anotações sobre etnomusicologia carlos sandroni

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ANOTAÇÕES SOBRE ETNOMUSICOLOGIA COMO FOLCLORE E COMO ANTROPOLOGIA 1 Carlos Sandroni UFPE/Pernambuco Resumo: Este trabalho apresenta idéias ainda em esboço sobre relações entre Etnomusicologia e Folclore, e entre ambos e Antropologia. São apresentadas algumas observações históricas sobre o desenvolvimento destas disciplinas no Brasil. A principal sugestão é que há mais continuidades entre Etnomusicologia e Antropologia, por um lado, e Folclore, por outro, do que geralmente se admite. Sugere-se também que não haveria razão para envergonhar-se de tais continuidades. O texto tem caráter exploratório e retoma quase exatamente a leitura realizada no dia 4 de agosto. Palavras-chave: Etnomusicologia; Folclore; Cultura Popular. Na Etnomusicologia, é possível orientar recortes de pesquisa por itens musicais: gêneros musicais, repertórios musicais, práticas ou instrumentos musicais. Isto corresponde à idéia geralmente aceita de que o assunto da Etnomusicologia é a música. Mas existem definições um pouco diferentes, como a de Jeff Todd Titon (1994), segundo a qual o tema da Etnomusicologia são “pessoas fazendo música”. Aqui a ênfase está nas pessoas, e não na música que fazem. Isso nos deixa, mais facilmente, ver na Etnomusicologia uma parte da Antropologia – uma “Antropologia Musical”, como propôs Anthony Seeger (2004). Mas a orientação por itens musicais é dura na queda. Ela volta quando damos importância a saber que música as pessoas estão fazendo. Estudaremos então pessoas fazendo sambas, sonatas ou serenatas. E estes estudos serão organizados socialmente como estudos diferentes, mesmo se descobrirmos, depois, que são as mesmas pessoas que fazem estas diferentes músicas em diferentes momentos ou períodos. Tomando um exemplo do Estado de Pernambuco. A chamada Zona da Mata Norte do Estado vem sendo considerada por muitos como uma região rica em manifestações tradicionais envolvendo música. Alguns estudos, etnomusicológicos ou 1 Trabalho apresentado na 27ª. Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 01 e 04 de agosto de 2010, Belém, Pará, Brasil. 1

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  • ANOTAES SOBRE ETNOMUSICOLOGIA COMO FOLCLORE E COMO

    ANTROPOLOGIA1

    Carlos Sandroni

    UFPE/Pernambuco

    Resumo: Este trabalho apresenta idias ainda em esboo sobre relaes entre

    Etnomusicologia e Folclore, e entre ambos e Antropologia. So apresentadas algumas

    observaes histricas sobre o desenvolvimento destas disciplinas no Brasil. A principal

    sugesto que h mais continuidades entre Etnomusicologia e Antropologia, por um

    lado, e Folclore, por outro, do que geralmente se admite. Sugere-se tambm que no

    haveria razo para envergonhar-se de tais continuidades. O texto tem carter

    exploratrio e retoma quase exatamente a leitura realizada no dia 4 de agosto.

    Palavras-chave: Etnomusicologia; Folclore; Cultura Popular.

    Na Etnomusicologia, possvel orientar recortes de pesquisa por itens musicais:

    gneros musicais, repertrios musicais, prticas ou instrumentos musicais. Isto

    corresponde idia geralmente aceita de que o assunto da Etnomusicologia a msica.

    Mas existem definies um pouco diferentes, como a de Jeff Todd Titon (1994),

    segundo a qual o tema da Etnomusicologia so pessoas fazendo msica. Aqui a

    nfase est nas pessoas, e no na msica que fazem. Isso nos deixa, mais facilmente, ver

    na Etnomusicologia uma parte da Antropologia uma Antropologia Musical, como

    props Anthony Seeger (2004).

    Mas a orientao por itens musicais dura na queda. Ela volta quando damos

    importncia a saber que msica as pessoas esto fazendo. Estudaremos ento pessoas

    fazendo sambas, sonatas ou serenatas. E estes estudos sero organizados socialmente

    como estudos diferentes, mesmo se descobrirmos, depois, que so as mesmas pessoas

    que fazem estas diferentes msicas em diferentes momentos ou perodos.

    Tomando um exemplo do Estado de Pernambuco. A chamada Zona da Mata

    Norte do Estado vem sendo considerada por muitos como uma regio rica em

    manifestaes tradicionais envolvendo msica. Alguns estudos, etnomusicolgicos ou

    1 Trabalho apresentado na 27. Reunio Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 01 e 04 de agosto de 2010, Belm, Par, Brasil.

    1

  • no, vm sendo feitos sobre maracatu-rural, cavalo-marinho, cocos e cabocolinhos desta

    regio. No entanto, comum que as mesmas pessoas que participam ativamente de uma

    das manifestaes citadas, participem tambm de outras delas, s vezes com papel

    proeminente em mais de uma, ou em todas. Estudos focados sobre o cavalo-marinho,

    ou o maracatu rural, ou outros itens musicais (itens no apenas musicais, claro),

    mesmo sendo estudos muito bons, iro possivelmente perder, em sua representao da

    Zona da Mata Norte, algo do que se relaciona com o fato de que podem ser as mesmas

    pessoas que fazem estas diferentes atividades.

    Um exemplo um pouco diferente o do chamado zamb, msica e dana

    praticadas no litoral do Rio Grande do Norte por vrios grupos, entre os quais o de

    Mestre Geraldo. Jaldo Costa, meu orientando de mestrado em Msica na UFPB,

    escolheu este tema para sua dissertao. Mas pouco depois de iniciar a pesquisa,

    percebeu que Mestre Geraldo, alm de zamb, tambm se interessava muito por algo

    que chamava de serenata, um estilo musical romntico e acompanhado por violo,

    que ele tambm pratica com a famlia. Jaldo me perguntou se a dissertao era para ser

    sobre zamb, o item musical, ou sobre o Mestre Geraldo e sua famlia, as pessoas

    fazendo msica; neste ltimo caso, caberia dar uma nfase muito maior serenata.

    Acontece que o zamb, mencionado j por Mrio de Andrade em seu dirio de viagem

    de 1928 (Andrade, 1976), e destacado como atrao turstica, incluindo a gravao de

    um CD no final dos anos 1990, a msica que tende a despertar maior ateno entre as

    cultivadas por Mestre Geraldo tanto a ateno de turistas, como a de instituies

    culturais, como a de pesquisadores e estudantes.

    Estas escolhas de recortes e temas, e os critrios que usamos para faz-las, esto

    relacionadas organizao social do conhecimento e tambm s diferentes agendas de

    pesquisa. Mrio de Andrade, no final dos anos 1920, sai de So Paulo em viagem, mas

    em vez de ir para o Rio de Janeiro, onde estavam se inventando as escolas de samba e se

    gestando o que foi chamado de poca de ouro da msica popular brasileira, vai para o

    Rio Grande do Norte estudar o zamb e assemelhados. bvio que ele perdeu alguma

    coisa com esta opo, mas o que estou querendo sublinhar que uma opo precisou ser

    feita. Oneyda Alvarenga, sua discpula, publica em 1946 um livro chamado Msica

    popular brasileira (Alvarenga, 1982)2. Naquele ano, Noel Rosa j tinha morrido, Ary

    2 Em 1946 o livro saiu no Mxico pela Fondo de Cultura Economica. A primeira edio brasileira de 1950.

    2

  • Barroso j tinha composto Aquarela do Brasil, Pixinguinha, Carinhoso e Caymmi,

    O que que a baiana tem. Mas o livro de Oneyda, apesar do ttulo, s fala de msica

    rural produzida sem mediao de discos. A Musicologia da poca no tinha um lugar

    para o que, mais tarde, nos habituamos a chamar de msica popular brasileira.

    Justamente o fato de que tenhamos chegado a subverter totalmente o sentido do ttulo

    usado por Oneyda Alvarenga, um testemunho da lenta produo social de novos

    recortes e novas agendas de pesquisa.

    Mrio de Andrade e Oneyda Alvarenga no chamavam os estudos que faziam de

    Etnomusicologia, mas de Folclore Musical. Antroplogos brasileiros dos anos 1930 e

    1940, como Artur Ramos e Edison Carneiro, compartilhavam de seu interesse pelo

    folclore, inclusive musical. Mas o final dos aos 1950 viu uma dissociao muito

    acentuada, no Brasil, entre pesquisadores sociais que se interessavam por folclore, e que

    ficaram fora do sistema universitrio (que passava por um perodo de consolidao), e

    aqueles que ficaram dentro do referido sistema e se interessavam por outros aspectos da

    vida social. J foi bem sublinhado o papel de Florestan Fernandes na consolidao de

    um padro de trabalho sociolgico que se fez em parte em conflito com os folcloristas.

    Creio que se chamou menos a ateno para a mesma dissociao no caso da

    antropologia. James Clifford fala da constituio da antropologia como uma negao de

    outras possibilidades de relao no mundo colonial: antroplogos se definiram em

    grande parte por no serem missionrios, no serem funcionrios coloniais, e no

    serem viajantes... (Clifford, 2008) Ao menos no caso brasileiro, talvez coubesse

    acrescentar uma outra definio negativa: Antroplogos se definem por no serem

    folcloristas.

    Continuando o paralelo com James Clifford e tomando cuidado para evitar

    qualquer suspeita de que isso signifique uma censura, bem ao contrrio a gente

    poderia se perguntar: mas ser que no h, mais do que se admite geralmente, pontos

    em comum e continuidades entre antroplogos e folcloristas? Ou ainda: como que

    essa construo, segundo a qual antroplogos e folcloristas so personagens assim to

    radicalmente diferentes, foi tomando corpo e se estabelecendo amplamente?

    O primeiro curso de Etnografia em nvel universitrio acontecido no Brasil foi

    ministrado por Dina Lvi-Strauss, em 1936, sob os auspcios do Departamento de

    Cultura de So Paulo, ento dirigido por Mrio de Andrade. O ento esposo de Dina,

    3

  • Claude, tinha sido contratado pra lecionar na recm-fundada USP, mas sua cadeira no

    era de Antropologia e sim de Sociologia. Aquele pioneiro curso de etnografia esteve

    relacionado com dois desdobramentos importantes: um, a criao da Sociedade de

    Etnografia e Folclore, que existiu at 1939 e foi a primeira associao desse tipo criada

    no Brasil: por assim dizer, uma espcie de ancestral, nem to remoto assim, da ABA. O

    outro desdobramento importante, foi a Misso de Pesquisas Folclricas de 1938, cujo

    lder, o arquiteto Lus Saia, tinha sido aluno de Dina Lvi-Strauss no curso organizado

    pelo Departamento de Cultura.

    Vou citar um trecho do discurso de inaugurao do curso de Etnografia,

    proferido por Mrio de Andrade em 1936:

    O Departamento Municipal de Cultura inicia agora o primeiro de seus cursos

    livres, propondo como objetivo de nossas cogitaes a Cincia da Etnografia.

    No foi ao acaso que escolhemos a Etnografia, ela se imps. Quem quer que,

    mesmo diletantemente como eu, se dedique a estudos etnogrficos e procure na

    bibliografia brasileira o conhecimento da formao cultural do nosso povo,

    muitas vezes desanima pensativo, diante da facilidade, da leviandade detestvel,

    da ausncia muitas vezes total de orientao cientfica, que domina a pseudo-

    etnografia brasileira () Colher, colher cientificamente nossos costumes, nossas

    tradies populares, (...) esta deve ser a palavra de ordem de nossos estudos

    etnogrficos (). (Andrade, 1936)

    A assimilao que se faz a, no meio dos anos 1930, entre folclore e

    conhecimento etnogrfico cientificamente orientado, ficar vigente ainda por uns

    bons 15 ou 20 anos. No caso da Msica, tal assimilao se relaciona, por exemplo, com

    a criao da cadeira de Folclore Musical na ento Universidade do Brasil, no Rio de

    Janeiro. O primeiro ocupante desta cadeira ser Luiz Heitor Corra de Azevedo, graas

    a sua tese sobre msica indgena (Azevedo, 1938), de cuja banca examinadora participa

    Mrio de Andrade.

    Muitos socilogos importantes produzindo nos anos 1950 pesquisaram e

    escreveram sobre folclore. Roger Bastide escreveu sobre cafun, Florestan Fernandes

    escreveu sobre trocinhas do Bom Retiro, Maria Isaura Pereira de Queiroz sobre dana

    4

  • de So Gonalo, Otvio Ianni sobre samba de terreiro em Itu. Dez anos depois, o

    panorama tinha mudado radicalmente. Bastide tinha voltado para a Frana, Florestan e

    seus alunos estavam interessados agora na sociedade de classes que parecia redefinir de

    alto a baixo tudo que se pensava ser a realidade nacional.3

    No caso da Antropologia, embora eu seja muito ignorante sobre a histria da

    constituio da disciplina no Brasil, me chama a ateno a predominncia dos estudos

    de Etnologia Indgena nos anos 1950 e 60. Posso estar enganado, mas entre os pioneiros

    da criao da ABA, o nico que ainda mantinha uma ponte com os estudos de folclore

    era Manuel Digues Jnior. Edison Carneiro, figura de proa na Comisso Nacional de

    Folclore, s vezes se definia como antroplogo, mas seu nome no consta nas primeiras

    diretorias da ABA, e me pergunto se ter sido um associado.

    Como se sabe, Antonio Candido, o grande crtico literrio, teve toda a sua

    formao universitria em Sociologia. J professor de Sociologia na USP, ele decide

    mudar de rea (o que fez no sem dificuldade, incluindo um perodo em que precisou se

    afastar da capital do Estado, indo lecionar literatura num curso muito menos

    prestigiado, na cidade de Assis, no interior de So Paulo). Ele afirma, em depoimento,

    que tal mudana esteve relacionada com a resistncia que sentia no meio acadmico,

    naquele momento, ao tratamento de temas relacionados a formas expressivas ou

    artsticas, como a literatura e a msica, dentro das Cincias Sociais. Relata tambm seu

    primeiro encontro com Roberto Schwarz, que o procurou porque tambm tinha

    estudado sociologia na graduao, tambm queria trabalhar com literatura, e tambm

    descobriu que para fazer isso tinha que sair das Cincias Sociais. O programa posto em

    prtica por Candido e Schwarz nos anos seguintes, ler a sociedade nas suas formas

    expressivas no caso deles, a forma literria similar ao que muitos

    etnomusiclogos tm proposto para o caso da Msica (Souza, 1970; Schwarz, 1987).

    Na virada dos anos 1960, o folclore estava rfo de representao universitria.

    Os socilogos se interessavam por sindicatos e teoria da dependncia; os antroplogos,

    por parentesco e frico intertnica. (Estou simplificando, claro; para dizer se a

    simplificao excessiva, preciso pesquisar um pouco mais, ou ouvir as correes de

    vocs). No campo da Msica, Luiz Heitor Corra de Azevedo tinha sado da UFRJ para

    trabalhar na UNESCO em Paris. O Centro de Pesquisas Folclricas que ele criara,

    3 O caso de Maria Isaura Pereira de Queiroz um tanto diferente, mas sua ltima publicao explicitamente devotada ao folclore de 1958 (Queiroz, 1958).

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  • mesmo mantido heroicamente por Dulce Martins Lamas, definhava como tudo o mais

    na velha Escola de Msica do Passeio Pblico. As outras (poucas) escolas de msica

    existentes em universidades brasileiras estavam, e estariam ainda por um bom tempo,

    surdas para tudo que no fosse tradio erudita ocidental.

    Um marco significativo na melhoria das relaes entre folclore e universidade

    o ano de 1982, quando se inicia a gesto de Llia Coelho Frota frente do ento

    Instituto Nacional de Folclore. Ela convoca para trabalhar na instituio antroplogos

    como Maria Laura Cavalcanti, o saudoso Luiz Rodolfo Vilhena e, no que se refere a

    msica, Elizabeth Travassos. Esta equipe, alm de fazer e orientar novas pesquisas

    sobre cultura popular, vai proceder a uma reavaliao dos estudos folclricos no pas, da

    qual o fruto mais importante o livro de Rodolfo Vilhena, Projeto e misso: o

    Movimento Folclrico Brasileiro, 1947-1964. (Vilhena, 1997)

    Foi neste momento tambm que a Etnomusicologia comeou a aparecer no

    panorama universitrio brasileiro. O primeiro brasileiro a concluir um doutorado em

    Etnomusicologia (na UCLA, em 1981) foi Manuel Veiga, professor da Escola de

    Msica da UFBA. Ele tinha tido formao como pianista de concerto, obtendo um

    Master of Arts pela Julliard em 1961, e relatou em entrevista sua converso

    Etnomusicologia, relacionada sua vivncia da alteridade cultural em Salvador. Em

    1982, Kilza Setti defendeu na USP seu doutorado em Cincias Sociais, sobre a msica

    dos caiaras paulistas, sob orientao do antroplogo Joo Baptista Borges Pereira

    (Setti, 1985). A dissertao de mestrado em Antropologia de Rafael Menezes Bastos, A

    musicolgica Kamayur, tinha sido publicada um pouco antes (Bastos, 1999). Em 1984,

    Jos Jorge de Carvalho e Rita Laura Segato defenderam simultaneamente seus

    respectivos doutorados sobre o xang de Recife, sob orientao do etnomusiclogo

    John Blacking, em Belfast. Antes disso, ambos tinham estado em Caracas na FUNDEF

    dirigida por Isabel Aretz, realizando estudos de Especializaco em Etnomusicologia. (A

    FUNDEF foi, nos anos 1970, talvez a nica possibilidade de formao em

    Etnomusicologia na Amrica do Sul. A sigla quer dizer: Fundao de Etnomusicologia

    e Folclore).

    Desde ento a Etnomusicologia cresceu muito no Brasil, contando desde 2001

    com uma associao cientfica, a ABET, que vai realizar seu quinto encontro bienal aqui

    nesta cidade de Belm, em maio do ano que vem. Neste crescimento, uma parte

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  • importante relacionada com temas e abordagens presentes anteriormente nos estudos

    de folclore. Refiro-me importncia que atribuda, em ambos os casos, a formas de

    expresso como chave para a compreenso de grupos humanos, e vice-versa. Tal

    conexo me parece estar presente mesmo nas vezes em que o folclore invocado como

    uma espcie de espantalho, como aquilo que no se e que no se deve fazer. (Quando

    ouo ou leio este tipo de exorcismo no consigo deixar de pensar em James Clifford e

    nas suas definies negativas). Penso tambm que foi uma ativa participante da

    Comisso Sergipana de Folclore, Beatriz Ges Dantas, que escreveu no incio dos anos

    1980 na Unicamp a dissertao de mestrado em Antropologia Vov nag e papai branco

    (Dantas, 1988). Veio a ser um dos trabalhos mais influentes sobre religies afro-

    brasileiras publicados nos ltimos 30 anos. A traduo em ingls foi publicada em 2009

    (Dantas, 2009).

    Etnomusiclogos brasileiros tem trabalhado extensivamente com temas

    abordados antes por folcloristas. Duas publicaes que vale a pena mencionar so Os

    sons do rosrio, de Glaura Lucas, sobre Congado, e Voices of the Magi, de Suzel Reily,

    sobre Folias de Reis, ambos de 2002. Etnomusiclogos tm dado importncia a acervos

    coletados por folcloristas, como fez Edilberto Fonseca em sua recente tese sobre as

    pesquisas de Joaquim Ribeiro em Januria, e eu prprio sobre o acervo da Misso de

    Pesquisas Folclricas de 1938. No que se refere a tipos de abordagem, me parece que

    etnomusiclogos herdaram de folcloristas um interesse pronunciado pelo que chamei de

    itens culturais, ou formas de expresso, no caso itens e formas envolvendo som

    humanamente organizado (Blacking, 1973). Para voltar ao incio, e para concluir, talvez

    eles estejam estudando nem tanto pessoas fazendo msica, e sim, mais, as msicas

    que as pessoas fazem; e quem sabe at, msicas que fazem as pessoas. Talvez seja s

    uma questo de nfase. Mas ao nos debruar sobre pesquisas de folcloristas,

    etnomusiclogos, e tambm, porque no, de crticos literrios como Antonio Candido e

    Roberto Schwarz, podemos nos dar conta de que abordagens de formas expressivas e de

    itens culturais, ao lado de tantas outras abordagens da cultura popular, pode ter uma

    palavra a dizer. A minha hoje fica por aqui.

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