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1 ANO IV—#42 Vitória/ES Junho de 2018

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ANO IV—#42 Vitória/ES Junho de 2018

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Editor

Raphael Faé Baptista

Editoração:

Felipe Sellin

Colaboram nessa Edição:

Felipe Bigesca

Felipe Sellin

Márcio Achtschin Santos,

Raphael Faé Baptista

Interaja conosco, sua opinião

é muito importante para nós:

[email protected]

Edição n° 41—Maio de 2018

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60 curtidas em publicação

32 compartilhamentos

Editorial

Estamos passando por um momento trevo-

so. O mal sai das sombras (psíquicas e soci-

ais) com facilidade, toma formas variadas,

se espraia e encontra guarida junto a gru-

pos sociais. Materializam-se em ações polí-

ticas ou práticas sociais de violência e de

intolerância, que humilham, segregam,

espoliam, matam. Começam com supostas

brincadeiras e terminam quase sempre com

alguém atingido.

Nos Estados Unidos, Donald Trump prota-

gonizou um dos momentos mais perturba-

dores das últimas décadas. Numa sociedade

já repleta de contradições, ele conseguiu

espezinhar o que há de mais básico em ma-

téria de dignidade humana ao separar pais

e filhos por conta de imigração ilegal, tra-

tando crianças como se fossem animais.

Na Europa, partidos e movimentos de ex-

trema direita e seu repertório de intolerân-

cia aos que não deram certo (o diferente, o

pobre, o imigrante, etc.) vão recolhendo

cada vez mais adeptos.

Na Copa do Mundo na Rússia, um bando de

brasileiros – todos homens, brancos, com

dinheiro – assediou uma mulher russa se

referindo ao seu órgão genital, reafirmando

a imagem do povo brasileiro como ignoran-

te e retrógrado. Mas, sendo homens, bran-

cos, com dinheiro ainda tiveram defenso-

res, reduzindo a afronta à dignidade da

mulher a uma brincadeirinha de crianças

travessas. Com isso, esvazia-se a luta políti-

ca das mulheres como sendo uma reclama-

ção demasiada e sem fundamento.

No Brasil, no bojo da defesa cada vez mais

desavergonhada do retorno da ditadura e

seus processos abertamente violentos de

controle social, Marcos Vinícius da Silva,

estudante de 14 anos, uniformizado e indo

para a escola, foi vítima de uma estúpida

guerra contra as drogas, baleado em mais

uma ação policial tanto espetaculosa quan-

to inútil. Na verdade, uma guerra contra o

pobre e o favelado – forma atual de

“queimar carvão”, como dizia Darcy Ribeiro

– dentro de uma política de ódio contra

setores desfavorecidos. E, mais uma vez,

uma torrente de notícias falsas tentaram

desmerecer a vítima e justificar a sua mor-

te, associando-o erroneamente ao tráfico de

drogas.

E em meio a tais descalabros, é desesperan-

çoso ver como boa parte do público espírita

ainda não conseguiu desenvolver um senso

crítico para compreender essas questões

com profundidade, para se manifestar inte-

ligentemente, para se opor de alguma for-

ma, propor alternativas e articular mudan-

ças, nem que seja entre os mais próximos.

Desde o início inspirados com a crítica a um

mundo de provas e expiações, propondo-

nos à análise e ao debate profícuos dos te-

mas da sociedade contemporânea a partir

do espiritismo como chave de leitura, pros-

seguimos com o Jornal Crítica Espírita em

nosso intento de gerar conhecimento e re-

flexão. Em tudo isso, vemos não somente o

quanto o domínio do político nos afeta, mas

também onde se encontra a verdadeira luta

por uma sociedade regenerada.

Nesta edição, em Espiritismo e Política,

contamos com uma análise inteligente, pre-

cisa e necessária do professor Márcio

Achtschin Santos, Doutor em História e

Cultura Política pela UFMG, sobre a atual

situação política do Brasil, quando vemos o

desejo, mais comum do que se imagina, de

retorno à ditadura em detrimento da demo-

cracia.

Em Espiritismo e Sociedade, Raphael Faé

aborda os casos de racismo ocorridos nos

Jogos Jurídicos do Rio de Janeiro deste

ano.

Em Espiritismo e Comportamento, o psicó-

logo Felipe Bigesca nos traz apontamentos

iniciais sobre virtude, honra e honestidade,

um tema necessário nesse momento de

pessimismo, que potencializa o complexo

de vira-latas de boa parte dos brasileiros.

Tenham uma excelente leitura!!

Os editores

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Programação 8:00—Credenciamento

8:30—Momento Cultural

9:00—Mesa de Abertura: Espiritis-mo e Transformações Sociais

Dora Incontri (ABPE)

Raphael Faé (JCE)

10:30-Grupos de Debate

12:00—Almoço

14:00—Momento Cultural

14:30—Grupos de Debate

16:00– Mesa de Encerramento

Dora Incontri (ABPE)

18:00– Encerramento

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SOCIEDADE

Introdução

Em pesquisa divulgada pelo jornal “Folha

de São Paulo” de 05 de maio de 2018, 1/3

da população brasileira manifestou o de-

sejo do retorno à ditadura no Brasil. No

dia 05 de junho desse ano, em entrevista

para também à “Folha de São Paulo”, o

sociólogo Reginaldo Prandi afirmou: “Há

uns malucos querendo a ditadura. Eles

não sabem o que querem. Nunca viram,

não têm ideia do que foi a intervenção

militar no país, porque não têm formação.

Não sabem isso e também não sabem

mais nada”.

Diante da crescente manifestação desse

sentimento antidemocrático revelado por

parte dos brasileiros, as explicações giram

em torno do senso comum: é um povo

mal informado, o brasileiro precisa ter

conhecimento de história. Mas, esse tipo

de expressão, repudiando e justificando a

escolha de uma parcela significativa da

nação em favor do retorno à ditadura é

suficiente para entender esse pensamento

político considerado tão pouco nobre?

As questões postas são: a tendência de

analisar o poder privilegiando o domínio

do pensamento racionalmente organizado

tem respondido suficientemente às deci-

sões políticas da atualidade? Não seria

necessário, com a complexidade dos inte-

resses coletivos conflitantes, reconhecer

novas manifestações na interação huma-

na além do comportamento lógico? É

possível encontrar regularidades nas rela-

ções de poder fora de ações racionais e

que possibilite a construção de novos pa-

radigmas teórico-metodológicos?

Esse ensaio propõe apresentar algumas

reflexões dessa tendência em analisar a

política a partir de comportamentos con-

duzidos pela racionalidade. O objetivo é

apontar os limites de uma perspectiva

racional para as relações de poder, incor-

porando um novo viés: a de relativizar

essa abordagem considerando ações e

reações sociais de emoções incertas, me-

nos lógicas e difícil previsibilidade.

Racionalidade e cultura na política

Fortalecida nos tempos modernos, as

análises políticas estruturadas na proxi-

midade entre poder e razão sobreviveram

ao tempo e continuam no século XXI co-

mo principal referência para produção

teórica e metodológica. As ações coletivas

baseadas em estratégias lógicas ainda é

uma perspectiva predominante. Há na

ciência política uma tendência a privilegi-

ar em seus estudos as práticas e compor-

tamentos dos atores a partir de condutas

racionais, quer seja através de ações ma-

nipuladoras, quer seja nas representações

ideológicas.

No entanto, a política não pode ser anali-

sada apenas em função da racionalidade,

pois no jogo do poder também estão pre-

sentes sentimentos, valores, emoções.

Acreditar que o controle ideológico é sufi-

CONSOLIDAR A DEMOCRACIA OU O RETORNO

DA DITADURA: QUANTOS SÃO OS BRASIS?

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ciente para uma análise política pode tra-

zer uma leitura simplista e mecanicista do

processo. É impensável abordar as rela-

ções de poder sem mencionar suas múlti-

plas representações, que envolvem aspec-

tos inconscientes, incluindo imaginário,

mitos, símbolos, memória, ritos.

Especialmente diante das fragilidades das

instituições políticas no Brasil, a aborda-

gem baseada em condutas racionais já

não consegue, por si só, responder a di-

versas questões relacionadas às disputas

coletivas. É nesse sentido que a Cultura

Política tem a contribuir, pois atinge as

diversas formas de construção do poder,

onde a análise política clássica não tem

penetração.

A partir dessa perspectiva, considera-se o

poder como sendo partilhado por diversos

atores, incluem todos os agentes envolvi-

dos. As relações de força na política são

pensadas como práticas compartilhadas e

utilizadas nas suas diversas hierarquias.

Sendo assim, o exercício do poder não são

permanentemente ações apenas manipu-

ladoras, mas se legitimam em grande par-

te nas teias sociais e a partir de múltiplas

expressões. Do mesmo modo, as repre-

sentações são construções elaboradas nas

experiências sociais reproduzidas, viven-

ciadas e compartilhadas no cotidiano.

Pensar em movimentos políticos desejo-

sos do retorno à ditadura como um traço

da Cultura Política brasileira requer uma

revisão das análises que partem exclusiva-

mente do campo institucional e de condu-

tas envolvendo atores em ações e pensa-

mentos racionalmente conduzidos. Mes-

mo reconhecendo as ideológicas, é neces-

sário considerar a política a partir da tra-

dição. Cultura e poder se entrecruzam e se

imbricam em mão dupla, envolvendo ato-

res múltiplos. É, sem dúvida, uma cons-

trução histórica excludente, mas não exis-

tem apenas nas práticas e representações

das elites, ocorrendo também uma aceita-

ção e reprodução nos segmentos domina-

dos. Vivências e representações não se

separam, estão incorporadas no dia-a-dia,

inculcada nos valores, na memória, no

vocabulário, nos mitos e nos rituais dos

brasileiros.

Ao tratar do sentimento de parte da popu-

lação desejosa de um retorno ao regime

ditatorial é preciso pensar em uma Cultu-

ra Política já enraizada na sociedade bra-

sileira. Ao longo de séculos foi se forman-

do no Brasil relações de poder fundadas

no patriarcalismo, no patrimonialismo, no

mandonismo, no clientelismo, que só po-

deriam ser mantidas com práticas autori-

tárias. Carregada de tensões, ambiguida-

des e contradições, se tornou base impor-

tante de sustentação de dominação, mas

também constituiu como valor nos seg-

mentos dominados. São práticas e repre-

sentações consideradas por uma parcela

da sociedade como legítimas. Esse poder,

ao ser ameaçado, tem uma resposta reati-

va diante de novos modelos que emergem

no processo capitalista.

Cultura Política e ditadura

Ainda que os tentáculos do capital pene-

trem em todo mundo, esse processo assu-

me em sua dinâmica uma construção não

homogeneizadora. No caso brasileiro, a

dificuldade de inserção de propostas fun-

dadas em valores típicos do discurso do

liberalismo democrático até os anos de

1970 conseguiram “empurrar” para o pe-

ríodo de abertura política debates que já

estavam na ordem do dia no ocidente.

Com o processo de abertura dos anos 80

vieram à tona novas propostas de lutas

políticas, especialmente aquelas defendi-

das através do Estado Democrático de

Direito. Propostas de revoluções baseadas

na luta de classes perderam fôlego e deu

lugar a outras bandeiras, mais pulveriza-

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das, identificadas com conquistas relacio-

nadas à questão ambiental, étnica, de

gênero. São nos anos de 1980 que emerge

a chamada “segunda onda” do movimento

LGBT no Brasil, dando maior visibilidade

as suas demandas. Marca também nesse

período o fortalecimento dos movimentos

em favor dos direitos da mulher, em espe-

cial a luta contra a violência doméstica e a

legalização do aborto. Também consoli-

dam e ampliam diversos direitos dos afro-

descendentes e de comunidades indíge-

nas. Com a Constituição de 1988 se forta-

leceu no discurso e na lei o direito das

minorias e o respeito às diferenças. Acre-

ditava-se que valores e práticas democrá-

ticas se consolidariam, que seriam princí-

pios inexoráveis, um caminho sem volta.

No entanto, parte da sociedade brasileira

que carregava valores fortemente marca-

dos por uma Cultura Política tradicional

não se identificou com a legitimidade

construída pelo Estado Democrático de

Direito a partir da abertura política desse

período. Com a dificuldade de alternativas

formais de fazer frente e neutralizar o

discurso de inclusão e igualdade, foram

emergindo diversas expressões políticas

conservadoras, pulverizadas ou coletivas.

Essas vozes reativas foram sensíveis às

propostas de redução da maioridade pe-

nal, na condenação de práticas como o

casamento de homoafetivos e o aborto.

Podem ser percebidas no saudosismo no

tipo de fala: “De uns tempos para cá, o

mundo está chato, não se pode mais brin-

car”. São visíveis no crescimento do ne-

opentecostalismo. Também são identifi-

cadas na greve dos caminhoneiros e do

forte apoio da população brasileira, que

encontrou em um segmento conservador

uma maneira de reforçar o discurso auto-

ritário. Por fim, nas raias do Estado, essas

forças refletiram na vitória de representa-

ções conservadoras nas eleições de 2014 e

na tendência do eleitorado em 2018 em

manifestar o voto em favor de candidatos

de extrema direita.

O aspecto central das tensões nas relações

de poder atual é, por um lado, a igualdade

prevista pela penetração de valores liga-

dos ao Estado Democrático de Direito

legitimados pela racionalidade, e por ou-

tro, a resistência, procurando assegurar as

práticas tradicionais que perdem espaço

com a lógica típica das representações

capitalistas. Portanto, o que está em jogo

nessas bandeiras levantadas em favor da

ditadura é a sobreposição de um discurso

fundado na tradição e que na arena políti-

ca se aproxima do retorno de todas as

práticas de poder tradicionais pensadas e

realizadas no Brasil desde o período colo-

nial.

Polimorfo em valores e imagens diversas,

as representações conservadoras se con-

fundem e emaranham entre princípios

democráticos e autoritários, que negam,

mas afirmam, que repudiam, mas admi-

ram. Interesses e moralidades se entre-

cruzam com ações nem sempre manipulá-

veis, mas movidos a sentimentos e emo-

ções que não necessariamente se relacio-

nam mecanicamente com manobras es-

tratégicas conscientes e deliberadas de

grupos e classes privilegiadas.

Manipulações e alienações são represen-

tações mais visíveis. Mais fáceis de serem

identificadas, conduz a uma equação apa-

rentemente de fácil solução. Mesmo

quando não resolvidas. Ou se responsabi-

liza o potencial dominador do capital, ou

aponta para uma população sem conheci-

mento histórico. Um Estado de Direito

com fundamentos democráticos pode

parecer um princípio universal no projeto

contemporâneo. Mas não é comungada

com todos os atores sociais que, cada um

a sua maneira, sabem o que fazem e sa-

bem o que querem.

Márcio Achtschin Santos, Doutor em

História e Cultura Política pela UFMG e

professor do Magistério Superior da

UFVJM

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MORAL

Relembrar esta frase de Rui Barbosa –

proferida na ocasião do discurso no Sena-

do Federal, Rio de Janeiro, na sessão em

17 de setembro de 1914 – é muito relevan-

te mesmo ocorrendo 104 anos depois,

pois ele parece evidenciar qualidades im-

portantes como a virtude, a honra e a

honestidade. Tais qualidades, acredito,

estão relacionadas ao Ser Humano.

Várias observações podem ser feitas a

partir desta fala. Prefiro aquelas relacio-

nadas ao cenário atual de nossa sociedade

brasileira e a participação de cada pessoa

neste contexto. Podemos refletir, portan-

to, sobre nossa conduta em relação a nós

mesmos (o que pensamos de nós mesmos,

como nos comportamos), a nossa conduta

em relação a nossa sociedade (como agi-

mos, como nos relacionamos), a nossa

conduta em relação a nossa cultura (o que

produzimos como conhecimento, como

influenciamos os outros com nossas falas,

pensamentos e comportamentos).

A importância da reflexão nessas caracte-

rísticas tem a base em como o que é pro-

duzido socialmente nos afeta e como nós

reagimos a isso. Muitas vezes, podemos

apenas observar passivamente e sem uma

análise crítica sobre, por exemplo, a ex-

ploração da mídia em notícias que podem

nos fazer ter uma percepção alterada e

superestimada de violência, pobreza, edu-

cação, saúde etc. Nos últimos anos, temos

presenciado várias agressões a nossos

direitos de pessoa e cidadão – injustiças,

“jeitinhos”, alterações de procedimentos

“éticos e morais” para benefício próprio,

etc. Em nossa história recente, pudemos

observar pessoas cometendo crimes sim-

plesmente porque muitas pessoas naquele

contexto social específico também esta-

vam com esta prática e, dias depois, em

reflexão, sem entender o motivo pelo qual

fizeram aquilo, se mostraram arrependi-

das e procuraram desfazer a ação.

Assim, creio que Rui Barbosa nos alerta

para o possível efeito resultante disso

tudo em nós mesmos: “desanimar da

virtude, (...) rir-se da honra, (...) ter ver-

gonha de ser honesto” (BARBOSA, 1914).

Neste contexto, algumas provocações se

fazem pertinentes: por estarmos constan-

temente envoltos em notícias de nulidade,

desonra, injustiça, poderes estando nas

mãos dos maus, isso significa que temos

que seguir por esse caminho, afinal de

contas “se ele deu o jeitinho, eu também

vou dar, todo mundo dá...”? Thomas

Hobbes estaria certo em afirmar que “o

homem é o lobo do homem”? Estaria sen-

do o homem se “autocondicionando” a

olhar ainda mais para o seu lado sombra

(cuja existência e considerações nos fo-

ram apresentadas pelo psicólogo Carl

Gustav Jung)? Como nos influenciam o

intenso bombardeio de notícias com con-

teúdo de violência dos mais variados

tipos e intensidades? E, ainda, conside-

rando o relato do apóstolo Lucas (6:45)

que “o homem bom tira coisas boas do

seu bom tesouro interior; o mau tira o

mau de seu mau tesouro. A boca fala do

que está cheio o coração”, seria correto

afirmar que o ser humano tem tirado

somente o mau de dentro de si?

Caros leitores, cuidado! Considerando o

período de transformação pelo qual o

planeta Terra está passando, vocês, todos

VIRTUDE, HONRA, HONES-

TIDADE “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a deson-ra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtu-de, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto.”

(BARBOSA, 1914)

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nós, talvez possamos ter a crença de que

“as coisas ruins” tomaram tamanha pro-

porção e se tornaram tão presentes que

não há possibilidade de ser diferente, de

fazer o bem, de pensar em possibilidades

de ter uma melhor conduta ética e moral.

Afirmo: Sim! Há possibilidades de pen-

sarmos, sermos e agirmos diferente. Exis-

te virtude, honra, honestidade em todas

as pessoas e elas trabalham para que o

mundo seja bem melhor.

Tudo isso representa um convite à refle-

xão sobre aquilo em que acreditamos, no

que estão baseadas nossas crenças, como

expomos nossos pensamentos e que práti-

cas adotamos para nossa conduta diária.

Muitas coisas têm origem em nós mesmos

e podemos ter uma participação ativa em

nossas vidas, pois sempre há possibilida-

de de pensarmos e interpretarmos nossa

vida para sermos melhores a cada dia.

Joanna de Ângelis, através da Psicografia

de Divaldo Franco, nos afirma que “o ser

humano encontra-se equipado com re-

cursos preciosos que deve ser aplicados

no cotidiano, de forma que se ampliem as

possibilidades nele latentes, expressando

a potencialidade divina de que se encon-

tra constituído” (FRANCO, 2016). Ocorre

que, por vezes, ao invés de enfrentarmos

os problemas com naturalidade

“determinadas predisposições emocio-

nais impedem a aceitação das ocorrên-

cias mais exaustivas, produzindo um

mecanismo automático escapista, medi-

ante o qual parece livrar-se da dificulda-

de, quando apenas a poster-

ga” (FRANCO, 2016). Procuremos, pois,

não fugir da tarefa que nos foi confiada.

É correto afirmar que “dá trabalho”, pois

é necessário pensarmos diferente, modifi-

carmos nossas crenças, ter outros tipos de

conduta, sairmos da zona de conforto a

que estamos habituados. Somos sempre

convidados ao trabalho, de uma forma ou

de outra, e isso demonstra o amor de

Deus para conosco, pois se Ele “houvesse

isentado do trabalho do corpo o homem,

seus membros se teriam atrofiado; se o

houvesse isentado do trabalho da inteli-

gência, seu espírito teria permanecido na

infância, no estado de instinto ani-

mal” (O Evangelho Segundo o Espiritis-

mo, Cap. XXV).

É um caminho que, antes de começar com

um passo, começa com o pensamento de

querer ser diferente. Para o primeiro pas-

so, o Mestre Jesus nos deixou recursos

importantes para que possamos vencer e

estarmos sempre amparados. De seus

ensinamentos, podemos recordar a ins-

trução de que “pedi e vos darão, buscai e

encontrareis, batei e vos abrirão; pois

quem pede recebe, quem busca encontra,

a quem bate lhe abrem. Quem de vós, se

seu filho lhe pede pão, lhe dá uma pe-

dra?” (Mt., 7:7-9).

Em nossas próximas reflexões, abordare-

mos com maiores detalhes a relação neste

texto estabelecida, quais sejam: 1) a rela-

ção de nossa virtude com nossa conduta;

2) a relação de nossa honra com nossa

conduta em sociedade; 3) a relação de

nossa honestidade em relação à nossa

conduta com a cultura.

Felipe Bigesca é psicólogo.

REFERÊNCIAS

BARBOSA, Ruy. A falta de justiça, a fonte

de todo o nosso descrédito. In: _______.

REQUERIMENTO DE INFORMA-

ÇÕES SOBRE O CASO DO SATÉLI-

TE – II. Senado Federal. Rio de Janeiro,

DF, 1914. p. Disponível em: http://

www.casaruibarbosa.gov.br/dados/DOC/

artigos/rui_barbosa/FCRB

_RuiBarbosa_Requerimento_de_inform

acoes_sobre_o_caso_do_Satelite-II.pdf.

FRANCO, Divaldo Pereira. Conflitos

existenciais. 7. ed. / Pelo Espírito Joan-

na de ângelis [psicografado por] Divaldo

Pereira Franco. Salvador: Leal, 2016.

(Série Psicológica, volume 13).

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COTAS RACIAIS

Ao escrever esse texto, o que há é um sen-timento que mistura revolta, tristeza e anacronismo. Parece que escrevo no sécu-lo XVII. A sociedade brasileira – acostumada a esconder suas feridas e a jogar suas sujei-ras debaixo do tapete –, teve novamente uma de suas contradições mais nojentas jogada às claras: o racismo. Na pátria da malfadada “democracia racial”, o racismo é respirado com oxigênio, bebido com água, comido com feijão e brota dos poros e das fendas de uma cultura essencial-mente escravagista e autoritária. Ele veio à tona durante os Jogos Jurídicos do Rio de Janeiro deste ano, quando tor-cedores da PUC-RJ praticaram diversos atos racistas contra jogadores negros de outras faculdades. Xingaram jogadoras negras de “macaca”, lançaram casca de banana, e quando torcedores de outras universidades chamavam-nos de racistas, torcedores da PUC-RJ vaiavam, erguiam o dedo médio e imitavam macacos. Inter-pelados, alguns destes diziam que não aconteceria nada com eles, pois não ti-nham “cara de quem vai preso”. Isso não é algo novo. E a política de cotas nas universidades brasileiras acirrou os ânimos racista e classista em todo o país,

e esses eventos são propícios para dar vazão a podridões morais. Na página de Justificando, de 06.06.2018*, uma repor-tagem sobre o assunto traz alguns tre-chos editados dessas músicas feitas com o intuito de denegrir outros alunos: “E já tem cota / UFRJ / Cota pros po-brim … Quer ajuda pro trem, eu integro / Um trocado pro lanche eu dou … No fim do mês a grana vai falta / Vai no lixão lá da central catar lata” Ainda há o trecho de “Congo” (como é conhecida a UERJ), música da torcida da PUC-RJ: “Ela é cotista e sempre quer que eu ban-que / Mas eu só vou pagar se gozar … É favelada, vou ajudar um pouquinho / Toma um trocadinho, vai / Toma um trocadinho / E faz um lanche ali no ban-dejão / Pão com mortadela, de repente um requeijão / De laranjeiras, foi pra Madureira / Hj ela se esconde lá no mor-ro do dendê / Foi lavadeira, já foi faxi-neira / Hj a cotista ganha vida com...” Chega a dar calafrios ao pensar que dali sairão futuros advogados, juízes, promo-

tores e delegados, escribas e fariseus hi-pócritas do presente, sem qualquer noção de coisa pública, de nação e de respeito à lei, de um lado prontos para massacrar o pequeno e esmagar o fraco e, de outro lado, sendo subservientes aos donos do poder político e econômico e vorazes pa-rasitas do dinheiro público. Mas, no fundo, essa situação aviltante traz uma notícia boa. Essa reação fas-cistóide e criminosa é comum quando setores desfavorecidos começam a sair dos guetos, das sombras, e passam a exi-gir respeito, a pleitear direitos e reconhe-cimento, e quanto mais se manifestam, mais o ódio incrustado se revela. Logo, o outro lado da moeda mostra as conquistas da população negra por acesso a direitos, e a campanha “Jogos Sem Racismo” reve-la o incômodo e a luta já existente contra o preconceito racial e de classe nos meios universitários. Isso mostra os sinais dos tempos e o quanto precisamos caminhar. Os sinais do tempo, para aqueles que almejam o progresso, são de resistência e de luta. Afinal, não é necessário convencer a nin-guém de que o racismo é uma estupidez, assim como não precisa muito esforço para demonstrar que qualquer pessoa que

RACISMO E SOCIEDADE BRASILEIRA

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queira o melhor deve estar do lado de quem está sendo massacrado, ofendido e humilhado. É um tempo em que não há espaço para meio termo, momento em que se reatualiza a assertiva bíblica, de alta relevância moral, de que o morno é odiado: ou você é quente ou frio. Ou você está do lado do mal ou contra ele. Ou você está contra o racismo ou a favor dele. Isso não é um chamado à violência, mas à adoção de postura, de posicionamento, de entender que existe o mal e que podemos reproduzi-lo de diversas formas, muitas vezes inconscientemente. Portanto, é um chamamento à autorreflexão, à autocrítica e ao aprimoramento de sua conduta moral e social. E o público espírita brasileiro, cada vez mais engolfado em misticismo barato e em narrativas autobajuladoras, como a de o Brasil ser o coração do Mundo e a pátria do Evangelho, deveria estar mais atentos aos diálogos e às assertivas de Kardec e dos espíritos superiores, infinitamente mais producentes, quando afirmam que não basta não fazer o mal, mas “[…] cum-pre-lhe fazer o bem no limite de suas for-ças, porquanto responderá por todo mal que haja resultado de não haver pratica-do o bem” (perg. 642 de O Livro dos Espí-ritos), e que se reconhece uma civilização completa pelo seu desenvolvimento mo-ral, “[...] quando de vossa sociedade hou-verdes banido os vícios que a desonram e quando viverdes como irmãos, pratican-do a caridade cristã. Até então, sereis apenas povos esclarecidos, que hão per-corrido a primeira fase da civiliza-ção” (perg. 793 de O Livro dos Espíritos).

Depois da repercussão nas redes sociais e da pressão de movimentos antirracistas, a PUC-RJ perdeu o título de campeã e não participará da competição em 2019. Até então, a “pena” tinha sido uma multa de R$ 500,00 e suspensão da torcida em um jogo. Pensamos que ainda é pouco. Perder título e não participar do campeonato seguinte é ser muito conivente com o mal, e a leniência da organização do evento e das instituições envolvidas mostra o racis-mo enraizado. Afinal, por que tanto rigor se xingaram pretos e pobres, e não bran-cos e ricos? Aqui, há a necessidade de punições exemplares e contundentes, den-tro da legalidade e do devido processo legal, que demonstrem o compromisso histórico de intolerância contra qualquer forma de intolerância, e que abarque a responsabilização penal, civil e adminis-trativa dos envolvidos e das instituições, naquilo que cabe a cada um (prisão, mul-ta, indenização, reparação, expulsão da instituição de ensino, suspensão do curso, banimento da competição, etc.). A mensagem na página no facebook do “Jogos sem Racismo” resume bem o que passam esses seres humanos, vítimas de uma sociedade estruturalmente desigual: “Todo ano, no feriado de Corpus Christi, em alguma cidade do interior do Rio de Janeiro, acontecem os Jogos Jurídicos Estaduais. Para muitos jovens, é um momento de lazer, alegria, diversão. A não ser que você seja negro. Bom, se você for, o que era pra ser felici-

dade, vai se transformar em uma cons-tante preocupação. Atleta é macaco, seu corpo não é respei-tado em quadra. Toma um puxão de ca-belo e uma porrada. E fica bem quieta, você vai ser minha empregada. Cotista! Fudido! Veio pros jogos de trem? Crescemos. Mudamos. Estamos aqui. Unidos. A dor de um é de todos os ir-mãos. Povo preto unido é povo preto for-te.” E aos espíritas que se incomodam com as estruturas desiguais e violentas de um planeta de provas e expiações, fica a dica: é de todos nós a luta pelo respeito, inclu-são e reconhecimento do povo negro. E onde estiver a bandeira contra o racismo e qualquer forma de preconceito, lá é onde devem se encontrar os espíritas conscien-tes de seu tempo e de sua situação na Ter-ra, não sendo outra a razão de ser do espi-ritismo. Raphael Faé é editor do Jornal Crítica Espírita. *http://justifican-do.cartacapital.com.br/2018/06/06/apos-denuncias-de-racismo-musicas-de-conteudo-discriminatorio-voltaram-a-circular-em-grupos-e-redes-sociais-dos-alunos-da-puc-rio/