antonio inacio ferraz-ensino confessional no brasil, estudante de direito na unip assis sp
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ENSINO RELIGIOSO CONFESSIONAL NAS ESCOLAS PÚBLICAS
Uma análise empírico-teórica acerca de sua constitucionalidade em face dos princípios
da laicidade estatal e da liberdade e igualdade religiosas
Trabalho de Monografia Jurídica apresentado ao Curso de Graduação, como parte dos requisitos para obtenção do título de bacharel em Direito, na área de Direito Constitucional, sob a orientação do Professor-Orientador Roberto Dias (agosto/2011)
RESUMO
O presente trabalho se presta a analisar se o ensino religioso é passível de ser ministrado, nas
escolas públicas, na forma confessional, à luz do ordenamento jurídico posto. A aferição
acerca de sua constitucionalidade perpassa, preliminarmente, o exame do Texto
Constitucional, focada –especialmente - nos artigos 5º, inciso VI, artigo 19, inciso I e artigo
210, parágrafo 1º. Neste mister, o exame da constitucionalidade do ensino religioso
confessional nas escolas públicas, empreendido nesta pesquisa, faz-se, notadamente, sob o
âmbito da liberdade e da igualdade religiosas, assim como da laicidade Estatal e do próprio
ensino religioso, tal qual previsto na Carta Magna.
O estudo do tema ganhou contornos um tanto mais concretos com o ensejo de
questionamentos levados à apreciação do Supremo Tribunal Federal, por meio de Ações
Diretas de Inconstitucionalidade, que, até o momento, não receberam qualquer tratamento por
parte dos ministros da Corte.
Desta feita, intentou-se nesta monografia (em um segundo momento), a partir da
concatenação do entendimento doutrinário a respeito da constitucionalidade do ensino
religioso confessional e do posicionamento manifestado pelo Supremo acerca da laicidade
Estatal e das liberdade e igualdade religiosas, mapear uma possível resposta às ADIs
impetradas.
Tendo em vista o cenário em que este instituto (ensino religioso confessional) está sendo
debatido, o trabalho - além de surpreendentemente concluir pela tendente atribuição de
constitucionalidade do ensino religioso confessional – propõe alguns questionamentos acerca
da própria atuação do Supremo Tribunal Federal e da posição política ocupada pelo órgão.
SUMÁRIO
Noções Introdutórias e Andaimes do Estudo.........................................................................6
Tratamento conferido pelo Ordenamento Jurídico – principais diretrizes e análise sistemática do cenário constitucional....................................................................................14
Constituição Federal de 1988................................................................................................14
A Declaração Universal dos Direitos Humanos....................................................................22
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional..............................................................24
O Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil...................................................................26
A Lei Estadual nº 3.459 do Estado do Rio de Janeiro...........................................................27
As Ações Diretas de Inconstitucionalidade – a materialização da controvérsia que permeia o tema........................................................................................................................29
ADI n° 3.268 – O Caso do Ensino Religioso Confessional nas Escolas Públicas do Rio de Janeiro...................................................................................................................................30
ADI n° 4.439 – O Caso do Estatuto da Igreja Católica no Brasil.........................................35
A manifestação doutrinária acerca do ensino religioso no Brasil......................................39
STF e jurisprudência constitucional - O prisma jurisprudencial acerca da laicidade estatal e da liberdade religiosa e o possível entendimento conferido à questão do ensino religioso confessional nas escolas públicas............................................................................48
Brinde final e convite à pesquisa...........................................................................................61
BIBLIOGRAFIA.....................................................................................................................65
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Noções Introdutórias e Andaimes 1 do Estud o
O presente trabalho se presta a analisar a polêmica questão acerca da compatibilidade
do ensino religioso confessional de matrícula facultativa ministrado nas escolas públicas com
a Constituição Federal, especialmente no que concerne à cláusula de Estado laico e à
liberdade religiosa, controvérsia esta que, inclusive se materializou em forma de Ações
Diretas de Inconstitucionalidade impetradas perante o Supremo Tribunal Federal em diversas
oportunidades, as quais serão, inclusive, analisadas no decorrer desta pesquisa.
A escolha do tema deu-se em função de sua importância interdisciplinar, que esbarra
em princípios morais, sociais, filosóficos e políticos - além de jurídicos – e, desde tempos
imemoriais, contrapõe valores intrinsecamente imbuídos na sociedade e em cada individuo
que a compõe, e, indubitavelmente, suscita grande debate que se encontra longe de ser
pacificado e definitivamente resolvido.
Para empreender esta jornada acadêmica, faz-se necessária, a priori, a explanação do
que aqui se convencionou chamar-se de “ensino religioso confessional” para que, em seguida,
se faça possível o perfeito entendimento da profundidade e da complexidade do tema, que,
impreterivelmente, envolve o estudo das constitucionalmente garantidas laicidade ou
laicismo2 estatal e liberdade religiosa, bem como do igualmente tutelado ensino religioso,
valor este que se encontra atualmente elevado à qualidade de valor integrante da formação
básica do cidadão.
Ensino religioso confessional é o ensino que se contrapõe àquele que é ministrado na
modalidade ecumênica. Desta feita, entende-se o primeiro como sendo o ensino conduzido de
maneira vinculada à determinada e específica linha religiosa3.
Neste diapasão, faz-se interessante, também, apontar que há entendimento doutrinário
no sentido de conferir ao termo confessional uma generalidade e abrangência que extrapola o
1 Andaimes é a expressão utilizada pela Professora Ana Lúcia Pastore, no curso de Metodologia e Lógica jurídica, ministrado na Sociedade Brasileira de Direito Público (“SBDP”), para referir-se ao caminho percorrido para se chegar às conclusões da pesquisa: são os andaimes da construção, que são retirados após a conclusão das obras, mas que figuram como peças fundamentais para sua concretização.2 Embora se reconheça que existam doutrinadores que entendam haver divergências conceituais entre as acepções dos termos laicismo e laicidade, adotar-se-á, no presente trabalho, o mesmo significado para ambos os referidos termos.3 Acerca do assunto, conferir SANTOS. William Soares. Ensino Religioso em Escolas Públicas: Uma pesquisa etnográfica. Dialogia, São Paulo, v. 8, n.1, p. 109-121, 2009
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sentido meramente religioso da palavra, compreendendo amplitude que se estende ao campo
ético e moral. Assim, qualificam-se como confessionais quaisquer medidas dos poderes
públicos que subscrevam conteúdos ético-morais, não somente de raiz religiosa, mas,
também, de raiz ideológica4.
Ademais do ensino confessional conforme acima aferido, a pesquisa abrangerá o
chamado ensino religioso interconfessional, definido tal qual a acepção conferida por
Deborah Diniz e Tatiana Lionço5 ao termo. Assim, pretende-se – também - analisar se o
ensino que prioriza valores partilhados por uma maioria de confissões religiosas guarda
respeito à Constituinte.
“Todo ensino interconfessional é também confessional em seus fundamentos. A diferença entre os dois tipos de ensino estaria na abrangência da confessionalidade: o ensino confessional estaria circunscrito a uma comunidade religiosa específica, ao passo que o interconfessional partiria de consensos entre as religiões, uma estratégia educacional mais facilmente posta em prática pelas religiões cristãs, por exemplo” 6.
De qualquer forma, o ensino religioso confessional (ou interconfessional, conforme o
caso) aqui abraçado, não deve ser confundido com o ensino teológico e desvinculado. Este
último compreendido como sendo aquele por meio do qual se leciona as bases éticas,
filosóficas e históricas das religiões, e as distinções e semelhanças dos cultos religiosos, sem,
no entanto, privilegiar o ensino de uma única corrente religiosa ou das correntes religiosas
majoritárias, e sem que haja caracterização de qualquer vinculo entre o Estado, provedor do
ensino, e tais correntes.
O estudo do ensino religioso confessional deve ser compreendido à luz do que
determina a Constituição Federal que dispõe sobre as diretrizes principiológicas que devem
nortear o sistema educacional do Brasil. Ademais, tal estudo não pode ser afastado de um viés
4 Para Andres Ollero: “Así, trás de señalar acertadamente que ‘cuanto digamos de lãs crencias religiosas y de lãs confesiones vale también para cualquier ideologia, sistema filosófico o concepcion ética’, se há apuntado que um Estado puede ser laico o confessional tanto en relación con un credo religioso como con un credo no religioso”. OLLERO, Andres. Laicidad Y Laicismo. México: Instituto de Investigaciones Jurídicas. Serie Estudios Jurídicos, Num. 163, 2010. 5 DINIZ, Débora; LIONÇO, Tatiana; CARRIÃO, Vanessa. Laicidade e ensino religioso no Brasil. Brasília: Unesco / Letras Livres / Unb. 2010, pág. 14.6 DINIZ, Débora; LIONÇO, Tatiana; CARRIÃO, Vanessa. Laicidade e ensino religioso no Brasil. Brasília: Unesco / Letras Livres / Unb. 2010, pág. 14
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prático que impreterivelmente envolve a questão da possibilidade de ensino religioso no
Brasil, qual seja, a própria existência de grande diversidade religiosa no País.
De acordo com o Censo 2000, feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística,
mais de 40 religiões diferentes são professadas pelos brasileiros (43, especificamente). Este
número não inclui aqueles que se declararam sem religião ou de religiosidade indefinida.
Além do dado estatístico, que revela a importância da existência de liberdade de
crença no Brasil, quando do empreendimento de análise acerca da constitucionalidade do
ensino religioso confessional deve-se, em primeiro momento, levar-se em consideração o
tratamento constitucional destinado à própria educação. De acordo com o entendimento
professado por José Afonso da Silva, “a educação como processo de reconstrução da
experiência é um atributo da pessoa humana, e, por isso, tem que ser comum a todos. É essa
concepção que a Constituição agasalha nos arts. 205 a 214, quando declara que ela é um
direito de todos e dever do Estado” 7
Neste contexto, há que se apontar que para o presente estudo importa somente o
ensino religioso confessional nas escolas públicas, descartando-se, portanto, a análise acerca
da constitucionalidade das aulas ministradas nas escolas particulares que, de maneira
conceitual, não guardam vínculos de dependência com o Estado e que, em assim o sendo, não
constituem e não configuram base para a execução de políticas públicas.
O ensino aqui contemplado é aquele público, prestado pelo Estado em suas
instituições de ensino, tal como concebido pelo mencionado José Afonso, para quem:
“a preferência constitucional pelo ensino público importa que o Poder Público organize os sistemas de ensino de modo a cumprir o respectivo dever com a educação, mediante prestações estatais que garantam, no mínimo: ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria; progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio; atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino; atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade; acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando; atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de programas
7 AFONSO DA SILVA, José. Curso Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros Editores, 33ª Edição. pag. 840
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suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde; conteúdo mínimo ao ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais” 8. (Destacou-se)
Conforme se pode aferir da passagem acima transcrita, o ensino aqui abrangido é
aquele entendido como parte de um processo fomentado, organizado pela Administração
Pública, processo este em que ela, Administração Pública, figura como um dos principais
atores, responsável por tornar efetivo o mandamento constitucional de acesso à educação.
Assim, cabe referir que importa - para esta pesquisa - o ensino religioso compreendido
como aquele inserto em uma sistemática regida pelo regime de direito público9. O ensino
religioso que constitui matrícula facultativa (ou até mesmo obrigatória) nas escolas privadas
não desperta a mesma apaixonada discussão. Isto se deve ao fato de a relação travada entre a
escola particular e o aluno (ou seu responsável) se dar na esfera puramente privada – mesmo
sendo a educação, por si só um tema de relevante interesse coletivo, sendo até mesmo
considerada como um dos direitos sociais, constitucionalmente garantidos, por meio da
expressa proteção conferida por seu artigo 6º10.
Tendo sido tal ponto esclarecido, cumpre explanar, de maneira sucinta, os
“andaimes”11 do presente estudo, as bases fundantes das conclusões aqui apresentadas.
Conforme anteriormente citado, o tema do ensino religioso confessional, de matrícula
facultativa, nas escolas públicas, desperta grande debate, que se encontra longe de ser
pacificado. A doutrina se debruçou e se debruça sobre a questão, trazendo pensamentos e
conclusões nada homogêneos, o que contribui para a demonstração da vastidão e amplitude
do tema, e – mais – da complexidade e profundidade das discussões ensejadas pelo assunto.
Para contemplar o diálogo doutrinário havido em torno da polêmica acerca da
possibilidade de as escolas facultarem aos alunos - da rede pública de ensino - a instrução
8 SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros Editores. 2005. pag. 7909A respeito da dicotomia entre público e privado, interessante conferir: SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos do Direito Público. São Paulo: Malheiros Editores. 4ª Ed. 6ª tiragem. 2005. págs. 138 e seguintes10 Art. 6º da Constituinte: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 64, de 2010)11 Conforme já referido, Andaimes é a expressão utilizada pela Professora Ana Lúcia Pastore, nas aulas de metodologia e lógica jurídicas ministradas no curso Escola de Formação da Sociedade Brasileira de Direito Público para se referir ao caminho percorrido para a obtenção dos resultados e conclusões da pesquisa.
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religiosa confessional, dedicar-se-á um capítulo do presente estudo para a apresentação do
posicionamento da doutrina no que concernente à (in)constitucionalidade do ensino religioso
confessional nas escolas da rede pública.
Conforme já dantes referido, a controvérsia a respeito do tema se materializou em
Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ou simplesmente “ADI”, ou “ADIs”, quando no
plural) – especificamente duas - impetradas perante o Supremo Tribunal Federal. Nenhuma
delas, entretanto, recebeu qualquer tratamento por parte do Supremo até a presente data.
A primeira das mencionadas ADIs, distribuída em meados de 2004 e numerada 3.268,
foi promovida pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação e questionava
dispositivos da Lei Estadual nº 3.459, de 14 de setembro de 2000, do Estado do Rio de
Janeiro. Sob o âmbito de um panorama geral, pode-se dizer que tal Lei Estadual previa a
possibilidade de instituição, para as escolas públicas do Estado do Rio de Janeiro, de ensino
religioso confessional, ministradas por professores específicos, escolhidos de acordo com
critérios definidos na referida Lei.
A segunda ADI (de número 4439) - mais recente - foi interposta em 2010, pela
Procuradoria Geral da República, pleiteando a suspensão da eficácia do Decreto nº 7.107, de
11 de fevereiro de 2010, assim como a inconstitucionalidade do artigo 11 de seu anexo que,
de acordo com o entendimento manifestado pela Eminente Procuradora Débora Duprat, não
se coadunava com o princípio de laicismo Estatal e com o artigo 33, e seus parágrafos, da Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Referido Decreto promulgou o Acordo entre o Governo da República Federativa do
Brasil e a Santa Sé, relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil e previu, dentre
outros, um tratamento específico para o ensino religioso nas escolas.
Ambos, o Decreto nº 7.107 e a Lei Estadual nº 3.459, serão oportunamente analisados,
no presente trabalho, quando do exame aprofundado das citadas ADIs. A análise destes
documentos constituirá parte principal do presente estudo.
Importa, a esse respeito, destacar o importante papel que o STF desempenha no
deslinde da questão, atuando como “Guardião da Constituição”. Atualmente, devemos
compreender a Suprema Corte dentro do chamado Fenômeno Constitucional12. Dentro deste
12 SUNDFELD, Carlos Ari. O Fenômeno Constitucional e suas Três Forças.
9
cenário, a função performada pelo Supremo encontra-se bem descrita pelo Ministro Gilmar
Mendes, de cujo voto na ADIn n° 3510 se destaca o seguinte trecho para bem ilustrar a
condição da Corte Constitucional brasileira:
“Apesar dessa constatação, dentro de sua competência de dar a última palavra sobre quais direitos a Constituição protege, as Cortes Constitucionais, quando chamadas a decidir sobre tais controvérsias, têm exercido suas funções com exemplar desenvoltura, sem que isso tenha causado qualquer ruptura do ponto de vista institucional e democrático. Importantes questões nas sociedades contemporâneas têm sido decididas não pelos representantes do povo reunidos no parlamento, mas pelos Tribunais Constitucionais. Cito, a título exemplificativo, a famosa decisão da Suprema Corte norte-americana no caso Roe VS. Wade, assim como as decisões do Tribunal Constitucional alemão nos casos sobre o aborto (BVerfGE 39, 1, 1975; BverfGE 88, 203, 1993)”
Pode-se dizer que a última palavra a respeito de temas política e socialmente
relevantes, tal qual este acerca do ensino religioso confessional, acaba por ser sempre
proferida pelo Supremo. A este cabe, em última instância, a decisão a respeito de temas que
não se restringem à esfera unicamente jurídica.
Verificou-se, nos últimos tempos, inúmeras críticas dirigidas à Suprema Corte
brasileira, seja por sua atuação pró-ativa, as vezes até usurpando as funções que lhe foram
constitucionalmente atribuídas, seja por sua atuação “negativa”, quando a Corte não arca com
o papel de guarda da Magna Carta, se furtando a tomar determinadas decisões.
Certo é que, atualmente o Supremo desempenha papel determinante no destino de
questões que, muitas vezes, extrapolam o limite puramente jurídico. Tal Tribunal é visto,
inclusive, sob o foco de parte da doutrina, como um tribunal político justamente pela
complexidade interdisciplinar das questões definidas pela Corte Maior.
Neste sentido, pode-se dizer que o âmbito de alcance das decisões do STF abrange os
mais diversos segmentos da sociedade. Os efeitos das referidas decisões se estendem para
além do âmbito jurídico-constitucional e, por diversas vezes, definem os rumos dos debates
nacionais.
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Pensando no papel correntemente desempenhado pelo STF na atual ordem jurídico-
política, pretendeu-se aqui entender o possível tratamento conferido pela Corte Suprema à
questão do ensino religioso confessional, de matrícula obrigatória, nas escolas públicas.
Tendo em vista o silêncio – que perdura até o presente momento - do Supremo
Tribunal Federal acerca da questão (mesmo tendo sido este provocado a se pronunciar a
respeito do tema), tentou-se aqui prever um possível tratamento a respeito da compatibilidade
de matéria religiosa confessional nas escolas da rede pública de ensino com a Constituição
Federal.
Para tanto, fez-se um levantamento de todos os precedentes em que o Supremo
Tribunal brasileiro abordou a laicidade do Estado13 e a questão da liberdade religiosa. A partir
da leitura dos argumentos dos ministros nos diversos julgados encontrados, fez-se um
delineamento do possível entendimento que pode ser dado quanto à constitucionalidade da
confessionalidade do ensino religioso à luz da interpretação conferida pelo próprio Guardião
da Constituição.
Considerando-se que o julgamento da ADI 4.439 encontra-se atualmente na pauta do
STF, e que a ADI 3.268 não foi julgada, a previsão aqui apresentada não guarda qualquer
distanciamento temporal dos fatos e, portanto, reveste-se de juízos pautados na grande
repercussão gerada pelo tema abordado no presente trabalho. Assim, deve-se ponderar que as
conclusões e avaliações aqui feitas são prematuras e podem (e devem) ser futuramente
repensadas. Ainda assim, cabe salientar que as reflexões apresentadas estão longe de ser
inconseqüentes e irresponsáveis.
Por fim, para justificar a possibilidade de elaboração desta análise (também com
intuito de afastar que seja atribuída a esta pesquisa o caráter de “futurologia”) faz-se
interessante apontar a noção do que se adotou como “precedente” no presente trabalho. O
termo relação de precedente deve se entendido da seguinte maneira, tal qual explicitado por
Flávia Annemberg:
13 Para a composição da amostra de precedentes, foi empreendida pesquisa no campo “Busca de Jurisprudência” do portal virtual do STF (http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp). Os seguintes critérios de busca foram utilizados, intentando-se a maior abrangência possível de resultados: (i) “Estado Laico”; (ii) Laicismo; (iii) Laicidade; (iv) “Liberdade Religiosa”; (v) Separação Estado Igreja; (vi) Deus; (vii) Ateu ou Ateísmo; (viii) Religião; (ix) Religiosidade; e (x) “Igualdade Religiosa”. Importante salientar que não houve qualquer corte temporal para o estabelecimento da amostra final de julgados.
11
“(...) o termo relação de precedente não tem uma conotação de vinculação direta entre os resultados. O termo diz respeito, na realidade, à análise do processo de argumentação que foi desenrolado em um caso tendo em vista o potencial de que ele venha a surgir de forma semelhante no outro caso. Assim, pretendo constatar a existência de uma lógica que possibilite a conexão entre os casos por meio do tipo de discurso desenvolvido, seja ele jurídico ou político”14.
Desta feita, entende-se que há uma relação lógica entre o que fora anteriormente, em
julgados passados, entendido como sendo “Estado laico” na visão do Supremo Tribunal
Federal, bem como o entendimento acerca da liberdade e da igualdade religiosa, e o atual
entendimento professado pelos ministros. Este entendimento será considerado como elemento
influenciador do possível tratamento a ser destinado à questão do ensino religioso
confessional nas escolas públicas.
Faz-se importante referir que o presente trabalho será – em grande parte – descritivo,
de maneira a apresentar contexto legal e constitucional em que o tema se insere, bem como
um panorama atual, jurídico-político, que envolve a questão do ensino religioso confessional
no Brasil. Ressalve-se que, embora o trabalho forneça, principalmente, uma apresentação do
cenário que abraça a polêmica no Brasil, não se desincumbiu de emitir eventuais opiniões
que, juntamente com a exposição factual e legal acerca do tema, tem por objetivo fomentar o
debate que já existe acerca da constitucionalidade do ensino religioso confessional no Brasil.
O caráter eminentemente opinativo do estudo revela-se, somente, a partir da
proposição de deslindes futuros acerca da controvérsia. Tais opiniões encontram-se,
entretanto, vinculadas ao entendimento já proferido pelo Supremo Tribunal Federal acerca da
laicidade Estatal, conforme já se aduziu anteriormente, buscando guardar relação de conexão
lógica entre o posicionamento já adotado pelo STF e aquele que se pretende prever.
Mais uma vez, salienta-se aqui, que a presente pesquisa não ambiciona trazer
conclusões inquestionáveis ou definitivas, ensejando, até mesmo, o surgimento de mais
perguntas do que respostas a respeito da controvérsia.14 ANNEMBERG, Flávia. A posição do Supremo Tribunal Federal nos casos de pesquisa com células-tronco embrionárias e da interrupção da gravidez do feto anencéfalo. Existe relação de precedente entre eles? Monografia apresentada à Sociedade Brasileira de Direito Público – SBDP, como exigência para conclusão do curso da Escola de Formação do ano de 2008. Disponível no link http://www.sbdp.org.br/arquivos/material/581_Monografia%20Flavia.PDF.
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Tratamento conferido pelo Ordenamento Jurídico – principais diretrizes e análise
sistemática do cenário constitucional
Para o perfeito entendimento a respeito da questão, impossível não apresentar o
panorama legislativo constitucional no qual a controvérsia - acerca da possibilidade de se
lecionar matéria religiosa nas escolas públicas - está inserida. Para isso, analisar-se-á o
tratamento designado pela Constituição Federal ao tema da educação, bem como o tratamento
conferido às liberdades (mais especialmente à liberdade de crença) e o que a Carta dispõe a
respeito da desvinculação entre Estado e Igrejas de todos os tipos.
Adicionalmente, os dispositivos da Declaração Universal dos Direitos Humanos,
relevantes para o presente estudo, serão trazidos à tela, já que tal texto inquestionavelmente
representa um balizador principiológico para a interpretação de tudo quanto pertinente aos
direitos humanos, sendo que a matéria do ensino, da educação, deve ser compreendida como
conteúdo destes direitos humanos.
Analisar-se-á, ainda, a Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional, dada sua inevitável pertinência temática.
Para o presente trabalho, importará, também, apresentar os atos normativos atacados
pelas Ações Diretas de Inconstitucionalidade retro citadas. Assim, o Decreto n° 7.107, de 11
de fevereiro de 2011, e a Lei Estadual nº 3.459, de 14 de setembro de 2000, do Estado do Rio
de Janeiro, serão aqui descritos.
Constituição Federal de 1988
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A Magna Carta de 1988 trata, em seus artigos 205 e seguintes15, do tema da educação
no Brasil.
Para o desenvolvimento do presente estudo, faz-se indispensável a análise mais
aprofundada do artigo 210, especificamente de seu parágrafo primeiro, a seguir transcrito:
“Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais.
15 Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;V - valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas; VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei;VII - garantia de padrão de qualidade. VIII - piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal. Parágrafo único. A lei disporá sobre as categorias de trabalhadores considerados profissionais da educação básica e sobre a fixação de prazo para a elaboração ou adequação de seus planos de carreira, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.§ 1º É facultado às universidades admitir professores, técnicos e cientistas estrangeiros, na forma da lei. § 2º O disposto neste artigo aplica-se às instituições de pesquisa científica e tecnológica. Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; II - progressiva universalização do ensino médio gratuito; III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade; V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;VII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didáticoescolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. § 1º - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.§ 2º - O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente.§ 3º - Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência à escola.Art. 209. O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições:I - cumprimento das normas gerais da educação nacional;II - autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público.Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais.§ 1º - O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental.
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§ 1º - O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental”.
Durante quase toda a história republicana brasileira, o tema do ensino religioso foi
matéria prevista pela Constituição Federal, com exceção da Carta de 1891, a primeira das
§ 2º - O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem.Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino.§ 1º A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, financiará as instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios; § 2º Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil. § 3º Os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio. § 4º Na organização de seus sistemas de ensino, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios definirão formas de colaboração, de modo a assegurar a universalização do ensino obrigatório. § 5º A educação básica pública atenderá prioritariamente ao ensino regular. Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.§ 1º - A parcela da arrecadação de impostos transferida pela União aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, ou pelos Estados aos respectivos Municípios, não é considerada, para efeito do cálculo previsto neste artigo, receita do governo que a transferir.§ 2º - Para efeito do cumprimento do disposto no "caput" deste artigo, serão considerados os sistemas de ensino federal, estadual e municipal e os recursos aplicados na forma do art. 213.§ 3º A distribuição dos recursos públicos assegurará prioridade ao atendimento das necessidades do ensino obrigatório, no que se refere a universalização, garantia de padrão de qualidade e equidade, nos termos do plano nacional de educação§ 4º - Os programas suplementares de alimentação e assistência à saúde previstos no art. 208, VII, serão financiados com recursos provenientes de contribuições sociais e outros recursos orçamentários.§ 5º A educação básica pública terá como fonte adicional de financiamento a contribuição social do salário-educação, recolhida pelas empresas na forma da lei. § 6º As cotas estaduais e municipais da arrecadação da contribuição social do salário-educação serão distribuídas proporcionalmente ao número de alunos matriculados na educação básica nas respectivas redes públicas de ensino. Art. 213. Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei, que:I - comprovem finalidade não-lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em educação;II - assegurem a destinação de seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao Poder Público, no caso de encerramento de suas atividades.§ 1º - Os recursos de que trata este artigo poderão ser destinados a bolsas de estudo para o ensino fundamental e médio, na forma da lei, para os que demonstrarem insuficiência de recursos, quando houver falta de vagas e cursos regulares da rede pública na localidade da residência do educando, ficando o Poder Público obrigado a investir prioritariamente na expansão de sua rede na localidade.§ 2º - As atividades universitárias de pesquisa e extensão poderão receber apoio financeiro do Poder Público.Art. 214. A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração decenal, com o objetivo de articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das diferentes esferas federativas que conduzam a:
15
Constituições da República. A partir do Estado Novo, com o Texto de 1934, a previsão de
ensino religioso sempre foi repetida nos enunciados constitucionais seguintes.
Conforme se infere da leitura do artigo destacado, o Texto Maior prevê a possibilidade
de constituição do ensino religioso nas escolas públicas, desde que seja ele de matéria
facultativa e contanto que respeitadas as demais liberdades públicas, importando para o
presente, especialmente, a liberdade de culto religioso e a previsão do laicismo do Brasil,
valores adiante explicados.
Deve-se ponderar, ainda, que todos os artigos constitucionais citados no presente
devem ser entendidos de forma sistêmica, compreendidos como parte integrante do
ordenamento jurídico, tal como concebido por Norberto Bobbio. Bem assim, há que se tomar
por dito ordenamento aquele composto por normas de primeiro grau, normas de segundo
grau, normas-preceitos e normas-princípios.
Sob esta perspectiva, faz-se necessário conferir destaque ao artigo 205 da Carta Maior,
que estabelece ser a educação um dever do Estado, sim, mas – igualmente – um dever da
família, devendo esta zelar pelo atendimento do fim maior da própria educação, qual seja, o
de promover pleno desenvolvimento do indivíduo, almejando seu preparo para exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Não menos importante, o artigo 206 do referido texto constitucional, estatui as bases
principiológicas que regem o ensino, dentre as quais não se pode deixar de mencionar – como
um importante highlight para a presente pesquisa – a garantia de pluralismo de idéias e de
concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas de ensino.
A respeito destes dois destacados mandamentos jurídicos – artigos 205 e 206 da Carta
Política – cabe um adendo doutrinário bastante pertinente, reproduzido do texto do eminente
Procurador do Estado de São Paulo, Nilton de Freitas Monteiro, que asseverou o quanto a
seguir:
I - erradicação do analfabetismo;II - universalização do atendimento escolar;III - melhoria da qualidade do ensino;IV - formação para o trabalho;V - promoção humanística, científica e tecnológica do País.VI - estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do produto interno bruto.
16
“O artigo 205 da Constituição estabelece que a educação é direito de todos e
dever do Estado e da família, e que será promovida e incentivada com a
colaboração da sociedade. O ensino será ministrado com base em vários
princípios, um deles o princípio do pluralismo das idéias (art. 206, III) — trata-se
daquilo que, na Constituição Portuguesa, é chamado de não-confessionalidade de
ensino público. Reitere-se, aqui, que a palavra "confessional", embora tenha uma
origem vinculada a questões religiosas (retorno às grandes declarações de
princípios contidas nas "Confissões", de Agostinho, para garantir a fidelidade
doutrinária pura do cristianismo, sem interferência racionalista), a palavra
"confessional", dizíamos, hoje pode ser empregada em sentido mais amplo,
abrangendo orientações religiosas ou orientações ideológicas”16.
Claramente os demais artigos constitucionais, em especial àqueles pautadores da
educação nas escolas brasileiras, influenciam na correta interpretação a ser dada ao tema do
ensino religioso facultativo nas escolas públicas. Não obstante, os artigos acima marcados
guardam maior pertinência com o tema aqui abordado, tendo sido, por isso, destacados.
Em continuidade àquilo referido acima, o ensino religioso nas escolas públicas
brasileiras deve, ademais, resguardar as demais liberdades constitucionalmente garantidas. A
primeira das referidas liberdades, a religiosa, encontra fulcro no artigo 5º da Carta
Constituinte, que trata dos direitos e garantias fundamentais de cada indivíduo. Seu inciso VI
assim dispõe:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes (...)
VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.
16 FREITAS MONTEIRO, Nilton de. Parâmetros Constitucionais do Ensino Religioso nas Escolas Públicas. O texto encontra-se acessível na página virtual da procuradoria geral do Estado de São Paulo, por meio do link http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/revistaspge/revista3/rev11.htm
17
À luz do caput do artigo em comento, deve-se compreender a liberdade de crença
como conteúdo do princípio da isonomia, um dos valores fundamentais de todo ordenamento
jurídico posto17.
Vê-se, da interpretação do transcrito artigo VI, que a Carta Fundamental garante tanto
a liberdade de consciência, quanto a liberdade de crença. É importante referir que a garantia
da liberdade de crença assegura que qualquer religião poderá ser professada, e ninguém será
impedido de crer naquilo que bem entender. Igualmente assegurado é o direito de não crer em
nada. “Deflui, pois, da liberdade de consciência uma proteção jurídica que incluí os próprios
ateus e os agnósticos”18
Além destas – liberdade de crença e de consciência – o inciso em comento possibilitou
a liberdade de exercício de culto, o que significa dizer que pode tal liberdade ser exercida (a
princípio19) em qualquer lugar, não sendo restringida a sua celebração nos templos destinados
especificamente a isto.
Saliente-se que tal dispositivo constitucional representa, por si só, uma grande
evolução histórica e social. Nem sempre se garantiu no Brasil a liberdade religiosa
(compreendendo as três liberdades acima referidas: culto, crença e consciência). A
Constituição de 1824 dispunha, em seu artigo 5º, ser a religião “Catholica Apostolica
Romana” a religião oficial do Império. As demais religiões somente eram permitidas em
cultos domésticos, sendo vedada qualquer manifestação ou exteriorização a elas
relacionadas20.
Com o advento do Decreto n° 119-A, de 7 de janeiro de 1890, proibiu-se, de vez, a
“intervenção da autoridade federal e dos Estados federados em matéria religiosa”21, assim
como consagrou-se a plena liberdade de cultos, extinguindo-se, ademais, o padroado, até
então vigente no Brasil.
17 Acerca do tema, vide o seguinte trabalho, em que os professores discorrem, de maneira didática e clara, acerca das nuances do princípio da isonomia: DAVID ARAÚJO, Luiz Alberto e JÚNIOR, Vidal Serrano Nunes. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Saraiva, 4ª Edição. 2001. pág. 88 e seguintes.18 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Saraiva, 18ª Edição. 1997. pág. 190 19 Importante atentar para o fato de que o exercício de culto não pode ofender a moral e os bons costumes e deve se coadunar com os demais mandamentos do ordenamento jurídico. à liberdade de culto, assim como qualquer outro princípio, não pode adquirir valor absoluto. A esse respeito, conferir BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Saraiva, 18ª Edição. 1997. pág. 19120 A respeito da evolução histórica e social da Constituição neste sentido, vide MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. São Paulo: Editora Atlas. 9ª Edição. 2001. pág. 7121 Redação do preâmbulo do Decreto 119-A
18
A separação entre Estado e Igreja e a reafirmação de inexistência de religião oficial do
Brasil encontra-se consignada na redação do artigo 19 da Constituição Federal, que em seu
inciso I aponta o quanto a seguir versado. Esta é a chamada “Cláusula de Estado Laico” para
fins do presente trabalho:
“Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”
Tal dispositivo, como se vê, configura-se como um dos princípios e uma das garantias
do próprio Estado Democrático de Direito. Não obstante, pode-se verificar antinomia aparente
quando em comparação com outros dispositivos da própria Constituição de 1988. Aí, mais
uma vez, se revela a importância de se proceder à análise sistemática de todo ordenamento
jurídico para se interpretar adequadamente a redação de cada um dos artigos que se encontram
em aparente conflito.
A esse respeito é possível indagar o motivo pelo qual a Carta estabelece a separação
entre Igreja e Estado e, ao mesmo tempo, garante como função do próprio Estado a
disponibilização de ensino religioso em suas escolas. Ainda, outras questões, neste mesmo
sentido, surgem acerca de qual o mais correto entendimento sobre a abrangência e, porque
não, acerca da própria aplicabilidade do laicismo Estatal, uma vez que a Constituinte garante
alguns tratamentos privilegiados às Igrejas.
Ainda que estes “tratamentos privilegiados” não constituam parte fulcral do tema deste
trabalho, faz-se relevante apresentá-los para o enriquecimento do debate sobre o ensino
religioso nas escolas da rede pública e, até mesmo, para contribuir para a tão reiterada análise
sistemática dos artigos constitucionais aqui apresentados como centrais para o entendimento
do objeto da presente pesquisa.
Neste sentido, porque não se perguntar o por quê de haver garantia constitucional da
separação entre Estado e Igreja e, ao mesmo passo, haver previsão constitucional de
assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva (conforme disposto
19
no art. 5º, VII)? Além disso, como a previsão de destinação de recursos públicos às escolas
confessionais e filantrópicas, em conformidade com lei que assim o preveja (art. 213), bem
assim a concessão de efeitos civis aos casamentos religiosos (art. 226, § 2º) e imunidade de
impostos de templos de qualquer culto (art. 150, VI, b) se coadunam com a Cláusula de
Estado Laico?
Os questionamentos ficam ainda mais interessantes quando analisados sob o enfoque
do preâmbulo da Magna Carta brasileira de 1988. A Constituição fora promulgada “sob a
proteção de Deus”, conforme se lê no enunciado preambular constitucional, a seguir trazido à
baila:
“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade, e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL”
A doutrina muito divergiu acerca da “força normativa” do preâmbulo e de seu eventual
caráter vinculante22. De fato, impossível não se perguntar qual o real significado impresso
pelo preâmbulo e a que título tal enunciado figura no texto constitucional.
A questão ganhou contornos (um pouco) mais bem definidos no Brasil quando o
Supremo Tribunal Federal enfrentou o assunto, na Ação de Direta de Inconstitucionalidade nº
2.076., cuja ementa encontra-se a seguir reproduzida. Nesta oportunidade, a Corte entendeu
não se tratar o preâmbulo de norma, conforme adiante se verifica:
22 A respeito da problemática, alguns dos maiores expoentes do direito constitucional contemporâneo já se pronunciaram contrariamente à atribuição de caráter normativo ao preâmbulo constitucional. Neste sentido, vide CANOTILHO J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Fundamentos da Constituição. Coimbra: Coimbra Editora, 1991. pág. 45; MELLO FILHO, José Celso. Constituição Federal anotada. 2 Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 1986. pág. 20; BASTOS, Celso; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Editora Saraiva. 1988. V-1, pág. 409 e seguintes. Em sentido contrário, entendendo pela atribuição de valor normativo para o enunciado preambular da Constituição, vide: NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro. Comentários à Constituição Federal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997. pág. 134. Ademais, interessante notar, a respeito dos diversos posicionamentos acerca do caráter normativo do preâmbulo, o voto do ministro Carlos Velloso na Adin nº 2.076/AC, da qual ele mesmo fora relator. Ainda, no campo jurisprudencial, interessante destacar a decisão 71-44DC, de 16.07.1971, proferida pelo Conselho Constitucional francês que atribuiu força normativa ao preâmbulo.
20
“EMENTA: CONSTITUCIONAL. CONSTITUIÇÃO: PREÂMBULO. NORMAS CENTRAIS. Constituição do Acre. I. - Normas centrais da Constituição Federal: essas normas são de reprodução obrigatória na Constituição do Estado-membro, mesmo porque, reproduzidas, ou não, incidirão sobre a ordem local. Reclamações 370-MT e 383-SP (RTJ 147/404). II. - Preâmbulo da Constituição: não constitui norma central. Invocação da proteção de Deus: não se trata de norma de reprodução obrigatória na Constituição estadual, não tendo força normativa. III. - Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente23” (Destacou-se)
Cumpre esclarecer que, ainda que adotemos o posicionamento compatível com o
entendimento jurisprudencial pacificado pelo STF, de que o preâmbulo da Constituição não
possui força normativa, não podemos nos eximir de mencionar que tal enunciado assinala a
matriz política da Constituição. É, como diria Alexandre de Moraes - apresentando os
ensinamentos dos doutrinadores Jorge Miranda e Juan Bautista Alberdi – um documento de
intenções do diploma constitucional, e se presta a duas finalidades básicas: fundamentar a
legitimidade de nova ordem constitucional e explicar as grandes finalidades da nova
Constituição24.
Conforme se verifica deste breve apanhado de artigos e princípios constitucionais, a
Carta Magna, por si só, alberga diversas possibilidades de entendimento e suscita diversas
dúvidas acerca da acertada interpretação que deve ser dada à questão principal do presente
estudo. Afinal, pode a disciplina religiosa confessional, de matrícula facultativa, ser lecionada
nas escolas públicas, à luz da liberdade religiosa e da Cláusula de Estado Laico
constitucionalmente garantidas?
A Declaração Universal dos Direitos Humanos
Indubitavelmente este é um dos mais importantes textos normativos do século XX.
Digno de enaltecimentos por parte da comunidade jurídica e pela própria sociedade civil, a
Declaração Universal de Direitos Humanos representou um marco histórico de respeito à
23 STF – Pleno – Adin nº 2.076/AC – Rel. Min Carlos Velloso, decisão 15.08.200224 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e legislação constitucional. 5ª Edição. São Paulo: Editora Atlas. 2005. pág. 119 à 121.
21
dignidade humana desde 1948, quando de sua aprovação unânime pelos 48 países presentes
na Assembléia Geral da ONU.
A renomada professora Flávia Piovesan, citando Muylaert Antunes, bem ressalta que
“A Declaração dos Direitos Humanos se impões como ‘valor da afirmação de uma ética
universal’ e conservará sempre seu lugar de símbolo ideal”25.
Já que aqui não cabe um aprofundamento delongado acerca de tal Declaração,
salienta-se, somente, que de acordo com o entendimento da mesma referida doutrinadora,
Flávia Piovesan,
“a Declaração se impõe como um código de atuação e de conduta para os Estados integrantes da comunidade internacional. Seu principal significado é consagrar o reconhecimento universal dos direitos humanos pelos Estados, consolidando um parâmetro internacional para a proteção desses direitos”26
Ainda, entende que mesmo não sendo a Declaração Universal de 1948 um tratado
internacional de direitos humanos, deve ser recebida pelo ordenamento jurídico como texto de
força jurídica obrigatória e vinculante27.
Tendo em vista a noção acima exposta, acerca da representatividade da Declaração e
da proteção jurídica a ela atribuída, não se poderia deixar de mencionar o tratamento
dispensado pelo texto em comento à questão fulcral do presente trabalho. Neste sentido,
devem ser destacados os seguintes artigos do texto analisado:
“Artigo 2o
I) Todo o homem tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição”
25 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Max Limond. 2002. pág. 145 26 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Max Limond. 2002. pág. 15527 Neste sentido, conferir: PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Max Limond. 2002. pág. 154
22
“Artigo 18 Todo o homem tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular”
“Artigo 26
I) Todo o homem tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito
II) A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos do homem e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.
III) Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos”
Tendo em vista que a Declaração dos Direitos Humanos configura-se como texto
principiológico de balizamento ético, que deve pautar o tratamento jurídico destinado a um e
outro assunto, nada mais justo do que o destaque dos “princípios” acima transcritos,
pertinentes à educação e às igualdade e liberdade religiosas. O intuito da apresentação de tais
artigos é fomentar o debate a respeito da possibilidade do ensino religioso confessional nas
escolas públicas, bem como melhor delimitar a “esfera jurídica” em que tal debate encontra-se
inserido.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
Um dos elementos norteadores das conclusões obtidas a partir da analisa do problema
enfrentado na presente pesquisa, é a Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996, a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional ou, simplesmente, “LDB”.
Referida Lei nº 9.394 estatui, em seu artigo 33:
23
“Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo.
§ 1º Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores.
§ 2º Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino religioso”
Conforme se verifica, a LDB assegurou como principio orientador do ensino religioso
o respeito à diversidade religiosa e vedou quaisquer formas de proselitismo. Cumpre ressaltar,
no entanto, que nem sempre foi assim.
A redação atual do dispositivo legal acima transcrito foi conferida pela Lei nº 9.475,
de 22 de julho de 1997. Anteriormente à promulgação desta referida Lei, a LDB dispunha
sobre a possibilidade de as escolas públicas oferecerem, como grade curricular facultativa, o
ensino religioso confessional ou interconfessional, na forma do anterior artigo 33.
“Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, sendo oferecido, sem ônus para os cofres públicos, de acordo com as preferências manifestadas pelos alunos ou por seus responsáveis, em caráter:
I - confessional, de acordo com a opção religiosa do aluno ou do seu responsável, ministrado por professores ou orientadores religiosos preparados e credenciados pelas respectivas igrejas ou entidades religiosas; ou
II - interconfessional, resultante de acordo entre as diversas entidades religiosas, que se responsabilizarão pela elaboração do respectivo programa”.
24
Interessante notar a evolução normativa do dispositivo sub judice. A Lei nº 9.475
suprimiu qualquer menção ao caráter confessional (ou interconfessional) e, ainda, incluiu a
previsão de vedação a quaisquer formas de doutrinação pela escola pública, imprimindo um
caráter de maior neutralidade religiosa e de maior compatibilidade com a Cláusula de Estado
Laico.
Neste sentido, não se pode deixar de ponderar que eventual estabelecimento de ensino
confessional poderia, ao menos a priori, ser considerado como “contra-evolutivo”, uma vez
que reverteria a mudança história e social que pautou a modificação do artigo 33 da Lei de
Diretrizes e Bases, de forma a fazer com que sua redação passasse a não mais fazer menção a
qualquer forma de confessionalidade (ou interconfessionalidade).
O Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil
Em 13 de Novembro de 2008, a República Federativa do Brasil celebrou, com a Santa
Sé, Acordo relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil. Tal acordo foi recebido
em nosso ordenamento jurídico pátrio, primeiramente por meio de Decreto Legislativo, de
número 698/2009, e, em seguida, promulgado pelo Presidente da República através do
Decreto nº 7.107, de 11 de fevereiro de 2010.
O Decreto, como um todo, movimentou a opinião pública, sendo objeto de inúmeras
críticas e comentários. Um dos pontos que mais apresentou divergência e polêmica foi o
artigo 11 de seu anexo.
“Artigo 11. A República Federativa do Brasil, em observância ao direito de liberdade religiosa, da diversidade cultural e da pluralidade confessional do País, respeita a importância do ensino religioso em vista da formação integral da pessoa.
§1º. O ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, em conformidade com a Constituição e as outras leis vigentes, sem qualquer forma de discriminação”
25
Pode-se dizer – ao menos a princípio – que o Estatuto da Igreja Católica no Brasil
conferiu tratamento “inovador” em comparação com aquele apresentado pelos dispositivos
legais e constitucionais até agora analisados.
Ao estabelecer, em seu parágrafo primeiro, o ensino religioso, católico e de outras
confissões religiosas, o artigo 11 do Decreto em pauta denomina uma religião (a católica)
dentre as muitas religiões professadas no Brasil – o que até então não tinha sido verificado
nos aqui reproduzidos artigos da Constituição Federal, da Declaração Universal e da LDB,
que – em momento algum – denotaram qualquer forma de estabelecimento ou citação de uma
única religião.
Para parte dos críticos, a menção à religião católica, pura e simplesmente, já denota
certo favoritismo que deve ser expurgado sob a égide da laicidade Estatal. Para outros,
entretanto, o Decreto não confere tratamento privilegiado, uma vez que em seguida garante “o
respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, em conformidade com a Constituição e as
outras leis vigentes, sem qualquer forma de discriminação”.
Haveria, assim, o estabelecimento do chamado ensino religioso confessional por parte
do Estatuto Jurídico da Igreja no Brasil? E, em havendo, deveria este ser tratado como
inconstitucional, uma vez que concedeu tratamento “diferenciado” daquele estabelecido pela
Carta Maior? Estas são questões que deverão ser enfrentadas pelo Supremo Tribunal Federal,
conforme adiante se discorrerá.
A Lei Estadual nº 3.459 do Estado do Rio de Janeiro
Inicialmente, cabe referir que o presente trabalho não se propôs a analisar eventuais
leis de diversos Estados ou Municípios que tratassem do tema. Assim, cumpre salientar que a
presente lei somente configura objeto do estudo aqui proposto por ter sido ela questionada
perante o Supremo Tribunal Federal.
A Lei Estadual nº 3.459 dispõe sobre o ensino religioso confessional nas escolas da
rede pública de ensino do Estado do Rio de Janeiro. Tal Lei, de autoria do Deputado Carlos
Dias, foi publicada em 15 de setembro de 2000 e foi alvo de grande repercussão midiática,
constituindo, conforme acima já referido, objeto de ADI interposta perante o Supremo.
26
Logo em seu artigo 1º28, a Lei Estadual estabelece a possibilidade de o ensino religioso
ser lecionado em sua forma confessional e – mais – disciplina a sua obrigatoriedade nos
colégios públicos do Rio de Janeiro.
Engraçado notar que, embora estabeleça o ensino religioso confessional nas escolas
públicas, a mesma Lei, no mesmíssimo citado artigo 1º, veda quaisquer formas de
proselitismo.
Além de estabelecer carga horária mínima da disciplina do ensino religioso29 e
estabelecer regras específicas de concurso público para os professores de ensino religioso30, a
Lei Estadual nº 3.459 constrange, no artigo 2º31, a atuação do professor de ensino religioso,
estabelecendo critérios arbitrários de escolha dos professores capacitados a ministrar aulas de
tal matéria.
Por fim, a Lei em apreço estatui, em seu artigo 3º32, ser de atribuição específica das
autoridades religiosas a determinação do conteúdo do ensino religioso nas escolas públicas,
enaltecendo, inclusive, o desejável papel do Estado, que – de acordo com esta Lei Fluminense
– deverá apoiar integralmente o conteúdo determinado pelas autoridades religiosas
mencionadas na Lei n° 3.459.
28 Art. 1º - O Ensino Religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina obrigatória dos horários normais das escolas públicas, na Educação Básica, sendo disponível na forma confessional de acordo com as preferências manifestadas pelos responsáveis ou pelos próprios alunos a partir de 16 anos, inclusive, assegurado o respeito à diversidade cultural e religiosa do Rio de Janeiro, vedadas quaisquer formas de proselitismo.Parágrafo único – No ato da matrícula, os pais, ou responsáveis pelos alunos deverão expressar, se desejarem, que seus filhos ou tutelados freqüentem as aulas de Ensino Religioso29 Art. 4º - A carga horária mínima da disciplina de Ensino Religioso será estabelecida pelo Conselho Estadual de Educação, dentro das 800 (oitocentas) horas-aulas anuais.30 Art. 5º - Fica autorizado o Poder Executivo a abrir concurso público específico para a disciplina de Ensino Religioso para suprir a carência de professores de Ensino Religioso para a regência de turmas na educação básica, especial, profissional e na reeducação, nas unidades escolares da Secretaria de Estado de Educação, de Ciência e Tecnologia e de Justiça, e demais órgãos a critério do Poder Executivo Estadual.Parágrafo Único – A remuneração dos professores concursados obedecerá aos mesmos padrões remuneratórios de pessoal do quadro permanente do Magistério Público Estadual31 Art. 2º - Só poderão ministrar aulas de Ensino Religioso nas escolas oficiais, professores que atendam às seguintes condições:I – Que tenham registro no MEC, e de preferência que pertençam aos quadros do Magistério Público Estadual;II – tenham sido credenciados pela autoridade religiosa competente, que deverá exigir do professor, formação religiosa obtida em Instituição por ela mantida ou reconhecida.32 Art. 3º - Fica estabelecido que o conteúdo do ensino religioso é atribuição específica das diversas autoridades religiosas, cabendo ao Estado o dever de apoiá-lo integralmente.
27
As Ações Diretas de Inconstitucionalidade – a materialização da controvérsia que
permeia o tema
Consoante já anteriormente aludido, a questão do ensino religioso confessional nas
escolas públicas constitui controvérsia que se materializou em forma de duas Ações Diretas
de Inconstitucionalidades impetradas perante o Supremo Tribunal Federal33.
Interessante notar que o próprio canal escolhido para discutir a questão da congruência
da disciplina religiosa confessional nos colégios da rede pública, qual seja, o próprio STF, já
denota em si uma constatação curiosa. Os setores da sociedade civil passam cada vez mais a
perceber o Supremo como uma instância não somente decisória, mas também como um
“palco de visibilidade” para questões que envolvem os mais diversos âmbitos sócio-
organizacionais.
O que se denota é que a Corte passa a atuar politicamente, não estando adstrita tão
somente à esfera jurídica, estabelecendo-se, de fato, como definidor de algumas políticas
públicas – tal qual o estabelecimento de diretrizes para a educação nacional -, em vista da
inexecução (ou da execução ineficaz) de tais políticas pelos poderes eleitos, a quem
precipuamente incumbe o dever de efetivá-las.
Neste sentido, figura a ADI como verdadeira motriz de execução de políticas públicas,
não devendo tal motor ser compreendido como mero remédio constitucional. Sua propositura
– e nestes dois casos, inclusive – deve ser tida como importante material definidor das
estruturas mais básicas e basilares de toda uma ordem que muito importa à sociedade como
um todo.
Conclusivamente, deve-se enaltecer o papel democrático da Ação Direta, que cada vez
mais adquire importância que extrapola o caráter jurídico de instrumento que se presta a sanar
vícios legislativos, e atinge a função de “protesto”, por meio do qual, representantes das
minorias (na maior parte das vezes), demonstram seu descontentamento com a realidade
posta.
33 Cabe salientar, mais uma vez, que nenhuma das Ações Diretas de Inconstitucionalidade foi decidida pela Corte. Assim sendo, deve ser feito somente um breve esclarecimento metodológico acerca da obtenção do material pertinente para a análise acurada acerca das ADIs. O sítio eletrônico do STF (www.stf.gov.br) disponibiliza a ferramenta “Petições ADI, ADC e ADPF”, que faz parte da opção “processos”, por meio da qual se fez possível obter as petições iniciais já distribuídas.
28
À luz deste entendimento, justifica-se a importância do estudo acerca da
materialização da controvérsia em forma de ADI, bem como do estudo empírico a respeito da
questão da constitucionalidade do ensino religioso confessional nas escolas públicas. Através
de constatações práticas, intenta-se chegar mais próximo de uma possível solução para os
chamados hard cases constitucionais34.
Claro que as digressões teórico-doutrinárias são importantíssimas e contribuem muito
para o debate a respeito do tema. E é por isso que a análise acerca da questão será
desenvolvida em ambos os planos (teórico e prático, doutrinário e jurisprudencial), sem que
haja prejuízo ou desmerecimento de um ou de outro.
ADI n° 3.268 – O Caso do Ensino Religioso Confessional nas Escolas Públicas do Rio de
Janeiro
Conforme anteriormente se aludiu, de maneira rasa, a ADI n° 3.268 questionou,
perante o Supremo Tribunal Federal os dispositivos da Lei Fluminense n° 3.459/2000, Lei
esta que já fora oportunamente apresentada no presente trabalho, no tópico desenvolvido
acima.
Por meio da ADI em referência, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em
Educação – “CNTE”, impugnou os artigos 1º, 2º e 3º da Lei Estadual do Rio de Janeiro
(conforme já anteriormente explicados em capítulo anterior), por cabal violação aos artigos
5º, VIII. 22, XXIV, 37 caput e 210 da Constituição Federal, e formulou pedido de concessão
de liminar.
De acordo com a inicial, os comandos normativos impugnados (i) usurpam
competência legislativa da União35, vez que lei de iniciativa estadual indevidamente
estabeleceu diretrizes e bases da educação nacional; (ii) violam o artigo 210 caput e § 1º da
Constituição, já que estabelecem a forma confessional de ensino religioso e atribui às
autoridades religiosas a definição de conteúdos a serem ministrados em sala de aula; (iii) 34 Acerca da classificação do tema do ensino religioso confessional nas escolas públicas como um hard case constitucional, conferir: MARTEL, Leticia de Campos Velho. “Laico, mas nem tanto”: cinco tópicos sobre liberdade religiosa e laicidade estatal na jurisdição constitucional brasileira, in Revista Jurídica. Brasília, v. 9, n. 86, págs. 11-57, ago./set., 2007. Disponível, também, no endereço eletrônico do Planalto do Governo, no link http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_86/Artigos/PDF/LeticiaCampos_rev86.pdf35 Conforme dispõe o artigo 22 da Constituição Federal:Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (...) XXIV - diretrizes e bases da educação nacional
29
afrontam a Cláusula de Estado Laico ao estabelecerem insofismável aliança entre o Estado do
Rio de Janeiro e as entidades religiosas36; e (iv) ferem o Princípio da Impessoalidade da
Administração Pública, traduzido pelo artigo 3737 da Magna Carta, à medida em que a Lei
atacada estabelece privilégios entre integrantes de específicos segmentos religiosos.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade ora em comento, embora não tenha sido ainda
julgada (mesmo tendo sido proposta no ano de 2004), teve grande repercussão, ensejando
debates interessantes que contrapuseram argumentos defensivos e combativos da
constitucionalidade da Lei Fluminense.
É relevante apontar que em virtude da complexidade e da grande discussão gerada em
razão do assunto, o relator, Ministro Celso de Mello, requereu a participação de amicus
curiae38 no processo. A Conectas Direitos Humanos e o Centro de Direitos Humanos – CDH,
instados a se manifestar nesta condição, se posicionaram em favor da declaração de
inconstitucionalidades dos artigos impugnados pela CNTE.
A justificativa da participação de amicus no processo, atenta para a abrangência e para
a dificuldade de resolução da controvérsia, e foi assim proferida pelo mencionado Ministro:
“a razão de ser que primordialmente justifica a intervenção do
"amicus curiae" apóia-se na necessidade de pluralizar o debate em
torno da constitucionalidade, ou não, de determinado ato estatal, em
ordem a conferir maior coeficiente de legitimidade democrática ao
julgamento a ser proferido, pelo Supremo Tribunal Federal, em sede
de fiscalização normativa abstrata”39
36 Trecho retirado da Petição Inicial da ADI 3.268, disponível no sítio eletrônico do Supremo Tribunal Federal.37 De acordo com o caput do artigo 37 da CF, A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...)38 A figura do amicus curiae representa intervenção de terceiros no processo de decisão da Ação de Inconstitucionalidade, para auxiliar a Corte, fornecendo argumentos acerca da constitucionalidade ou da inconstitucionalidade do dispositivo atacado. Esta intervenção é permitida, em conformidade com o artigo 7º, § 2 da Lei 9.868/99, cuja redação encontra-se a seguir transcrita: Art. 7o Não se admitirá intervenção de terceiros no processo de ação direta de inconstitucionalidade. (...) § 2o O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgãos ou entidades.39 ADI 3268 MC / RJ - Rio de Janeiro. Relator(a): Min. Celso de Mello. Julgamento em 20.10.2004
30
Dentre os argumentos mais relevantes, os amici curiae levantam que a
disponibilização do ensino religioso, na modalidade confessional, viola uma série de
mandamentos constitucionais, afrontando, em especial o artigo 19, I e o artigo 5º, incisos VI e
VIII. Ainda, apontam a incompatibilidade do ensino confessional com relação ao artigo 33 da
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, vez que a própria evolução do referido artigo
33, introduzida pela lei 9.475/1999, vem justamente sanar inconstitucionalidade anterior, que
previa a forma confessional de ensino religioso.40
Os amici classificam a Lei Estadual impugnada como uma forma de tornar o ensino
religioso – que, de acordo com a Conectas e o CDH, deve ser entendido como ensino de
cunho antropológico e filosófico – um meio de efetivação de catequese e arrebanhamento de
fiéis41, constituindo-se verdadeira deformidade do Estado Democrático de Direito.
Neste contexto, afirmam os colaboradores da Corte, ser a Lei atacada um propulsor da
confusão indevida entre o divino e o secular, já que a propositura de ensino confessional, de
matéria obrigatória, nas escolas públicas geraria a subvenção de religiões, o que é vedado pela
Cláusula de Estado Laico, e promoveria violação à liberdade de crença e consciência, já que
estabeleceria relação de preferências entre credos e crentes a serem congratulados com as
aulas-culto de ensino religioso.42 O diploma atacado também violaria, na visão dos amici, o
artigo 19, inciso I, vez que promoveria a transformação do público-estatal em local de
pregação, cultos e liturgias.
Os autores do amicus curiae denunciam o que eles denominam de “paradoxo” gerado
pelo diploma. Neste sentido, explicam que a vedação expressa feita pela Lei a quaisquer
formas de proselitismo, em nada ameniza a clara afronta que esta promove à ordem
constitucional, e constitui, na realidade, uma hipocrisia legislativa tendo em vista que o
ensino confessional é, ele próprio, inerente ao proselitismo.
Apontam, ademais, para a inconstitucionalidade da Lei do Rio de Janeiro, pelo fato de
esta afrontar à liberdade de profissão e a igualdade resguardadas pelo Texto Maior,
40 Trecho extraído do corpo da peça processual produzida pela Conectas Direitos Humanos e pelo CDH, disponível no endereço eletrônico do Supremo Tribunal Federal41 Trecho extraído do corpo da peça processual produzida pela Conectas Direitos Humanos e pelo CDH, disponível no endereço eletrônico do Supremo Tribunal Federal42 Trecho extraído do corpo da peça processual produzida pela Conectas Direitos Humanos e pelo CDH, disponível no endereço eletrônico do Supremo Tribunal Federal
31
salientando que somente seriam aceitos para ministrar aulas na Rede Pública, os professores
que professassem determinada (ou determinadas) fé(s).
Adicionalmente, a Conectas e o CDH ressaltam o fato de a Lei Fluminense
estabelecer, como elemento qualificador dos professores habilitados a lecionar disciplina
religiosa confessional, o reconhecimento e credenciamento de tais professores pela autoridade
religiosa competente, nos termos da atacada lei. O estabelecimento deste critério, além de
vincular Estado e Igrejas, traz em si a necessária afronta à igualdade entre as religiões
professadas no Brasil, dado o simples fato de nem todas as religiões possuírem uma
autoridade religiosa.
A peça traz, ainda, interessantes considerações acerca das dificuldades de implantação
do ensino religioso confessional, tal qual concebido pela Lei questionada. Nesse sentido,
constituiria um problema prático-administrativo a disponibilização de ensino religioso
confessional para as mais de 40 religiões professadas no Brasil. Na visão dos colaboradores,
não sendo possível atender o ensino confessional a cada uma das mais de 40 crenças
religiosas - por não estar o Estado aparelhado para disponibilização de todas as manifestas
religiosidades -, haveria conseqüente violação dos citados incisos do artigo 5º.
Curioso notar que tal ADI, conforme já se referiu acima, não recebeu qualquer
tratamento por parte dos ministros do Supremo. A intervenção de terceiros – os amigos da
Corte – reafirma a profundidade da questão e confere força ao debate que se instaura no palco
no plenário, em que os ministros deveriam figurar como atores principais e, até agora, não o
fizeram. Denota, ainda, a urgência de definição acerca do assunto, definição tal que constitui a
função precípua dos juízes e que o Tribunal Maior está falhando ao não desempenhar.
Em consulta empreendida na home page da Assembléia Legislativa do Estado do Rio
de Janeiro43, fez-se possível a constatação de que a Lei Estadual, que fora promulgada no ano
de 2000, e que até hoje figura como cerne da polêmica acerca da validade da modalidade de
ensino religioso por ela implementado, encontra-se ainda em vigor.
É interessante apontar que a Lei Estadual n° 3.459/2000 já havia sido questionada em
instância recursal anterior (“inferior”)44. Na ocasião, o então deputado Carlos Minc atacou a
constitucionalidade da Lei Fluminense perante o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, 43 http://www.alerj.rj.gov.br/44 Conferir, neste sentido o processo 0036642-70.2000.8.19.0000 (2000.007.00141), disponível para consulta no site do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro http://www.tjrj.jus.br/scripts/weblink.mgw
32
sustentando que a forma confessional de ensino ensejaria indissociável proselitismo e
acarretaria intolerância religiosa, bem como atacou os critérios estabelecidos pela Lei quanto
à formação e admissão dos professores e a definição do conteúdo a ser lecionado.
Distribuído o pleito, tanto a Procuradoria do Estado quanto a Procuradoria de Justiça
manifestaram entendimento pelo não reconhecimento do pedido. Quando do julgamento da
representação por inconstitucionalidade, os desembargadores, por unanimidade, indeferiram o
pedido, acatando o entendimento dos Procuradores e posicionando-se em favor da
constitucionalidade da Lei que estabeleceu a forma confessional de ensino para as escolas
públicas do Estado do Rio de Janeiro45.
O entendimento pela constitucionalidade, deu-se em virtude da proibição expressa
constante do enunciado normativo da Lei Fluminense a quaisquer formas de proselitismo e do
entendimento do termo confessional como não excludente do ecumenismo. Naquela assentada
o Tribunal de Justiça entendeu, também, que o fato de a Lei exigir credenciamento por
autoridade competente não feriria o respeito constitucional à diversidade religiosa,
asseverando que as agremiações que não possuem organização hierárquica formal, devem –
certamente – possuir estrutura organizacional que possibilita a indicação de alguém que faça
as vezes de autoridade religiosa.
Embora se possa dizer - a partir do exame dos votos – que os desembargadores
fizeram uma leitura simplória do termo confessional e julgaram a questão de maneira
descompromissada com os reais problemas que se verificavam na prática, em virtude da
45 Tal decisão encontra-se assim ementada: Representação de Inconstitucionalidade contra dispositivos da lei estadual n.º 3459/2000, que dispõe sobre o Ensino Religioso Confessional nas escolas da rede Pública de Ensino do Estado do Rio de Janeiro - Argüição de vícios materiais e formais -- A expressão confessional nada mais significa do que crença religiosa - O ecumenismo é forma de convivência e colaboração interconfessional, em nada se opondo ao confessionalismo religioso - A lei, especialmente, em seu artigo 1º, preservou o princípio fundamental da liberdade de religião. O artigo da Lei que se limita a indicar as condições necessárias para que uma pessoa seja habilitada a ministrar aulas, dando preferência aos que pertençam ao Magistério Estadual, que possuam habilitação específica, guarda consonância com a Lei Maior do Estado - Inexistência de qualquer discriminação entre adeptos de, religiões diversas -- Acolhimento parcial da representação, quanto ao artigo 5º, do Diploma impugnado, eis que criou função pública, independentemente de iniciativa do Governador do Estado. (Ementário: 36/2001 - N. 32 - 22/11/2001 REV. DIREITO DO T.J.E.R.J., vol 51, pag 178)
33
adoção do ensino religioso confessional nas escolas públicas do Rio de Janeiro46, a decisão
proferida traz à tona uma importante contribuição para o debate.
A partir da comparação entre o resultado da decisão proferida pelo TJRJ, que entendeu
pela constitucionalidade da Lei Estadual n° 3.459/2000, em relação aos argumentos
apresentados no amicus curiae, que levaram à conclusão de inconstitucionalidade da mesma
Lei, mais uma vez se verifica a falta de consenso entre as posições manifestadas acerca do
tema do ensino religioso confessional nas escolas públicas.
A contraposição de opiniões revela, antes de tudo, o terreno fértil em que a discussão
encontra-se inserida e o quão difícil é se chegar a qualquer conclusão acerca do assunto. Os
valores aqui ponderados inserem-se, sim, em um contexto público, coletivo, mas –
impreterivelmente – perpassam pela esfera privada, individual de cada ator que participa do
debate, já que a religião diz respeito ao foro íntimo de cada indivíduo, sendo quase que
impossível que cada debatedor se dispa de suas crenças e convicções mais arraigadas no
âmago do próprio ser – espaço este que é ocupado pelos valores confessionais de cada ser
humano.
ADI n° 4.439 – O Caso do Estatuto da Igreja Católica no Brasil
A Ação Direta de Inconstitucionalidade em apreço, numerada 4.439, foi proposta, em
30 de julho de 2010 pela Procuradora Geral da República, Debora Duprat, em face do Decreto
n 7.107, cuja evolução histórica e principais nuances já foram acima explicitados.
46 Neste sentido, Letica Martel apresenta a seguinte conclusão quanto ao julgamento da representação de inconstitucionalidade apresentado pelo deputado Carlos Minc: Ao passo que os especialistas em educação demonstram cruciais diferenças entre o ensino religioso confessional, interconfessional e não-confessional, os julgadores consideraram a palavra confessional em um contexto léxico simplista (desvinculado, até mesmo, de sentidos que lhe são conferidos juridicamente) e declararam a constitucionalidade da norma. Esse fato demonstra um absoluto distanciamento dos problemas reais que estavam em pauta, pois toda a arquitetura legal foi desenhada segundo uma leitura técnica da qual não seria possível desvencilhar-se. A ausência de maiores discussões sobre a aplicação da lei sugere que os magistrados não estavam plenamente cientes do impacto e dos desdobramentos futuros da sua decisão, o que leva a crer que os fundamentos adotados possam ser tarjados de subminimalistas. Conferir: MARTEL, Leticia de Campos Velho. “Laico, mas nem tanto”: cinco tópicos sobre liberdade religiosa e laicidade estatal na jurisdição constitucional brasileira, in Revista Jurídica. Brasília, v. 9, n. 86, págs. 11-57, ago./set., 2007. Disponível, também, no endereço eletrônico do Planalto do Governo, no link http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_86/Artigos/PDF/LeticiaCampos_rev86.pdf
34
A dita afronta aos preceitos constitucionais se dá especificamente pelo artigo 1147 do
Estatuto da Igreja Católica no Brasil, que com o advento de sua promulgação por meio do
Decreto acima mencionado, passou a figurar como Anexo ao corpo do texto do ato normativo.
A Procuradoria apresenta uma série de motivos pelos quais o texto impugnado deveria
ser considerado como contrário à Magna Carta, por afronta à liberdade de crença e
consciência e por desrespeito à laicidade Estatal. Não obstante a apresentação dos argumentos
em favor da inconstitucionalidade do artigo 11, a Procuradora Geral sugere que seja
concedida, pelo Supremo Tribunal, interpretação conforme a Constituição ao referido artigo.
O objeto principal contestado por Debora Duprat é a expressão ensino religioso,
católico e de outras confissões religiosas, que, de acordo com o entendimento da autora,
constitui estabelecimento indevido de caráter confessional ao ensino religioso, o que acaba
por ferir os preceitos constitucionais retro citados.
Assim sendo, a Procuradoria provê um relato acerca da laicidade do Brasil,
salientando que este princípio representa a possibilidade de o Estado adotar uma postura
bidirecional: salvaguardando tanto as diversas confissões religiosas existentes no Brasil de
qualquer intervenção indevida por parte do Estado, e, de outro lado, prevenindo qualquer
forma de influência proveniente de qualquer Igreja que tente afetar o Estado, protegendo a
necessária separação entre o poder secular e o democrático.
A laicidade compreendida na peça elaborada pela Procuradoria representa a adoção de
postura neutra por parte do Estado, de maneira que não haja favorecimento ou embaraço de
qualquer crença ou fé, sendo certo que a interpretação dada ao artigo 11 em comento deve se
coadunar com o contexto principiológico constitucional. Desta feita, deve ser levando em
consideração o fato de o Estado ser laico - neutro, bem como a garantia da liberdade de crença
e consciência e, de mesma forma, a relação com o princípio da igualdade.
A exposição feita pela Procuradoria na ADI 4.439, traz à tona não somente
questionamento de ordem jurídica acerca do tema, mas adicionalmente apresenta
47 “Artigo 11A República Federativa do Brasil, em observância ao direito de liberdade religiosa, da diversidade cultural e da pluralidade confessional do País, respeita a importância do ensino religioso em vista da formação integral da pessoa.§1º. O ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, em conformidade com a Constituição e as outras leis vigentes, sem qualquer forma de discriminação”
35
preocupações eminentemente sociológicas que se verificam da prática do ensino religioso nas
escolas públicas do Brasil. Neste sentido, afirma ser tênue a linha de separação entre o
confessional e o não confessional e alerta para os perigos de um indesejável e inevitável
doutrinamento às crianças e adolescentes (que são mais facilmente influenciáveis pela figura
do mestre e do professor), suscetível a acontecer mesmo quando em pauta o ensino religioso
facultativo, que dirá quando lecionado o ensino manifestamente confessional.
No cenário do questionamento acerca da constitucionalidade do Estatuto da Igreja
Católica no Brasil, faz-se bastante interessante a leitura do parecer da Comissão de
Constituição e Justiça e Cidadania (“CCJC”)48, quando da aprovação do Acordo celebrado
entre a Santa Sé e a República Federativa do Brasil para o estabelecimento do referido
Estatuto.
Na oportunidade, a CCJC defendeu a constitucionalidade do Acordo e aprovou sua
conversão em Decreto Legislativo, alegando ser o Estatuto da Igreja Católica juridicamente
compatível com o ordenamento jurídico brasileiro, se coadunando com os princípios
constitucionais expressos e implícitos, além de possuir substrato de coerência lógica, bom
senso e razoabilidade.
Especialmente acerca do artigo 11 (que segundo a Procuradora Deborah Duprat
estabelece a confessionalidade do ensino religioso, violando assim a laicidade Estatal e a
liberdade religiosa), a CCJC profere o seguinte entendimento:
“Nesse sentido, por exemplo, o Acordo não atenta contra a ‘liberdade de consciência e de crença’ nem mesmo contra o ‘livre exercício dos cultos religiosos’ , tal como estabelece o inciso VI do art. 5º da Constituição. Pelo contrário, o Acordo consagra a liberdade religiosa, a diversidade cultural e a pluralidade confessional em nosso país, manifestando-se, aliás, contra qualquer forma de discriminação (art. 11 do Acordo)”49 (Destacou-se)
A CCJC reputa o Acordo como constitucional, uma vez que – de acordo com o parecer
– as diretrizes centrais do Estatuto em apreço preservam as disposições do ordenamento
48 Texto contido no Projeto de Decreto Legislativo n. 1.736, de 2009 (Mensagem 134/2009)49 Texto contido no Projeto de Decreto Legislativo n. 1.736, de 2009 (Mensagem 134/2009)
36
jurídico acerca do caráter laico do Estado brasileiro, da liberdade religiosa e do tratamento
equitativo estabelecido no Brasil.
No entendimento prolatado pela CCJC, o Estatuto da Igreja Católica, e neste contexto
compreendido o ensino religioso católico, nada mais é do que a manifestação de um dos
credos religiosos que tem lugar no País, sendo certo que a todas as outras religiosidades
também é permitida e franqueada a mesma manifestação, não havendo, por tanto, qualquer
afronta à garantia de pluralidade religiosa.
Neste sentido - por não constituir exclusividade da Igreja Católica a celebração do
Acordo, sendo permitida a qualquer outra confissão fazê-lo - haveria, aí sim, afronta à Magna
Carta, se houvesse recusa por parte do Estado brasileiro em receber o Estatuto, vez que não é
defeso ao Estado constranger a manifestação de qualquer crença e a própria negativa à
possibilidade de tal manifestação caracterizaria embaraço jurídico discorde com o caráter
laico do Estado.
Por fim, a Comissão de Constituição e Justiça faz um paralelo entre o Acordo
celebrado no Brasil com a Igreja Católica e a Lei Italiana que regulamenta a relação travada
entre a República Italiana – que também é constitucionalmente laica – e as Assembléias
Evangélicas de Deus, no que concernente ao estabelecimento do ensino religioso, tal qual
previsto no artigo 11 do Estatuto da Igreja Católica no Brasil.
De acordo com a comparação estabelecida, a CCJC esclarece que, tal qual
estabelecido na citada Lei Italiana, o ensino religioso católico no Brasil deve ser
compreendido como aquele respaldado pela liberdade de consciência de todos. Assim, o
ensino religioso católico a ser ministrado nas escolas públicas não deve dar espaço à causa de
efeitos discriminatórios, e, ainda, deve ser concedido a quaisquer alunos o direito de não se
valerem do ensino religioso.
Mais uma vez, a análise aprofundada da discussão ensejada na Ação Direta de
Inconstitucionalidade que questiona o ensino religioso estabelecido pelo Estatuto da Igreja
Católica no Brasil, imputado constitucional pela CCJC, transparece a intensa refrega que se já
havia instalado no campo doutrinário a respeito do tema e que não encontrou eco na
jurisprudência constitucional Brasileira.
37
38
A manifestação doutrinária acerca do ensino religioso no Brasil
O estudo do posicionamento da doutrina a respeito do tema, antes de tudo, reiterou as
preocupações já aqui manifestadas: não há como chegar a qualquer conclusão sem se
considerar – principalmente – as garantias constitucionais à liberdade e igualdade religiosa e,
da mesma forma, a Cláusula de Estado Laico.
Estas preocupações constitucionais, elas mesmas, já configuram ponto controvertido
entre os diversos doutrinadores que se dispuseram a escrever sobre os temas das garantias de
liberdade e igualdade religiosa e de laicidade Estatal acima referidas.
Não é demais recapitular que a idéia de Estado laico, conforme já anteriormente se
referiu quando da explanação do panorama constitucional aplicável, ocupa uma dimensão
questionável e controversa para a compreensão da relação estabelecida entre Estado e Igrejas.
Talvez por ser esta noção tão debatida, a discussão referente à compreensão do significado
atribuído ao ensino religioso ainda esteja em curso.
Verificou-se que há relação lógica direta entre a maneira como são concebidos a
liberdade religiosa e o laicismo Estatal e a atribuição de constitucionalidade ou
inconstitucionalidade quanto ao ensino religioso confessional nas escolas públicas.
À luz dos citados princípios norteadores do entendimento acerca do ensino religioso
nas escolas públicas, fez-se possível classificar os doutrinadores estudados em três distintos
grupos, de acordo com os pensamentos por eles manifestados.
No presente estudo serão atribuídas as classificações e denominações a cada um dos
três grupos doutrinários acima referidos, que se julgou ser a mais acertada correlação entre
nome e conteúdo. Há que se ressalvar, porém, que a própria doutrina se incumbe de atribuir
nomes às diversas correntes doutrinárias que se apresentam acerca do tema do ensino
religioso, não sendo a própria classificação das distintas linhas de pensamento matéria de
consenso entre todos os doutrinadores.
Tendo isto sido esclarecido, cumpre ressaltar que aqui se convencionou subdividir a
doutrina, de acordo com cada uma das linhas de posicionamento emanadas, nas seguintes
correntes: negativa, positiva e neutra, sendo esta última a mais aceita pela doutrina e a que
parece fazer mais sentido no contexto histórico, jurídico e social brasileiro.
39
A primeira corrente, a que no presente chamou-se de negativa, atribui rigidez tal à
separação entre Estado e Igrejas que defende que o único modo de a liberdade e a igualdade
religiosa serem de fato atingidas é através de adoção de uma postura negacionista por parte do
Estado. Neste sentido, ao Estado seria negado manter50 qualquer forma de cooperação com ou
reconhecimento de quaisquer Igrejas, ou de todas as Igrejas.
Neste contexto, caberia a adoção de uma postura omissiva, uma atitude “de não fazer”
por parte do Estado. Este abster-se-ia de qualquer pronunciamento acerca da esfera religiosa,
como garantia da igualdade entre as várias religiões, como se “desse as costas” ao fenômeno
religioso, que, inevitavelmente, faz parte dos valores sócio-culturais, justamente para não
privilegiar indevidamente qualquer culto em detrimento de outro.
À luz do entendimento professado por este grupo de pensadores, o ensino religioso
confessional deveria, de qualquer forma ser expurgado do ordenamento jurídico e o próprio
ensino religioso, por si só, poderia ser reputado como incongruente com os demais princípios
resguardados pela Constituição Federal.
À corrente que se contrapõe a esta outra aqui apresentada chamou-se positiva. De
acordo com tal entendimento, o Estado deveria reconhecer a existência da diversidade
religiosa e, intentando garantir a igualdade entre todas as confissões existentes, deveria
efetivamente empreender esforços, atuando proativamente, para esquiparar as condições de
cada credo.
50 Leticia de Campos Velho Martel (conforme referência já apresentada acima), traz o posicionamento apresentado pelo MEC, acerca do ensino religioso na escolas públicas, posicionamento este que adota o que aqui se referiu como negacionismo, enaltecendo separação rígida entre o Estado e Igrejas: “Vale lembrar que a redação original do art.33 da LDB referia-se ao ensino religioso confessional e ao interconfessional. O texto ora vigente não traz tal definição e exige que os conteúdos e a qualificação dos professores sejam fixados pelos respectivos sistemas de ensino, ouvida entidade civil composta pelas diferentes denominações religiosas. O Pleno do Conselho Nacional de Educação apreciou, em parecer homologado pelo Ministro da Educação, o antigo art.33, concluindo que o ensino poderia ser confessional, ou seja, ministrado por lideranças religiosas na escola, durante o horário letivo, desde que sem ônus para os cofres públicos. O pleno entendeu que, em razão do art.19 da CF/88, não poderia o Estado ser onerado por tais aulas. Com a nova redação ofertada ao art.33, mais uma vez manifestou-se o CNE, que considerou não ser de sua alçada manifestar-se sobre os conteúdos, eis que especificamente atribuídos os diferentes sistemas de ensino, o mesmo valendo, dentro dos parâmetros gerais, para a qualificação dos educadores. O excerto final do parecer, além de curioso, ilustra a magnitude do problema: “Esta parece ser, realmente, a questão crucial: a imperiosa necessidade, por parte do Estado, de não interferir e portanto não se manifestar sobre qual o conteúdo ou a validade desta ou daquela posição religiosa e, muito menos, de decidir sobre o caráter mais ou menos ecumênico de conteúdos propostos. Menos ainda deve ser colocado na posição de arbitrar quando, optando-se por uma posição ecumênica, diferentes seitas ou igrejas contestem os referidos conteúdos da perspectiva de sua posição religiosa, ou argumentem que elas não estão contempladas na programação. Por estas razões, parece-nos impossível, sem ferir a necessária independência entre Igreja e Estado, estabelecer uma orientação nacional uniforme que seria necessária para a observância dos processos atuais de autorização e reconhecimento”. BRASIL. MEC. CNE. Parecer nº05/97. BRASIL. MEC. CNE. Parecer 97/99. Disponíveis em: http://portal.mec.gov.br/cne. Acesso em: dez.2006”.
40
Neste sentido, caberia ao Estado, em muitas vezes, não somente a simples contribuição
para o exercício de Igrejas, mas a própria prestação, a atuação efetiva do Estado fazendo as
vezes de Igreja, ou Igrejas.
No caso do ensino religioso, este seria prestado pelo próprio Estado, por meio, por
exemplo, de promoção de concurso público para ingresso de professores e definição do
conteúdo a ser lecionado nas aulas de ensino religioso, implicando – como já se disse – uma
atuação concreta do estado em prover o referido ensino, ainda que o ensino fosse
confessional, vinculado a uma, duas ou quantas Igrejas fossem necessárias, devendo o Poder
Público prover matéria relativa a cada confissão professada por cada um dos alunos, a medida
de sua demanda e em pé de igualdade para todas as religiões.
De mesma forma, para se coadunar com a liberdade de consciência, a adoção de tal
postura resguardaria o caráter facultativo de tal matéria e, por tanto, garantiria aos alunos
ateus ou agnósticos a possibilidade de não optarem por matricular-se em disciplina de ensino
religioso, caso esta fosse a opção por eles manifestada (ou manifestada por seus
representantes).
A última das três correntes e a que mais ganha adeptos (ao menos foi o que se aferiu
da amostra de doutrinadores estudados) e a aqui classificada como neutra, relativiza as duas
posturas acima expressadas51. Reconhece certa rigidez ao princípio da separação entre Igrejas
e Estado mas, da mesma forma, reputa necessária uma colaboração entre as citadas esferas.
Pela separação “semi-rígida” aqui referida, presume-se que Estado e Religião não
possam estabelecer vínculo de aliança, mas que haja uma atenuação da separação entre eles,
51 Como exemplo desta corrente pode-se citar o Professor Alexandre de Moraes, para quem “A Constituição estabelece ser vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios (CF, art. 19) estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público. A República Federativa do Brasil é leiga ou laica, uma vez que há separação total entre Estado e Igreja, inexistindo religião oficial. Observe, porém, que o fato de ser uma Federação leiga não a confunde com os Estados ateus, pois o Brasil, expressamente, afirma acreditar em Deus, quando no preâmbulo constitucional declara (...) Surge como verdadeiro corolário desse princípio a vedação constitucional de institucional de impostos por parte da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, sobre templo de qualquer culto (CF, art. 150, VI, b)”(MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e legislação constitucional. 5ª Edição. São Paulo: Editora Atlas S.A. 2005. pág. 655). No mesmo sentido, cita-se alguns, tais quais: NERY JUNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria. Constituição Federal Comentada e legislação constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. pág 372; MONTEIRO, Nilton de Freitas. Parâmetros constitucionais do ensino religioso nas escolas públicas. Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, São Paulo: Centro de Estudos, nº 47/48. p. 191, jan./dez. 1997; Dom Fillippo Santoro, Bases da Ética, in Núcleo, n. 7, dez./2003; MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: direitos fundamentais. 3. ed. Coimbra: Coimbra, 2000, p.440. PORTUGAL
41
tendo em vista que a própria Magna Carta alberga espaço para algumas “exceções” para a
regra geral de dissociação Estatal-religiosa.
Assim, a liberdade religiosa seria composta, concomitantemente, de uma dimensão
negativa e de uma dimensão positiva. Pela primeira, o Poder Público não poderia impor a
qualquer indivíduo a adesão compulsória da prática de qualquer religião, assim como não
poderia o Estado arrogar-se de impedir o exercício de qualquer credo.
Não obstante deva o Estado cumprir com esta vertente negativa, pode – e deve –
estabelecer relação de colaboração com as Igrejas. Neste sentido, deve a Administração
Pública incumbir-se de assegurar o exercício da religião, propiciando, de igual modo,
condições igualitárias de atuação para todas as confissões. Essa posição positiva adotada pelo
Estado denota o reconhecimento de uma dimensão social do fenômeno religioso, entendendo
o crente, também como cidadão e, em assim o sendo, suas necessidades religiosas convertem-
se em bem jurídico, o qual cabe ao Estado garantir – não de maneira ativa, mas de modo a
afastar quaisquer impedimentos que estejam ao seu alcance para propiciar, em condição de
igualdade para todas as confissões religiosas, a atuação das Igrejas.
De fato, a interpretação que mais parece guardar respeito ao ordenamento brasileiro é
aquela pela última corrente apresentada. De qualquer forma, o que parece teórica e
hipoteticamente razoável, nem sempre se apresenta facilmente aplicável na prática.
Interessante notar que, quase a totalidade dos doutrinadores estudados manifestou
grande preocupação com a rotina adotada nas escolas públicas que possuem como parte de
seu currículo o ensino religioso confessional.
Esta preocupação tem sido, inclusive, alvo de matérias jornalísticas e de editoriais e
pesquisas empíricas que são empreendidas com fins de averiguar como funciona, de fato, a
lição do ensino religioso nas escolas públicas. Ao fim, percebeu-se patente a distância abismal
entre o que se prenuncia doutrinariamente e o que ocorre na prática brasileira com relação ao
tema. Esta provocação, muito mais leviana do que testada, embora figure como um dos
pontos-chave para o bom entendimento acerca da constitucionalidade de tal modalidade de
ensino, não constitui (infelizmente) escopo do presente trabalho, motivo pelo qual não será
devidamente abordada. Ainda assim, sentiu-se necessário um pequeno adendo antropológico,
somente para – mais uma vez – enaltecer a complexidade e profundidade do assunto.
42
Por fim, cabe ressaltar que com o advento da Lei Fluminense, atacada pela ADI 3.268,
já estudada na presente, houve grande manifestação doutrinária acerca de sua
constitucionalidade. Os pensadores da questão, de maneira unânime se demonstraram
contrários a referida Lei: a uma, pela própria atribuição de ensino religioso confessional de
matrícula obrigatória nas escolas públicas do Rio de Janeiro, com indevida afronta aos
princípios constitucionais; a duas, pela forma estabelecida de contratação de professores,
método adotado e definição de conteúdo a ser lecionado nas aulas de ensino religioso.
Como exemplo, tem-se Fábio Portela Lopes de Almeida52, que a partir de uma
aprofundada análise acerca da Lei Estadual 3.459/2000 do Estado de Rio de Janeiro, bem
como do princípio da liberdade religiosa e da relação entre Estado e Igreja, pautada na
laicidade, entende que a Lei deveria ser reputada como inconstitucional.
Já a ADI impetrada pela eminente Procuradora Geral da República não ensejou
posicionamentos tão definitivos. O próprio Estatuto da Igreja Católica no Brasil dividiu
opiniões entre os mais diversos setores da sociedade.
O debate acerca desta polêmica deu-se, de modo mais específico, no campo
jornalístico, não havendo – ainda – produção doutrinária com enfoque exclusivo (ou
principal) na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.439. Talvez isso se dê em virtude de a
propositura de tal pleito ser tão recente e não ter tido, ainda, qualquer repercussão na Suprema
Corte.
Ainda assim, destacam-se aqui dois dos entendimentos contrapostos manifestados
acerca da questão suscitada na ADI, especificamente no que diz respeito à constitucionalidade
do artigo 11 do Estatuto da Igreja Católica. Para o primeiro dos destacados pensadores, Paulo
Ebret53, tal artigo deveria ser entendido como inconstitucional, no sentido de que este
favorece, ao estabelecer que o ensino deverá ser católico ou de outras confissões, preferência
indevida manifestada pelo Estado a um credo específico.
A construção feita pelo autor, que leva à constatação de inconstitucionalidade do
artigo 11 ora em comento, permeia o tratamento conferido pela Constituição ao pluralismo
religioso, bem como enaltece as bases e diretrizes do sistema educacional como um todo, aí
52 ALMEIDA, Fábio Portela Lopes. Liberalismo político, constitucionalismo e democracia: a questão do ensino religioso nas escolas públicas. Belo Horizonte: Editora Argvmentvum, 2008, v.1. 53 Disponível em http://jus.uol.com.br/revista/texto/17251/da-inconstitucionalidade-do-art-11-do-estatuto-juridico-da-igreja-catolica-do-brasil (acesso em 3 de agosto de 2011)
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abrangendo, também, questões e valores morais e sociais, conforme se verifica do enxerto
abaixo transcrito.
Da análise do dispositivo ora transcrito, verifica-se que o chamado Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil vinculou o ensino religioso às doutrinas eclesiásticas professadas pelos distintos segmentos existentes no País, primando, portanto, por um modelo confessional em detrimento da forma ecumênica de magistério daquela disciplina, a primar pelo ensinamento dos conceitos morais que permeiam, de maneira unívoca, a totalidade das religiões.
Diante disso, formula-se a indagação: a forma confessional de ensino religioso propalada pelo chamado Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil estaria em conformidade com as pautas axiológicas emanadas da Constituição Federal, em especial com as diretrizes constantes dos artigos 206, III e 210, caput, da Carta Magna, a pautarem a atividade educacional do Estado pelo reconhecimento em torno do pluralismo de ideias e pelo respeito aos valores culturais da população?
A importância ora conferida ao tema ganha relevo na medida em que os aspectos a envolverem o ensino religioso transcendem a questão da franquia às manifestações de fé no ambiente escolar, abrangendo, para muito além desse tópico, a concretização do princípio constitucional da pluralidade ideológica nos ambientes públicos, a constituir a matriz do postulado do Estado Democrático de Direito e da própria liberdade religiosa.
Dito em outros termos, ao tratar do ensino religioso nas escolas oficiais de nível fundamental, não se está a pensar apenas na questão atinente à liberdade de ministrar aos alunos uma ou outra doutrina religiosa, mas sim no próprio atendimento ao postulado constitucional da pluralidade ideológica, tão caro ao Estado Democrático de Direito, e que ganha importância na espécie justamente por envolver a veiculação de conceitos morais em ambientes vinculados ao Poder Público e por este mantidos.54
Em sentido contrário destaca-se aqui a publicação de recente artigo “Um panfleto
anticlerical”, escrito pelo renomado Eros Grau, ministro recém aposentado do Supremo
54 Disponível em http://jus.uol.com.br/revista/texto/17251/da-inconstitucionalidade-do-art-11-do-estatuto-juridico-da-igreja-catolica-do-brasil (acesso em 3 de agosto de 2011)
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Tribunal Federal. Neste, o professor ataca o pedido feito na Ação de Inconstitucionalidade em
pauta, atribuindo valor constitucional ao artigo 11 e ao Estatuto da Igreja Católica no Brasil
como um todo.
Aos olhos de Grau, “a ação direta de inconstitucionalidade contra o ensino religioso,
por ela patrocinada (PGR), é simplesmente imperdoável” uma vez que o enunciado do
referido artigo em nada inova na ordem jurídica, se coadunando integralmente com o que
dispõe a Lei de Diretrizes e Bases.
“Daí que, para que a Procuradoria-Geral da República pudesse ir ao STF sustentar a inconstitucionalidade do acordo celebrado entre o Brasil e a Santa Sé, teria de, por imposição de coerência, sustentar a inconstitucionalidade da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional”55.
É interessante notar que, a partir daí, o Ministro reconhece a delicadeza que permeia a
questão do próprio ensino religioso, tal qual garantido pela própria LDB. Ainda assim, ataca o
posicionamento da Procuradoria em impugnar o Acordo entre o Brasil e Santa Sé, já que, em
vista da inércia da PGR em atacar o ensino religioso nas escolas públicas, que perdurou
durante 14 anos de vigência da Lei de Diretrizes e Bases, a posição manifestada pela
Procuradoria Geral deveria ser reputada como anticlerical, levando-se em consideração a
identicidade dos preceitos enunciados pela LDB com relação àqueles definidos no artigo 11
do Estatuto da Igreja Católica no Brasil.
“A ação proposta pela Procuradoria-Geral da República aponta contra o acordo Brasil/Santa Sé e é, de fato, um panfleto anticlerical. Um panfleto no mínimo anticatólico.
Pois não há dúvida nenhuma de que a Constituição do Brasil garante em sentido amplo a liberdade de ensino religioso. Leia-se o parágrafo 1.º do seu artigo 210: "o ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental".
Essa liberdade é, como se vê, entre nós plenamente assegurada: a frequência é facultativa - os pais decidem a esse respeito,
55 Disponível em http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,um-panfleto-anticlerical,685862,0.htm (acesso em (01.03.2011)
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possibilitando, ou não, aos filhos formação espiritual - mas a disciplina é obrigatoriamente oferecida a todos os alunos.
Isso é muito próprio à cultura nacional, que a Constituição, para ser legítima, há de refletir. Somos plasmados, os brasileiros, também por uma religiosidade bem nossa, ao ponto de Deus ser brasileiro e os que aqui se proclamam materialistas em maioria não professarem o ateísmo. A laicidade do Estado não significa inimizade com a fé”56.
A posição manifestada por Eros Grau neste artigo parece refletir a corrente neutra aqui
classificada, o que fica ainda mais evidente quando da leitura do seguinte trecho de seu
manifesto:
“A Constituição do Brasil garante amplamente a liberdade de ensino religioso. É francamente avessa ao anticlericalismo. Promulgada "sob a proteção de Deus", como o seu preâmbulo afirma, não reduz a laicidade estatal a ateísmo. Proíbe ao poder público, é verdade, estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança - ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público (artigo 19, I). Mas seu artigo 213 autoriza expressamente o poder público a encaminhar recursos públicos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas. Seu artigo 150, inciso IV, b, assegura a imunidade dos templos de qualquer culto à instituição de impostos e o parágrafo 2.º do seu artigo 226 atribui efeitos civis ao casamento religioso, nos termos da lei.
Nossa Constituição, como se vê, recusa o anticlericalismo e, no parágrafo 1.º do seu artigo 210, garante a todos acesso ao ensino religioso. Ensino religioso é ensino ministrado por professores confessionais, observada a pluralidade confessional do País”57
Assim, para o Ministro, a derradeira conclusão a que se chega é a de que atribuir
inconstitucionalidade ao artigo 11 do Estatuto da Igreja seria reconhecer que preceito
56 Disponível em http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,um-panfleto-anticlerical,685862,0.htm (acesso em (01.03.2011)57 Disponível em http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,um-panfleto-anticlerical,685862,0.htm (acesso em (01.03.2011)
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constante da própria Magna Carta, parágrafo 1.º do artigo 210, está imbuído de vício de
inconstitucionalidade.
47
STF e jurisprudência constitucional - O prisma jurisprudencial acerca da laicidade
estatal e da liberdade religiosa e o possível entendimento conferido à questão do ensino
religioso confessional nas escolas públicas.
Conforme já anteriormente referido, o presente trabalho propôs-se a analisar o
entendimento conferido pelos ministros do Supremo Tribunal Federal às garantias
constitucionais de liberdade e igualdade religiosas, assim como as colocações acerca da
laicidade do Brasil.
Esta estratégia de pesquisa deu-se, primeiramente, em função da verificação de que a
jurisprudência constitucional pátria, representada pela Suprema Corte brasileira, jamais se
debruçou sobre o tema do ensino religioso nas escolas públicas - muito embora tenha sido
provocada a se manifestar neste sentido.
Assim, tendo em vista o tratamento constitucional dado à questão, bem como a
produção doutrinária a respeito do tema, percebeu-se que a controvérsia que abraça a
(im)possibilidade de ser ministrado o ensino religioso confessional nas escolas da rede
pública está intrinsecamente relacionada aos princípios da pluralidade religiosa e da laicidade
do Estado.
Isso porque, consoante já se asseverou no capítulo anterior, a doutrina atribui
constitucionalidade (ou inconstitucionalidade) à referida forma de ensino como derradeira
conseqüência do entendimento atribuído ao artigo 19, I e ao artigo 5º, especialmente em seu
inciso VI. Daí a importância da análise dos princípios da laicidade Estatal e da igualdade e
liberdade religiosa, uma vez que estes se demonstraram ser o cerne da problemática
envolvendo o ensino religioso confessional nas escolas públicas.
Importante salientar que se reconhece (e até mesmo se concorda com) a existência de
fundamentadas críticas acerca da atuação do Supremo Tribunal, que se demonstra menos
como uma tribuna de cúpula, na qual as decisões são conjuntamente tomadas por seus
integrantes, que partilham de uma mesma ratio decidendi, e mais como um órgão constituído
por vozes dissonantes que, em diversas vezes, parecem até mesmo sequer se comunicar uma
com a outra.
48
De fato, o Supremo Tribunal Federal apresenta processo decisório bastante peculiar,
sendo a ausência de uma racionalidade comum aos acórdãos apenas um dos vícios que
podem ser apontados acerca de tal processo decisório. Neste sentido, pode-se dizer que não há
uma “voz comum” que leve a apresentar qualquer posicionamento como um posicionamento
“da Corte”, já que, em última análise, não há uma unicidade nos votos dos ministros que se
reflita no acórdão58.
Apesar do reconhecimento de tal vício, aqui, por uma questão metodológica,
considerou-se como passível de ser classificado como precedente qualquer voto que
considerasse em seu conteúdo questões relativas ao resguardo constitucional ao pluralismo
religioso e à laicidade Estatal. Neste sentido, argumentos de quaisquer ministros, que tenham
ou não gerado repercussão no voto dos demais ministros, foram aqui considerados como
possíveis delineamentos para um futuro eventual entendimento acerca da possibilidade de se
ministrar ensino religioso confessional nas escolas públicas.
Em linhas gerais, pode-se dizer que o posicionamento do Supremo acerca dos temas
acima suscitados se concatena com aqueles manifestados pela corrente doutrinária neutra, de
acordo com a classificação a esta atribuída na presente pesquisa.
Cumpre aqui, a esse respeito, trazer os principais pontos ressaltados pelos ministros,
pontos estes que contribuíram para que se pudesse chegar a esta conclusão, de que a visão da
Corte acerca da laicidade Estatal e da liberdade religiosa tende a concordar com a adoção de
uma postura de neutralidade estatal, devendo o Estado ser pautado por uma função negativa e
outra positiva.
O valor “negativo” que deve o Estado adotar encontra-se bem demonstrado pelo
Ministro Cezar Peluso, em seu voto proferido em sede do Habeas Corpus n° 82959, em que
ressalta o dever estatal de não fazer, de não estabelecer qualquer valor que ganhe caráter
impositivo a qualquer cidadão.
“Constituindo-se a República Federativa do Brasil em Estado Democrático de Direito, laico, fundado na dignidade da pessoa humana e na tolerância para com cultos, crenças, consciência e
58 A respeito do assunto, Guilherme Forma Klafke, demonstra, com peculiar desenvoltura, os vícios no processo decisório do Supremo Tribunal Federal, apontando como um deles a dificultosa definição de qualquer ratio da Corte. KLAFKE, Guilherme Forma. Vícios no processo decisório do Supremo Tribunal Federal. Monografia apresentada como conclusão de curso da Escola de Formação da SBDP, sob orientação de Henrique Motta Pinto. São Paulo, 2010. Disponível em http://www.sbdp.org.br/arquivos/monografia/164_Monografia%20Guilherme%20Klafke.pdf (acesso em 07.08.2011)
49
opinião, à medida que não prejudiquem direitos alheios, não pode o direito positivo assumir, ou seja, impor coativamente aos cidadãos, determinada concepção moral ou “de bons costumes”, nem muito menos fazê-lo sob a ameaça de restrição a direito fundamental (...)”59 (Destacou-se).
Neste mesmo voto, referido Ministro apóia sua concepção em posicionamento
doutrinário apresentado por Giovanni Ferrajoli, de cujo entendimento foi extraído o seguinte
trecho, que se apresenta interessante para o presente estudo.
“A secularização do direito e a laicidade do Estado baseadas na tese metajurídica da separação do direito da moral, em virtude da qual o direito positivo não somente é uma coisa diferente da moral, como nem sequer deve reflectir uma determinada moral, proibindo um comportamento como crime só porque é considerado pecado (...)
O direito e o Estado, em virtude deste princípio, não escarnam valores morais e também não têm o dever de afirmar, apoiar ou reforçar a (ou uma determinada) moral ou a (ou uma determinada) cultura, mas apenas têm o dever de tutelar os cidadãos, garantindo os seus direitos. o Estado não tem portanto de se meter na vida moral dos cidadãos, defendendo ou impedindo estilos morais de vida, crenças ideológicas ou religiosas, opções ou atitudes culturais. O seu dever é apenas o de garantir a igualdade, a segurança e os mínimos vitais. (...) É precisamente nesta sua neutralidade moral, ideológica e cultural, e portanto na sua não invasão da vida privada das pessoas a não ser para proibir condutas que prejudiquem terceiros, que reside a laicidade do direito e do Estado liberal”60 (Destacou-se).
Ademais do caráter laico do Estado e de seu dever de ostentação de uma postura
negativa para com os indivíduos naquilo que concerne à sua esfera privada, o excerto acima
transcrito traduz, ainda, aquilo quanto já salientado no presente, a respeito de a
confessionalidade poder se referir a outras esferas que não somente à religiosidade.
O Ministro Peluso conclui sua exposição enaltecendo o caráter laico do Brasil e
salientando a necessidade de o Estado não se imiscuir na vida privada dos cidadãos, a não ser
59 HC 82959 / SP - São Paulo. Relator(a): Min. Marco Aurélio. Julgamento: 23/02/2006. Órgão Julgador: Tribunal Pleno60 FERRAJOLI, Giovanni. O “bem jurídico” como problema teórico e como critério de política criminal. Trad. De Heloisa Estellita. Revista dos Tribunais, v. 776, 2000, p.410, citado pelo Ministro Cesar Peluso, no Habeas Corpus n° 82959
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em casos de comportamentos que prejudiquem terceiros, valorizando, em sua exposição, a
vocação pela indulgência para com as diferenças que marcam a cultura e alma brasileiras.
Corroborando o entendimento manifestado pelo Ministro, Joaquim Barbosa também
apresenta o primado da separação entre Igreja e Estado e a liberdade religiosa como fatores
determinantes para que o próprio indivíduo possa decidir sobre assuntos que respeitam à sua
esfera privada, pessoal, não sendo função do Estado definir ou impor determinado
comportamento que esbarre nesta autonomia individual, a não ser em casos em que esta
autonomia viole direitos concernentes à coletividade.
Para o Ministro Barbosa, a Magna Carta preserva a esfera íntima dos indivíduos, não
cabendo ao Estado - em nome da laicidade e do primado da autonomia privada – interferir em
suas convicções morais e religiosas. Desta feita, não poderá o Estado obrigar qualquer pessoa
a agir de maneira contrária aos seus valores e à sua religião61.
O Supremo, ademais da postura negativa que deve ser adotada pelo Estado, também
consagra a postura positiva, o facere Estatal, conforme se verifica das palavras proferidas pelo
Ministro Gilmar Mendes, na decisão monocrática
“O que se deve promover é a livre competição no “mercado de idéias religiosas”, expressão que, segundo Jônatas Machado, teria sido cunhada com base no pensamento de Oliver Wendell Holmes e Stuart Mill (MACHADO, Jônatas. Liberdade Religiosa numa comunidade constitucional inclusiva; dos direitos da verdade aos direitos dos cidadãos. In: Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1996, p. 176). Nesse contexto é que surgem as mencionadas ações positivas do Estado em se tratando de matéria religiosa, buscando-se afastar sobrecargas sobre determinadas confissões religiosas, principalmente sobre as minoritárias, e impedir influências indevidas no que diz respeito às opções de fé. Vê-se, pois, que tais ações somente se revelam legítimas se pré-ordenadas à manutenção do livre fluxo de idéias religiosas e se comprovadamente não exista outro meio menos gravoso de se atingir esse desiderato. Deve-se também ter o cuidado de que a medida adotada estimule a igualdade de oportunidades entre as
61 ADI 3510 / DF - Distrito Federal: Relator(a): Min. Ayres Britto. Julgamento: 29/05/2008. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Nesta oportunidade, o Ministro Joaquim Barbosa. A conjunção da laicidade do Estado e do primado da autonomia privada conduz a uma importante conclusão: os genitores dos embriões produzidos por fertilização in vitro, têm a sua liberdade de escolha, ou seja, a sua autonomia privada e as suas convicções morais e religiosas respeitadas pelo dispositivo ora impugnado. Ninguém poderá obrigá-los a agir de forma contrária aos seus interesses, aos seus sentimentos, às suas idéias, aos seus valores, à sua religião, e à sua própria convicção acerca do momento em que a vida começa. Preservam-se, portanto, a esfera íntima reservada à crença das pessoas e o seu sagrado direito à liberdade.
51
confissões religiosas e não, ao contrário, seja fonte de privilégios ou favorecimentos.”62 (Destacou-se)
Faz-se relevante mencionar que, conforme bem salientado pelo ministro, a adoção de
uma postura positiva por parte do Estado somente deve dar-se de maneira proporcional, de
forma “residual”. Assim, somente se demonstrará razoável a atuação do Estado em casos nos
quais seja verificado não haver qualquer outro meio que, através dos mesmos esforços,
equacione os mesmo resultados.
Esta ponderação feita pelo Ministro em relação ao agir estatal positivo, denota, por si,
uma preocupação com as questões práticas e concretas de uma atuação positiva pelo Estado
no que se refere à possibilidade de ser estabelecida uma relação com qualquer Igreja. Esta
tensão também é apontada pelo Ministro Sepúlveda Pertence, consoante se verifica do trecho
a seguir trazido à baila.
“Há de ser o culto religioso uma atividade que o Estado não pode estimular de qualquer forma; tem apenas que tolerar.
Todo favor dado, portanto, a instituições religiosas, há de estar instrumentalmente ligado e, conseqüentemente adstrito, ao valor constitucional que se vida a proteger, a liberdade de culto. Por isso, a Constituição não o reuniu, num inciso só, instituições de assistência social ou de educação com as instituições religiosas.
Para interpretar este § 4° do art. 150, realmente de difícil intelecção, interpreto-o, na tensão dialética que, para mim, é grave, a que se referiu o Ministro Celso de Mello, de forma a conciliá-lo com uma regra básica do estatuto republicano, que é o seu caráter laico, que é a sua neutralidade confessional (...)”63 (Destacou-se).
Afere-se que, não obstante reconheça a possibilidade de um agir positivo por parte do
Estado, o Ministro Pertence manifesta sua preocupação quanto a tal agir, afirmando que este
deve dar-se a partir do resguardo ao caráter laico estatal, fazendo menção – ainda – à
neutralidade do Estado, como se quisesse enaltecer que, além de uma atuação positiva, o
Estado deve abster-se de qualquer imposição ideológica e religiosa, enaltecendo que a
atuação estatal deve ser limitada pela postura negativa, pelo non facere, do Estado.
62 MS 28960 MC / DF - Distrito Federal. Relator: Min. Gilmar Mendes. Julgamento: 08.09.201063 RE 325822 / SP - São Paulo: Relator(a): Min. Ilmar Galvão. Relator(a) p/ Acórdão: Min. Gilmar Mendes. Julgamento: 18/12/2002. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Trecho destacado do voto do Ministro Sepúlveda Pertence
52
A neutralidade aqui referida, também se encontra presente no discurso prolatado por
demais ministros que compõe ou compuseram a Suprema Corte brasileira. Neste sentido,
destaca-se aqui o entendimento do próprio Ministro Gilmar Mendes que, em duas
oportunidades distintas, manifestou-se acerca do equilíbrio entre a atuação e a abstenção
estatal.
“não há dúvida de que o direito fundamental à liberdade religiosa (art. 5º, VI, da Constituição) impõe ao Estado o dever de respeitar as escolhas religiosas dos cidadãos e o de não se imiscuir na organização interna das entidades religiosas. Trata-se, portanto, do dever de neutralidade axiológica do Estado diante do fenômeno religioso (princípio da laicidade), revelando-se proscrita toda e qualquer atividade do ente público que favoreça determinada confissão religiosa em detrimento das demais, conforme estabelecido no art. 19, I, da Constituição.
É certo, porém, que a neutralidade axiológica por parte do Estado não se confunde com a idéia de indiferença estatal. Em alguns casos, imperativos fundados na própria liberdade religiosa impõem ao ente público um comportamento positivo, que tem a finalidade de afastar barreiras ou sobrecargas que possam impedir ou dificultar determinadas opções em matéria de fé”64.
A indiferença estatal a que o Ministro se refere, que, de acordo com seu entendimento,
não deve ser adotada no Brasil, encontra-se presente em outro voto proferido por Mendes, em
que, a partir da comparação com o entendimento jurisprudencial norte-americano, o Ministro
indica a necessária distinção que se há de fazer entre o que é aplicável àquele cenário e o que
é adequado ao ordenamento jurídico brasileiro.
A distinção para a qual o Ministro chama atenção se dá, justamente, em virtude do
tratamento que a própria Carta Constitucional nacional confere a determinados
“relacionamentos autorizados” que podem ser estabelecidos entre Estado e Igreja.
Para parte da doutrina, estes “relacionamentos” configuram verdadeiras exceções65
constitucionais ao princípio da laicidade, à garantia conferida pelo artigo 19, I, e revelam o
necessário comportamento positivo que deve o Estado adotar em relação às Igrejas, sendo
64 STA 389 / SP - São Paulo: Relator: Min. Presidente Gilmar Mendes. Julgamento: 20.11.200965 FREITAS MONTEIRO, Nilton de. Parâmetros Constitucionais do Ensino Religioso nas Escolas Públicas. Acessível na página virtual da procuradoria geral do Estado de São Paulo (www.pge.sp.gov.br/)
53
certo que o tratamento indiferente com as igrejas não se afigura compatível com a questão
religiosa brasileira, inclusive em função do que a própria Constituinte prevê.
Neste sentido, o Ministro Gilmar Mendes explica o porquê de não se poder atribuir ao
sistema brasileiro o mesmo tratamento que é dado à separação entre Igrejas e Estado nos
Estados Unidos, justificando sua conclusão, justamente, com base nas hipóteses - previstas
pela a própria Carta Política de 1988 – em que o Estado favorece e incentiva as religiões.
“(...) devendo o Estado, em alguns casos, adotar comportamentos positivos, com a finalidade de afastar barreiras ou sobrecargas que possam impedir ou dificultar determinadas opções em matéria de fé .
Nesse sentido, não se revelaria aplicável à realidade brasileira as conclusões a que chegou o Justice Black da Suprema Corte norte-americana, no famoso caso Everson v. Board of Education, segundo as quais a cláusula do estabelecimento de religião (“establishment of religion” clause) prevista na Primeira Emenda à Constituição norte-americana não estabeleceria apenas que “nenhum Estado, nem o Governo Federal, podem fundar uma Igreja”, mas também que “nenhum dos dois podem aprovar leis que favoreçam uma religião, que auxiliem todas as religiões”. Segundo Thomas Jefferson, a referida cláusula deveria ser compreendida como a construção de um “muro” entre Igreja e Estado (“erect a wall of separation between Church and State”).
Tal entendimento não se afigura, a priori, compatível co m a nossa Constituição, pois se revela contrária, até mesmo, à concessão de imunidade tributária aos templos de qualquer culto (art. 150, IV, “b”), à prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva (art. 5º, VII), ou quaisquer outras que favoreçam ou incentivem todas as religiões.
Por isso, é importante afirmar que, em nosso país, neutralidade estatal não se confunde com indiferença, até mesmo porque, conforme salientado por Jorge Miranda, ‘(...) o silêncio sobre religião, na prática, redunda em posição contra a religião’”66 (Destacou-se)
Do universo de julgados estudado, pode-se aferir que quem melhor explorou o tema
acerca da laicidade estatal e da liberdade e pluralidade religiosas foi o Ministro Celso de
Mello, em sede da ADI nº 3.510, que trouxe à tona o assunto da constitucionalidade das
pesquisas com células-tronco embrionárias. O caso, de grande repercussão política e
midiática, teve a participação de amicus curiae e ensejou a realização de uma audiência
66 MS 28960 MC / DF - Distrito Federal: Relator(a): Min. Gilmar Mendes. Julgamento: 08.09.2010
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pública na qual entidades da sociedade civil, dentre as quais a Confederação Nacional de
Bispos do Brasil - a CNBB, participaram e manifestaram sua opinião a respeito de questões
polêmicas que perpassavam, como tema fulcral, a questão do início da vida humana e do
momento em que esta se dá.
A CNBB posicionou-se contrariamente à constitucionalidade da realização das
pesquisas, por entender a vida sob a égide ético-religiosa, compreensão oposta àquela
prolatada pela parcela de cientistas que se manifestaram na ocasião.
Todos os ministros, na sessão plenária, adentraram a questão quanto à aceitação de
argumentos filosóficos e religiosos no âmbito do debate jurídico, explicitando, inclusive,
certas considerações interessantes sobre a laicidadade do Estado. Dentre as muitas colocações
importantes surgiram por parte dos juristas, merecendo relevo a introdução do voto da
Ministra Cármen Lúcia, que, de certa forma resume o tom que pautou o debate acirrado que
se deu na tribuna do STF naquele julgamento.
“Entretanto, as manifestações, dotadas – repito – de profunda, legítima e compreensível emoção a envolver o tema e as suas conseqüências sociais, não alteram, não desviam – nem poderiam – o compromisso do juiz do seu dever de se ater à ordem constitucional vigente e de atuar no sentido de fazê-las prevalecer.
Aqui, a Constituição é a minha bíblia, o Brasil, minha única religião. Juiz, no foro, cultua o Direito. Como diria Pontes de Miranda, assim é porque o Direito assim quer e determina. O Estado é laico, a sociedade é plural, a ciência é neutra e direito imparcial. Por isso, como todo juiz, tenho de me ater ao que é o núcleo da indagação constitucional posta neste caso: a liberdade, que se há de ter por válida, ou não”67 (Destacou-se).
Feita tal digressão, retoma-se as razões apresentadas pelo Ministro Celso de Mello
que, conforme já retro referido, foi quem mais aprofundadamente encarou o tema da laicidade
estatal e da pluralidade religiosa, em sede de jurisprudência constitucional.
O Ministro, tal qual seus pares já dantes mencionados, enaltece o caráter neutro que
deve ser dado ao Estado quanto à questão de sua relação com a religiosidade. A laicidade do
Estado, sob o prisma amparado pelo Ministro, é valorada como princípio fundamental da
67ADI 3510 / DF - Distrito Federal: Relator(a): Min. Ayres Britto. Julgamento: 29/05/2008. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Voto Ministra Cármen Lúcia
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ordem constitucional brasileira. Para Mello, a separação institucional entre Estado e Igreja
figura-se como algo imprescindível para viabilizar a liberdade religiosa.
Celso de Mello alerta para a necessidade de delimitação dos domínios próprios de
atuação e de incidência de cada um dos poderes, secular e espiritual, sendo certo que, ao
Estado será vedada qualquer atuação baseada em princípios teológicos ou em razões de ordem
confessional, em vista da laicidade do Estado. Finalmente, ressalva que nem mesmo os
dogmas consagrados por determinada religião considerada hegemônica no meio social
deverão ser apoiados pelo Estado68.
O voto do Ministro Celso de Mello, conclusivamente, apresenta os pontos abarcados
pela doutrina e pelos ministros, qual sejam, a postura incentivadora, de um lado, e a posição
freadora, de outro, que caracterizam a neutralidade estatal – modelo mais adequado a ser
“encaixado” ao Estado laico brasileiro.
“A separação constitucional entre Estado e Igreja, desse modo, além de impedir que o Poder Público tenha preferência ou guarde hostilidade em relação a qualquer denominação religiosa, objetiva resguardar duas (2) posições que se revestem de absoluta importância: (1) assegurar, de um lado, aos cidadãos, a liberdade religiosa e a prática de seu exercício, e (2) obstar, de outro, que grupos fundamentalistas se apropriem do aparelho de Estado, para, com apoio em convicções ou em razões de ordem confessional, impor, aos demais cidadãos, a observância de princípios teológicos e de diretrizes religiosas”69 (Destacou-se)
Ainda a respeito do voto deste Ministro, faz-se interessante ressaltar a preocupação
por ele evidenciada acerca da aplicabilidade prática desta neutralidade. Esta parece ser uma
68 De acordo com as palavras proferidas pelo Ministro Celso de Mello na ADI n 3.510, Nesse contexto, e considerado o delineamento constitucional da matéria em nosso sistema jurídico, impõe-se, como elemento viabilizador da liberdade religiosa, a separação institucional entre Estado e Igreja, a significar, portanto, que, no Estado laico, como o é o Estado brasileiro, haverá, sempre, uma clara e precisa demarcação de domínios próprios de atuação e de incidência do poder civil (ou secular) e do poder religioso (ou espiritual), de tal modo que a escolha, ou não, de uma fé religiosa revele-se questão de ordem estritamente privada, vedada, no ponto, qualquer interferência estatal, proibido, ainda, ao Estado, o exercício de sua atividade com apoio em princípios teológicos ou em razões de ordem confessional ou, ainda, em artigos de fé, sendo irrelevante – em face da exigência constitucional de laicidade do Estado – que se trate de dogmas consagrados por determinada religião considerada hegemônica no meio social, sob pena de concepções de certa denominação religiosa transformarem-se, inconstitucionalmente, em critério definidor das decisões estatais e da formulação e execução de políticas governamentais.69 ADI 3510 / DF - Distrito Federal: Relator(a): Min. Ayres Britto. Julgamento: 29/05/2008. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Trecho de voto do Ministro Celso de Mello
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das questões mais complexas e, ao mesmo tempo, determinantes no que se refere à questão da
constitucionalidade do ensino religioso confessional nas escolas públicas.
O entendimento explicitado pelo Ministro pode figurar como um dos cernes
norteadores para uma tentativa de resolução da controvérsia acerca da possibilidade de a
Administração Pública instituir ensino religioso confessional.
“O fato irrecusável é que, nesta República laica, fundada em bases democráticas, o Direito não se submete à religião, e as autoridades incumbidas de aplicá-lo devem despojar-se de pré-compreensões em matéria confessional, em ordem a não fazer repercutir, sobre o processo de poder, quando no exercício de suas funções (qualquer que seja o domínio de sua incidência), as suas próprias convicções religiosas”70 (Destacou-se).
Essa preocupação prática também é apontada no discurso de outros ministros.
Sepúlveda Pertence, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 2.806, suscita a questão do
ônus administrativo em caso de o Estado privilegiar dias de guarda de determinadas Igrejas,
levantando a hipótese de ser desproporcional qualquer medida neste sentido.
“Pergunto: seria constitucional uma lei de iniciativa do Poder Executivo que subordinasse assim o andamento da Administração Pública aos “dias de guarda” religiosos? Seria razoável, malgrado fosse a iniciativa do Governador, acaso crente de alguma fé religiosa que faz seus cultos na segunda-feira à tarde, que todos esses crentes teriam direito a não trabalhar na segunda-feira e pedir reserva de outra hora para o seu trabalho?”71
Faz-se intrigante notar que o próprio Ministro, no decorrer de seu voto não apresenta
qualquer conclusão para a questão levantada que, de fato, não se apresenta como algo de
intelecção simplista.
O Ministro Gilmar Mendes, retoma no voto proferido em sede de Suspensão de Tutela
Antecipada n° 389, a pergunta feita por Pertence, para a qual apresenta a seguinte conclusão:
a providência (o privilégio conferido), além de se revelar, a priori, contrária ao dever do
70 ADI 3510 / DF - Distrito Federal: Relator(a): Min. Ayres Britto. Julgamento: 29/05/2008. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Trecho de voto do Ministro Celso de Mello71ADI 2806 / RS - Rio Grande do Sul: Relator(a): Min. Ilmar Galvão. Julgamento: 23.04.2003. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Trecho destacado do voto do Ministro Sepúlveda Pertence
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Estado de se portar de forma neutra perante o fenômeno religioso, coloca severos óbices à
atuação da Administração Pública.72
A partir do estudo da jurisprudência, consoante já anteriormente mencionado, fez-se
possível aferir que o posicionamento explicitado tende a reconhecer a constitucionalidade de
um agir positivo por parte do Estado, desde que resguardados os princípios expressos no texto
constitucional. Desta maneira, a atuação estatal, ainda que forneça privilégios a uma
determinada Igreja, não deve ser revestida de vinculação entre esta e o Estado, já que este –
por não poder subvencionar ou estabelecer aliança com quaisquer Igrejas – não poderá
privilegiar uma em detrimento de outras, mas sim poderá privilegiar uma e outras, tantas
quantas solicitarem esse facere estatal.
A manifestação jurisprudencial também se mostrou preocupada com a questão
administrativa que circunda a questão da implementação concreta de tal neutralidade estatal,
de maneira a fazer com que a prática resguarde os princípios constitucionais da igualdade e da
liberdade religiosa e com respeito ao laicismo estatal.
Possivelmente, caso o Tribunal seguisse o que até hoje entendeu acerca do artigo 19, I
e do artigo 5º, VI, o ensino religioso confessional seria permitido nas escolas públicas, desde
que garantida a todas as confissões brasileiras a possibilidade de ministrá-lo. Assim, o Estado
estaria assegurando a pluralidade religiosa e, de mesma forma, ao não impedir o ensino de
determinada religião, não estaria criando óbice à livre manifestação das crenças e
religiosidades que assim o quisessem fazer (já que caso o Estado impedisse a forma
confessional de ensino, poderia ser configurado como constrangimento à liberdade religiosa).
Neste contexto, pode-se dizer que o ensino religioso, por estar constitucionalmente
previsto, deve, quem sabe, ser equiparado às demais formas de “cooperação” entre Igrejas e
Estado, autorizadas pelo Texto Maior. Assim, a previsão contida no artigo 210, § 1º, enseja a
possível comparação entre o ensino religioso e a imunidade tributária, ou à assistência
religiosa às forças armadas, citadas diversas vezes nos julgados do Supremo, e entendidas
como exemplos de casos em que o Estado pode e deve (em virtude de seu caráter
constitucional) associar-se à Igreja.
Prospectivamente, cabe prever que o futuro do julgamento das Ações Diretas de
Inconstitucionalidade que tiveram como objeto o questionamento acerca do ensino religioso
72 STA 389 / SP - São Paulo: Relator: Min. Presidente Gilmar Mendes. Julgamento: 20.11.2009
58
confessional nas escolas públicas – ADIs nºs 3.268 e 4.439 – serão julgados sob o âmbito da
neutralidade estatal delimitada pelo Supremo.
Parece pertinente referir que, ainda que o ensino religioso confessional nas escolas
públicas seja entendido como constitucional, a Lei Fluminense atacada na ADI 3.268, padece
de inconstitucionalidades tamanhas que, por si só, já fazem com que a Lei questionada seja
revestida de caráter inconstitucional. Não obstante possa o ensino confessional, por ela
previsto, ser passível de ser ministrado nas escolas públicas do Rio de Janeiro (desde que
garantidas as mesmas possibilidades para as demais religiosidades), a Lei definiu certos
critérios que não se coadunam com a Magna Carta, em esferas que não se restringem à
laicidade estatal e à pluralidade religiosa.
A previsão da obrigatoriedade da matrícula em ensino religioso, prevista no artigo 1º
da Lei Estadual 3.459, do Estado do Rio de Janeiro, afronta o artigo 210 da Constituição, que
justamente repudia o caráter obrigatório da matrícula, de forma, mesmo, a resguardar a
liberdade de consciência daqueles que não confessam nenhuma crença.
Bem assim, o processo de seleção de professores (por meio de concurso público) e o
credenciamento de tais professores (pela autoridade religiosa competente) revestem-se de
inconstitucionalidade patente, vez que vinculam o Estado à determinada Igreja e, ao mesmo
tempo, constrangem a liberdade religiosa e a pluralidade confessional existente no Brasil, em
vista do fato de nem todas as religiões serem organizadas e estruturadas de acordo com uma
hierarquia que viabilize a identificação de uma autoridade religiosa, de forma que a estas, não
poderia ser dada a possibilidade de cooperação estatal.
Desta feita, não restaria ao Supremo outra que não a decisão de julgar procedente o
pedido formulado pela CNTE na ADI n° 3.268, ainda que o Tribunal se utilizasse da mesma
linha de raciocínio que vêm imprimindo acerca da liberdade religiosa e do caráter laico do
Estado. A esse respeito, a inconstitucionalidade da Lei Fluminense deve ser declarada pelos
ministros, muito embora estes entendam ser possível a confessionalidade do ensino religioso
no contexto de modelo laico adotado pelo Brasil, já que a inconstitucionalidade da referida
Lei se manifesta em outras searas, que extrapolam a “mera” constitucionalidade do ensino
confessional.
A análise da ADI que questiona o ensino religioso tal como previsto no Estatuto da
Igreja Católica no Brasil, ao contrário, revela-se mais complexa. A inconstitucionalidade
59
apontada pela Procuradoria, que se encontra na expressão ensino religioso, católico e de
outras confissões religiosas, parece não ecoar no Supremo.
O Supremo tende a sinalizar discordância à alegada inconstitucionalidade que decorre,
na visão da Procuradoria, do suposto benefício concedido à Igreja católica. Prevê-se que a
expressão impugnada será reconhecida como fomentadora de atuação positiva do Estado, sem
que, no entanto, tal agir seja reconhecido como contrário à ordem constitucional vigente, já
que o expresso enunciado outras confissões religiosas, denota a postura negativa estatal - de
não constringir a liberdade religiosa – enaltecida pela Corte, de tal modo que a demonstração
das duas posturas se coaduna com a neutralidade ostentada nos votos dos ministros.
Tal como já mencionado, a petição elaborada pela Procuradora Deborah Duprat revela
uma peculiar preocupação com o viés prático em que a questão encontra-se inserida. Talvez
este se configure como um ponto de tensão a ser debatido no plenário quando da apreciação
da ADI nº 4.439: como concatenar o ensino religioso confessional com os enunciados da
Constituição Federal, respeitadora da pluralidade religiosa brasileira, em cenários
sociologicamente preocupantes?
E aí, no âmbito da resolução de tal questão, mais uma pergunta se demonstra bastante
pertinente: caberá à Suprema Corte a definição quanto à constitucionalidade do assunto, tão
só? Ou deverá o Tribunal, tal qual tribunal político que vem demonstrando ser, verificar a
pertinência, a factibilidade e a razoabilidade de se implantar ensino religioso confessional nas
escolas públicas, em vista das questões sócio-culturais (e não eminentemente jurídicas) que
permeiam o tema?
60
Brinde final e convite à pesquisa
A pesquisa aqui empreendida teve como desfecho a desconstrução das hipóteses
levantadas antes do início do estudo. Pensou-se ser impossível, em vista, especialmente, da
laicidade estatal e do mandamento expresso no artigo 5º, VI da Constituição Federal, a
previsão de ensino religioso confessional nas escolas públicas.
A princípio, antes do início da análise empírica e teórica a respeito do tema, concebia-
se a relação entre Estado e Igrejas de forma a entender tais poderes como se se posicionassem
opostamente, um de costas para o outro.
A rigidez do posicionamento inicial, de separação absoluta entre poder secular e poder
espiritual, configurava a manifestação da interpretação rasa da Magna Carta, adstrita, tão
somente, à redação do artigo 19 e do mencionado inciso do artigo 5º, de forma a tomá-los
isoladamente, sem maiores considerações acerca do sistema constitucional em que tais artigos
encontravam-se inseridos.
A partir da análise sistêmica do texto constitucional, considerado como um todo, fez-
se possível uma percepção mais acurada a respeito de todas as vertentes que ladeavam a
constitucionalidade do ensino religioso confessional nas escolas públicas.
O entendimento do posicionamento doutrinário majoritário, que contemplava a
neutralidade estatal e apontava para a semi-rigidez estabelecida pela Constituição Federal à
relação entre Igrejas e Estado, alardeou para outras questões que, até então, não tinham sido
ponderadas para a formulação da hipótese de inconstitucionalidade do ensino religioso
confessional.
Dentre estas questões, a que mais chama atenção, e a que figurou como um dos pontos
centrais da relativização do entendimento hipotético inicial foi a equiparação do ensino
religioso previsto na Carta Maior com os privilégios religiosos lá abarcados, tais quais a
imunidade tributária conferida aos templos e a assistência religiosa para as forças armadas.
Assim, passou-se a compreender o ensino religioso constitucional no âmbito de um sistema
em que a própria Magna Carta atribuía “relativizações” ao caráter laico do Estado brasileiro.
O estudo jurisprudencial somente acentuou o que já havia sido concluído: no contexto
da neutralidade estatal, pode o ensino religioso confessional ser ministrado nas escolas
públicas. A postura positiva e negativa que devem ser contempladas pelo Estado atuam como
61
limites – uma para outra -, de forma a assegurar a impossibilidade de restrição às liberdade e
igualdade religiosas e, da mesma feita, de modo a garantir que todas as religiosidades possam
ser, de maneira equânime e eqüidistante, fomentadas e privilegiadas.
O que se pode dizer, no final da contas, é que ao cabo da pesquisa, e em consideração
às explicitações doutrinárias e jurisdicionais, o ensino religioso confessional, de matrícula
facultativa, ministrado nas escolas públicas pode ser considerado constitucional. Claro – mais
uma vez – que se deve fornecer as mesmas condições para que todas as crenças possam ser
igualmente beneficiadas com a possibilidade de lecionar sua confissão nas escolas da rede
pública de ensino.
Ainda assim, a possibilidade, por si só, não se apresenta suficiente para a resolução
definitiva acerca da controvérsia. Conforme restou demonstrado, uma das maiores
preocupações que se relacionam com o tema do ensino religioso confessional é a implantação
deste, de forma a resguardar a neutralidade aqui contemplada.
Dada a diversidade religiosa brasileira, seria imprescindível uma estruturação público-
administrativa muito bem pensada e eficiente para que o ensino religioso confessional se
desse de maneira adequada e que fossem respeitados os princípios constitucionais da laicidade
estatal e da liberdade religiosa.
Neste sentido, caberia perguntar se a própria Administração Pública teria estrutura
suficientemente equipada para promover iguais benefícios às mais de 40 religiosidades
manifestadas no Brasil, e se poderia o Poder Público arcar com os ônus e custos de se
empreender a mais ampla igualdade religiosa, no sentido mais abrangente de laicidade estatal,
de forma a se coadunar com a neutralidade aqui referida.
Tal análise, entretanto, perpassaria o estudo de outras questões que fogem à apreciação
jurídico-constitucional a que este trabalho se dispôs a fazer. O escopo do presente trabalho
abrangeu somente a questão jurídica que pauta o assunto. Infelizmente, por questão de corte
metodológico e pertinência temática com a finalidade a que esta pesquisa se presta, não foram
abordados os aspectos culturais, sociais e filosóficos (dentre outros) que, de maneira
inquestionável, contribuiriam muito para a análise do tema aqui proposto.
Deve-se apontar, no contexto de tais considerações que, não necessariamente a
verificação de possibilidade do instituto leva à conclusão de constitucionalidade de seu
emprego prático. Neste sentido, cabe frisar que não se revela uma relação de causa e
62
conseqüência entre a declaração de possibilidade de uma questão e constitucionalidade de sua
implantação. Esta última prescinde da primeira. Entretanto, não é só porque algo é
considerado como possível que sua implantação prática conseqüentemente se verificará como
desejável ou, até mesmo, como constitucional.
O ensino considerado constitucional, necessariamente é aquele cujas condições são
dadas igualitariamente para todas as religiosidades, o que não se demonstrou ser uma
hipótese de simples concretização, se considerada a realidade brasileira. Muito pelo contrário.
Deve-se ponderar, assim, que qualquer privilégio concedido, única e exclusivamente para
uma determinada religião, não se afigura constitucional. Assim, o ensino religioso
confessional, para ser constitucional, deveria ser garantido para todas as confessionalidades.
O Tribunal, ao apreciar a constitucionalidade do ensino confessional, deverá,
impreterivelmente, pensar sobre balizas que limitem e determinem a atuação estatal e a
“associação” entre Estado e Igreja para que o ensino religioso seja, de fato, empreendido de
forma constitucional. Talvez, utilizando-se de uma ferramenta de ponderações, por meio do
princípio da proporcionalidade (ou de outro que se mostre igualmente eficaz), de forma a
aferir a razoabilidade da implementação de ensino religioso confessional nas escolas públicas,
o Supremo venha a defender a inconstitucionalidade do instituto, dada a sua impossibilidade
prática de se coadunar com os preceitos constitucionais resguardados.
Mais uma vez, cabe uma pergunta a respeito da própria atuação do Supremo. Tendo
em vista que tais balizas seriam necessárias para a perfeita concatenação do ensino religioso
confessional com as diretrizes constitucionais, caberia – mesmo – à Corte a determinação de
tais balizas? Neste sentido, deveria o Supremo decidir a questão sob o foco estritamente
jurídico – decidindo por sua constitucionalidade – ou caberia ao Tribunal uma análise
executivo-administrativa, dos custos e dos benefícios de adoção de tal modalidade de ensino?
Como se vê, a presente pesquisa acaba por suscitar mais perguntas à controvérsia
relacionada ao tema do que respostas.
Neste sentido, concluí-se, aqui, com a esperança – e com o convite - de que outras
muitas análises sejam empreendidas e contribuam para a questão não só da
constitucionalidade do presente tema, mas também para as particularidades acarretadas pela
adoção prática do ensino religioso confessional nas escolas públicas, revelando os resultados
positivos e negativos da implementação de tal ensino na rede pública, para que, enfim, se
63
possa aferir se a confessionalidade do ensino realmente se coaduna com os valores
constitucionais, que se revelaram de extrema importância na visão teórica aqui apresentada.
64
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