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ANOTA˙ÕES SOBRE DIREITO PENAL TRIBUT`RIO, PREVIDENCI`RIO E FINANCEIRO

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IAnotações sobre Direito Penal Tributário, Previdenciário e Financeiro

ANOTAÇÕES SOBREDIREITO PENAL

TRIBUTÁRIO,PREVIDENCIÁRIO E

FINANCEIRO

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ANOTAÇÕES SOBREDIREITO PENAL

TRIBUTÁRIO,PREVIDENCIÁRIO E

FINANCEIRO

GEORGE TAVARESAdvogado criminal e professor de Direito Penal da

Faculdade de Direito da UERJKÁTIA TAVARESAdvogada criminal

ALEXANDRE LOPES DE OLIVEIRAAdvogado criminal

Freitas Bastos Editora

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IV George Tavares, Kátia Tavares e Alexandre Lopes de Oliveira

Livraria Freitas Bastos Editora S.A.Av. Londres, 381 CEP 21041-030 Bonsucesso

Rio de Janeiro, RJ telefax (21) 2573-8949e-mail: [email protected]

Copyright © 2002 by George Tavares, Kátia Tavares,Alexandre Lopes de Oliveira

Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei nº 9.610, de 19.2.1998.É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, bem como a produção de apostilas, sem autorização prévia,

por escrito, da Editora.

Direitos exclusivos da edição em língua portuguesa:

Livraria Freitas Bastos Editora S.A.

Editor:Projeto gráfico:

Ger. de produção e capa:Revisão de texto:

Editoração eletrônica:

Isaac D. AbulafiaFreitas Bastos EditoraAmélia BrandãoHélio José da SilvaDi Donato / Bruno Iecker

CATALOGAÇÃO NA FONTE DO DEPARTAMENTO NACIONAL DO LIVRO

T231a Tavares, GeorgeAnotações sobre direito penal tributário,

previdenciário e financeiro / George Tavares, KátiaTavares, Alexandre Lopes de Oliveira. - Rio de Janeiro:Freitas Bastos, 2002.

152p.; 21 cm.

ISBN: 85-353-0244-1

1. Crime fiscal - Brasil. 2. Previdência social -Legislação - Brasil - Disposições. I. Tavares, Kátia. II.Oliveira, Alexandre Lopes. III. Título.

CDD: 345.810233

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VAnotações sobre Direito Penal Tributário, Previdenciário e Financeiro

À memória de Antonio Evaristo de Moraes Filho,que, por seus exemplos, saber jurídico ededicação profissional,muito nos inspirou na elaboração deste livro.

Dedicatória

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VIIAnotações sobre Direito Penal Tributário, Previdenciário e Financeiro

ÍNDICE

Introdução .....................................................................

Responsabilidade penal e denúncias genéricasnos chamados crimes societários ..................................

Art. 25 da Lei nº 7.492/86 .............................................

Prévio exaurimento da via administrativa epropositura da ação penal nos crimes desonegação fiscal ............................................................

Garantias constitucionais. O devido processo legal.Direito subjetivo de pagar o tributo antes dorecebimento da denúncia e ter extinta a punibilidade ...

O art. 83 da Lei nº 9.430/96 – discussão sobre acondição de procedibilidade ..........................................

Tipicidade subjetiva nos crimes de sonegação fiscal ....

A consumação nos crimes de sonegação fiscal ...........

A questão das provas obtidas por meios ilícitos eos crimes contra a ordem tributária ..............................

Apropriação indébita de contribuições previdenciárias.Dificuldades financeiras. Inexigibilidade de condutadiversa. Ausência de animus rem sibi habendi –Breves comentários ao novo art. 168-A do CódigoPenal .............................................................................

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VIII George Tavares, Kátia Tavares e Alexandre Lopes de Oliveira

Aplicação do art. 34 da Lei nº 9.249/95 aos delitosprevidenciários..............................................................

Parcelamento do débito previdenciário .........................

Bibliografia....................................................................

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1Anotações sobre Direito Penal Tributário, Previdenciário e Financeiro

INTRODUÇÃO

ste trabalho é resultado de nossa experiên- cia, decorrente da atividade profissional por nós

exercida na defesa de vários cidadãos que responde-ram a processos na justiça criminal, acusados de prá-tica de delitos econômicos, mais precisamente cri-mes contra os sistemas tributário, previdenciário e fi-nanceiro. São em verdade breves anotações, em quese estuda a posição da doutrina e majoritária da juris-prudência diante do excesso de criminalização, visan-do, através da coerção, intimidar os contribuintes eregular o sistema financeiro nacional.

No apagar de luzes do século XX e início do novomilênio, vem dominando a tendência, em vários paí-ses, de que a tutela e a proteção desses bens e interes-ses jurídicos são reservadas a outros ramos do Direi-to. Somente aqueles bens e interesses jurídicos demaior magnitude ficariam a cargo do Direito Penal.

Daí, decorrem dois princípios estabelecidos peladoutrina hodierna: o princípio da subsidiariedade eo da intervenção mínima do Direito Penal. Issoensejaria a diminuição de figuras penais e a descri-

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2 George Tavares, Kátia Tavares e Alexandre Lopes de Oliveira

minalização das existentes, que não têm eficácia paraa proteção de determinados direitos por serem so-cialmente desnecessárias.

A experiência de quase dois séculos demonstrouque a função do Direito Penal de prevenção da cri-minalidade pela intimidação e recuperação dos cri-minosos fracassou. Principalmente, diante das circuns-tâncias, a intimidação não funciona na sociedade mo-derna.

No Brasil, em face da estrutura social, vem-se atra-vessando, há décadas, inúmeras crises sociopolíti-co-econômicas. Procuramos, em nosso país, buscarmodelos econômicos e nos adaptarmos à chamadaglobalização em que se prioriza um liberalismo deno-minado moderno, em detrimento da justiça social. Onúmero de excluídos, de miseráveis, multiplica-se, enesta política individualista vemos constituir-se a co-biça desenfreada, onde, atingindo todas as camadassociais, vitimando o particular e o público, o pobree o rico, deixa o povo estarrecido. Inspira-nos estasassertivas o ilustre advogado Antônio Cláudio Marizde Oliveira,1 fazendo-as nossas as seguintes palavras:

“Por falta de capacidade para removeras causas de inúmeras violações de di-reito, ou por ser conveniente mantê-las,procura-se a via cômoda e enganosa da

1 In Revista Brasileira de Ciências Criminais, ano 3, n° 11, 1995, p.94, artigo “Reflexões Sobre os Crimes Econômicos”.

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3Anotações sobre Direito Penal Tributário, Previdenciário e Financeiro

lei penal, ao invés de se trilhar o penosocaminho do entulho e do lixo, represen-tado pela má distribuição de rendas, pe-los privilégios, pela corrupção, pela in-sensibilidade criminosa por parte daselites e pelo desprezo da classe política,em geral, pelo bem comum”.

E, especificamente tratando da “ImprocedibilidadePenal do Projeto de Reforma Tributária”, o jurista IvesGandra da Silva Martins2 enfatiza:

“Por isso, em meu livro Teoria da Imposi-ção Tributária defendo a tese de que noBrasil, o tributo é uma norma de rejei-ção social, pois todos nós temos absolu-ta consciência de que pagamos tributospara manter governantes e toda a espé-cie de corrupção que se exala de escân-dalos sucessivos, divulgados pela im-prensa.Por esta razão, nem sempre a sonegaçãono Brasil é dolosa, no mais das vezes sen-do uma imposição da sobrevivência, numpaís em que o Estado tira recursos da so-ciedade por meio de tributos, mas é asociedade que se autopresta serviços pú-blicos, porque o Estado não o faz”.

2 IBCCrim, n° 83, outubro/1999.

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4 George Tavares, Kátia Tavares e Alexandre Lopes de Oliveira

Como se verá nesta nossa singular obra, a Justiçatem reagido, compartilhando com inúmeros dou-trinadores intérpretes destas leis extravagantes dita-das pela política econômica dos governantes, que, defracasso em fracasso, têm ensejado o aumento da mi-séria e da dependência de nosso país ao estrangeiro,daí, as decisões de todos os tribunais impedindo quese transforme nosso regime em um Estado policial-econômico, em que se procura arrecadar, devida ouindevidamente, através da coação, ou manter o siste-ma financeiro debaixo de um excessivo terror.

Depois de afirmar, em entrevista ao Jornal doCommércio,3 que a obrigação tributária, por ser tribu-tária, é de natureza não-criminal, o DesembargadorAlberto Nogueira, Presidente do Tribunal RegionalFederal da 2ª Região (TRF), salienta:

“A regra, hoje, usar a lei penal para exi-gir deveres de cidadania, como são asobrigações tributárias é uma indiscutí-vel perversão, um paradoxo econômicoe social”.

Finalmente, o ilustre magistrado é, também, can-dente, ao afirmar que a situação econômico-financei-ra do País é deformada, no modelo tributário nacio-nal, o que denominou “Frankenstein”, e aduz:

3 Publ. em 5/4/2000, p. 8.

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5Anotações sobre Direito Penal Tributário, Previdenciário e Financeiro

“Os critérios tributários adotados nãoresistem à crítica, pois o sistema estáeconomicamente errado, moralmente in-defensável, obscuro e discriminatório”.

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7Anotações sobre Direito Penal Tributário, Previdenciário e Financeiro

RESPONSABILIDADE PENALE DENÚNCIAS GENÉRICAS NOSCHAMADOS CRIMES SOCIETÁRIOS

m se tratando dos chamados delitos societários,que envolvem pessoas jurídicas, grandes debates

doutrinários e jurisprudenciais vêm sendo travados nosentido de se aceitar, ou não, denúncias genéricas, quesão oferecidas contra todos os sócios, cotistas, dire-tores ou gerentes de uma empresa, pelo simples mo-tivo de constarem do contrato social ou estatuto dafirma, sem que se descreva, ainda que sucintamente,como teria cada um deles concorrido para a práticado crime imputado.

Tal descrição genérica do libelo inicial viola o art.41 de nosso Código de Processo Penal, além de im-pedir que a defesa seja exercida em toda sua pleni-tude.

Não existe espaço, diante do atual processo pe-nal, bem como das garantias constitucionais ins-culpidas em nossa Carta Magna de 1988, para peçasacusatórias que levem cidadãos ao banco dos réus uni-camente por constarem de estatutos ou contratos so-

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8 George Tavares, Kátia Tavares e Alexandre Lopes de Oliveira

ciais, sob o argumento de que, no curso da instruçãocriminal, se poderá individualizar condutas.

É de se atentar, sempre, para os efeitos deletériosque o simples “sentar no banco dos réus” acarreta navida do inocente, que nenhum ato praticou para o co-metimento do crime, ou que não teve qualquer parti-cipação no evento delituoso. Uma vez aceita a denún-cia genérica — esta denominação foi dada pela dou-trina e jurisprudência —, o inocente é que terá de pro-var, numa inversão do ônus da prova (é isto o que setem sentido na prática), que não teve poderes de ges-tão, de decisão, de administração da pessoa jurídicaquando o delito foi praticado.

Será que o diretor de uma companhia, por exem-plo, que, simplesmente, consta de um contrato social,mas que nenhuma ingerência possui na empresa, quenão toma decisões, deve passar pelo percalço da ins-trução criminal, de um processo onde se apura crimede sonegação fiscal, que pode durar anos, amargandoseus dissabores? Ainda mais quando é possível, pormeio do inquérito policial, investigar minuciosamen-te a distribuição de poderes em uma empresa, delimi-tar, individualizar condutas? Tem-se a certeza de quenão.

Celso Delmanto, em interessante tópico no qualestuda a responsabilidade da pessoa jurídica, repeleeste tipo de imputação, advertindo que

“no sistema jurídico brasileiro, é impos-sível cogitar-se da responsabilidade pe-

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9Anotações sobre Direito Penal Tributário, Previdenciário e Financeiro

4 In Código Penal Comentado, ed. Renovar, 4ª edição, pp. 57/58

nal das pessoas jurídicas, pois a própriaCR/88, em seu art. 5o, XLV, proclama quenenhuma pena passará da pessoa docondenado. Todavia, embora a pessoa ju-rídica não pratique crimes, estes, muitasvezes, são cometidos em seu nome. Evi-dentemente, não se pode punir pessoasfísicas que a compõem por dela partici-parem, mas só pelos crimes que — emnome da pessoa jurídica — elas pratica-rem ou determinarem fossem cometidos(...)”.4

Como bem salientou o saudoso mestre, foi erigi-do à categoria de preceito constitucional o coroláriode que a responsabilidade penal é pessoal. Portanto,não existe em nossa ordem constitucional a respon-sabilização penal objetiva, o que impede o oferecimen-to de iniciais que não descrevem, ainda que em graumínimo, a participação de cada denunciado nos fatosimputados.

Afrânio Silva Jardim, com a autoridade de profes-sor de direito e de ser membro do Ministério Públi-co, ao discorrer sobre relevância da imputação no pro-cesso penal, assevera, analisando o tema à luz de nos-sa Carta Magna, que

“A exigência de imputações certas e bemdelimitadas tem estreita ligação com os

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princípios constitucionais do contradi-tório e da ampla defesa no processo (art.5°, inc. LV, da Const. da República). Pa-ra que tenhamos um processo regular,é indispensável que o réu saiba de queconduta ou condutas está sendo acusa-do, a fim de que possa eficazmente se de-fender”.

E mais adiante, conclui o ilustre processualista:

“É de relevo acentuar que a imputaçãorefere-se não só à autoria imediata oumaterial, como também a todas as con-dutas penalmente relevantes. Em outraspalavras, a peça acusatória deve conterimputação precisa também da autoriamediata e de todas as ações que caracte-rizam uma determinada forma de parti-cipação”.5

Estudando, exatamente, este tema da responsabi-lidade pelos ilícitos penais que envolvem a atividadede empresas, Antolisei também repudia, com expres-sões vigorosas, “la responsabilidad penal colec-tiva”, que constituiria “más que una herejia, unablasfemia jurídica”. 6

5 In Direito Processual Penal, 4ª edição, ed. Forense, 1992, p. 220.6 In Delitos Relacionados con las Quiebras y las Sociedades, 1964,ed. colomb., p. 325.

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11Anotações sobre Direito Penal Tributário, Previdenciário e Financeiro

Depois de ressaltar que, muitas vezes, a adminis-tração coletiva das empresas “sólo existe en el papel,es decir en la ley y en los estatutos sociales”, e que,embora haja, formalmente, “varios administrado-res”, conclui Antolisei, aduzindo que, apenas, “el soloadministrador delegado”exerce, efetivamente, agerência dos negócios, enfatizando que a situaçãoreal do funcionamento de cada empresa não pode,“de ninguna manera”, ser esquecida pelo juiz, oqual “jamás debe perder de vista (...) que la res-ponsabilidad penal es estrictamente personal”. 7

Nestas hipóteses de crimes envolvendo pessoasjurídicas, há de estar sempre presente a advertênciaformulada pelo saudoso Basileu Garcia, no sentido de“ tornar-se mister individuar a responsabilidade”,para “corporificá-la nos diretores ou gerentes quetenham, sob o duplo aspecto, objetivo e psíquico,da causalidade, realizado o acontecimento proibi-do pela lei penal, ou contribuído sensivelmente paraexecutá-lo”. 8

Por derradeiro, não podemos deixar de mencio-nar as palavras de Cézar Roberto Bittencourt,9 no se-guinte sentido:

“Enfim, a responsabilidade penal conti-nua a ser pessoal (art. 5°, XLV). Por isso,

7 Ob. cit, pp. 326/7.8 In Instituições de Direito Penal, vol. I, tomo I, 1951, p. 215.9 In Parte Geral de seu Manual de Processo Penal, 5ª ed., Ed. RT,p. 202.

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quando se identificar e se puder indivi-dualizar quem são os autores físicos dosfatos praticados em nome de uma pessoajurídica, tidos como criminosos, aí sim de-verão ser resposabilizados penalmente.Em não sendo assim, corre-se o risco determos que nos contentar com uma purapenalização formal das pessoas jurídi-cas que, ante a dificuldade probatória eoperacional, esgotaria a real atividadejudiciária, em mais uma comprovação dafunção simbólica do Direito Penal...”

Apesar de toda esta orientação doutrinária, tem-se verificado uma tendência de se imputar, de formaindiscriminada, fatos supostamente criminosos a só-cios de empresas, como se o crime fosse ser sócio,sem que se faça, previamente ao oferecimento de de-núncia, a necessária investigação policial, onde se po-deria verificar a participação de cada um no evento,individualizando-se condutas, evitando-se, assim, sub-meter homens de bem às agruras de um processo cri-minal, que, no dizer de Carnelutti, equivale a um ver-dadeiro cumprimento de pena.

Na jurisprudência, conquanto a matéria não sejapacífica, sobretudo no Superior Tribunal de Justiça eno Supremo Tribunal Federal, as denúncias vagas, quenão individualizam condutas, têm sido rechaçadas.

Alguns juízes federais, com alçada criminal naseção judiciária do Rio de Janeiro, vêm rejeitan-

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do denúncias que não descrevem, individualizada-mente, as condutas em crimes societários. Por exem-plo, o Juízo da antiga 4ª Vara Federal, em despacho dalavra do dr. Abel Fernandes, rejeitou a inicial ofereci-da, aduzindo os seguintes fundamentos:

“ ... não obstante tratar-se de delito so-cietário, sempre é possível ao MPF, nolimiar do oferecimento da denúncia, de-limitar objetivamente qual sujeito res-ponsável pelos atos de gestão da empre-sa, com reflexos na área criminal”.

E aduz, ainda, na referida decisão:

“Em favor de tal posicionamento, apro-veito para juntar cópias de denúnciasoferecidas em casos semelhantes, pelosilustres Procuradores da República emexercício nesta Seção Judiciária, os quaisobtiveram em investigação policial pré-via, os nomes dos responsáveis pela ges-tão das empresas, os quais foram denun-ciados.

Tal providência salutar define o respon-sável pelos atos narrados na denúncia,evitando que pessoas físicas totalmentealheias à vida gerencial da pessoa ju-rídica, ainda que figurante no contra-to social, venham a sofrer o constran-

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gimento de figurarem em ação penalcomo acusados por fatos, os quais ja-mais entraram em suas esferas de conhe-cimento”. 10

O Tribunal Regional Federal da 2ª Região, desde1996, vem dando mostras de que repudia as denúnciasgenéricas, trancando, por via de habeas corpus, açõespenais deste tipo, oferecidas em processos que ver-sam sobre crimes de sonegação fiscal e apropriaçãoindébita de contribuição previdenciária, ou negandoprovimento a recursos em sentido estrito, interpostospelos representantes do Ministério Público, contradespachos que não recebem este tipo de libelo. Abai-xo, transcrevemos, em ordem cronológica, ementasde julgamentos de diversas Turmas do TRF, situado noEstado do Rio de Janeiro, que corroboram por com-pleto nossa opinião acima exposta. Senão vejamos.

“Hipótese em que a peça acusatória sebaseou na simples condição dos denun-ciados de diretores ou procuradores daempresa na época dos fatos narrados;Tal condição, por si só, não é crime, enão basta para aceitação da denúncia,sendo indispensável a descrição, aindaque resumida da conduta de cada denun-ciado, relacionando-a à prática do cri-me imputado;

10 Despacho exarado em 8/5/96, nos autos do Processo n° 9530978-5.

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15Anotações sobre Direito Penal Tributário, Previdenciário e Financeiro

A aceitação da denúncia genérica, nocaso destes autos, viola o disposto nosarts. 41 do CPP e 5°, LV, da CF, não ga-rantindo aos acusados oportunidade dedefesa”.11

“... a denúncia há que ser robusta quan-to à efetiva atitude dolosa do réu, não seconcebendo a presunção de tal condutadelituosa pela simples participação so-cietária da pessoa jurídica que deixa derecolher a referida contribuição”.12

“A atenuação dos rigores do art. 41 doCPP, nos chamados delitos societários,não pode ir até o ponto de admitir-se de-núncia sem demonstrar nem mesmo emgrau mínimo, a participação do denun-ciado na prática tida por criminosa”.13

“O oferecimento de denúncia contra to-dos os sócios da empresa, sem prévia in-

11 Habeas Corpus n° 96.02.13505-0-RJ, 3ª Turma Rel., Des. ValmirPeçanha, julgamento em 4/9/96, publ. no DJU de 12/11/96, p. 86.458.12 RSE n° 9602398668-0-RJ (Interposto pelo MPF), publicado no DJUem 6/5/97, 2ª Turma, Rel. Des. Alberto Nogueira, julgamento em5/2/97, publicado no DJU em 6/5/97.13 Habeas Corpus n° 970206549-6-RJ, 1ª Turma, Relª. Desª. VeraLúcia Lima da Silva Ribeiro, julgamento em 7/5/97, publicado no DJUem 14/10/97.

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vestigação policial, com base em merapresunção de que, pelo fato de consta-rem de contrato social, todos são respon-sáveis pelo não recolhimento das con-tribuições parafiscais, viola o art. 41 doCódigo de Processo Penal e o princípioconstitucional da responsabilidade pes-soal em matéria criminal, uma vez quenão se trata de crime coletivo sendo ne-cessária a descrição individualizada daconduta típica de cada sócio”.14

“... ausência de especificidade na de-núncia das condutas de cada sócio, in-dividualizando-as para o fim de estabe-lecer o dolo omissivo — inobservânciado art. 41 do CPP — Orientação Preto-riana emanada do STJ — Improvido o re-curso”.15

“... se a denúncia limita-se a sustentarque os réus teriam praticado o ato pre-visto no art. 5° da Lei n° 7.492/86, ten-do em vista que deixaram de recolher as

14 RSE n° 970208219-6-RJ (Interposto pelo MPF), 4ª Turma, Rel. Des.Clélio Erthal, julgamento em 13/8/97, publicado no DJU em 17/2/98,p. 184.15 RSE n° 970217121-0 (Interposto pelo MPF), 1ª Turma, Rel. Des.Ney Fonseca, julgamento em 16/9/97, publicado no DJU em 7/4/98,p. 193.

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17Anotações sobre Direito Penal Tributário, Previdenciário e Financeiro

contribuições previdenciárias, sem fa-zer qualquer referência que pudesse ca-racterizar a participação positiva dosacusados nos fatos configuradores do de-lito, impõe-se a rejeição da denúncia, porfalta de justa causa. — Há que se consi-derar, ainda, in casu, que os débitos re-clamados já se encontram integralmentequitados”.16

“... a denúncia, pelo cometimento do mes-mo fato, subsumido na alínea “d” do art.95 da Lei nº 8.212/91, contra dois acusa-dos, deve descrever como a conduta decada qual contribuiu para o cometimen-to do tipo, sob pena de incidir em inép-cia ...”.17

“Não basta a simples indicação dos Di-retores ou Sócios da Empresa — que re-colheu as parcelas da previdência socialpara o INSS, descontadas de seus Empre-gados — para caracterizar o indício su-ficiente de autoria a que se refere o Di-

16 RSE n° 970234652-5-RJ (Interposto pelo MPF), 4ª Turma, Rel. Des.Frederico Gueiros, julgamento em 11/2/98, publicado em 13/8/98,p. 358.17 RSE n° 970208214-5 (Interposto pelo MPF), 4ª Turma, Rel. Des.Rogério Vieira de Carvalho, julgamento em 4/3/98, publicado no DJUem 13/8/98, p. 366.

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ploma Processual Penal em moldes a au-torizar a denúncia como peça inicial daação penal.

A impossibilidade jurídica de imputaçãopenal à pessoa jurídica, não transfere,virtualmente, a autoria para as pessoasfísicas que a representam, sem a demons-tração inequívoca de atuação persona-líssima do dirigente no contexto crimino-so, ainda que indiciariamente...”.18

“Denúncia que não descreve a condutados denunciados vulnera a garantiaconstitucional da ampla defesa. Em re-lação aos segundo e terceiro pacientes,a peça acusatória somente reporta-se aofato de serem administradores da empre-sa referida, o que denota afronta ao art.11 da Lei nº 8.137/90. É proscrita a res-ponsabilidade penal objetiva no direitopenal brasileiro. Não é necessário queseja integrante da empresa para respon-der pelo crime contra a ordem tributá-ria: outras pessoas, como um contador,podem ser incursadas. Mas, por outro

18 RSE n° 970234654-1 (Interposto pelo MPF), 2ª Turma, Rel. Des.Paulo Espírito Santo, julgamento em 24/3/98, publicado no DJU em13/8/98.

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19Anotações sobre Direito Penal Tributário, Previdenciário e Financeiro

lado, não basta que seja integrante: ocrime nunca é ser sócio”.19

“É inepta a denúncia que deixa de nar-rar, ainda que de forma genérica a par-ticipação de indiciado no evento deli-tuoso, por impedir o exercício de contra-ditório e de defesa ampla.Simples invocação da condição de dire-tor-superintendente não basta para de-monstrar existência de nexo de causali-dade entre resultado danoso e participa-ção do agente em prática de crime so-cietário”. 20

Como se vê, o Tribunal Regional Federal da 2ª Re-gião praticamente consolidou o entendimento de quenão se pode admitir denúncias contra sócios, direto-res ou gerentes de pessoas jurídicas, que versem, prin-cipalmente, sobre delitos fiscais, previdenciários efinanceiros, que não descrevam como cada um dosdenunciados contribuiu para o resultado delituoso.Para este Tribunal a qualidade de sócio, cotista, dire-tor etc. não basta para que se figure no pólo passivo daação penal.

19 Habeas Corpus n° 970210686-9/RJ, 1ª Turma, Relª. Desª. Vera Lú-cia Lima da Silva, julgamento em 14/4/98, publicado no DJU em6/10/98.20 Habeas Corpus n° 980242630-0-RJ, 4ª Turma, Rel. Des. FernandoMarques, julgamento em 24/5/99, publicado no DJU em 28/9/99.

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20 George Tavares, Kátia Tavares e Alexandre Lopes de Oliveira

Enfim, o argumento de que a individualização po-de ser feita no decorrer da instrução criminal não vemencontrando guarida na ora citada Corte Federal.

Já no Superior Tribunal de Justiça e no SupremoTribunal Federal a matéria não é tão sólida e pacífica,podendo-se encontrar decisões contrárias à tese aci-ma esposada. Ainda assim, a partir do ano de 1990,quando a questão passou a ser mais debatida, estes doistribunais, em alguns momentos, repudiaram as chama-das denúncias genéricas em crimes societários. Ana-lisemos algumas delas:

“A denúncia deve descrever os elemen-tos constitutivos do crime e suas circuns-tâncias. Importante é a narração do fa-to. A capitulação normativa é inócua. Aimputação, além disso, precisa indivi-dualizar a conduta de cada autor. A re-gra é válida também para o caso de con-curso de agentes. Decorrência da impres-cindibilidade dos princípios do contra-ditório e defesa plena. O aditamento nãosupre, no Estado de Direito Democráti-co, a deficiência da acusação. A Consti-tuição da República consagra o princí-pio da personalidade. Rejeita, pois, a res-ponsabilidade pelo fato de outrem”.21

21 Recurso de Habeas Corpus n° 759/SP, STJ, Rel. Min. VicenteCernicchiaro, publicado no DJ em 5/8/91, p. 10.014.

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21Anotações sobre Direito Penal Tributário, Previdenciário e Financeiro

“A denúncia, imputação do delito, devedescrever o fato com todas suas circuns-tâncias. Imprescindível particularizar ouindividualizar o crime, demonstrando seo denunciado, ao omitir, em suas decla-rações fatos que deveriam constar porimposição legal, alterando, assim, a ver-dade sobre o fato juridicamente relevan-te, teve ou não a intenção de mascarar asua situação patrimonial, propiciando oexercício do contraditório e da defesaplena”.22

“Tratando-se de denúncia referente a cri-me de autoria coletiva, é indispensávelque descreva ela, ainda que sucinta-mente, sob pena de inépcia, os fatos típi-cos atribuídos a cada paciente.Revela-se inepta a denúncia, sempre quesem especificar a participação de cadaacusado — sendo todos eles diretores ouadministradores da mesma empresa ousociedade vem atribuir-lhes generica-mente a responsabilidade pelo eventodelituoso”.23

22 Ação Penal Originária (Inq. n° 163-7-DF), STJ, Corte Especial, Rel.Min. Waldemar Zveiter, julgamento em 30/11/95. Publicado no DJUem 16/9/96, p. 33.651.23 Habeas Corpus n° 9650845-3-RJ, 6ª Turma do STJ, Rel. Min.Anselmo Santiago, julgamento em 18/11/96, publicado no DJU em17/3/97.

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22 George Tavares, Kátia Tavares e Alexandre Lopes de Oliveira

“ A mera qualidade de sócio ou diretorde uma empresa, na qual se constatou aprática de sonegação fiscal, não autori-za que contra o mesmo diretor seja for-mulada uma acusação penal em Juízo”.24

“A denúncia precisa descrever a condu-ta delituosa. Decorrência dos princípiosconstitucionais do contraditório e da de-fesa plena.Qualquer que seja o delito. Os chama-dos crimes societários não fazem exce-ção”.25

“É inepta denúncia, desbordando-se, in-clusive, em abuso, que, sem apontar umsó fato capaz de fornecer indício — ain-da que mínimo — acerca da atuaçãodos sócios, se limita à referência de açãocontinuada, com unidade de desíg-nios, reduzindo o recolhimento de va-lor do ICMS. O único delito seria o postoocupado pelos sócios individualmente naempresa que, possuindo, mais de 50 es-tabelecimentos, em todo o Brasil, tem sede

24 Habeas Corpus n° 5.368/PI, STJ, 6ª Turma, Rel. Min. Vicente Leal,publicado no DJU em 5/5/97, p. 17.120.25 Recurso Especial n° 167791/RJ (Interposto pelo MPF), STJ, 6ªTurma, Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, julgado em 23/11/98,publicado no DJU em 17/2/99, p. 00171.

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23Anotações sobre Direito Penal Tributário, Previdenciário e Financeiro

no Rio de Janeiro, onde reside a direto-ria ocorridos os fatos em loja na cidadede Belo Horizonte”.26

“Nos chamados crimes societários, im-prescindível que a denúncia descreva,pelo menos, o modo como os co-autoresconcorreram para o crime.A invocação da condição de sócio, geren-te ou administrador, sem a descrição decondutas específicas, não basta paraviabilizar a peça acusatória, por impe-dir o pleno direito de defesa. Denúnciainepta”.27

“A denúncia nos crimes de autoria cole-tiva conforme entendimento pretoriano,precisa individualizar a conduta de ca-da agente. Mas também não é suficien-te que simplesmente decline os nomesde todos os sócios, quando, como in casu,um deles sequer foi indiciado pela auto-ridade administrativa encarregada detoda a apuração.Houve, não se nega, a descrição de umaconduta que, em princípio tipifica infra-

26 RHC n° 8.143/MG, STJ, 6ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves,julgado em 13/4/99, publicado no DJU em 28/6/99, p. 153.27 Habeas Corpus n° 8.258/PR, STJ, 5ª Turma, Rel. Min. José Arnaldoda Fonseca, Rel. para acórdão Min. Edson Vidigal, julgado em20/4/99, publicado no DJ em 6/9/99, p. 93.

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24 George Tavares, Kátia Tavares e Alexandre Lopes de Oliveira

ção penal, mas não se indicou ou demons-trou qualquer liame entre ela (conduta)e o paciente, salvo o fato de ser sócio daempresa, situação, evidentemente quenão se erige à condição de crime por sisó”.28

“Nos crimes societários é necessário quea denúncia descreva, pelo menos, o modocomo os co-autores concorrem para ocrime.A responsabilidade penal não é objetivae em razão disso, o simples fato de cons-tar o nome do réu no contrato social, porsi só, não é suficiente para ensejar apersecução criminal”.29

“Contém a mácula da inépcia a denún-cia que formula acusação genérica deprática de crime contra o ordem tributá-ria, sem apontar de modo circunstancia-do a participação da ré no fato delituoso.A mera qualidade de sócio ou diretor deuma empresa, na qual se constatou aocorrência de um crime de sonegação fis-cal, não autoriza que contra o mesmo di-

28 RHC n° 8.389/RJ, STJ, 6ª Turma, Min. Fernando Gonçalves, jul-gado em 20/5/99, publicado no DJ em 30/8/99, p. 75.29 RHC n° 9396/MG, STJ, 5ª Turma, Rel. Min. Jorge Scartezzini, jul-gado em 16/3/00, publicado no DJ em 15/5/00, p. 00171.

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25Anotações sobre Direito Penal Tributário, Previdenciário e Financeiro

retor seja formulada uma acusação pe-nal em Juízo”.30

“Entendo que se reveste de extrema plau-sibilidade jurídica a tese ora deduzidanesta sede processual pelo ilustre im-petrante, eis que a exigência incide so-bre o órgão da acusação penal — a quemincumbe definir, com precisão, a partici-pação individual dos supostos autores dequalquer delito —, mais do que simplesformalidade processual, constitui expres-são de relevantíssimo postulado inscritona Lei Fundamental que assegura, a to-dos quantos sofrem a ação persecutóriado Estado, a garantia indispensável docontraditório e da plenitude da defe-sa(...)”.31

“O simples ingresso formal de alguém emdeterminada sociedade civil ou mercan-til — que nesta não exerce função ge-rencial e nem tenha participação efetivana regência das atividades empresariais— não basta, só por si, especialmentequando ostente a condição de quotista

30 Habeas Corpus n° 11459/PE, STJ, Rel. Min. Vicente Leal, julgado29/6/00, DJ n° 14/8/00.31 Habeas Corpus n° 73.324-7-RJ, STF, Rel. Min. Celso de Mello,publicado no DJU em 6/12/95, p. 42.459/60.

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26 George Tavares, Kátia Tavares e Alexandre Lopes de Oliveira

minoritário, para fundamentar qualquerjuízo de culpabilidade penal. A mera in-vocação da condição de quotista, sem acorrespondente e objetiva descrição dedeterminado comportamento típico quevincule o sócio ao resultado criminoso,não constitui, nos delitos societários, fa-tor suficiente apto a legitimar a formu-lação da acusação estatal ou a autorizara prolação de decreto judicial conde-natório.

A circunstância objetiva de alguém me-ramente ostentar a condição de sócio deuma empresa não se revela suficientepara autorizar qualquer presunção deculpa e, menos ainda, para justificar,como efeito derivado dessa particularqualificação formal, a decretação de umacondenação penal.”32

Para finalizar os comentários sobre este tema, éimportante mencionar que, nestes tipos de delito, asdenúncias, em sua grande maioria, não são precedidasde inquérito policial, que existe, como se sabe, paraverificar a existência de crime e apurar a autoria. Ge-ralmente, as peças vestibulares vêm instruídas, somen-te, por autos de infração lavrados por autoridades

32 Habeas Corpus n° 73590 SP, STF, 1ª Turma, Rel. Min. Celsode Mello, julgamento em 6/8/96, publicado no DJU em 13/12/96,p. 50.162.

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27Anotações sobre Direito Penal Tributário, Previdenciário e Financeiro

fazendárias ou peças semelhantes oriundas da fiscali-zação previdenciária. Destaque-se que tais peças nadamais são do que iniciais de um procedimento admi-nistrativo, que se desenrolará, partindo-se em váriasfases, até final julgamento.

Ao se abrir mão do inquérito policial, e assim afir-mamos pois temos visto que são pouquíssimos os pro-cessos por crime de sonegação fiscal e apropriaçãoindébita de contribuições previdenciárias que vêm pre-cedidos do procedimento inquisitorial, perde-se aoportunidade de se individualizar a autoria, acabandopor se denunciar, aleatoriamente, qualquer um que es-teja constando de um estatuto da empresa ou de umcontrato social, porquanto nas peças de informaçãoque servem de supedâneo para as denúncias constamcomo responsáveis pela administração das firmas au-tuadas todos os que fazem parte dos contratos ou es-tatutos.

Presidentes de empresas complexas ou grandesconglomerados, por exemplo, que têm unicamentepoderes de representação externa da companhia, quedelegam poderes de gestão, que contratam profissio-nais especializados (executivos) nas áreas financeirae administrativa, que sequer são cientificados de de-cisões que são tomadas nestas áreas, passam a constarde denúncias e passam a ter de provar não serem res-ponsáveis por atos que acabaram por reduzir ou supri-mir impostos devidos, e isto, diante de nosso orde-namento processual penal, não se pode admitir.

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28 George Tavares, Kátia Tavares e Alexandre Lopes de Oliveira

A

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ART. 25 DA LEI nº 7.492/86

té agora, discutimos o entendimento doutriná-rio e jurisprudencial, que fulminam por inépcia

denúncias que não descrevem a conduta de cada acu-sado, inculpando-os pelo simples fato de integraremuma diretoria ou de fazerem parte de uma sociedade,nas hipóteses de crimes de sonegação fiscal ou pre-videnciários. É óbvio, ainda que se aceite a divergên-cia jurisprudencial no sentido de que a instrução cri-minal demonstrará a participação de cada réu, indis-cutível que a sentença há de especificar a conduta decada condenado. Ninguém pode responder pelo fatode que não participou, sendo responsabilizado somentepor integrar a diretoria ou a sociedade de uma pessoajurídica.

Como a pessoa jurídica não tem responsabilidadepenal (excetuando-se os casos elencados na Lei nº9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que dispõe sobreas sanções penais e administrativas derivadas de con-dutas e atividades lesivas ao meio ambiente) em facede nossa sistemática, por ser uma entidade moral ouuma ficção, os fatos cometidos em seu nome são deresponsabilidade pessoal. Por isso, ninguém pode ser

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29Anotações sobre Direito Penal Tributário, Previdenciário e Financeiro

acusado ou condenado por fato de outrem, senão cai-ríamos na responsabilidade objetiva, não aceita penal-mente.

O problema, aparentemente, surge nos casos decrimes contra a ordem financeira.

O art. 25 da Lei nº 7.492, de 16 de junho de 1986,que trata de tais delitos, institui: “São penalmente res-ponsáveis, nos termos desta Lei, o controlador e osadministradores da instituição financeira, assim con-siderados os diretores, gerentes”. E no § 1° inclui:“Equiparam-se aos administradores de instituição fi-nanceira o interventor, o liquidante e o síndico”.

Ao exame frio da lei, parece apresentar-se comose fora um numerus clausus indicativo das pessoasque necessariamente teriam responsabilidade penalpelos fatos típicos nela previstos. Entretanto, comomostraremos, isso não ocorre.

Antes, todavia, convém assinalar que algumas denossas leis especiais anteriores, também, ao tratar damatéria penal econômica, haviam tentado configurardelitos próprios — aqueles que só podem ser cometi-dos por determinadas pessoas — através de um dispo-sitivo que qualifica o sujeito ativo.

A Lei nº 4.595/64, no § 7° do art. 44, determina:“Quaisquer pessoas físicas ou jurídicas que atuemcomo instituição financeira, sem estar devidamenteautorizada pelo Banco Central da República do Brasil,ficam sujeitas à multa referida neste artigo e detençãode 1 (um) a 2 (dois) anos, ficando a estas sujeitos,quando se tratar de pessoas jurídicas, seus diretores

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30 George Tavares, Kátia Tavares e Alexandre Lopes de Oliveira

e administradores” (grifamos). Também, a Lei nº4.728/65, ao disciplinar o mercado de capitais, noseu § 2° do art. 73, estatui: “A violação de qualquerdos dispositivos constituirá crime de ação pública (...),recaindo a responsabilidade, quando se tratar de pes-soas jurídicas, em todos os seus diretores” (grifosnossos). Já com outra redação e de forma imprecisa aLei nº 4.729/65, ao definir crimes de sonegação fis-cal, em seu art. 6°, dispõe: “Quando se tratar de pes-soa jurídica, a responsabilidade penal pelas infraçõesprevistas nesta Lei será de todos os que, direta ou in-diretamente ligados à mesma, de modo permanenteou eventual tenham praticado ou concorrido para aprática do crime de sonegação fiscal”. Por essa re-dação, vê-se que o legislador procurou afastar-se daresponsabilidade objetiva. Da mesma forma, a Lei nº8.137/90, no seu art. 11, evidencia: “Quem de qual-quer modo, inclusive por meio de pessoa jurídica, con-corre para os crimes definidos nesta Lei, incide naspenas a estes cominadas, na medida de sua culpabi-lidade”.

Diante da legislação acima citada, cabe discutir-se o árido problema da responsabilidade penal porfato de outrem, consideradas pelo saudoso jurista JoãoMarcelo de Araújo Júnior “assunto extremamentedelicado que precisa ser encarado pelo legisladorcom a máxima prudência”. 33

33 Em conjunto com o professor e penalista espanhol Marino Bar-tero Santos, João Marcelo escreveu A Reforma — Ilícitos PenaisEconômicos, p. 105, Forense, 1987.

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31Anotações sobre Direito Penal Tributário, Previdenciário e Financeiro

Não resta dúvida, em face da redação do art. 25 deLei nº 7.492/86, trata-se de crimes próprios, que sópodem ser praticados por determinados sujeitosativos.

Entretanto, repita-se, ainda que pertençam à ad-ministração da pessoa jurídica, pelo simples exercí-cio dos cargos mencionados no referido dispositivo,não podem ser responsabilizados criminalmente, por-quanto não se admite em nosso sistema penal a res-ponsabilidade objetiva e solidária, pois “a conjuga-ção dos princípios da reserva legal e da responsa-bilidade pessoal fornece subsídio para demonstrarque a Constituição repele a responsabilidade pelofato de outrem e a responsabilidade objetiva, assi-nalam Luiz Vicente Cernicchiaro e Paulo José daCosta Jr.”.34

Após mostrar que com o veto ao trecho originá-rio que incluía no art. 25 a expressão “e membros deconselhos estatutários” contido na Mensagem 252,“ porque de abrangência extraordinária, instituiuma espécie de responsabilidade solidária, inadmis-sível em matéria penal”, Manoel Pedro Pimentel fazum longo e exaustivo estudo, apoiado na doutrina e najurisprudência, e assinala:

“Entretanto, vigentes os postulados da respon-sabilidade subjetiva (grifos do autor) não há como

34 “Direito Penal na Constituição”, Ed. P T, São Paulo, 1991, p. 76,apud Rodolfo Tigre Maia, in Dos Crimes Contra o Sistema Finan-ceiro Nacional, p. 145, 1996.

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punir a pessoa jurídica, e os crimes praticados con-tra a sociedade somente podem ser punidos atravésda apuração da responsabilidade individual dosmandatários da sociedade, e desde que comprova-da a participação nos fatos”.35

Esse problema tem aspectos similares na legisla-ção argentina. A Lei nº 11.683 no art. 49, em se tra-tando de pessoa jurídica, mandava punir os diretores,gerentes, administradores, mandatários ou represen-tantes legais que fossem responsáveis pelas obriga-ções tributárias, quando houvesse infração penal tri-butária. Para dissipar qualquer dúvida ou impedir quese apenasse por responsabilidade objetiva, a Lei n°23.771 revogou o dispositivo da anterior, em seu art.12, exigindo, textualmente, a atuação direta dos di-rigentes e representantes da empresa ou entidade. Daí,o jurista argentino Hector B. Villegas ter assinaladoem seu recente livro: “La diferencia fundamentalentre ambos dispositivos es que el art 12 de la Ley23.771 exige la actuación personal y directa de losdirectivos y representantes, lo qual es un avance sig-nificativo y se adecua a los principios generales delderecho penal en cuanto a la personalidad de lapena”.36 Também, Lilian Gurpurbel Wendy e EduardoAngel Russo acentuam que: “Al elemento objetivocontenido en el tipo penal del citado art. 12, que

35 In Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional, p. 172, Ed. RT.1987.36 In Regimen penal tributario argentino, p. 162, ed. 1995, BuenosAires.

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33Anotações sobre Direito Penal Tributário, Previdenciário e Financeiro

mencionamos como representación legal de lapersona jurídica, se añade otro requisito del mismocarácter: que los sujetos alli designados hubiesenintervenido en el hecho punible”.37

Apesar de nosso texto legal ser obscuro no senti-do da responsabilidade pessoal e subjetiva das pes-soas mencionadas no aludido art. 25, os princípios ge-rais que norteiam nossa Constituição, como já se de-monstrou, impõem não só à doutrina, como à juris-prudência de nossos tribunais a não responsabilizaçãoobjetiva daqueles dirigentes ou administradores. As-sim, a 4ª Turma do Tribunal Regional da 2ª Região, porunanimidade, concedeu a ordem para trancar a açãopenal por falta de justa causa porque:

“A simples condição de Diretor-Presi-dente ou Diretor de uma instituição fi-nanceira, por si só, não é crime e nãobasta, portanto para a aceitação da de-núncia”.38

Em recente decisão, a 6ª Turma do STJ, também,mandou trancar a ação penal, como se vê da ementain verbis:

“A interpretação do art. 25 da Lei n°7.492/86, que se vê como norma de pre-

37 In Ilícitos tributarios, p. 59, ed. 1993, Buenos Aires.38 4ª Turma, 2ª Região, HC n° 98.02 18475-6, em que foi relator o JuizValmir Peçanha.

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sunção absoluta a responsabilidade pe-nal, é infringente da Constituição da Re-pública e do direito penal em vigor, en-quanto readmite a proscrita responsabi-lidade penal objetiva infringe o princí-pio nullum crimen sine culpa.39

Em decisão anterior, a mesma colenda 6ª Turmado STJ, por unanimidade, já havia proclamado:

“Para ser incluído na denúncia, não bas-ta ser sócio de pessoa jurídica, ou, nelaexercer atividade de administração. Fun-damental é evidenciar (juízo de probabi-lidade) haver praticado a conduta (co-missiva, ou omissiva), penalmente rele-vante”.40

Assim, para figurar na denúncia não basta a quali-dade de controlador ou administrador da entidade fi-nanceira (ou diretor e gerente que exerçam tais fun-ções): é necessário que fique evidenciada a condutarelevante praticada pelo acusado.

O art. 25 citado criou uma situação esdrúxula emnosso sistema penal, em se tratando de crimes finan-ceiros. Tudo demonstra que a mens legislatoris teriao escopo de adotar a responsabilidade objetiva, incul-

39 DJ 13/12/99, HC n° 9.031-SP, relator o Ministro Hamilton Car-valhido.40 DJ 8/9/97, p. 42.604, relator o Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro,no HC n° 5834.

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35Anotações sobre Direito Penal Tributário, Previdenciário e Financeiro

pando controladores e administradores da institui-ção, sendo assim considerados os diretores e geren-tes, que obviamente representassem a empresa naárea em que fossem praticados os delitos nela pre-vistos, ainda que não tenham praticado uma condu-ta relevante.

Da mesma forma, no parágrafo único, equiparoua administradores da instituição financeira o inter-ventor, o liquidante e o síndico. Como vimos, diantede nossa doutrina e jurisprudência, não se admite aresponsabilidade objetiva: O agente, ainda que tenhatal qualidade prevista no aludido dispositivo, tem deagir dolosamente, através de ação, omissão própria ouimprópria. Assim, como em todos crimes próprios,não fica excluída a co-autoria ou participação doextraneus. Pelo princípio da divisão de trabalho, podeum funcionário da empresa subordinado às pessoasmencionadas, ou um terceiro não pertencente ao qua-dro da entidade, cooperar dolosamente para a práticado delito. Aplica-se, in casu, o art. 30 do CP, pois talcircunstância pessoal se comunica ao partícipe.

Entretanto, quid iuris, se o fato for praticado porquem não tenha a qualidade dos mencionados no art.25 e seu parágrafo único? Não concordamos comManoel Pedro Pimentel, quando, por exemplo, ao co-mentar o art. 6° da Lei nº 7.492/86, considera impre-cisa a redação daquele dispositivo que

“deixa uma dúvida: poderia um conta-dor ou auditor praticar a conduta des-

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crita no tipo independente de solicitaçãodo diretor ou gerente, objetivando alcan-çar objetivos de caráter pessoal? Nestecaso não seria destoante afirmar que se-ria legitimamente considerado sujeitoativo”. 41

E acrescenta:

“Por isso, admitimos que será sujeito ati-vo desta infração, qualquer pessoa, que,dispondo da informação devida, a sone-gue ou a preste falsamente induzindosócio, investidor, ou repartição públicacompetente”.42

A nosso ver, por se tratar de crime próprio, oextraneus só poderá agir em co-autoria ou participa-ção com o intraneus. Nesses casos aludidos pelo ci-tado autor, há possibilidade de o agente praticar outrocrime, se previsto em nosso Diploma Penal.

Aliás, vários dispositivos da Lei nº 7.492/86 dãomargem à confusão, por não ser necessariamente apli-cado o art. 25. Vejamos, por exemplo, o problema dosujeito ativo, no crime previsto no art. 2° da citada lei,que tipifica:

41 In Crimes Contra o Sistema Financeiro, pp. 62/63, Ed. RT, 1987.42, Ob. cit., p. 63.

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37Anotações sobre Direito Penal Tributário, Previdenciário e Financeiro

“Imprimir, reproduzir ou de qualquermodo, fabricar ou pôr em circulação es-crita da sociedade emissora, certificado,cautela ou outro documento representa-tivo de título ou valor imobiliário”.

Também seu parágrafo único que pune com a mes-ma pena do “caput”:

“quem imprime, fabrica, divulga, distri-bui ou faz distribuir prospecto ou mate-rial de propaganda relativo aos papéisreferidos neste artigo”.

Diante de tais dispositivos, tem razão ManoelPedro Pimentel, quando assevera que o sujeito ativodesses delitos pode ser qualquer pessoa, aliás, RodolfoTigre Maia é da mesma opinião.43

Por isso, podemos concluir ser, sob todos os as-pectos, despiciendo o art. 25 da mencionada lei. Se aspessoas nele mencionadas só têm responsabilidadesubjetiva, como já se demonstrou, não seria necessá-rio que se qualificasse o sujeito ativo. Assim, váriosdispositivos existentes em tal lei, evidentemente, po-dem ser praticados por qualquer pessoa.

É bem verdade que, em outros dispositivos, como,por exemplo, o art. 5° ou 17 que aludem a “quaisquer

43 Ob. cit., p. 35.

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38 George Tavares, Kátia Tavares e Alexandre Lopes de Oliveira

das pessoas mencionadas no art. 25”, ou o art. 15 quese refere ao “interventor, liquidante ou a síndico”, pes-soas referidas no parágrafo único do mencionadoart. 25, entende-se que estas qualidades do agente sãocircunstâncias personalíssimas, e são chamados cri-mes de mão-própria. A diferença destes dispositivosdos demais previstos na Lei nº 7.492/86 é que se exi-giu a atuação pessoal do sujeito ativo, isto é, os deli-tos são formulados de tal modo que o autor só podeser aquele que esteja em situação de executar imedia-ta e corporalmente a ação proibida. Então, os estra-nhos, nos delitos de mão-própria, podem intervir so-mente como partícipes, jamais, como autores ou co-autores.44

Nas modalidades de delitos praticados por omis-são própria, não resta qualquer dúvida: aquele que seomitir dolosamente será responsabilizado. No entan-to, seria o controlador, administrador (diretor ou ge-rente) responsável pelos delitos omissivos praticadosnas áreas em que for gestor? Da mesma forma que noscrimes por ação, a conduta omissiva só é possível se ofato for de seu conhecimento.

Ademais, tirante princípios gerais, tradicionalmen-te aceitos, que balizam a responsabilidade penal den-tro dos limites da causação objetiva e subjetiva — deque falava o mestre Basileu Garcia — o direito penalmoderno confere um tratamento específico à deno-

44 Maurach, in Tratado de Derecho Penal, trad. Juan Cordoba Roda,vol. I, p. 287, Barcelona, Ed. Ariel, 1962.

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39Anotações sobre Direito Penal Tributário, Previdenciário e Financeiro

minada “atuação em nome de outrem”, matéria quepassaremos a abordar.

Considerando o envolvimento cada vez mais in-tenso de pessoas jurídicas em problemas penais,notadamente em sede de criminalidade econômica,tornou-se necessário estabelecer as regras que per-mitissem a punição dos que representassem os entescoletivos, de direito ou de fato. Muitas vezes, cuidan-do-se de crimes próprios, em que o sujeito ativo de-veria possuir determinada qualidade (v. g. o controla-dor, o administrador, o diretor ou gerente de entidadefinanceira), abria-se a larga porta da impunidade noscasos em que a ação delituosa fosse praticada por umrepresentante da empresa, que não reunisse aquelaqualidade fixada no tipo penal para o agente.

Em face disso, a partir da reforma da Parte Geraldo Código Penal alemão, fixou-se o princípio: “quienactúa en representación de una persona jurídicaserá responsable em lugar de esta por los delitosespeciales que le haga cometer”. 45

As reformas do direito penal espanhol (art. 15 bis)e do português (art. 12), adotaram regras semelhan-tes, cuja necessidade Jescheck também justifica pelofato “de que la economía y la administración mo-dernas, basadas em la división del trabajo (grifo nos-so), obligan a menudo al propietario de un esta-

45 Santiago Mir Puig, in Derecho Penal, Parte General, 2ª ed. 1985,pp. 144/145.

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40 George Tavares, Kátia Tavares e Alexandre Lopes de Oliveira

blecimento o al director de una oficina adminis-trativa a delegar la responsabilidad del cumpli-miento de obligaciones penalmente sancionadas, yes preciso entonces que también los representantesqueden sujetos a la responsabilidad penal”. 46

Esclarece o renomado professor alemão que a leise contenta “con la existencia de relaciones fácticasde representación o mandato”(ib., p. 305). Também,os códigos espanhol e português referem à “repre-sentación legal o voluntária” 47 ou “representaçãolegal ou voluntária de outrem”.48

O corolário do princípio do “atuar em nome deoutrem” é que o representante “responderá perso-nalmente” pelo crime.49

Tal responsabilidade do representante, no campopenal, não se comunica ao representado que não hajaconcorrido para o crime com algum “hecho propio”(Altavilla, cit.). Nesse sentido, Leal Henrique e SimasSantos transcrevem ementa da Corte da Relação deÉvora, do seguinte teor:

“Presumem-se da responsabilidade dasempresas que exploram a indústria de

46 In Tratado, ed. esp. trad. Mir Puig e Muñoz Conde, vol. 1, 1978,p. 304.47 Vide Francisco Muñoz Conde, in Teoría General del Delito. 2ªed., 1989, p. 29, grifo nosso.48 Vide “Código Penal de 1982”, de Leal Henrique e Simas Santos,vol. 1, 1986, p. 133.49 Muñoz Conde, ob. e p. cits.

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41Anotações sobre Direito Penal Tributário, Previdenciário e Financeiro

aluguer de veículo automóveis sem con-dutor, as infrações previstas no Decreton° 28/74, de 23 de abril.Quando porém, a circulação de um veí-culo dessa natureza, em contrário dasprescrições do referido diploma, se ficoua dever à actuação de um funcionário daempresa locadora, a dita presunção nãose verifica.A responsabilidade, então, é do funcio-nário e assenta no princípio geral da res-ponsabilidade por actuação em nome deoutrem (art. 12, Cód. Penal)”.50

Assim, o mais atualizado entendimento sobre ma-téria veio reforçar a colocação clássica de restringir aresponsabilidade penal, exclusivamente, à pessoa que,em verdade, praticou o fato delituoso, ainda que de-sempenhando, em nome de outro, determinada ativi-dade.

À luz da legislação argentina, onde, à semelhançada nossa, inexiste preceito expresso referente à atua-ção em nome de outro, os professores David Baigún eSalvador Dario Bergel desenvolveram acurado estudoem torno da questão da possível responsabilidade pe-nal do “delegante” por ações delituosas cometidaspelo “delegado”. De início, mostram ser freqüente

50 Ob. cit., p. 135, grifos nossos.

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42 George Tavares, Kátia Tavares e Alexandre Lopes de Oliveira

que “el administrador natural, el gerente o el di-rectorio deleguen “parcial” o totalmente en untercero las funciones que le fueran encomenda-das”.51 A delegação, observam, pode ser “de jure” ou“de hecho”. De qualquer forma, a regra fundamentalna “teoria dominante” é a de que o representado “nopuede ser castigado, ya que no há actuado ni teni-do conocimiento de lo realizado por su represen-tante”.

Agora, examinaremos a omissão imprópria docontrolador e dos administradores da instituição (di-retor ou gerente, a estes equiparados), quando têm odever de impedir o resultado.

É óbvio que qualquer um que represente as pes-soas definidas no art. 1°, no seu parágrafo único, nos.

I

e II, estão nas hipóteses do art. 13, § 2°, do CP. Assim,inóquo seria invocar o art. 25 da Lei nº 7.492/86. Peloprincípio de divisão de trabalho, muitas vezes, o re-presentante delega a outrem determinadas funções, naárea de sua gerência, principalmente, em instituiçõesde grande porte, como, por exemplo, os Bancos. Es-tes são divididos em áreas, setores, departamentos eagências.

Um controlador do Banco não pode ser responsa-bilizado pelo que ocorre numa de suas agências. Damesma forma em relação ao diretor da área, do setor,ou do departamento, se o fato ocorre em áreas ou se-

51 In El Fraude en la Administración Societaria, 1988, pp. 172 esegs., grifo nosso.

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43Anotações sobre Direito Penal Tributário, Previdenciário e Financeiro

tores distintos. Cabe o dever de vigilância ao gerenteda agência. E mesmo este, nas modalidades dolosas,só pode praticar um crime omissivo impróprio, se nãoimpedir um resultado, quando era possível fazê-lo, e,claro, tendo tomado conhecimento dele.

Nos crimes contra o sistema financeiro não hámodalidade culposa (mesmo na gestão temerária —parágrafo único do art. 4°).

Esbarra-se, ainda, no art. 25 da aludida lei. Comomuito bem evidencia Manoel Pedro Pimentel:

“o vocabulário gerente somente desig-na os agentes pela condução da institui-ção financeira, na administração supe-rior da empresa, e não os agentes, exe-cutivos, assalariados, que respondem poragências ou filiais, sem autonomia nasdecisões nas questões relevantes da vidaempresarial (grifos do autor)” .52

No exemplo acima, em face do art. 25, somenteestes administradores são garantidores dos crimespróprios nela previstos, apesar de existirem delitoscujos autores não têm as qualidades das pessoas men-cionadas naquele dispositivo.

Por isso, Juarez Tavares doutrina “que deve co-nhecer o omitente todas as circunstâncias que com-põem a chamada situação típica e, nos crimes

52 Ob. cit. p. 175.

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44 George Tavares, Kátia Tavares e Alexandre Lopes de Oliveira

omissivos impróprios, ainda dados fáticos que fun-damentam sua posição de garantidor”.53 Da mesmaforma, Sheila de Albuquerque Bierrenbach acha queo dolo, como nos crimes comissivos, na omissão im-própria, consiste consciência e vontade de preen-cher todos os elementos do tipo.54

Dessarte, o controlador ou administrador só po-dem ser responsabilizados penalmente se tiverem co-nhecimento do fato e não quiserem impedir o resulta-do lesivo ao bem jurídico.

53 Vide: Juarez Tavares, in As controvérsias em torno dos CRIMESOMISSIVOS, p. 95, ed. 1996.54 In Crimes Omissivos Impróprios, p. 94, ed. 1996.

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45Anotações sobre Direito Penal Tributário, Previdenciário e Financeiro

PRÉVIO EXAURIMENTO DA VIAADMINISTRATIVA E PROPOSITURADA AÇÃO PENAL NOS CRIMES DESONEGAÇÃO FISCAL

alvez, hoje, a questão mais debatida e que vemcausando maior controvérsia entre doutrinado-

res e aplicadores do direito, em termos de direito pe-nal tributário, diz respeito à possibilidade, ou não, dese intentar ação penal, nos crimes de sonegação fis-cal, antes do prévio exaurimento da via administrativa.

A matéria é tão relevante que, novamente, passoua ser tema de discussão no Congresso Nacional, den-tro dos estudos elaborados quanto à Reforma Tributá-ria, uma vez que a Proposta de Emenda Constitucionaln° 175/95 dispõe que “ninguém será processado porcrime contra a ordem tributária antes de encerra-do, na via administrativa, o processo respectivo”.

Independentemente de qual seja o resultado davotação da aludida proposta de emenda, o simples fatode o legislador se ter preocupado com a questão, de-monstra que o pensamento daqueles que não admitema propositura de ação penal, por crime de sonegação

T

45

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46 George Tavares, Kátia Tavares e Alexandre Lopes de Oliveira

fiscal, antes de estar esgotada a via administrativa,ecoou, a ponto de se pensar em incluir um dispositivoespecífico em nossa Carta Magna.

De fato, não se pode admitir, diante do que dispõeo art. 1° da Lei nº 8.137/90, a propositura de ação pe-nal antes de exaurido o processo fiscal.

Impende ressaltar que houve significativa mudan-ça na legislação, com a substituição de tipo penal demera conduta, crime formal (Lei nº 4.729/65), pelotipo penal cujo elemento essencial é a supressão ou aredução de tributo, ou seja, crime material ou de re-sultado (Lei nº 8.137/90).

Com efeito, a Lei nº 4.729/65 definiu o crime desonegação fiscal sem indicar o resultado como ele-mento integrante do tipo. Já a Lei atual, 8.137/90, emseu art. 1°, ao definir o crime de sonegação fiscal, uti-lizando-se das expressões “redução ou supressão” dostributos, criou um delito material, de dano.

Hoje, vem ganhando vulto o entendimento em nos-sa jurisprudência de que somente o Fisco — atravésdo julgamento definitivo do processo administrativo-fiscal, iniciado com a lavratura de auto de infração,onde serão oferecidas ao contribuinte todas as opor-tunidades de defesa, no sentido de demonstrar que otributo não é devido ou que o quantum não está corre-to — é que possui competência para afirmar se houvea efetiva “redução ou supressão” de tributo.

Esta redução ou supressão do tributo constitui oelemento material do delito e, sem ele, não há que

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47Anotações sobre Direito Penal Tributário, Previdenciário e Financeiro

se falar em tipicidade objetiva, sendo de ressaltar que,na hipótese de ser acolhida a impugnação interpostapelo contribuinte, onde questiona a existência do dé-bito ou seu valor, deixará de existir o referido objetomaterial da ação.

Aliás, a interposição de impugnação aos autos deinfração lavrados suspendem a exigibilidade do crédi-to tributário, conforme preceitua o art. 151, inciso III,do Código Tributário Nacional, ao dispor que “suspen-dem a exigibilidade do crédito tributário: (...) II —as reclamações e os recursos nos termos das leisreguladores do processo tributário administrativo”.

Acerca da impugnação, que nada mais é do que umrecurso administrativo com efeito suspensivo, MariaSylvia Zanella Di Pietro, com o peso de seu magisté-rio, adverte:

“quando a lei prevê recurso com efeitosuspensivo, o ato não produz efeito e,portanto, não causa lesão, enquanto nãodecidido o recurso interposto no prazolegal. Não havendo lesão, faltará inte-resse de agir para a propositura deação”. 55

Assim, de acordo com os mais renomados dou-trinadores, falta interesse de agir para a propositura da

55 In Direito Administrativo, 1997, 8ª ed., p. 481, grifos nossos.

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48 George Tavares, Kátia Tavares e Alexandre Lopes de Oliveira

ação penal, enquanto o auto de infração estiver pen-dente de decisão administrativa.

Por seu turno, é evidente que, nas ações penais,onde a acusação é de sonegação fiscal, na modalidade“ reduzir ou suprimir tributos”, iniciadas sem o des-fecho da discussão na via administrativa, quanto à con-figuração da própria relação tributária, inexiste justacausa, posto que, não havendo decisão definitiva doFisco, não há, nunca é demais repetir, materiali-dade, não existindo, por conseguinte, a própriatipicidade.

Cabe invocar a lição de Edmar Oliveira AndradeFilho,56 in verbis:

“a consumação dos crimes contra a or-dem tributária só se pode ser afirmada,depois de esgotadas todas as instânciasadministrativas de que dispõe o sujeitopassivo para discutir a exação”,

até porque o lançamento tributário

“pode perfeitamente ser desconstituído,hipótese em que desapareceria o núcleodo tipo penal; a supressão ou reduçãoilegal do tributo ou contribuição”.

56 In Direito Penal Tributário — Crimes Contra a Ordem Tributá-ria, ed. Atlas, p. 96, 1995.

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49Anotações sobre Direito Penal Tributário, Previdenciário e Financeiro

Examinando a presente matéria, o respeitado ju-rista Ives Gandra da Silva Martins,57 ao questionar“a possibilidade de um sujeito passivo da relaçãotributária ser condenado por crime fiscal relacio-nado a processo em que a própria Administraçãoou o Poder Judiciário venham declarar inexistirqualquer responsabilidade de natureza tributária”,se insurgiu contra tal hipótese, porquanto

“seria admitir que alguém fosse conde-nado por homicídio, estando a vítimaassassinada assistindo ao julgamento.Sendo a hipótese criminalizante formade impor o cumprimento da obrigaçãotributária, inexistindo responsabilida-de tributária, inexistirá responsabili-dade penal”.

Aliás, pelo que dispõe o art. 142 do CTN, já sepercebe, às claras, que a manifestação definitiva daautoridade administrativa é indispensável para saber sehouve ou não a configuração dos delitos definidos naLei nº 8.137/90. Vejamos:

“Compete privativamente à autoridadeadministrativa constituir o crédito tribu-tário pelo lançamento, assim entendido

57 Na obra sob o título Crimes contra a Ordem Tributária, publica-da pela editora Revista dos Tribunais, p. 29.

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50 George Tavares, Kátia Tavares e Alexandre Lopes de Oliveira

o procedimento administrativo tendentea verificar a ocorrência do fato geradorda obrigação correspondente, determi-nar a matéria tributável, calcular o mon-tante do tributo devido, identificar o su-jeito passivo, sendo o caso, propor a apli-cação da penalidade cabível”.

São inúmeras as decisões de nossos tribunais nosentido de trancar ações penais, cuja imputação éde crime de sonegação fiscal, previsto na Lei nº8.137/90, em que não houve o prévio esgotamento davia administrativa.

À guisa de exemplo, transcrevemos abaixo deci-sões recentes de quatro Turmas do Tribunal RegionalFederal da 2ª Região, com sede no Rio de Janeiro.

“Não há base para o oferecimento dadenúncia em infrações penais fiscais,quando não ocorre a prévia apuraçãoadministrativa da conduta delitiva...”. 58

“Não é razoável a propositura de açãopenal se a própria Administração nãopode afirmar a existência de sonegaçãofiscal, porquanto não encerrado o pro-

58 1ª Turma, HC n° 980234505-9, Rel. Des. Ricardo Regueira, DJ de7/6/99, p. 69.

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51Anotações sobre Direito Penal Tributário, Previdenciário e Financeiro

cedimento administrativo para esse fiminstaurado.

Em razão das atribuições constitucionaisdo Ministério Público, nada obsta queseja deflagrado procedimento criminal,independentemente do resultado admi-nistrativo.Tal procedimento fica vedado, entretan-to, quando a ação penal for única e ex-clusivamente arrimada em procedimen-to fiscal, tida como fonte de informaçõespara propiciar a materialidade e a auto-ria, o que constituiria em coação ao con-tribuinte no exercício de seu direito deimpugnar o débito fiscal”.59

“Denúncia oferecida antes do término deprocesso administrativo fiscal represen-ta açodamento do Ministério Público.Assim como a Fazenda não pode ajuizarexecução fiscal, enquanto houver a pen-dência de recursos na esfera administra-tiva, porquanto somente após o julgamen-to de tais recursos o débito passa a serinscrito em dívida ativa, também nãopode o Ministério Público, antes disso,

59 1ª Turma, RSE n° 970220064-4, interposto pelo MPF, Rel. Des. NeyFonseca, DJ 31/3/98, p. 201.

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52 George Tavares, Kátia Tavares e Alexandre Lopes de Oliveira

propor ação penal, até porque inexisteainda ilícito fiscal. Se não há sequer ilí-cito tributário, muito menos se pode pen-sar na existência de ilícito penal”.60

“O núcleo do tipo descrito no art. 1°, daLei nº 8.137/90 consiste na supressão ouredução do Tributo. Daí consubstanciar-se em crime de dano, não se contentandoa lei com a fraude pura e simples paracaracterizar o crime ali previsto”.61

“Em que pese o dogma de independênciaentre as esferas administrativa e penal,não se pode admitir a deflagração deprocesso criminal pela prática de qual-quer um dos delitos tipificados no art. 1°da Lei nº 8.137/90 antes da confirmaçãoda efetiva ocorrência de sonegação fis-cal, que é objeto material dos tipos e deveser apurada em procedimento adminis-trativo fiscal onde se proporcione direi-to de defesa ao contribuinte”.62

60 2ª Turma, HC n° 960220225-4, Rel. Des. Castro Aguiar, DJ de12/12/96.61 3ª Turma, HC n° 970211064-5, Rel. Des. Valmir Peçanha, DJ de23/10/97.62 4ª Turma, HC n° 980250678-8, Rel. Des. Rogério de Carvalho, DJ de28/9/99.

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53Anotações sobre Direito Penal Tributário, Previdenciário e Financeiro

Interessante reproduzir as palavras do Desem-bargador Rogério de Carvalho, em seu voto, nos autosdo writ acima referido, no sentido de que não se com-padece “com a ordem constitucional vigente emnosso país a submissão de um indivíduo ao cons-trangimento que representa uma ação penal sem quetenha certeza, ao menos, da ocorrência da sonega-ção fiscal”. Mais adiante, o Desembargador, con-cluindo seu voto, assevera, quanto ao argumento da in-dependência das esferas penal e administrativo-fiscal,que “não se trata de romper com o dogma da inde-pendência das instâncias, mas tão-somente de im-pedir a deflagração de um processo criminal arri-mado na simples autuação fiscal, que nada provaem relação à materialidade delitiva, a qual pressu-põe — repita-se — a existência de crédito tributá-rio legal e exigível”.

A 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 2a

Região, em recente decisão, deixou consignado o se-guinte:

“Uma vez que a peça inaugural da açãopenal teve por base auto de infração de-clarado sem efeito em sede administrati-va, não há como se falar em crime contrao ordem tributária definido no dispositi-vo legal mencionado, porquanto a exis-tência do débito é elementar do delito desonegação fiscal — Inexistindo o tipopenal em face da inexistência do débito

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54 George Tavares, Kátia Tavares e Alexandre Lopes de Oliveira

fiscal, impõe-se o trancamento da açãopenal”.63

Seguindo a mesma linha de raciocínio, o SuperiorTribunal de Justiça, por meio de sua 6ª Turma, assimdecidiu:

“Em sede de crime contra a ordem tri-butária, instaurada a ação penal funda-da em autos de infração, a subseqüentedecisão administrativa, de caráter defi-nitivo, que julga improcedente o lança-mento, faz desaparecer a justa causapara o curso da ação, impondo-se o seutrancamento”. 64

“A nulidade do auto de infração fiscal,declarada na esfera administrativa, su-prime à ação penal a justa causa, impon-do o seu trancamento, se já proposta”.65

Estas três últimas irretocáveis decisões corrobo-ram os inúmeros julgados transcritos neste capítulo,

63 4ª Turma, HC n° 98233103-1, Rel. Des. Frederico Gueiros, julgadoem 21/10/98, DJ de 16/3/99.64 Recurso Ordinário de Habeas Corpus n° 99/0007458-0, STJ, relatoro Ministro Vicente Leal, em acórdão do ano de 1999, DJ 14/6/99,p. 228.65 RHC n° 8762/DF, STJ, 6ª Turma, Min. Hamilton Carvalhido, julga-mento em 2/9/99, DJ de 28/2/00, p. 00125.

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55Anotações sobre Direito Penal Tributário, Previdenciário e Financeiro

no sentido de que, enquanto não exaurida a discussãona esfera administrativa, não pode ser deflagrada açãopenal por crime de sonegação fiscal, pois, julgada aquestão pelo Fisco, decidindo ser improcedente o lan-çamento fiscal, desaparecerá a justa causa para o pro-cesso criminal, sendo que o acusado já terá sido sub-metido ao constrangimento de sentar no banco dos réus.Assim, não há lógica em se intentar ação penal antesdo pronunciamento definitivo da autoridade adminis-trativa sobre a existência da efetiva redução ou su-pressão do tributo. Mais ainda: não há tipicidade.

O atual Procurador-Geral da República, professorGeraldo Brindeiro, nessa linha de raciocínio seposiciona, conforme a matéria publicada em O Glo-bo, do Rio de Janeiro, em 20/2/98, p. 4:

“Brindeiro espera decisão final da Re-ceita para denunciar Collor por sone-gação fiscal.

Brasília. O Procurador-Geral da Repú-blica, Geraldo Brindeiro, anunciou on-tem que aguarda a decisão do processoadministrativo movido pela Receita Fe-deral contra o ex-presidente FernandoCollor por crime de sonegação fiscal,para avaliar a possibilidade de oferecerdenúncia à Justiça. Collor teve sua dívidacom o IR reduzida em dois terços porqueo Conselho de Contribuintes do Mi-nistério da Fazenda concluiu que não

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56 George Tavares, Kátia Tavares e Alexandre Lopes de Oliveira

houve provas que atestem a existência daOperação Uruguai.

O empréstimo de US 5 milhões num bancouruguaio foi usado como prova porCollor para explicar a origem dos ele-vados gastos realizados pelo EsquemaPC. A Receita queria cobrar uma multade US 5 milhões do ex-presidente, por elenão ter declarado no IR a operação fi-nanceira. A confirmação do crime desonegação levaria o Ministério PúblicoFederal a oferecer denúncia contraCollor à Justiça. Brindeiro mostrou-sesurpreso com o resultado que beneficiouCollor:

‘— Tinha-se como certa uma série dequestões acerca desse processo e agoraa própria Receita diz o contrário. Eladesdisse o que disse. Caso eu tivesseoferecido denúncia com base nas in-formações preliminares da Receita, cor-ria sérios riscos, porque a decisão toma-da agora é radicalmente diferente. Ain-da é cedo para dizer o que se pode fa-zer. Vamos aguardar a decisão finalpara estudar quais providências podemser tomadas”, disse (...)”

Conclui-se, destarte, que se não for esgotada a viaadministrativa não estará constituído o crédito tribu-

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57Anotações sobre Direito Penal Tributário, Previdenciário e Financeiro

tário, não havendo sequer imposto devido, o que sóocorrerá com a decisão definitiva do Fisco, afirman-do se houve ou não a redução/supressão do tributo.Sem este pronunciamento definitivo inexiste o obje-to material da ação e, conseqüentemente, tipicidade.

Observe-se, ainda, que ocorrendo a suspensão daexigibilidade do crédito, bem como tendo em vista queo tributo ainda está sendo questionado pela viaadministrativa, inexiste a certeza se houve ou não aviolação ao bem jurídico tutelado.

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58 George Tavares, Kátia Tavares e Alexandre Lopes de Oliveira

GARANTIAS CONSTITUCIONAIS . ODEVIDO PROCESSO LEGAL . DIREITOPÚBLICO SUBJETIVO DE PAGAR OTRIBUTO ANTES DO RECEBIMENTODA DENÚNCIA E TER EXTINTA APUNIBILIDADE

inquestionável o direito de o contribuinte, quan-do autuado pela fiscalização, apresentar im-

pugnação e se defender, contando com várias fases noprocesso administrativo, sendo-lhe assegurado, nestaoportunidade, o princípio do contraditório, bem comoda ampla defesa, com fulcro no art. 5º, IV, da Consti-tuição Federal.

Ao final do procedimento administrativo, apuradoo valor real da dívida, tem o contribuinte o direito dequitá-la, de acordo com o art. 34 da Lei n° 9.245/95,quando, então, estará extinta sua punibilidade.

Admitir-se a propositura da ação penal, nos cri-mes tributários, antes do exaurimento da via adminis-trativa, além de vulnerar as garantias constitucionaisdo contraditório e da ampla defesa, também viola o

É

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59Anotações sobre Direito Penal Tributário, Previdenciário e Financeiro

princípio do devido processo legal, pois é supri-mido o direito público subjetivo do contribuinte de,posteriormente ao esgotamento de todos os meiosde defesa garantidos no curso do processo, em ca-so de ser julgado procedente o lançamento, pagar eter extinta a punibilidade, como se viu acima.

Ressalte-se que, se o crédito tributário não esti-ver definitivamente constituído, não pode o contri-buinte fazer o pagamento do tributo, pois sequer sesabe o quantum debeatur, tornando-se, assim, ine-xigível o imposto, em razão de recurso administrativo(art. 151 CTN). Portanto, o contribuinte somente po-derá exercer o direito de quitar o débito e ter extinta asua punibilidade, quando restar concluído o processofiscal, no caso de ser considerado procedente, totalou parcialmente, o lançamento tributário, após, repi-ta-se, esgotados todos os meios de defesa e encerradaa via administrativa, momento em que se definirá ovalor exato do tributo.

Não se pode olvidar que o contribuinte tem o di-reito de impugnar o auto de infração lavrado, não con-cordando total ou parcialmente com este. Há casosem que o contribuinte não se conforma, simplesmen-te, com o valor do débito, e, apesar de admitir que algodeve à Receita Federal, apresenta impugnação para dis-cutir o quantum.

A ação penal deflagrada nestes casos, antes de es-gotada a esfera administrativa, é, data venia, uma in-tolerável forma de coagir os cidadãos a recolher, depronto, os valores arbitrados nos autos de infração,

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60 George Tavares, Kátia Tavares e Alexandre Lopes de Oliveira

sem que, previamente, se discuta, na instância com-petente, a quantia correta a ser recolhida, em caso decondenação. Suprime-se, através de uma ação penalprecipitada, o direito de o contribuinte discutir admi-nistrativamente a questão, pois é ele compelido a pa-gar antes do término do processo fiscal.

Sobre o tema, valiosa é a contribuição do Juiz Fe-deral Hugo de Brito Machado, conforme preleciona:

“Admitir-se a ação penal por crime de su-pressão ou redução de tributo, sem que aautoridade administrativa competentetenha dito existente o próprio objeto docometimento do ilícito, é excluir o direitodo contribuinte de ter apurada na viaprópria a existência da relação tributá-ria e feita sua correspondente quanti-ficação econômica. Sobretudo agora,quando o pagamento do tributo, antes dadenúncia, extingue a punibilidade, é evi-dente que o contribuinte tem o direito deter regularmente apurada a existência, edeterminado o valor do tributo, antes dadenúncia, para que possa, se exercitar oseu direito de extinguir a punibilidade,pelo pagamento”.

E conclui o referido autor:

“A ameaça da ação penal, antes mesmode que a autoridade administrativa de-

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61Anotações sobre Direito Penal Tributário, Previdenciário e Financeiro

cida a respeito da impugnação feita pelocontribuinte a um auto de infração, cons-titui forte e inadmissível instrumento decoação, que contraria flagrantemente agarantia constitucional do contraditórioe da ampla defesa do processo adminis-trativo fiscal”.66

O Tribunal Regional Federal da 2ª Região tambémse manifestou favoravelmente a este entendimento.Citamos, a seguir, uma ementa, à guisa de exemplo:

“Art. 1°, da Lei n° 8.137/90. Trancamentoda Ação Penal — Nos crimes contra aordem administrativa, é necessário oexaurimento da via administrativa, an-tes da propositura da ação penal — o ofe-recimento de denúncia antes do desfechodo processo fiscal caracteriza falta deinteresse de agir do Ministério Público— o contribuinte tem o direito antes dadenúncia, para que possa, se quiser,exercitar o seu direito de extinguir apunibilidade pelo pagamento...”.67

66 In Revista Brasileira de Ciências Criminais, ano 4, nº 15, 1996,p. 236.67 4ª Turma, HC n° 960238001-2, Rel. Des. Frederico Gueiros, DJ de 6/5/97.

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62 George Tavares, Kátia Tavares e Alexandre Lopes de Oliveira

O ART. 83 DA LEI nº 9.430/96 —DISCUSSÃO SOBRE A CONDIÇÃODE PROCEDIBILIDADE

ntes da Lei nº 9.430, de 27/12/1996, denúncias,em regra, eram oferecidas, com base em meras

presunções, pois se lastreavam, apenas, em cópias doauto de infração, impondo ao contribuinte o constran-gimento de responder a uma ação penal, antes do tér-mino do procedimento administrativo, e sem que fi-casse, assim, demonstrada a existência da relação ju-rídico-fiscal, ou seja, a configuração efetiva do crédi-to tributário. E mais. Abriu-se o ensejo para que hou-vesse a condenação no juízo criminal, quando ainda aautoridade administrativa pudesse, após o desfecho doprocedimento fiscal, afirmar a inexistência de qual-quer tributo devido, ou seja, que não se operou a su-pressão ou redução do tributo. Por isso, procurou olegislador evitar essa situação esdrúxula e constran-gedora.

Recentemente, ao ser promulgada a referida Leinº 9.430/96, estabeleceu-se o momento oportuno epróprio em que cabe à Receita Federal, através de seus

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63Anotações de Direito Penal Tributário, Previdenciário e Financeiro

agentes, encaminhar ao parquet todo o expedientenecessário, contendo a notitia criminis, nos casos emque se caracterize, efetivamente, a materialidade dodelito de sonegação fiscal, pois, como se estipulouno art. 83, a representação fiscal será formulada “apósproferida decisão final na esfera administrativa,sobre a exigência fiscal do crédito tributário cor-respondente”.

É certo que a mencionada norma (art. 83) não res-tringe a ação do Ministério Público no que concerne àpropositura da ação penal, conforme preceitua o art.129, inciso I, da Constituição Federal.

Convém recordar, porém, como bem prelecionaFrederico Marques, que, em nosso sistema proces-sual penal, inexiste a figura do Juiz inquisitivo, sendoo Ministério Público o dominus litis da ação penal.Todavia, não é ele “proprietário da ação penal e, sim,o seu agente”, havendo, pois, uma verdadeira sepa-ração entre “acusação e jurisdição”.68Ademais, háalguns princípios norteadores que delimitam e vin-culam a atuação do Ministério Público na perse-cutio criminis, como, por exemplo, o princípio da le-galidade.

Assim, apesar de dominus da ação penal, não de-tém o Parquet poder absoluto, visto que há o controlejurisdicional da obrigatoriedade da ação penal, mani-festado pelo magistrado, na qualidade de fiscal — oumelhor, de controlador deste princípio —, eis que cabe

68 In Elementos de Direito Processual Penal, p. 307, ed. Bookseller,1997.

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64 George Tavares, Kátia Tavares e Alexandre Lopes de Oliveira

a ele: rejeitar a denúncia quando o fato narradoevidentemente não constituir crime; já estiver ex-tinta a punibilidade do agente; houver manifestailegitimidade de parte; ou faltar condição exigidapela lei para o exercício da ação penal, nos termosdo art. 43, incisos I, II e III, do CPP.

Por outro lado, não se confunde a representaçãodo ofendido, prevista no parágrafo primeiro do art. 100do Código Penal, na ação penal pública condiciona-da (legitimidade ad causam), com a representaçãoprevista no art. 83 da Lei n° 9.430/96, eis que, emverdade, constitui esta uma condição de procedibi-lidade que embasa o poder de agir do Ministério Pú-blico, estatuído no art. 43 do CPP (legitimidade adprocessum).

Por conseguinte, o art. 83 da Lei n° 9.430/96 estáem consonância com o que dispõe a regra do art. 43,III, do CPP, impondo-se que a denúncia, no crime desonegação, venha sempre precedida da representaçãoda autoridade competente, após a decisão final noprocedimento administrativo, sendo tal formalidadecondição de procedibilidade da ação penal. Logo, afalta dessa condição invalida a denúncia, por faltar“condição exigida pela lei para o exercício da açãopenal”.

Sobre o mencionado art. 83, o Tribunal RegionalFederal da 2ª Região assim se manifestou:

“Não é outro, aliás, o sentido que defluida norma do art. 83 da Lei nº 9.430/96,

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65Anotações sobre Direito Penal Tributário, Previdenciário e Financeiro

que praticamente condiciona, nas infra-ções tributárias, a propositura da açãopenal ao esgotamento da esfera adminis-trativa. Ao contrário do que busca sus-tentar o Ministério Público Federal (...),o pronunciamento do eminente MinistroNeri da Silveira, ao apreciar a ADIN n°1.571, proposta pelo Senhor Procurador-Geral da República, e rejeitá-la, não sig-nifica possa o Ministério Público sim-plesmente oferecer denúncia contra qual-quer pessoa que se veja em conflito comos critérios de apuração de débito tribu-tário usados pela Receita Federal (...).Podemos dizer, então, que sempre que adecisão da autoridade administrativaconstitua elemento essencial à própriademonstração de infração penal, apersecução penal, com relação a esta, sópode ser proposta depois que aquela setorna definitiva”. 69

Ainda sobre o tema, interessante transcrever aopinião do Desembargador Federal Fernando Marques,da 4ª Turma do TRF-2ª Região:

“ (...) penso que o art. 83 da Lei nº 9430/96 exige que a remessa, ao MP, dos ex-

69 TRF, 2ª Região, HC n° 970229597-1, Rel. Des. Silvério Cabral, DJ de28/10/97.

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66 George Tavares, Kátia Tavares e Alexandre Lopes de Oliveira

pedientes versando sobre crimes contraa ordem tributária (Lei nº 8.173/60 arts.1° e 2°), só seja feita após a conclusãodo procedimento administrativo fiscal,embora sem ter restringido a atuaçãodaquele órgão, por força da reza doinciso I do art. 129 da CF/88, eis que ver-dadeiro titular do direito de ação.Mesmo reconhecendo que a decisão pro-ferida pela Administração não deva,validamente, ser considerada condiçãode procedibilidade da ação penal, devea atuação do Parquet se dar quando te-nha sido concluído o procedimento ad-ministrativo fiscal com evidências de au-toria e materialidade em desfavor do con-tribuinte, diante das conseqüências queo seu ajuizamento, de regra, acarretampara o acusado”.70

O Superior Tribunal de Justiça vem se manifes-tando, por meio de julgados recentes, no mesmodiapasão. À guisa de exemplo, citamos trecho de umvoto prolatado pelo Ministro Édson Vidigal:

“A Ação Penal aqui não pode continuarem razão da Lei nova, a de n° 9.430/96art. 83, que condiciona a instauração do

70 Voto proferido no julgamento no HC nº 980250678-8, DJ 28/9/99.

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67Anotações sobre Direito Penal Tributário, Previdenciário e Financeiro

processo penal às conclusões do proce-dimento administrativo destinado a afe-rir a correção do auto de infração.

O débito tributário vincula-se estreita-mente à tipicidade penal. Como proces-sar alguém, criminalmente, por sonega-ção fiscal, quando não se tem, ainda, evi-dente o que foi sonegado? A discussãona via administrativa resulta como úni-co recurso diante do Direito Constitu-cional do contribuinte à presunção deinocência. A prudência do legisladormais recente (Lei n° 9.430/96 art. 83) es-tanca a iniciativa do Ministério Público,titular da ação penal, até que se concluao processo administrativo.” 71

Ademais, inexistindo a constituição do créditotributário, conforme já se expôs, será impossível for-malizar a aludida representação e, por conseguinte,haverá ausência de uma das condições para a propo-situra da ação penal: o legítimo interesse de agir.

Destarte, não pode o Ministério Público oferecerdenúncia, nos casos de sonegação fiscal, enquanto nãoesgotada a esfera administrativa, isto porque, eviden-temente, o fato não constitui crime (art. 43, I, CPP);ou, ainda, falta condição exigida pela lei para o exer-

71 RHC 99/0048918-7, 5ª Turma, Relator Ministro Edson Vidigal, jul-gado em 2/9/1999.

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68 George Tavares, Kátia Tavares e Alexandre Lopes de Oliveira

cício da ação penal, qual seja, o interesse de agir(art. 43, III, do CPP), como se demonstrou anterior-mente.

Outrossim, com a edição do mencionado art. 83da Lei n° 9.430/96, o legislador veio reforçar o en-tendimento de que somente o Fisco pode afirmar sehouve redução ou supressão de tributo. E mais. O le-gislador, ao criar este dispositivo, quis dizer que, en-quanto a Receita Federal, de forma definitiva, não sepronunciar quanto à redução ou supressão do tributo,não há tipicidade.

Caso assim não fosse, o agente da Receita pode-ria, a qualquer tempo, elaborar representação crimi-nal e enviá-la ao Ministério Público Federal. Se o le-gislador criou artigo específico, e a lei não contémpalavras inúteis, afirmando que somente ao final podea autoridade fiscal representar, foi porque quis dizerque não se pode intentar ação penal, nos crimes tribu-tários, antes do esgotamento da via administrativa.

Pelo exposto, não temos dúvidas de que o art. 83da Lei n° 9.430/96 instituiu uma condição de pro-cedibilidade da ação penal, nos crimes contra a ordemtributária: o exaurimento da via administrativa. A defi-nição da autoridade tributária, no sentido de que hou-ve ou não redução do tributo devido, é imprescindível,nesses casos, para que se tenha aperfeiçoado o tipopenal. Além do que, sem a palavra final da autoridadeadministrativa quanto ao objeto material da ação, nãohá o que se falar na tipicidade nos crimes definidosna Lei n° 8.137/90.

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69Anotações sobre Direito Penal Tributário, Previdenciário e Financeiro

Ponto importante a ser destacado, ainda, diz res-peito à existência de decisões no sentido de que o pro-cesso administrativo fiscal, de apuração e exigênciado crédito tributário, tem a mesma natureza jurídi-ca do inquérito policial, a fim de se fundamentar queo exaurimento da via administrativa não poderia sercondição de procedibilidade da ação penal nos crimescontra a ordem tributária.

Entretanto, tal justificativa é absolutamente impro-cedente. O processo administrativo fiscal não tem amesma finalidade e natureza do inquérito policial. Oprocesso administrativo destina-se à constituição docrédito tributário, sendo a via pela qual se apura o va-lor do tributo e a imposição de penalidade pecuniáriacujo valor compõe o crédito tributário, objeto da co-brança judicial. Possui duas fases, admitindo o con-traditório.

O inquérito policial, além de ser inquisitivo, é merapeça informativa, dispensável para a propositura daação penal, podendo o Ministério Público pedir o seuarquivamento ou oferecer denúncia, em qualquer fase,sem que esteja concluído e, até, prescindir de sua ins-tauração.

A conclusão do processo administrativo, ao con-trário, como já se disse, resulta na constituição do cré-dito, assegurando ao Estado o direito de arrecadar oimposto, apurado obrigatoriamente pela autoridadeadministrativa, sendo, assim, condição de procedibi-lidade para a propositura da ação penal.

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TIPICIDADE SUBJETIVA NOS CRIMESDE SONEGAÇÃO FISCAL

artigo 1°, inciso I, da Lei nº 8.137/90 so-mente admite a modalidade dolosa. Sendo assim,

para que se tenha uma denúncia apta, mister se faz aindicação do elemento subjetivo do tipo, consistenteno intuito de fraude, que caracteriza o ilícito crimi-nal tributário e o distingue da mera infração fiscal.

Saliente-se, por oportuno, que é recente e inusita-do o fato de que denúncias têm sido oferecidas, indis-criminadamente, em casos de pagamento a menor detributos, o que contraria o entendimento que até hojeprevaleceu, no sentido de que não configura crime afalta de pagamento de um tributo, decorrente de sim-ples omissão, não carregada de dolo.

Acerca da matéria, farta e conhecida é a doutrina,tanto nacional quanto alienígena. Tratando do assunto,o jurista espanhol Muñoz Conde assevera que:

“ ... desde el punto de vista político-cri-minal, porque por muy urgente que seconsidere la necesidad de identificar alos ciudadanos con la política fiscal del

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71Anotações sobre Direito Penal Tributário, Previdenciário e Financeiro

Estado, la intervención del Derechopenal en esta materia debe reservarsepara aquellos casos de abierta dis-crepancia y, por lo tanto, de incum-plimiento intencional de los deberestributarios, desejando los otros casos deincumplimiento más o menos negligentespara el ámbito de las sanciones admi-nistrativas (cfr. art. 77, I, de la Ley Ge-neral Tributaria)”.

A seguir, remata:

“No parece, pues, que sea necesario uti-lizar el Derecho penal para casos en losque ya son suficientes otras medidassancionatorias menos gravosas y es-tigmatizantes para los ciudadanos que,además, comprobadamente son más ági-les y eficaces que las penales propia-mente dichas. La política sólo en casosmuy graves de ataques también graves alos intereses legítimos del Erario público,debe ser asegurada por las sancionespenales, y parece evidente que estagravedad sólo puede predicarse de losataques dolosos y de una cierta magnitudeconómica a la Hacienda Pública”.72

72 Grifos nossos, El Error en Derecho Penal.

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72 George Tavares, Kátia Tavares e Alexandre Lopes de Oliveira

Seguindo este diapasão, Misabeu Abreu MachadoDerzi, professora nos cursos de graduação e pós-gra-duação da Faculdade de Direito da Universidade Fe-deral de Minas Gerais, ao analisar o elemento subjeti-vo nos delitos fiscais, também manifesta-se:

“De fato para evidenciar-se o crime con-tra a ordem tributária, como na sonega-ção, além do dolo, como vontade cons-ciente de lesar a Fazenda Pública, énecessário o instrumento: a conduta ilí-cita, enganosa, fraudulenta”.

E fazendo a devida distinção entre mera infraçãofiscal e crime tributário, ensina a aludida professora:

“A distinção, pois, está em que, na sone-gação, existe o intuito de lesar o Fisco,enquanto na simples evasão do impostoo agente pratica a infração, mas não tema preocupação de ocultá-la...”,

concluindo que:

“Portanto, não haverá delito: (...) se em-bora não tendo havido o pagamento dodevido tributo, não há prática dolosa deações ou omissões desonestas e fraudu-lentas, destinadas a ludibriar a FazendaPública”.73

73 “Da Unidade do Injusto no Direito Penal Tributário”, Revistade Direito Tributário, nº 63.

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73Anotações sobre Direito Penal Tributário, Previdenciário e Financeiro

Na prática, estas ações desonestas e fraudulen-tas podem ser caracterizadas quando, por exemplo, ocontribuinte falsifica um documento ou se utiliza deuma conta bancária fantasma ou fria. Enfim, quandoo contribuinte se utiliza de um subterfúgio para bur-lar o Fisco.

Logo, tanto os autores nacionais quanto os estran-geiros advertem sobre a exigência, nos crimes tribu-tários, da presença da intenção de sonegar o Fisco,sendo este elemento diferenciador entre o ilícito pe-nal e o fiscal. Em situações em que ocorreu mero equí-voco, à guisa de exemplo, por ocasião do recolhimen-to de tributos, não se poderá, jamais, denunciar alguém,criminalmente, porque o simples atuar, com culpa, nãoconstitui crime, não tipificando as condutas previstasna Lei nº 8.137/90.

Urge assinalar, sobre o tema, trecho do já citadoacórdão da lavra do eminente Desembargador FederalSilvério Cabral, que demonstra ser imprescindível, paraa caracterização de crime fiscal, a presença do ele-mento subjetivo:

“Os delitos contra a ordem tributária nãopodem ser confundidos com os meros ilí-citos fiscais. Não basta para configura-ção de uma infração penal dessa ordema simples constatação, pela fiscalização,de que houve determinada omissão derendimentos, mas que essa omissão cons-titua um meio fraudulento no sentido de

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74 George Tavares, Kátia Tavares e Alexandre Lopes de Oliveira

manter ou induzir em erro a Receita (...)Falta, ainda, no caso, o elemento subje-tivo próprio da conduta delituosa, nemao menos mencionado na denúncia, qualseja, o dolo de sonegar. Para que subsis-ta este dolo é necessário que o agentetenha, consciente e voluntariamente, omi-tido declarações ou informações, de mo-do a induzir ou manter em erro os audi-tores do tesouro nacional”.74

Desta forma, depreende-se pela necessidade de,antes de iniciar-se um procedimento criminal, que é a“ultima ratio” , fazer-se uma prévia verificação paraaferir se o contribuinte agiu com a intenção de fraudaro Fisco — aí, sim, haveria justa causa para a propositurada ação penal — ou se, por mero esquecimento, oupor equívoco, deixou de declarar algum tributo.

Portanto, estando ausente o elemento subjetivo docrime de sonegação fiscal, torna-se atípico o fatodescrito nas denúncias. Por outro lado, as iniciais quenão descrevem este elemento subjetivo, nos crimesprevistos na Lei nº 8.137/90, são ineptas, porquehavendo ausência do animus fraudandi, cairíamos naculpa stricto sensu, o que retira o caráter criminosoda conduta do contribuinte.

74 HC nº 97.02.29597-1.

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75Anotações sobre Direito Penal Tributário, Previdenciário e Financeiro

A CONSUMAÇÃO NOS CRIMES DESONEGAÇÃO FISCAL

ntes de serem revogados pela atual Lei dosCrimes Contra a Ordem Tributária, o art. 1º, e

seus incisos, da Lei nº 4.729/65, definiam o crime desonegação fiscal, mediante ações ou omissõesrelativas a obrigações tributárias acessórias, cuidandode crimes formais, ou de mera conduta, cuja consu-mação perfazia-se com as simples realizações dascondutas descritas, tendo como núcleo os verbosprestar, inserir, alterar, fornecer e exigir, sem colocaro resultado como elemento integrante do tipo.

Na verdade, de acordo com a Lei nº 4.729/65, afraude era o núcleo do tipo representado pelos verbosdefinidores das várias condutas. A consumação, nestahipótese, ocorre com a ação, independentemente daefetiva produção do resultado, no momento em que, àguisa de exemplo, o sujeito vem a falsificar os valoresde notas fiscais, inserindo-o na contabilidade daempresa, a fim de reduzir os valores devidos à ReceitaFederal.

Entretanto, a Lei nº 8.137, promulgada em 27 dedezembro de 1990, passou a definir os crimes contra

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76 George Tavares, Kátia Tavares e Alexandre Lopes de Oliveira

a ordem tributária das seguintes formas: crime ma-terial, que exige, além da conduta, o resultado lesi-vo, para a concretização da figura penal (art. 1º —afirmando que constitui crime contra a ordem tri-butária suprimir ou reduzir tributo ou contribuiçãosocial e qualquer acessório, através das condutas apon-tadas nos seus respectivos incisos). E, no art. 2º,incisos I a V, que diz respeito ao crime que se consi-dera formal, ou de mera conduta, cuja consumaçãoindepende do resultado, bastando a simples realiza-ção da ação.

É bem verdade que os incisos I a IV do art. 1º daLei nº 4.729/65 descrevem tipos penais que se ade-quam aos crimes de falsidade ideológica ou materialdos arts. 297 e 299 do Código Penal, semelhança que,também, existe nas condutas definidas no art. 1º daLei nº 8.137/90. Todavia, os tipos penais descritos nosns. I a IV da Lei nº 4.729/65 não pressupõem efetivasupressão ou redução do tributo — diversamente doque ocorre com os crimes contra a ordem tributá-ria definidos no art. 1º da Lei nº 8.137/90 — sendo,portanto, considerados crimes formais ou de meraconduta.

Destaque-se que a pena cominada pelo art. 1ºda Lei nº 4.729/65 é de 6 (seis) meses a 2 (dois)anos de detenção e multa, enquanto, na lei atual, a pe-na passa a ser de 2 (dois) a 5 (cinco) anos de reclu-são e multa.

Pode surgir a seguinte questão: qual lei aplicar aum fato (sonegação de imposto de renda de pessoa

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77Anotações sobre Direito Penal Tributário, Previdenciário e Financeiro

física, por exemplo), ocorrido no ano-base de 1990,cujo débito deverá ser pago no exercício de 1991, umavez que, de acordo com a nossa sistemática, o con-tribuinte declara e paga seu imposto em um anorelativamente a seus rendimentos do ano anterior?Quando se dá a consumação, no ano-base de 1990 ouno exercício de 1991?

Não se pode perder de mente que, como foi dito,as figuras da Lei n° 4.729/65 constituem crimes demera conduta. A consumação se dá no momento daação, ou seja, de acordo com a hipótese acima for-mulada, a consumação se daria no próprio ano-base de1990, e não no exercício fiscal de 1991, quando já seaplicaria a Lei nº 8.137/90.

Tal questão é de extrema relevância, pois as penascontidas nas duas leis são muito diferentes, sem con-tar a influência exercida no tocante aos prazosprescricionais.

A diferença é, portanto, significativa.

Na atual lei que define o delito de sonegação fiscal(Lei nº 8.137/90), ao contrário, criou-se um crimematerial, exigindo-se para a sua configuração a efetivasupressão ou redução do tributo, não mais se cingindoa conduta descrita pelo núcleo, e, sim, ao alcance doresultado. Hoje, a fraude, representada por várias açõesdescritas na lei, passou a ser instrumento de realizaçãodo tipo, que se concretiza com a supressão ou com aredução dos impostos, com o resultado, que, repita-se, faz parte do tipo penal.

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78 George Tavares, Kátia Tavares e Alexandre Lopes de Oliveira

Nesse sentido, preleciona o magistrado cearen-se Hugo de Brito Machado,75 onde sustenta, citandodoutrina estrangeira, que os delitos definidos naLei nº 4.729/65 são, em verdade, considerados cri-mes de mera conduta, cujo resultado sequer integra otipo penal, distingindo-se, assim, da atual Lei nº 8.137,de 27/12/90, porquanto, nesta, trata-se de crime ma-terial.

Também o professor Paulo José da Costa Jr. le-ciona nesse mesmo sentido:

“Os crimes definidos na Lei nº 4.729/65são todos de mera conduta, visto que seaperfeiçoam independentemente do re-sultado lesivo. Com efeito, da leitura dosseus incisos se constata que o resultadonão integra os tipos ali descritos. De suaparte, nos crimes contra a ordem tribu-tária previstos na Lei nº 8.137, o núcleodo crime é suprimir ou reduzir tributoscom a intenção de causar um dano aoerário público. Trata-se, portanto de umcrime de resultado que participa dasubespécie dos crimes de dano”.76

75 In “Questão Prejudicial nos Crimes Contra a Ordem Tributá-ria”, artigo publicado na Revista Dialética de Direito Tributário,vol. 9, p. 49.76 In Infrações Tributárias e Delitos Fiscais, Ed. Saraiva, 2ª ed.,1996, pp. 102/103.

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79Anotações sobre Direito Penal Tributário, Previdenciário e Financeiro

Por oportuno, merecem transcrição as bem-lança-das conclusões de Gerd W. Rotchmann, no trabalho“Extinção da Punibilidade nos Crimes contra a OrdemTributária”:77

“Nas duas Leis (Leis nº 8.137/90 e 4.729/65), o bem jurídico protegido é distinto.Enquanto que na Lei nº 4.729/65, o bemjurídico protegia o direito do Fisco à in-formação das situações de fato definidaspor lei como fatos geradores da obriga-ção de pagar tributo, a Lei nº 8.137/90passou a proteger, no seu art. 1º, aprópria receita tributária. Com outraspalavras, a Lei nº 4.729/65 punia asonegação de informações ao passo queo art. 1º da Lei nº 8.137/90 pune asonegação do próprio tributo”.78

Em suma, a consumação dos crimes de sonegaçãofiscal praticados até 27 de dezembro de 1990, ainda,sob a égide da Lei nº 4.729/65 (art. 1º), ocorre nomomento da própria conduta, com o mero compor-tamento antijurídico, ou seja, com a lesão ao interessediretamente protegido (fé pública, administraçãopública), independentemente se a lesão causada aos

77 Publicado in Repertório IOB de Jurisprudências 29/2/95, 2ª quin-zena de janeiro, sobre a matéria.78 Apud, Hugo de Brito Machado, ob. cit.

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cofres públicos venha acontecer já no exercício fiscalda Lei nº 8.137/90. A prescrição, desse modo, regu-lar-se-á, para efeito de extinção da punibilidade, nostermos do art. 107, IV, do Código Penal, pelo quedispõe a Lei nº 4.729/65.

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A QUESTÃO DAS PROVAS OBTIDASPOR MEIOS ILÍCITOS E OS CRIMESCONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA

utra questão relevante que, lamentavelmente, setem tornado uma praxe é a obtenção de prova

por meio ilícito nos crimes contra a ordem tributária.

A primeira hipótese surge quando o contribuintevem a ser compelido, até sob a ameaça de prisão, afranquear a entrada dos agentes fiscais, em seu localde trabalho, em princípio, para a busca de um do-cumento específico ligado à apuração fiscal relativaa determinado tributo, quando, na verdade, o que sebusca, sob o pretexto de mera fiscalização, é a pro-moção de devassa fiscal, com a apreensão aleatória dedocumentos.

Note-se que, neste caso — em que o contribuinteé coagido a cooperar na produção de provas que oincriminam —, além da invasão de domicílio, tambémhá a violação do direito constitucional, previsto noinciso LIV, art. 5º, da Magna Carta.

Não se pode negar que a Receita Federal tenha opoder de fiscalizar pessoas físicas, empresas, estabe-

O

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lecimentos comerciais etc. Aliás, o Código Tributá-rio Nacional, em seu art. 195, deixa bem claro queautoridade administrativa tem o “direito de examinarmercadorias, livros, arquivos, documentos, papéise efeitos comerciais ou fiscais, dos comerciantes, in-dustriais ou produtores...”

No entanto, há limites à devassa fiscal. Nesse sen-tido vêm se posicionando todos os tratadistas sobre amatéria, como o professor de Direito Financeiro daUniversidade de Brasília Igor Tenório.79

Por outro lado, o Egrégio Supremo Tribunal Fe-deral, em consonância com a preocupação dosdoutrinadores acerca do tema, cristalizou a orienta-ção de que “estão sujeitos à fiscalização tributáriaou previdenciária quaisquer livros comerciais, limi-tado o exame ao ponto objeto da investigação”(Súmula 439, grifamos).

Inexiste dúvida de que a autoridade administrativatem o poder de examinar a documentação de uma em-presa, para fins de fiscalização específica. O que nãose admite, segundo exsurge do CTN, da Súmula 439 eda orientação doutrinária, é a extrapolação desse li-mite, com a invasão de uma empresa, e a apreensãoaleatória de documentos.

Frise-se que, tanto a citada súmula da SupremaCorte quanto o Código Tributário Nacional foram pro-mulgados bem antes da atual Carta Magna, que, ao con-

79 In Direito Penal Tributário, Editor José Bushatsky, 1973, p. 42.

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sagrar a inviolabilidade do domicílio como garantiaconstitucional, só permitiu a busca e apreensão pormeio de mandado judicial.

Além do mais, a moderna hermenêutica prescreveque as disposições infraconstitucionais devem ser in-terpretadas de acordo com os mandamentos constitu-cionais.

Parece evidente que todas as normas reguladorasdo poder de fiscalizar da administração pública estãosubordinadas aos preceitos da Constituição Federal de1988, devendo obedecer e encontrar limites nas ga-rantias constitucionais consagradas na Carta Magna.

Pode a autoridade administrativa solicitar aos res-ponsáveis pela empresa a entrada no recinto para rea-lizar uma fiscalização de rotina, visando examinar li-vros e documentos pertinentes à fiscalização. Nãopodem, contudo, sob pretexto desta rotineira fiscali-zação, sem o consentimento dos proprietários, e sevalendo do “metus publicae potestatis”, invadir asdependências da firma — sem que nada fosse exami-nado —, apenas, buscando e apreendendo todo tipo dedocumentos que encontrem pela frente. Por esta ação,verdadeira devassa, os agentes do Fisco cometem ocrime de invasão de domicílio, uma vez que não esta-vam munidos do competente mandado de busca e apre-ensão, exarado por Juiz competente.

Impende ressaltar que nossa lei penal equipara aoconceito de casa qualquer “compartimento não abertoao público, onde alguém exerce profissão ou ativi-dade” (art. 150, parágrafo quarto, inciso III, do CP).

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Dentro desta interpretação, o Superior Tribunal deJustiça, julgando caso semelhante, firmou entendimen-to no sentido de que:

“No conceito de domicílio, forçoso é re-conhecer a abrangência do local de tra-balho, desde que fechado, vale dizer semacesso amplo e irrestrito do público. É oque se extrai do preceito contido no art.246 do CPP, avalizado pela doutrina es-pecializada e pelo Supremo Tribunal Fe-deral (Ação Penal n° 307-3, Relator Mi-nistro Ilmar Galvão), em recente e rumo-roso caso”.80

O Ministro William Patterson, em judicioso votoproferido no julgamento do writ acima mencionado,descendo a pormenores, asseverou que

“Com efeito, restou evidenciado que oprocesso criminal foi instaurado combase na documentação apreendida noescritório do paciente, em operação rea-lizada por agentes da Receita e PolíciaFederal.

Também noticiam os autos, segundo de-preendi, que a atuação dos representan-tes daqueles dois órgãos, não estavam

80 STJ, HC 3.912/RJ, 6ª Turma, Rel. Min. Vicente Leal, DJU de 8/4/96,p. 10.490.

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autorizados, regularmente, a proceder,no local, à inspeção, e muito menos mu-nidos de mandado judicial para, inclu-sive, realizar apreensões de tal natu-reza (...).Nem se diga, com a devida vênia, que ou-tras provas coligidas no curso da instru-ção, principalmente a testemunhal, po-dem servir para demonstrar a práticadelituosa. Tratando-se de crime de sone-gação só a documentação fiscal consti-tui elemento material, imprescindível nocontexto probatório. Retirada do proces-so, por sua obtenção irregular, estará omesmo esvaziado, isto é, desvestido domínimo suporte para escorar a denúncia,motivo pelo qual a nulidade do procedi-mento é a conseqüência lógica”.

De igual maneira, também o Supremo Tribunal, nojulgamento da Ação Penal n° 307, em que foram réuso ex-Presidente Fernando Collor, Paulo César Fariase outros, analisando preliminar argüida pelo próprioPaulo César, no sentido de ser declarada inadmissívelcomo prova os dados de um computador apreendidopela Receita Federal, sem mandado judicial, do escri-tório de sua empresa, decidiu:

“... Inadmissibilidade, como prova, delaudos de degravação de conversa tele-fônica e de registros contidos na me-

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mória de microcomputador, obtidos pormeios ilícitos (art. LVI, da ConstituiçãoFederal); no primeiro caso, por se tra-tar de gravação realizada por um dosinterlocutores, sem conhecimento do ou-tro, havendo a degravação sido feita cominobservância do princípio do contra-ditório, é utilizada com violação à pri-vacidade alheia (art. 5°, X, da CF); e,no segundo caso, por estar diante demicrocomputador que, além de ter sidoapreendido com violação de domicílio, te-ve a memória nele contida sido degrava-da ao arrepio da garantia da inviola-bilidade da intimidade das pessoas...”.81

O eminente Relator da Ação Penal acima referi-da, Ministro Ilmar Galvão, examinando a questão dainviolabilidade do domicílio à luz da atual Constitui-ção Federal, demonstrou, in verbis:

“Sendo esta interpretação coerente como art. 5°, inciso XI, da Constituição Fe-deral, não há como negar que o ato pro-movido pelo Fisco resultou em restriçãoà garantia da inviolabilidade do domi-cílio que, numa extensão conceitual maislarga, abrange até mesmo o local onde

81 STF, julgado em 13/12/94, Rel. Min. Ilmar Galvão, Revista Forensen° 335/183.

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se exerce a profissão ou a atividade, des-de que constitua um ambiente fechado oude acesso restrito ao público (...), como éo caso típico do escritórios profissionais.Se a entrada dos agentes fiscais no es-critório da empresa (...) não foi consenti-da pelo morador ou quem a esse fosseequiparável, nem precedida de autoriza-ção judicial, ainda que tenham sido cum-pridos os demais procedimentos legais oque se pode concluir é que toda a dili-gência (...) foi maculada por um vício deorigem”. 82

O Ministro Celso de Mello, analisando a prelimi-nar suscitada nos autos da mesma Ação Penal, profe-riu um voto paradigmal sobre a matéria:

“... entendo que a apreensão dos regis-tros constantes do microcomputador per-tencente à empresa Verax, efetivada emseu escritório localizado na cidade de SãoPaulo/SP, decorreu de procedimento queexecutado por agentes administrativosdo Poder Público da União, vulnerou, demodo ostensivo e frontal, porque ausen-te o necessário mandado judicial a ga-rantia constitucional básica que dispõe

82 Revista Forense n° 335/206.

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sobre a tutela da inviolabilidade domi-ciliar.A proteção constitucional ao domicílioemerge, com inquestionável nitidez, daregra inscrita no art. 5°, XI, da CartaPolítica (...)”.

Sendo assim, nem a polícia judiciária e nem aadministração tributária podem, afrontando direitosassegurados pela Constituição da República, invadirdomicílio alheio com o objetivo de apreender, semordem judicial, quaisquer documentos que possam in-teressar ao Poder Público.

A essencialidade da ordem judicial para efeito derealização das medidas de busca e apreensão domici-liar nada mais representa, dentro do novo contextonormativo emergente da Carta Magna de 1988, a ple-na concretização da garantia constitucional pertinen-te à inviolabilidade do domicílio.83

Destarte, a norma constitucional de proteção aodomicílio — conceito no qual se inclui a empresa, oescritório ou local de trabalho — restringiu a atuaçãodas autoridades às hipóteses expressamente previstas:flagrante delito, prestação de socorro, ordem judicialou consentimento de quem de direito.

Ademais, há previsão legal específica para oscasos em que o contribuinte não franqueia a entradano domicílio ao agente tributário, para que possaproceder à fiscalização. Para esses casos, quando te-

83 Revista Forense 335/365.

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nha de se proceder em “local a que a fiscalização nãotenha livre acesso, devem ser promovidas buscas eapreensões judiciais” (art. 77, parágrafo 2º, Lei nº6.374/89).

Ressalta-se que tais documentos, conseguidosatravés de meios ilícitos (busca e apreensão sem or-dem judicial), são inadmissíveis para embasar qualquerprocesso, segundo o art. 5°, inciso LVI, da Constitui-ção Federal.

Nossa doutrina vem se insurgindo, em uníssono,contra violações constitucionais desta natureza.

Em consonância com a doutrina, nossos Tribunaistambém vêm se manifestando quanto à inadmissibi-lidade da prova obtida ilicitamente.

O Tribunal Regional Federal da 2ª Região, sobre otema, assim se posicionou:

“A prova obtida por meios ilegais ou ilí-citos é nula e não pode dar origem a umadenúncia apta (art. 5°, LVI, da Constitui-ção Federal”.84

O Relator do writ, Desembargador Federal NeyMagno Valadares, assim finalizou seu brilhante voto:

“Repilo, como ilógica e absurda, a tesede que as provas obtidas por meios ilíci-

84 DJU de 5/8/97, p. 59.104, Habeas Corpus n° 97.02.16051-0, julga-mento realizado no dia 17 de junho do ano de 1997, pela 2ª Turma.

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tos podem revelar indícios de delitos ajustificar a persecução criminal. Se a pro-va é nula, dela não pode resultar nenhumato válido”.

Vale citar, também, uma decisão do Superior Tri-bunal de Justiça:

“Processo visa a projetar a verdade real.Admissível, por isso, qualquer prova. AConstituição da República registra ape-nas uma ressalva: quando obtida pormeios ilícitos (art. 5°, LVI)” .85

Mais recentemente, o STJ, em rumoroso caso,admitiu que a prova obtida por meios ilícitos “afeta oprocedimento”, principalmente cuidando-se de crimede sonegação fiscal. Eis a ementa:

“Apreendida no escritório do paciente, adocumentação que deu origem ao pro-cesso criminal, sem as cautelas recomen-dadas no item XI, do art. 5°, da Consti-tuição Federal, forçoso é reconhecer quese cuida de prova obtida por meio ilícito,circunstância que afeta o procedimento(inciso n° LVI do citado dispositivo), prin-

85 In O Direito Constitucional e a efetividade de suas normas,3ª edição, Ed. Renovar, p. 366. Recurso Especial n° 55.165-0-GO, noqual funcionou como relator o Ministro Vicente Cernicchiaro.

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cipalmente cuidando-se de crime de so-negação fiscal. Nulidade que se acolhe.Habeas corpus deferido”.86

No julgamento da Ação Penal em que foram réuso ex-Presidente Fernando Collor, Paulo César Fariase outros, já aludida, o Pretório Excelso, analisandopreliminar levantada pelo acusado Paulo César, comojá se disse, firmou entendimento de que a busca e apre-ensão feita sem mandado judicial vicia a prova, nãosendo ela admissível.87

Mais uma vez, citamos o voto do Ministro Celsode Mello, proferido nos autos da Ação Penal acimareferida, quando o eminente julgador advertiu que:

“ Impõe-se registrar, como expressiva con-quista dos direitos instituídos em favordaqueles que sofrem a ação persecutóriado Estado, a inquestionável hostilidadedo ordenamento constitucional brasilei-ro às provas ilegítimas e às provas ilíci-tas. A Constituição da República, por issomesmo, sancionou, com a inadmissibi-lidade de sua válida utilização, as pro-vas inquinadas de ilegitimidade ou deilicitude (...).

86 STJ, HC 3912/RJ, 6ª Turma, Rel. p/ acórdão Min. William Patterson,DJU de 8/4/96 p. 10.490.87 Revista Forense 335/183.

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A absoluta invalidade da prova ilícitainfirma-lhe, de modo radical, a eficáciademonstrativa dos fatos e eventos cujarealidade material ela pretenda eviden-ciar (...)”;

e assim conclui o douto Ministro:

“A prova ilícita é prova inidônea. Maisdo que isso, prova ilícita é prova impres-tável. Não se reveste, por essa explícitarazão, de qualquer aptidão jurídico-ma-terial. Prova ilícita, sendo providênciainstrutória eivada de inconstituciona-lidade, apresenta-se destituída de qual-quer grau, por mínimo que seja, de efi-cácia jurídica”.88

Não se pode, a fim de justificar uma diligência ilí-cita, nem mesmo dizer, como afirmam alguns, querepresentantes da empresa franquearam a entrada daautoridade administrativa para proceder à fiscaliza-ção. Esta é uma justificativa muito usada pela Recei-ta Federal e pela Polícia Federal para dar um certotom de legalidade aos atos arbitrários praticados.Ora, como poderiam os proprietários de empresasimpedir a entrada dos fiscais, já que, pelo simplesfato de estes serem funcionários públicos, incutem o

88 Revista Forense 335/362.

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temor de seu poder — sem falar nas ameaças e coa-ções a que está sujeito o contribuinte diante de taiscircunstâncias?

Ainda que os representantes da empresa venham apermitir o ingresso dos agentes administrativos norecinto da firma, para efetuarem a fiscalização, nãoteriam eles o poder de invadir todas as dependênciasde uma companhia e apreender documentos aleatoria-mente, sem ordem judicial. A documentação arreca-dada nestes termos torna a prova ilícita.

Registre-se que o Tribunal Pleno do Supremo Tri-bunal Federal, ao julgar o HC n° 79512-9/130, no dia16/12/99, entendeu que se não houver prova de que osagentes fiscais, desprovidos de ordem judicial, entra-ram na empresa sem o consentimento dos represen-tantes, não há como se configurar o delito de invasãode domicílio, que eivaria de ilicitude a prova colhida.Como não ficou demonstrada a oposição dos repre-sentantes da empresa, a ordem foi denegada.

Diante desta recente decisão, cabe indagar: comoprovar que os representantes de uma empresa somen-te cederam à entrada dos fiscais sem ordem judicial,depois de ameaçados de prisão por estes? Seria, emverdade, a ameaça pela prática do crime de desobe-diência.

Quando comenta o crime de concussão MagalhãesNoronha89 mostra que este delito pode ser praticado

89 In Direito Penal, vol. 4, p. 235, 17ª ed., 1986.

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de duas formas: O funcionário público, valendo-se docargo, “intima, sem rebuços, a pessoa a lhe conce-der a vantagem. É a exigência explícita. Pode, en-tretanto, não revestir essa forma crua e insólita,agindo, antes o concussionário com manha, malí-cia, ou de modo capcioso”. E, apoiando-se em Car-rara, cita-o: “o funcionário venal não pede, mas fazcompreender que aceitaria; não ameaça, masfaz nascer o temor de seu poder”. E acrescenta Ma-galhães Noronha “que essa modalidade denomina-se implícita”. Em qualquer dessas modalidades (a ex-plícita e a implícita), segundo o festejado autor há o“metus publicae potestatis”.

Como na concussão, o mesmo temor faz com queo responsável pelo estabelecimento ceda à exigênciaexplícita ou implícita dos agentes fiscais ou policiaise não se oponha à busca e apreensão realizada sem odevido mandado.

A prova, assim obtida, é inegavelmente ilícita.

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95Anotações sobre Direito Penal Tributário, Previdenciário e Financeiro

APROPRIAÇÃO INDÉBITA DECONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS

DIFICULDADES FINANCEIRAS

INEXIGIBILIDADE DE CONDUTADIVERSA

AUSÊNCIA DE ANIMUS REM SIBIHABENDI

Breves comentários ao novo art. 168-A do Códi-go Penal.

primeira previsão específica, em nossa legisla-ção, no sentido de se tipificar a conduta do agen-

te que não recolhe aos cofres públicos as contribui-ções previdenciárias retidas nos pagamentos efetua-dos aos empregados ou a terceiros surge na Lei n°3.807/60 (Lei Orgânica da Previdência Social), que,em seu art. 86, estatui: “Será punida com as penasdo crime de apropriação indébita a falta de recolhi-mento, na época própria, das contribuições e deoutras quaisquer importâncias devidas às institui-ções de previdência e arrecadadas dos seguradosou do público”.

A

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Daí, talvez, venha a expressão comumente utiliza-da “apropriação indébita de contribuição previ-denciária”, porquanto o legislador remeteu a comina-ção de pena, por infração ao art. 86 da lei supra-referida, ao art. 168 do Código Penal (apropriaçãoindébita).

Posteriormente, o legislador, revogando o men-cionado art. 86 da Lei nº 3.807/60, tipificou a ação naLei nº 8.137/90 (art. 2°, II), que define crimes contraa ordem tributária, econômica e contra as relações deconsumo: “Art. 2° — Constitui crime da mesma na-tureza: II — deixar de recolher, no prazo legal, va-lor de tributo ou de contribuição social, desconta-do ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo deobrigação e que deveria recolher aos cofres públi-cos”.

Com o advento da Lei nº 8.212/91, que dispõesobre a organização da Seguridade Social, a hipótesepassou a ser tipificada no art. 95, “d”. Eis a letra da lei:“Constitui crime: d) deixar de recolher, na épocaprópria, contribuição ou outra importância devidaà Seguridade Social e arrecadada dos seguradosou do público”.

Hoje, está em vigor a Lei nº 9.983/00, publicadaem 14 de julho de 2000 (com um período de 90 diasde vacatio legis), que alterou o Código Penal, insti-tuindo, para os casos de apropriação indébita de con-tribuição previdenciária, o art. 168-A do CP, que pas-sou a viger com a seguinte redação: “Deixar de re-passar à Previdência Social as contribuições reco-

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97Anotações sobre Direito Penal Tributário, Previdenciário e Financeiro

lhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ouconvencional”, cuja reprimenda é de reclusão de 2(dois) a 5 (cinco) anos e multa.

Este novo art. 168-A do Código Penal, criado pelaLei nº 9.983/00, por ser mais benéfico que a previsãolegal anterior (eis que a Lei nº 8.212/91, em seu art.95, alínea “d”, remete a cominação da pena ao art. 5°da Lei nº 7.492/86, ou seja, reclusão de 2 (dois) a 6(seis) anos), retroage para atingir os fatos ocorridosanteriormente a 14 de outubro de 2000, data de suapublicação.

De acordo tanto com a Lei nº 8.212/91 como como novo art. 168-A do CP, trata-se o delito em epígrafede ilícito penal omissivo próprio, ou seja, aquele ob-jetivamente previsto como uma conduta negativa, umnão fazer o que a lei diz que se deve fazer, no caso, é o“deixar de recolher” ou o “deixar de repassar” aoscofres públicos as contribuições descontadas dos se-gurados e contribuintes.

Percebe-se que o legislador, a partir de 1960, co-meçou a se preocupar especificamente em criar umtipo penal relacionado à atividade empresarial e àseguridade social.

Nestas quatro décadas, a sociedade, como, tam-bém, a estrutura econômica de nosso país passarampor profundas modificações. As diferentes políticasde governo, os sucessivos planos econômicos, em suagrande maioria recessivos, acabaram por gerar refle-xos contundentes nas áreas de arrecadação de impos-tos e contribuições sociais, sobretudo, em relação à

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atividade empresarial. O não recolhimento de contri-buições previdenciárias aos cofres públicos chega,nos tempos atuais, a atingir níveis jamais vistos. Tu-do isto, não temos medo de errar, é fruto do suca-teamento de pequenas, médias e grandes empresas, quenão conseguem mais suportar a pesada carga tributá-ria imposta.

Este fator tem de ser levado em conta pelos re-presentantes do Ministério Público e Juízes no mo-mento em que elaboram uma denúncia ou quandoexaram uma sentença, pois não é possível, diante doquadro que se apresenta, que a conduta pura e simplesde não recolher as contribuições previdenciárias sejaa base para uma acusação ou uma condenação. Estasnão podem ser proferidas divorciadas das circunstân-cias em que ocorre a ação.

Nos chamados crimes societários, sobretudo, osreferidos nesta obra, nos itens anteriores (delito desonegação fiscal e apropriação indébita de contribui-ção previdenciária), o que temos percebido, em virtu-de de nossa prática profissional, é que a crise econô-mica, sentida por todos nós, primordialmente, a partirdo Governo do ex-presidente Fernando Collor, temafetado o comércio e a indústria de forma geral, a pon-to de levar um grande número de estabelecimentos eempresas à falência ou ao estado pré-falimentar.

Esta assertiva pode ser comprovada pelo númerode processos que versam sobre crime de apropriação

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indébita de contribuições previdenciárias, por exem-plo, que tramitam nos foros federais. Feita uma esta-tística, comprovar-se-á que a grande maioria das au-tuações, que servem de supedâneo para os procedi-mentos criminais, relativos à aludida apropriação indé-bita de contribuições previdenciárias, surgiram nestamesma época.

Portanto, o fator da desordem econômica, que temfeito tantas empresas “quebrarem”em nosso país, éum requisito do qual não se pode olvidar no momentodo oferecimento de uma exordial ou prolação de umasentença, neste tipo de delito.

É bem verdade que a crise econômica, que gera adificuldade financeira das empresas, não pode, unica-mente, servir de pilar genérico para a absolvição detodos os sócios ou dirigentes de empresas que deixa-rem de pagar seus impostos, pois, caso assim fossedecidido, se estaria colocando em igualdade de con-dições pessoas honestas, cumpridoras de seus deve-res, mas que sentiram os efeitos da crise econômica,com verdadeiros criminosos, que, em boa situação, sevaleriam, sempre, da crise fianceira como fundamen-to para não pagar o devido ao Estado.

A maioria dos gestores de empresas que decidemnão recolher aos cofres públicos contribuições des-contadas de seus empregados, segundo temos visto,em processos dos quais participamos, são pessoasde bem, as quais, nos casos concretos, não agiram com

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o dolo específico da apropriação (o animus remsibi habendi), ou das quais não se poderia exigir outraconduta, uma vez que, durante determinado período,tiveram a difícil tarefa de optar pelo não pagamen-to das contribuições, evitando a falência de compa-nhias, o que significaria o desemprego de milhares depessoas.

Na maior parte dos casos, fica claro que a de-sesperadora situação financeira das empresas, cujosrepresentantes sentaram no banco dos réus, não forafruto, por exemplo, de uma má administração, ou dequalquer outro fato isolado ou sazonal.

Constatamos, e acreditamos, que esta é a tônicada grande porcentagem dos casos que chegam à esferajudicial criminal. A partir de 1990, grandes segmen-tos industriais e comerciais passaram de um estado deboa saúde financeira para um estado de pré-falência.

Tal quadro, acima descrito, tem feito surgir, emquase todas as hipóteses, para o empresário-adminis-trador (o que toma as decisões dentro de uma compa-nhia), a seguinte situação: Não há dinheiro para reco-lher impostos e ao mesmo tempo manter a ope-racionalidade da empresa. Então, o que fazer? Reco-lher os tributos aos cofres públicos ou pagar saláriose contas, manter empregos, enfim, fazer com que aempresa continue operando?

Os que decidem por não demitir, por não fecharas portas, por não aumentar ainda mais o número de

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desempregados em um país onde a pobreza atinge grausalarmantes, deixando, momentaneamente, de recolheras contribuições devidas à Seguridade, acabam por res-ponder a ações penais, mesmo quando não agiram como ânimo de se apropriar, ou quando lhes era inexigívelatuar de forma distinta.

Os Juízes Federais do Estado do Rio de Janeiro,em sua quase totalidade, ao se depararem com o qua-dro acima descrito, de fatos ocorridos sob a égide daLei nº 8.212/90, vêm absolvendo, aliás, como tem deser, administradores, sócios, diretores, gerentes deempresas, ora de acordo com a tese da inexigibilidadede conduta diversa, ora pela ausência de dolo especí-fico. Alguns chegam até mesmo a afirmar que nas si-tuações em que se demonstra a adversidade financei-ra, ao não recolher aos cofres do Estado as contribui-ções descontadas dos prepostos, faltaria aos acusadosa real possibilidade de agir, que integraria o tipo pe-nal. Outros aduzem que tem de se demonstrar o intui-to de fraude por parte daquele que deixa de recolheraos cofres públicos as aludidas contribuições previ-denciárias descontadas de seus funcionários. Vejamosalguns exemplos.

O Juízo da antiga 25ª Vara Federal,90 ao proferirum decreto absolutório (sentença exarada pelo dr. Flá-vio Oliveira Lucas), deixou registrado:

90 Nos autos do Processo n° 960067297-0, em 1/9/98.

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“Preliminarmente, considero apropriadoconsignar que embora a norma do art.95, alínea d, da Lei nº 8.212/91, utilize-se de conceitos e institutos tributários vi-talmente importantes, é acima de tudonorma penal e sua interpretação devenorteada por princípios criminais.

(...) Ocorre que o tipo penal omissivo pró-prio, como entendendo ser o sub examen,exige do agente, para se caracterizar suaconduta como típica, a denominada ‘realpossibilidade de agir’ que não restouevidenciada nos autos. Não é demais lem-brar que tal prova, a toda evidência, éde incumbência do Ministério Público,eis que integra o próprio tipo penal. Vê-se, pois, que sob essa ótica, as alegaçõesde dificuldades financeiras da empresanão são deslocadas para a esfera daculpabilidade (inexigibilidade de con-duta diversa), mas passam a ser trata-das quando da análise do próprio tipopenal”.

Seguindo o mesmo caminho, o Juízo da 6ª VaraFederal Criminal,91 em 9 de agosto de 1999, nos autosdo Processo n° 950029519-9, prolatou sentença ab-

91 Decisum da lavra da Juíza Ana Paula Vieira de Carvalho.

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solvendo sócios de empresas, acusados de se apro-priarem de contribuições previdenciárias, asseveran-do o seguinte:

“Não se duvida, pois, estarmos diante decrime omissivo, que, por não se referir àevitação de um resultado pelo garanti-dor, mas sim ao simples não cumprimen-to de um dever de agir, é entendido peladoutrina como omissivo próprio.

Ora, bem se sabe que a omissão, por nãose cuidar de categoria pertencente mun-do do ‘ser’, pressupõe sempre se analisea chamada ‘ação esperada’, ou, maisprecisamente, pressupõe sempre não façao sujeito ativo algo que dele se espera.

Assim é que apenas existirá omissão pe-nalmente relevante quando o agente frus-trar as expectativas que sobre ele eramdepositadas, no sentido de que agisse deuma determinada maneira. Quando nadase espera de alguém, a inação não cons-titui omissão.

Partindo-se desta premissa, parece bas-tante razoável entender que a ação es-perada deva ser de realização possívelao agente. Deveras seria chocante exi-gir do sujeito ativo, sob pena de infliçãode uma pena, uma ação que não se pu-desse empreender.

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Por esta razão, o ‘poder de agir confor-me à norma’ normalmente inserido naculpabilidade, faz parte da própriatipicidade dos delitos omissivos pró-prios, havendo quanto aos imprópriosalguma controvérsia na doutrina, em vis-ta das peculiaridades da posição de ga-rantidor.

(...)No caso presente, parece evidente queo crime em questão exige para que seconsidere típica a conduta do respon-sável tributário, que este efetivamentepossa recolher o numerário a ser pagopara fim de quitação das contribuiçõesprevidenciárias. Inexistindo esta possi-bilidade, quer porque não existe o di-nheiro a ser utilizado, quer porque asdificuldades financeiras da empresa im-pelem o sócio gerente a priorizar paga-mentos vitais para a continuação do ne-gócio, imperativo reconhecer a ausênciade crime”.

O Juízo da antiga 25ª Vara Federal, além de já terdecidido, dentro do tema que ora tratamos, faltar aoacusado, representante de empresa que passa por difi-culdade financeira, real possibilidade de agir, quandoeste deixa de recolher aos cofres do INSS as contri-buições descontadas dos prepostos, conforme já cita-mos, enveredou, outrossim, pelo caminho da inexi-

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gibilidade de conduta diversa, causa extralegal de ex-clusão da culpabilidade. Em decisum de 3 de feverei-ro de 1997,92 prolatado pelo dr. Guilherme CalmonNogueira, foram absolvidos dois acusados, sob o ar-gumento de que:

“Restou evidenciado, assim, não somen-te pela própria natureza da empresa, desociedade civil sem fins lucrativos, alia-da aos demais elementos de prova, queos acusados não tiveram outra soluçãoa não ser deixar de recolher as contri-buições previdenciárias no mês de janei-ro de 1994, aguardando o aparecimentode receita suficiente para tal. E, logo queobtiveram o numerário suficiente, proce-deram ao recolhimento do encargo pre-videnciário, numa demonstração de querealmente agiram sob a excludente daculpabilidade da inexigibilidade de con-duta diversa”.

O Juízo da 7ª Vara Federal Criminal93 proferiu sen-tença absolutória, sedimentando o entendimento queora reproduzimos:

92 Nos autos do Processo n° 9441690-3.93 Em decisão prolatada em 3 de agosto de 1999, nos autos do Pro-cesso n° 9761529-4, pelo Juiz Marcello Granado.

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“Outra circunstância que vem endossara falta de comprovação da fraude éa questão das dificuldades financeirasdemonstradas neste e em outros pro-cessos que já examinei: a inexigibilidadede conduta diversa como causa supra-legal de exclusão da culpabilidade dosacusados.

(...)Tenho, por tudo isso e pelo mais queconsta dos autos, que, nas circunstân-cias em que se encontrava o acusado, nãolhe era exigível maior sacrifício de seusbens para satisfação do débito previ-denciário constatado, ainda mais quan-do se verifica que, na medida do possí-vel, e mesmo com todas as adversidades,tentou o acusado pagá-lo integralmen-te, havendo parcelado a dívida.

(...).

Não se exige em casos como este que oagente chegue à penúria para, aí sim,indentificar-se como inexigível o compor-tamento ditado pela norma.

Tenho que os bens jurídicos postos emconflito guardam o mesmo valor social,não sendo exigível, no caso, maiores sa-crifícios para superar as dificuldades dasociedade e da sua própria condição pes-soal, especialmente quando se observa,

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como, aliás, feito acima, que o débito jáestá sendo parcelado”.

Em processos onde se evidenciam as dificuldadesfinanceiras, o Juízo da 7ª Vara Federal Criminal pare-ce estar sendo pioneiro em sustentar uma outra tese,qual seja, a de que o tipo penal em que se capitula aapropriação indébita de contribuições previdenciáriasrequer a demonstração da fraude por parte do agente.No mesmo decisum supra-reproduzido, além de en-tender estar presente a excludente de culpabilidade, oJuízo Monocrático asseverou o seguinte:

“A conduta imputada (...) se enquadravano tipo penal da apropriação indébita(art. 168 do CP, ex vi do art. 155, II, daLei nº 3.807/60), atualmente encontrasubsunção típica no art. 95, ‘d’, da Leinº 8.212/91 embora tenha a pena reme-tida ao preceito secundário do art. 5°, daLei nº 7.492/86, dispõe, em sua essência,da mesma forma que dispunha o art. 2°,II, da Lei nº 8.137/90.

O seu objeto material, em essência, tam-bém não difere, pois, daquele do crimede sonegação fiscal definido no art. 2°,II, por último citado e é, no caso, a frau-de ao Fisco, caracterizada pela apro-priação mediante retenção, inverten-do portanto a posse sobre o numerário

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além do prazo estipulado para o recolhi-mento dos valores que recebeu de tercei-ros para tal finalidade e em razão de seuenvolvimento na relação jurídica que ca-racterizou o fato gerador da contribui-ção. A ação física do agente atinge a or-dem tributária, pois ocorre aqui desviopuro e simples de tributos ou contribui-ções sociais, de modo que pode ser am-pliado o entendimento e aceitar-se queocorreu efetivamente fraude ao Fisco.

Vê-se, portanto, que o legislador cami-nhou da simples apropriação indébitaremetida, crime material contra o pa-trimônio para tipo penal especial ‘sone-gação fiscal’. A apenação de condutasdessa natureza deixou seu berço (Códi-go Penal) e rumou para a área especialda sonegação fiscal, no particular, pou-co importando o hodierno lugar de suaprevisão: mesmo que alíneas anterioresà de que se trata também estampam con-dutas com núcleos de sonegação.

Por isso, entendo que a natureza jurídi-ca da infração penal em questão, de di-reito penal, permanecendo ou não noDiploma Legal, assim denominado, estáafetada à ordem tributária em seu senti-do amplo. Está a exigir o mesmo elemen-to subjetivo antes exigido pela Lei nº

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8.137/90, qual seja o dolo especial e di-reto do agente de obter a supressão ouredução de contribuições que, por suavez, caracteriza a sua ação dirigida paraa sonegação integral ou parcial.

(...)Esse desiderato será plenamente al-cançado se considerarmos como inte-grante do tipo nesses crimes o especialfim de agir mediante a prática fraudu-lenta no sentido de descumprir as obri-gações fiscais acessórias com o objetivode suprimir ou reduzir tributo ou contri-buição social.

Podemos, então, afirmar que a fraudeestá implícita no próprio dolo específicodessas figuras delituosas. Pouco impor-ta que neles haja previsão de fraude,porquanto esta é a única exegese capazde harminizar os tipos previstos no art.2°, II, da Lei nº 8.137/90, como tambémas normas penais concernentes à falta derecolhimento das contribuições sociais(art. 95, Lei nº 8.212/91), com o princípioconstitucional que impede a prisão pordívida (art. 5°, LXVII, CR).

(...)Tenho pois, como imprescindível emcasos como o presente, a demonstração,ab initio, do elemento subjetivo do tipo,a demonstração da fraude, elementodiferenciador entre a infração adminis-

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trativo-tributária-fiscal e a penal, sobpena de ferir-se o princípio da razoabi-lidade, subverter-se a justiça penal emagente de cobrança coercitiva de tribu-tos em favor do Fisco que já tem foro eprocedimento próprios para tanto”.

As turmas do Tribunal Regional Federal da 2ª Re-gião, com sede no Rio de Janeiro, nos casos que seapresentaram com o arcabouço probatório demons-trativo de que empresas cujos responsáveis deixaramde recolher as contribuições sociais dos empregadospassavam por dificuldades financeiras, no momentodo recolhimento, entenderam ora aplicar a tese dainexigibilidade de conduta diversa, ora a tese da au-sência de dolo por parte dos administradores, absol-vendo-os. Trazemos à baila algumas ementas eluci-dativas, em ordem cronológica:

“Sócios denunciados por terem deixadode repassar ao órgão previdenciário ascontribuições descontadas de seus fun-cionários.

Configurada, no caso, a inexigibilidadede conduta diversa, tendo em vista a com-provação nos autos, através de prova tes-temunhal, da inviabilidade econômica daempresa.

Ademais, a alegação de que o crime écomissivo próprio (de mera conduta),

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consumando-se, tão-somente, com o nãorecolhimento, significa, em última análi-se, punição de dívida com prisão penal,o que contraria o disposto no art. 5°,LXVII, da Constituição Federal”.94

“Ausência de indícios de que as impor-tâncias que deveriam ser recolhidas àprevidência social, relativas à contribui-ção descontada da remuneração dos em-pregados, tenham sido apropriadas inde-vidamente, ou desviadas para outros fins.Para que haja infração penal, é precisoestar evidenciado o desvio das importân-cias em proveito próprio ou alheio, nãosendo suficiente uma simples suposiçãode dolo.Caso em que ficou demonstrado que aempresa deixou de existir pela própriainviabilidade econômica, emergindo apresunção de que ocorreu causa exclu-dente da ilicitude”.95

“Restando amplamente demonstradas asdificuldades financeiras enfrentadas pe-

94 Apelação Criminal n° 960223178-5 (Interposta pelo MPF), TRF,2ª Turma, Rel. Des. Silvério Cabral, julgamento em 13/8/97, publicadono DJU em 23/9/97.95 Apelação Criminal n° 960216239-2, TRF, 3ª Turma, Rel. Des. ValmirPeçanha, julgamento em 22/6/98, publicado no DJ em 15/9/98.

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la empresa, que teve, inclusive, decreta-da a sua falência, impõe-se o reconheci-mento da ocorrência de causa suprale-gal de exclusão da culpabilidade, apli-cando-se, na hipótese, o princípio da ine-xigibilidade de conduta diversa”.96

“ Existência de provas documentais e tes-temunhais que sustentam a alegação edificuldade financeira enfrentada pelaempresa, ensejando o reconhecimento daexcludente de culpabilidade por inexi-gibilidade de conduta diversa.O art. 11, § único, da Lei nº 9.639/98, de26/5/98, mencionada pela Defesa, nãopode ser acolhido dada a inconstitu-cionalidade declarada pelo STF.Sentença não merece qualquer reparo,mantendo-se-a in totum”.97

“É elemento do tipo a conduta do des-conto das contribuições e, conseqüente-mente, há que ser provada pelo MPF.É insuficiente para acondenação a sim-ples conduta omissiva de recolhimento.

96 Apelação Criminal n° 970229619-6 (Interposta pelo MPF), TRF,2ª Turma, Rel. Des. Cruz Netto, julgamento em 9/2/99, publicado noDJ em 20/4/99.97 Apelação Criminal n° 980231740-3 (Interposta pelo MPF), TRF,5ª Turma, Rel. Des. Raldênio Bonifácio Costa, julgamento em 4/5/99,publicado no DJ em 8/6/99.

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A precariedade financeira faz surgir aexcludente de inexigibilidade de condu-ta diversa”.98

“ Comprovado que o não recolhimento decontribuições previdenciárias se deu emrazão de dificuldade financeira de em-presa é suficiente para assegurar a apli-cação do princípio da inexigibilidade deconduta diversa”.99

“A ausência de indícios de que as impor-tâncias que deveriam ser recolhidas àPrevidência Social, relativas à contribui-ção descontada da remuneração dos em-pregados, tenham sido apropriada inde-vidamente, ou desviadas para outros fins;Para que haja a infração penal, é preci-so estar evidenciado o desvio das impor-tâncias em proveito próprio ou alheio,não sendo suficiente uma simples supo-sição de dolo”.100

98 Apelação Criminal n° 970242274-4, TRF, 3ª Turma, Rel. Juiz Fe-deral Conv. André Kozlowski, julgamento em 30/6/99, publicado noDJ em 26/10/99, p. 258.99 Apelação Criminal n° 970240647-1, TRF, 4ª Turma, Rel. Des.Fernando Marques, julgamento em 4/8/99.100 Apelação Criminal n° 940222976-0 (Interposto pelo MPF), TRF,3ª Turma, Rel. Des. Valmir Peçanha, publicado no DJ em 22/7/97.

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“Não provada a existência de dolo cor-respondente à vontade de apropriaçãodos valores não recolhidos à Previdên-cia, e caracterizada a difícil situação fi-nanceira da empresa, não se pode confi-gurar o crime de apropriação indébita.A mera falta de pagamento não indica aexistência de crime, podendo conduzirunicamente a sanções de natureza tribu-tária.Vedada constitucionalmente a prisão ci-vil por dívida (art. 5°, LXVII), não se jus-tifica a criminalização da desobediênciafiscal, com a instauração de uma disfar-çada ação penal de cobrança”.101

“Embora não se aplicando, no caso, o art.34 da Lei nº 9.249/95, os pagamentos deparcelas dos débitos, adicionados à evi-dente prova das dificuldades financeiraspor que passava a empresa, à época re-velam a não ocorrência de dolo, ao nãose recolher, no momento oportuno as con-tribuições previdenciárias.Sob a nova legislação, com a devida vê-nia, a questão não se apresenta commaior diversidade jurídica, no ponto,

101 Apelação Criminal n° 950203305-1 (Interposto pelo MPF), TRF,1ª Turma, Rel. Des. Ricardo Regueira, julgado em 6/10/98, publicadono DJ em 13/4/99.

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porque o crime, além dos demais elemen-tos, só se configura se presente o chama-do animus rem sibi habendi, ou seja, o efe-tivo propósito de apropriar-se da quan-tia descontada dos salários dos empre-gados e o não recolhimento aos cofres daPrevidência, com o ânimo de se apro-priar da mesma.Os fatos apontados são de exame super-ficial, elementar o que é possível nestasede. O inadimplemento fiscal da empre-sa que atua há muitos anos e continuaa fazê-lo, foi por período relativamentepequeno. O elemento subjetivo do tiponão ocorreu(...)”.102

“Não é a simples existência da dívida quecaracteriza o crime, mas a demonstraçãode fraude em descontar a contribuiçãodos empregados em não recolher os res-pectivos valores ao órgão previdenciá-rio. Urge que haja conduta volitiva econsciente de agir fraudulentamente con-tra a Previdência Social, pressuposto esteimprescindível à caraterização do crime.

O único interesse a ser tutelado, no casoé o do erário, não havendo que se falar

102 Habeas Corpus n° 980215952-2, TRF, 3ª Turma, Rel. Des. ArnaldoLima, julgado em 16/12/98, publicado no DJ em 15/6/99.

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em infração penal, porque não houvedolo. Não é possível transformar açãode execução em ação prisional, processocivil em processo penal, sendo necessá-rio separar aquilo que se interessa aocárcere daquilo que interessa ao erário.

Há ausência de justa causa para o pro-cesso, podendo persistir essa ausência,ainda que existam recolhimentos por fa-zer, contribuições previdenciárias nãopagas”.103

“Para a configuração do delito tipificadono art. 95, ‘d’, da Lei nº 8.212/91 é im-prescindível o dolo do agente em apro-priar-se ou desviar para outros fins osvalores arrecadados a título de contribui-ções sociais e previdenciárias;

Se não restou comprovada nos autos aexistência de elemento subjetivo do tipo,impõe-se a absolvição do acusado...”.104

Como se verifica, o Tribunal Regional Federal da2ª Região, nos casos em que se demonstra a dificulda-de econômica da empresa, cujos dirigentes deixaramde recolher aos cofres do Estado as contribuições des-

103 Apelação Criminal n° 970217128-8, TRF, 2ª Turma, Rel. Des. Cas-tro Aguiar, julgamento em 8/6/98, publicado no DJ em 24/8/99, p. 302.104 Apelação Criminal n° 980238670-7, TRF, 4ª Turma, Rel. Des. Ro-gério de Carvalho, julgamento em 18/8/99, publicado em 21/10/99.

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117Anotações sobre Direito Penal Tributário, Previdenciário e Financeiro

contadas dos funcionários, vem mantendo sentençasabsolutórias e negando provimento aos recursos doMinistério Público Federal, ora pela tese da excludenteda culpabilidade ora pela tese da ausência de dolo es-pecífico de se apropriar das quantias (animus rem sibihabendi).

Ambos os caminhos parecem estar corretos.

O gestor de uma empresa em dificuldades que des-conta dos prepostos as contribuições previdenciáriase não as recolhe ou repassa aos cofres públicos esta-ria cometendo crime se restasse demonstrado que seutilizou do numerário descontado para enriquecimen-to próprio, locupletando-se ilcitamente. Todavia, seutiliza o numerário para manter a operacionalidade dacompanhia, preservando empregos, não se vislumbrao animus rem sibi habendi.

Por outro lado, não é reprovável a conduta do em-presário que deixa de recolher aos cofres da autarquiafederal as contribuições previdenciárias a fim impe-dir que uma empresa feche as portas, para evitar quetrabalhadores percam seus empregos. Não há culpabi-lidade, por ser inexigível outra conduta.

Qualquer que seja a caminho seguido, todas levamà absolvição, visto que a primeira (ausência de doloespecífico) exclui a tipicidade e a segunda (inexigi-bilidade de conduta diversa) exclui a culpabilidade.

* * *

Todas as teses que se aplicam aos casos ocorridosna vigência da Lei nº 8.212/90 aplicam-se, também,

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118 George Tavares, Kátia Tavares e Alexandre Lopes de Oliveira

ao novo art. 168-A do Código Penal, criado pela jácitada Lei nº 9.983/00. Este novo art. 168-A do CPtem a mesma natureza da alínea “d” do art. 95 da Leinº 8.212/91, sendo a redação de ambos os artigos pra-ticamente idêntica.

Destarte, não há qualquer motivo para que os Juízese Tribunais não continuem dando ao crime de apro-priação indébita de contribuições previdenciárias, pre-visto no recente art. 168-A do CP, o mesmo tratamen-to e interpretação constantes dos julgados descritosneste trabalho, relativos à Lei nº 8.212/91.

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119Anotações sobre Direito Penal Tributário, Previdenciário e Financeiro

APLICAÇÃO DO ART. 34 DALEI N° 9.249/95 AOSDELITOS PREVIDENCIÁRIOS

lgumas controvérsias começaram a surgir apósa promulgação da Lei nº 9.249, de 26/12/95, no

tocante à extinção da punibilidade nos crimes previ-denciários.

O art. 34 do supracitado diploma legal — que veioa restaurar a extinção da punibilidade nos delitos contraa ordem tributária — passou a ter seguinte redação:“Extingue-se a punibilidade dos crimes definidosna Lei nº 8.137, de 27 dezembro de 1990, e na Leinº 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o agentepromover o pagamento do tributo ou contribuiçãosocial, inclusive acessórios, antes do recebimentoda denúncia”.

Impende ressaltar que vários diplomas legais su-cessivos trataram da extinção de punibilidade nos cri-mes fiscais e previdenciários, antes de ser promulga-da a atual Lei nº 9.249/95.

A primeira lei, de n° 4.357/64, estabelecia em seuart. 11, § 1º que o fato deixava de ser punível no caso

A

119

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120 George Tavares, Kátia Tavares e Alexandre Lopes de Oliveira

de recolhimento do débito “antes da decisão admi-nistrativa de primeira instância”. Logo depois, aLei nº 4.729/65, no art. 2º, instituiu a extinção da pu-nibilidade se o agente promovesse o recolhimen-to do tributo devido, antes de ter início a própriaação fiscal; e a Lei nº 8.137/90, de 27/12/90, no seuart. 14, de forma mais abrangente, possibilitava aextinção da punibilidade, quando o agente promoves-se o pagamento do tributo antes do recebimento dadenúncia. Finalmente, a Lei nº 8.383/91, que criou aUFIR, expressamente revogou o art. 14 da Lei nº8.137/90.

Destarte, cuidava-se de leis sucessivas, em que seaplicava a intermediária mais benigna (art. 2º, parágrafoúnico, do Código Penal) às hipóteses cujo período dainfração se constituiu o fato gerador da obrigação,época que era permitido o pagamento do débito, antesdo recebimento da denúncia (Lei nº 8.137/90), mes-mo que já estivesse em vigor na data do processoadministrativo a Lei nº 8.383/91, mais severa —princípio do tempus regit actum.

Com a promulgação do art. 34 da Lei nº 9.249/95,o antigo art. 14 da Lei nº 8.137/90 foi restabelecido,determinando o legislador que a punibilidade do su-jeito passivo da relação tributária considera-se extin-ta quando o agente promover o pagamento dotributo devido, antes do recebimento da denúncia,não obstante ter sido a conduta praticada na vigênciada Lei nº 8.383/91, incidindo a causa extintiva depunibilidade.

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121Anotações sobre Direito Penal Tributário, Previdenciário e Financeiro

Poder-se-ia, de início, como ocorreu, haverquestionamentos quanto à aplicabilidade da Lei nº9.249/95 às hipóteses definidas no art. 95, letra “d”,da Lei nº 8.212/91 que tipifica o não recolhimentodas contribuições previdenciárias descontadas dosempregados, eis que a nova legislação, no art. 34, emseu teor, não faz referência expressa à mencionada Leinº 8.212/91, por omissão do legislador, que, a todaevidência, disse menos do que pretendia.

Com efeito, de uma análise acurada sobre a realvontade da norma, verifica-se que o mencionado dis-positivo, quando trata da extinção de punibilidade, sereporta textualmente ao pagamento do tributo ou con-tribuição social, devendo-se, assim, ampliar o sentidoou o alcance do texto legal, estendendo-se a aplicaçãodos seus efeitos aos delitos previdenciários, já que,conforme se vê, quis o legislador regular também oscrimes definidos na Lei nº 8.212/91.

Note-se, por oportuno, que antes do advento daLei nº 8.212/91, a conduta descrita na alínea “d”, doart. 95, vinha tipificada de forma idêntica no art. 2°,inciso II, da Lei nº 8.137/90. Assim, em virtude dessaidentidade de tipos, decorreu a semelhança de trata-mento benéfico em relação às conseqüências jurídi-cas ocorridas quando efetuados os pagamentos dosdébitos fiscais e previdenciários, antes do recebimentoda denúncia na forma prevista no art. 14 da Lei nº8.137/90.

Este posicionamento foi defendido pela nossadoutrina, à época, espancando as possíveis divergên-

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122 George Tavares, Kátia Tavares e Alexandre Lopes de Oliveira

cias quanto ao alcance da norma acima mencionada,já que as contribuições sociais nada mais são do quetributos, conforme dispõem os artigos 146 e 195,combinados com os artigos 146, III, e 150, I e III, to-dos da Carta Federal.105

Por outro lado, não se poderia deixar de aplicara analogia in bonam partem aos casos de apropria-ção indevida de contribuições previdenciárias, ten-do em vista a omissão do legislador que, no art. 34da Lei nº 9.249/95, não se referiu, expressamente,ao ordenamento previdenciário, não obstante tenhamencionado a promoção do pagamento da contribui-ção social.

É inquestionável a relação de semelhança entreos crimes de sonegação fiscal da Lei nº 8.137/90 ede não recolhimento de contribuição previdenciária,este agora definido no art. 95, letra “d”, da Lei nº8.212/91. O objeto jurídico tutelado pelas aludidasnormas incriminadoras é o mesmo, havendo idênticarazão de ser, no que diz respeito ao núcleo do tipo, dasduas regras jurídicas. Também há pontos de semelhan-ça entre as respectivas cominações legais. Observe-se, ainda, que contribuições sociais expressamente re-feridas nas Leis n° 8.137/90 e 9.249/95 e as contri-buições previdenciárias regulamentadas pela Lei nº8.212/91 constituem expressões sinônimas.

105 Neste sentido lecionam: Pedro Roberto Decomain, in Crimescontra a Ordem tributária, p. 36, Obra Jurídica; Ives Gandra da SilvaMartins, in Revista Dialética de Direito Tributário, n° 6, p. 50.

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123Anotações sobre Direito Penal Tributário, Previdenciário e Financeiro

Em última análise, a aplicação da analogiana hipótese é exigência do próprio princípio da eqüi-dade, eis que, caso contrário, haveria duas situa-ções idênticas com tratamentos discrepantes: aque-le que tivesse cometido o crime do art. 95 da Leinº 8.212/91 seria beneficiado com a extinção dapunibilidade, até a revogação do art.14 da Lei nº8.137/90 pela Lei n° 8.383/91, o mesmo não ocor-rendo, todavia, com aquele que, da mesma forma,estivesse sendo processado, como incurso no alu-dido art. 95 da legislação previdenciária então emvigor, e tudo isto porque, repita-se, não foi, por lap-so, expressamente mencionada a Lei nº 8.212/91,no art. 34 da Lei nº 9.249/95. Além do que, comoadmitir-se extinguir a punibilidade do agente nos cri-mes de sonegação fiscal que promova o pagamentodo tributo antes do recebimento da denúncia, e nãoconceder o mesmo benefício nos casos descritos naletra “d” da Lei nº 8.212/91?

E a disparidade de tratamento penal, no tocante àextinção da punibilidade, tornar-se-ia ainda maisesdrúxula e gritante, se cotejarmos as seguintes si-tuações, alternativas: na primeira, o agente, na vigên-cia do art. 2°, II, da Lei nº 8.137/90 deixou de reco-lher o valor da contribuição social na época própria,mas veio a fazê-lo posteriormente, quando ainda nãohavia sido recebida a denúncia. Apesar da revogaçãodo art. 14 da Lei nº 8.137/90, pelo art. 98 da Lei nº8.383/91, o pagamento da contribuição social tor-nou a ter eficácia extintiva da punibilidade, com a

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124 George Tavares, Kátia Tavares e Alexandre Lopes de Oliveira

repristinação do art. 14 pelo art. 34 da Lei n° 9.249/95. Assim, o referido agente, porque cometeu o deli-to na vigência da Lei nº 8.137/90, expressamente,mencionada no art. 34, teria agora sua punibilidadeextinta, pela retroação da lei mais benigna.

Já, em contrapartida, se prevalecer o entendimen-to contrário, o agente que cometesse o mesmíssimocrime, já na vigência da Lei nº 8.212/91, que redefiniuo delito previsto no art. 2°, II, da Lei nº 8.137/90, que,à semelhança da hipótese anterior, também efetuasseo pagamento antes do recebimento da denúncia, não oteria, por absurdo, sua punibilidade extinta, tão-só por-que o art. 34 da Lei nº 9.249/95, por manifesto erromaterial ou esquecimento, deixou de fazer mençãoexpressa à Lei nº 8.212/91, a qual, repita-se, apenasredefiniu a mesma conduta anterior (não recolhimen-to da contribuição social) tipificada no art. 2°, II, daLei nº 8.137/90, esta sim mencionada no art. 34 emfoco.

Na lição de Ives Gandra este tratamento desigualferiria o princípio da equivalência, instituído no art.150, II, da Constituição Federal.106

Ademais, o fim preconizado pelo legislador aoincriminar a conduta do contribuinte em mora foi o deforçar o pagamento do imposto e aumentar a arreca-dação e, sendo assim, seria um paradoxo que essemesmo legislador não determinasse o benefício de

106 Ob. cit., p. 52.

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125Anotações sobre Direito Penal Tributário, Previdenciário e Financeiro

extinção da punibilidade, caso o contribuinte resol-vesse quitar o débito, porque se frustraria a própriaessência da lei, que é o pagamento do tributo.

Como se já não bastasse toda a confusão criadapelo legislador, relativamente à extinção da puni-bilidade nos delitos de apropriação indébita de con-tribuição previdenciária, a Lei nº 9.983/00, já referi-da no capítulo anterior, que alterou dispositivos doCódigo Penal, criando delitos específicos contra aPrevidência Social, vem colocar mais “lenha na fo-gueira”.

Com efeito, a aludida Lei n° 9.983/00 criou tam-bém o § 2° do art. 168-A do CP, que prevê o seguinte:“É extinta a punibilidade se o agente, espontanea-mente, declara, confessa e efetua o pagamento dascontribuições, importância ou valores e presta asinformações devidas à Previdência Social, na for-ma definida em lei ou regulamento, antes do inícioda ação fiscal”.

Vê-se que o novo dispositivo trouxe uma mudan-ça radical quanto ao momento do pagamento, pois, seantes, à luz da Lei n° 9.249/95, podia o contribuinterecolher a contribuição até o recebimento da denún-cia, sendo-lhe extinta a punibilidade, agora, tem derepassar as importâncias aos cofres públicos até o iní-cio da ação fiscal.

Ao contrário do caput do novo art. 168-A do CP,que, por ser mais benéfico que a alínea “d” do art. 95da Lei nº 8.212/91, retroage, para atingir fatos ante-

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126 George Tavares, Kátia Tavares e Alexandre Lopes de Oliveira

riores à publicação da Lei (como referimos no capí-tulo anterior), o mencionado parágrafo segundo, queprevê a extinção da punibilidade se o pagamento forefetuado antes do início da ação fiscal, por ser maisgravoso que o art. 34 da Lei nº 9.249/95 (que permiteo pagamento até o recebimento da denúncia), aplicar-se-á, unicamente, aos fatos ocorridos após o dia14 de outubro de 2000 (a Lei n° 9.983/00 foi publi-cada em 14 de julho de 2000 somente entrando emvigor 90 dias depois), uma vez que a Lei penal somen-te retroage se for para beneficiar o réu.

Destarte, com o advento da Lei nº 9.983/00, criou-se, no tocante a esta matéria, um divisor de águas: até14 de outubro de 2000, aplica-se o art. 34 da Lei nº9.249/95 para os fatos anteriormente cometidos; paraos fatos cometidos depois dessa data aplica-se o pará-grafo segundo do novo art. 168-A do Código Penal,criado pela Lei nº 9.983/00.

Ainda sobre o mencionado parágrafo segundo, nãopodemos deixar de dizer que se trata de dispositivodraconiano, criado com o propósito único de coagir,compelir, o contribuinte a pagar o que o Estado, atra-vés de seus agentes administrativos, diz que ele deve,sem que se possa defender.

Segundo o tratamento dispensado pelo art. 34 daLei n° 9.249/95, que possibilitava o pagamento até orecebimento da denúncia, tinha o contribuinte umamargem de tempo maior para o recolhimento da con-tribuição previdenciária, que ia desde a autuação, pas-

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127Anotações sobre Direito Penal Tributário, Previdenciário e Financeiro

sando pelo processo administrativo, até o recebimen-to da denúncia, por crime de apropriação indébita.Podia ele, ao menos, impugnar a autuação, e iniciarsua defesa na esfera administrativa.

Agora, não. Sequer tem o contribuinte o direitode impugnar a autuação. Sequer pode ele iniciar suadefesa na ação fiscal. Sequer se pode valer de suasgarantias constitucionais do devido processo legal, daampla defesa e do contraditório. Se quiser se ver livredas agruras do processo criminal, por meio da extinçãoda punibilidade, deve pagar ao Estado sem discutir, semse defender, sem questionar o que entender ser frutode um equívoco da fiscalização.

Ademais, o que o legislador quis dizer com inícioda ação fiscal? Ação fiscal, pura e simplesmente, é aprópria fiscalização levada a efeito pelos fiscais doINSS. Caso constatem alguma irregularidade no de-correr desta fiscalização, lavram e apresentam ao con-tribuinte a Notificação Fiscal de Lançamento de Dé-bito (NFLD), sendo que, somente ao receber a NFLDtem o contribuinte o ciência do quantum devido, ten-do prazo de 15 dias para se defender.

Parece ter havido mais um equívoco do legisla-dor. Deve-se entender, então, por início da ação fis-cal, o momento em que o contribuinte recebe aNFLD, ou seja, é notificado sobre o lançamento dodébito, tem ciência do valor apurado pelo INSS, sobpena de tornar este parágrafo segundo uma normainaplicável.

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128 George Tavares, Kátia Tavares e Alexandre Lopes de Oliveira

Este dispositivo, como se disse, por impossibili-tar o devido processo legal, o contraditório e a ampladefesa, é inconstitucional, além de estar na contramãodas diretrizes jurisprudenciais recentes.

O parágrafo terceiro do recém criado art. 168-A, trouxe à baila outra novidade. Segundo a men-cionada norma “é facultado ao Juiz deixar de apli-car a pena ou aplicar somente a de multa se o agen-te for primário e de bons antecedentes, desde que: I— tenha promovido, após o início da ação fiscal eantes do oferecimento da denúncia, o pagamento dacontribuição social previdenciária, inclusive aces-sórios”; “ II — o valor das contribuições devidas,inclusive acessórios, seja igual ou inferior àqueleestabelecido pela Previdência Social, administrati-vamente, como sendo o mínimo para o ajuizamentode suas execuções fiscais”.

Este parágrafo terceiro vem consagrar a conces-são de perdão judicial, nos casos de crime de apro-priação indébita de contribuição previdenciária, dei-xando o magistrado de aplicar qualquer tipo de sançãopenal. Prevê ainda o parágrafo terceiro a não aplica-ção da pena corporal, mas somente a de multa. Estasduas hipóteses estão condicionadas, alternativamen-te, à verificação do inciso primeiro ou do inciso se-gundo, ou seja, um ou outro.

Pelo inciso primeiro, para que o contribuinte possaobter o perdão ou seja condenado a pena de multa épreciso que “tenha promovido, após o início da ação

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fiscal e antes de oferecida a denúncia, o pagamentoda contribuição social previdenciária, inclusiveacessórios”. Fixou o legislador o termo inicial (apóso início da ação fiscal) pelo simples motivo de que seo contribuinte quitar o débito antes da ação estará ex-tinta a punibilidade, de acordo com o já citado pará-grafo segundo). Deu o legislador, neste dispositivo,um tempo maior ao contribuinte (até o oferecimentoda denúncia).

A concessão desse perdão judicial ou da aplica-ção somente da pena de multa é um direito do contri-buinte ou um favor do Juiz? Tal questão poderá trazercontrovérsias.

Antes de mais nada, insta frisar que estamos dian-te de uma imposição legal, porquanto, no dizer de Cel-so Delmanto,107 “quando a lei concede ao agente apossibilidade de alcançar certo benefício (exemplosursis, livramento condicional, diminuição ou não-imposição de pena, extinção da punibilidade etc.),tal possibilidade legal insere-se nos chamados di-reitos públicos de liberdade do acusado. Sendo ca-bível a aplicação daquela possibilidade legal emfavor do réu, não pode o julgador deixar de deferi-la por capricho ou arbítrio”.

Em outras palavras, se preenchidos os requisitoslegais (ser contribuinte primário, ter bons anteceden-tes e quitar o débito depois de iniciada a ação fiscal e

107 In Código Penal Comentado, Ed. Renovar, 5ª ed., p.193.

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antes da denúncia), deve o Juiz deixar de aplicar penade prisão ou aplicar somente a de multa. Não se tratade poder discricionário do Juiz, mas, sim, de podervinculado. A discricionariedade, no caso, existe so-mente quanto à análise dos requisitos. Por exemplo,pode o magistrado verificar não ter o contribuintebons antecedentes ou não ser primário ou não terquitado integralmente a dívida. Todavia, se entenderestarem os pressupostos preenchidos, só tem umcaminho a seguir: conceder o perdão ou aplicar amulta.

Pouco importa a se a Lei usou a expressão “é fa-cultado ao Juiz”. Em várias passagens do Código Pe-nal e do Código de Processo Penal, utilizou-se o le-gislador do vocábulo “pode”, parecendo, a princí-pio, e numa interpretação unicamente literal, um ar-bítrio do julgador, quando, em verdade, segundo a pa-cífica doutrina e jurisprudência, trata-se de um deverlegal.

Quando a lei utiliza a expressão “é facultado aojuiz ” ou “pode o juiz” ou “poderá o juiz” etc., istonão constitui um mero arbítrio do julgador, diante dascondições impostas pela legislação. Trata-se de per-missibilidade para que o juiz analise os pressupostos.Satisfeitas as condições legais para conceder o bene-fício, torna-se um direito público subjetivo do réu, eimpõe-se a sua concessão.

Da mesma forma de que no Código Penal (arts.77, 83, 121 § 1° etc.), o art. 310 do CPP, à guisa deexemplo, prevê que, “quando o juiz verificar pelo

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131Anotações sobre Direito Penal Tributário, Previdenciário e Financeiro

auto de prisão em flagrante que o agente prati-cou o fato, nas condições do art. 19, I, II e III doCódigo Penal, poderá, depois de ouvir o Ministé-rio Público, conceder ao réu liberdade provisó-ria, mediante termo de comparecimento a todosos atos do processo, sob pena de revogação” (gri-famos).

Conquanto a utilização da expressão poderá, se-gundo Mirabete, em comentários ao art. 310 do CPP,“ trata-se, pois, de um direito subjetivo processualdo acusado, e não uma faculdade do juiz, que per-mite ao preso em flagrante readquirir a liberdadepor não ser necessária sua custódia”.108

Carlos Maximiliano, ao estudar a hermenêutica,recorre ao direito moderno internacional para buscaro porquê desta questão. Segundo ele,

“em geral o vocábulo pode (may, de an-glo-americanos; soll, koenne, dos teutos)dá idéia de ser preceito em que se encon-tra, meramente, permissivo, ou diretório,como se diz nos Estados Unidos; e deve(shall, must, de anglo-saxônicos; muss,dürfe, de alemães) indica uma regra im-perativa.

Entretanto, estas palavras, sobretudo asprimeiras, nem sempre se entendem na

108 Júlio Fabrini Mirabete, in Código de Processo Penal Interpreta-do, Ed. Atlas, 7ª ed., p. 672.

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132 George Tavares, Kátia Tavares e Alexandre Lopes de Oliveira

acepção ordinária. Se, ao invés do pro-cesso filológico de exegese, alguém re-corre ao sistemático e ao teleológico,atinge, às vezes, resultado diferente: de-saparece a antinomia verbal, pode assu-me as proporções e o efeito de deve. As-sim acontece quando um dispositivo, em-bora redigido de modo que traduz, naaparência, o intuito de permitir, autori-zar, possibilitar, envolve a defesa contramales irreparáveis, a prevenção relativaa violações de direitos adquiridos, ou aoutorga de atribuições importantes paraproteger o interesse público ou franquiaindividual. Pouco importa que a compe-tência ou autoridade seja conferida, di-reta, ou indiretamente; em forma positi-va, ou negativa: o efeito é o mesmo; osvalores jurídico-sociais conduzem a fa-zer o poder redundar em dever, sem am-paro do elemento gramatical em contrá-rio”; 109

o mesmo se aplicando quando a lei diz “faculta-se aojuiz” ou “é faculdade do juiz”.

Sendo o contribuinte primário e tendo bons ante-cedentes, mas não quitando o débito entre a ação fis-

109 In Hermenêutica e Aplicação do Direito, Ed. Forense, 9ª ed.,pp. 270/271.

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133Anotações sobre Direito Penal Tributário, Previdenciário e Financeiro

cal e oferecimento da denúncia, tem ele, ainda, outraoportunidade de receber o perdão judicial ou somentea pena de multa. Isto acontece, de acordo com o incisosegundo do parágrafo terceiro do recente art. 168-Ado CP, “quando o valor das contribuições devidas,inclusive acessórios, seja igual ou inferior àqueleestabelecido pela Previdência Social, administrati-vamente, como sendo o mínimo para o ajuizamentode suas execuções fiscais”.

Da mesma forma, sendo o contribuinte primário etendo bons antecedentes e verificando-se a hipótesedeste inciso segundo, é um dever do Juiz deixar deaplicar pena ou aplicar somente a de multa.

Cabe destacar que este inciso segundo é uma nor-ma penal em branco, uma vez que possui conteúdo in-completo, exigindo complementação de uma normaadministrativa que indique qual é o mínimo para oajuizamento das execuções fiscais.

Parece que o legislador, ao criar este inciso se-gundo, quis aplicar à espécie o princípio da insignifi-cância, no entanto, mitigando-o, pois, além de consa-grar o perdão judicial para os casos em que o valor dodébito é irrisório para os cofres do INSS (tanto é quenão se pode nem mesmo mover ação de execução fis-cal), o que importa em não se aplicar pena alguma,estipulou, outrossim, a aplicação de pena de multa. E,neste ponto, reside a nossa crítica.

De fato, em se tratando de apropriação indébita decontribuições previdênciárias, valores que não o mí-

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nimo permitido para que possa o INSS propor execu-ção fiscal, nada representam no universo quantitati-vo do Instituto Nacional de Seguridade Social. Seria,realmente, um delito de bagatela.

O princípio da insignificância foi formulado nadécada de 60, pelo penalista alemão Claus Roxin, quesustentou que por este princípio “permite-se, namaioria dos tipos, excluir desde logo danos de pe-quena importância”.110

Embasa-se este princípio na ausência de umalesão (dano ou perigo) relevante do bem jurídico pro-tegido pela norma incriminadora. Em outras pala-vras, sendo inexpressiva a lesão ao bem jurídico tu-telado, de forma a sequer constituir uma efetivaofensa a tal bem, não se caracterizaria a tipicidade dofato delituoso. Este entendimento foi, ao longo dosanos, acolhido pela doutrina penal e endossado emdecisões dos tribunais de diversos países, inclusive onosso. Zaffaroni, por exemplo, concorda que “lainsignificancia de la afectación excluye la tipi-cidad.111

Entre nossos doutrinadores podemos citar o ma-gistério de Assis Toledo, no sentido de que o princí-pio tem a ver com “gradação qualitativa e quantita-

110 In Política Criminal e Sistema de Derecho Penal, Ed. Espanho-la, 1972, p. 52.111 In Tratado de Derecho Penal, Parte General, III, Ed. Ediar, 1981,p. 557.

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tiva do injusto, permitindo que o fato insignificanteseja excluído da tipicidade penal”.112

Assim, se o princípio da insignificância exclui atipicidade, parecendo-nos que o legislador ao criar oinciso segundo já referido se inspirou neste princí-pio, justamente por não haver lesão relevante ao bemjurídico tutelado, no caso a capacidade de arrecada-ção do Estado, é, no mínimo contraditório. Por isso,considera-se inadmissível a previsão de aplicação depena, ainda que de multa, para os casos de débitos pe-quenos, onde o INSS não pode sequer ajuizar execu-ção fiscal.

Logo, a previsão do perdão judicial se coadunacom o princípio da insignificância. A previsão de penade multa não.

112 In “Princípios Básicos de Direito Penal”, Revista de Jurispru-dência do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, volume 94,pp. 72/77, abril-junho/1988.

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PARCELAMENTO DO DÉBITOPREVIDENCIÁRIO

ão se pode abordar este tema sem se mencionarque a situação mudou após a entrada em vigor da

Lei nº 9.983/00.

Relembrando, antes do advento desta lei, se o con-tribuinte pagasse seu débito previdenciário até o re-cebimento da denúncia, de acordo com o art. 34 daLei n° 9.249/95, teria extinta sua punibilidade. De-pois da referida Lei nº 9.983/00, que criou o § 2° donovo art.168-A, o contribuinte somente terá extintasua punibilidade se pagar as contribuições devidasaté o início da ação fiscal. Já mencionamos, em ca-pítulo anterior, que este parágrafo, por trazer situa-ção prejudicial ao réu, não retroage para atingir fatosacontecidos antes da vigência da Lei n° 9.983/00. Aestes fatos anteriores aplica-se o art. 34 da Lei nº9.249/95.

Assim, para os fatos ocorridos até a entrada emvigor da Lei n° 9.983/00, e, conseqüentemente, a ma-téria ser regulada pelo art. 34 da Lei n° 9.249/95, te-mos a tecer as considerações a seguir.

N

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Questão controvertida, que reclama algumas con-siderações, é a hipótese em que o contribuinte, antesdo recebimento da denúncia, requer ao órgão pre-videnciário o pedido de parcelamento do débito, sen-do tal pretensão deferida. Este simples pedido deparcelamento, deferido pela autarquia, equivale aopagamento, para fins penais? E o pedido de parcela-mento, seguido do pagamento das primeiras parcelas,antes de a exordial ser recebida? Seria razoável nes-tes casos a propositura da ação penal à luz do dispos-to no art. 34 da Lei nº 9.249/95?

Segundo uma parte da doutrina, o parcelamentonão está arrolado, expressamente, entre as causas deextinção do crédito tributário (o pagamento, a com-pensação, a transação, a remissão, a prescrição e adecadência, e demais incisos arrolados no 156 CTN);logo não se poderia extinguir a punibilidade, confor-me dispõe o art. 34 da Lei nº 9.249/95.

Todavia, a corrente majoritária sustenta que oparcelamento do débito significa acordo entre o Fis-co e o contribuinte (transação), constituindo, assim,uma novação, de forma que deve ser considerada ex-tinta a dívida antiga, posto que o débito fiscal se re-nova, e o parcelamento passa a ser considerado umanova obrigação, substituindo a anterior. O parce-lamento regulariza a situação de inadimplência docontribuinte junto ao Fisco, podendo-se obter acertidão negativa de débito fiscal, consoante o dis-posto no art. 205 de CTN. Somente retorna à situa-ção de devedor o contribuinte que descumprir o novo

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acordo, não promovendo o pagamento das novasparcelas.

Cabe lembrar que tal hipótese tem previsão legal.A Lei nº 8.620/93, no art. 12, permitiu durante de-terminado período (nos meses de fevereiro a julhode 1993), o parcelamento das contribuições descon-tadas do empregado, e que não foram recolhidas aoINSS, até período anterior a 1/12/92. Também a Leinº 9.129/1995, excepcionalmente, autorizou, noart. 1º, o parcelamento desses débitos relativos até1/8/95, em 196 (cento e noventa e seis) meses.

Esta questão vem sendo enfrentada por nossos tri-bunais, valendo transcrever algumas decisões do Su-perior Tribunal de Justiça e do Tribunal Regional Fe-deral da 2ª Região:

“A Lei nº 8.137/90, art. 14, consideravaextinta a punibilidade dos crimes pelosquais os impetrantes foram denunciados,se o agente promovesse o pagamento dotributo ou da contribuição social, antesdo recebimento da denúncia. Ora, se ospacientes assinaram contrato de par-celamento dos débitos respeitando aquelerequisito, compreende-se que, para efeitopenal, promoveram o pagamento,inexistindo justa causa para a ação”.113

113 STJ, HC 2538/RS, Rel. Min. Jesus Costa Lima, 5ª Turma, julgadoem 27/4/1994, DJ 9/5/1994, p. 10883, Lex 63/357.

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139Anotações sobre Direito Penal Tributário, Previdenciário e Financeiro

“A jurisprudência uniforme deste Tribu-nal tem proclamado o entendimento deque a concessão de pagamento parceladode débito fiscal, deferido antes do ofere-cimento da denúncia, enseja a extinçãoda punibilidade, nos termos do art. 34 daLei nº 9.249/95”.114

“ O próprio Estado admite que não se deusonegação, e sim mero inadimplementode tributos, tanto assim, que admitiu epermitiu parcelamento do débito.Com o referido parcelamento e paga-mento da 1ª prestação, cessa a ilicitudee extingue-se a punibilidade”.115

“Jurisprudência no sentido de que se háparcelamento do débito, antes do ofere-cimento da denúncia ou no recebimento,não se pode falar em exigibilidade domesmo, pois se as prestações estão sendopagas, não caracterizam situação demora para com o Fisco”.116

114 STJ, HC nº 6409-MA, Rel. Min. Vicente Leal, 6ª Turma, j. 9/12/97,DJU 9/11/98, p. 171.115 TRF 2ª Região, HC 96.0218826-0, Rel. Silvério Cabral, 2ª Turma, j.18/9/96, DJ 24/12/96, p. 99.116 TRF 2ª Região, HC nº 97.02.05792-2/RJ, Relator OriginárioDesembargador Federal Paulo Barata, Rel. p/ acórdão DesembargadorArnaldo Lima, j. 23/4/97, DJ 22/7/97.

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“Extinção da punibilidade. Falta derecolhimento de contribuições previden-ciárias descontadas de empregados. Par-celamento e início de pagamento antesda denúncia. Extinção da punibilidadecom fundamento no art. 34 da Lei nº9.249/95”.117

Entretanto, apesar dos diversos julgados do STJ ede Tribunais Regionais Federais admitirem que ocontrato de parcelamento do débito previdenciáriorelativo às importâncias descontadas dos empregadose não repassadas ao INSS, celebrado entre este órgãoe o contribuinte, antes do recebimento da denúncia,extingue o crédito tributário, constituindo, assim, umanova dívida, tal posicionamento não é tranquilo. OSupremo Tribunal Federal, em decisão recente,118

assentou que o simples parcelamento do débito nãosignificava o pagamento do Tributo para efeito daextinção da punibilidade. É bem verdade que a ementadeixou claro o seguinte:

“Hipótese em que a primeira parcela dodébito parcelado venceu em 24/4/1995,quando a denúncia já fora recebida em

117 TRF 2ª Região, 1ª Turma, Recurso Criminal 00488, Rel.Desembargador Federal Ney Fonseca, j. 25/11/97.118 HC n° 74.754-0/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Neri da Silveira, DJU5/11/99.

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21/3/1995, estando a ação penal emcurso, havia mais de 30 dias”.

Todavia, indiscutivelmente, tal decisão se apoiouem julgado anterior do pleno do citado Tribunal quenão admitira como causa extintiva da punibilidade,prevista, na época, no art. 14 da Lei nº 8.137/90, osimples parcelamento do débito, e sem que este sejaintegralmente pago, poderá ser recebida a denúncia.

Em face disso, para o Estado exercer o ius punien-di, tem de haver respeito ao status libertatis doacusado, e, como o Direito Penal, na forma dos demaisramos do Direito, é uma ciência viva, não devendo serestratificada, a interpretação jurisprudencial dosdispositivos legais é fundamental para a distribuiçãoda Justiça. Daí, o perigo de se adotar o efeito vinculantedas decisões da Suprema Corte, fazendo com que aSúmula constitua um case com força normativa paraos julgamentos em todas as instâncias ou Tribunais.

O sistema anglo-saxão e americano, que admite odireito consuetudinário não pode ser transplantadopara o Brasil, principalmente em matéria penal, quetem como única fonte a lei. As demais fontes mediatasjamais poderão ser normativas, mormente em prejuízodo réu.

Hoje, à luz da nova Lei nº 9.983/00, que criouartigos do Código Penal, como já vimos, o par-celamento do débito, para que tenha efeito extintivoda punibilidade, não mais pode ser feito até o rece-bimento da denúncia. Deve ser feito antes de iniciada

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a ação fiscal. Já vimos, quando estudamos os pará-grafos do novo art. 168-A do CP, que parece ter olegislador se equivocado ao fixar o início da ação fiscalcom limite para o pagamento, pois entende-se porinicío da ação fiscal a própria ação dos fiscais em umaempresa. O contribuinte somente tem ciência de quedeve algo quando recebe a Notificação Fiscal de Lan-çamento de Débito. A partir deste momento, cienti-ficado do valor apurado pelo INSS, é que pode pagarou parcelar o débito; antes é impossível.

O § 2° do novo art. 168-A, criado pela referidaLei nº 9.983/00, da forma como está redigido, pareceser inaplicável. Ninguém pode pagar ou parcelar umdébito do qual não se conhece o valor. E antes de ini-ciada a ação fiscal o contribuinte, como se disse, nãosabe sequer se deve algo.

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