antonio luiz goncalves junior 2013

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Grupo de Pesquisa da Comunicação e Sociedade do Espetáculo II Seminário Comunicação e Cultura na Sociedade do Espetáculo Faculdade Cásper Líbero 18 e 19 de outubro de 2013 O teatro contra o espetáculo? (parte 2) 1 Uma análise do espetáculo Bom Retiro 958 metros realizado pelo Teatro da Vertigem Antonio Luiz Gonçalves Junior 2 Resumo A partir das análises efetuadas por Guy Debord e Helga Finter, este estudo visa refletir sobre a possibilidade da arte em resistir aos processos hegemônicos operados pela cultura do espetáculo, especialmente no que diz respeito ao excesso das imagens que circulam, responsáveis, em sua medida, pelo enfraquecimento da capacidade de simbolização. Para isso, serão examinados alguns aspectos da execução do espetáculo Bom Retiro 958 metros, realizado pelo Teatro da Vertigem, no bairro do Bom Retiro, em São Paulo, entre 2012 e 2013. Palavras-chave: cultura e sociedade do espetáculo; teatro; dramaturgismo; processos de criação; experiência estética; teatralidade crítica; espaço urbano. 1 Esta "parte 2" indica a continuação de uma análise anterior com o mesmo título que teve como objeto de estudo a intervenção artística Cidade Submersa, realizada pelo Teatro da Vertigem, em 24 de junho de 2011, no terreno baldio onde existiu a antiga estação rodoviária da cidade de São Paulo, no bairro da Luz. A intervenção visou dar visibilidade aos aspectos escondidos e “submersos” da cidade por meio da criação de um ambiente arqueológico e, assim, propiciar uma experiência sensorial, lúdica e afetiva aos participantes que pudesse estimular possíveis reflexões acerca da complexidade e dinâmica dos processos urbanos e da vida na metrópole. 2 Mestre em Comunicação e Mercado e pesquisador do Grupo de Pesquisa da Comunicação e Cultura na Sociedade do Espetáculo da Faculdade Cásper Líbero. No campo das artes é ator, diretor e dramaturgista (Antonio Duran), pós-graduado em Fundamentos da Cultura e das Artes pela UNESP (IA- SP).

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O teatro contra o espetáculo? (parte 2)

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  • Grupo de Pesquisa da Comunicao e Sociedade do Espetculo II Seminrio Comunicao e Cultura na Sociedade do Espetculo

    Faculdade Csper Lbero 18 e 19 de outubro de 2013

    O teatro contra o espetculo? (parte 2)1

    Uma anlise do espetculo Bom Retiro 958 metros realizado pelo

    Teatro da Vertigem

    Antonio Luiz Gonalves Junior2

    Resumo A partir das anlises efetuadas por Guy Debord e Helga Finter, este estudo visa refletir sobre a

    possibilidade da arte em resistir aos processos hegemnicos operados pela cultura do espetculo,

    especialmente no que diz respeito ao excesso das imagens que circulam, responsveis, em sua medida,

    pelo enfraquecimento da capacidade de simbolizao. Para isso, sero examinados alguns aspectos da

    execuo do espetculo Bom Retiro 958 metros, realizado pelo Teatro da Vertigem, no bairro do Bom

    Retiro, em So Paulo, entre 2012 e 2013.

    Palavras-chave: cultura e sociedade do espetculo; teatro; dramaturgismo; processos de criao;

    experincia esttica; teatralidade crtica; espao urbano.

    1 Esta "parte 2" indica a continuao de uma anlise anterior com o mesmo ttulo que teve como objeto de estudo a interveno artstica Cidade Submersa, realizada pelo Teatro da Vertigem, em 24 de

    junho de 2011, no terreno baldio onde existiu a antiga estao rodoviria da cidade de So Paulo, no

    bairro da Luz. A interveno visou dar visibilidade aos aspectos escondidos e submersos da cidade por meio da criao de um ambiente arqueolgico e, assim, propiciar uma experincia sensorial, ldica e

    afetiva aos participantes que pudesse estimular possveis reflexes acerca da complexidade e dinmica

    dos processos urbanos e da vida na metrpole.

    2 Mestre em Comunicao e Mercado e pesquisador do Grupo de Pesquisa da Comunicao e

    Cultura na Sociedade do Espetculo da Faculdade Csper Lbero. No campo das artes ator, diretor e

    dramaturgista (Antonio Duran), ps-graduado em Fundamentos da Cultura e das Artes pela UNESP (IA-

    SP).

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    Da perspectiva do dramaturgismo (dramaturg), funo inscrita no processo de criao

    da obra teatral que tem, entre suas tarefas, encarregar-se da pesquisa conceitual e

    "alimentar" as demais reas criativas, assim como exercitar o olhar crtico sobre o

    prprio processo de criao, este estudo visa refletir sobre a possibilidade de resistncia

    da arte aos processos hegemnicos operados pela cultura do espetculo. Especialmente

    no que diz respeito proliferao e ao excesso das imagens que circulam, responsveis

    pelo enfraquecimento da capacidade de simbolizao, entendida como uma ao

    reflexiva dentro da experincia capaz de ressignific-la.

    As anlises e prognsticos realizados por Guy Debord sobre a lgica de operao da

    sociedade de sua poca continuam sendo uma ferramenta eficaz, que ajuda a distinguir

    certas peculiaridades de funcionamento da cultura do espetculo na contemporaneidade,

    particularmente o que Debord denominou de "Espetacular Integrado", posteriormente

    aos modelos de "Espetacular Concentrado" e "Espetacular Difuso".

    O espetacular integrado se manifesta como concentrado e difuso e, desde essa proveitosa unificao, conseguiu usar mais amplamente os

    dois aspectos. O anterior modo de aplicao destes mudou bastante. No

    lado concentrado, por exemplo, o centro diretor tornou-se oculto; j no se coloca a um chefe conhecido, nem uma ideologia clara. No lado

    difuso, a influncia espetacular jamais marcara tanto quase todos os

    comportamentos e objetos produzidos socialmente. Porque o sentido final do espetacular integrado o fato de ele ter se integrado na prpria

    realidade medida que falava dela e de t-la reconstrudo ao falar sobre

    ela. Agora essa realidade no aparece diante dele como coisa estranha.

    Quando o espetacular era concentrado, a maior parte da sociedade perifrica lhe escapava; quando era difuso, uma pequena parte; hoje,

    nada lhe escapa. O espetculo confundiu-se com toda a realidade ao

    irradi-la. Como era teoricamente previsvel, a experincia prtica da realizao sem obstculos dos desgnios da razo mercantil logo

    mostrou que, sem exceo, o devir-mundo da falsificao era tambm o

    devirfalsificao do mundo. (Debord, 1997:173)

    Para Debord no possvel distinguir entre o que a realidade espetacular e a atividade

    social efetiva, uma vez que "a realidade vivida materialmente invadida

    pelacontemplao do espetculo e retoma em si a ordem espetacular qual adere de

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    forma positiva." (...) "a realidade surge no espetculo, e o espetculo real. Essa

    alienao recproca a essncia e a base da sociedade existente" (Dedord, 1997:15).

    Esta impossibilidade de discernimento dificulta o acesso s camadas mais prximas do

    acontecimento real, e por sua vez do seu significado, visto que a proliferao das

    imagens e, geralmente, a explicao que vem junto com elas banalizam e naturalizam

    seu sentido, podendo provocar certa apatia da sensibilidade. O que poderia ser dito, de

    outro modo, nas palavras de Debord: " medida que a necessidade se encontra

    socialmente sonhada, o sonho se torna necessrio. O espetculo o sonho mau da

    sociedade moderna aprisionada, que s expressa afinal o seu desejo de dormir. O

    espetculo o guarda desse sono". (Debord, 1997:19). Para Guy Debord, vive-se uma

    vida adormecida, uma pseudo-vida que aceita reconhecer-se nas imagens dominantes, e

    quanto mais isso se d, menos compreende sua prpria existncia e seu prprio desejo.

    (Conf. Debord, 1997:24)

    Desse ponto de vista sobre a sociedade contempornea, em seu domnio espetacular

    integrado, que este estudo pretende mapear e refletir, a partir de trs dimenses da

    execuo do espetculo Bom Retiro 958 metros, realizado pelo Teatro da Vertigem no

    bairro do Bom Retiro, em So Paulo, como o domnio das artes, em particular o teatro,

    o espao da fico e representao, pode se relacionar com o espao da realidade

    espetacular. Essas trs dimenses referem-se, primeiramente, a fase anterior estreia do

    espetculo, ao seu processo de criao, em especial o momento dos exerccios de

    experimentao, ensaios, improvisaes e workshops3 no bairro, que na sua fase mais

    intensa teve uma durao aproximada de 13 meses. Numa segunda dimenso, a partir da

    estreia do trabalho, o momento da experincia do espectador quando a cena acontece.

    Por fim, em sua dimenso aps o trmino da temporada de aproximadamente 10 (dez)

    meses, depois que o grupo de teatro partiu do bairro, o que totalizou cerca de 02 (dois)

    anos entre o incio dos ensaios mais intensos e o final da temporada.

    3 Workshops so cenas mais completas ou mais acabadas do que as improvisaes dos atores

    como uma resposta a temas ou perguntas propostas durante os ensaios. Estas experimentaes dos

    atores/performers se estendem a todas as reas de criao.

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    Incises na realidade espetacular?

    A hiptese mais geral que nessas trs dimenses ocorreram operaes que efetuaram

    incises na realidade espetacular. Primeiramente, durante o processo de criao,

    especialmente em sua etapa de pesquisa de campo e pesquisa prtica, tentou-se

    estabelecer contato com situaes que pudessem revelar e aprofundar algum tipo de

    leitura da complexidade do bairro. Nesse sentido, a investigao levou o grupo a acessar

    certa realidade objetiva ligada s condies materiais de produo da vida do bairro,

    como por exemplo: as visitas realizadas nas oficinas de costura que prestam servios ao

    comrcio e a indstria de produtos txteis e que se utilizam de mo de obra de

    trabalhadores bolivianos; os laboratrios de observao do consumo de "crack", nas

    ruas da regio do bairro da Luz; assim como as vivncias no agitado ambiente comercial

    das ruas do Bom Retiro. Desse modo, pode-se entender tais atividades como uma

    operao de inciso na camada mais superficial da realidade espetacular que, ao mesmo

    tempo que possibilitou o envolvimento do grupo com certo tipo de atividade social

    efetiva, tais atividades transformavam-se em material sensvel para a elaborao de

    improvisaes e micro-cenas dos atores, onde grande parte era realizada nos mais

    diversos espaos espalhados pelo bairro. Uma operao que inseria e, simultaneamente,

    friccionava as subjetividades da equipe de criao, especialmente dos atores,

    diretamente com as circunstncias da realidade viva do bairro. Um espao urbano que

    servia como espao de ensaio onde se exercitava teatralmente formas e contedos que

    diziam respeito realidade "sombria" do bairro, em especial quela menos visvel na

    vida diurna do bairro. Trabalho esse, que acabou por constituir parte significativa do

    substrato dramatrgico que comps o espetculo.

    Em outra dimenso, aps a estreia do espetculo, no que diz respeito ao momento da

    cena, em especial quanto a experincia do espectador, este acompanhava por quase um

    quilmetro a sequncia das cenas do espetculo que foram distribudas por trs espaos

    do Bom Retiro (um centro comercial, shopping center4, a rua e um teatro

    5 abandonado e

    4 Lombroso Fashion Mall

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    deteriorado). Esta deambulao cnica pelo bairro fazia com que o espectador tivesse

    que discernir de dentro de sua experincia entre o que era o espao-tempo da fico e o

    espao-tempo da realidade do bairro. Um modo de inciso na realidade espetacular que

    se dava por meio de uma vivncia limtrofe entre o real e a fico, e por isso diversa da

    cotidiana, que produzia certo tipo de deslocamento da percepo, especialmente na rua,

    uma vez que o espetculo era tambm uma interveno que abdicou de exercer um

    controle sobre o espao. Isto , a inteno do trabalho foi instaurar diretamente a

    materialidade da cena na materialidade da vida do bairro sem que houvesse o

    isolamento do espao da rua6 para que a cena acontecesse ou para que o pblico

    acompanhasse7. O que colocava o espetculo a merc de todo tipo de acontecimento

    inerente a vida do bairro, seja do maior fluxo de nibus s sextas-feiras, em que muitas

    vezes paravam ou diminuam a velocidade em ateno cena, ou dos trabalhadores

    noturnos e taxistas do bairro que se tornavam espectadores assduos, ou mesmo a reao

    de pessoas que chegaram a atirar ovos na cena, como tambm, frequentemente,

    transeuntes ou at famlias inteiras que se incorporavam ao pblico e passavam a

    acompanhar a pea.

    Em um outro momento, numa dimenso mais ampla desta produo artstica, aps o

    trmino da temporada, possvel pensar tambm num outro tipo de inciso que o

    trabalho operou. Uma interveno no campo das foras simblicas constitutivas do Bom

    Retiro, em particular no que diz respeito interferncia no significado do Teatro TAIB

    e do ICIB (Casa do Povo), um teatro e centro cultural ligados comunidade judaica

    progressista, que aps se constiturem como espaos de ensaio e do prprio espetculo,

    passaram a ser alvo de maior ateno da comunidade, e que atualmente vivem um

    processo de retomada de suas atividades em ampla campanha de restaurao8. Tanto

    para a recuperao do teatro, como para tornar a Casa do Povo um espao cultural que

    5 Teatro TAIB (Teatro de arte israelita brasileiro), inaugurado em 1960, instalado no edifcio do

    Instituto Cultural Israelita Brasileiro, tambm conhecido como Casa do Povo, construdo em 1953,

    marcando o fim da Segunda Guerra e tambm em homenagem aos judeus mortos no Holocausto. 6 O mximo de controle exercido, se podemos falar assim, foi certo direcionamento antecipado

    para que os carros diminussem a velocidade em dois cruzamentos. 7 Anexo I - Fotos (a), (b), (c), (d), (e) e (f) 8 Anexo II - Matria Folha de So Paulo - 10 Agosto de 2013

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    abrigar manifestaes da arte contempornea. Desta forma, temos uma inciso que

    interveio no campo simblico e que tem gerado uma consequncia real.

    Uma teatralidade crtica?

    Diante do levantamento desses diferentes momentos na realizao do espetculo Bom

    Retiro 958 metros, em que possvel identificar situaes que operaram certo tipo de

    inciso nas camadas da realidade espetacular, o momento da experincia do espectador

    ser privilegiado, uma vez que parece condensar em si elementos mais discernveis para

    se pensar um tipo de operao que possibilitaria colocar prova a espetacularizao da

    vida cotidiana. Para isso, a ideia de uma teatralidade analtica e crtica, discutida

    por Helga Finter9, servir como referencial terico.

    Utilizando-se tambm do conceito de "Espetacular Integrado", de Guy Debord, para

    pensar o que pode o teatro numa sociedade que se tornou a abrangncia do prprio

    teatro em sua dimenso espetacular, ela analisa a cena contempornea alem no incio

    do sculo XXI, em especial os trabalhos teatrais da gerao de artistas mais recente,

    entre eles os integrantes do selo Rimini Protokoll e Christoph Schlingensief, e

    estabelece algumas distines entre o que seria a teatralidade do campo esttico e do

    campo cotidiano. Ela destaca que a teatralidade do campo esttico,

    em vez do carter afirmativo do espetculo que confirma o espectador no seu imaginrio, ela permite a este uma crtica da sociedade do

    espetculo, j que o espectador no s pode fazer nela a experincia de

    seu desejo de olhar, como tambm - graas dialtica cnica entre presena e ausncia - pode experimentar o pacto performativo e o

    horizonte de discursos.

    Na mesma direo que Debord, para Finter a realidade espetacular se d como natureza,

    contudo, acrescenta, "o espetculo no consciente de sua teatralidade", e "o teatro, por

    outro lado, procede dela conscientemente por seu pacto simblico constitutivo do

    "como se". Instaura um dilogo com o ausente da imagem, uma dialtica entre presena

    e ausncia". (Finter, 2003). Citando as teorias francesas, em particular de Roland

    9 Professora de teoria, esttica e histria do teatro no Instituto de Artes Cnicas Aplicadas de Giessen, na Alemanha.

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    Barthes sobre punctum, Finter refere-se dialtica cnica entre presena e ausncia para

    instituir uma concepo diferente de teatralidade. Nesta operao seria possvel nascer

    uma teatralidade analtica e crtica "diante de uma teatralidade convencional, da

    realidade espetacular, que reflete apenas passivamente o olhar do meio. (Cf. Finter,

    2003). Uma teatralidade crtica que operaria certo tipo de cdigos sensoriais que

    desestabilizaria os sentidos e que tornariam incertas as atribuies do que familiar

    (heimlich) e do que sinistro (unheimlich).

    Em Bom Retiro 958 metros, essa desestabilizao dos sentidos possvel ser pensada

    antes mesmo do incio da pea quando o pblico se deslocava do ponto de encontro, a

    Oficina Cultural Oswald de Andrade, at o lugar onde comeava o espetculo, na rua

    Prof. Cesare Lombroso, 259. No programa da pea10

    , que o pblico recebia no ponto de

    encontro, havia um pequeno mapa11

    onde indicava o lugar do incio do espetculo para

    o qual as pessoas tinham a opo de se deslocar livremente12

    . Muitos, e dos mais

    variados, foram os relatos daqueles que tiveram que discernir, durante o percurso pela

    rua, o que fazia ou no fazia parte da pea, mesmo no havendo nenhum tipo de

    proposio cnica: um grafite num muro, um catador de lixo que trabalhava, um

    amontoado de lixo em algum canto da rua, a presena de taxistas, seguranas ou vigias

    das lojas, algum odor mais acentuado, um carro com o som mais alto que passava etc.

    Nesta situao, deslocado de um lugar familiar de uma teatralidade convencional, de um

    estado mais seguro e confortvel de uma experincia que estaria sob o controle da pea,

    estabelecia-se para o espectador uma condio de estranhamento que lhe solicitava um

    discernimento, uma operao de reflexo dentro da experincia capaz de signific-la

    como realidade ou fico. Desta forma, possvel pensar que nesse estado se opera uma

    desestabilizao dos sentidos, um outro regime deslocado da percepo do cotidiano

    promovido pela iminncia de uma fruio esttica que ao mesmo tempo abre uma

    10 ver anexo III 11 ver anexo IV 12 Esse procedimento proposto ao pblico foi inspirado a partir das prticas do movimento da

    Internacional Situacionista, em particular a Deriva, que foi utilizado pelo Teatro da Vertigem como

    mtodo de pesquisa do espao urbano. A Deriva como tcnica de passagem rpida por ambincias

    variadas para o reconhecimento dos efeitos de natureza psicogeogrfica e afirmao de um

    comportamento ldico-construtivo. (Cf. Debord, 2003:87)

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    condio de possibilidade para o espectador decidir olhar conforme seu desejo,

    inclusive de teatralizar conscientemente o que v e experimenta. Como aponta Finter,

    um olhar provocado pela experincia da teatralidade do campo esttico e que o

    espectador tem a opo de efetuar um pacto simblico ao decidir reconhecer, dentre as

    mesmas imagens e acontecimentos com os quais ele se depararia na realidade

    espetacular cotidiana, o que seria a fico, o teatro, e o que no seria, configurando

    assim, uma espcie de jogo em que o espectador, a partir da dvida gerada pelo

    estranhamento, opta por assumir a teatralizao da imagem ou do acontecimento. Uma

    operao que traz em si um reconhecimento da linguagem da representao, isto , da

    prpria lgica de funcionamento da cultura espetacular. Segundo Finter, esta

    teatralidade do campo esttico se distingue da teatralidade do cotidiano, da realidade

    espetacular e, que a partir dela, pode-se pensar num olhar teatral que decodificaria e

    separaria dois espaos distintos: o espao potencial da arte e do teatro, e o campo da

    realidade social, o que constituiria seu potencial crtico. A possibilidade de nascer uma

    teatralidade crtica se sustentaria a partir do deslocamento de um olhar inocente e

    aptico que, ao invs de aceitar reconhecer-se nas imagens dominantes, as transforma

    num "teatro ntimo", que ressignifica e desnaturaliza as imagens e os acontecimentos da

    realidade espetacular a partir de uma outra relao do espectador com seu imaginrio.

    Desse mapeamento, portanto, de possibilidades de incises na realidade espetacular que

    a realizao do espetculo Bom Retiro 958 metros efetuou, em particular nesta chave de

    uma experincia esttica crtica-construtiva, que este estudo pretende continuar

    investigando modos de resistncia da arte aos processos hegemnicos da cultura

    espetacular. At o momento, esta anlise parece apontar na direo de que quanto mais

    se sabe que a vida teatro, mais possvel se torna sua crtica. O conhecimento das

    estruturas teatrais ficcionais presentes na "fabricao" da realidade espetacular

    possibilitaria uma relao mais autnoma e crtica do espectador com seu imaginrio e,

    consequentemente, com a realidade.

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    Referncias

    DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetculo Comentrios Sobre a Sociedade do Espetculo. Rio de Janeiro: Ed. Contraponto, 1997.

    __________ . Teoria da deriva (1958). In: JACQUES, P. B. (Org.). Apologia da Deriva: Escritos

    situacionistas sobre a cidade. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2003, p. 87-91.

    FINTER, Helga. A teatralidade e o teatro - espetculo do real ou realidade do espetculo? Notas sobre

    a teatralidade e o teatro recente na Alemanha. Teatro Al Sur, n 25, out. 2003. Traduo autorizada para o evento Prximo Ato 2007, promoo Ita Cultural, So Paulo, SP. Disponvel em

    http://www.itaucultural.org.br/proximoato/pdfs/teatro%20coletivo%20e%20teatro%20politico/helga_fint

    er.pdf - Acesso em 20 de novembro de 2013

    Todas as fotografias foram realizadas por Flavio Morbach Portella

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    Anexo I - Fotos (a) e (b)

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    Anexo I - Fotos (c) e (d)

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    Anexo I - Fotos (e) e (f)

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    Anexo II

    Folha de So Paulo SBADO, 10 DE AGOSTO DE 2013

    Casa do Povo, 60, volta cena cultural

    Centro cultural no Bom Retiro, que abrigava escola de primeiro grau e teatro, teve seu auge

    nos anos 1960-1970

    Projeto para reforma do edifcio modernista, na rua Trs Rios, foi oferecido de graa pelo

    arquiteto Isay Weinfeld

    IARA BIDERMANDE SO PAULO

    No bairro povoado desde sempre por imigrantes, o prdio de fachada modernista pode passar

    batido pelos que frequentam o Bom Retiro em busca de roupas baratas vendidas no atacado.

    Dentro do edifcio, que completa 60 anos neste ms, a histria outra. Gente que viveu a poca

    de ouro do lugar --onde funcionava uma escola, um teatro e um centro de cultura-- e pessoas

    que no viveram nada daquilo batalham para ocupar o local.

    A Casa do Povo, nome de guerra do Instituto Cultural Israelita Brasileiro, foi criada por imigrantes judeus progressistas e de vrias correntes de esquerda que se estabeleceram no Bom

    Retiro a partir da Primeira Guerra.

    O auge do centro foram as dcadas de 1960-1970 e a decadncia, os anos 1980.

    Uma foto do prdio degradado postada no Facebook, h cerca de trs anos, foi a deixa para que

    ex-alunos do Scholem Aleichem, a escola da Casa do Povo, voltassem ao local e iniciassem o

    projeto de revitalizao.

    "Primeiro, tivemos que sanear financeiramente. Agora, a coisa ganhou vida, comeou a pulsar de novo", diz o neurologista Jairo Degenszajn, presidente do conselho deliberativo da Casa do

    Povo.

    A ajuda surge de vrios lados. O projeto de reforma do prdio est sendo feito gratuitamente

    pelo arquiteto Isay Weinfeld.

    O francs Benjamin Serousse, que foi curador do Centro de Cultura Judaica, soube do trabalho e juntou-se voluntariamente ao conselho. Serousse tem usado seus contatos na rea cultural para

    atrair parceiros e ateno ao centro.

    Em 2012, o Teatro da Vertigem estreou "Bom Retiro 958", pea ensaiada no local e que

    acabava no cenrio de um teatro em destroos: o Taib, da Casa do Povo.

    Grupos de dana comearam a usar o espao para residncia artstica. Um deles, o Lote#2, que

    entrou para o projeto Rumos, do Ita Cultural, fez sua apresentao do projeto l, em junho.

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    O enorme salo onde o grupo se apresentou, antigamente dividido em salas de aula, ganhou

    pintura nova e extintores de incndio patrocinados pelo banco.

    Em julho, a Feira de Arte Impressa Tijuana reuniu mais de 50 expositores no prdio.

    Novas parcerias tambm alimentam o projeto de revitalizao, diz Mila Zacharias, da Anamau,

    empresa de produo e consultoria em artes que tambm se uniu voluntariamente ao grupo.

    Uma dessas parcerias, com a Bienal de Arquitetura e o Instituto Goethe, vai levar os expositores

    alemes da bienal para as salas da Casa do Povo, em outubro.

    VANGUARDA

    As origens do instituto cultural so anteriores construo do prdio, projeto de Mange,

    Martins e Engel.

    Pai da Casa do Povo, o Centro Cultura e Progresso realizou, por exemplo, a primeira exposio

    de HQ no Brasil, em 1951, que contou com originais de autores como Alex Raymond ("Flash

    Gordon") e Al Capp ("Ferdinando").

    A escola Scholem Aleichem, outra iniciativa do grupo, foi fundada em 1934, com uma proposta

    pedaggica vanguardista para a poca.

    O teatro Taib veio depois. Projetado pelo arquiteto Jorge Wilheim, foi inaugurado em 1960.

    Naquela dcada e na seguinte, a atividade cultural e poltica era intensa.

    Nos anos 1980, por razes que vo do xodo da comunidade judaica do bairro ao isolamento

    ideolgico das esquerdas, a atividade minguou, a escola fechou e o centro se esvaziou.

    Na boa fase atual, os 60 anos da Casa do Povo sero comemorados nos dias 23 e 24 com

    seminrios e debate com a urbanista Raquel Rolnik sobre as necessidades culturais da cidade.

    "A regio voltou a entrar no circuito cultural de So Paulo, mas faltam espaos menos

    tradicionais. A Casa do Povo ressurge em boa hora", diz Degenszajn.

  • Grupo de Pesquisa da Comunicao e Sociedade do Espetculo II Seminrio Comunicao e Cultura na Sociedade do Espetculo

    Faculdade Csper Lbero 18 e 19 de outubro de 2013

    Anexo III

  • Grupo de Pesquisa da Comunicao e Sociedade do Espetculo II Seminrio Comunicao e Cultura na Sociedade do Espetculo

    Faculdade Csper Lbero 18 e 19 de outubro de 2013

    Anexo IV