falantes nativos e no nativos

    podem ter na sua mudana. No tanto a relevncia dos primeiros que est em causa, mas

    sim a sua preponderncia presente e futura.

    A emergncia de variedades locais/nacionais, que se afastam entre si e dos padres

    nativos dominantes, compensada pela necessidade de comunicao internacional, que

    favorece a preservao de caractersticas partilhadas e mutuamente inteligveis. A existir um

    conjunto identificvel de traos partilhados, tal ficar a dever-se maioritariamente aco de

    falantes no nativos, uma vez que se calcula que 80% das interaces mediadas pelo ingls

    em todo o mundo envolvam apenas pessoas com outras lnguas maternas (Beneke 1991,

    citado em Seidlhofer 2004: 209).4 Assim sendo, talvez seja altura de comear a questionar

    afirmaes como a seguinte:

    The true repository of the English language is its native speakers, and thereare so many of them that they can afford to let non-natives do what they likewith it so long as what they do is confined to a few words here and there.(Trudgill 2002c: 151)

    O argumento demogrfico, como j vimos, o mais fraco que pode ser avanado emfavor do papel dos falantes nativos, como Seidlhofer (2005: 63) fez notar em resposta a estas

    mesmas palavras:

    () it is a simple fact that in the unparalleled situation English finds itselfin, native speakers have ceased to be the only true repository of thelanguage: precisely following Trudgills own logic, if it is the numbers ofspeakers that are decisive then ELF [English as a Lingua Franca] speakerscan do to the language what they like as it is they that are in the majority.

    O indesmentvel desequilbrio da balana demogrfica no encontra ainda, porm, uma

    correspondncia no conhecimento da lngua efectivamente falada no lado do prato mais

    pesado. O ingls utilizado como lngua franca suspendendo para j o impulso de o

    4 Como Trudgill observou (2005: 78), um maior nmero de falantes no equivale a um maior nmero deinteraces: enquanto que os falantes nativos usam geralmente o ingls em todas as situaes do quotidiano, paratodo o tipo de funes, e muitos dos falantes do ingls como segunda lngua usam com frequncia o ingls naescola e no trabalho, mas no em casa; os falantes do crculo em expanso usam-no quase exclusivamente para

    contactos internacionais, em domnios, regra geral, menos variados. Uma simples soma do nmero deinteraces ainda daria, provavelmente, vantagem aos falantes nativos. O que se pode dizer com mais segurana que os no nativos so quase seguramente dominantes em situaes de comunicao internacional.

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    classificar como variedade ou como padro internacional de todos o menos

    conhecido. deste ingls, objecto de um trabalho de reconceptualizao e descrio iniciado

    na ltima dcada, que me ocuparei no prximo captulo.

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    Captulo II ELF: A funo procura de uma forma

    The new language which is rapidly ousting the language of

    Shakespeare as the worlds lingua franca is English itself

    English in its new global form. () this is not English as wehave known it, and have taught it in the past as a foreign

    language. It is a new phenomenon, and if it represents any

    kind of triumph it is probably not a cause of celebration by

    native speakers.

    (Graddol 2006: 11)

    1. O ingls no uma lngua estrangeira - ELF vs. EFL

    Em linguagem corrente, quando se fala do ingls como lngua franca, designa-se a

    funo que a lngua efectivamente desempenha em inmeros contextos. O que a expresso

    passa a designar, no trabalho de reconceptualizao em curso, necessariamente mais do que

    isso, aquilo a que chamaria uma funo procura de uma forma.

    A necessidade de reconceptualizar o ingls enquanto lngua franca resulta da deslocaodo centro de gravidade produzida pela actual distribuio demogrfica dos falantes, de que

    falei no captulo anterior. O objectivo que se procura atingir que os comportamentos

    lingusticos da esmagadora maioria dos falantes de ingls sejam apreciados pelo que

    efectivamente so: instncias de comunicao mediadas por um sistema lingustico que

    obedece s suas prprias regras, e no desvios relativamente s normas de comunidades

    lingusticas restritas, com direito de preferncia adquirido por antiguidade e natividade.

    imperativo conhecer melhor a lngua usada por esta comunidade planetria, no partindo dopressuposto de que ela o simples produto de redues e contaminaes mais ou menos

    aleatrias, ou um cdigo empobrecido para satisfao de necessidades bsicas. Mas ainda que

    o fosse, ou ainda que o seja, a sua existncia suficiente para justificar uma investigao

    rigorosa e sistemtica.

    Das reflexes e debates em curso parece j ter resultado a adopo de um acrnimo para

    designar o novo objecto de estudo: ELF (English as a Lingua Franca). O termo tem vindo a

    ganhar terreno, entre os investigadores que se dedicam descrio do ingls usado como

    meio de comunicao internacional, sobre uma designao alternativa, English as an

  • 8/8/2019 Antnio M. A. Gonalves - Que lngua falamos, quando falamos ingls

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    International Language (EIL). Este segundo, sendo tambm por vezes abreviado para

    International English, presta-se facilmente a confuses e ambiguidades que interessa evitar.

    Por exemplo, International English o ttulo de uma obra de Trudgill e Hannah (4 edio,

    2002), que tem como objecto, essencialmente, as variedades nativas, com dois captulos finais

    dedicados aos crioulos de base inglesa das Carabas e s principais variedades do ingls como

    segunda lngua. O que a obra de Trudgill e Hannah exclui o ingls usado

    predominantemente, ainda que no exclusivamente, por (e entre) falantes dos pases do

    crculo em expanso, precisamente aquele a que o EIL, de facto, se refere (Jenkins 2006a:

    160).

    Para alm de ser uma abreviatura conveniente, o acrnimo ELF presta-se na perfeio

    ao jogo de reajustamento conceptual em causa: basta inverter a ordem das segunda e terceira

    iniciais que nos habitumos a usar no ensino do ingls como lngua estrangeira, EFL passa a

    ELF (English as a Foreign Language passa a English as a Lingua Franca), para podermos

    observar a realidade sob outra perspectiva. De facto, de uma mudana de perspectiva que se

    trata. Os falantes de ingls do crculo em expanso de Kachru (porque a estes que o EFL se

    aplica), deixariam de ser concebidos como estrangeiros, ou como aqueles para quem o

    ingls uma lngua estrangeira, para serem entendidos como falantes da lngua por direito

    prprio, ultrapassando a viso exclusiva que est implcita no ensino das lnguas estrangeiras

    em geral:

    EFL approaches, like all foreign languages