antes de se falar em ressocialização - uma leitura heterogenea da pena em tempos de...

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1 ANTES DE SE FALAR EM RESSOCIALIZAÇÃO – UMA LEITURA HETEROGENEA DA PENA EM TEMPOS DE HIPERNORMATIVIZAÇÃO Werther Ramalho 1 O Direito Penal, entrando em uma fase dogmática no final do século XIX, foi edificado sobre uma panacéia no seu sentido tradicional de cura para todos os males que pretendia conciliar programas criminalizadores com fins absolutamente diversos e sob premissas igualmente distintas. Dessa forma um retribucionismo ético sobre bases naturais ou contratuais passou a conviver com teorias utilitaristas orientadas à instrumentalização do homem para um fim de prevenção de novos delitos e de afirmação dos valores protegidos pelas normas; pensamentos vinculados à melhora do apenado fundados em um determinismo sociológico ou biológico; e ainda toda sorte de influências produzidas pelas escolas antropológicas e sociológicas que buscaram oferecer leituras do homem em suas relações. 2 Não faltaram vozes, sobretudo, no início, vinculadas às teorias da ressocialização, que pugnaram por uma ação política que buscasse compreender a ação criminosa, primeiro através de uma etiologia do criminoso, depois trazendo para essa análise um exame do meio social e seus desarranjos, e por último voltando-se para si, por meio de uma crítica ao programa criminalizador. Ainda assim, hoje, pelo menos através de um discurso eclético o Direito Penal pretende se afirmar como uma última medida de intervenção em conflitos não solucionados por vias diversas. Aqui penso haver uma rota de colisão: o Direito Penal como falência da resolução por meios adequados diversos nunca poderá assim se apresentar como meio também adequado. Essa leitura possui uma roupagem pessimista para aqueles que pretendem descrever um sistema todo harmônico, porém, ela fará possível desenvolver uma série de leituras. 3 O problema é agravado na medida em que muitos dos primeiros pensadores das teorias da ressocialização desenvolveram seus trabalhos a partir de recortes delituosos menores. Crimes contra a vida e propriedade através de intervenções positivas em concursos causais compõem a grande maioria dessas ações. Em menor grau, igualmente, eram situados os delitos de comportamento, refratando conduções de vidas indesejadas por aqueles que monopolizavam o controle do poder punitivo. Teóricos da escola clássica igualmente descreviam essa realidade, muitas vezes, como Beccaria, oferecendo soluções diversas para crimes contra a autoridade política e a ordem do estado. O que se pretende dizer é que nem mesmo os grandes teóricos de outrora tinham a pretensão de desenvolver uma ordem normativa que buscasse adequar um sem número de realidades sob o mesmo fundamento.

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Artigo - Mestrado - Direito Penal UERJ

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    ANTES DE SE FALAR EM RESSOCIALIZAO UMA

    LEITURA HETEROGENEA DA PENA EM TEMPOS DE

    HIPERNORMATIVIZAO

    Werther Ramalho

    1 O Direito Penal, entrando em uma fase dogmtica no final do sculo XIX, foi edificado sobre

    uma panacia no seu sentido tradicional de cura para todos os males que pretendia conciliar

    programas criminalizadores com fins absolutamente diversos e sob premissas igualmente distintas.

    Dessa forma um retribucionismo tico sobre bases naturais ou contratuais passou a conviver com

    teorias utilitaristas orientadas instrumentalizao do homem para um fim de preveno de novos

    delitos e de afirmao dos valores protegidos pelas normas; pensamentos vinculados melhora do

    apenado fundados em um determinismo sociolgico ou biolgico; e ainda toda sorte de influncias

    produzidas pelas escolas antropolgicas e sociolgicas que buscaram oferecer leituras do homem em

    suas relaes.

    2 No faltaram vozes, sobretudo, no incio, vinculadas s teorias da ressocializao, que

    pugnaram por uma ao poltica que buscasse compreender a ao criminosa, primeiro atravs de

    uma etiologia do criminoso, depois trazendo para essa anlise um exame do meio social e seus

    desarranjos, e por ltimo voltando-se para si, por meio de uma crtica ao programa criminalizador. Ainda

    assim, hoje, pelo menos atravs de um discurso ecltico o Direito Penal pretende se afirmar como uma

    ltima medida de interveno em conflitos no solucionados por vias diversas. Aqui penso haver uma

    rota de coliso: o Direito Penal como falncia da resoluo por meios adequados diversos nunca poder

    assim se apresentar como meio tambm adequado. Essa leitura possui uma roupagem pessimista para

    aqueles que pretendem descrever um sistema todo harmnico, porm, ela far possvel desenvolver

    uma srie de leituras.

    3 O problema agravado na medida em que muitos dos primeiros pensadores das teorias

    da ressocializao desenvolveram seus trabalhos a partir de recortes delituosos menores. Crimes

    contra a vida e propriedade atravs de intervenes positivas em concursos causais compem a grande

    maioria dessas aes. Em menor grau, igualmente, eram situados os delitos de comportamento,

    refratando condues de vidas indesejadas por aqueles que monopolizavam o controle do poder

    punitivo. Tericos da escola clssica igualmente descreviam essa realidade, muitas vezes, como

    Beccaria, oferecendo solues diversas para crimes contra a autoridade poltica e a ordem do estado.

    O que se pretende dizer que nem mesmo os grandes tericos de outrora tinham a pretenso de

    desenvolver uma ordem normativa que buscasse adequar um sem nmero de realidades sob o mesmo

    fundamento.

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    4 O Direito Penal contemporneo encontra semelhana com a gravura de Orfeu pintada por

    Cesare Gennari no sculo XVII, reproduzindo um homem com o torso nu segurando um violino

    instrumento no inventado antes do sculo XVI. Esse anacronismo representa em parte o estado de

    conformao terica que engessou por muito tempo a doutrina, que sob bandeiras eclticas, edificou

    conceitos que pretendiam se adequar a todas as realidades, demonstramos que no fomos capazes

    de no fugir de solues homogeneizadoras por puro apego s tradies e continuidades do passado,

    inclusive contra ele mesmo, sendo evidente o protagonismo dos diversos sistemas jurdicos no

    estatais para a resoluo de seus conflitos.

    5 Exemplos no faltam quando pensamos nos elementos que compe a teoria geral do delito.

    A ideia de ofensividade, de remisso inevitvel a John Stuart Mill, pouco influenciou os legisladores do

    common law, sobretudo se pensarmos no contedo de inmeras ofensas criminais existentes nessas

    realidades, porm, a teoria do bem jurdico, em sentido contrrio, pretendeu sob esse mesmo postulado

    oferecer um substrato comum que pudesse limitar a atividade legiferante, Nesse caminho, a ideia de

    ofensividade originalmente fundada em realidades tangveis quando no mesmo concreta

    despersonalizada e idealizada e trazida para outros planos. Nesse domnio, os crimes de perigo,

    sobretudo os de perigo abstrato, mais foram capazes de fundamentar novas criminalizaes do que

    limitar as ento existentes, reproduzindo o mesmo curso de apropriao que a ideia de bem jurdico de

    Birnbaum tomou. Hoje, a criao de bens jurdicos ad hoc, como idealizaes transpessoais, segue um

    rumo fundamentador de qualquer violao a esta entidade abstrata, mesmo considerando os esforos

    das teorias monistas-pessoais do bem jurdico de exigir uma referncia destas tutelas ao indivduo.

    simples: no h nada em toda a experincia humana que no nos diga respeito. O apelo ao estado e

    a qualquer estrutura sempre encontrar uma referibilidade ainda que indireta no indivduo.

    6 Esse problema no passou despercebido por parte da atual doutrina, que reformando as

    atuais construes ou sugerindo alternativas, colocou o problema sob um novo ponto de vista. Hoje o

    que se fala em estrutura do delito no pretende reduzir as mais diversas realidades sob uma s tcnica

    de criminalizao, nem mesmo sequer capaz de definir um s modelo de categorizao destas

    estruturas. Delitos contra interesses individuais, fundados em uma dogmtica inicialmente preocupada

    em trabalhar com o paradigma do homicdio consumado de autoria unilateral, no mais serviro de

    parmetros para configurar programas de defesa de interesses coletivos. Entre essas estruturas, a

    figura dos delitos por acumulao evidenciar a busca por autonomia do Direito Penal Ambiental.

    Igualmente um Direito Penal Econmico repensar suas bases, sobretudo em se buscar uma nova

    teoria da distino entre autores e partcipes com fins combativos de poltica criminal.

    7 A teoria do bem jurdico, to colocada em cheque por parte considervel dos juristas

    nacionais e estrangeiros no desaparecer, nem mesmo a sua finalidade de conter os excessos

    irracionais do legislador. Contudo sua construo encontrar dificuldades para se adequar s prxis

    penais admitidas pelos seus prprios defensores. A criminalizao de tabus e sentimentos se revelar

    em tipos penais distantes daqueles que inicialmente os tericos pretendiam deslegitimar. Mais do que

    isso adquiriro abstrao a ponto que confiana, ordem pblica, administrao pblica,

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    administrao da justia, e em alguns casos at o meio ambiente contero tipos que nada mais

    protegero do que sentimentos, orientados nas respectivas direes.

    8 Ainda assim, a teoria do bem jurdico o meu wishfull thinking, minha ntima torcida contra

    programas que pretendem trazer para o Direito Penal situaes escancaradas de apropriao particular

    do poder pblico. Um estado que se sente confortvel para criminalizar marketing de emboscada

    durante uma competio desportiva, aos meus olhos, capaz de criminalizar qualquer ao, estado ou

    condio. uma mensagem evidente ou pelo menos uma leitura do que o legislativo realmente pensa

    da utilidade do Direito Penal para a sociedade.

    9 Retornando a falta de identidade e um common ground para os mais diversos tipos penais

    hoje existentes, uma leitura comparada das chamadas partes especiais de cdigos atuais e

    oitocentistas reveladora no apenas do processo de expanso do Direito Penal como tambm de

    descolamento da realidade dos homens em sociedade. Normas com destinatrios especficos fazem

    pouco sentido para destinatrios eventuais. A existncia de normas penais em branco em srie e

    elementos normativos absolutamente abertos, muitas vezes fazendo remisses indiretas para corpos

    de normas complexos, mediante o uso de singelos vocbulos como indevidamente ou em

    desacordo, tornam a atividade de viver em sociedade muito mais complexa do que se poderia imaginar

    os napolenicos que traduziam tudo em deveres cvicos. No se faz essa crtica necessariamente

    buscando uma retomada a um Direito Penal nuclear, que quando muito fugia para a tutela dos sistemas

    de transporte, ao prescrever a criminalizao de danificao ou obstruo de linhas frreas. O Direito

    Penal no apenas um nomine assim como as penas no so apenas aquelas estatalmente

    cominadas. Um Direito Administrativo sancionador, adotando prticas penais sem as devidas garantias,

    sob a promessa de oferecer uma alternativa ao estigma da sano penal nada mais faz do que jogar

    com os seus prprios significados, sem se traduzir em uma conquista para quem se encontra dentro

    desse horizonte.

    10 Alis, o Direito Penal mais parece engessado e incapaz de fugir de uma perspectiva de

    controle social para alm das ideias de prmio e sano. No processo legislativo, ao ser incapaz de se

    pensar em um modelo que premiasse todos aqueles que no cometessem crimes, a sano

    estabelecida como medida de controle por excelncia; na execuo penal, um cdigo de condutas

    imposto cominando sanes para as suas eventuais violaes, porm, de forma concomitante, h

    tambm o aparecimento da figura do prmio em todos os institutos que dialogam com o tempo da pena.

    Estas duas figuras se combinam em institutos despenalizadores que sob a ameaa de fazer voltar um

    mal, confere uma vantagem de incio, sob termos especficos.

    11 No h aqui propriamente uma crtica ao inevitvel uso dessas formas de controle ou

    persuaso. Porm, penso que estas atividades no podem apenas assim ser estabelecidas e muitas

    so as razes que me leva a pensar de forma diversa. Uma psicologia aplicada na forma da psicologia

    social e da pedagogia tem ao longo de um tempo considervel procurado fugir de formas puramente

    retributivas e buscado efetivamente trazer novos elementos para o exame dessas relaes. O dilogo,

    a compreenso da realidade alheia, seus motivos e suas ambies, as contingncias sociais, a

    demonstrao da existncia do outro e de sua dignidade, do sofrimento causado ou do prejuzo para

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    uma coletividade, tudo isso deveria ser trazido para dentro da execuo da pena. No mesmo sentido,

    a doutrina do soft power das relaes internacionais aponta para a necessidade de fazer-se como

    exemplo e buscar em si, naquilo que se aproxima daquele que visto como subjugado, para assim o

    faze-lo integrar efetivamente a mesma realidade. Felizmente existem bons trabalhos acerca do

    rendimento dessas aes comunicacionais no Direito Penal, ainda que este ponto no seja

    tradicionalmente trazido por parte considervel da doutrina tradicional. Contudo, aqui remetendo aos

    pontos anteriores, valido lembrar no existir soluo de homogeneidade na medida em que cada

    conflito possui o seu prprio contexto, e este irreproduzvel e irrepetvel.

    12 Esse processo de desprezo tambm visto em etapas anteriores ao prprio crcere.

    Situao bem comum a despersonalizao do agente que demonstrou ser capaz de cometer um

    crime bastante grave. Muitas das reaes sociais costumam negar a humanidade, demonstrando um

    princpio de justificao para qualquer ao (sempre) excepcional e tambm qualquer abandono de se

    buscar uma melhor compreenso dos fenmenos criminais. O Monstro! Monstro! serve bem a uma

    poltica de deteno de corpos que no nos mostrou capaz de permitir uma sociedade mais livre,

    igualitria e promotora da emancipao do homem.

    13 Esse desprezo s partes que compe o conflito, uns dizem vir da apropriao desse pelo

    Estado, substituindo suas vontades e conferindo a coletividade seu novo status de vtima. Nesse ponto,

    estes interesses passaram a ser vistos como transpessoais, de forma que a norma jurdica no tutela

    especificamente aquela vida violada, mas sim todas as demais existentes, virtualmente submetidas a

    aquela ameaa. Teorias funcionalistas mais extremadas por suas prprias vias deram sequncia a essa

    ordem de pensamento. Um Direito Penal que pretenda, se no se apresentando como soluo (vista

    em um primeiro momento como um contrassenso), ao menos entender melhor toda sorte de conflitos

    submetidos a ele, dever necessariamente retomar a um rumo onde as partes tenham um maior

    protagonismo na resoluo do conflito, seja no seu atuar em juzo, seja na mediao da sano.

    14 Sobre a sano, eu tenho um apreo pela relao entre poder poltico, sistema econmico

    e as estruturas do poder punitivo feitas por Georg Rusche, Otto Kirschheimer, Michel Foucault, entre

    outros, e isso me ajudou a compreender como os diversos sistemas penais foram capazes de

    reproduzir mecanismos penais adequados s suas realidades por mais defeituosos que os fossem.

    Assim possvel compreender como uma ao despenalizadora muitas vezes no se fez necessria

    por uma benesse do legislador ou por um repensar racional sobre algumas de suas polticas

    fundamentadoras. muito feliz a passagem de Zaffaroni para quem cada pas escolhe o nmero de

    presos que quer ter, por revelar esse sentido prtico que a pena tomou.

    15 Como crtica, muito estranho encontrar uma rgua penal puramente fundada no

    paradigma da perda da liberdade, onde realidades absurdamente diferentes so mensuradas na

    mesma medida, ainda que a cominao da pena em um segundo momento se revele diversa. Um ano,

    cinco meses e oito dias, seis anos e sete meses, dezesseis anos e oito meses, toda e qualquer situao

    remetida a uma unidade ideal de tempo, que depois ser convertida em uma execuo humanitria

    orientada a valores ideais de ressocializao. Assim, um homem elegante e bem trajado, usufruturio

    de todo o prestgio social apresentado como algum pacifico de ser ressocializado por meio do

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    aprendizado de uma nova profisso em um ambiente fechado. Pensando em modelos diversos, como

    os sistemas penais majoritariamente fundados em sanes pecunirias, a crtica persiste: o que h

    uma mera converso de uma moeda por outra, talvez mais til para aquela realidade.

    16 O que se pretende aqui fazer no a defesa de um modelo penal com uma funo

    especfica. Um jovem pobre, um homem desempregado no final de seu ciclo laboral e um profissional

    liberal envolvido em um grupo criminoso contra a ordem econmica so pessoas com realidades

    diversas que ao longo de suas vidas estabeleceram relaes absolutamente distintas com o Estado.

    Por que ento nesse exato momento devero ser submetidos ao mesmo tratamento?

    17 Que fique claro: quanto mais livres somos, mais imputveis a ns mesmos so nossas

    aes. O homem que carente de aes positivas do Estado s contou com a sua ausncia quando tem

    sua conduta adequada ao nosso modelo normativo de culpabilidade como juzo de reprovao que

    recai sobre o indivduo comparado com aquele que pela loteria do destino teve a melhor sorte. Ideias

    como co-culpabilidade assim no podem ser descartadas, pelo contrrio. As bases da culpabilidade,

    seguindo as lies de Tangerino, no so to solidas quanto deveriam para admitir tratamentos

    demasiadamente homogneos entre homens oriundos de circunstncias de vida to diversas.

    18 Contudo, tal reflexo no nos conduz necessidade do Direito Penal inverter essa chave

    na persecuo de um modelo de controle social que converta o dficit de polticas sociais em uma

    tutela penal de combate da criminalidade oriunda dos seguimentos sociais mais favorecidos. Esse

    fenmeno poltico encontrou uma feliz definio em Nilo Batista que o denominou esquerda punitiva.

    Todas as crticas acima feitas pretenso de oferecer uma resposta pan-penal para fenmenos sociais

    absolutamente distintos se desprezados os rtulos no poderiam militar por tal inverso. No, pelo

    menos sem antes buscar compreend-la.

    19 Assim seguindo, no vejo no Direito Penal uma resposta que traga aos operadores o

    conforto geralmente percebido por aqueles que tm a absoluta convico daquilo o que esto fazendo.

    Duas so as respostas que costumam surgir: uma na qual, a partir da operatividade do sistema penal

    temos necessariamente uma sociedade mais segura, ao afastar do convvio social determinados

    indivduos perigosos; e outra que, limpando a conscincia dos juzes, busca realar os aspectos

    positivos da pena, como uma possvel melhora do apenado atravs da reinsero social. A segunda

    resposta deposita uma confiana cega em uma tcnica de controle social que at ento no apresentou

    resultados satisfatrios como deveria. Repito: uma ultima ratio no costuma se traduzir em uma medida

    adequada para a persecuo de um fim, ainda que teleologicamente seja assim pensada. J a primeira

    passvel de ser contrastada em estudos criminolgicos, porm, em um primeiro momento, ao

    relacionarmos a expanso do processo encarcerador no Brasil com o aumento de certos tipos de

    violncia, no conseguimos sumariamente vislumbrar essa relao, ainda que eventualmente ela

    exista. Cada pas escolhe o nmero de presos que quer ter. Sem compararmos maas com bananas,

    parece que a resposta penal no uma resposta, mas sim um tiro de misericrdia para quem quiser

    pensar em uma poltica social que leve em considerao igualmente as questes rotuladas como penal.

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    20 Nesse ponto assumo uma perspectiva consequencialista diante do Direito Penal. Isto, por

    bvio, sem creditar uma racionalidade mitigadora de garantias penais, uma vez afastada a ideia de

    Direito Penal como medida adequada para perseguir qualquer que seja o fim. Com essa perspectiva

    buscaria expurgar do Direito Penal matrias, que muito embora se adequassem ao horizonte dos

    mandados constitucionais de criminalizao e aos requisitos de uma teoria do bem jurdico, no

    encontrassem em seu seio uma tutela sequer nomevel como satisfatria. Isto significaria que o Direito

    Penal no seria um mecanismo de defesa de tutela de direitos fundamentais por mais que

    subsidiariamente represente esse papel em hipteses extremas. Isto significa tambm um filtro crtico

    a leituras que traduzem dignidade penal em necessidade penal, possuindo um significado poltico-

    criminal importante ao orientar polticas que falseiam a defesa da vida intrauterina quando as mesmas

    e demais padecem de formas ainda mais perigosas. Igual sorte restar configurada quando pretendem

    desenvolver e expandir ainda mais uma tutela penal da sade.

    21 Fazendo todas essas consideraes, buscou-se afastar dois tipos de discursos: as

    formulaes mistas ou eclticas que, sob a escusa de trazer os mais diversos pontos de vista para a

    mesma matria, acabaram produzindo um cardpio mais abrangente de fundamentaes criminais

    para questes que poderiam e deveriam ser pensadas de formas diversas; e as formulaes

    preventivas gerais ou especiais marcadas por um tanto de abstrao, que dada a nossa realidade

    hipernormativa esto fadadas a se tornarem cada vez mais sem sentido.

    22 Assim dizendo, talvez nos falte uma teoria da justia penal que nos ajude a organizar o

    que at aqui foi edificado. Inegavelmente esta no estar dissociada de uma teoria da justia e do

    direito, como tambm no do todo mais produzido pelo homem tanto no campo das cincias humanas

    quanto das cincias naturais. O melhor delimitar desse Direito Penal, contudo, no servir apenas para

    satisfao de ego de seus operadores, afastando para um Direito Administrativo sancionador que

    encampar as mesmas prticas, porm eventualmente poder reconhecer que algumas delas guardem

    uma boa relao de especificidade com a matria.

    23 No fim, contudo, confesso minha ignorncia na medida em que um modelo baseado

    nessas crticas, entre os filtros de conteno e o substrato residual legitimado que ir inevitavelmente

    surgir como consequncia, no encontrar em mim uma soluo precisa na sua definio entre um

    agnosticismo da pena fundado na defectibilidade das prticas desses sistemas de controle e um

    retribucionismo tico legitimador de aes que em ultima ratio se revelaro necessrias.