antologia poética de carlos drummond de andrad1

71
Cid Ottoni Bylaardt As palavras e as idéias Uma leitura de Antologia poética, de Carlos Drummond de Andrade Belo Horizonte 1999 1

Upload: bartok-oliveira

Post on 17-Nov-2015

137 views

Category:

Documents


4 download

DESCRIPTION

A leitura da presente obra de Carlos Drummond de Andrade, Antologia poética, exige que se façam algumas considerações sobre a leitura da poesia, e sobre sua própria criação . No momento em que um conjunto de palavras reunidas ultrapassa seu mero sentido lógico que o amarra à nossa realidade, agregando a si uma substância nobre e viva, criando uma atmosfera particular, que causa determinados efeitos sobre os homens, teremos aí o que chamam poesia.Conseguir ultrapassar o mero entendimento das idéias que as pala-vras veiculam e penetrar no universo imagístico, na pluralidade de expressão das palavras, e chegar ao encantamento que elas proporcionam, isso é ler poesia.

TRANSCRIPT

ANTOLOGIA POTICA DE CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

Cid Ottoni Bylaardt

As palavras e as idias

Uma leitura de Antologia potica, de Carlos Drummond de Andrade

Belo Horizonte1999

Azul, em chama, o telrioReintegra a essncia do poeta,E o que perdido se salva...Poesia, morte secretaSUMRIO

O VIVIDO E O INVENTADOA POESIA E A PROVA A TNICA DA COMPOSIOUM EU TODO RETORCIDOUMA PROVNCIA: ESTAA FAMLIA QUE ME DEICANTAR DE AMIGOSAMAR-AMAROUMA, DUAS ARGOLINHASPOESIA CONTEMPLADANA PRAA DE CONVITESTENTATIVA DE EXPLORAO E DE INTER- PRETAO DO ESTAR-NO-MUNDOSUPLEMENTO 5 EDIOGAUCHE NA VIDAOBRAS COMPLETASBIBLIOGRAFIA CONSULTADAQUESTESRESPOSTAS45111214161719212426

27313640414255O VIVIDO E O INVENTADO

A leitura da presente obra de Carlos Drummond de Andrade, Antologia potica, exige que se faam algumas consideraes sobre a leitura da poesia, e sobre sua prpria criao .O poeta francs Paul Valry, na tentativa de definir poesia, afirmou certa vez, em seu texto Poesia pura - notas para uma conferncia:

Todas as vezes em que a palavra mostra um certo distanciamento em relao expresso mais direta, isto , a mais insensvel do pensamento, e todas as vezes que esses distanciamentos fazem pressentir, de alguma forma, um mundo de relaes distinto do mundo puramente prtico, concebemos mais ou menos claramente a possibilidade de aumentar este domnio de exceo, e temos a sensao de dar ao fragmento uma substncia nobre e viva que talvez suscetvel de desenvolvimento e de cultivo; isso a poesia enquanto efeito de arte. (Traduo de Srgio Alves Peixoto)

O poeta est falando sobre a utilizao da palavra como arte. Comumente, usamos a palavra, a linguagem para comunicarmos alguma idia, ou seja, ela tem para ns um fim utilitrio, ou pragmtico. Esse tipo de utilizao da linguagem o que Valry chama expresso mais direta, ou sentido puramente prtico, e portanto a expresso mais insensvel do pensamento. A utilizao artstica da linguagem pressupe um afastamento do uso pragmtico, ou informativo, j que a arte no pretende ter nenhuma utilidade prtica. Assim, quanto mais se afasta da linguagem comum, quanto mais amplia o universo desse domnio de exceo, ou uso limitado da linguagem, mais se aproxima da arte da palavra, ou seja, a poesia enquanto efeito de arte.Como a poesia feita das mesmas palavras que utilizamos no dia-a-dia, praticamente impossvel que ela se afaste completamente de algum tipo de referncia ao mundo real. Entretanto, o poeta tenta, e sempre tentar, criar com as mesmas palavras velhas (ou inventando outras) um novo mundo, ou uma nova ordem de coisas que tenha a menor relao de ordem prtica possvel com o chamado mundo real.No momento em que um conjunto de palavras reunidas ultrapassa seu mero sentido lgico que o amarra nossa realidade, agregando a si uma substncia nobre e viva, criando uma atmosfera particular, que causa determinados efeitos sobre os homens, teremos a o que chamam poesia.Conseguir ultrapassar o mero entendimento das idias que as palavras veiculam e penetrar no universo imagstico, na pluralidade de expresso das palavras, e chegar ao encantamento que elas proporcionam, isso ler poesia. como reitera Paul Valry no mesmo discurso:

Um poema vale pelo contm de poesia pura, isto , de verdade extraordinria; de perfeita adaptao ao domnio do perfeitamente intil; de probabilidade aparente e que se impe na produo do improvvel.

No Poema orelha, integrante desta Antologia potica, Drummond adverte o leitor:

No me leias se buscasflamante novidadeou sopro de Cames.Aquilo que reveloe o mais que segue ocultoem vtreos alapesso notcias humanas,simples estar-no-mundo,e brincos de palavra,um no-estar-estando,mas de tal jeito urdidoso jogo e a confissoque nem distingo eu mesmo o vivido e o inventado.

A est: completando e reforando o que o poeta francs afirmou, o poeta itabirano prope criar uma nova realidade por meio das palavras, em que o vivido e o inventado no importam. O novo produto ser uma inveno composta pelas duas coisas.

A POESIA E A PROVA

Afinal, se a poesia algo to subjetivo e particular, um mundo parte, ser possvel que possamos responder a questes objetivas sobre os poemas lidos? Para o vestibular da UFMG de 1996, foi indicado o livro Claro enigma, de Carlos Drummond de Andrade, que contm vrios dos poemas presentes nesta Antologia. Vamos ento analisar as questes que caram naquele ano, para constatarmos que tipo de cobrana pode ser feita sobre um poema.A primeira questo que vamos analisar tem um carter bastante geral sobre a poesia de Drummond:

So caractersticas da poesia de Carlos Drummond de Andrade presentes em Claro Enigma, EXCETOA combinao de mtrica e de formas poticas tradicionais com formas mais livres de ritmo e versificao.A confisso de um ser humano que se aparta voluntariamente da comunidade dos outros homens.A problematizao da existncia sob a forma de indagaes de carter metafsico em meio a aspectos da vida cotidiana. A utilizao de dados da memria como elementos constitutivos fundamentais da identidade do eu-lrico.

Vamos comentar inicialmente as opes A, C e D, para depois analisarmos o item B, que a resposta. Exemplificaremos sempre com poemas que podem ser encontrados na Antologia.Formalmente, Drummond se utiliza tanto de medidas tradicionais quanto de versos livres. As formas tradicionais podem ser exemplificadas com os poemas Entre o ser e as coisas e Oficina irritada, dois sonetos de versos decasslabos com seqncia regular de rimas (ABAB-ABAB-CDD-CDD, em Entre o ser e as coisas, e ABAB-ABAB-CBC-DDB em Oficina irritada).A opo C afirma que a poesia de Drummond apresenta indagaes de carter metafsico misturadas a aspectos da vida quotidiana. Um exemplo disso o poema A mquina do mundo, em que o locutor apresenta uma paisagem mineira, um estrada pedregosa, no fecho da tarde, em que um sino rouco se misturava ao som de seus passos na estrada, o qual era pausado e seco. Nesse ambiente simples, o eu lrico caminha, como se retornasse a casa aps mais um dia de trabalho. Em dado momento, a mquina do mundo se abre para ele, como uma revelao, oferecendo-lhe as respostas para suas indagaes mais profundas:

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . O que procuraste em ti ou fora de

teu ser restrito e nunca se mostrou,mesmo afetando dar-se ou se rendendo,e a cada instante mais se retraindo,

olha, repara, ausculta: essa riqueza,sobrante a toda prola, essa cinciasublime e formidvel, mas hermtica,

essa total explicao da vida,esse nexo primeiro e singular,que nem concebes mais, pois to esquivo

se revelou ante a pesquisa ardenteem que te consumiste... v, contempla,abre teu peito para agasalh-lo.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

O item D aponta a memria como um recurso recorrente em Drummond. Isso se percebe claramente em vrios poemas, como Evocao mariana, Estampas de Vila Rica, A mesa, alm, claro, de Memria.A resposta, obviamente, a letra B. A opo afirma que o eu lrico se aparta voluntariamente do convvio com os outros homens, o que no pode ser constatado na obra Claro enigma. A temtica da solido est presente em Drummond, claro, mas no h nada nessa obra que leve a acreditar que o poeta seja um misantropo consciente. Ao contrrio, h evidncias de que ele compartilha a existncia com seus semelhantes, como em Amar (Que pode uma criatura seno, / entre criaturas, amar?).Se se considera a figura do poeta, entretanto, pode-se dizer que ele uma pessoa esquiva, que no gosta de ser incomodada, mas essa atitude no constitui uma temtica evidente em Claro enigma. Se o poema Apelo aos meus dessemelhantes em favor da paz fosse do livro Claro enigma, certamente teramos que dar como certa a opo B, porque no poema mencionado ele declara realmente seu desejo de se apartar das pessoas para viver a paz da paz.A outra questo da prova tipo B1 de 1996 pede o seguinte:

Leia o poema a seguir, da obra Claro enigma, de Carlos Drummond de Andrade

Oficina irritada

Eu quero compor um soneto durocomo poeta algum ousara escrever.Eu quero pintar um soneto escuro,seco, abafado, difcil de ler.

Quero que meu soneto, no futuro,no desperte em ningum nenhum prazer.E que, no seu maligno ar imaturo,ao mesmo tempo saiba ser, no ser.

Esse meu verbo antiptico e impuroh de pungir, h de fazer sofrer,tendo de Vnus sob o pedicuro.

Ningum o lembrar: tiro no muro,Co mijando no caos, enquanto Arcturo,Claro enigma, se deixa surpreender.

ASSINALE a alternativa que apresenta uma afirmao INCORRETA sobre o soneto.

As imagens confirmam a potica de Drummond como irnica e dessacralizadora.O poema afirma a tradio do soneto ao se propor como duro e seco.O poema apresenta correspondncia entre o contedo e a sonoridade das palavras.O poema demonstra a vitalidade esttica da forma soneto.

A questo acima exige que voc tenha uma noo geral sobre a forma soneto, sobre a potica de Drummond, e que relacione esses conhecimentos ao que voc compreendeu do poema. A primeira opo fala de uma poesia irnica e dessacralizadora, o que pode ser confirmado no poema. O soneto certamente ( h muitos sculos ( a forma mais expressiva que os poetas encontraram para cantar o amor; a espcie literria amorosa por excelncia. Pois esta sagrada medida do amor, consagrada por nomes como Petrarca, Shakespeare, Cames, Cludio Manuel, Mallarm, Olavo Bilac, Vincius de Moraes, e, em outros poemas, pelo prprio Drummond, esta forma secular que conspurcada pela oficina irritada do poeta. O sagrado dessacralizado, a mais tradicional das espcies poticas difamada pela ironia amarga da voz potica.A interpretao correta da primeira opo remete imediatamente opo incorreta, que o item B (que vem a ser a resposta certa...): se a tradio do soneto cantar o amor e os sentimentos elevados, esse poema duro e seco est certamente contradizendo a tradio, e no afirmando-a.A opo C explora o extrato sonoro do poema em relao ao seu contedo. Em sua irritao, o poema pretende ser duro e seco, escuro, abafado, antiptico, impuro etc. A sonoridade das palavras corresponde a essa dureza: h predominncia das rimas com a vogal fechada /u/ (duro, escuro, futuro, imaturo...), secundada pelo // e pelo /i/. Predominam, portanto, sons mais escuros, endurecidos pela constncia da consoante /r/.A opo final fala sobre a vitalidade esttica do soneto. Sem dvida, a utilizao de uma forma que tem oito sculos de bons servios prestados poesia, mesmo que seja para desdenhar da prpria poesia, como no presente caso, demonstra a fora dessa forma. importante observar que o candidato no convidado a elaborar nenhuma hiptese metafsica sobre a surpresa de Arcturo, ou sobre as propriedades olvidantes de um co mijando no caos ou de um tiro no muro. necessria, sim, uma leitura atenta do texto, aliada a uma compreenso geral da obra indicada para leitura e a conhecimentos de teoria de literatura.Vamos a mais uma das questes da prova de 1996.

Leia o poema a seguir, da obra Claro enigma, de Carlos Drummond de Andrade.

Memria

Amar o perdidodeixa confundidoeste corao.

Nada pode o olvidocontra o sem sentidoapelo do No.

As coisas tangveistornam-se insensveis palma da mo.

Mas as coisas findas,muito mais que lindas,essas ficaro.

A partir da leitura do poema, ASSINALE a afirmativa INCORRETA.O eu-lrico sente-se confundido porque amar impossvel no presente.O passado se associa percepo da beleza e no dor da perda.O poema contm um dos temas estruturantes da potica de Drummond: o tempoSeres e coisas no se definem por sua existncia concreta, mas pela presena na memria.

Essa questo pode ser respondida quase toda pela prpria leitura do poema. Agora, ler e interpretar. Na opo A, afirma-se que o eu-lrico sente-se confundido, o que pode ser confirmado pelos versos da primeira estrofe. Quanto causa desta confuso, seria ela realmente a impossibilidade de amar no presente? Na segunda estrofe, presenciamos a vitria do esquecimento sobre a vontade de esquecer; na terceira, constatamos a insignificncia das coisas presentes sobre nossos sentimentos; no final, a permanncia e o encanto das cousas passadas. Onde ento a impossibilidade do amor presente como causa da confuso do poeta? A resposta , portanto, a letra A.O passado (representado pelas coisas findas) se associa percepo da beleza (muito mais que lindas) e no dor da perda (no h referncia a qualquer tipo de sofrimento provocado pela memria das coisas; apenas confuso). Que o tempo um elemento estruturador desse poema, no h dvida: a presena inconsciente ou involuntria do passado marca mais o eu-lrico do que o presente tangvel. Do mesmo modo, o tempo presena constante nos poemas dessa Antologia de Drummond, como em Versos boca da noite:

Sinto que o tempo sobre mim abatesua mo pesada. Rugas, dentes, calva...Uma aceitao maior de tudo,e o medo de novas descobertas.

Voc deve ter percebido que nenhuma dessas trs questes deixa margem a dvidas quanto resposta, desde que se conheam os contedos de teoria de literatura previstos no programa da UFMG, e que se tenha feito uma leitura atenta das instrues da questo e dos textos apresentados. A poesia tem, sim, muitos aspectos subjetivos, e multiplicidades de interpretaes, mas bvio que uma questo de mltipla escolha sobre poesia no poder ser prejudicada pela dvida. A resposta ser certamente clara e objetiva, para quem conhece, l e entende. Felizmente, ou infelizmente, o candidato no dever responder a perguntas sobre a parte oculta da poesia. As respostas certamente ficaro restritas ao sentido lgico das palavras.E na segunda etapa, como feita a cobrana de textos poticos? Vejamos uma questo aberta sobre a poesia de Drummond da prova de Lngua Portuguesa e Literatura Brasileira A, do ano de 1996. A questo apresenta o texto do poema Oficina irritada, presente na Antologia, e transcrito na pgina 2, e tem a seguinte instruo:

REDIJA um pequeno texto, justificando o ttulo Oficina irritada, com base em elementos do poema.

O aluno atento deve-se lembrar de que este mesmo soneto apareceu na questo 19 da prova B1 da primeira etapa. importante pensar bem sobre o significado das duas palavras do ttulo, relacionando-o com o que se l no poema. Para isso, necessria mais de uma leitura, bem cuidadosa, do texto. Podemos partir de uma relao bastante simples entre o ttulo e o poema: oficina refere-se, obviamente, ao fazer potico, e irritada descontente, insatisfeita, infeliz, zangada. Agora leia novamente o poema e tente relacionar seu contedo a esses conceitos. Abaixo, colocamos uma sugesto de resposta:

O ttulo Oficina irritada condensa algumas das propostas estticas de Carlos Drummond de Andrade. O substantivo oficina refere-se ao ofcio do poeta, ou seja, a composio da poesia (Eu quero compor um soneto... Eu quero pintar um soneto...). O adjetivo irritada remete idia de rejeio, por parte do eu-lrico, da poesia tradicional, e particularmente do soneto, leve, amoroso, sentimental. Para o autor, a poesia que ele pretende escrever dessacraliza tais valores: um soneto duro, seco, abafado, difcil, antiptico e impuro.

A est: sua resposta deve ser bem objetiva, centrada na instruo da questo. O tamanho da resposta no importa, desde que contenha todos os elementos pedidos e seja bem fundamentada, mas bom prestar ateno ao nmero de linhas disponveis para resposta. Em tempo: nunca d a resposta em versos; assim sua questo nem ser corrigida. Nesta prova, o nico poeta o Carlos, nunca o candidato. Mais um lembrete: no assine nenhuma questo (h pessoas que gostam de faz-lo ao final de uma redao); isso lhe custar vinte pontos a menos na nota. proibido o aluno identificar-se no corpo da prova.A TNICA DA COMPOSIO

Antologia potica

( No vai levar a obra completa?Diz o livreiro, em tom maior.( No. Levarei a Antologia,por ser dos males o menor.

Na quadrinha acima, que no pertence Antologia, o poeta ironiza a prpria existncia da coletnea de versos, que representaria um mal menor em relao obra completa. Cabe-nos provar que Drummond no tinha razo.Os poemas presentes nesta Antologia potica foram escolhidos e organizados pelo prprio autor, que os dividiu em nove sees e deu um ttulo a cada uma delas, de acordo com a temtica que a constitui. A editora acrescentou uma dcima parte contendo quinze poemas tirados dos livros Boitempo & a falta que ama, Versiprosa e Viola de bolso-II.Ao fazer a seleo, o poeta no usou o critrio da qualidade nem das fases poticas de sua trajetria. Cuidou antes de localizar, na obra publicada, certas caractersticas, preocupaes e tendncias que a condicionam ou definem, em conjunto (Nota da primeira edio). Os nove pontos de partida, em que se divide a matria de poesia so os seguintes, segundo o autor:

O indivduo; A terra natal; A famlia; Amigos; O choque social; O conhecimento amoroso; A prpria poesia; Exerccios ldicos; Uma viso, ou tentativa de, da existncia.

A cada uma das divises temticas acima, o poeta deu um ttulo que exprime uma viso pessoal do agrupamento nomeado:

Um eu todo retorcido; Uma provncia: esta; A famlia que me dei; Cantar de amigos; Amar-amaro; Uma, duas argolinhas; Poesia contemplada; Na praa de convites;Tentativa de explorao e de interpretao do estar-no-mundo Suplemento 5a. edio

UM EU TODO RETORCIDO

O ttulo dado por Drummond a esta parte sugere uma viso de si mesmo nada simtrica, pouco equilibrada, muito imperfeita, cheia de equvocos. Retorcido pode ser no-linear, no-conforme, no-enquadrado, misturando um comportamento social impecvel com momentos de esprito rebelde e chapliniano. O eu retorcido se resume na palavra gauche, presente na primeira estrofe da primeira parte da Antologia.Os nove poemas desta parte apontam para um eu no apenas retorcido, mas descrente da vida, angustiado; conformado no, antes perplexo, cheio de indagaes que revelam a inquietude do esprito do poeta:

Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu corao.Porm meus olhosno perguntam nada (Poema de sete faces)Que barulho esse na escada? (Poema pattico)Estarei mesmo sozinho? (A bruxa)E agora, Jos? (Jos)Escreverei sonetos de madureza?Darei aos outros a iluso de calma?Serei sempre louco? Sempre mentiroso?Acreditarei em mitos? Zombarei do mundo? (Versos boca da noite)

So freqentes nessa seo o sentimento de abandono e desesperana, a solido em meio multido, a encruzilhada do homem, o beco sem sada para os problemas existenciais:

Meu Deus, por que me abandonaste (Poema de sete faces)Perdi o bonde e a esperanaVolto plido para casa. (Soneto da perdida esperana)Estou s, sem amigo (A bruxa)A injustia no se resolve. sombra do mundo erradomurmuraste um protesto tmido (Consolo na praia)

E como reage o indivduo a tantos reveses, a tanta incompreenso, a tanta falta de perspectiva?Apesar de tudo, h que resistir, h que buscar uma sada:Voc marcha, Jos! / Jos, para onde? (Jos).H que desabafar, pelo menos, fazer confidncias:Companheiros, escutai-me! (A bruxa).Ningum me far calar, gritarei sempre (Idade madura).H que se conquistar a eternidade:Entretanto h muito tempons gritamos: sim! ao eterno. (Soneto da perdida esperana).Se nada possvel fazer, h os consolos j feitos, que podem embalar o sono do homem: Mas a vida no se perdeu... o corao continua... tens um co... e o humour?... viro outros... (Consolo na praia). No meio de tanta sujeira, injustia, no meio de tanto dio pode haver algum consolo: feia. Mas uma flor. Furou o asfalto, o tdio, o nojo e o dio. (A flor e a nusea).Na trajetria do indivduo, exerce papel de extrema importncia o passar do tempo, a preocupao com o envelhecer, que tem pouca coisa de positivo, sempre a perda, a corroso, a destruio, o prenncio da morte. No h propriamente medo da hora esperada, mas uma conscincia, s vezes perplexa, s vezes conformada, de sua inexorabilidade, a certeza de que ela se aproxima a passos cada vez mais rpidos. A infncia est perdida.A mocidade est perdida.Mas a vida no se perdeu (Consolo na praia). As lies da infnciadesaprendidas na idade madura (Idade madura)Sinto que o tempo sobre mim abatesua mo pesada. Rugas, dentes, calva...Uma aceitao maior de tudo,e o medo de novas descobertas. (Versos boca da noite)H muito suspeitei o velho em mim (Versos boca da noite)De novo aqui, mido territriocivil, sem sonhos. Como pressentindoque um dia se esvaziam os quartos, se limpam as paredes,e pra um caminho e descem carregadores,e no livro municipal se cancela um registro (Indicaes) Que a terra h de comer,mas no coma j (Os ltimos dias)

Na anteviso da morte, o eu-lrico, a voz potica recebe nome e sobrenome, para que no paire nenhuma dvida sobre quem est se despedindo da vida:. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .E a matria se veja acabar: adeus composioQue um dia se chamou Carlos Drummond de Andrade.Adeus, minha presena, meu olhar e minhas veias grossas,Meus sulcos no travesseiro, minha sombra no muro,Sinal meu no rosto, olhos mopes, objetos de uso pessoal, idia de justia, revolta e sono, adeus,Adeus, vida aos outros legada.(Os ltimos dias)

UMA PROVNCIA: ESTAA provncia a terra natal do poeta, que no apenas Itabira; uma Cidadezinha qualquer (ttulo do poema que abre a segunda parte) de Minas Gerais, incluindo a provncia de Belo Horizonte. As cidades citadas nominalmente so Itabira, Mariana, Belo Horizonte, e Ouro Preto (chamada de Vila Rica, numa evocao do passado histrico e misterioso da antiga capital de Minas). Entretanto, a provncia a prpria Minas Gerais, de todas as cidades e regies, com a calma e placidez da vida e da paisagem interiorana, a ausncia de pressa, a religio, o crime na cidadezinha, a histria, o esprito mineiro que visita e impregna o eu-lrico quando este abandona Minas.A religio, to cara tradicional famlia mineira, revela a mesquinhez dos homens, a beleza e o mistrio dos ritos e adornos e evoca imagens de tempos e lugares impregnados de espiritualidade. Em Romaria, os fiis seguem sua trajetria de purificao, sacrificando-se para livrar-se dos pecados, numa bela imagem que funde elementos concretos e abstratos, o concreto tornando-se abstrato e o abstrato tornando-se concreto:

Os romeiros sobem a ladeiracheia de espinhos, cheia de pedras,sobem a ladeira que leva a Deuse vo deixando culpas no caminho.A ladeira no plano concreto a estrada, que de repente se desconcretiza para virar caminho do cu, caminho da salvao. Os espinhos e as pedras nomeiam seres bastante brutos, que evocam o sofrimento, o sacrifcio dos fiis em sua caminhada rumo purificao. As abstratas e impalpveis culpas, nessa jornada, vo-se concretizando e vo sendo eliminados por seus portadores, como pesos indesejveis que dificultam a ascenso.A festa da romaria mistura o despercebido milagre de Cristo (Nos olhos do santo h sangue que escorre. / Ningum no percebe, o dia de festa.) ao comrcio do vcio e de relquias, e a esperana dos fiis de que o ritual possa ajud-los a alcanar suas graas. O leproso quer a cura, mas no propriamente da lepra, e sim do amor que eu tenho e que ningum me tem; um outro quer dinheiro, muito dinheiro; o outro pede nimo e coragem para lavar a honra de esposo; o ladro no quer propriamente perdo, escapar do xilindr basta. E pedem, pedem (Os romeiros pedem com os olhos, / pedem com a boca, pedem com as mos). Tantos pedidos cansam a divindade, e Jesus dorme sonhando com outra humanidade.Em Evocao mariana, os cnticos dentro da igreja criam uma atmosfera de claridade e leveza:

De seu peso terrestre a nave libertada,como do tempo atroz imunes nossas almas,flutuvamosno canto matinal, sobre a treva do vale.

Em Estampas de Vila Rica, so pintados aspectos das igrejas do Carmo, de So Francisco de Assis e de Mercs de Cima. Em So Francisco de Assis, o eu-lrico se sente escravizado por tanta beleza; sua descrena em Deus abalada e ameaada pelo envolvente encantamento do ambiente (Perdo, Senhor, por no amar-vos).Apesar de descrente em Deus, o eu-lrico sente-se tocado pela espiritualidade do ambiente de Ouro Preto, e at a fome esquecida, no Hotel Toffolo, em favor do po de nuvens da cidade, na falta de comida de verdade, Como se no houvesse outras fomes / e outros alimentos.No Museu da Inconfidncia, a Histria resgatada: So palavras no cho / e memria nos autos. O esquecimento preside a histria dos homens, s se ouvem os ecos do passado, na impossibilidade de domar o tempo. Toda histria remorso.Itabira ( e o itabirano mais ilustre ( comparecem:

Itabira apenas uma fotografia na parede. Mas como di!

Os versos acima, de to famosos, no poderiam deixar de ser citados. Pertencem ao poema Confidncia do itabirano, em que o eu-lrico relaciona o temperamento fechado do habitante de Itabira, seu orgulho, sua dureza de carter, ao teor de ferro existente no cho da cidade. Tudo compacto, incomunicvel, alheio ao que na vida porosidade e comunicao. A porosidade permevel, permite a interpenetrao de substncias de espcies e origens diversas. Isso no existe em Itabira.Essa pequena viagem pela provncia encerrada com a Prece de mineiro no Rio, em que a voz potica invoca o esprito de Minas, elemento ordenador da confuso carioca, preservador de algumas caractersticas mineiras. O eu-lrico suplica que essa mineiridade no o abandone:

no me fujas no Rio de Janeiro,como a nuvem se afasta e a ave se alonga,mas abre um portulano ante meus olhosque a teu profundo mar conduza, Minas,Minas alm do som. Minas Gerais.

A FAMLIA QUE ME DEI

A terceira parte uma grande viagem no passado, o imprio da memria. O ttulo sugere que as pessoas e os fatos do passado foram construdos subjetivamente na mente e na alma do eu-lrico. E o resultado dessa construo um clima invariavelmente obscuro, pouco ntido, com sabor de coisa antiga. Na viso do velho e empoeirado retrato, os mortos e os vivos se misturam, compondo a noo de famlia que o eu potico carrega:

J no distingo os que se foram dos que restaram. Percebo apenas a estranha idia de famlia

viajando atravs da carne.

Em Os bens e o sangue, o poeta faz uma reconstituio amarga dos ltimos cem anos de sua famlia. Seus antepassados, em agosto de 1847, vendem as propriedades da famlia para que os descendentes, despojados dos bens materiais, possam concentrar toda sua f numa riqueza s, abstrata e una. O documento de venda das propriedades da famlia escrito numa deliciosa e potica linguagem que simula documentos cartoriais do sculo XIX. Em seguida, aps desfilarem alguns deserdados, o poema desgua na tristeza do poeta com a transformao de sua cidade, e sua frustrao de no ter feito jus a seu sangue de barganhador, minerador, fazendeiro. No final do poema, seus antepassados o contemplam, compreendendo sua condio de diferente:

Pois carecia que um de ns nos recusassepara melhor servir-nos.

Apesar de os antepassados terem vendido os bens, o pai do poeta foi proprietrio de fazenda, onde ele passou a infncia, evocada no poema de mesmo nome. A jornada continua com Viagem na famlia, em que o poeta relembra seu pai e outros ascendentes em tom amargo, em clima de sonho, em que o eu-lrico busca compreenso e perdo, e s encontra o silncio naquela viagem pattica / atravs do reino perdido. O mesmo tom de amargura persiste nos poemas seguintes: o Convvio com os mortos na memria, aqueles que no vivem seno em ns; as Perguntas sobre nossa ligao com eles, a quem amamos depois de perder; a Carta ao alm; o grande encontro imaginado da famlia, presidido pelo pai em volta dA mesa; a triste lembrana do filho que o poeta no teve. Nesses poemas, o tom de recordao, de sonho, ou de evocao sobrenatural:

No vo que desfere,silente e melanclico,rumo da eternidade, ele apenas responde(se acaso respondera mistrios, somar-lhesum mistrio mais alto):

Amar, depois de perder(Perguntas)

Essa parte encerrada pelo poema A Lus Maurcio, infante, homenagem do poeta ao seu neto, nascido em Buenos Aires. Aqui o poeta substitui o tom obscuro e amargo dos poemas anteriores por uma viso mais esperanosa da vida, j que o homenageado uma criana. As palavras so mais claras, as imagens mais brilhantes, iluminadas:

meio-dia, Lus Maurcio, hora belssima entre todas,pois, unindo e separando os crepsculos, sua luz se consumam as bodas

do vivo com o que j viveu ou vai viver, e a seu purssimo raioentre repuxos, os chicos e as palomas confraternizam na Plaza de Mayo.

CANTAR DE AMIGOS

Nesta parte, Drummond homenageia sete artistas: Manuel Bandeira, Mrio de Andrade, Amrico Fac, Jorge de Lima, Federico Garcia Lorca (poetas), Cndido Portinari (pintor) e Charlie Chaplin (cineasta e msico).O primeiro uma Ode comemorativa dos cinqenta anos do poeta Manuel Bandeira, completados em 1936. Drummond exalta a arte de Bandeira, criador de um mundo amoroso e pattico, cuja poesia tem a propriedade de fazer sofrer, de uma maneira inexplicvel, esse sofrimento seco, / sem qualquer lgrima de amor. No importam os assuntos de sua poesia, as paisagens pernambucanas, aspectos do Rio de Janeiro, sua prpria vida de condenado precoce morte, seu grande valor sua pungente, inefvel poesia, o fenmeno potico, de que te constituste o misterioso portador.O segundo poema uma homenagem pstuma ao poeta paulista Mrio de Andrade, grande pesquisador do folclore e da cultura brasileira em geral, cuja residncia (metonmia dele mesmo), navio de So Paulo no cu nacional, / vai colhendo amigos de Minas e Rio Grande do Sul, / gente de Pernambuco e Par, todos os apertos de mo, / todas as confidncias a casa recolhe. A morte do poeta provoca um sentimento de vazio, uma pausa oca, mas a obra dele acaba permanecendo, e ficam tuas palavras / (superamos a morte e a palma triunfa) / tuas palavras carbnculo e carinhosos diamantes.Outro poeta homenageado o cearense Amrico Fac, autor de pequena obra, que, segundo Drummond, comps de humano desacorde, isento, puro, / teu cntico sensual, flauta e celeste.O poema Conhecimento de Jorge de Lima evoca cenas de folclore, de religiosidade, de infncia, de paisagens nordestinas, sintetizando os temas caractersticos do poeta alagoano. Jorge de Lima era tambm mdico, e seu consultrio na Cinelndia era famoso por ter mais livros de poesia e obras de arte do que instrumentos clnicos e literatura mdica. Da a referncia final ao consultrio do mdico-poeta:

o consultrio mtico e lunar(poesia antes da luz e depois dela),era Jorge de Lima e eram seus anjos.

A mo a metonmia do pintor Cndido Portinari, falecido em 1962, cuja vocao surge ainda na infncia, como auxiliar dos restauradores de uma igreja em sua cidade natal, Brodsqui, SP, conforme sugerem os versos iniciais do poema. A pintura de Portinari tem lugar importante nas artes plsticas brasileiras, como uma arte participante do processo social, que se transforma em beleza plstica nas mos do mestre, conforme atesta a voz potica do texto:Agora h uma verdade sem angstiamesmo no estar-angustiado.O que era dor flor, conhecimentoplstico do mundo.

Federico Garcia Lorca, poeta espanhol homenageado no poema seguinte, dedicou-se tambm pintura, msica e ao teatro, e suas obras sempre revelaram um conhecimento profundo do povo espanhol. Embora no possusse militncia poltica declarada, sempre manifestou seu desprezo ao fascismo (representado, na Espanha, pelos partidrios de Francisco Franco), que considerava opressores da arte e da liberdade. No incio da Guerra Civil Espanhola, em 1936, foi preso e fuzilado pelos franquistas.No ltimo poema da quarta parte, o poeta, j maduro, sada o homem do povo Charlie Chaplin. Cineasta, roteirista de cinema e ator, alm de compositor, Chaplin encarnou no personagem Charlot, ou Carlitos, o heri do povo, mendigo insubmisso e miservel, sempre na busca da felicidade, das coisas simples e descomplicadas na complicao do mundo moderno e na complexidade das relaes sociais.Drummond, aos 43 anos, na poca do final da segunda guerra mundial, retorna s lembranas dos 20 anos e procura se despir da madureza para, atravs de filamentos de ternura e riso, dispersos no tempo, recompor o prazer que o genial Carlitos lhe havia proporcionado na juventude. No , segundo o eu-lrico, um dos maiores poetas brasileiros, mas um dos mais expostos galhofa, um pequeno cantor teimoso, / de ritmos elementares, vindo da cidadezinha do interior, no o grande poeta maduro da lngua portuguesa que vai cantar a arte chapliniana; um antigo rapaz de vinte anos que vai visitar o artista para saud-lo e dizer o tanto que os brasileiros o amam.Em seu canto, vo falar as pessoas comuns, no os notveis. Os que se nutrem das duas horas de anestesia que seus filmes proporcionam so os tristes, aflitos, abandonados, simples, prias, falidos, mutilados, deficientes, recalcados, oprimidos, solitrios, lricos, cismarentos, irresponsveis, pueris, cariciosos, loucos e patticos, alm das flores, tocos de velas, mesa, botes, todos os objetos simples que falam da vida. O palco em que Carlitos atua, a noite americana, sombrio e opressor, mas a bengala mgica do artista consegue transform-la e humaniz-la. A fome, a misria e a opresso so denunciadas e sublimadas em amor e fantasia, atravs de sua linguagem universal, que toca igualmente a todos, em voz poderosa que reinventa as palavras que devem ser ditas:Dignidade da boca, aberta em ira justa e amor profundo,crispao do ser humano, rvore irritada, contra a misria e a fria dos ditadores, Carlito, meu e nosso amigo, teus sapatos e teu bigode caminham numa estrada de p e esperana.AMAR-AMARO

Amar-amaro, nome que o poeta deu a esta seo, que contm textos sobre o choque social, o ttulo do ltimo poema que aparece na parte seguinte, sobre o amor (Uma, duas argolinhas). O intrigante que Amar-amaro um poema do livro Lio de coisas, de 1962, em que j no transparece na poesia de Drummond a preocupao social, abundante nos livros Sentimento do mundo, Jos e A rosa do povo. Em Lio de coisas, Drummond j apresenta uma poesia mais madura, cheia de inquietaes humanas, mais universal, despojada de engajamentos sociais.O nome desta parte, Amar-amaro, mistura de paixo com amargura, amor gauche, certamente remete aos seguintes versos do poema da quinta seo:amig (o,a) me releveeste malestarcantarino escarninho piedosoeste querer consolar sem muita convicoo que inconsolvel de ofcio interessante lembrar que em entrevista dada a Maria Julieta, Drummond declarou que considerava sua poesia social como fruto de sua fase potica mais produtiva; a decepo, entretanto, com a militncia poltica fez com que ele reflusse (a partir de Novos poemas, 1948) para uma poesia mais subjetiva, algo metafsica., portanto, esse perodo fecundo que Drummond homenageia nesta parte da Antologia, advertindo, porm, que essa tentativa de consolo intil. Fique, de qualquer forma, registrado o apelo/denncia do poeta.Quase todos os poemas desta parte (com exceo de quatro) foram escritos entre 1939 e 1945, poca da Segunda Grande Guerra. O tom, naturalmente, de desgosto com a vida, a temtica da injustia, da destruio, da inutilidade das coisas diante de um mundo catico, um sistema de erros dominado por interesses capitalistas.O poema de abertura encena uma tentativa frustrada de suicdio que leva o poeta, proprietrio de um Corao amoroso, a se identificar com a cidade que ama e com seus habitantes. A guerra e a destruio so lembrados em Sentimento do mundo e, de forma mais sutil, em Lembrana do mundo antigo, que no tinha os perigos que o atual oferece. Em Elegia 1938, o capitalismo, chamado pelo eu-lrico de Grande Mquina, o inimigo, contra o qual no se pode lutar. Resta conformar-se e adiar para outro sculo a felicidade coletiva. O agente do grande mal depreende-se que sejam os Estados Unidos, o grande e poderoso arquiteto e executor do capitalismo selvagem:

Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuioporque no podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan.

Mos dadas afirma o compromisso do poeta com seu tempo e seu mundo, que sofre mas alimenta esperanas. Em meio esperana, h a para definitiva e fatal da situao aflitiva em que se encontra o mundo, um caos atormentado, cantada em Congresso internacional do medo.Nosso tempo um grande painel da sociedade capitalista das dcadas de 30 e 40, poca de guerra, em que o poeta declara sua indignao contra o tumulto do mundo, contra esse tempo de mutilao moral e fsica. Mas o homem tem que continuar, tem que seguir, preciso abrir a boca, denunciar, por mais que esteja tolhido. o tempo de cinco sentidos num s. Ao final, o eu-lrico faz uma terrvel profisso de f, ou de anti-f, em relao ao capitalismo, responsvel por todos os males do mundo, prometendo lutar para acabar com ele:

O poetaDeclina de toda responsabilidadeNa marcha do mundo capitalistaE com suas palavras, intuies, smbolos e outras armasPromete ajudarA destru-loComo uma pedreira, uma floresta,Um verme.

A idia de que a misria humana no motivo para desesperar e desistir retomada em Os ombros suportam o mundo, e o cumprimento da ameaa de lutar contra a corroso dos valores pelo capitalismo cumprida parcialmente no Anncio da rosa, metfora do comeo do fim.Merece destaque O elefante, bicho potico que sai pelo mundo mas no consegue se comunicar porque o mundo incomunicvel; no obstante, ele busca as emoes, a inocncia e a poesia, mas volta para casa insatisfeito de seus desejos por causa da indiferena das pessoas. A criatura afinal identificada ao criador, o poeta, que recomea diariamente sua procura v.H ainda as tragdias individuais que se tornam sociais, como O desaparecimento de Lusa Porto e A morte do leiteiroOs dois ltimos poemas pertencem, respectivamente, aos livros Claro enigma (1951) e Novos poemas (1948), quando j se havia aplacado a ira anti-capitalista do poeta, e, naturalmente, contm uma mensagem menos incendiria. Em Contemplao no banco, h a esperana de um corao pulverizado de que ainda haja flores para serem contempladas, de que um novo homem possa sobreviver na ordem capitalista.No poema final, Cano amiga, de tom mais otimista, o poeta reitera seu sentimento do mundo caminhando por uma rua / que passa em muitos pases, e prope um cantar que faa acordar os homens / e adormecer as crianas, ou seja, que alerte os homens para a ao e que deixe as crianas em paz.

UMA, DUAS ARGOLINHAS

Excetuando curtos momentos em que alguma hecatombe o suspende temporariamente, como em Congresso Internacional do Medo, o imprio do amor dominante em Carlos Drummond de Andrade: amor vida, embora possa ser em alguns instantes morte, o que no nega o indispensvel de sua existncia para o ser humano, considerando que o prprio conceito de morte s possvel como anttese de vida.Podem-se acompanhar os momentos emocionais e a evoluo esttica de Drummond pelos seus poemas de temtica amorosa, a comear pelos gracejos tragicmicos modernistas de Alguma poesia, de que Quadrilha representante nesta Antologia. H ainda as peripcias do amor, bicho instrudo, que trepa e se estrepa, que se irrita e se completa de O amor bate na aorta; o desespero dos suicidas passionais de Necrolgio dos desiludidos do amor; e a tentativa de resistncia ao suicdio causado pelos altos e baixos amorosos em No se mate (Os trs ltimos de Brejo das almas, 1933):Intil voc resistirou mesmo suicidar-se.No se mate, oh no se mate,reserve-se todo paraas bodas que ningum sabequando viro, se que viro.

A rosa do povo (1945) contribui com dois poemas amorosos, em que se percebe uma nova maneira de encarar o amor: O mito e Caso do vestido. No primeiro, o eu-lrico cria uma mulher burguesa, inspirada nos clssicos Petrarca, Ronsard e Cames, e ambientada nas contradies do capitalismo, sempre presentes em A rosa do povo. De reboque cria-se tambm o amor correspondente mulher-mito. O poeta decide afinal negar a existncia dessa mulher e desse amor, criando um novo mundo, sem classe e imposto, em que possvel a transformao do sentimento amoroso, com a eliminao do sofrimento e das desavenas, e acolhendo os amantes em uma aura de compreenso.O caso do vestido encena um drama familiar, em que a me conversa com as filhas sobre um certo vestido outrora pertencente a uma prostituta que lhe havia seduzido o marido. O marido, apaixonado pela dona, pede esposa que a convena a ficar com ele. Aps muito tempo juntos, a prostituta acaba se apaixonando pelo homem, que a abandona. Ela vai ento esposa e lhe pede perdo e oferece como lembrana o vestido, ltima pea a recordar seus dias de luxo e luxria. Ao final, a esposa fica com o vestido e com o marido.Os poemas seguintes apresentam um Drummond j bem mais maduro, mais consciente. Num clima de introspeco, o poeta constata que amar inerente a todos os seres humanos ( h vrias formas de amar, o amor se revela de vrias maneiras e apresenta reaes diversas, e ainda cheio de mistrios. O poeta, entretanto, no recorre a solues romnticas para lidar com esses mistrios e os paradoxos do amor; as contradies amorosas so registradas e analisadas numa atitude de aceitao e contemplao. Um poema emblemtico sobre o conceito de amor do poeta Amar, em que a constatao da existncia do amor nas criaturas e em todas as coisas pode ser absoluta, mas cheia de indagaes, de inquietaes. O ser amoroso ama as coisas belas, as coisas feias, as coisas prfidas ou nulas, a criatura funde no ato de amar tudo o que rodeia sua vida, incluindo os opostos de amar, como malamar e desamar.:Que pode uma criatura seno, entre criaturas, amar?amar e esquecer,amar e malamar,amar, desamar, amar?sempre, e at de olhos vidrados, amar?Os poemas amorosos de Claro enigma (Campo de flores, Amar, Entre o ser e as coisas, Tarde de maio, Fraga e sombra, Cano para lbum de moa, Rapto e Memria) talvez contenham os momentos de maior lucidez do poeta para falar dos assuntos humanos. Nesses poemas, o eu-lrico apresenta vrias maneiras de amar, em oito momentos entre os quais oscila seu sentimento. H o amor maduro, o amor total, o amor que busca sua pureza nos elementos, na natureza, o amor que se desconhece e maltrata, o amor ao cair da tarde, o amor totalmente frustrado, o amor misterioso.Com exceo de Memria, os outros sete poemas citados compem, juntos, a segunda parte de Claro enigma, chamada Notcias amorosas. O poeta certamente gostava muito desses poemas, pois nenhum ficou de fora da Antologia selecionada por ele. Alm desses sete, ele acrescentou Memria, que no ocupa a seo destinada aos poemas de amor em Claro enigma, e sim a parte dedicada ao escurecer da vida do poeta. Na Antologia, este poema remete ao amor do passado, memria afetiva das coisas findas.O poema Amar-amaro (de Lio de coisas, 1962), derradeiro da sexta parte da Antologia, e ttulo da parte anterior, representa, na poesia de Drummond, um salto tanto cronolgico quanto estilstico em relao aos poemas anteriores. Agora, mais do que em qualquer momento anterior, a palavra que importa, no as idias.O trabalho com a palavra j se evidencia desde logo no ttulo, sugerindo algo como a doura amarga do amor. Ao lermos o poema, ficamos nos perguntando a todo momento o que que o poeta quer nos dizer. Talvez fosse melhor pensar em termos de contemplar o mundo que as palavras nos oferecem, ao invs de perseguir as idias. evidente que toda palavra traz em si alguma idia, ou seja, o signo, ou o que ela significa, praticamente indissocivel de sua forma. Mas bvio tambm que o poema no pretende contar uma histria. Encaremos, portanto, os significados das palavras como um caminho que nos conduzir ao mundo de sugestes, de sutis relaes entre as palavras, considerando inclusive que o poeta no se contentou apenas em utilizar as palavras em estado de dicionrio, mas buscou outras bem longe e inventou algumas. Isso provoca um certo hermetismo em nossas relaes com as palavras (devemo-nos lembrar que o leitor quem recria o poema, fazendo um poema s seu). Mas essas aparentes dificuldades no impedem que se chegue poesia contida no poema, que a que cada um, em maior ou menor grau, descobre.Sem pretender cometer o sacrilgio de contar o que acontece no poema, ou explic-lo, ou pelo menos tentando perpetrar o crime apenas pela metade, vamos tentar passear nossos sentidos pelo texto, lembrando a advertncia (bem larga, alis, como denuncia o aspecto grfico da frase) do poeta: p r o i b i d o p a s s e a r s e n t i m e n t o s. Desespero (de pernas para o ar), ternura, de que valem sentimentos, por que amar? Amor pea de museu? O museu no do Prado, secular instituio espanhola, situada em Madri, mas do pardo, o obscuro, quase escuro, branco sujo, duvidoso. Amor, sofrimento, morte, doena contagiosa que enche o corpo de feridas, sofre porque quer, errante, est em todo lugar, preenche os vazios e o prprio vazio. Concentremo-nos na sugesto:

amar sofrer talvez como se morrede varola voluntria vgula evidente?

Amor que queima, lembrana de Cames, que penetra todos os recantos do corpo e do esprito, espculo da alma, por dentro por fora nos cantos nos ecos sem vrgulas para atrapalhar o elo. Qual o sentido, qual a busca? A concretizao do conhecimento na metfora da carne, esquartejada, exposta.Amar-amaro um canto de malestar, cantilena zoando nos ouvidos, ferrinho de dentista sarcstico porm compreensivo, cantarino escarninho piedoso. H que perceber a gravidez das palavras que parem umas s outras vertiginosamente nos versos finais, como bactrias se multiplicando em cultura propcia:

cantarino escarninho piedosoeste querer consolar sem muita convicoo que inconsolvel de ofcioa morte esconsolvel consolatrix consoadssimaa vida tambmtudo tambmmas o amor car(o,a) colega este no consola nunca de nncarasConsolo (consolao), inconsolvel (que no se consola), esconsolvel (esconso, escondido, com consolo, o que pode ser) consolatrix (no latim, l longe, a consoladora), consoadssima (consoada, ceia, refeio, mas que soa junto, consoa e rima). Mas do amor no espere consolo, nunca de nncaras, eco profundo no infinito insondvel. Composio e decomposio.Concluindo, essa parte da Antologia que contm a temtica do amor revela com nitidez a trajetria do poeta. Sua expresso, inicialmente sincronizada com os modernismos mais ruidosos dos anos trinta, evolui para uma inquietao contemplativa e introspectiva, calma e silenciosa, em que os temas humanos so trabalhados com um certo distanciamento, porm com subjetividade e profundidade, numa forma esttica mais universal, conseguintemente mais formal, at desabrochar na plenitude de linguagem mostrada em Amar-amaro.

POESIA CONTEMPLADA

Este o momento em que o poeta vai falar sobre poesia, sobre fazer poesia, sobre ler poesia. o momento da metalinguagem, da explicao, ou tentativa de, sobre o processo criativo e sobre o processo recriativo, de leitura.Em O lutador, publicado em 1942, o eu-lrico tenta descrever o trabalho criativo, o fazer potico. O poeta se considera um ser lcido e frio que tenta achar as palavras certas e coloc-las na melhor ordem com o objetivo de compor um poema para meu sustento / num dia de vida. Entre os povos primitivos, os loucos eram considerados mgicos, que tinham poder de encantar as palavras e domin-las, e eram respeitados em sua sociedade por isso. No o caso do lutador, que se submete ao capricho das palavras, corteja-as, tenta possu-las, copular com elas, mas elas so indceis, desafiadoras, desobedecem s regras do jogo. H momentos em que a entrega quase se consuma, mas iluso. O intil duelo / jamais se resolve, mas a luta continua.Procura da poesia, de A rosa do povo (1945), contm a essncia da idia da poesia pura, da poesia no contaminada pelos acontecimentos do mundo. Em uma famosa carta ao pintor Degas, que se dizia cheio de idias para escrever um poema, o poeta francs Mallarm declarou que a poesia se faz com palavras, e no com idias. Epigrafando seu livro Claro enigma (1951), Drummond cita outro poeta francs, Paul Valry: Les vnements mennuient (Os acontecimentos me aborrecem).No importam as idias e sentimentos, no importam os acontecimentos, mentiras, tempo, morte, memria, contentamento ou tristeza. O que importam so as palavras:

Penetra surdamente no reino das palavras.L esto os poemas que esperam ser escritos.Esto paralisados, mas no h desespero,h calma e frescura na superfcie intata.Ei-los ss e mudos, em estado de dicionrio.

L esto elas, com seu poder de palavra / e seu poder de silncio. Ora, diro, as palavras no remetem a idias? A resposta sim, mas importante considerar a poesia como a criao de um novo mundo, sem compromisso com o mundo real. Ao comentarmos o poema Amar-amaro, por exemplo, percebemos que seu sentido no o acontecido ou vivido ou sofrido por algum, mas uma relao s vezes lgica, s vezes ilgica, entre palavras que se unem. Assim, as idias evocadas pelas palavras constituem um sentido lgico que mais passagem para o estado potico do que um fim em si mesmas. O estado potico a poesia, um mundo parte, um outro mundo que no precisa, nem deve, guardar com o nosso nenhuma relao de correspondncia. Poesia um estado de contemplao, sentido esttico, da o prprio ttulo dessa seo, POESIA CONTEMPLADA.Esta idia de poesia como criao de uma nova realidade bastante evidente em Brinde no banquete das musas, publicado em 1954 em Fazendeiro do ar:Poesia, marulho e nusea,poesia, cano suicida,poesia, que recomeasde outro mundo, noutra vida.

Poesia comida estranha, no faz parte do comer de nosso dia-a-dia, inverso da ordem das coisas dispostas no mundo: a mosca deglute a aranha. Poesia passagem desta para outra, morte secreta, revivescncia, escatologia no de fim, mas de fim-recomeo, de recriao.As mesmas idias anteriores se repetem, com alguma variao, em Poema-orelha, que serviu de orelha para o livro Poemas, de 1959. Orelha por onde o poeta escuta / se dele falam mal / ou se o amam. Uma orelha mais de fala do que de escuta, segundo o poeta, que j havia publicado oito livros velhos / e mais um livro novo / de um poeta inda mais velho / que a vida que viveu. O poeta transforma notcias humanas, / simples estar-no-mundo / e brincos de palavras em vtreos alapes, compartimentos cheios de poesia que podem ser vislumbrados pelo leitor atento. Foi tudo vivido? Foi tudo inventado? Mentira e verdade se misturam? Nada disso importa; s a verdade da poesia que conta:

A orelha pouco explicade cuidados terrenos;e a poesia mais rica um sinal de menos.

Oficina irritada (Claro enigma,1951) contm uma proposta destruidora, corrosiva: a poesia vai fugir da prpria poesia, e o poema que vai veicul-la um soneto, forma consagrada por sculos como canto de amor. S que agora o canto de desprazer, de antipatia, de impureza, diferente de tudo o que a poesia j props at ento.Essa parte se fecha com Concluso, que retoma a discusso sobre a essncia da poesia. Ela no amor, no memria, no outono.

Que poesia, o belo? No poesia,e o que no poesia no tem fala.Nem o mistrio em si nem velhos nomespoesia so: coxa, fria, cabala.

Onde a poesia ento? Ela deve ser encontrada em outros mundos, no aqui. De que se formam nossos poemas? Onde? Ningum responde, muito menos o poeta, um ressentido. Ningum sabe.

NA PRAA DE CONVITES

O poeta incluiu nesta parte o que ele chamou de exerccios ldicos, ou brincadeiras, jogos com as palavras. H a brincadeira dos apitos, a discusso municipal, estadual e federal entre os poetas, os modernismos das palavras do mundo contemporneo, que imitam nomes de produtos infalveis para casar, separar, amar e copular.Em poro, um inseto perfura a terra at encontrar resistncia do solo de minrio enlaado com raiz. O mistrio enfim se resolve, e da terra brota uma orqudea sem simetria, sem geometria. A palavra poro apresenta trs significaes distintas: 1. Inseto himenptero; 2. Problema difcil de resolver; 3. Gnero de plantas da famlia das orquidceas.Em Caso pluvioso, temos um poema bastante lquido, em que a chuva chove sem parar, at que o poeta descobre que a chuva maria, maria que chovia. E as invenes em torno de palavras molhadas se sucedem: maria ensopava meu domingo ( a chuva lavra e lava ( chuvosssima crIatura! ( chuva fininha e chuva grossa ( lquido plasma ( aqutico fantasma ( chuveirando ( chuvadeira ( chuvadonha ( chuvinhenta, chuvil, pluvimedonha!De tanto chover e molhar, maria, torneira desatada, formou rios e mares, e envolveu neles todos os seres. Navios soobram e continentes submergem, at que

Deus, piedoso e enrgico, bradou:No chove mais, maria! ( e ela parou.

TENTATIVA DE EXPLORAO E DE INTERPRETAO DO ESTAR-NO-MUNDO

No meio do caminho

No meio do caminho tinha uma pedratinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedrano meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas to fatigadas.Nunca me esquecerei que no meio do caminho tinha uma pedratinha uma pedra no meio do caminho no meio do caminho tinha uma pedra.

A tentativa de explorao/interpretao da existncia comea com o poema mais famoso do poeta, o mais polmico: No meio do caminho. Ser esse poema uma piada (de mau gosto)? Um abuso pacincia do leitor? Uma reflexo metafsica? Uma viso de mundo, certamente, baseada numa obstinada repetio de estruturas, quebrada repentinamente pelos dois primeiros versos da segunda estrofe, que afinal retoma o ostinato inicial, dando finalmente uma impresso de continuidade, ou de retomada circular num moto continuum dos obstculos da existncia. A pedra fsica ou metafsica? a pedra de ferro itabirana ou a pedreira universal da existncia? O caminho concreto ou abstrato? A estrada cansativa ou a viso da pedra que cansa a vista? No seria essa pedra um obstculo passadista aos anseios de libertao modernista?As perguntas so muitas, e no podem ser respondidas pragmaticamente; assim a obra de arte: podem-se levantar hipteses sobre o efeito que ela produz, perguntas devem ser feitas, para que se tenha uma nova leitura de palavras velhas. nesse suspense, nesse estado de contemplao a que o poema nos conduz que o efeito potico deve ser buscado. No necessrio ficar triste nem alegre, nem expressar sentimentos patticos diante do texto. Os sentidos que devem ficar abertos para que a experincia potica penetre, para que possamos aproveitar o poema. E assim, de poesia (no sentido de estado potico) em poesia, Drummond vai revelando sua concepo de vida e de mundo.As concepes da existncia so vrias, e normalmente vestem um tom escuro, relacionado ao envelhecimento, perda dos encantos da juventude. Tal como a sombra no vale,a vida baixa...(Cantiga de enganar)

tudo me atormentava sob a escureza do dia,(Rola mundo)

Negro jardim onde violas soame o mal da vida em ecos se dispersa(Jardim)

A tonalidade obscura s vezes vem acompanhada da idia de frieza ou de silncio.

(...) e a falaque de uma para outra salaouvimos em certo instante silncio que faz ecoe que volta a ser silnciono negrume circundante(Cantiga de enganar)

Ganhei (perdi) meu dia.E baixa a coisa friatambm chamada noite, e o frio ao frioem bruma se entrelaa, num suspiro.(Elegia)

Em Elegia, o escuro da noite da vida contrasta com a claridade do dia, metfora da juventude:

Dia,espelho de projeto no vivido,e contudo viver era to flamasna promessa dos deuses (...)

As inquietaes do poeta revelam-se atravs de oposies: antteses, fuses de contrrios, paradoxos. a velhice, por exemplo, que traz paz, mas uma paz destroada, em oposio ao esprito agressivo da mocidade; a vida que palmilhamos em caminho tortuoso, um dar sem dar, viver sem viver. Vida insossa, que utilidade h em juntar os cacos do passado, de to frgeis que eles so? So as negaes, hesitaes do ser humano, o ser no sendo, o estar no estando, o riso das contradies da vida:

e vendo, eu pobre de mim no via.(Rola mundo)

eterno tudo aquilo que vive uma frao de segundo(Eterno)

H muito aprendi a rir,de qu? de mim? Ou de nada?(Cantiga de enganar)

H cinqenta anos passados,Padre Olmpio bendizia,Padre Jlio fornicava(Cantiga de enganar)

Por que chora o homem?Que choro compensao mal de ser homem?(Especulaes em torno da palavra homem)

To errado, esse mundo nosso, que Deus se pergunta no cu se teria sido certo cri-lo, e fica triste por sentir que a resposta mais para no do que para sim. J que nosso mundo torto, pode-se tentar estar tambm em outros mundos; no mundo, por exemplo, da poesia, levado pela contemplao, ou no mundo da memria, como em A um hotel em demolio:

Vai, Hotel Avenida,vai convocar teus hspedesno plano de outra vida.

Se o mundo no vale a pena, vale construir um outro feito de palavras, reservando este para quem o quiser viver:

Meu bem, usemos palavras.Faamos mundos: idias.Deixemos o mundo aos outrosj que o querem gastar.

Ele, entretanto, resiste e insiste em continuar sendo mundo, sem se sentir ameaado pela poesia:

Pois deixa o mundo existir!Irredutvel ao canto,superior poesia,rola, mundo, rola, mundo,rola o drama, rola o corpo.(Rola mundo)

A busca de uma Vida menor contm o desejo de simplificao da vida num estado de paz e descanso (No a morte, contudo), sem complicaes, a completa ausncia de necessidade de bens morais, materiais e at da arte, a vida essencial:

No o morto nem o eterno ou o divino,apenas o vivo, o pequenino, calado, indiferentee solitrio vivo.Isso eu procuro.

A mquina do mundo apresenta a revelao que no pode ser vivida, do tipo decifra-me ou me recusas. A chave da compreenso do mundo comparece diante do eu-lrico, majestosa e circunspecta, prometendo mostrar-lhe com exclusividade a riqueza e a sabedoria que ele havia buscado por toda a vida sem sucesso:

tudo se apresentou nesse relancee me chamou para seu reino augusto,afinal submetido mente humana

Como a voz potica j havia desistido de conhecer a mquina do mundo, a tentao de recuperar os sentidos e intuies, e a mente exausta de mentar, no o seduziu. Assim, ele desdenha a oferta e segue seu caminho, avaliando o que perdera. O resultado a recusa, seja por impotncia, inapetncia ou desprezo.Em Relgio do Rosrio, o eu-lrico alcana a compreenso da amargura da vida e a dimenso do prprio sofrimento. A dor do amor a dor da vida, e o choro da dor de tudo e de todos (vasto coro), do passado, do presente, do futuro. A dor do mundo apresentada numa gradao, desde a dor individual at a dor do espao e do caos e das esferas. o amor, alvo divino, que em contato com a vida faz doer,

a provar a ns mesmos que, vivendo,estamos para doer, estamos doendo.

Esta nona seo condensa temticas existentes nas partes anteriores, como o eu retorcido, a memria e o tempo, e a poesia, mas a temtica que impera o mundo e o homem, e suas invariavelmente amargas relaes.

SUPLEMENTO QUINTA EDIO

Essa ltima parte, acrescentada a partir da quinta edio, tem quinze poemas.Os cinco primeiros foram publicados inicialmente no livro Boitempo (1968), em que o poeta retoma com nostalgia a memria da infncia e da adolescncia, tempo de boi, boi de fazenda, de cidadezinha do interior. O diabo na escada assombra a chegada do menino a casa, o qual temia ser punido pelo agente do alm, e se consola com a preta velha S Maria; a viva Tat uma personagem silenciosa da cidade, de uma viuvez alva, uma viuvez to antiga que virou de nascena; a Mulinha que entrega leite pontual e competente. To pontual que aos pobres serve de relgio. To competente que

S no entrega a cada um o seu litro de leitepara no desmoralizar o leiteiro.

O relgio da matriz lembrana indelvel na memria. A hora que ele marca no furtiva, nem calma, nem silenciosa; sua hora grave como a conscincia, e acompanha o eu-lrico aonde quer que ele v:

Som para ser ouvido no longilongedo tempo da vida.Imensono pulsoeste relgio vai comigo.

O desfile de sensaes do tempo antigo encerra-se com gua-cor, percepo mgica das cores profundas dos lquidos contidos nos frascos de lquidos de farmcia: o verde ( verde-alm-do-verde (, o azul do mar concentrado dentro da garrafa ( uma enseada na redoma (, o amarelo precioso ( laguna de ouro. o imprio do sentido da cor: A cor o existente; o mais, falcia.Na seqncia, encontramos quatro poemas do livro A falta que ama, que retornam quele Drummond mais introspectivo, novamente preocupado com os absurdos da existncia, o sentido misterioso da vida em sua relao com o amor e a ausncia, a divindade e a morte.O par libertado figura o casal que consegue manter-se imune ao constrangedora do mundo ao redor pelo silncio que liberta; A falta que ama a vontade, a necessidade de amar para superar a solido, necessidade to forte que o locutor confunde sua origem, se ela est no ser humano ou simplesmente na prpria falta, no buraco cavado pela ausncia.Comparece nesse poema uma temtica reducionista contida na metfora do inseto (presente tambm no poema anterior, O par libertado), que revela a insignificncia e a fragilidade do ser humano diante da complexidade da vida e do tempo:

O inseto petrificadona concha ardente do diaune o tdio do passadoa uma futura energia.

A imagem do inseto aparece tambm no poema Rola mundo, de A rosa do povo (1945) e presente nesta Antologia :

E vi minha vida todacontrair-se num inseto.

Em O deus mal informado presenciamos a banalizao da divindade criada pelo homem, que ao homem retorna; e em Comunho o poeta descreve o momento de unio com os mortos, a entrada no alm e a lenta e tranqila assimilao do ambiente da morte.Os trs poemas seguintes so de Versiprosa (1967). Em Conversa informal com o menino, o eu-lrico dirige-se ao menino Jesus, e lhe fala da industrializao do tema do Natal, refletido nos pomposos textos sobre o assunto que proliferam aqui e ali. Ele se recusa ento a participar desse circo natalino de publicaes e se prope a ter uma conversa com Jesus, mas uma conversa ntima, informal, silenciosa.Em Vises, o profeta do apocalipse, So Joo, apresentado como um poeta extraordinrio. Sua viso de destruio do mundo, entretanto, recusada pela voz potica do texto. Considerando-se um visionrio menor, o poeta abandona por instantes seu habitual pessimismo obscuro e profere uma mensagem de claro e branco otimismo em seu anti-apocalipse. Ele no quer o fim do mundo, mas um eterno recomeo, com alegria, com manhs claras, com integrao natureza, com muito amor e muita paz:

Orculo paroquial, a meus amigose aos amigos de outros ofereoo doce instante, a trgua entre cuidados,um brincar de meninos na varandaque abre para alvssimos lugaresonde tudo que existe, existe em paz.

Em Velho amor, o poeta faz uma homenagem ao amigo Rodrigo M. F. de Andrade, na poca diretor da Diretoria do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional, e chefe de Carlos Drummond de Andrade, que ocupava um cargo de chefia da Seo de Histria na instituio. O velho amor citado pelo ttulo o amor do amigo pela Arte Antiga do Brasil, e seu zelo pelo nosso patrimnio artstico, conforme convm, naturalmente, a um diretor do DPHAN.Os trs ltimos poemas foram tirados de Viola de bolso (1967). Queixa de maio retoma o tom amargo do poeta em relao ao fluir do tempo, ou em relao ao que a vida nos promete e no cumpre, metaforizado aqui no ms de maio, que ao invs do florir do cu, ou do solar banho de ouro, trouxe chuva e lama; ao invs do frio discreto, trouxe esse gelo cinza e triste; ao invs de Ingrid Bergman (bela atriz de cinema), trouxe po velho; prometeu poema e trouxe entrevista de mau humor, sem pra-raio, prejudicando at o amor:

namorados de galochas!O tempo, em seu cavalo baio,varre o azul e o amor, a galope...No maio!

Lira romantiquinha uma singela e delicada composio de amor em sete quadrinhas de versos de cinco slabas (redondilhas menores) e rimas alternadas. uma declarao de amor de um eu-lrico masculino ao ciumento objeto amoroso feminino. Se ela no atende a seus apelos e seus protestos de amor eterno, que se sensibilize pelo menos com sua tentativa de poetar:

Minhalma chovefrio, tristinho.No te comoveeste versinho?

Para fechar a Antologia, o poeta brada um fervoroso pedido de que no o perturbem mais em Apelo a meus dessemelhantes em favor da paz. proverbial a timidez e o isolamento de Drummond, e quanto lhe desagradava ser importunado. Em texto publicado na poca da morte do poeta, o jornalista Sebastio Martins refere-se a essa sua condio de esquivo, atribuindo-a (sem muita certeza) a uma vaidade muito grande, a uma maneira de estar sempre em evidncia, pela negao. E conta como no conseguiu entrevist-lo:

Dos meus tempos do rio, lembro-me de uma poca em que me deram a tarefa, aparentemente simples, de extrair do Poeta algumas declaraes sobre uma crise internacional j esquecida.Ah, simples!Simples seria entrevistar Nikita Krushev, por exemplo. Ou, quem sabe, Indira Gandhi.O nosso Poeta, senhores, desaparecia simples meno da palavra reprter.Falei com a empregada (se era mineira, deve ter ido para o inferno, de tanto mentir) um milho de vezes, inutilmente.Seu Carlos est no banho.Seu Carlos foi dar um passeio.Seu Carlos est repousando.Seu Carlos foi padaria.Como tomava banho, passeava, repousava e comia po, o nosso Poeta! (1)(Maior poeta vivo do Brasil? Artigo publicado no Suplemento Literrio do Minas Gerais em 19 de agosto de 1987.

Ele, que sempre foi expert na arte de despistar os outros, faz um apelo que no deixa dvida sobre seu desejo de isolamento na vida pessoal. A revolta maior contra os terrveis candidatos a escritores e poetas que insistiam em ter seus originais lidos por Drummond, na esperana de ganharem uma palavrinha que fosse de elogio para avalizar sua obra e encher seu ego. Em relao a eles, o poeta implacvel:

No sou leitor do mundo nem espelhode figuras que amam refletir-seno outro falta de retrato interior.

O eu-lrico declara solenemente que no quer ler mais, no quer saber de fazer prefcios nem posfcios. O poeta no est para ningum, sua empregada recebe a ordem de proferir as terrveis palavras que o afastam definitivamente do contato com o mundo, palavras que o reprter Sebastio Martins teve que enfrentar:O senhor saiu. Hora que volta? Nunca.Nunca de corvo, nunca de So Nunca.Saiu pra no voltar

O urso-polar, que se declara to velho que viveu sua juventude na era A.C. , vai alm: no quer sorrir para ningum, no quer agradecer nada, no quer participar de noites de autgrafos, nem responder nada a garotos de colgio, no quer saber de fotos, quer que o esqueam:

Quero a paz das estepesa paz dos descampadosa paz do pico de Itabira quando havia pico de Itabiraa paz de cima das Agulhas NegrasA paz de muito abaixo da mina mais funda e esboroadade Morro Velhoa pazdapaz.

Assim termina essa Antologia que contm o melhor da poesia brasileira, dos anos vinte at o final da dcada de 60. So quase cinqenta anos de poesia viva, de poesia que incomoda, que tem momentos de encantamento e lucidez, que nos leva contemplao e constatao de que este um artista que constri sua arte conforme o preceito de poesia maior emitido pelo poeta ingls Coleridge: as melhores palavras na ordem certa.GAUCHE NA VIDA

Ele nasceu em Itabira, Minas Gerais, em 31 de outubro de 1902, proporcionando a um anjo torto a famosa declarao-exortao: Vai, Carlos! Ser gauche na vida (Poema de sete faces). Nascer em Itabira ( terra abundante em minrio de ferro ( teria, segundo o poeta, forjado seu carter: Alguns anos vivi em Itabira. / Principalmente nasci em Itabira. / Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro (Confisso do itabirano). O pai era fazendeiro, os primeiros estudos foram em Itabira, a infncia foi na fazenda:

Meu pai montava a cavalo, ia para o campo. Minha me ficava sentada cosendo. Meu irmo pequeno dormia.Eu sozinho menino entre as mangueiraslia a histria de Robinson Cruso.Comprida histria que no acaba mais,(Infncia)

Na adolescncia estudou no colgio Arnaldo, em Belo Horizonte, e no colgio Anchieta, em Nova Friburgo, de onde foi expulso por causa de um atrito com o professor de portugus, que o acusou de insubordinao mental. Aos dezoito anos, muda-se com a famlia para Belo Horizonte, e comea a escrever para vrios jornais. Conheceu em 1924, em Belo Horizonte, Mrio de Andrade e Manuel Bandeira, com os quais se correspondeu durante muitos anos.Nessa poca, trava conhecimento com Milton Campos, Gustavo Capanema, Abgar Renault, Emlio Moura, Pedro Nava, Joo Alphonsus e outros escritores e jornalistas belorizontinos, junto com os quais passaria a incomodar a placidez parnasiana da capital mineira. Embora no constitusem um grupo literrio com propostas claras, eles tinham em comum a paixo pela literatura e a vontade de fazer algo diferente do academicismo ento vigente, o que os tornou, obviamente, antipticos aos representantes do status quo literrio da poca. Casou com Dolores em 1925, e formou-se em Farmcia no mesmo ano, mas nunca exerceu a profisso, para preservar a sade dos outros. Retornou a Itabira em 1926 para tentar ser fazendeiro, o que naturalmente no deu certo, pois como o prprio Drummond dizia, no sabia distinguir um cavalo baio de um alazo. Passou ento a dar aulas de geografia e portugus (um farmacutico!) no ginsio Sul-Americano, de Itabira. Em 1928 nasce Maria Julieta, sua filha, que se tornou sua grande amiga e confidente, a quem o poeta se referiu como meu verso melhor ou nico, / meu tudo enchendo meu nada (A mesa). No ano anterior, havia nascido o filho Carlos Otvio, que viveu apenas meia hora.Estreou em livro em 1930, com Alguma poesia, impresso na Imprensa Oficial, onde trabalhava, e seu custo foi descontado mensalmente no salrio do poeta. O livro contm experincias diversas, desde o poema-piada at construes mais elaboradas; apresentava acabamento grfico de primeira qualidade, ao encargo de Eduardo Frieiro, anti-modernista de carteirinha.. .Mudou-se para o Rio de Janeiro em 1934, ao ser nomeado chefe de gabinete de Gustavo Capanema, ento ministro da Educao e Sade; onze anos depois, veio a ocupar a chefia da Seo de Histria da Diretoria do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional, a convite de outro amigo, Rodrigo. M. F. de Andrade, assunto do poema Velho amor. Morou no Rio de Janeiro at a morte, em 1987. Apesar de ter sado de Minas, Carlos Drummond de Andrade continuou sendo venerado, imitado e invejado por vrias geraes de modernistas mineiros at sua morte. Durante mais de cinqenta anos, contentou-se em entrever as montanhas mineiras de longe, no cedendo sequer ao apelo do amigo de juventude e ento governador Milton Campos, na metade dos anos 40, que lhe ofereceu a direo de um importante jornal da capital, a Folha de Minas. Nunca mais foi convidado para mais nada em Minas, talvez por haver declarado que no voltava a Itabira, mesmo como visitante, pela simples razo de que nunca sara de l. E nunca mais voltou a Itabira ou a Belo Horizonte.Da em diante sua vida se resume praticamente s atividades de funcionrio pblico e escritor. Foi sempre regular e metdico em sua atividade literria e jornalstica, obteve alguns prmios literrios, teve obras traduzidas e publicadas no estrangeiro, e sua poesia e prosa foram-se popularizando a ponto de ser ele sem dvida o poeta mais conhecido e lido do Brasil.O homem Carlos Drummond de Andrade declara-se tmido, discreto, de pouca conversa, portador de uma maneira torcida e reticente (Carta). Esprito mineiro, circunspecto / talvez, mas encerrando uma partcula / de fogo embriagador (Prece de mineiro no Rio). No aceitava o ttulo de maior poeta do Brasil, transferindo-o para Murilo Mendes: ele mede 1,80m, oito centmetros a mais.Com toda essa circunspeco, era capaz tambm de algumas molecagens, como escalar os arcos do viaduto Santa Tereza em Belo Horizonte ou atear fogo na janela do quarto onde dormiam moas para v-las correr de camisola ao ouvir gritos de Fogo! J velho, cultivava o curioso costume de fazer caretas vampirescas para crianas na rua, escondido das mes, que no entendiam o desespero dos pequenos. Sua nica esposa foi Dolores, mas, aos 49 anos, apaixonou-se por Lygia Fernandes, 25 anos mais jovem, que correspondeu ao seu amor. Da em diante, manteve Dolores para as lidas domsticas e levou frente o romance paralelo com Lygia, sua verdadeira paixo. Morreu a 17 de agosto de 1987, doze dias aps a morte de Maria Julieta, numa clnica em Botafogo, de mos dadas com a namorada Lygia. Pouco antes de morrer, havia pedido um enterro bastante simples, e a retirada do crucifixo da sala do velrio, em respeito religio que ele no praticava.Numa de suas poucas entrevistas, colhida por sua filha, Maria Julieta, falou da vida, do amor, da poesia e muito mais. A entrevista foi publicada na Edio Extra-Especial do Suplemento Literrio do Minas Gerais, um ms aps a morte do poeta. Ouamos seu depoimento:

Sobre o amor:

No acredito no amor como fatalidade biolgica, atravs da qual duas pessoas se entregam uma outra irremediavelmente. Mas acredito no sentimento amoroso, que vai de uma criatura a outra, envolvendo o universo, a natureza, da qual me sinto muito prximo. O amor frgil, condicionado s limitaes humanas, j que dentro de ns no temos apenas quatro estaes, mas inmeras, que no so sucessivas e sim imbricadas umas nas outras. Essa falta de continuidade o maior entrave para ele: hoje o achamos esplendoroso, amanh ele pode ficar escuro, turvado como o dia. No o dominamos: ele, talvez, que nos domina.

Sobre o amor na velhice:

Minha experincia demonstra que a ltima coisa que desaparece no homem o sentimento amoroso ertico. Faltando os meios fsicos para a realizao completa, a parte ideal prevalece sobre a outra. Mas se somos capazes de cultivar esse sentimento, mesmo sob uma forma moderada, estamos em dia com o amor.

Sobre a velhice:

No o tnis que caracteriza a juventude. Por outro lado, nunca tive coragem de usar bermuda na rua porque minhas pernas no se parecem com as da Luiza Brunet... O terrvel na velhice a prpria velhice. Como j assinalou Pedro Nava, vo se perdendo as coisas essenciais dos sentidos, que passam a no responder mais a nossos chamados e impulsos.

Sobre sua fase potica mais produtiva:

A social, quando eu me achava muito imbudo de ideais polticos e queria dar minha contribuio atravs da poesia. Mas a tentativa se frustrou: um comeo de militncia poltica no jornalismo, sem compromisso formal com o comunismo, me decepcionou to profundamente que eu no quis mais saber daquilo. Reflu ento para uma poesia mais subjetiva, algo metafsica.

Sobre Deus:

No creio nele, numa organizao superior que tenha esse nome. O argumento de que no existe nada sem um poder gerador no me satisfaz, porque fico matutando que, se Deus gerou o mundo, quem gerou Deus? Ele , para mim, uma incgnita, que me preocupa no sentido potico.

Sobre o mistrio da vida e da morte:

Incluo Deus no grande painel do mistrio da vida. Misterioso no ele, a vida, e eu me curvo diante desse mistrio, sem adotar explicae metafsicas. S de uma coisa estou convencido: de que morremos de verdade, morremos mortos. (...) a aceitao dela (da morte) o mximo que o ser humano pode conseguir, para efeito de ajustar-se vida e entender-se com a natureza.

Sobre a felicidade:

No fui feliz, nem infeliz, porque a felicidade um estado transitrio e os momentos de plenitude so seguidos de uma dor de barriga, uma dor de dente, a conta por pagar. No fiz fora para viver, a minha vida construiu-se ao sabor do acaso, quase minha revelia, sem um projeto arquitetnico, sem estudo. Mas tive a sorte de rodear-me de amigos excelentes, que me ajudaram, incentivaram e me salvaram do desnimo. Nesse sentido, posso dizer que sou um homem feliz.

OBRAS COMPLETAS

1930 Alguma poesia1934 Brejo das almas1940 Sentimento do mundo1942 Poesias1944 Confisses de Minas1945 A rosa do povo1948 Poesia at agora1951 Claro enigma1951 Contos de aprendiz1952 Viola de bolso1952 Passeio na ilha1954 Fazendeiro do ar & Poesia at agora1955 Poemas1957 Fala, amendoeira1962 Lio de coisas1962 A bolsa e a vida1966 Cadeira de balano1967 Versiprosa1968 Boitempo1970 Caminhos de Joo Brando1972 O poder ultra juvem1973 As impurezas do branco1973 Menino antigo1974 De notcias e no-notcias faz-se a crnica1975 Amor, amores1977 Discursos de primavera1977 Os dias lindos1978 70 historinhas1979 Esquecer para lembrar1980 A paixo medida1981 Contos plausveis1983 Nova reunio1983 O elefante1984 Corpo1984 Boca de luar1985 O observador no escritrio1985 Amar se aprende amando1985 Histria de dois amores1986 Tempo, vida, poesia

Obras publicadas postumamente:1987 Moa deitada na grama1988 O avesso das coisas1989 Auto-retrato e outras crnicas1990 Arte em exposio1992 O amor natural1996 Farewell

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

BOSI, Alfredo. O ser e o tempo da poesia. So Paulo: Cultriz, 1976CLAUDEL, Paul. Animus et anima. In: Pages de prose. Paris: Gallimard, 1944.DRUMMOND DE ANDRADE, Carlos. Antologia potica. Rio de Janeiro: Jos Olmpio, 1978.LIMA, Lus Costa. Lira e antilira. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1966.MARITAIN, Jacques et Rassa. Sentido e falta de sentido em poesia (traduo de Srgio Alves Peixoto). In: Situation de la posie. Bruges: Descle de Brower, 1964.PARAIZO, Maringela de Andrade. Verso e avesso. Belo Horizonte: Universidade, 1995.VALRY, Paul. Calepin dun pote; Posie pure (notes pour une confrence) (Traduo de Srgio Alves Peixoto). In: Oeuvres, I., Paris, Gallimard, 1957.QUESTES

Questo 1

Todas as alternativas apresentam afirmaes aceitveis sobre o conjunto de poemas de Drummond contido na Antologia potica, EXCETO

Nos temas abordados na obra, h um pouco de biografia e de bibliografia, um pouco da sua histria e da de sua terra, seus amigos e seus livros, e reflexes sobre o fazer potico.O fluir do tempo, o questionamento da prpria identidade e consideraes metalingsticas so ncleos temticos presentes em poemas de vrias partes do livro.O eu-lrico utiliza vrios artifcios para burlar o tempo. Coloca-se fora dele, atravs da atitude de contemplao, tenta congel-lo em imagens que se eternizam pela arte, ou tenta fugir mais depressa do que ele.O poeta guarda o segredo do tempo, que s revelado quando a mquina do mundo se abre para ele, propondo-lhe a restituio dos sentidos e intuies, da riqueza e da cincia de viver.

Questo 2

Leia atentamente a seguinte passagem, tirada da Antologia potica, de Carlos Drummond de Andrade:

Convvio

Cada dia que passa incorporo mais essa verdade, de que eles no vivem seno em nse por isso vivem to pouco; to intervalado; to dbil.Fora de ns que talvez deixaram de viver, para o que se chama tempo.E essa eternidade negativa no nos desola.Pouco e mal que eles vivam, dentro de ns, vida no obstanteE j no enfrentamos a morte, de sempre traz-la conosco.

Mas, como esto longe, ao mesmo tempo que nossos atuaishabitantese nossos hspedes e nossos tecidos e a circulao nossa!A mais tnue forma exterior nos atinge.O prximo existe. O pssaro existe.E eles tambm existem, mas que oblquos! E mesmo sorrindo, que disfarados.... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Todas as alternativas contm interpretaes aceitveis sobre o trecho acima, EXCETO

A presena dos mortos em nossa lembrana nos aproxima, de certa forma, da prpria morte.Embora os mortos perpetuem sua existncia em nossa memria, sua eternidade muito maior quando se considera o tempo exterior.A existncia dos que se foram depende dos vivos, e por mais que essa existncia seja frgil, a nica possvel.Em contraste com o tempo, que eterno, a vida humana no passa de um curto e dbil intervalo.

Questo 3

Os fragmentos de poemas abaixo, da Antologia potica, abordam a temtica do amor e da seduo na poesia de Drummond. Assinale a alternativa em que o trecho destacado NO se relaciona com o comentrio sobre o texto feito em seguida.

Que pode uma criatura seno,entre criaturas, amar?amar e esquecer,amar e malamar,amar, desamar, amar?O amor, essncia de nossa humanidade, a nica atividade capaz de expor nossas limitaes, e revelar nossas contradies.O amor bate na portao amor bate na aorta,fui abrir e me constipei.Cardaco e melanclico,o amor ronca na hortaentre ps de laranjeiraentre uvas meio verdese desejos j maduros.Um clima de introspeco e silenciosa reflexo domina a sensao da chegada do amor, que atinge gravemente a essncia interior do homem.Mas, porque me tocou um amor crepuscular,h que amar diferente. De uma grave pacincialadrilhar minhas mos. E talvez a ironiatenha dilacerado a melhor doao.O amor maduro no mais comporta piadas ou desgoverno; ele tem que ser tranqilo, mas no menos intenso e sensvel.Bom dia: eu dizia moaque de longe me sorria.Bom dia: mas da distncia ela nem me respondia.A tentativa de seduo frustrada pelo recuo da viso da jovem mulher na distncia, fazendo evaporar as esperanas de um relacionamento.

Questo 4

Leia atentamente a seguinte passagem, tirada da Antologia potica, de Carlos Drummond de Andrade:

Oficina irritada

Eu quero compor um soneto durocomo poeta algum ousara escrever.Eu quero pintar um soneto escuro,seco, abafado, difcil de ler.

Quero que meu soneto, no futuro, no desperte em ningum nenhum prazer.E que, no seu maligno ar imaturo,ao mesmo tempo saiba ser, no ser.

Esse meu verbo antiptico e impuroh de pungir, h de fazer sofrer,tendo de Vnus sob o pedicuro.

Ningum o lembrar: tiro no muro,co mijando no caos, enquanto Arcturo,claro enigma, se deixa surpreender.

Todas as alternativas contm interpretaes aceitveis sobre o trecho acima, EXCETO

A proposta do primeiro verso tem a frmula do que se convencionou chamar metalinguagem: faz-se um soneto declarando-se a inteno de fazer um soneto.A proposta de Oficina irritada condiz com o carter gauche de Drummond, margem, de maneiras desajeitadas, fora do normal..O poema no revela os sentimentos mais ntimos do poeta, nem fala de amor, motivos pelos quais ele no pode ser classificado como um sonetoAo mesmo tempo em que o eu-lrico manifesta um desejo de que seu poema cause dor, como se fosse uma praga, ele vaticina seu esquecimento por intil.

Questo 5

O tempo um elemento estruturador de vrios poemas da Antologia potica de Drummond, aparecendo de vrias maneiras na obra: ele uma presena real que provoca o sofrimento, fora inexorvel que arrasta os homens como naus sem rumo, e torna-se paradoxalmente mais dilatado medida que transcorre.A temtica do tempo aparece em todas as passagens da Antologia potica transcritas abaixo. Assinale aquela que NO se relaciona a nenhuma descrio de tempo feita no pargrafo acima.

Meu bem, assim acordados,assim lcidos, severos,ou assim abandonados,deixando-nos derivalevar na palma do tempo( mas o tempo no existe (sejamos como se framosnum mundo que fosse: o Mundo.Vai-se tornando o tempoestranhamente longo medida que encurta.confuso entre manh e tarde, j sem dorporque o tempo no mais se divide em sees: o tempoelidido, domado.Oh dor individual, afrodisacoselo gravado em plano dionisaco.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .dor do espao e do caos e das esferas,do tempo que h de vir, das velhas eras!

Questo 6

Assinale a alternativa em que a afirmao a respeito da intertextualidade est INCORRETA.

O senhor saiu. Hora que volta? Nunca. / Nunca de corvo (...) (Apelo a meus dessemelhantes em favor da paz). Nesse trecho, Drummond faz referncia ao famoso poema O corvo, de Edgar Allan Poe, em que a ave pronuncia uma nica frase todo o tempo, como pressgio de mau agouro: Nunca mais!.Por isso andou bem o velho do Cosme Velho, indagando, marginal,no seu soneto-cimlio,o que mudou, como, quando no natal.Os versos acima, do poema Conversa informal com o menino, cita um soneto de Machado de Assis, chamado Soneto de Natal, cuja chave de ouro um famoso verso: Mudaria o natal ou mudei eu?No o mdico mandando exclusivamente tocar um tango argentino,diante da escavao no pulmo esquerdo e do pulmo direito infiltrado.Eses versos so uma referncia ao poema Pneumotrax, de Manuel Bandeira, em que o poeta faz uma piada amarga sobre sua prpria tuberculose.Era a negra Ful que nos chamavade seu negro vergel.Esse trecho citao de um poema de Mrio de Andrade, sobre a seduo das negras escravas pelos senhores de engenho.

Questo 7

Leia com ateno o trecho abaixo, sobre a poesia de Drummond, de autoria do crtico Gilberto Mendona Teles.

Ao tratar da poesia de Drummond, escrevemos que at a publicao de A rosa do povo a sua linguagem era mais objetiva, sendo a metonmia a base de suas figuras de estilo; depois, passou a predominar uma linguagem subjetiva e, por isso mesmo, tendo seu eixo criador na metfora.

Considerando a afirmao acima, assinale o item que contm um texto que apresenta imagem metonmica, e, portanto, pertence fase inicial da poesia de Drummond.

Perdi minha alma flor do dia ou j perderabem antes sua vaga pedraria?Mas quando me perdi, se estou perdidoantes de haver nascidoe me nasci votado perdade frutos que no tenho nem colhia?O bonde passa cheio de pernas:pernas brancas pretas amarelas.Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu corao.Porm meus olhosno perguntam nada.O inseto petrificadona concha ardente do diaune o tdio do passadoa uma futura energia.(...) a madureza v, posto que a vendainterrompas a surpresa da janela,o crculo vazio, onde se estenda,e que ao mundo converte numa cela.

Questo 8

Escolha dois trechos da questo 7, um que contenha metonmia e um que contenha metfora, e redija um texto EXPLICANDO e EXEMPLIFICANDO os processos imagsticos de contigidade e de associao.

Questo 9

Leia atentamente a seguinte passagem, tirada da Antologia potica, de Carlos Drummond de Andrade:

Cermica

Os cacos da vida, colados, formam uma estranha xcara.Sem uso, ela nos espia do aparador.

O poema representa, principalmente,

a impossibilidade de mudar os rumos da vida.a afirmao da vida como algo que ainda se pode remendar.a recusa de permitir que a vida siga fragmentada.a inutilidade da reconstituio dos fatos passados da vida.

Questo 10

Leia atentamente a seguinte passagem, tirada da Antologia potica, de Carlos Drummond de Andrade:

A ingaia cincia

A madureza, essa terrvel prendaQue algum nos d, raptando-nos, com ela,Todo sabor gratuito de oferendaSob a glacialidade de uma estela.

a madureza v, posto que a vendainterrompas a surpresa da janela,o crculo vazio, onde se estenda,e que ao mundo converte numa cela.

A madureza sabe o preo exatoDos amores, dos cios, dos quebrantos,E nada pode contra a sua cencia

E nem contra si mesma. O agudo olfato,O agudo olhar, a mo, livre de encantos,Se destroem no sonho da existncia.

Sobre o poema, assinale a nica alternativa INCORRETA.

Envelhecer uma fatalidade compensada pela sabedoria.A idade madura traz em si a corroso do corpo.A madureza traz experincia e sabedoria impotentes.A velhice uma ddiva que no contm nenhuma surpresa.

Questo 11

Todas as alternativas abaixo evocam a infncia do eu-lrico ou na cidadezinha do interior ou na fazenda, EXCETO

Mas a hora no relgio da Matriz gravecomo a conscincia.E repete. Repete.Sua cor sem cor.Seu andar, o andar de todas as mulas de Minas.No tem idade ( vem de sempre e de antes (nem nome: a mulinha do leite. o leite, cumprindo ordem do pastoEsprito de Minas, me visita,e sobre a confuso desta cidade,onde voz e buzina se confundem, lana teu claro raio ordenador.Chego tarde, o lampio de querosene est de pavio apagado.Subir direto cozinha e embalar no colo da preta velha a conscincia pesadaTravando o caminho em breu, a coisa imvel da escada ela! Pressinto. Veio esperar-me no degrau do meio, cmplice ecamarada

Questo 12

A preocupao com o tempo que passa, trazendo a velhice e a morte, pode ser constatada em todas as alternativas abaixo, EXCETO

desejado, poeta de uma poesia que se furta e se expande maneira de um lago de pez e resduos letais...s nosso fim natural e somos teu adubo,tua explicao e tua mais singela virtude...Ganhei (perdi) meu dia.E baixa a coisa friatambm chamada noite, e o frio ao frioem bruma se entrelaa, num suspiro.(...) depois o tempo fez deleo que faz de qualquer um;e medida que envelhece,vai estranhamente sendo retrato teu sem ser tu (...)sinto que o tempo sobre mim abatesua mo pesada. Rugas, dentes, calva...Uma aceitao maior de tudo,e o medo de novas descobertas.

Questo 13

Em todos os fragmentos abaixo, retirados de Antologia potica, de Drummond, encontramos referncia ao fazer potico, EXCETO

No encontro vestes, no seguro formas, fluido inimigoque me dobra os msculose ri-se da normasda boa peleja.No cantes tua cidade, deixa-a em paz.O canto no o movimento das mquinas nem o segredo das casas.No msica ouvida de passagem: rumor do mar nas ruas junto linha de espuma.O canto no a naturezanem os homens em sociedade.So palavras no choe memria nos autos.As casas inda restam,os amores, mais no.Deixaste-nos mais famintos, poesia, comida estranha,se nenhum po te equivale:a mosca deglute a aranha.

Questo 14

Assinale a alternativa em que o trecho destacado NO se relaciona com a caracterstica modernista a ele associada.

beira do negro poodebruo-me; e nele vejo,agora que no sou moo,um passarinho e um desejoQuebra das convenes formaisQue milagre o homem?Que sonho, que sombra?Mas existe o homem?Reflexo existencialCorao orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrotae adiar para outro sculo a felicidade coletiva.Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuioporque no podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan.Literatura de compromisso socialH pouco leito no pas, preciso entreg-lo cedo.H muita sede no pas, preciso entreg-lo cedo.H no pas uma legenda,que ladro