antologia da novíssima poesia...

116
Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 Agosto 2011 ISSN 1983-2354 1 MOÇAMBIQUE HOJE: antologia da novíssima poesia moçambicana Alex Dau - Andes Chivangue - Armando Artur - Chagas Levene - Domi Chirongo - Manecas Cândido - Mbate Pedro - Rinkel - Rogério Manjate - Sangare Okapi - Tânia Tomé Ilustrações João Paulo Quehá Fotografias Tomás Cumbana Organização Ricardo Riso Agosto de 2011

Upload: others

Post on 13-Sep-2020

5 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

1

MOÇAMBIQUE HOJE:

antologia da novíssima poesia moçambicana

Alex Dau - Andes Chivangue - Armando Artur - Chagas Levene - Domi Chirongo - Manecas Cândido - Mbate Pedro - Rinkel -

Rogério Manjate - Sangare Okapi - Tânia Tomé

Ilustrações

João Paulo Quehá

Fotografias Tomás Cumbana

Organização

Ricardo Riso

Agosto de 2011

Page 2: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

2

ÍNDICE Palavras Iniciais - Nágila Oliveira dos Santos 3 Apresentação - Ricardo Riso 4 POETAS Alex Dau 6 Andes Chivangue 14 Armando Artur 23 Chagas Levene 27 Domi Chirongo 36 Manecas Cândido 47 Mbate Pedro 56 Rinkel 66 Rogério Manjate 75 Sangare Okapi 95 Tânia Tomé 105 ENTREVISTA Domi Chirongo 113 ILUSTRADOR João Paulo Quehá 115 FOTÓGRAFO Tomás Cumbana 115 ORGANIZADOR Ricardo Riso 116

Page 3: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

3

Palavras Iniciais

Page 4: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

4

Apresentação A presente antologia pretende contribuir para melhor divulgação de jovens poetas moçambicanos

entre o público brasileiro, ainda de exposição discreta por aqui. Nascidos no decorrer da década de 1970,

esses escritores começam a publicar em suportes como revistas e jornais de Moçambique nos anos 1990,

somente oferecendo a estampa do livro aos seus textos já no primeiro decênio deste século, embora em

tiragens reduzidas que evidenciam os problemas da estrutura editorial do país, por conseguinte, dificultam

o acesso a essas obras, principalmente para os estrangeiros. O único poeta que não se enquadra nessa

geração é Armando Artur, representante da geração Charrua que não possui maior divulgação no Brasil e

se trata de uma escolha pessoal e da admiração poética do organizador que aqui escreve.

Motivado por conhecer esses novos autores e ter contato direto com alguns aqui presentes, decidi

investir no projeto desta antologia para apresentar uma pequena amostragem do atual panorama da poesia

moçambicana. Trata-se de uma excelente oportunidade para sentir como os poetas procuram retrabalhar

temáticas típicas da tradição poética do país em novas propostas estético-formais, mostrando que a tensão

entre o tradicional e as vanguardas contemporâneas revela o vigor do momento poético do país, ora por

uma intensa metapoética, ora pelo erotismo e por um lirismo afetuoso, às vezes o surrealismo marca

presença, assim como a indignação com os problemas sociais e os descaminhos políticos da nação.

Quanto à forma, apenas para citar alguns exemplos, esses poetas navegam pela poesia em prosa, ou pela

versificação livre em versos curtos e rápidos poemas, ou em versos e poemas longos, para além de

experiências com o concretismo, ainda que tímidas. Para os habituados à poesia moçambicana, referências

a poetas como José Craveirinha, Rui Knopfli e nomes mais recentes como Luís Carlos Patraquim e

Eduardo White, principalmente este, são inspiradores para a maioria dos jovens. E em razão do raro

contato com esses poetas, ao final foi inserida uma entrevista que fiz com o poeta Domi Chirongo.

Sendo assim, é gratificante perceber os sopros estimulantes de renovação que esses poetas estão

oferecendo à poesia moçambicana. Alguns ainda com certa timidez; outros, mais ousados, radicalizam

suas propostas, mostram intenso labor, rigor, método, criatividade para desbravar imagens inusitadas e

impactantes revelando que para essa geração a literatura em Moçambique está longe de morrer, mas que se

encontra em processo de busca por uma palavra depurada e de melhor resultado estético, afastando-se de

soluções fáceis e outras vulgaridades.

Encerro com os meus agradecimentos à Profª Nágila Oliveira Santos, idealizadora da revista

África e Africanidades, que desde o primeiro contato se mostrou sensível à proposta da antologia; aos

poetas amigos Manecas Cândido e Domi Chirongo, pela disponibilidade e constante apoio nas

correspondências eletrônicas para realização desta antologia, como também de igual importância o Lucílio

Manjate. Meu sincero agradecimento a todos os participantes – Alex Dau, Andes Chivangue, Armando

Artur, Chagas Levene, Mbate Pedro, Rinkel, Rogério Manjate, Sangare Okapi e Tânia Tomé por

acreditarem neste projeto. Agradecimento especial ao João Paulo Quehá por ceder suas imagens para

ilustrar a antologia e ao Tomás Cumbana, responsável por fotografá-las.

Ricardo Riso

Page 5: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

5

Page 6: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

6

ALEX DAU Alex Dau é pseudônimo de Paulo Alexandre Dauto da Conceição. Publicou os seus primeiros poemas no semanário ―domingo‖ e mais tarde veio adotar o gênero prosa onde publicou diversos contos na revista ―Tempo‖ e nos semanários ―Savana‖, ―Zambeze‖ e ultimamente no suplemento cultural do jornal ―notícias‖. Frequentou o curso de Literatura Portuguesa ministrado pela Faculdade de Letras da Universidade Eduardo Mondlane em parceria com a Embaixada de Portugal em Moçambique. Mais tarde cursou Literatura Africana promovida pela mesma Universidade. Em 2009 lança sob chancela da Associação dos Escritores Moçambicanos sua primeira obra literária intitulada ―Reclusos do Tempo‖. Em 2010 participa numa antologia em sueco de contos moçambicanos.

Page 7: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

7

Sedução Enleas-me com o teu olhar com o teu sorriso impões teu charme fico sem jeito então solicito Teu amor Não! dizes simplesmente crias então este tormento inexoravel que vive dentro de mim sim esta paixão incompreendida devasta minha tolerancia depois surge a revolta para contigo e para com os desculpados.

Page 8: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

8

Dupla Solidão Com a noite partilho a solidão e busco-me na imensidão do céu negro onde as estrelas me negam seu brilho

Page 9: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

9

Terra e Criançãs Oh terra! escutai a voz suave dos teus naturais vozes de crianças puras e inocentes como pássaros sussurrando entre arvores na praça do desespero Oh terra! escutai brandos contactos entre o desespero e a esperança música de presença mortal de crianças angustiadas

Page 10: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

10

Nhambaro1 Dançam! derramam suor alegre suor de cachaça que transborda de poros negros Se dançam? dançam nhambaro¹ e como donos da terra descrevem alegria na areia de matequenha

1 Nhambaro: Dança tradicional de Quelimane – Zambézia, centro de Moçambique.

Page 11: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

11

Nicoadala Não há primavera nem Outono o inverno morreu mesmo antes de nascer sobreviveu a cacimba que dá frescura as manhãs e animo aos homens de mãos calejadas que constroem canteiros de mandioca em Nicoadala

Page 12: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

12

Licuári As águas soterram-se no intimo da terra o milho murchou em Licuári morreu o cântico dos pardais os milhafres já não voam na clandestinidade porque os pintos Já não piam Orgasmo aéreo O orgasmo dos pássaros é aéreo e levita em cada ramo morto da floresta incendiada do interior

Page 13: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

13

Page 14: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

14

ANDES CHIVANGUE Andes Adriano Chivangue nasceu a 21 de novembro de 1979, em Xai-Xai, Moçambique. De 1998 a 2002 foi editor da revista literária Xitende. Dentre vários, ganhou o prêmio revelação Rui de Noronha, na categoria de conto, com o título ―A Febre dos Deuses‖, em 2001. Tem textos publicados em diversas revistas e antologias. Estudou Relações Internacionais e Diplomacia.

Page 15: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

15

Se espetares os dedos nos olhos Se espetares os dedos nos olhos E os arrancares, na doçura da raiva que te envelhece, verás a fotografia embranquecer do outro lado das chamas, a tua amada a comer o colchão molhado de sonhos e o céu a arder na face granular do desejo. Se fizeres sangrar os lábios com um estilete absorverás finalmente o recado dos deuses – a eternidade escondida no cesto de roupa suja onde vomitaste a noite. E como Rimbaud juntarás o céu e o mar nas fissuras da pele até o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O enlace maternal do jazz no improviso do sono, o ruído na tumba donde um pé se enrosca à busca de calor? Sentes como a cidade morre no teu corpo? Não. Terias de ser uma pedra para que a semente tremesse ante a boca da terra. Mas tu não compreendes isto de atear fogo à memória, que se reate a avidez das mãos na prenhe argila do poema. Entretanto, se deixares um canteiro de lírios crescer nas encostas do teu coração e os olhos embaciarem-se na seiva nocturna poderás, enfim, enxergar a fotografia, a criança raquítica que te abandonou no desespero.

Page 16: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

16

Tempo difícil este Tempo difícil este em que as gaivotas entram boca dentro e adejam uma dúvida vespertina.

Page 17: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

17

Fujamos destas linhas Fujamos destas linhas, avancemos para uma terra mais sóbria e luminosa onde o céu seja prenhe de vagalumes e uma praia cheia de cardumes alimente enciclopédias, sentidos renovados e semoventes cuja substância absorverei esperançoso de no fim sussurrar, pela sombra do desejo, ao pé de ti, a magia do mundo, entregando-te a arca com a sabedoria de Deus, a arca que com as pedras e a sua música infinita polvilha o meu rosto de terra, até a lebre em ti se confundir comigo e os dois podermos finalmente atravessar a eternidade nessa vastidão de rosas e água que adoça os corações na polpa da maçã.

Page 18: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

18

Um olhar semeado no pântano A tua boca congelada no chão das palavras faz germinar espinhos na língua devorada por nenúfares outrora ávidos de sol no quintal de mar que foste um dia. É dessa forma que a fala se prende no musgo dos teus pulmões, e tu cresces, ergues as hastes da tua fúria no lodo agarrado aos teus dentes donde roseiras brotam em riste à procura dum pântano onde semear um olhar, um desejo puro de morrer, uma queimadura de amor cicatrizada nos lábios, uma aurora brilhante em teus seios. Meu corpo de rosas procura-te na multidão de pensamentos adormecidos na paixão do rouxinol que parte num voo oblíquo e se espeta no navio entre os meus dedos.

Page 19: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

19

As minhas mãos resvalam sobre a cidade As minhas mãos resvalam sobre a cidade adormecida que no teu corpo vela estrelas que às vezes se precipitam no abismo das taças que soluçam a morte das crisálidas, as que no imo da noite, roçadas pelo vento, emitem sons duma flauta a chorar pelo seu dono. Com o olhar preso às luzes dessa cidade agarro-me a um arbusto enquanto milhares de formigas devoram meu ânus, e o cheiro das minhas tripas, ou, o musgo que cresce entre os meus dentes me liberta do fogo que me teve sempre prisioneiro de ti.

Page 20: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

20

As rosas As rosas Se esmagadas contra a palma da mão, Surpreendem-nos com o cheiro inebriante De moça virgem que muito cedo Vê a sua saia incendiada. As rosas, Umas vezes transformam-se em vento, Outras, derramam as pétalas na vertigem da cidade Quando as pedras Aquecem a pele dos amantes fortuitos. Tão luminosas e perenes as rosas... Todas as noites amo uma, Aperto-a contra o coração E o meu sange nela se mistura.

Page 21: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

21

Auto comiseração Este corpo que deram o nome de Andes, Com dois olhos, braços, pernas, Um ânus, pénis, naris… Tudo isto que vêem São despojos de um incêndio Há muito extinto… Estas carnes que envelhecem precocemente Do cansaço dos dias, Da alma chamuscada, Este pedaço de gente Que se recusa a manter-se vivo… Este… que vos apresento, Pobre e infame alma, Quase gente, Este pouco…ínfimo… Menor que um bacilo... Eu reconheço. E aqui diante de vós Reduzo-me ao meu estatuto de verme. Mas antes que me esmaguem, Permitam-me pedir-vos que Depois queimem os despojos deste monte de merda. É que cremado, pelo menos não haverá memória De tamanho engano. (Lisboa, Maio – 2011)

Page 22: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

22

Page 23: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

23

ARMANDO ARTUR Armando Artur nasceu a 28 de Dezembro de 1962 na província da

Zambézia, Moçambique. Iniciou a sua atividade literária em 1980. Faz

parte da Geração Charrua. Foi Secretário-Geral da Associação dos

Escritores Moçambicanos (AEMO). É membro fundador da

Associação Pan-africana de Escritores (PAWA), da qual é Presidente

para Moçambique. Desempenha, igualmente, as funções de Vice-

Presidente do Fundo Bibliográfico de Língua Portuguesa (FBLP), cargo

que ocupa desde a morte do poeta José Craveirinha. Publicou Espelho

dos Dias (1986), O Hábito das Manhãs (1990), Estrangeiros de Nós

Próprios (1996), Os Dias em Riste (2002), A Quintessência do Ser (2004), No Coração da Noite

(2007). Possui obra dispersa em revistas literárias, livros didáticos, antologias e jornais nacionais e

outras obras traduzidas e publicadas no estrangeiro. É Prêmio Consagração Rui de Noronha –

FUNDAC (2002) e Prêmio Nacional de Literatura José Craveirinha (2003/2004).

Page 24: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

24

Múmia (Museu egípcio de Berlim) Silêncio prozóico Num acórdão sinistro. Ritmo prosódico Num compasso de sistro.

Page 25: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

25

Quando a pátria que é nossa Quando a pátria que é nossa É assim esgravatada e repilhada Até aos limites do seu interior Por gente nossa e despudorada Quando a pátria que é nossa É assim regateada ao preço da gula E ganância, por gente que até jurou Defendê-la com bravura e valentia Quando a pátria que é nossa É assim extorquida e ameaçada Por gente sem dó e auto-esconjurada E que não olha a meios senão a fins Quando a pátria que é nossa É assim leiloada em praças obscuras À taxa diária do sangue, suor e lágrimas De milhões de braços, e uma só força Por gente ilustre e de colarinho branco Quando a pátria que é nossa É assim assaltada pelos flancos da sua Beleza e contornos da sua geografia Por gente que é forasteira de si própria Quando a pátria que é nossa É assim deixada à deriva e ao relento E à mercê dos párias do nosso maior Descontentamento colectivo Quando a pátria que é nossa É assim atraiçoada por essa gente sem Nome, que se aliança com mercadores De insónias e arautos do caos e do mal Em troca do fútil e do asco Todo silêncio e todo exílio serão Sempre iguais a pátria que é nossa.

Page 26: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

26

Page 27: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

27

CHAGAS LEVENE Chagas Levene nasceu no distrito costeiro de Angoche, província Nampula em 1971. Tem licenciatura em Relações Internacionais e Diplomacia. Foi jornalista e professor e trabalha como consultor e pesquisador. É autor do livro de poemas ―tatuagens de estrelas‖ editado em 2008 pela Ndjira. No prelo, também pela Ndjira, ―Porto das Luzes‖. Tem poemas publicados em Moçambique nos jornais Domingo, Savana, o Universitário e Lua Nova; nas revistas Tempo e Oásis, no folheto Português em cordel entre outras publicações. Em Portugal consta da antologia ―Encontro com Escritores‖. No Canadá publicou na revista de poesia ―Éloisis‖. No Brasil publicou na revista Poesia Sempre e ―Teia Literária‖. Na Inglaterra consta da antologia ―Charrua and beyond‖.

Page 28: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

28

Inventar um passo de dança Dizem-me que te preocupas comigo Confesso que continuo A escrever poemas Mas não penso em publicar livros Estou apenas a exercitar-me Como um bêbado vulgar Que procura inventar Um passo de dança Segurado a um candeeiro De iluminação

Page 29: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

29

Tatuar teu corpo de estrelas Debaixo do cajueiro Nenhum beijo acontecia Enquanto a chuva cantava As folhas acenavam Batidas pelo vento Fugiste foste ao encontro da chuva correste Como se a falta de estrelas te enlouquecesse Ias ao encontro de que sonhos? Ou era mesmo a chuva A bater com sua dança no asfalto E a saltar Que te entusiasmava? Tuas tranças voaram Acariciadas pela chuva Recordo ao tirares a blusa A flor dos teus seios O perfume que te envolvia Ou era o desejo que ardia em mim? Disse que teu sorriso brilhava mais que o canto das estrelas Ao teu corpo eu só queria tatuar de estrelas E mandaste-me passear Expus meus sonhos Na balança dos teus desejos Eu só queria viajar Na aerodinâmica dos teus beijos E agora ando ando ando atrás de algo Que só existe na minha imaginação Se vieres agora Com o coro das tuas seduções Não me entrego não Dou-te como flor um abraço Digo-te que não voltes nunca Pois compreendi a beleza de um cacto no deserto Repara bem que tem flor e até sombra

Page 30: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

30

Nestas coisas de fumo e sexo

Ao Augusto Tembe Nestas coisas de fumo e sexo estamos fartos até à medula E esforçados acocoramo-nos nas esquinas Pensando bantas pernas esbeltas ao vento E alguns carros poderem ser nossos As mãos calejadas de nada abraçam o vento Hirtos caminhamos sonâmbulos Em que canto fica o porto de destino? Esvoaçamos em saias mais uma vez e pensamo-nos Lordes da rua Fingimos sentimentos de algibeira Enquanto um profundo cola bem fundo mas não revelado Pensamos amanhã será o dia será o dia melhor A revelação se consumará As balalaicas e safaris são agora smokings Às vinte e trinta pensamos numa telenovela Somos como nos fizemos ou quiseram-nos assim? À noite embriagamo-nos e dormimos bebés Ter coragem é olhar para os problemas e procurar soluções Gesticulamos sorrindo pensamo-nos anónimos Algures uma estatística fala sem sorrisos Com gatos ronronando em telhados de zinco pensamos em algo diferente Amarrotamos pétalas já murchas de ódio e já não há parietais na cidade onde agacharmo-nos Com gatos ronronando em telhados de vidro mulheres espreitam-nos cautelosas e quando sabem de nossos olhares rebentam em gargalhadas com as veias querendo-se mais perto da epiderme Gesticulamos ainda e com os dentes à mostra A impotência de ver e consentir leva-nos à cegueira de ver e consentir Com a cacimba rasgando a pele persistem alguns erectos Com o céu se prolongando manto azul perguntam em que canto fica o porto de destino ? Nestas coisas de fumo e sexo estamos fartos até à medula

Page 31: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

31

Vários braços tem o poema As cidades já as quiseste tuas agora choras de velas nuas Veste-te como puderes Zézinha retoca-te antes maquilha-te a rua quer-te invulgar desculpa os versos do tempo que se foram os meus inventados nas cacimbas estão por aí Olhos meigos em rostos show off à laia de gaita batom vermelho passado nos lábios Amo-te na cama na rua silenciosa e por entre os versos que conheces como os teus vestidos danças e tua silhueta recortada em papel em direcção ao vento ao nada teus olhos estendidos à lua enquanto despes a capulana não partilhas os sonhos e os versos sufocam tens-te em conta pelo que vales as mãos textura de desejo em tatuagens do momento teu corpo despido um poema antigo Tens o teu sorriso teus sonhos antigos aconchegados nos braços de um poema Vários braços tem o poema hoje escolheu-me a mim ser seu amante acariciá-la de encontro ao papel Falá-la docemente ternamente dizer Poesia Amo-te pelos instantes sempre renovados diferentes

Page 32: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

32

Desta cidade vou partir esticado num caixão Desta cidade vou partir esticado num caixão Até ao crematório Com um facho do sol a gritar em minhas mãos Rasgo a noite das tuas dúvidas Enquanto meus lábios rebeldes Colhem a seara dos teus beijos E já não há taças de prata em praças abandonadas Entrego-me ao teu farto corpo nu e despenteamos o passado Olhando incrédulos para os bolorentos livros de poesia Nas portas da memória sentamo-nos Enquanto pontapeados cães Na estrada dançam latindo em nossos pés Poemas antigos Em cidades velhas arruinadas E as hienas com que nos açoitam virão como O bocejo e surpresa dos cigarros partidos nos bolsos Coçamos os cabelos com os sons que amordaçam a noite E explodem cortinados de estrelas em chamas em tuas mãos Tarda a questão que me trouxe aqui Cruzas depois as pernas E ajeitas a capulana aos quadradinhos com fachos de sol Esbeltos Como as manhãs que se derretem aos teus pés No teu silêncio pirilampo afogamo-nos Como o mar ensurdecedor na praia Enquanto o vento norte explode na tua blusa E vem o barco sem regresso cianeto E agora porquê não gritar com o chicote de estrelas Antes que as gaivotas voem para longe? Longe longe do teu decote em u? Antes que se afundem em poemas canibais? Resta-te a ilha da Islândia lá onde lavas os cabelos Pesadelos da noite com uma faca partida na mão

Page 33: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

33

Minha aurora Mudei. Mas minha angústia continua a seguir-me pelas paredes como se houvesse um Picasso por pintar, Diriges o teu olhar ao cadafalso da minha infância minha aurora minha gravata que levo a passear-me pelos alegres bailes da minha tristeza Por mais que me barrique por trás de prolongados cigarros como as pétalas que cortam os caminhos que partilho com as rameiras da estrada, o perfume dos bocejos da minha alegria São a canção com que entristeço o meu futuro por não te procurar no incêndio dos poemas Dizes que finjo que tenho um brilho maior que das estrelas. Hoje ainda podes olhar-me podes pontapear os poemas que te escrevi podes pedir meu coração aos teus pés como se acendesses uma vela com as roupas de Carnaval com que finjo minha felicidade Minhas chamas minhas lágrimas o Niagara em teu coração Como se ouvisse Adama Drama tocar ―talking drum‖ Ou as notas finais de ―Blue Monk‖ agarro-me à janela Arrasto-me no rasto da poeira dos teus passos descontroladamente abano minhas mãos e outra vez coloco um comício de poemas aos teus pés O que me alegra é ver-te a despir o vestido Como se pousasses o violino ao lado do piano, E me pedisses que pintasse Jazz em poemas Troco a minha angústia com a calma com que despes o vestido

Page 34: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

34

Liberdade Cordas lembram forcas e não navios. Navios baloiçam como bandeiras e enforcados, mas só os navios voam após as tempestades Todos navios levam nomes como todos seres humanos. Navios são baptizados como alguns seres humanos. Navios são amarrados às vezes à terra como muitos homens que não têm a liberdade dos navios que voam após as tempestades e não são enforcados!

Page 35: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

35

Page 36: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

36

DOMI CHIRONGO Domi Chirongo é um terráqueo que nasceu poeta e escritor. Teve uma infância repleta de viagens com a família, pelas diferentes províncias de Moçambique. É licenciado em Psicologia e Pedagogia e Pós-Graduado em Saúde Pública. Tem colaboração dispersa em vários órgãos de informação nacional e estrangeira, tendo publicado em 2005 o romance ―XIDAMBANE – Um Pequeno Africano Vítima das Cheias‖. Em 2010 foi galardoado com o prémio literário ―10 de Novembro‖, edição 2010 dedicado a poesia. Fez parte de todos os elencos Diretivos da SOMAS (Sociedade Moçambicana dos Autores), e faz parte do Corpo Diretivo da Associação dos Escritores Moçambicanos (AEMO). Com efeito, Domi Chirongo é um dos mais destacados escritores da ―2ª República de Moçambique‖, posterior aos Acordos Gerais de Paz. A sua presença tem sido constante na apresentação de obras literárias, mesas redondas, conferências, entre outros eventos literários de intervenção social. Em Moçambique é também colunista do Jornal Magazine Independente.

Page 37: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

37

Atiro-me Deixa-me ser teu griot nessa terra estranha onde T.S. Eliot governa Patético nesta estrada tudo quero dar e matar-te de amor

Page 38: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

38

Tua ... Tua é a alma iluminando meus tristes caminhos. Não. Não posso ser inimigo dessa alma escondida em ti. Abre-te. É no teu corpo descoberto, onde encontro o indicador da felicidade. Por isso, sob o pretexto de combater o stress, tomei a forte decisão de entregar-te o coração.

Page 39: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

39

S/T Estas são as cores do coração corajoso tropeçado em ti Pese embora ignores a essência delas Vale a pena chamar-te à razão Mais uma vez.

Page 40: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

40

Palhotamento As crianças gritam - Dinheiro não traz felicidade. Eu acrescento - Imagine a falta dele! Se hoje sem grana está difícil ter esposa padrinho então, nem digo! Como enfrentar o futuro assim sozinho? Desafortunado da humanidade e da celestialidade, caminho determinado, envergonhado apenas com um pau erecto apenas com um pau preto erecto que desconsegue ser pão mandioca então, nem falo qual apresentação qual lobolo qual casamento qual lua de mel? Se depois de todo stress tudo sabe a sal. Neste arremesso tenho o merecido, sei minhoca permaneço, mamba não.

Page 41: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

41

2011 Quando tudo parecia perdido encontrei sentido em Muenhe Mucuro santuário muçulmano mais moçambicano que religioso agora sinto-me naparama nada me atrapalha já sei que o Hussein de Sadam é o mesmo de Obama e este rima com Osama Quando tudo parecia perdido encontrei sentido em Muenhe Mucuro prevejo, vejo, prevejo um tirano por ser atirado para bem longe... agora vejo, prevejo, vejo.

Page 42: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

42

A bomba arrabentou 1. Em pleno Fevereiro estamos aqui no quintal de Goa. Preparados para preencher a nossa lagoa interior, para o agrado das lombrigas. Ao lado um bom técnico passa às pressas, a passa que ninguém consome some no clariar Clariar diurno. Diurno clariar. Amendoím vem embarcado numa peneira transportada por uma donzela acesa. Ninfeta, presumimos! Ninfeta não cessa... Na verdade, já viveu intensamente todos os ismos imagináveis e inimagináveis. Aves viriam, se fosse o quarto de qualquer Outubro, mas é Fevereiro. Sem aves! E no quarto um obtuso, de mente castrada, predisposto a fazer-se à estrada. Na cela que dá acesso a uma lanterna acesa. Cigarros no chão. Isqueiro no bolso. Cinzeiro na mesa. Um cão, na cadeira, querendo conversar. Uma cadela de mini-saia e pernas cruzadas! Tipo rapariga do grande cruzeiro... Ainda assim, dizem-nos que não chegamos ao inferno! Talvez seja longe, não sabemos. Quem vai lutar? Quem vai lutar para saber? Felicidade também falta. Latas não há para chutar. Chupamos o lixo que as encobre. Cobre, prata, platina, ouro na avenida do herói. Dois bandidos armados abatidos. Quem foram, quem foi? Tiros à luz do dia. Jazz, blues se fechando, acompanhando o fecho do jornal ou do evangelho. Velhos são os pulmões. Vai. Mais um duplo, com rodelas de limão. Limões e muito gelo, para esfriar a mente. Esfregar as tripas. A sangue frio idealizamos um best-seller cinematográfico, intitulado ―Este País não é para Jovens‖...Hmmm, parece-nos pouco original. Que tal ―Este País é para Corruptos‖? Agora melhora. Agora melhorou. ―Edjé, edjê, a bomba arrabentou, mamã não está papá não está Edjé, edjê, a bomba arrabentou, mamã não está papá também não‖

Page 43: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

43

2. Mas há corruptos pequenos e há os grandes, assim se definiu. Nós acrescentamos: há corruptos anti-patriotas e há os patriotas não idiotas. Falemos dos primeiros: fundos e mundos, imundos. Império de mansões, fantasmas inquilinos. Aliás, o resultado já sabemos: mansões transformadas em esplanadas Esplanadas de rapidinha. Esplanadas de rapidinha. O velho guarda, coitado, já não tem o fundo de maneio, nem o extra proveniente do desvio do material de construção (destruição humana). O que se podia esperar? Prospera. Espera o tempo esperto que não vem. Vai o futuro no horizonte ardente. Cante aí, bué Buarque: ―...Cantando e sambando na lama de sapato branco, glorioso Um grande artista tem que dar lição Quase rodando, caindo de boca Mas com um pouco de imaginação Sambando na lama sem tocar o chão...‖ 3. Se os olhos falassem! Se o corpo da ninfeta gritasse! Se a estrada escutasse! Se a longa lagoa secasse! E se Goa fechasse? ―Pai Nosso que estais nos céus, santificado seja o vosso nome, venha a nós o vosso reino, seja feita a vossa vontade...‖, blá, blá, blá. Esquecemos a oração. Oração que se vende no poente. Do outro lado do passeio. Deste lado, ostracizados, voamos sentados. E quando as pálpebras se embriagam. Escutamos aplausos. Já não há lados. Apenas seios ansiados, traseiro feminino almejado, face desimportada. Basta que a porta se abra... 4. Com efeito, imaginamos que haja outros pescadores. Há outros pecadores saboreando apetitosos nacos de porco, logo com aquele feijão preto, bem defronte da mesquita! Isshh! Cheira a ―S‖. Não a ―S‖ de suruma, mas de selvajaria. Bem que rima com cervejaria. ―Pai, perdoa-lhes, pois eles não sabem o que fazem‖ – Cai a frase aos pingos. E se o vento soprasse, donde viria? Se no rio os crocodilos apaziguam os passarinhos. 5. Quem nos dera sermos homens invisíveis, talvez fossemos invencíveis. Tal remoínho incompreendido. Sim, incompreendido. Incompreendido porque quando a poeira assentou, menino Bem assentada, Gimo não estava mais na terra remando contra a maré.

Page 44: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

44

Octávio também abandonou a terra do rapé Terra das encomendas. Medalhas. Metralhadoras. Mísseis invisíveis. Nós aqui. Envolvidos até aos dentes. Mesmo sem benesses, cá estamos pela nação... Esta é a nossa razão. 6. Só aquela mãe sabe com quantas quecas se traz queques à mesa. Esquerda, direita. Direita, esquerda. Gelatina. Cobardia. Vadia. Diva. Se Anabela é poema. Luísa é poesia. E por falar nisso falemos de Igualdade, escrita algures na nossa Constituição. Questionemos o prémio do Governo. Observemos muito bem para o patrono de cada uma das áreas. Enxerguemos...e quando um louco repete ―a Sul do Save, nada de novo‖ ainda nos zangamos! Então mostremos. Mostremos quantos de origem asiática, desta vez, foram alistados para o exército. Mostremos quantos de origem europeia foram apresentados nos mídia como corruptos. Mostremos a razão da Constituição. Mostremos agora.

Page 45: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

45

Cabeça do velho Quem diz quenguelequeze está nesta catequeze e de certeza me quer reconhecer neste bantu chão batucado timbilado, apitado, delirado exorcizado em paz no círculo da hasteada Kalachi Silêncio. Chiu! Chiu! Chiu! Sim, assim vai meu mundo e se realmente quiseres falar sobre mim não te esqueças daqueles dias de criança dança nyau ao ritmo de Mashonguezy lá no centro do universo atulelé, hé, hé, hé atulelé, hé, hé atulelé, hé, hé, hé atulelé, hé, hé dança nyau ao ritmo de Mashonguezy lá no centro do universo onde reina a raínha Chivangila mais revolucionária que Che Guevara lembre-te. Aqui a gente cresce misturando vacinas e não se precisa vaticinar tanto para entender a razão da mistura pierre cardin com as missangas da tia... é a linhagem chá da panela desmarginalizada no grito mozáfono. Siavuma.

Page 46: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

46

Page 47: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

47

MANECAS CÂNDIDO Manecas Cândido nasceu a 1 de Julho de 1979 em Quelimane, Província da Zambézia. Publicou O Sentido das Metáforas (2007), obra premiada com o Prêmio revelação FUNDAC (2005); co-organizou a obra Memorial 25 Anos AEMO (2007), assim como as coletâneas de novos autores: Esperança e Certeza I, II (2006 e 2008), editadas pela Associação dos Escritores Moçambicanos e Da Astúcia à Vingança do Coelho (2009), editada pela Associação Pan-Africana dos Escritores - Maputo. É membro efetivo da Associação dos Escritores Moçambicanos (AEMO), e tem poesia dispersa em jornais moçambicanos. Atualmente é docente na Universidade Pedagógica (UP), Delegação de Nampula, e Mestrando em Educação e Ensino de Biologia na Universidade Pedagógica - Delegação da Beira.

Page 48: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

48

Cicatriz de infância Há vila cicatrizada no âmago. Os destroços trazem à memória veredas da minha infância onde o vento num estio de voz enumera amigos e as fraternas cavalgadas de meninice que, até então, a chuva não apaga os sinais viris das longínquas tardes de domingo onde o entardecer era o bater exausto das nossas veias até o dispersar da lua.

Page 49: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

49

Manhã O dia acre uiva prantos de angústia caminho pela rua à procura de túneis deparo-me com o céu; a viver a fome. As melindrosas lágrimas não disfarçam cheias de desalento, de desencanto como uma crosta corroída pelo tédio. Toda a dor submerge como uma bala nas entranhas. E como exaurir as angústias? Ou florescer como manhãs de rosas?

Page 50: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

50

Hidrografia O rio vai errante a cheirar candura virgindade nas tépidas cascatas do corpo. E nós dormimos a ânsia a ouvir barulho de baldes de água. Estranhamente, o Zambeze palmilha ternura, a geografia do corpo.

Page 51: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

51

Contingência A vida arde e a água impregnada no meu coração é ténue. Não sufoca a tamanha dor.

Page 52: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

52

Coqueiral da Zambézia Minha terra é riqueza de um mar de palmares verde chá reverberando lindos campos. À noite navegamos a dança do nhambaro até ao ébrio da nossa alegria. Ao nascer do sol, o suor, bago do milho maduro cultiva horizontes de mãos futuras e em uníssono, pés descalços, calcorreamos caminhos que se propõem. a meta da nossa terra revigorando a certeza do manhã.

Page 53: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

53

Granel de Chókwé O sol devolve ermo as senhoras extravasadas de alegria como flores ao rubro ateadas as águas do Limpopo. Regressam cantando pelos carreiros o brotar do milho. Prodigamente o verde anuncia: não rebenta gangrena de fome. A voz transvaza a terra reacendendo a esperança.

Page 54: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

54

XXVII Todos os dias escuto a voz da brisa no balbuciar suave das acácias. Todos os dias oiço a música das folhas que o vento transmite ao ritmo prodigioso do batuque. Todos os dias oiço a canção de uma folha caída. (in O sentido das metáforas)

Page 55: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

55

Page 56: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

56

MBATE PEDRO Mbate Pedro, nasceu em 1978 na Cidade de Maputo, capital de Moçambique. Desde muito cedo interessou-se pela literatura, tendo, no entanto, iniciado o seu percurso na década de 90. Participou em vários movimentos literários surgidos na cidade de Maputo. É membro da Associação dos Escritores Moçambicanos e da União Mundial dos Escritores Médicos. Colabora na revista brasileira de literaturas africanas Sarará. Publicou "O Mel Amargo" (2006) e "Minarete de Medos e Outros Poemas" (2009). É licenciado em Medicina pela Universidade Eduardo Mondlane

Page 57: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

57

1. Este poema é um disfarce, um modo despercebido de furar a segurança apertadíssima do idioma e da gramática do teu corpo.

Page 58: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

58

80. O fim é um meio de atingir outro fim p’ra outro meio de conseguir mais um fim de mais um meio. O Jornal do opressor nas mãos do negro é um meio de mantê-lo desinformado. Mas o jornal do opressor no bairro da minha avó, nas mãos da minha avó, na casa de banho da minha avó, é um fim poderoso de manter até as suas partes íntimas higienicamente informadas, repito: até as suas partes íntimas, higienicamente informadas.

Page 59: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

59

Aqui um poeta dinamita-se aqui um poema faz-se de um grito agoirento na voragem dos dias da inglória dos pássaros da palavra arrombada do insulto fácil com um búzio com uma revolta com os mártires de mahlazine da frustração de um beijo entre os trôpegos amantes da ressaca do timbauene com o forrobodó dos roquetes com a sacanagem de um paiol no cu deflagrado de um vagalume aqui um poema nasce de um par de cornos na cabeça dos mochos de uma tusa reprimida na rua de bagamoio da resignação da naúsea do arroto das granadas com a água estagnada da inspiração estagnada do preço do pão não estagnado com o cuspo das formigas com a tirania de um obus aqui um poeta dinamita-se

Page 60: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

60

No cu dos tiranos enfatados uns coleccionam dívidas mágoas ressacas pernas estropiadas jardins de osso nas frontes dores de cotovelo às carradas armários com dores implumes toneladas de livros medíocres ciúmes de uma vírgula ou até a naúsea do vómito outros coleccionam meia dúzia de garinas crisântemos margaridas toupeiras no ânus baboseiras merdas medos porradas traições agressões o sexo a despropósito álgida a noite de um putedo sem chama há os que coleccionam a madrugada entre as pernas arqueadas abrigos no chão da memória esconderijos ao relento da alma a ausência de um beijo melancolias estilhaços e há também quem coleccione disfarces no torpor da mentira amada quem colecciona o pudor do nu no cu dos tiranos enfatados?

Page 61: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

61

Minarete de medos assomei-me do seu delicado corpo como quem de madrugada s’abeira da casa da vizinha – dá licenca! dá licenca! – sussurei-lhe ao ouvido mordiscando a ténue cartilagem ela fez um minkulungwana e embrenhou-se no meu corpo eu chorava copiosamente olhou fixamente para mim e perguntou-me: – por que chorais meu poeta? quais são os teus medos? – zelendisse, os meus medos são os teus medos... – respondi pressuroso - a geografia dos meus medos é limitada (em toda a sua extensão) pela angústia do meu povo - acrescentei tenho medo por exemplo de amanhã despertar com os dedos das mãos amputados sem que antes te escreva um último poema tenho medo ainda de que o cirurgião suture a minha boca nas vésperas do nosso matrimónio tenho medo de um desses dias abrir a necrologia do jornal e ver todos os meus leitores mortos ou os meus poetas predilectos amortalhados numa vala comum abarrotada de incultos de que os meus poemas sejam roubados e vendidos à bagatela na candonga dos dumbas também tenho medo tenho medo que de madrugada coloquem joelhos na minha inexorável consciência para me arrastarem aos seus pés assim como também tenho medo que coloquem sovacos nos meus neurónios para os distrairem em cócegas na excitação das noites tenho medo de dizer adeus quando te vejo partir para o regaço das minhas imponderáveis coxas no rumor do escuro tenho medo de descobrir ao despires-te que afinal és um poema por acabar também tenho medo que os nossos filhos nasçam com rabo de poeta ou que um paiol de palavras rebente dentro da minha poesia tenho medo que no próximo censo me registem como um refugiado acampado no arraial da palavra uma bela manhã do primeiro dia do mês de abril

Page 62: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

62

tenho medo que me digam muito sinceramente que malhazine nunca existiu a montante do sangue que corre nas veias do meu povo tenho medo que edifiquem uma mphanda nkuwa ou que floresçam nenúfares no pântano das minhas lágrimas ou então que uma nuvem vermelha vomite perdigotos de sangue no meu belo rosto tenho medo que hoje os meus efémeros adversários na linha de combate sejam surdos como também tenho medo que na sua prosápia ditatorial me impeçam de ter medo (deles) oh meu amor como me amedronto à ideia de que a kalash a chorar revele os nomes dos meus assassinos e tenho medo de que uma bela tarde de domingo quem te venha anunciar a minha morte seja o meu companheiro de luta a quem mutilaram as cordas vocais tenho medo que de tanto passar o tempo a desbravar a terra sedenta do teu corpo não me reste um bocadinho de tempo para morrer assim como receio que afoguem as minhas glândulas lacrimais para que não possa chorar o inteiro catálogo de angústias do Sangare tenho medo enfim que antes que me dêem o definitivo tiro nas têmporas me ensurdeçam e em seguida vociferem no meu ouvido esquerdo as últimas palavras: mbate morremos de medo de ti! por fim ela desembrenhou-se e beijou-me o coracão das coxas em seguida despiu-se e no meu ouvido esquerdo disse áfona: – não tenhas medo meu amor! os teus medos são os meus medos

Page 63: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

63

Deserção poética já não cai a poesia nos livros como o jambalau no teu corpo meu amor trepamos a árvore na faina da palavra madura e cresce-nos entre os dedos o hálito verde das letras na escuridão da leitura quem despirá o leitor? às vezes acontece um poeta trepar o chão no encalço da palavra insurrecta soterrada com os livros adormecida quem beijará a palavra vagabunda no bolso dos infaustos?

Page 64: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

64

Lianas do medo

não deixes que a liana do medo te entardeça os sonhos urge que te dispas e caminhes nua trajando somente tangas de argúcia e fiapos de astúcia faz-te ao medo mulher como a nuvem à trovoada faz-te aos homens merdosos como a reatada memória do teu belo rosto se atira às suas incipientes rugas

Page 65: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

65

Page 66: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

66

RINKEL

Rinkel é o pseudónimo de Márcia dos Santos. Moçambicana, nasceu no dia 10 de Maio de 1977. Reside em Maputo, mas as suas raízes são da província de Inhambane. É funcionária da Autoridade Tributária de Moçambique e Mestrada em Linguística Aplicada pela Universidade de Queensland, Austrália. Tem dois livros de poesia publicados ―Almas Gémeas‖ de 1998 e ―Revelações‖ de 2006, ambos pela Associação dos Escritores Moçambicanos.

Page 67: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

67

Maresia a maresia não sabia que nela nadaria e que nela ficar queria eu queria e ela não sabia dela eu não sairia por mim nela ficaria e nunca sairia a maresia em sua correria na orla me encontraria e quem quiser se ria pois eu teimaria em uma cantoria na maresia eu nela ficaria e ela nunca saberia que foi obra de feitiçaria

Page 68: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

68

Não contes a ninguém não contes dos meus encantos nem das vezes que eu caio em prantos não contes dos meus desejos e da minha estonteante curva nem das nossas longas noites regadas a champanhe e uva não contes das noites que finjo de donzela nem daquelas que sou fogosa e bela não contes das algemas que usas para me dominar e eu não contarei o que faço para te ouvir gritar

Page 69: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

69

Sinto-me livre Final de Primavera Uma tarde de sol Ao atravessar a estrada Desvio-me dos carros Lá vou descendo as escadas Em direcção ao mar Piso os mesmo degraus Que tantas outras pessoas já pisaram Tropeço e continuo o caminho…. Ponho os pés na areia da praia Respiro profundamente E sinto-me livre

Page 70: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

70

O cúmplice No fervor das palavras gemidas O calor dos corpos suados O silêncio como cúmplice....

Page 71: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

71

Ares paradisíacos Mar Areia Sol E palmeiras ondulantes na brisa marítima Queixam-se das areias que fogem das suas raízes Águas salgadas que esbofeteiam seus pés. Num paraíso perdido As palmeiras curvam-se para o mar Respeitam a sua força, seu corpo húmido, molhado.

Page 72: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

72

Minha filhinha Outubro trouxe consigo O calor da primavera africana As chuvas amenas ao final da tarde E o teu pequeno abraço "Xiwanana xanga"

Page 73: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

73

Chuva no campo A chuva cai E o pingar se ouve Nos telhados de colmo Cujo barulho embala Idodos e crianças As mulheres pisam na areia molhada Esperançadas Pelas maçarocas que vão colher Pelo amendoim que irão pilar A chuva cai E as esperanças renascem As mulheres agora molhadas Banhadas pelas gotas Caídas do céu Saboreiam as lágrimas de alegria E as palhotas se lavam da poeira acumulada Tomam um banho divino Com a chuva que cai

Page 74: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

74

Page 75: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

75

ROGÉRIO MANJATE Rogério Manjate nasceu em Abril de 1972, em Maputo, no bairro da Malanga, onde cresceu e vive. É ator de teatro, no grupo de Teatro Mutumbela Gogo, desde 1992; sendo que em 91, começou no grupo Mbeu, e trabalhou em ambos grupos até 1995. Além disso, é estudante de Agronomia na UEM. Em 2001 publicou o livro de contos »Amor Silvestre« – Ed. Ndjira (Prêmio Literário TDM 2001 – Conto) e em 2000 fez a seleção dos textos do livro, »Colectânea Breve de Literatura Moçambicana« – Ed. Projecto Identidades e Gesto Cooperativa Cultural – Porto. Em breve publicará seu primeiro livro infanto-juvenil: »Casa em Flor« (Prêmio de Literatura para Crianças do FBLP 2002). É membro da AEMO (Associação dos Escritores Moçambicanos) e tem colaborado em jornais e revistas com contos e poemas. Como jornalista é o responsável e editor da Revista Literária Maderazinco, na Internet — www.maderazinco.tropical.co.mz

Page 76: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

76

Sonhos Maduros Em vez de juízo final a mim me preocupa

o sonho final João Cabral de Melo Neto

Desde que fugi do coração onde sempre me escondi durmo na fruteira na esperança de sonhos maduros. Eu ali na fruteira em cima da mesa – como direi – a mesma mesa onde a fome do mundo gira e eu em cima dela vestido de noite: dois olhos abertos a estrelarem a fruteira de vidro sobre uma toalha branca bordada de florinhas vermelhas azuis e verdes a ponto cruz e nódoas de mathapa e vinho e a fazer o centro da mesa mais centro da toalha com cheiro a lavado sobressai uma flor vermelha e azul com o gineceu violado pelos ratos e repete-me incansavelmente aos gritos a sua trágica história ...................................................... ao meu lado a banana dorme tranquilamente dentro das maçãs e ressona paralém do medo escuro e nisso cheira a goiabas vermelhas (o escuro cheira a goiabas por entre a expansão do medo) ...................................................... e eis que chega a faca fareja paralém do cheiro a goiabas vermelhas rompe o medo escuro e passa de arrepio a arrepio do silêncio se move ah a faca! sinto-a, fria como gelo e eu ali fruta calada sentada na soleira de uma noite dentro de outra noite de olhos abertos sobre os meus nem adivinho os ácidos e os açúcares que laboram a química do sonho, o mesmo que torna redondos a fruta e o mundo! Ah, a faca!.................................................... atalaia-me por dentro e por fora dessa noite onde apodreço de olhos abertos gira sobre o meu medo: serrilha a minha esperança o tempo que me resta olha para o relógio na parede: envergonham-se as horas: despromove-se o futuro à lembrança.

Page 77: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

77

Sem vontade nenhuma de sentar-se a ansiedade faz curvas e borbulhas na espera mas as minhas mãos estão vazias coisas vadias anunciam-se-me padeço do desencontro dos gestos e me assalta o medo de ficar sem posição (mesmo para a fotografia) não é a ansiedade que a mim não incomoda senão deitava fora a expectativa esta maquineta sem ponteiros que não se deve enferrujar cá dentro: quero-me flor na memória espero sentado dentro da minha própria sombra e redondeza: é perene o meu compromisso com a esperança: imenso é o verde que faz um coração. – como direi? – por exemplo, o poeta olha o passarinho por dentro de seu canto: era uma vez um passarinho que tanto cantou até inventar uma floresta quando o poeta chegou ao meio da floresta tinha suor, flores, frutos e grãos de sol no coração de tanto olhar o passarinho por dentro de seu canto.

Page 78: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

78

Eu vestido de homem na paisagem

Espalho a lua na palhota amarro o vento na canção

deito wuputsu mato cabrito mais galinha

rezo mil avós nossos phàhlo teu nome Mandlate

Eu estava em casa debaixo da minha copa de lembranças à espera conforme árvore aguarda vez na paisagem. A casa – como direi – uma casa raiz do céu lá se entende com as chuvas de janeiro e fevereiro enquanto dorme incólume sob o manto da cacimba de julho e agosto seus sonhos adivinham o primeiro raio de sol que atravessa a treva da madrugada e borbulham a alegria no telhado de zinco donde bebe o primeiro pássaro. Oh casa as estórias que somos as canções silvestres que se sucedem nas bocas igualmente silvestres as danças que nos habitam são amor do mesmo tambor e convocam a lua das noites magníficas: amarramos capulanas e sentamo-nos no chão em flor abraçados à mesma fogueira que destila as velhas karinganas: pequenas sementes rebentam no coração a pureza.

Page 79: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

79

Eu, eu era a casa semeada no alto da paisagem em cujas paredes um silêncio abrupto compõe a memória: quatro cadeiras bem comportadas enfiadas em baixo da mesa cansadas da mesa que chora jantares os bordados de flores na toalha sobre a mesa insistindo em serem flores ainda que a toalha seja esgarçada e com nódoas garfos e facas riscando os pratos e nisso o tempo suspenso na sede olá moringa! a moringa pronta e fora do naperon porém os copos na cristaleira só pedem vinho com azeitonas nos intervalos dos rastos da voz da minha mãe na cozinha ralhando com carapaus e repolhos mandioca e farinha de milho antes que o meu pai: quero comer quero dormir! num sopro que apaga os sonhos dela de batata frita e guisado de frango na panela mas sem extinguir os milagres que lhe brotam das mãos: à mesa, rosas para a família inteira jantar: rosas colhidas na sua capulana que sonha rosas. Quem às mãos da mamana Celina olha não vê os mistérios: à chaleira se olha por dentro fora impera o feitiço preto da lenha.

Page 80: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

80

Na minha copa de lembranças à espera conforme árvore eu, eu casa em flor papel carvão e água inicial para poema mas antes do crepúsculo entrou janela adentro a borracha e surpreendeu-me a treva do esquecimento: a manhã ficou pendurada no horizonte sem estilo fazconta deus de pernas abertas: a paisagem era apenas essa janela escancarada para dentro do destino parado desistindo de ser futuro; e os caminhos do poema recolheram-se na hesitação: dei comigo sentado atrás de mim próprio a violar rosas quando o que eu queria mesmo era deixar o dia possuir-me inteiro dentro das suas rutilantes manhãs e tardes de crepúsculos vermelhos paralém do mistério da doçura da fruta madura. Pela cabeça passou-me o repente das coisas e tive a mais funda certeza dos limites da alegria.

Page 81: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

81

(Dos limites da alegria) Eu, vestido de homem na paisagem: poeira estrada fim e luz: estou inutilmente diante do espelho que bebeu o sol todo e explica ao silêncio na minha face baldia que serei apenas sombra torta que o chão rejeitará na sua flor de areia vermelha. * As palavras que me apetecem ser na língua em que sou poema não fazem milagres: se o passado é bastante à escuridão não basta um pirilampo! a língua lambe a paisagem para ver o futuro que se reclina no espelho: o palimpsesto refulge tremendamente: a hesitação e o esquecimento espreitam-me para dentro da cabeça e desorganizam-me o jardim (o medo precipita-se para dentro do sonho)

Page 82: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

82

Como lágrima que sai à busca da sua dor ensaio a travessia do espelho como quem diz ―foda-se, Sésamo!‖: às portas do abismo o sangue luz e salta às golfadas: iishii! a vertigem rói o futuro sentadamente cansado e o vento entra e habitua-se: no meio do redemoinho de reflexos vuslumbro uma multidão de rostos e o meu chapéu apenas com o eco da minha cabeça chama-me gritando o meu nome tamanho assombro fere-me os olhos: o poema tem o silêncio preso na garganta degolada e a treva esguicha.

Page 83: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

83

Da ferida sangrenta do espelho irrompe a morte e sem reflexos senta-se nas dobras da noite: olha-me por onde os relâmpagos de pânico dilaceram o céu da minha cabeça o sono deita raízes tremendas pelos olhos se durmo o sonho transmuta as flores da memória em noites profundamente: rostos, rostos e rostos rostos antigos que os vejo meus, meu próprio rosto transformado nas suas caretas: terríveis sorrisos e gargalhadas e prantos dentro do meu rosto perdido no reflexo de um outro que não conheço e me torce o nariz sem que o terror multiplicado nos espelhos o impeça quando eu só me queria flor na memória.

Page 84: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

84

Dia e noite a morte abre uma palavra nova nas raízes da multidão para respirar uma respiração tremenda cujo hálito embacia o céu da tarde na Malanga gestos avariados brotam a cada palavra nova o tempo vaza do espaço e a esperança desiste: das paredes de silêncio da casa em flor brota uma enxurrada de mortos e esbarra no espelho diante de outro espelho: da transfusão de imagens o relâmpago dilacera a treva: um grito dentro de outro grito e eles morrem outra vez agarrados à ausência um outro tempo dentro do mesmo tempo que não faz com que seja no vo, nem velho, nem o mesmo.

Page 85: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

85

os espelhos revelam a morte: noites inteiras engolfadas dentro de um pirilampo derramam na paisagem o esquecimento tropeça na luz dos milagres e traveste deus em poema: os mortos em chamas dançam sem levantar os pés de um medo que os chora. atordoado o passado foge milímetro a milímetro qual cometa com uma labareda no rabo planando torto sobre os telhados de zinco.

Page 86: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

86

Céu da tarde na Malanga Contanto que viva de janelas abertas para que me avive a luz e de livros abertos para que aconteça o amor quando o passado se move abre a ferida abrupta da emoção: o céu da tarde na Malanga espreita de dentro do bolso do calção caqui azul onde o guardo à mistura com estrelinhas de sal para as mangas verdes e dois berlindes para desafiar o Manuelito: depara-se com a nuvem do meu queixume e o chão entrevê tudo o resto: ti’Abdul dando de comer aos xiricos na gaiola e querendo na mão outros dois saltitando e trinando nos galhos da mafurreira que não saltita não trina mas voa na vontade de pássaro que se anuncia nos quadris das meninas mulheres com latas e bilhas de água na cabeça porque o vento festeja na roda das saias as meninas mulheres nem em sonhos sabem dos xiricos na mão vazia do ti’Abdul dois olhos voando o olho não sabe pegar no que vê nem mesmo o dos meninos espreitando pelas frestas do caniço e buracos do zinco às mulheres que tomam banho e baixam a mesma mão da carícia e lavram os tufos enormes entre as pernas sem que os meninos adivinhem o mundo que lá começa e lá se perde.

Page 87: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

87

Do mundo que lá começa e se perde não sabem os xiricos que enfiaram o ti’Abdul na gaiola nem os pombos do Mateteu nos telhados de zinco muito menos a mbila-mbilana debicando a papaia sequer adivinham para que serve a flor vermelha no par de coxas da Teresana no tanque atrás da loja do Muchina que lhe paga com um quilo de arroz e feijão e litro de óleo atrás da cantina no tanque mas os meninos que espreitam pelas frestas de caniço e buracos de zinco castanho de tão podre sabem com certeza para que serve o quilo de arroz e feijão e litro de óleo não no tanque no estômago porque onde era fome nasceu uma flor.

Page 88: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

88

dentro do céu da tarde na Malanga o chão brinca de pensar e quer ser pássaro: no espanto do dedo que o aponta aéreo enovela-se a eternidade: o céu fica tonto a paisagem voa torta e nisso vêm em fila as formigas irritadas com a brincadeira do chão e arrastam-lhe os pensamentos por onde devia ser um buraco: tudo se despenha: a paisagem despeja-se do céu o céu resvala da vertigem o chão adia-se no pássaro o pássaro despenca da eternidade a eternidade apodrece na tontura da reza da beata na capela e o dedo desaponta-se!

Page 89: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

89

(ps para um céu no bolso) É só não olhar com força para o princípio das coisas por exemplo o mar ele tem por hábito o além se olhas com força ao mar aleijas o azul e sangra o voo das gaivotas! o que farás com o vento que morde a tarde? em que ovo guardarás a sua vertigem? dói o horizonte quando se evade dos olhos e nisso, do buraco dos teus olhos saem em fila as formigas irritadas com a falta de humor e arrastam-te a vertigem para fora da paisagem da brincadeira e tudo se despenha para o mundo que lá começa e se perde. (ps para Teresena) quando o vento está de coração aberto voo antigos desenhados no teu corpo germinam fogo.

Page 90: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

90

De mim ao gesto: além

(...) e desde aí eu sofro, ignorante, ignorante da minha fatalidade; ignorante se sou o julgado ou o cúmplice, de não saber do que sofro, sofro de não saber qual é a ferida que você me faz e por onde escorre o meu sangue.

Bernard-Marie Koltès

(Vida diversa) Minha vida diversa é redonda não carece de virar todo lado é destino um minuto passa outro olha outro ainda sorri porém no canto um certo minuto parado me espera como olho de boi atrás da carroça. E desde aí eu sofro...

Page 91: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

91

O seu futuro já! deixe de ser longe... sugeriu-me a vereda mas preveniu-me a lesma: o futuro morre para trás... vagabundo os meus pensamentos fazem-se nos meus pés: sou o futuro que o rasto in-augura: caminho na linha do horizonte por onde um deus torto escreverá certo a minha vida incerta repleta de paisagens com a minha mão vazia agarro a linha do horizonte e nos olhos nela estendidos entro: espreito um pouco melhor o mundo: sente-se o cheiro verde do mato onde não há mato há gente não há flores e borboletas no meio do caminho há pedras na gente que flori nas capulanas com flores e borboletas há pedras de gente fora das capulanas que dançam nos estendais. Eu trago longas geografias nos pés: entro na matéria dos sonhos para descansar sonho para dentro da memória de homens mulheres e objectos e vaticino-lhes alegrias ferozes embora ao lado da pureza a fome.

Page 92: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

92

(vida inversa) da minha vida inversa todo lado é destino céu? sou uma pedra em flor tenho o céu na ponta do dedo eu existo em silêncio na treva da palavra na garganta do poeta à espera da centelha no instante da explosão azul passam voando os meus mortos cheios de céu para o espanto do chão tonto de pássaros chão dentro da vertigem sou eu passando, somos nós os mortos em flor passando céu dentro de outro céu e o arco-íris imitando o espanto nos olhos porque os dois olhos arco-riscam o céu sem entenderem o espectáculo: duas a duas as mãos amarram o espanto na reza na esperança de um milagre ou da apocalipse céu... tenho-o na ponta do dedo e a mim não falta chão: minha vida redonda: todo destino!

Page 93: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

93

Epílogo para as fantasias do poeta na fruteira com grãos de sol no coração de tanto olhar o passarinho que tanto cantou até inventá-lo na esperança de sonhos maduros: Quando no peito do poeta o passarinho cansado do seu canto pressente a vertigem do esquecimento a esperança vira saudade as luzes do poema sangram: no breu a entrelinha chora em línguas estrangeiras palavras infinitas da cacofonia a palavra fogo se materializa o canto do passarinho arde: das cinzas nasce uma flor de onde se abre um novo passarinho de cujo canto tudo se reinventa. O poeta acorda no meio do ninho sem que a faca desconfie que quando a manhã nasce é ela que gorjeia: num momento de desassossego olha a pureza no coração do poeta: um sonho maduro. (O outro quando dormiu numa fruteira sonhou fome) * O resto é a luz (sol) que guarda no orvalho o segredo da conquista do fogo .................................................... a casa – como vês – sugada pelo céu sobrevoa a tarde já torta nos telhados da Malanga enquanto isso as suas raízes tremendas penetram o futuro onde vestido de homem aguardo vez na paisagem e ali onde eu era uma sombra torta nasce um boi alado à frente da carroça! Transmuto-me em flor na memória. FIM

Page 94: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

94

Page 95: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

95

SANGARE OKAPI Bacharel em Ensino de Português. Membro efetivo e de direção da Associação dos Escritores Moçambicanos. Poeta. Publicou, em 2005, ―Inventário de Angústias ou Apoetose do Nada‖ e em 2007 ―Mesmos Barcos ou Poemas de Revisitação do Corpo‖. Está representado na revista brasileira ―Poesia Sempre‖ (2007). Co-produziu e encenou a peça ―Pereto de Onti‖, distinguida com mérito no Festival Regional de Teatro Amador Zona Sul, organizado pela Casa da Cultura do Alto-Maé (1996). Em 2007, participou, em representação de Moçambique, no XII Festival de Poesia de Havana, dedicado a África e Caraíbas. Prêmio Revelação de Poesia AEMO/ICA (2004) e Menção Honrosa do Prêmio Revelação Rui de Noronha/FUNDAC (2002). Foto de Aurélio Furdela.

Page 96: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

96

Bêbado de sal e sol. Absorto, como uma vela amarrada ao vento Bêbado de sal e sol. Absorto, como uma vela amarrada ao vento, tropeço nos cacos rubis que das índias sobram no chão e vazio de mar e búzios na garganta

alguma canção mo nó to na reinvento de longe. Peregrino das redes os barcos contemplo, entontecido pelo cheiro nauseabundo do peixe esfumado, que se levanta pelo litoral.

Page 97: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

97

Vontade de mar na língua Vontade de mar na língua, argila, ilha... Nu e vazio regresso pelo túnel da memória (alguma rede ou algum anzol do chão cavado)! Que recordações para o futuro!... Ancorado na distância, agora acredito que só o tempo é Allah, o grande...

Oh! Aqui não há cais que aporte este caos de viver sempre na nostalgia!

Page 98: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

98

Fortaleza Para G. S. Tijolo cremado de sol vem o vento com sal ao mar dizer baixinho poesia, concha que na noite sentinela jaz com baluartes, ameaçando o luar.

Page 99: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

99

Língua: ilha ou corpo? Para V. L. com o mar. A língua é o pão que fermento os dias todos. Com ela (re)invento, meço outros ângulos do sentimento. Sílaba a sílaba. rebusco outro sentimento, alguma coisa adjacente e a emoção que não míngua, por isso, nela. Eis o que sou: ilha ou corpo cercado de gente por todos os lados.

Page 100: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

100

Mossuril mínima elegia ao R. K. Fechada toda de agrura, alguma amargura em si trancada, todo o amor e mar é sal e lágrima no poema.

Page 101: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

101

Vulva uva Ao Guita Jr. à pretexto de Vilankhulo by Night nenhum som me é oco. Todo o fonema nele contido sabe a coco, lanho, que no escroto se faz sura. Ó, minha vulva uva, no ângulo da noite!

Page 102: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

102

Cardume de beijos Teu corpo tem litoral e mangal. A brisa, que da boca escapa alguma linhagem marinha e oral, me devolve o cardume de beijos.

Page 103: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

103

Não sei que manifesta sensação se me apodera, agora Não sei que manifesta sensação se me apodera, agora. Falta o fogo que queima. O lume que aquece. O calor. Contudo, gosto desta forma natural da água à nossa volta, ver crescer até tarde. De outra forma, não poderia viver. Por isso, reinvento-te no meu poema como em Gizé, o antílope na argila. E não me canso. Repito, apenas: esquece o tempo. O tempo. A razão. Apaga a cicatriz na epiderme e um escorpião com os dentes esmaga. Leva na boca, ensangüentada, uma alga verde, verde o sonho da criança que não sonhou para viver. Como um barco, sem porto, eriça sensível vela do corpo e, frágil, o coração nos sirva de bússola:

os remos dispensa, temos as mãos

para a navegação.

Page 104: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

104

Page 105: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

105

TÂNIA TOMÉ Tânia Tomé (www.taniatome.com), de 29 anos é de Moçambique, é cantora, compositora, poetisa, declamadora e apresentadora de espectáculos e televisão. Licenciada em Economia, e pós-graduada em Auditoria e Controle Gestão, exerce atualmente a sua função de chefe de crédito e mitigação de riscos em instituição financeira. Produziu e realizou o primeiro DVD de poesia em Moçambique. Criou e fundou o conceito e movimento denominado Showesia- espectáculo de poesia (www.showesia.com) É presidente da Associação Showesia com objetivos culturais e de caráter sócio-humanitário, e diretora do Festival Internacional Showesia. Representou Moçambique e os Países de Expressão Portuguesa no Festival Internacional Poetry Africa em 2009, Festival Cup Of Cultures 2010 (Alemanha Berlin), Festival SADC (Botwana), Festival Medellin (Colômbia), entre outros variados festivais. Conta já com vários prêmios internacionais, com destaque para Prêmio Acadêmico da Fundação Mário Soares (presidente de Portugal), Prêmio Festival da Canção (Porto, Portugal), Prêmio Soundcity Music Award (África), Prêmio de Música da Organização Mundial de Saúde, Prêmio de Poesia Millenium Bim. Lançou em Maio de 2010 em Moçambique seu livro de poesia ―Agarra-me o Sol por Trás‖, que é uma das referências bibliográficas da Pós-graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Finais de 2010 a editora brasileira Escrituras lançou o livro ―Agarra-me o Sol por trás (e outros escritos & melodias)‖ com prefácio do Brasileiro Floriano Martins e pintura de Eduardo Eloy. Faz parte da Antologia World Poetry Almanac 2009 (com 190 poetas do mundo oriundos de 100 países) representando Moçambique e os Palop, e faz parte da Antologia THE BILINGUAL ANTHOLOGY ON AFRICAN POETRY EM CHINES, lançada em Shangai, China. Participa do primeiro ano de comemoração de Celebração da Língua e Cultura Portuguesa da CPLP em Moçambique, ao lado de Mia Couto e Calane da Silva. É membro da Associação dos Escritores Moçambicanos, da Associação dos Músicos Moçambicanos, da Associação dos Poetas del Mundo e membro correspondente da Academia Rio-Grandina de Letras do Brasil.

Page 106: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

106

Sonhamando

No osso das palavras tem loucos multiplicando as janelas E eu engoli um piano E dentro de mim cantam lírios E a aurora borbulha violenta E espalha-se pelos meus nervos Ai que sabor doce amargo tão estranho, Ahyoeh!

Digito inteiro o som das rosas e onde sou vermelha uma asa cede-me a loucura e a noite me engole nesse desespero alucinante amplio-me sou última gota no teu corpo de vinho Ahyoeh!

E quantas bocas me pertencem? Quantos rios me atravessam? Quantos olhos navego? E onde estou eu, nas partes todas de mim? E com qual delas te amo? No revérbero da guitarra de Baden Powel? E quantas vezes te amo na metade de mim? E quantas vezes te bebi neste poema que ainda não escrevi? Ahyoeh!

Oh amor engoli-te um piano e nasceu-me uma aurora bem na rosácea deste poema Exactamente aqui, nesta sílaba, agorinha mesmo, onde suo enluarada um saxofone prende-se à minha garganta Ahyoeh!

Respiro Coltrane na minha cama Nua e sem pétalas, nua de mim, ou de nós, amor, diz-me onde cabem os ossos das palavras que te dou? Onde cabem as duas corcundas de mel que me descubro nos teus olhos, nas tuas mãos que me embriagam do cóccix ao céu? Onde cabem amor? Onde cabem? Onde? Ahyoeh!

Page 107: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

107

Showesia - poema vivo Queda-se o corpo neste poema Uma entrega, entrega-se toda com um desígnio imenso da semente na flor despindo os versos um a um no centro deste poema E onde o som nasce, cresce uma palavra devorando lentamente as metáforas num gesto iniciado de luz e vida Existe um tortuoso labirinto por entre as sílabas cheio de lustre por onde brotam os rios e os lábios no mesmo momento de partida Amá-las bem depressa, bem devagarinho deve ser o caminho E a pontuação se eleva na subtileza dos versos, da métrica, da rima, no âmago do silêncio E há um desejo insano de desfigurar a branca página, Com cor do olhar que percorre intenso para o outro lado do espelho onde o mundo acontece sua estrela bailante E dentro das palavras há melodia, dependurando-se sobre as arestas do verso e dançando os murmúrios constantes do voo das aves E o poema ganha rosto: uma árvore cheia de cabelos ao vento como teias da aranha, onde nos pés das raízes habitam os sarcófagos diversos no húmus da loucura E onde as mãos de asas são janelas, por onde as pupilas escancaram o mundo entre os dedos

Page 108: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

108

Selvame Estrelas no chão deitadas de ventre Rio incestuoso onde a noite tem caroço Incêndios Não me salves, selva-me!

Page 109: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

109

Rio Me ancoraste exactamente aqui onde te rio. Ri comigo meu amor, vê como se amplia o cais.

Page 110: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

110

Abismo sol adentro Agarra-me o sol por trás. Escuta no vento a tua mão secreta.

Page 111: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

111

Húmus Por sobre a paisagem macua da infância um beijo vagaroso encaracola a memória.

Page 112: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

112

Meu Moçambique Minha África suburbana. Eu sei-me Moçambique, cisterna no pecúlio dos deuses. Um Zambeze inteiro escala a língua escorre-me pelas pernas ramifica nos canhoneiros, laça os peixes inquietos nas sementes engolfa-se nos mpipis bêbados nas timbilas. Eu sei-me Moçambique, no cume das árvores, na sede incontinente da minha falange, do Rovuma ao Incomati, no xigubo terrestre dos pés descalços e em todos os tambores que surdem das mãos coloridas nos braços em chaga.

Page 113: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

113

Entrevista: Domi Chirongo Ricardo Riso – O que é a poesia para você? Domi Chirongo – Hoje ocorre-me dizer que poesia é o diálogo mais íntimo traduzido na palavra. É estética, mas também temática. É arte do coração que transcende a razão. É ascensão para o estágio da liberdade. É o mais erudito desafio a morte. Acho que é isso. RR – Como se dá a criação poética em você? Domi Chirongo – A criação poética nasce em mim a partir das vivências que vou tendo no quotidiano, associado a alguns momentos marcantes das histórias que leio ou oiço dos outros, principalmente dos habitantes do meu meio circundante. Na verdade, acho que ela brota naturalmente e me obriga a registá-la. RR – Como foi o seu primeiro contato com a literatura? Domi Chirongo – Foi através do canto. Em menino o meu desejo foi sempre escrever letras que fossem entoadas, cantadas e actuassem no povo ao qual estava (e estou) inserido. Como o passar do tempo comecei a ser confrontado com outras realidades e quando dei por mim já estava nas leituras e na poesia! Portanto, respondendo directamente a sua pergunta, diria que o meu primeiro contacto foi harmonioso, ritmado e melódico. E é por isso que ainda estou na poesia e espero estar para sempre. RR – Quais escritores influenciaram a sua formação e como esses escritores o motivaram a escrever? Domi Chirongo – Há tantos. Neste momento lembro-me, por exemplo, de Langston Hughes, Claude Mckay, Alice Walker, Maya Angelou, Paul Laurence Dunbar, Léopold Sédar Senghor, Aimé Césaire, Léon Damas, Pablo Neruda, Carlos Drummond de Andrade, Fernando Pessoa, T.S. Eliot, Victor Hugo, etc. Esses escritores motivaram-me a escrever, pois a dado passo comecei a notar a falta de qualquer coisa. Um certo vazio. Não sei bem qual, mas me achava escolhido para preencher esse vazio. Penso que isso foi decisivo e crucial para me incentivar a continuar a escrever. RR – Como é a relação da sua geração com as gerações de escritores anteriores, como Charrua, assim como nomes históricos que participaram do processo de independência do país? Domi Chirongo – A relação é boa e salutar. Comungamos os mesmos espaços literários e há respeito e consideração. E mais, alguns de nós somos literalmente filhos dessas figuras históricas que participaram do processo da independência de Moçambique. Se há brigas? Sim, às vezes há, mas domésticas. De família literária moçambicana. RR – Como o senhor percebe o panorama literário moçambicano contemporâneo, considerando novos aspectos estético-formais e inovações temáticas em diálogo ou em confronto com a tradição literária do país, aqui me referindo a nomes como José Craveirinha, Rui Knopfli, Mia Couto, Luís Carlos Patraquim e Eduardo White?

Page 114: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

114

Domi Chirongo – O panorama literário moçambicano contemporâneo está a acontecer com maior riqueza em termos estético-formais, pois verifica-se maior versatilidade nesse âmbito, e o mesmo sucede na temática. Em outras palavras, hoje encontramos escritores que aceitam e dialogam com a tradição literária, outros olham para ela e rejeitam-na e há ainda os que simplesmente a ignoram! Interessante este tempo de Moçambique actual! Contudo, tenho a percepção que a poesia performativa tem maior domínio no espaço moçambicano, evidenciando temas nas áreas de direitos humanos, democracia, paz, amor, luta, luto, justiça, nacionalismo, entre outros. RR – Hoje é mais fácil fazer literatura em Moçambique? Como o senhor percebe o mercado editorial e a formação de um público-leitor? Domi Chirongo – Acho ser mais difícil! Hoje o custo de vida está elevadíssimo para muitos e poucos têm acesso a recursos. E esses poucos, por sinal alfabetizados, têm muito pouco interesse pela literatura por várias razões. Uma delas prende-se com a ideia segundo a qual "a literatura não dá dinheiro"! Dai termos um mercado editorial afectado e fragilizado, comparativamente a outros países. Em consequência, é quase heresia falar em público-leitor em Moçambique! Há instantes em que tenho a sensação de haver mais escritores que leitores da literatura moçambicana. A sério. RR – Como o senhor sente a relação entre os países de língua portuguesa, tanto no plano de política cultural entre os governos quanto no plano literário por parte dos escritores e pesquisadores? Domi Chirongo – Quanto à política cultural dos países de língua oficial portuguesa, se há alguma, não se entende e não se sente. Entretanto, a relação no plano literário por parte dos escritores e pesquisadores é boa, mas poderia ser melhor se houvesse mais apoios de entidades competentes. RR – Para finalizar, uma mensagem para o público brasileiro e espaço livre para suas considerações finais. Domi Chirongo – Para finalizar gostaria de deixar o meu apreço e Khanimambo ao povo brasileiro pelo estabelecimento da ponte da solidariedade afectuosa. O meu singelo apelo para o consumo da novíssima poesia moçambicana, pois é maning nice.

Page 115: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

115

ILUSTRAÇÕES DE João Paulo Quehá João Paulo Quehá. Nasceu em Maputo no ano de 1975. Iniciou a carreira artística em 1991 no atelier do pintor Tinga. Concluiu o 5º ano de Gráficas na Escola de Artes Visuais em 1998. Participou de diversas exposições coletivas de pintura em Moçambique e na Suíça. Tem obras em coleções particulares em Moçambique e outros nove países. Prêmios: 1º Prêmio de Pintura no Concurso Descoberta; 2º Prêmio de Pintura no concurso Instituto Camões; Menção honrosa no MUSART; 1º Prêmio no Concurso Reconstrução no MUSART.

FOTOGRAFIAS DE: Tomás Cumbana

Tomás Cumbana. Nascido em Maputo, Moçambique, onde vive e trabalha como fotógrafo freelancer, fez o curso de fotografia no Centro de Documentação e Formação Fotográfica em Maputo, quando trabalhava como impressor fotográfico no mini laboratório a cores na mesma cidade, no início foi atraído para fotográfica pela fotografia artística, que o levou a várias experiências do trabalho de gênero. Como impressor fotográfico processou (revelou e imprimiu) trabalhos de vários fotógrafos de renomes nacionais e estrangeiros, fato que lhe conferiu uma visão ampla de fotografia.

Assuntos contemporâneos que afetam o mundo, a forma como soluciona-los e o que o concentra nos seus trabalhos actualmente, alargando mais os meios que usa para o vídeo. Já expôs em Moçambique e fora, e os seus trabalhos são publicados em jornais e revistas pelo mundo. O seu trabalho pode ser visto no www.tomascumbana.com

Page 116: antologia da novíssima poesia moçambicanaafricaeafricanidades.net/documentos/ANTOLOGIA_MOCAMBIQUE.pdfaté o sangue irrigar a tempestade na alma. Sente. Estás a sentir? Agora? O

Revista África e Africanidades - Ano IV - n. 14 – Agosto 2011 – ISSN 1983-2354

116

ORGANIZADOR Ricardo Riso Ricardo Riso é o pseudônimo de Ricardo Silva Ramos de Souza, nascido a 10/04/1974, no Rio de Janeiro – Brasil, graduado em Letras pela Universidade Estácio de Sá; concluiu (ouvinte) a pós-graduação lato sensu em História, Cultura e Literaturas Africanas e Afro- brasileiras da Universidade Castelo Branco; colaborador da seção de crítica literária do periódico científico ―África e Africanidades‖ – www.africaeafricanidades.com.br – (ISSN 1983-2354); autor do blog ―Riso – Sonhos não envelhecem‖ – http://ricardoriso.blogspot.com. Desde outubro de 2009 colabora com resenhas literárias para o semanário cabo-verdiano ―A Nação‖; é titular da coluna ―LiterÁfricas‖ - http://literaciaricardoriso.blogspot.com/, de ―Literacia Revista Cultural‖ – ttp://www.aliteracia.blogspot.com/. Organizou ―Cabo Verde: Antologia de Poesia Contemporânea‖ com a participação de treze poetas cabo-verdianos e publicada na Revista ―África e Africanidades‖, nº 13 – Maio/2011, Ano IV. Para além da atividade crítica, preocupa-se com o acesso do público brasileiro aos livros dos autores africanos de língua portuguesa. Dentro desse objetivo, concretizou parcerias com as editoras Artiletra (Cabo Verde), União dos Escritores Angolanos e escritores como António de Névada (Cabo Verde) e Zaida Sanches (Cabo Verde), e hoje seus livros são encontrados para venda na Kitabu – Livraria Negra, no Rio de Janeiro. Na mesma livraria, organizou lançamentos de livros de João Tala (Angola) e Tânia Tomé (Moçambique). Fez texto de aba de capa de ―Li Cores & Ad Vinhos‖, livro de poesia do cabo-verdiano Filinto Elísio publicado pela Letras Várias (Lisboa, Portugal) em 2009; Prefácio de ―Contos de Basileia‖, livro de contos do cabo-verdiano Tchalé Figueira publicado pela Dada Editora (Praia, Cabo Verde) em 2011; Texto de contracapa de ―Midju di Fogo – Azágua e outras memórias de Cabo Verde‖, livro de poesia infanto-juvenil do cabo-verdiano Pedro Matos publicado pela Nandyala Editora (Belo Horizonte, Brasil) em 2011; e Prefácio de ―As Mãos do Tempo‖, livro de poesia do angolano Nok Nogueira a ser publicado pela União dos Escritores Angolanos (Luanda, Angola) em 2011. Na área de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa apresentou comunicações em congressos e seminários, e ministrou palestras em instituições como UFRJ, UNESA, FERLAGOS e Colégio Pedro II. E-mail: [email protected]