ano 9 • nº 9 • dezembro • 2011 - móbile - escola ... · necessárias para que pais e...

139
Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011

Upload: buicong

Post on 13-Dec-2018

233 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

Page 1: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011

Page 2: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

o c o n h e c i m e n t o l i b e r t a e r e s p o n s a b i l i z a

Page 3: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como
Page 4: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

5

a p r e s e n t a ç ã o

Em encontros casuais que venho mantendo com

ex-alunos, muitos me dizem o quanto a Móbile foi decisiva

na vida deles. Sempre pensei que fosse uma expressão

retórica, um misto de elogio e de nostalgia dos muitos anos

passados na escola. Não é. Eles argumentam, incisivos,

e insistem que não falam por devoção paroquial: “diante

das mais variadas situações, percebemos o quanto nós nos

distinguimos; comparados aos nossos amigos ou aos nossos

pares profissionais, percebemos que temos mais ‘densidade’”.

Afirmam: “sabemos nos localizar no tempo, interpretamos

textos e vídeos, enfrentamos problemas sem medo, não nos

perdemos diante das novidades, temos curiosidade e método

e, sobretudo, conhecemos os porquês”.

Ora, penso eu, isso é formação consistente, saberes

concatenados, lógica científica. Haveria melhor prêmio do que

este? Afinal, são indicadores de que o projeto pedagógico está

no caminho certo da excelência, de que o planejamento das

atividades e a orquestração da equipe operam sintonizados.

A Revista da Móbile está em sua nona edição

e está cada vez mais alentada. Qual é o propósito da

publicação? Manter sem esmorecer o nosso compromisso

com a transparência. Ou melhor: expor todas as informações

necessárias para que pais e alunos, professores e comunidade

de educadores façam uma avaliação competente do trabalho

realizado.

O editor da Revista, professor Wilton Ormundo, abre

o número com a entrevista instigante do poeta Ferreira Gullar.

Nela, temas nada triviais são abordados. O poeta se posiciona

com clareza diante da recente polêmica sobre o ensino da

norma culta, indica o limite das expressões comunicativas e

esbarra no indizível, qualifica a arte como linguagem peculiar

que transcende a realidade, revela que a poesia nasce do

espanto, relata a trajetória do movimento concretista no Brasil

Page 5: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

e seus impasses, fala sobre a fusão do bem simbólico e de seu suporte material no livro-poema, além de

nos contar sua experiência como militante político e sua amarga desilusão. Leitura saborosa.

Em 2010, a V Mostra Literária e o IX Concurso Literário foram oportunidades de verificar

e comparar (dois critérios constitutivos da transparência) trabalhos feitos pelos alunos da Móbile.

Permitiram compreender, sobretudo, o processo de construção de seu pensamento ao longo dos anos de

aprendizagem, pois a Mostra envolveu alunos do Infantil 5 ao 3º ano do Ensino Médio. O leitmotiv foi

o sonho, um tema cujo espectro encanta crianças e adolescentes, facultando-lhes inesgotáveis incursões.

Em paralelo, é interessante acompanhar a carpintaria do processo criativo a partir da perspectiva

dos professores de cada série e resgatar um fato valioso: a orientação que adotaram respeitou

o desenvolvimento cognitivo e a crescente maturidade de escrita dos estudantes. Bons trabalhos foram

selecionados entre centenas inscritos, verdadeiros atestados da capacidade de fantasiar, reinventar

e descrever com especial acuidade. Convido a ler a bela e singela poesia do aluno Rafael Montressor

Coelho (aluno do 6º ano) e compará-la à densa e instruída poesia de Caio Franco (2º ano do Ensino

Médio).

A seção “Produções em foco” nos possibilita avaliar o trabalho que os professores realizaram

em conjunto e que visou alcançar complexos objetivos da formação escolar, a começar pelo alargamento

dos horizontes dos alunos. A ênfase nesse caso foi o desenvolvimento do pensamento científico, viga

indispensável das mentes livres e dos espíritos críticos e, por que não dizer, dos cidadãos do século XXI.

Nesse sentido, é surpreendente conferir a forma original como as professoras do Infantil 3 – Andreza

Souza, Angela Ciupka, Daniela Rosa, Daniela Levino, Lyara Contensini e Aline Stroeh – introduziram

crianças entre 3 e 4 anos no rico mundo das ciências naturais. E cumpre também aplaudir o trabalho

interdisciplinar dos professores João Carlos Micheletti e Silmara Parra que narra como alunos do

8º ano do Ensino Fundamental se tornaram partes ativas de uma investigação científica. Merece também

destaque o relato dos professores Tatiana Nahas, Carlos Godoy e João Carlos Micheletti intitulado

“A ciência vista como arte”, que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

instrumento eficaz de apreensão da natureza.

A seção “Especial” nos traz um importante artigo do professor Roberto Candelori sobre a

disciplina que ministra, Ética e Cidadania. O curso que se estende pelos três anos do Ensino Médio não se

resume a descrever atualidades históricas ou a discorrer filosoficamente sobre temas transversais como

a intolerância, o terrorismo, a xenofobia ou a migração. Vai além, à medida que contextualiza – palavra-

chave –, ilumina o presente com as regularidades do passado e com as potencialidades do futuro, oferece

aos alunos as ferramentas necessárias para que se sintam, e mais, que façam efetivamente parte dos

acontecimentos nacionais e internacionais – deixem de ser estranhos em seu próprio mundo para se

inserir nele criticamente. Serem, portanto, cidadãos em seu sentido pleno: agentes capazes de conectar

informações esparsas, articular pensamentos consistentes, elaborar as razões pelas quais se posicionam

desta ou daquela maneira para, no final, responder pelas consequências das opções que adotam.

Nessa mesma linha, na seção “Reflexões”, e com particular felicidade, temos o artigo do

coordenador e professor de Matemática do Ensino Médio, Walter Spinelli: “Alguém aí já tocou em um

quadrado?” A contextualização das disciplinas torna-se o grande trunfo do ensino eficaz, principalmente

quando entendida como aplicação dos conceitos a situações que fazem parte do cotidiano dos alunos.

Mas o texto vai muito além: distingue o real de suas representações mentais; mostra como a essência

abstrata dos conceitos nos permite captar os padrões ocultos dos objetos concretos; e nos exorta a

extrapolar os contextos, alargar as fronteiras, operar em termos interdisciplinares.

Outro artigo, também recomendado, responde a uma indagação relativamente corriqueira:

“Filosofia para crianças – por quê, para quê, como?”, de Maria Cardoso e Tatiana Almendra. E isso desde

o Infantil 5! Ficam explícitos os objetivos: a capacidade de pensar é imprescindível, e isso se aprende; os

alunos descobrem como argumentar e questionar, como desenvolver raciocínios com método e coerência,

como assegurar critérios que sustentem afirmações; adquirem, assim, as habilidades necessárias para

pensar de forma autônoma.

Por fim, não posso deixar de chamar a atenção para o exercício proposto pelo professor Wilton

Ormundo aos formandos do 3º ano do Ensino Médio que se encontra na seção “Futuros profissionais”.

Numa verdadeira provocação intelectual, formula questões nada anódinas que instigam os alunos a

mergulhar em seu íntimo e a revelar a si mesmos a trama complexa de suas inquietações e aspirações.

Ao ler os depoimentos dos alunos, não pude deixar de ficar orgulhosa com sua articulação, a citação

dos muitos livros lidos e dos filmes comentados, a beleza de seus insights, seu afã questionador e a

inteligência de seus argumentos. E fiquei sensibilizada com as menções elogiosas à Móbile que poderiam

ser resumidas numa expressão lapidar de um dos respondentes: “A Móbile me formou como ser humano,

e é por esse motivo que pretendo que meus filhos, se os tiver, estudem nessa escola.”

Quero deixar aqui meu agradecimento profundo à equipe de professores e coordenadores

que, ao longo dos 36 anos da Móbile, transformaram meu projeto de jovem professora universitária em

uma realização feita com o barro da competência e com o generoso espírito de educadores lúcidos e

engajados.

Boa leitura!

MARIA HELENA BRESSER

Diretora Geral

76

Page 6: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

ín

di

ce

269

Rese

nha

O fa

roes

te e

o a

nti-h

erói

.

250

150

105

Futu

ros

Prof

issi

onai

s

Prod

uçõe

s em

foco

Refle

xões

Ques

tões

que

(re)

vela

m...

Com

plex

o pr

ojet

o de

sus

tent

abili

dade

é p

rom

ovid

o no

6º a

no d

o En

sino

Fun

dam

enta

l.A

anál

ise

mul

tidis

cipl

inar

com

o es

traté

gia

didá

tica.

Dige

stão

: o la

bora

tório

em

foco

.Cr

ianç

as m

ergu

lham

no

mun

do d

a ci

ênci

a.Cr

ianç

as, í

ndio

s e

um u

nive

rso

com

um.

A po

esia

est

á na

s pa

lavr

as.

Além

da

hist

ória

: a a

mpl

iaçã

o do

uni

vers

o cu

ltura

l nas

aul

as d

e In

glês

.Al

unos

do

Ensi

no M

édio

apr

esen

tam

seu

s tra

balh

os d

e In

icia

ção

Cien

tífic

a.

12En

trev

ista

Ferre

ira G

ulla

r.

9329

Espe

cial

Expr

essõ

es &

Impr

essõ

esM

óbile

real

iza e

m 2

010

V M

ostra

Lite

rária

e IX

Con

curs

o Li

terá

rio.

Os v

ence

dore

s do

IX C

oncu

rso

Lite

rário

de

2010

.Jo

vens

do

1º a

no d

o En

sino

Méd

io m

ostra

m s

ua c

ompr

eens

ão te

atra

l de

text

os li

terá

rios.

Alun

os d

o 9º

ano

apr

esen

tam

a p

eça

Inve

ncio

nátic

a, p

arte

de

um p

roje

to c

onsa

grad

o no

Ens

ino

Fund

amen

tal.

O de

safio

de

educ

ar n

o sé

culo

XXI

– C

ontri

buiç

ões

da d

isci

plin

a de

Étic

a e

Cida

dani

a.

Enco

ntro

com

Pro

fissi

onai

s.Um

a re

flexã

o ac

erca

do

pape

l da

gram

átic

a na

sal

a de

aul

a.

Filo

sofia

par

a cr

ianç

as –

por

quê

, par

a qu

ê, c

omo?

O en

sino

de

liter

atur

a no

cur

rícul

o es

cola

rOs

lo 2

011

– Um

grit

oEs

trutu

ras

de p

ensa

men

to p

ropo

rcio

nal

Pequ

eno

ensa

io s

obre

a im

portâ

ncia

das

abs

traçõ

es e

da

cont

extu

aliza

ção

do e

nsin

o.

Page 7: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Projeto gráfico e editoraçãoFernando Alexandrinowww.letlive.com.br

FotografiasArquivo MóbileClóvis FerreiraValéria de Melo Pereira

Fotolitos e impressãoGráfica Editora Aquarela

REVISTA DA MÓBILE

EditorWilton de Souza Ormundo

TextosCleuza Vilas Boas BourgogneWilton de Souza Ormundo

Preparação de textosJuliana Massoni Pereira

RevisãoRicardo Paulo Novais

MÓBILE

Direção GeralMaria Helena Bresser

Direção

Educação InfantilMaria de Remédios F. Cardoso

Ensino FundamentalCleuza Vilas Boas Bourgogne

Ensino Médio (Educacional)Blaidi Sant'Anna

Ensino Médio (Pedagógica)Glorinha Martini

ColaboradoresEDUCADORESAdriana Caravieri RosaAdriana Du Pin GalvãoAdriana RamacciottiAlexsandra Dorneles de AzevedoAline H. I. de CastroAline Prates StroehAluani Tordin de OliveiraAna Christina Calderelli NebóAna Lúcia Ribeiro de AlmeidaAnalu G. Del SuringarAndréa G. de Oliveira Assumpção Andreza Martins de SouzaAngela CiupkaAntonio de Freitas da CorteBárbara A. PozasBárbara Elisa Alves MartinsBlaidi Sant’AnnaCarlos Eduardo C. de GodoyCláudia Colla de AmorimCristine Bünecker PoyaresDaniela Fernandes RosaDaniela Jaime LevinoDébora M. ZardiDenérida Brás Martins TsutsuiDenise MendesFábia de Cássia B. dos SantosFernanda Campanhã RodolfoFrancisco LimaGabriela B. MakishiHugo Carneiro ReisIva Maria AlvesJoão Carlos Micheletti NetoJoão Jonas Veiga SobralJuliana YokoJussara Moreira SantanaLaís L. de CarvalhoLara Portes OlivaLívia Moreira de OliveiraLucelena M. de Souza LeeLuciana Tomiatto de OliveiraLyara Vilches ContensiniMara ScorsafavaMárcia Juliana SantosMaria de Remédios F. CardosoMárcia RuizMaria Cecília M. SuguiyamaMaria L. B. de ToledoMarina Callil VoosMônica Ferreira A. ConteMônika KuszkaPaloma Dantas de Araújo SantosPaloma JordãoPaula VasconcelosPaulo Rogério RodriguesPriscila M. RibeiroRenata MaltempiRita PisanoRoberta de VitaRoberto CandeloriRobervânia AraújoRodrigo L. de CastroRogério Viana GusmãoSilmara ParraTalita D. FagundesTatiana AlmendraTatiana Rodrigues NahasTeresa ChavesThaís NevesValéria de Melo PereiraViviane D. da SilvaWalter SpinelliWanessa Kelli e Silva

ALUNOSAmanda Leal Netto CamposAna Carolina Balam SebeAndré SalemAndrea Lasevicius MoutinhoAndrea MoutinhoAntonio F. S. ReisArthur Zanini de Salles AguiarBruno Amá Stephan Caio Cirello RezendeCaio FrancoCamila Rozenblit TiferesCamila Damião FarahClara Sampaio LaranjeiraCaroline CuryCristiana PietracolaDaniel de Araújo PereiraDaniela Guimarães BoanovaDaniela MachadoDaniela TaouilDébora Duarte Nunes LeiteDiogo Banzato FrancoFernanda Pontes BattagliaGabriela Pereira PradoGabriela ViannaGisele da Costa DuboisGiuliana Uchôa CarrieriGustavo Henrique S. CezarHenrique Caldas OliveiraHenrique FerreiraHenrique RubiraIsabela de AngelisIsabella Pavani ScuottoJoão Frederico ParedesJorge Luiz Moreira SilvaJulia ShinoharaJuliana Nakano MyazakaLeonardo Gandur GiovanelliLetícia Toldi de CarvalhoLígia G. CosséLuana Kitagawa Cunha SoaresLuisa Prado Betti GuarnieriLuísa Roman de Oliveira ToledoLuiza BuckerLuiza Fernandes Gremaud Maria Paula Rameh GuilgerMariana Marques Alves BocuzziMarina Antunes KasaMariana AraújoMariana StefaniMaurício Gioachini Tardochi da SilvaNatália MelloNicolas Vana SantosNina Trentini BorghiPedro Carregã Sant’AnnaPedro Loureiro PortoPedro de Oliveira RibeiroRafael Montressor CoelhoRaphael ViannaRenata BatistaRenata SardenbergRodrigo LucasRodrigo Miksian MagaldiRodrigo Rossi Mora BruscoRodrigo Siuffi AbbudStephanie HaspoThais BianchiniThais BrancoVictoria Liebert Piscopo Victoria Pagano Rebizzi

Page 8: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

ABCDE GHIJKLMN

OPQRSTUV

WXYZ

Fe n t r e v i s t a

Ferreira Gullar

Page 9: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Saí de São Paulo, rumo ao Rio de Janeiro, com uma lista infinita de perguntas escritas num papel e uma ideia fixa: vou entrevistar aquele que é considerado pela crítica o maior poeta vivo da língua portuguesa, o maranhense José Ribamar Ferreira, ou simplesmente Ferreira Gullar. É certo que o peso dessa respon-sabilidade deve-se a vários fatores: meses de tentativas vãs de agendamento (o poeta com-pletou 80 anos e a imprensa precisa de datas), um sentimento (anacrônico) de juventude, ligado às reminiscências da Faculdade de Letras da USP (e já se vão quase vinte anos), a quase adoração do poema “Traduzir-se” (e a sensação de que seus versos foram auto-escritos e não criados por alguém palpável). Tudo isso começa a se esvair quando, à porta do edifício do poeta, na ruidosa Copacabana, pergunta-se ao menino da banca de revistas: “Você tem um exemplar de algum livro de Ferreira Gullar?” (Afinal, precisava de um para que fosse autografado); e ele responde, sem cerimônias: “Não tenho não, mas você pode comprar diretamente dele. É só tocar a campainha do prédio em frente.” E a sen-sação de peso se dissipa quase por completo quando diante de Gullar, crítico de arte, jornalista, escritor, dramaturgo, tradutor e, acima de tudo (segundo ele), Poeta. A lucidez do homem é perturbadora. Entrevistá-lo é tarefa árdua porque ele é capaz de discorrer com fluidez sobre amor, morte, poesia, comu-nismo, Beckett numa frase. Tudo tratado de maneira humana e até mesmo prosaica. Num dado momento, para falar de sua incursão no Neoconcretismo (depois de sua ruptura com o Concretismo), apanhou de sua estante uma escultura de Lygia Clark e explicou-me didaticamente o conceito de “livro-poema”. (A obra de uma das artistas plásticas mais festejadas do país, Lygia Clark, estava ali em suas mãos sem nenhum pedantismo.)

Nesta entrevista, não saberemos que foi em 1954 que Gullar publicou o importante livro A Luta Corporal; que em dezembro de 1956 participou da Exposição Nacional de Arte Concreta (no MAM); que discordou das ideias do grupo concretista paulista, expres-sas no artigo “Da Psicologia da Composição à Matemática da Composição”, redigindo em resposta ao texto dos irmãos Campos e Décio Pignatari o texto “Poesia Concreta: Experiência Fenomenológica”; que escreveu o “Manifesto Neoconcreto”, publicado no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil e assi-nado também por Amilcar de Castro, Aluísio Carvão, Franz Weissmann, Hélio Oiticica, Lygia Clark, Lygia Pape, Reynaldo Jardim e Theon Spanudis. Também não seremos informados de que foi em 1961 que o poeta dirigiu a Fundação Cultural, em Brasília; de que se filiou ao Partido Comunista em 1964, quando fundou o Grupo Opinião, com os dramaturgos Oduvaldo Vianna Filho e Paulo Pontes; de que colaborou com O Pasquim, sob o pseudônimo Frederico Marques; e de que recebeu o Prêmio Jabuti, em 1999, a indicação ao Prêmio Nobel de Literatura, em 2002, o Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto da obra, em 2005, e o Prêmio Camões, conce-dido pelos governos do Brasil e de Portugal, em 2010. Você também não será informado que, recentemente, Ferreira Gullar, depois de onze anos de silêncio poético, lançou a coletânea Alguma parte alguma. Saberemos, entretanto, o mais importante para esta-belecer contato com a arte de Gullar: sua poesia nasce do espanto.

(Ps.: o menino da banca de jornal estava erra-do. Gullar não tem suas obras para vender em seu apartamento carioca.)

Page 10: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

1716

Revista da Móbile – A última polêmica

envolvendo o MEC (Ministério da Educação

e Cultura) está relacionada à aprovação,

pelo PNLD (Programa Nacional do Livro

Didático), da obra Por uma vida melhor,

destinada aos alunos do EJA (Educação de

Jovens e Adultos). Nela, os autores tratam

da variação linguística como fenômeno

inerente a toda e qualquer língua humana.

Essa postura foi lida por muitos como um

desprestígio do ensino da norma culta

nas escolas. Em um de seus textos mais

irônicos, publicado pelo jornal Folha de S.

Paulo, “Alguém fala errado?”, há uma crítica

dura aos linguistas que defendem posição

semelhante à dos autores do livro que gerou

a polêmica. De que maneira o ensino da

norma culta, promovido pela professora

Rosinha, foi importante para o senhor?

Ferreira Gullar – Não é que o ensino da norma

culta tenha influenciado diretamente a minha obra.

Conhecer a norma culta, saber escrever direito,

corretamente, sempre foram uma preocupação

minha, desde garoto, quando comecei a imaginar

que poderia me tornar um escritor. Eu precisava

saber a língua, então passei dois anos lendo

gramática, estudando para entender como a

língua funcionava. É muito estranho que alguém

venha dizer que a norma culta é aquela praticada

pela elite. Por trás de tudo isso, há um problema

ideológico, infantil, velho. Então é assim: quem

fala certo pertence à classe dominante e quem

fala errado é o povo? Então, como o povo é a

vítima da classe dominante, temos de prestigiá-lo

para não deixar que a classe dominante o humilhe

dizendo que ele está falando errado... realmente

isso é uma bobagem.

Revista da Móbile – O senhor acha que “a

contribuição milionária de todos os erros“,

citada pelo escritor paulistano Oswald

de Andrade em um de seus manifestos, ou “a

língua errada do povo/Língua certa do povo/

Porque ele é que fala gostoso o português do

Brasil”, referida pelo poeta pernambucano

Manuel Bandeira, e tudo o que o múltiplo

escritor paulistano Mário de Andrade

defendeu – ao lado de outros modernistas

da fase heroica (1922-1930) – geram certa

confusão de interpretação ainda hoje?

Ferreira Gullar – Eu, quando li essas concepções

do Mário, do Oswald, do Bandeira, nunca atribuí

a elas a intenção de considerar que a norma culta

era algo que deveria ser desprezado, porque

esses escritores escreveram “corretamente”, ou

seja, dentro daquilo que denominamos norma

culta. O que eles estão dizendo, e é correto, é

que existe um sabor, uma beleza, um charme no

falar do povo. Dentro da literatura, esse “falar

do povo” é um elemento enriquecedor. Você –

como escritor – pode usar esse elemento, dentro

de um contexto determinado. Bandeira nunca

pretendeu defender que a construção “os livro”

está correta. Mas isso não significa que eu não

transgrida, violente a língua. Em minha poesia,

quantas vezes violentei a língua? Até de uma

maneira absurda, drástica demais, mas é preciso

haver a língua estabelecida, as normas, para

que se possa transgredi-las. Quero dizer, esta

relação é dialética: entre aquilo que é correto e as

possibilidades outras que se apresentam diante

de problema de expressão, sobretudo quando se

trata de poesia.

Revista da Móbile – Por que esse “problema”

se apresenta, principalmente, para a

poesia?

Ferreira Gullar – Porque a poesia é uma arte

realizada, muitas vezes, no limite da linguagem.

O que me incomoda nesse livro didático é a

tendência ideológica, um esquerdismo equivocado

que transforma defeito em virtude. Quando

Bandeira defende a “língua errada do povo”, ele

está liberto de preconceitos; ele está revelando

a sua experiência de menino pernambucano no

contato com aquela gente de sua terra. Trata-se

de uma experiência saudável, bonita, encantadora.

Fico perplexo quando vejo que o Ministro [da

Educação, Fernando Haddad] declarou que quem

se opõe ao livro é pior que Stalin, querendo dizer

que esse ditador ainda era melhor que nós porque

ele, quando criticava um livro, o tinha lido antes.

Só que Stalin matou um milhão de pessoas!

Revista da Móbile – Clarice Lispector

disse, certa vez: “Eu até queria não ter

aprendido outras línguas: só para que a

minha abordagem do português fosse virgem

e límpida.” Como é sua relação com a língua

portuguesa?

Ferreira Gullar – É possível que Clarice tenha tido

um problema maior, talvez pelo fato de ela ter

nascido fora do Brasil. Ela aprendeu português

depois – ainda que essa língua tenha se tornado

sua língua materna. Se há uma escritora para

quem a língua é fundamental é Clarice Lispector.

A minha relação com a língua portuguesa,

meu idioma, é fundamental. A minha poesia é

decorrente disso. Talvez uma das coisas que

caracterizem a minha poesia, diferentemente da

de outros poetas brasileiros, é a minha relação

com a questão linguística, porque eu fui um

poeta que questionou a construção da minha

própria língua. Isso já aparece em meu livro A luta

corporal. Até hoje esse questionamento se dá em

minha literatura. Meu último livro começa com um

poema que diz assim: “fica o não dito por dito”.

A linguagem não diz tudo que quero dizer. O que

está fora da linguagem não é dito.

Page 11: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

1918

Revista da Móbile – Essa discussão vai,

em certa medida, ao encontro daquela que

Clarice Lispector propunha em relação à sua

própria literatura. Refiro-me à insistência

da autora ucraniana em dizer que sua

literatura era uma busca de aproximação,

inútil, do elemento intangível, daquilo

que é “indizível”, ou seja, de impossível

representação pela palavra.

Ferreira Gullar – Sim, essa questão existe em

Clarice também, mas não em outros escritores

brasileiros, como Graciliano Ramos, Erico

Verissimo, Carlos Drummond de Andrade,

Manuel Bandeira. Essa questão da língua não

se colocava para os outros escritores de maneira

tão drástica. Mesmo Oswald de Andrade, Mário

de Andrade, quando propõem a mudança do

verso, da linguagem poética, que era acadêmica,

parnasiana, ficam apenas na forma. Esses artistas

da primeira geração modernista não vão à questão

fundamental da linguagem: a de que ela é um

sistema que só diz o que pode dizer; há algo que

não se diz, porque está fora da linguagem. O que

está fora da linguagem é indizível, e esse tema

está presente em minha poesia.

Revista da Móbile – Em outro texto publicado

pelo jornal Folha de S. Paulo, “Na prática é

diferente”, o senhor trata da venda, por

40 milhões de dólares, de um Bugatti,

comparando a venda desse automóvel à

valorização de uma escultura de Rodin, de

uma pintura de Picasso. Segundo o senhor,

isso “deixaria perplexo o pensador alemão

Walter Benjamin, segundo o qual os produtos

industriais não possuem aura, como as obras

de arte consagradas”. De que maneira o

senhor discorda das ideias (e das previsões)

presentes no célebre ensaio “A obra de

arte na época de reprodutibilidade técnica”,

escrito por Benjamin?

Ferreira Gullar – De fato, quando li a primeira vez

esse artigo de Walter Benjamin, concordei com

ele, mas, depois de refletir mais profundamente,

comecei a ver que aquela concepção não era

inteiramente verdadeira. Ao contrário do que

propôs Benjamin, uma obra como a Mona Lisa

passou a ter sua aura ampliada justamente pelo

excesso de reprodução dela. Quanto mais popular,

famosa, ficou a tela de Da Vinci, mais todo o

mundo queria vê-la no original, no Louvre. As

pessoas conhecem a cópia, mas existe o fascínio

pelo original, pelo verdadeiro, que continua a ter a

tal aura de que falou Benjamin. Aquilo foi pintado

por Leonardo da Vinci no século XVI e continua a

ser precioso, único no mundo.

Revista da Móbile – Mais do que apresentar

o sujeito com um ser cindido, marcado pelos

paradoxos “ser ‘todo mundo’ e ao mesmo

tempo ‘ninguém’”, “desejar ser ‘multidão’ e

também ‘solidão’”, “‘pesar, ponderar’, mas

‘delirar’”, seu poema “Traduzir-se” sugere

que a existência humana é caracterizada

pelo desejo da plenitude, pelo “to be and not

to be”, pelo conflito. O homem, segundo o

senhor, busca a solidez (“almoça e janta”),

mas também deseja o imponderável, a

surpresa, aquilo que não se pode prever,

controlar, o “de repente”. O senhor

acredita que a convivência desse lado

humano “vertigem” (pulsional) só encontra

possibilidade de tradução pela “linguagem”,

pela arte?

Ferreira Gullar – Tenho certeza de que a arte

é capaz de expressar coisas que as outras

linguagens não conseguem fazer. A arte, além do

mais, não só expressa a realidade como também

a inventa.

Revista da Móbile – De fato, o senhor disse

uma vez: “discordo quando dizem que a arte

revela a realidade. Na verdade, a arte inventa

a realidade. (...) A poesia é uma dessas

criações, no terreno da fantasia, que existe

porque a vida não basta. Eu escrevo para ser

feliz, escrevo porque estou me inventando,

para ser melhor do que sou”. Inventando

uma nova realidade, a arte se colocaria

distante de outra realidade (concreta)?

A chamada poesia social brasileira – que

a crítica associa ao senhor – serviu a que

propósito? O de tratar da realidade de

modo a transformá-la ou o de inventar uma

realidade que pudesse apaziguar a dor dos

leitores em um mundo submetido aos limites

estabelecidos pela ditadura militar de 1964?

Ferreira Gullar – Existe mesmo esse conceito

de poesia social ligado a mim na história da

literatura brasileira. Escrevi um poema sobre

Che Guevara chamado “Dentro da noite veloz”,

mas os versos que o compõem, por certo, não

são a realidade, não são a revelação; eles são,

antes, uma invenção de determinada realidade.

Quando criei esse poema, nunca tive a pretensão

de que seus versos pudessem servir para mudar

a realidade. Escrevi-o mergulhado num “estado”

que me permite, que me obriga a fazer um

poema. Quando escrevo, não estou pensando

em ninguém, tampouco numa finalidade, num

contexto político.

A arte, alémdo mais, nãosó expressaa realidade

como tambéma inventa.

Page 12: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Revista da Móbile – Como foi seu processo

de criação desse poema tão importante?

Muitos o consideram um de seus textos mais

políticos e engajados.

Ferreira Gullar – Eu vi uma fotografia de Guevara

morto, publicada num jornal do Rio de Janeiro.

Essa imagem, mais tarde, ficaria muito conhecida.

Nela, o rosto de Guevara aparecia em close

chocante, acompanhado de um texto que explicava

que ele havia sido assassinado já há vários dias em

luta na Bolívia. O fato de eu ver aquele cara morto

ali, lutando pelo povo boliviano e completamente

ignorado por esse povo (e por mim), essa soma de

informações me levou a escrever o poema “Dentro

da noite veloz”. Ele não era abertamente político.

Esse poema nasceu de um espanto, de algo que,

naquele momento, me surpreendeu; quero dizer:

Guevara estava lutando sem ninguém saber disso,

nem o povo por quem ele achava que lutava, nem

eu... então considerei isso uma coisa maluca!

Escrevi, dessa forma, um poema que não se

restringe a descrever somente o que aconteceu de

fato. Há nele uma série de elementos inventados

por mim: uma floresta, árvores...

Revista da Móbile – Nesse sentido, poesia

é invenção?

Ferreira Gullar – Poesia é invenção. À medida que

você vai inventando, vai entrando num universo

que é próprio do poema. Por isso, aquilo que se

escreve não é o retrato do que aconteceu, aquilo

não é um fato, uma denúncia. Você pode até,

conscientemente, achar que está fazendo uma

denúncia – um lado seu pode considerar isso –,

mas não é o lado mais criativo. A verdadeira

poesia é uma viagem criativa que está para além

da realidade. Você começa a escrever um poema,

mas, no papel em branco, não sabe aonde vai

dar, não há planos. Você só tem uma intenção,

entretanto não sabe o que vai acontecer com

ela, está condenado a todas as probabilidades.

Quando se escreve a primeira palavra, reduzem-

se as probabilidades. Você passa a ter todas as

probabilidades menos uma, porque escreveu a

primeira palavra, que vai determinar a segunda...

aí o acaso começa a ser reduzido e surge uma

nova verdade, um texto. Se você escrever a

palavra “x” em vez da “y”, o poema vai ser de um

jeito. Trata-se de uma mistura de acasos.

Revista da Móbile – O senhor já se aventurou

por muitos ramos da escrita: crônicas,

ensaios, artigos de opinião, crítica de arte,

seriado de TV (Carga pesada), telenovela

(Araponga). De que forma se autodenomina?

Poeta?

Ferreira Gullar – Eu faço as outras coisas com

paixão, eu me entrego quando as faço. (Até

mesmo quando escrevi telenovela, que era uma

coisa que eu tinha horror...) De outras coisas,

como o trabalho com crítica de arte, me ocupo

desde a juventude. Penso mais sobre arte em

geral do que sobre poesia.

Revista da Móbile – Talvez porque poesia o

senhor faça...

Ferreira Gullar – Eu não gosto de fazer teoria sobre

poesia. Dou, simplesmente, um testemunho da

minha experiência. Sou poeta e não tenho certeza

de que poesia é realmente literatura. Às vezes,

me pergunto isso. Poesia é uma aventura de tal

ordem que nasce do espanto. É muito diferente

de escrever um artigo sobre qualquer tema para

o jornal Folha de S. Paulo, porque, nesse caso,

eu escolho o assunto racionalmente. Decido e

escrevo; contudo, eu jamais posso fazer isso com

a poesia. Não há a menor possibilidade...

2120

Page 13: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Revista da Móbile – Os gregos antigos

reservavam um espaço bastante especial

para os poetas. Eles seriam seres

“entusiasmados” (tomados pela força

divina) – por meio dos quais os deuses

falariam. Platão chegou a sugerir a expulsão

deles numa cidade-estado que fosse ideal

(em A República). João Cabral de Melo

Neto se posiciona de maneira oposta a essa

concepção. Com qual concepção o senhor

se identifica?

Ferreira Gullar – Evidentemente, eu não acredito

que seja inspirado por nenhum deus. Minha

poesia nasce do espanto. Preciso estar num

“estado” determinado para escrever poesia. Eu

não posso escrever simplesmente pela minha

vontade. Escrevo uma crônica, mas o poema

não escrevo. Esse “estado” é determinado por

fatores aleatórios. Não posso provocá-lo. Um dia,

eu estava assistindo à televisão aqui, sentado na

poltrona, e tocou o telefone. Eu me levantei e o

osso do meu fêmur bateu na minha bacia, fazendo

um som, um “crac”. Fui atender ao telefone e,

quando voltei, pensei: eu tenho um osso. Quero

dizer: eu sou um osso. Claro que sei que tenho um

esqueleto, mas uma coisa é saber disso, a outra

é “sentir” o osso, materialmente, bater no outro

e perceber que sou isso. Então, me vieram outras

questões correlatas: mas esse osso pensa? Quem

pensa também é o osso? Começa uma indagação

que eu jamais fizera antes. Daí vem a poesia,

determinada por um estado, desencadeado por

fatores aleatórios.

Revista da Móbile – Mas há uma magia

nisso. Não me refiro à magia no sentido

esotérico...

Ferreira Gullar – Claro que é mágico. Se digo que

nasce do espanto, eu tenho que estar num “estado

especial”, ou não escrevo. Tanto é que escrevo

poesia muito raramente.

Revista da Móbile – As pessoas muito

racionais não conseguem compreender que

“poesia não se faz por vontade. O poema

não é uma coisa nascida por nossa decisão.

A poesia nasce do espanto”, concepção

defendida pelo senhor em mais de uma

ocasião. Seu último livro, Alguma parte

alguma, levou onze anos para ser escrito.

Isso não parece uma visão um pouco mágica

do fazer poético, bem diferente da concepção

de João Cabral de Melo Neto? O senhor já

disse que se nasce poeta. Como começou a

poesia na vida do senhor?

Ferreira Gullar – É claro que, quando comecei

a escrever, tinha como referência os poetas

parnasianos que lia nos livros da escola: Olavo

Bilac, Raimundo Correa. Antes deles, Gonçalves

Dias, de quem eu sabia de cor, todinho, o poema

“I-Juca Pirama”. Nessa época, eu já estava

apaixonado por poesia. Publiquei meu primeiro

livro, Um pouco acima do chão (1949), quando

tinha 18, 19 anos, mas a minha verdadeira

atividade como poeta começa mesmo com a

publicação de A luta corporal.

Revista da Móbile – O que significa

“verdadeira atividade como poeta”?

Ferreira Gullar – Aos 20 anos, já havia lido [TS]

Elliot, [Rainer Maria] Rilke. Li, de Rilke, o poema

“O torso arcaico de Apolo”, traduzido por Manuel

Bandeira, e descobri o que era poesia, ou seja, a

poesia que eu queria fazer. Um amigo me mandou

As Elegias de Duíno, de Rilke, e descobri que aquilo

que eu estava fazendo não era poesia (pelo menos

não a que eu achava que deveria fazer: uma poesia

que me fizesse entrar em outro mundo, outra

dimensão). Depois, descobri Carlos Drummond

de Andrade e fui tomando conhecimento do que

era a poesia. Assim começou para mim. Eu me

lembro do dia em que comprei, num sebo, a

obra Contos Fantásticos, de Hoffmann. Cheguei

em casa e percebi que o tal livro estava todo

manchado, com fungos, e pensei: “Poxa! Mas o

autor escreveu esse livro para virar essa coisa

toda manchada de fungo? A literatura dele virou

fungo. Hoffmann escreveu a obra na Alemanha há

tanto tempo e está aqui, no Brasil, traduzida para

o português e toda manchada!” Então comecei

a refletir: “Será que a literatura tem sentido? É

para isso que se escreve, para terminar num sebo

cheio de fungo?” Concluí que só haveria razão de

ser se a poesia pudesse mudar a vida. Mudar o

autor, mudar o leitor. Ela não pode só ser palavra

e letra num papel. Corri para minha escrivaninha,

abri minha gaveta, tirei meus poemas, comecei a

lê-los e rasgá-los. “Esse não muda nada, rasgo;

2322

Min

ha p

oesi

a na

sce

do e

span

to.

Page 14: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

esse também não muda, rasgo”. Rasguei tudo.

Somente do último fiquei com pena e, por isso,

não rasguei, mas ele também não mudava nada.

Esse foi um momento de mudança, de tomada de

consciência de que poesia era outra coisa.

Revista da Móbile – Dia desses, perguntei

em uma aula, a um aluno do 3º ano do

Ensino Médio, após ter lido um de seus

artigos publicados no jornal, quem era

Ferreira Gullar. Um aluno que adora sua obra

me respondeu: “Ferreira Gullar é poeta, um

dos criadores do Concretismo, depois um

dos detratores desse movimento, criador

do Neoconcretismo e o escritor do ‘Poema

sujo’, de 1967.” O senhor se identifica com

esse perfil traçado pelo nosso aluno?

Ferreira Gullar – Está certo, sou isso mesmo, em

linhas gerais.

Revista da Móbile – De que maneira sua

obra A luta corporal já dialogava com o

movimento concretista?

Ferreira Gullar – Augusto de Campos, Haroldo de

Campos e Décio Pignatari leram A Luta Corporal e

me procuraram para dizer que eu havia destruído

a linguagem e que, por isso, era necessário

criar outra. Desse nosso diálogo, nasceu o

Concretismo. Da troca de correspondências entre

mim e Augusto de Campos, nasceu a ideia de

criar outra sintaxe para a poesia. Eles, então,

sugeriram a sintaxe visual, o poema visual, um

código que não necessitava do discurso verbal.

Depois disso, fizemos os primeiros poemas. Eu

criei, por exemplo, o “Mar Azul”:

Assim nasceu o Concretismo no Brasil.

Revista da Móbile – Em que momento o senhor

passou a não caber mais no movimento

concretista?

Ferreira Gullar – O Concretismo teve em mim

um desdobramento diferente do que teve em

artistas como Augusto, Haroldo e Décio, em razão

da descoberta que fiz ao começar a utilizar a

linguagem sem o discurso. Publiquei, por exemplo,

no Jornal do Brasil, um poema assim:

Depois da publicação, um amigo me telefonou

dizendo que havia lido o poema e achado

interessante a produção. Perguntei a ele: “você

notou que a repetição da palavra ‘verde’ faz nascer

a ‘erva’? Notou que a ‘erva’ explode da palavra

‘verde’?” Ele não notara nada daquilo porque

não havia lido o poema em voz alta. Concluí,

por isso, que o poema estava errado. Comecei

a me questionar de que maneira poderia fazer

um poema com resultado visual que obrigasse

meu receptor a lê-lo palavra por palavra. Criei,

então, uma estrutura nova, que denominei

“livro-poema”, ou seja, poemas que existiriam

somente num determinado livro. Esses poemas

não poderiam, por exemplo, ser publicados em

um jornal. O suporte era o próprio poema, um

objeto manuseável. [A artista plástica mineira]

Lygia Clark, que vivia um impasse em sua pintura,

também percebeu que o manuseio poderia ser o

caminho para sua arte.

Revista da Móbile – E Lygia Clark reconhecia

essa influência do conceito do “livro-

poema” (obra de arte manuseável) em suas

esculturas?

Ferreira Gullar – Tampouco eu reconhecia a

importância daquilo... nem eu sabia direito o valor

do que estava fazendo. Somente mais tarde é que

fui tomar consciência – e ela também. Éramos um

grupo de amigos.

Revista da Móbile – E a história do “Poema

enterrado”, que envolveu a participação do

artista Hélio Oiticica?

Ferreira Gullar – Ao criar meu terceiro livro-poema,

houve uma mudança e percebi que a obra havia se

transformado num objeto (já não era, portanto, um

livro). Comecei a inventar uma série de poemas que

não tinham mais relação com o Concretismo. Eles

eram neoconcretos. Foi quando surgiu o projeto

do “Poema Enterrado”, um poema feito para o

corpo entrar nele. Levei esse conceito às últimas

consequências quando o [artista plástico carioca]

Hélio Oiticica construiu o “Poema enterrado”, um

“lugar arquitetônico” composto de um alçapão,

com uma escada que dava acesso a uma sala toda

preta; dentro dessa sala havia um cubo vermelho

que, aberto, dava acesso a outro cubo verde,

dentro do qual havia outra estrutura, menor ainda,

branca. Finalmente, dentro do cubo branco estava

a palavra escrita. Percebi, então, que meu poema

era uma sala no fundo no chão! Composto de

apenas uma palavra! Comecei a me perguntar se

eu estava certo, se deveria seguir naquele rumo.

O que aconteceria comigo se continuasse naquele

caminho artístico? Eu viraria um arquiteto? Um

construtor de coisas? Inviável, não é? Imagine:

o “Poema Enterrado”, que foi feito na casa do

Hélio Oiticica, foi comprado pelo Museu de Arte

Moderna de São Paulo, que, até hoje, nunca o

refez. Trata-se de uma coisa complicada... se eu

tivesse seguido esse rumo, teria me destruído

como poeta. Claro que foi interessante ter feito

e proposto tudo isso, mas eu nunca quis ser

arquiteto ou artista plástico. Sou um poeta. Entrei

em crise naquele contexto.

2524

mar azul marco azul

mar azul marco azul barco azul

mar azul marco azul barco azul arco azul

mar azul marco azul barco azul arco azul ar azul

verde verde verde

verde verde verde

verde verde verde

verde verde verde erva

Page 15: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Revista da Móbile – Foi isso que ocorreu

com Décio Pignatari? Ele se transformou

num artista gráfico distante da poesia?

Ferreira Gullar – A poesia concreta entrou num

impasse. Brinco que ela deveria se chamar

“poesia abstrata”, porque ela não tem discurso,

e o que dá concretude para a fala é o discurso.

“Pera” é algo abstrato. Somente passa a ter

sentido quando a fruta se transforma “nessa”

pera, “naquela” pera, localizada “naquele” prato

“ali”, “na cozinha”. Isso é que é concreto. Eu não

teria alcançado a densidade e riqueza do “Poema

Sujo” – aliás, ele jamais teria sido escrito – se eu

tivesse continuado no caminho do Concretismo.

“Traduzir-se” teria sido escrito? As coisas que uso

para me comunicar, me expressar, que me fazem

inventar, me reinventar como ser humano, não

teriam acontecido se eu tivesse me transformado

num artista plástico.

Revista da Móbile – Depois que rompeu com

o grupo concretista, o senhor nunca mais

teve contato com seus membros? Com Décio

Pignatari, Augusto de Campos...

Ferreira Gullar – Depois que eles inventaram a

tal poesia matemática, telefonei para o Augusto

de Campos e disse a ele que não havia relação

“causal” entre matemática e palavra, pois eles

pregavam que um cálculo matemático determinaria

que uma palavra deveria entrar no poema em

detrimento de outra. Eles queriam que eu assinasse

um manifesto defendendo essas ideias absurdas.

Como não acreditava naquilo, rompi com o grupo.

Eles publicaram o manifesto no Jornal do Brasil e

eu publiquei outro, no mesmo jornal, defendendo

justamente o contrário. Para mim, como a poesia é

uma experiência fenomenológica, ela é o contrário

da matemática. Um ano depois dessa polêmica, eu

trabalhava num jornal e Décio Pignatari procurou-

me para dizer que eles tinham um novo documento

para ser publicado, dessa vez sobre “poesia

de base”. Segundo eles, a indústria brasileira

era de consumo e estava se transformando

numa indústria de base; do mesmo modo, a

poesia brasileira, que também era de consumo,

deveria ser transformada numa poesia de base.

Imediatamente, pedi que ele me trouxesse algum

“poema de base” para eu ler, mas só havia um

documento anunciando o que seria feito. Retomei

a história da poesia matemática: “Cadê o poema

matemático? Vocês nunca fizeram. Só escreveram

um documento. O mesmo se dará com a poesia

de base.” Com exceção de Augusto de Campos,

que sempre foi um bom poeta, Décio Pignatari e

Haroldo de Campos sempre foram teóricos.

Revista da Móbile – O senhor foi defensor do

comunismo durante uma época e mergulhou

nisso, foi exilado em Paris, Moscou,

Santiago, Lima e Buenos Aires e até preso

em 1968 junto com o jornalista Paulo Francis

e os músicos Gilberto Gil e Caetano Veloso.

Quando o comunismo morreu definitivamente

dentro do senhor?

Ferreira Gullar – Eu comecei a perceber que algo

estava errado na minha primeira viagem à União

Soviética. Lá, muitas coisas eram interessantes:

não havia mendigos nas ruas, eu não via ninguém

morando na sarjeta, nem nada disso. Todas as

pessoas estavam vestidas direito, sem luxo, mas

todo mundo estava bem alimentado, contudo... Fui

a uma loja comprar um gravador de fita cassete,

mas o tal equipamento disponível pesava cinco

quilos! Uma amiga minha foi para a Alemanha

visitar a família, na Berlim ocidental, e eu pedi a

ela que comprasse o gravador. Recebi o gravador

lindinho, pequenininho, belíssimo. Então percebi

que na União Soviética só se faziam armas,

foguetes para guerra, mas, do ponto de vista das

coisas da vida, da televisão, da comodidade da

existência, das roupas, tudo era de pior qualidade.

Eles não se incomodavam com isso. Em outra

ocasião, fui à Ucrânia com um grupo de brasileiros

e de latino-americanos visitar o chefe do partido

ucraniano. Reunimo-nos com a direção do partido

e o chefe falou: “A economia da Ucrânia só existe,

só se desenvolve, graças ao partido. Somos nós

que fazemos tudo.” Então pensei: “Mas são esses

quatro caras que fazem funcionar a economia

da Ucrânia? Esse troço não vai dar certo.” Em

qualquer cidade de qualquer país capitalista há

milhares de pessoas inventando o que fazer, o

que criar, pequenas empresas, comércios etc.

Como é que esses quatro caras vão disputar com

milhões de pessoas, com a iniciativa de milhões

Para mim, comoa poesia é uma experiência

fenomenológica, ela éo contrário da matemática.

2726

Page 16: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

de pessoas? Fui percebendo, aos poucos, que

alguma coisa estava muito errada. O capitalismo

selvagem do século XIX, que tirava crianças do

orfanato e as colocava para trabalhar nas fábricas

até ficarem tuberculosas, era indiscutivelmente

uma indignidade. Esse capitalismo não dava

nada a ninguém. As pessoas chegavam aos 60

anos, morriam miseráveis na sarjeta porque não

tinham aposentadoria. Foi contra um capitalismo

que não tinha jornada de trabalho estabelecida,

aposentadoria, ajuda de custo para saúde... que

Marx se revoltou. Ele era um homem com sentido

de justiça e um grande espírito, por isso revoltou-

se contra esse capitalismo. Evidentemente, em

nome dessa mudança, Marx mudou o mundo

e lutou contra o capitalismo e suas relações

perversas de trabalho. Agora, me dizer que quem

cria a riqueza é o operário e que o patrão é

desonesto porque simplesmente gasta o que o

outro faz e que ele não faz nada é uma bobagem!

Um empresário pode também ser um intelectual,

um criador de uma coisa chamada empresa, um

sonhador. Quando um cara como Henry Ford cria

uma fábrica de automóveis, ele também está

sonhando.

Revista da Móbile – No documentário que

Miguel Faria Jr. fez sobre a obra de Vinicius de

Moraes, o senhor exalta a vida presente nos

poemas desse escritor e compositor. Exalta

seu mergulho na intensidade, no otimismo,

e critica a posição do dramaturgo irlandês

Samuel Beckett; depois, dá uma gargalhada

sonora ao se lembrar de Vinicius. O eu lírico

do “Poema sujo” diz: “eu não sabia tu/não

sabias/fazer girar a vida/com seu montão

de estrelas e oceano”. O homem Gullar, aos

80 anos, sabe “fazer girar a vida”?

Ferreira Gullar – A poesia não é a vida e a vida

não é a poesia. Ninguém pode viver em estado de

poesia 24 horas por dia ou por 70 anos, por isso eu

digo que a poesia nasce porque a vida não basta,

a arte nasce e foi inventada porque a vida não

basta. Eu não sou poeta 24 horas por dia e nem

ninguém o é, mas, no momento em que leio Elliot,

Drummond, Borges... nesse momento, a minha

vida se amplia, ela fica mais rica, ela fica mais

bela, mais misteriosa, mais fascinante. É o que

procuro. Beckett é altamente destrutivo porque

reduz a existência a nada.

Revista da Móbile – Beckett e o teatro

do absurdo não são definitivamente para o

senhor...

Ferreira Gullar – Não. Fico chocado com [a

peça] Esperando Godot. Beckett é brilhante,

inteligentíssimo, um talento extraordinário, mas

a cabeça dele é torta! Que a existência não tem

sentido, isso nós já sabemos, o problema é dar

sentido à vida. Beckett fica zangado porque a vida

não tem sentido, então vamos tentar dar algum

sentido a ela!

e x p r e s s õ e s & i m p r e s s õ e s

28

Page 17: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

O sonho sempre foi motivo de encanto. Filósofos, psicanalistas, poetas, romancistas

nunca esconderam seu fascínio pelo universo onírico. Inspirados na temática dos sonhos

e no aforismo do crítico literário Antonio Candido (“A literatura é o sonho acordado das

civilizações”), os alunos da Móbile, da Educação Infantil ao Ensino Médio, produziram

trabalhos para a V Mostra Literária, orientados por seus professores de Língua Portuguesa.

Neste ano, em sua quinta edição, além das discussões sobre literatura nas aulas, os

alunos tiveram a possibilidade de assistir a espetáculos teatrais e a filmes baseados em obras

literárias, conhecer e adquirir novos e velhos títulos na feira de livros montada especialmente

para a Semana Literária, além de conhecer os trabalhos dos colegas de outros anos. A Mostra

constitui uma oportunidade para que os professores da área de Língua Portuguesa tragam a

público parte do trabalho realizado por eles com os alunos no dia a dia da sala de aula.

“Respirar” literatura e “organizar o caos” por meio das palavras são necessidades

humanas. Além da fruição de bons textos de autores consagrados, a Mostra Literária permite

aos alunos o exercício da capacidade criativa e da sensibilidade, porque convida para o “risco”

da criação. Nos dizeres de Antonio Candido:

“Não há povo e não há homem que possam viver sem ela [a literatura], isto é, sem a

possibilidade de entrar em contato com alguma espécie de fabulação. Assim como todos

sonham todas as noites, ninguém é capaz de passar as vinte e quatro horas do dia sem alguns

momentos de entrega ao universo fabuloso.”

Parte integrante da Mostra Literária é o concurso de textos, promovido pela equipe de

professores do Ensino Fundamental II e do Ensino Médio. Em sua nova edição, o Concurso

Literário da Móbile premiou dezoito alunos entre os 194 que inscreveram seus textos nas

categorias poesia e prosa (ficção e não ficção).

Os ganhadores tiveram seus textos lidos numa encenação teatral, baseada em Alice no

país das maravilhas, no poema “O corvo”, de Edgar Allan Poe, A metamorfose, de Franz Kafka,

entre outras obras, especialmente preparada pelos alunos do 3º ano do Ensino Médio.

Para conhecer um pouco sobre os trabalhos expostos na V Mostra Literária, leia os textos

de apresentação dos projetos elaborados pelos professores da Móbile. Os trabalhos propostos

respeitam o estágio de desenvolvimento cognitivo dos alunos, transcritos a seguir.

MóBILE REALIzA EM 2010 V MOSTRA LITERáRIA E IX CONCURSO LITERáRIO

Literatura: sonhar acordado...

Page 18: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

O sonho: de Alice, de Pedro, de Isabela, de Laura, de Eduardo...

“Certa noite, a menina sonhou.

Assim que acordou, desenhou seu sonho.

Aquele era um desenho diferente. Por isso, foi guardado

em um lugar especial, como se guarda um tesouro.”

(MORICONI, Renato. O sonho que brotou.

Difusão Cultural do Livro, 2010.)

O livro Alice no país das

maravilhas, de Lewis Carroll, é

extremamente intrigante e capaz

de mexer com a imaginação de

seus leitores. Os elementos típicos

dos contos de fada – animais que

falam, reis e rainhas, mudanças

de tamanho em um passe de

mágica, personagens enigmáticos

que aparecem e desaparecem

de uma hora para outra –, além

do fato de a história se passar

dentro de um sonho, tornam tudo

muito instigante e curioso para

as crianças.

Essa história narra o sonho

de uma garotinha. Todas as suas

aventuras, dúvidas e descobertas

acontecem de forma bastante

natural, pois no universo dos

sonhos tudo é possível.

Fantasia, sonhos,

a diferenciação entre o real

e o imaginário são temas presentes

na infância, assim como

o encantamento pelas histórias

e suas personagens. Pensando

nisso, escolhemos as aventuras

dessa menininha que persegue

um coelho branco e embarca

num mundo fantástico como eixo

de nosso trabalho.

Nas aulas de Filosofia, cada

turma do Infantil 5 foi instigada

a refletir sobre questões como:

O que é sonho? Todo mundo

sonha? É possível você saber

o que vai sonhar antes de sonhar?

O sonho pode ser real? Essas

discussões possibilitaram a cada

criança pensar sobre seus sonhos,

compará-los com os dos colegas

e refletir sobre o que é possível

ou não na realidade e na fantasia.

Mas a história de Alice

e seu sonho não desapareceram

da rotina dos alunos! O enredo

continuou presente por meio

de várias releituras do conto,

da sessão do filme original, a que

todos assistiram com interesse

e encantamento, das conversas

sobre as personagens e principais

acontecimentos da narrativa.

O grande desafio da personagem

principal, Alice, é desvendar

as regras do jogo para que

encontre o caminho de volta

ao mundo real. A brincadeira

entre sonho e realidade serviu

de inspiração para cada sala

elaborar um jogo baseado na

história, no qual a leitura,

a escrita, o desenho e a pintura

se fizeram presentes.

Mª Cecília M. Suguiyama, Andréa G. de

Oliveira Assumpção, Paloma Dantas de

Araújo Santos, Mônica Ferreira A. Conte,

Fernanda Campanhã Rodolfo e Ana Christina

Calderelli Nebó são professoras do Infantil 5.

3332

Page 19: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

A cada sonho, um novo conto!

Alice lia um livro, com sua irmã, à margem de um rio. De repente,

surge a figura do coelho, curiosamente vestido e portando um relógio de

bolso. O coelho some em um buraco e, ao segui-lo, Alice, em queda livre,

entra em um mundo desconhecido.

Ela embarca nessa aventura, tornando a viagem pelo País das

Maravilhas um sonho. Uma vez que se trata do enredo de um sonho,

universo em que as coisas mais incomuns são aceitas como naturais,

tudo pode acontecer...

O ato de sonhar é inerente ao ser humano, mas, apesar disso, não é

tão simples de ser entendido ou explicado, principalmente quando se é

criança.

Para entender um pouco mais o que o sonho significa, iniciamos uma

série de discussões sobre o tema. A partir das falas de nossos alunos,

trouxemos várias histórias em que o sonho aparecia com seus diferentes

significados: sonhos relacionados ao sono (bons e ruins) e aos desejos.

Optamos pela leitura da obra de Lewis Carroll, Alice no país das

maravilhas, pelas características principais dessa obra e por haver nela

uma personagem muito próxima aos alunos – uma garotinha que se

envolve em uma aventura repleta de magia e seres fantásticos.

Essa personagem inspirou cada aluno do 1º ano do Ensino

Fundamental na elaboração de sua primeira narrativa. A criação de um

conto é o projeto final da série, pois, com domínio maior da escrita, cada

um tem a possibilidade de embarcar no mundo da fantasia, registrando,

de próprio punho, suas ideias. Assim como a ousada personagem da

história, todos mergulharam em um mundo onde tudo é possível: o da

imaginação.

Como escrever um texto não é tarefa fácil, muitas etapas foram

primordiais para favorecer o processo de criação individual: pensar em

características físicas e psicológicas de cada uma das personagens, criar

um cenário para a história, pensar em possíveis conflitos ou situações

assustadoras e, principalmente, em formas de vencer todos os perigos...

Depois de algumas leituras e correções, cada conto tomou forma e se

tornou único, como um sonho. Abram os olhos e deixem-se levar...

Analu G. Del Suringar, Wanessa Kelli e Silva, Viviane Domeneguetti da Silva, Maria Luiza

Britto de Toledo, Gabriela Bernardes Makishi e Lívia Moreira de Oliveira são professoras do

1º ano do Ensino Fundamental.

3534

Page 20: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

É possível sonhar de

olhos abertos? Todos

nós sonhamos ou

existem pessoas que

não sonham nunca?

O que é um sonho de

verdade? Quando um

sonho se realiza, deixa

de ser sonho?

Essas são algumas

das questões sobre

as quais os alunos

do 2º ano do Ensino

Fundamental se

debruçaram ao longo

deste trabalho.

Instigados pela

leitura dos livros O

príncipe sem sonhos,

de Márcio Vassallo, e

O menino que espiava

pra dentro, de Ana

Maria Machado, todos

puseram-se a pensar

sobre as inúmeras

formas pelas quais as

pessoas compreendem

o sonhar.

Cada etapa do

trabalho esteve

entremeada por

reflexões, debates e

propostas de produção

escrita.

O convite a falar de

si fluiu naturalmente:

O que é sonho?

Quem eu sonho ser?

Quando espio pra

dentro, imagino que...

O resultado

desse percurso são

textos curtos em

que experiência,

pensamento e

sensibilidade se

entrelaçam para

traduzir, ao mesmo

tempo, a leveza e

a profundidade que

cercam os sonhos na

infância.

Pris

cila

May

umi R

ibei

ro, A

line

H. I

ozzi

de

Cast

ro, D

ébor

a M

anza

no z

ardi

, Bár

bara

A. P

ozas

e Ta

lita

Fagu

ndes

são

pro

fess

oras

do

2º a

no d

o En

sino

Fun

dam

enta

l.

Sonhar, imaginar, querer Poesia com Gentileza

Entre as décadas de 1970 e 1990, o Profeta Gentileza perambulava

com seus estandartes, barba longa e túnica, pelas cidades do Brasil,

espalhando suas mensagens de “AMORRR”, como um verdadeiro

cavaleiro andante contemporâneo. Mas foi no Rio de Janeiro,

precisamente nos pilares do viaduto do Caju, que José Datrino registrou

suas ideias sobre a beleza, a liberdade, o amor, a religião, a natureza

e, claro, a gentileza, que, para ele, era “o remédio de todos os males”.

Assim, o “UNIVVVERSO GENTILEZA”, como um autêntico livro urbano,

ficou imortalizado em 56 murais ao longo do viaduto.

Hoje, seus poemas viraram lemas, seus murais ficaram famosos,

inspiraram músicas, teses e tornaram-se poemas-sonhos realizados pelos

alunos dos 6os anos.

“Gentileza gera gentileza.” Esse foi o mote para o trabalho. Primeiro,

os alunos precisaram entender a dimensão da frase do profeta: do

espírito de cordialidade e de gentileza dependerá o futuro da Terra

e da humanidade. A tarefa da nova geração será construir um novo

paradigma civilizacional, outro tipo de ciência que cuide da subjetividade,

da compreensão do sentido da vida e da benevolência nas relações

humanas. Aprender alguns recursos poéticos e a estética muito

particular do Profeta Gentileza foi o segundo passo.

Para quem precisa mudar o mundo, nada melhor do que começar

criando poemas-sonhos. Os alunos escreveram suas palavras poéticas

com a energia de quem busca a transformação necessária do nosso

modo de habitar o mundo, mais sensível e gentil, e devolveram a mim,

professora, uma utopia positiva diante da vida.

Valéria de Melo Pereira é professora de Português do 6º ano.

3736

Page 21: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

- -

- -como -

- - - -

-

- - - -

- -

- -

- - - - - - on

de - - - - - -

- - - - - -

- - - - - - -qu

an

do

- -

-

- - - - - - - -

- - - - - -

- - - -

- - - - -

- - - - - - - -

- - - -

- -

- -

- p

orque

Os caminhos que nos levam aos sonhos

Sonhos. Esse seria, então, o tema da Mostra

Literária de 2010. Ele nos despertou uma

questão importante: até onde os alunos de 3º ano

conseguiriam caminhar dentro desse tema? Será

que poderíamos trabalhar exigindo uma maior

abstração, trabalhar com o sensível, ou será que

teríamos de permanecer mais presos a ideias

concretas e palpáveis?

O tema é, sem dúvida, de grande sensibilidade.

Traçamos o projeto.

Iniciamos o trabalho com a leitura do livro

Sonhos de Aurélia, de Eduardo Marquez. Texto

denso. Aventura cheia de seres mágicos e

reviravoltas fantásticas. Discutimos, desvendamos

o vocabulário juntos e interpretamos as partes

mais simbólicas. Coletivamente, registramos o

enredo selecionando os principais acontecimentos

da história.

Aos poucos, Aurélia, a personagem principal,

revelou sua incrível trajetória em busca de

seu grande sonho (que não poderia ser mais

significativo): a menina sonhava em conseguir se

lembrar de seus próprios sonhos.

Partimos para a leitura do livro A menina e o

vestido de sonhos, de Alexandre Rampazo. Sensível

e simbólico. As imagens encantadoras permitiram

que as crianças mergulhassem na história e

traçassem relações com suas próprias vidas.

“Eu fui a um médico que vivia assim, com a

gaiola presa na cabeça. Acho que ele não sonhava

mais, igual às pessoas da cidade da menina... Ele

me examinou, mas nem olhou na minha cara.

Fazia tudo assim, de maneira mecânica” – afirmou

uma das crianças.

Ótimo! Os alunos já estavam sensibilizados pelo

tema e mostravam a abstração que desejávamos.

Após essa leitura, assistiram ao filme UP – altas

aventuras. Mesmo os que já conheciam a história

tiveram a possibilidade de revê-la sob um novo

olhar. Carl Fredericksen, o velhinho rabugento,

e Russel, o menino solitário, ampliaram a

possibilidade de as crianças viverem uma sensível

aventura. Mais uma vez nosso foco seria não o

sonho em si, mas o caminho transformador que

levaria até ele.

Por fim, todos estavam prontos para pensar

sobre seus próprios sonhos e caminhos a

percorrer. Para tornar mais fácil a exposição

desses sonhos, as crianças puderam contar com

as inúmeras possibilidades trazidas por uma

personagem criada por elas. Tornou-se mais fácil

falar de sonhos e da busca, podendo contar com a

imaginação.

Quais serão os sonhos que habitam crianças tão

pequenas?

Adriana Caravieri Rosa, Aluani Tordin de Oliveira, Cristine

Bünecker Poyares, Lara P. Oliva e Marina Callil Voos são

professoras do 3º ano do Ensino Fundamental.

3938

Page 22: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Uma viagem por dentro e por fora

Desde primórdios, o ser humano

se interessa pela vastidão do

Universo e pelos mistérios da

Criação, tendo a curiosidade, a

vontade de compreender o que está

ao seu redor e o sonho, desejo de

realização, como suas principais

molas propulsoras.

Esse maravilhamento perpassou

os ritos ancestrais até as mais

elaboradas equações matemáticas

para tentar explicar as nossas

origens e a do Universo.

Coube à imaginação humana

delinear os caminhos para

confrontar o desconhecido,

expressando-se de maneira repleta

de simbolismos e metáforas.

Para tanto, logo percebeu que

sempre precisaria rever o seu

ponto de vista acerca do assunto,

já que todos os conhecimentos

estão em constante evolução

e a natureza nunca deixa de

surpreender a todos.

Tal fascínio tem perambulado

pelas mais diversas expressões

humanas. Na literatura,

concretiza-se no gênero ficção

científica, o qual tem por base

apresentar narrativas envolvidas

nos conceitos científicos.

Neste ano, os alunos do

4° ano tiveram contato com esse

tema. Sondaram várias leituras

envolvendo ficção espacial, tanto

literárias quanto informativas,

desvendaram o Sistema Solar

e o Universo também a partir

de outros gêneros (palestra e

filme), imaginaram e criaram um

ET e seu planeta e compuseram

várias produções, explorando

algumas situações desse ET

com o seu criador – cada aluno,

especificamente.

Nesse processo, puderam sonhar,

brincar com a imaginação e ir

além das fronteiras. Estabeleceram

novos mundos, internos

e externos. Viajaram para dentro

e para fora.

Por fim, o mais importante

foi o encontro, a oportunidade

de deslizar por novas

possibilidades de mundos e seres.

Sonho ou realidade? Isso, no final,

não importou tanto.

Estão prontos para uma missão

espacial? Convidamos vocês

a compartilhar o universo criado

e vivido pelos nossos pequenos

cientistas-astronautas por meio

de suas histórias.

Luciana Tomiatto de Oliveira, Denérida

Brás Martins Tsutsui e Bárbara Elisa Alves

Martins são professoras de Português do

4º ano do Ensino Fundamental.

4140

Page 23: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Sabia-se exatamente

o significado

da experiência:

ela sempre fora

comunicada aos jovens

com a autoridade

da velhice, em

provérbios, em

histórias; muitas

vezes como narrativas

de países longínquos,

diante da lareira...

Que foi feito de tudo

isso? Quem encontra

ainda pessoas que

saibam contar

histórias como elas

devem ser contadas?

Que moribundos dizem

hoje palavras tão

duráveis que possam

ser transmitidas de

geração em geração?

(...) Metade da arte

narrativa está em

evitar explicações.

O ouvinte é livre

para interpretar a

história como quiser,

e com isso o episódio

narrado atinge uma

amplitude que não

existe na informação.

(Walter Benjamin)

Como nos tempos

decorridos, a arte

de contar e ouvir

histórias continua

exercendo um papel

importante na nossa

cultura, uma vez que

possibilita resgatar

a memória daqueles

que, emprestando o

seu olhar sobre o

passado, despertam a

imaginação criadora

de meninos e meninas.

Deleitando-se com

os diferentes relatos

de migrantes que

deixaram sua terra

natal e vieram

para São Paulo,

imbuídos de sonhos

e expectativas de um

futuro promissor,

os alunos do 5º ano

reviveram as histórias

de seus familiares.

O processo dessa

descoberta teve início

com entrevistas com

parentes – avôs, avós,

pais, mães, tias, tios

– que compartilharam

suas lembranças,

fotografias e objetos,

revelando experiências

inesquecíveis e

transformadoras que

trouxeram consigo.

Os sonhos mobilizam as ações

Durante as aulas,

a expectativa dos

alunos em conhecer

mais a fundo o seu

passado fomentou as

discussões nos últimos

meses. Eles refletiram

sobre os desejos

que motivaram seus

familiares a buscar

um novo destino,

as dificuldades

enfrentadas longe da

família, a adaptação

às diferenças culturais

e o sentimento de

pertencimento à

cidade de São Paulo.

Revelar uma

possível visão de

mundo e dar forma

aos sentimentos

são algumas das

funções da literatura.

Nesse sentido, o

livro Transplante de

menina, de Tatiana

Belinky, não só

ampliou o repertório

cultural dos alunos,

mas também trouxe

mais clareza às

suas histórias. As

experiências narradas

pela autora, desde sua

infância na Rússia e

na Letônia até a vinda

para o Brasil, com

10 anos, descrevem

poeticamente como

se constrói um

cidadão brasileiro,

exemplificando o

que ocorreu com os

migrantes aqui.

Essa leitura originou

a produção de uma

narrativa em primeira

pessoa, em que os

alunos escreveram

suas histórias como

se fossem os próprios

antepassados,

contando ao leitor

as dificuldades

enfrentadas durante o

movimento migratório,

a adaptação ao

novo ambiente e as

conquistas obtidas.

Apropriar-se das

vivências familiares

possibilitou que os

alunos se tornassem

os próprios atores

dessas histórias e

se reconhecessem

como o fruto do

sonho daqueles que

venceram obstáculos,

alcançaram

seus objetivos e

constituíram uma

grande família.

Ana Lúcia R. Almeida, Márcia

Ruiz e Luciana Tomiatto são

professoras de Português do

5º ano.

4342

Page 24: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Por entre os sonhos de Van Gogh

Desejos, loucura, imaginação. Esse foi o caminho percorrido pelos

alunos do 7º ano em busca de novas perspectivas sobre a vida e a obra

de Van Gogh. Por meio da análise dos quadros do pintor, os alunos

puderam conhecer sua genialidade artística. Já a partir da leitura de sua

“biografia romanceada”, Sonhos em amarelo, de Luiz Antônio Aguiar,

entraram em contato com a história do homem Vincent e com uma vida

repleta de desejos não realizados, angústias e solidão. As discussões

sobre a vida do artista trouxeram importantes reflexões acerca de sua

tão conhecida loucura e do modo como esta surge representada em suas

pinturas e/ou desejos pincelados sobre a tela.

Inspirados pela experiência cinematográfica de Akira Kurosawa, os

alunos foram instigados a invadir as telas de Van Gogh, procurando

dentro delas (e em sua própria imaginação) representações “escondidas”

sob as pinturas e criando, assim, novas perspectivas sobre a obra do

pintor. Essa viagem onírica que invadiu a obra do artista foi, mais

tarde, transformada em palavras, relatos difusos de uma experiência

imaginada.

Foi assim, a partir de uma figura tão emblemática, que os alunos

do 7º ano entraram em contato com o mundo dos sonhos, não apenas

aqueles que surgem enquanto dormimos, mas, principalmente, aqueles

que sonhamos acordados.

Juliana Yoko é professora de Português do 7º ano.

45

Page 25: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

O cavaleiro da triste figura ontem e hoje

Em 1605, Miguel de Cervantes publicava a primeira parte de

O Engenhoso Fidalgo Dom Quixote de La Mancha. A preciosa obra

mostra as aventuras de um herói que aspirava tornar-se um renomado

Cavaleiro Andante.

Quixote realiza seu desejo, ao mesmo tempo que os leitores do 8º ano

— compadecidos e sensibilizados com a coragem e a resistência à dor

do nosso cavaleiro da triste figura — indagam: “A que preço?”

Durante a leitura desse clássico da literatura mundial, os alunos

discutiram a presença de aspectos trágicos e cômicos, ao lado

de personagens que conversam sobre sua própria história.

Diversão e reflexão permearam a escolha de uma cena da obra,

que registrada como linguagem não verbal, juntamente com um

recorte da atualidade, representaria o SONHO de Quixote e do homem

contemporâneo — seria o mesmo? Os textos verbais que acompanham

cada conjunto de imagens contextualizam os fragmentos do livro

selecionados pelos alunos.

Harold Bloom, crítico literário norte-americano do século XX, elevou

Cervantes a um dos dois maiores escritores de sua época até hoje.

E quanto ao sonho de Quixote? É legítimo nos dias atuais?

Adriana Ramacciotti é professora de Português do 8º ano.

Dom Quixote de La Mancha

47

Page 26: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Pesadelo acordado

Você abre o livro e lê o primeiro

parágrafo. Nele, fica sabendo

que o protagonista se transformou

em um inseto monstruoso após

acordar de um sono agitado.

O que você espera da sequência

da história?

Se você gosta de histórias

de aventura e espera que ele seja

um novo tipo de super-herói, com

a capacidade de transformar-se

em inseto para lutar contra as

injustiças, você errou...

Se você gosta de histórias

românticas e espera que ele se

apaixone por uma linda donzela,

que no começo o achará horrível,

mas aprenderá a enxergar sua

beleza interior, e eles serão felizes

para sempre, apesar

das diferenças de aparência, você

também errou...

Se você gosta de histórias de terror e espera que ele vá aterrorizar a

cidade, entrando nas casas e raptando pessoas para levar a uma toca

escura, você errou mais uma vez...

Nenhuma explicação. Nada. Após o primeiro parágrafo, a narrativa

continua com um realismo inesperado e absolutamente angustiante para

quem aguarda uma resposta plausível.

Nenhuma possibilidade de resolução que o leitor levante irá se

concretizar, porque a metamorfose em questão não é um pesadelo do

qual se possa acordar, é uma condição permanente. Nos dizeres de

Modesto Carone, principal estudioso brasileiro da obra de Kafka, resta-

nos, então, o incômodo de deparar com uma narração transparente

sobre como a família do inseto Gregor Samsa lidará com a questão, mas

que é ao mesmo tempo uma narração cujo início permanece opaco.

O “pesadelo acordado” de Gregor Samsa foi, assim, o ponto

responsável por inquietar os alunos do 9º ano. A fim de melhor

compreender a inverossimilhança da história, discutiu-se, a partir

de elementos do texto, a vida familiar e a vida social do protagonista

antes de sua metamorfose e durante ela, e constatou-se: simbolicamente,

ele já era um inseto, um ser insignificante, apenas mais uma peça na

engrenagem repetitiva de um cotidiano massacrante e de uma relação

familiar pautada pelo oportunismo e pelas conveniências, e não pelo

afeto verdadeiro.

O processo resultou em trabalhos que buscam captar poética

e visualmente a incômoda trajetória do protagonista Samsa, dando-

lhe, talvez pela primeira e única vez, voz para mostrar-se e gritar

silenciosamente para você, que verá os trabalhos: “Aprenda comigo

e tome cuidado para que a sua vida não se torne um pesadelo do qual

seja impossível acordar...”

Rogério Viana Gusmão é professor de Língua Portuguesa do 9º ano.

4948

Page 27: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Ao acordar naquela manhã

de sonhos perturbadores,

Gregor Samsa viu-se

transformado...

Em um inseto! Mas o fato

aterrador, vivenciado pela

personagem, não assombra

ninguém. Esse é o paradoxo

crucial que persegue as reflexões

do leitor de A Metamorfose, obra

de Franz Kafka e adaptada, em

HQ, por Peter Kuper.

A angústia da personagem

kafkiana também foi

experimentada pelos alunos do

1º ano do Ensino Médio, nos

fragmentos revisitados da obra

integral e na adaptação em HQ.

Reconheceram, na releitura

de Franz Kuper, as mesmas

questões existenciais presentes

na narrativa original: Quais as

escolhas certas? Qual o objetivo

de vida? Como lidar com

a solidão?

Kafka nunca permitiu a

seus personagens voltar à

normalidade depois de sonhos

perturbadores, segundo o artista

gráfico; arriscamos dizer também que nenhum leitor é o mesmo após

a leitura de A Metamorfose. A impotência de Gregor Samsa, diante

de ações tão rotineiras, alude às fraquezas humanas perante as pressões

sociais; denuncia uma sociedade que restringe o valor do ser humano às

aparências.

Nesse processo de reflexão e de interiorização dos temas da obra,

os alunos se metamorfosearam. Primeiramente, como leitores: tomando

consciência do eu, do outro e do mundo. E, a partir dessa apreensão,

transformaram-se em escritores, traduzindo em minicontos – textos

curtos e densos – as questões suscitadas pela leitura.

Com suas produções, esses jovens escritores hoje realizam uma

das funções primeiras da literatura: despertar no leitor sua dimensão

humana, tornando-o mais compreensivo com a sociedade e com seu

semelhante.

Mara Scorsafava é professora de Língua e Produção de Texto do 1º ano do Ensino Médio.

51

hora de acordar!!!

Page 28: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Sala onírica

“Onde quer que um homem sonhe, profetize ou

poetize, outro se ergue para interpretar.”

(Paul Ricoeur, Da Interpretação)

As angústias, os desejos, os devaneios,

os escapismos, os amores possíveis e impossíveis,

a utopia, o pesadelo e o sonho sempre foram

matéria-prima para a literatura. Desde a Grécia

antiga, os sonhos personificados em oráculos

e os pesadelos, em destinos, deram asas à

imaginação de escritores.

Cecília Meireles, poeta modernista, em seu

poema “Reinvenção”, preconiza: “A vida só

é possível reinventada.” Ao longo de todo seu

percurso na Terra, o homem tentou traduzir

em palavras os seus assombros. Por meio de

diversos recursos linguísticos, como metáforas,

personificações, hipérboles, antíteses, sinestesias,

entre outros, a literatura buscou a tradução mais

próxima dos sentidos provocados pelo universo

onírico, a fim de oferecer ao leitor experiências

nunca antes vividas.

Dante, em A Divina Comédia, alerta-nos à porta

do inferno: “Deixais toda esperança, ó vos que

entrais.” A esperança, uma espécie de sonho

acordado, é posta em xeque pelo bardo italiano.

Camões, por sua vez, em Os Lusíadas, desafia

a desesperança e o medo com “Por mares nunca

dantes navegados”. Os escritores ingleses William

Blake e Lewis Carroll submergiram um mundo

de sonhos e de fantasia em Terras do sonho

e Alice no país das maravilhas e trouxeram

à tona a alma humana desnuda. O romântico

Álvares de Azevedo e o simbolista Cruz e Souza

desfilaram imagens nebulosas e escuras

e retrataram como poucos o universo tênue

entre o real e o imaginário que circunda

a atmosfera do sonho.

Instigados pelo mote da Mostra Literária

deste ano – “A literatura é o sonho acordado

da civilização” – e por textos ficcionais, os

alunos do 2º ano do Ensino Médio reproduziram

uma “sala onírica” em que as sensações

múltiplas, desconexas e alinhadas do sonho são

representadas por meio de sugestões auditivas,

táteis e olfativas. E o visitante, de olhos vendados,

é convidado a mergulhar nesse universo de

sugestões que é a literatura para enxergar o que

está sentindo, como nos versos de Chico Buarque

e Edu Lobo: “Saiba que os poetas, como os cegos,

sabem ver na escuridão.”

João

Jon

as V

eiga

Sob

ral é

pro

fess

or d

e Es

tudo

s Li

terá

rios

do

2º a

no d

o En

sino

Méd

io.

5352

Page 29: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Os vencedores do IX Concurso Literário de 2010Nossos “escritores”, selecionados por quatro profissionais que não fazem parte do quadro de

professores da Móbile, têm agora suas produções publicadas nesta 9ª edição da Revista da Móbile.

Boa leitura.

Brincadeira de criança

Hoje fui brincar de roda

Na calçada pular corda

E também de amarelinha

Eu, a Paula e a Julinha

Lá no muro, contei até dez

Todo mundo se escondeu

Corre aqui, corre pra lá

E o João Pedro se perdeu

Todas essas brincadeiras

Que as crianças sempre gostam

Com carinho e alegria

Seus sorrisos sempre mostram

Rafael Montressor Coelho

(categoria poesia – 6º ano)

55

Page 30: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

O Assassinato de Mrs. Dobbon

Eu estava sentado sobre a

confortável poltrona reclinável

de meu modesto escritório na Rua

Bolton, número 9, Londres, quando

um estranho sujeito bateu à porta e,

sem esperar por resposta, irrompeu

na sala. Ofegante, ele balbuciou as

quatro palavras que me fizeram

perceber que teria muito a fazer

nas minhas próximas semanas:

– Minha esposa foi assassinada!

Pedi calma ao homem que, após

conter-se, explicou que se chamava

Arthur Dobbon e que sua esposa,

Anny, havia sido assassinada ao ir

fazer seu passeio diário no parque.

Além disso, o homem falou que

precisava de minha ajuda, já que

eu era o melhor detetive de toda a

Grã-Bretanha. Obviamente, aceitei o

trabalho, solicitando detalhes sobre

o crime recém-praticado.

O Sr. Dobbon disse que na noite

passada ele havia feito uma viagem

a Paris, para tratar de negócios. Ao

chegar em sua casa por volta das

sete horas da manhã, constatou que

sua esposa não estava lá, achando

assim que ela havia ido fazer sua

caminhada. Pensando em se juntar à

mulher, Arthur se dirigiu ao parque,

onde a encontrou estirada no chão,

com os lindos olhos azuis abertos, a

camiseta que antes combinava com

a cor destes agora tingida de um

vermelho profundo. Ao terminar o

relato, o triste homem com os olhos

recobertos de lágrimas mal podia

enxergar.

Após algum tempo pensando,

decidi ver o cadáver pessoalmente;

entretanto, queria poupar meu

cliente de mais sofrimento. Assim

pensando, liberei Arthur e me dirigi

ao parque onde supostamente o

crime ocorrera. Chegando lá, não

tive dificuldades para encontrar

o corpo da recém-falecida. Retirei

uma amostra da roupa com sangue

e levei-a para meu escritório, para

poder estudá-la. Depois de um tempo

observando a prova, descobri um

fiapo de outro tecido, provavelmente

usado na confecção de um saco (já

que era bastante resistente). Com

esse indício concluí que a moça não

havia sido assassinada no lugar

onde fora encontrada, mas em

outro lugar e levada até o parque.

Eu já fazia ideia do lugar; porém,

faltavam provas.

Com base em minhas hipóteses,

pedi a meu cliente para fazer uma

visita à sua casa e assim ocorreu.

No dia seguinte à minha primeira

descoberta, fui até a habitação de

Dobbon e fiz uma busca minuciosa

por todos os cômodos, me detendo no

quarto do viúvo. Nessa dependência

da morada de Arthur observei, com

o auxílio de minha lupa, todo o chão

à procura de outro fiapo semelhante

ao que eu encontrara na camiseta

de Anny. Nessa busca, eu não obtive

sucesso. Entretanto, logo após

procurar qualquer vestígio que me

servisse de prova no armário e nas

gavetas, iniciei uma busca na cama

do casal. Ao retirar as cobertas do

leito pude observar no canto do

colchão uma pequena mancha de

coloração vermelha levemente mais

forte do que a utilizada na estampa

do colchão, parcialmente encoberta

pelo travesseiro. Aquele vermelho,

mesmo levemente desbotado, era

reconhecível: só podia ser sangue.

Agora não havia dúvida: o crime

havia sido cometido na casa e o

cadáver, levado para o parque, pois

assim haveria um maior número

de suspeitos, levando em conta

que qualquer um que estivesse no

parque poderia tê-la matado.

Ao sair da casa, a noite já

caíra e, ao observar atentamente

a rua, percebi um vigia noturno.

Sem hesitar, me dirigi a ele

perguntando:

– Por um acaso alguém passou

aqui com um grande saco nas costas

nas últimas noites?

– Sim – respondeu o vigia –, uma

mulher, mas, todo o dia ela passa

por aqui com um saco, e, além dela,

não me recordo de ninguém. O nome

dela é Jan Dobbon.

Levei um susto com a palavra

“Dobbon” na fala do segurança e

voltei correndo à casa de Arthur

perguntar quem era essa pessoa.

Obtive a seguinte resposta:

5756

Page 31: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Pedro Carregã Sant’Anna

(categoria prosa – 6º ano)

Luiza Fernandes Gremaud

(categoria poesia – 7º ano)

– Jan é a ex-mulher de meu irmão.

Ela quis manter o sobrenome.

– Por que eles se separaram?

– perguntei, com o crime quase

desvendado.

– Bem... – Arthur hesitou um

pouco. – Eles se separaram porque

meu irmão achou que ela me amava

secretamente, porém eles ainda

moram juntos.

Restava apenas perguntar se o

irmão do Sr. Dobbon tinha a chave

da casa de Arthur. A essa pergunta,

tive uma resposta afirmativa.

O crime estava desvendado! Jan

havia matado Anny para ter uma

chance de ficar com o ex-cunhado.

Ela havia pego a chave da casa

de Arthur, entrado nela durante a

noite e cometido o crime. Ela levava

o saco todos os dias para iludir o

policial, fazendo com que ele não

desconfiasse.

A criminosa foi presa no dia

seguinte e mais um crime desvendado

foi colocado em meu currículo, o que

fez com que mais pessoas viessem

ao meu modesto escritório da Rua

Bolton, número 9, Londres.

O so

nho

ou p

esad

elo? Estava andando em uma escada

Não sabia se era dia

Não sabia se era noite

Não havia mais nada, só havia a escada

De carpete vermelho e de madeira entalhada.

Subia, subia

Descia, descia

Passos rangiam

Vozes surgiam

Rostos riam

A coisa mais horripilante

O medo a todo instante

Não sentia mais o chão

E no meio da escuridão

Um passo fora

Uma vida vai embora

De repente na imensidão

Estou ali em meu colchão

58

Page 32: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Para sempre, sempre e sempre

Era mais uma noite exaustiva de agosto. O vento uivava, abafando

o barulho da TV. A pequena Carlinha estava deitada em sua cama,

abraçando seu ursinho chamado Panqueca. Ao seu lado, encontrava-se uma

reprodução do quadro “Les Parapluies” que havia ganhado de aniversário.

Ela o encarava intensamente, explorando cada centímetro da tela, cheia

de mulheres maravilhosas em um lugar chuvoso, empunhando grandes

guarda-chuvas pretos.

De repente, a luz do quarto se apagou. Carlinha via apenas um vulto,

dançando pelo lugar. Em instantes, a luz se acendeu, revelando uma

garotinha pálida, com olheiras e olhos grandes e intensos, fixos em Carla.

– Venha brincar comigo! Para sempre, sempre e sempre. – A garotinha

sibilou, tenebrosamente.

Carlinha piscou, assustada. E, em segundos, a menina sumiu. A garota

suspirou aliviada, virando-se para o lado, tentando dormir. Devia ter sido

apenas uma alucinação, criada pelo sono.

Mal conseguiu dormir, foi acordada pelo pedido insistente da menina.

Cansada, ela cedeu. A garotinha sorriu, colocando o bambolê em frente

ao quadro, indicando através de um gesto que Carlinha devia pular. Ela

obedeceu o pedido da criança. Instantaneamente, ela se viu em outro lugar,

cercada por lindas mulheres. Olhou ao redor, era o mesmo lugar que estava

retratado em seu quadro! Ela ficou impressionada, sentindo-se naqueles

filmes fantásticos a que adorava assistir.

– Sou Margherite! – a menina pálida disse. – Bem-vinda a Paris, nossa

casa!

Carlinha sorriu, virando-se de um lado para o outro. O local em que

estava parecia uma feira, com barracas cheias de frutas e flores. Muitas

pessoas seguravam guarda-chuvas. Logo, ela percebeu que as mulheres

também eram as mesmas do seu quadro.

– Bem legal aqui, não é? – uma moça murmurou. – Me chamo Chantal,

venho sempre à velha feira de Notre-Dame!

– É realmente fantástica! – Carlinha respondeu, educadamente.

Chantal era pálida, mas linda. Vestia um longo vestido preto e segurava

uma bela cesta marrom, ainda vazia. Seus lábios eram vermelhos e

carnudos, o que fazia seu sorriso ficar estonteante.

– Tem de tudo aqui! – disse, pegando uma flor e entregando-a para

Carlinha. – Tome, Margherite, leve à sua mãe.

– Mas... Eu não sou Margherite! – Carlinha respondeu, atordoada.

Chantal não ouviu nada, em poucos segundos ela já estava longe de

Carlinha, deixando a feira apressadamente, arrastando a cauda de seu

vestido.

– Filha, vem cá! – uma moça disse, andando em direção a Carla.

– Eu não sou sua filha! – Carlinha respondeu, cada vez mais confusa.

A mulher ruiva, de chapéu florido e baixa estatura em nada lembrava

a Senhora Silva, a alta e loira mãe de Carlinha.

– Venha, Margherite! A lua já vem, seu pai deve estar morrendo de

fome! – Ela repetiu.

Carlinha estremeceu. Virou-se e nada da francesinha. Ao longe, como

se fosse uma visão através de uma janela embaçada, estava seu quarto,

com as altas paredes brancas, os bichos de pelúcia dispostos em prateleiras

e a cama. A cama, com Margherite dormindo, abraçada ao pequeno urso

Panqueca.

Carlinha se sentiu tonta e mole. Estava presa no quadro. Sem seu pai

nem sua mãe, apenas com franceses que não conhecia. Lágrimas caíam

de seus olhos. Mas não eram lágrimas, eram rápidas pinceladas, assim

como seu pequeno corpo e o local em que viveria para sempre, sempre e

sempre.

Luisa Prado Betti Guarnieri (categoria prosa – 7º ano)

Page 33: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

O despertador tem duas caras O preço da eternidade

O despertador é um ditador,

Controla nosso tempo com clamor.

O despertador, além de inimigo,

Também é nosso amigo.

Não deixamos de acordar,

Se está a despertar.

Aperto um botão para regular,

E saio de casa sem errar.

Como é possível?

Um insignificante botão

Regular e reduzir

Meu sono de montão!

O despertador, além de inimigo,

Também é nosso amigo.

E depois de arrancar a minha liberdade,

Me presenteia com a sociedade.

Com ele, para tudo tem tempo

E ainda sobra horário prum “passatempo”.

Cheguei a uma construção velha,

com paredes desbotadas pelo sol,

a porta da frente carcomida por

cupins. Aquela sensação de que não

devia estar ali apenas aumentou.

Apertei a bolsa contra meu corpo e

o volume que senti me acalmou.

Respirando fundo, entrei pela porta

rapidamente, antes que mudasse de

ideia.

Eu me vi numa sala de estar

completamente vazia, a não ser

por um sofá velho que algum dia já

fora de um lindo veludo, mas agora

estava gasto pelo tempo. Continuei

andando, forçando minhas pernas a

continuarem.

Não tinha certeza se deveria

estar ali, mas, por algum motivo

que ainda desconhecia, continuei.

Deparei-me com outra porta, um

pouco mais conservada que a

primeira, e entrei.

Um pequeno jardim apareceu

diante de mim. A terra dura

era seca, nenhuma flor à vista.

Era evidente que há muito tempo

ninguém cuidava deste lugar.

– Bom dia, Elizabeth! Que bom

que está aqui – exclamou UMA

VOZ vinda do canto do jardim.

Calafrios percorreram meu corpo

ao reconhecer A VOZ. Então era

pra isso que viera. Para ouvir mais

uma vez o doce som de SUA VOZ.

Como sentira saudade! Levantei

meus olhos e o vi. Não havia

mudado nada. Era como se os anos

não tivessem passado. Era ainda o

mesmo homem que me conquistara,

com aqueles cabelos louros e olhos

azuis penetrantes. O sobretudo dava-

lhe um ar misterioso, que apenas o

deixava mais interessante.

Tentando esconder minha saudade,

perguntei:

– Guilherme? Por que me fez

vir até aqui? Demorei muito para

encontrar este lugar!

– Ah, querida. O que esperava?

Não poderia me encontrar com você

perto da cidade. Você sabe como

seu marido é ciumento. E já que

realmente precisava falar com você,

aluguei este lugar. Acho que é bom

o bastante.

Ele tinha razão. Se Eduardo

soubesse de nosso encontro haveria

Rodrigo Lucas

(categoria poesia – 8º ano)

6362

Page 34: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

problemas. Estava começando a

achar que isso não acabaria bem.

– Então diga logo. O que quer?

Por que me chamou aqui?

Ele afundou a mão no bolso mais

profundo de seu casaco, tirando de

lá um pequeno frasco, que continha

um líquido azulado. Segurou o objeto

com as duas mãos e olhou para

aquilo como se fosse algo precioso,

algo magnífico.

Recompondo-se, Guilherme começou

a explicar, lendo dúvida em meus

olhos.

– Lizzi, Lizzi. Lembra-se de nossa

juventude? Lembra-se de quando

costumávamos sentar sob as

estrelas e sonhar alto, mais alto do

que qualquer um já havia sonhado

antes? Lembra-se do que dizíamos?

Do que queríamos? Você desejava ser

linda e livre de rugas para sempre.

Queria não ter que se preocupar com

cabelos brancos e dor nas juntas.

E eu queria continuar correndo

minhas maratonas, continuar a

poder te levantar em meus braços

quando íamos para a cama.

Eu lembrava, é claro. A

vontade de recuperar um pouco

dessa lembrança foi o que me

trouxera ali. É claro que amava meu

marido. Mas não do jeito como amei

Guilherme. Um amor que superava

tudo e todos, que fazia com que tudo

parecesse possível. Queria isso de

volta.

– Infelizmente foram essas

conversas que nos separaram –

ele parecia estar cuspindo essas

palavras, com verdadeira raiva de

cada uma delas.

– Tudo que eu sempre fiz foi

tentar atender aos seus desejos, aos

seus caprichos. Mas é claro que você

achou que eu estava exagerando.

Ah. Sim. A fala de meu ex-marido

me trouxe de volta à realidade. Toda

a perfeição do noivado e do início

de nossas vidas de casado acabou-se

quando ele começou a frequentar a

biblioteca todos os dias, lendo livros

sobre a vida eterna, sobre poções

que tornavam possível ser jovem

para sempre. Depois disso, começou

a construir um pequeno laboratório

na casa e…

Foi nesse momento que entendi

o que era aquele frasco. Entendi

por que Guilherme o segurava com

tanta admiração. Ele conseguira. Ele

obtivera sucesso, depois de todos

esses anos.

– Não. Isso não. Não de novo.

– uma agonia que não consegui

controlar cortava minha voz,

transformando-a em um fiapo de

som, em um sussurro fraco.

Virei de costas e me preparei

para correr o mais rápido que

pudesse. Não consegui nem sair do

jardim. Rápido como um gato, ele

pulou na minha frente, bloqueando

a passagem. Segurou meus ombros,

imobilizando-me.

– Você não vai fugir. Eu consegui,

Elizabeth. Eu consegui! – agora ele

deliciava-se com suas palavras,

rindo, com os olhos esbugalhados

apontados para mim.

– Podemos viver juntos e jovens

para sempre! Nunca teremos que

nos preocupar com nada! Tudo será

perfeito.Você só precisa beber isto,

e tudo ficará bem – agora ele me

tratava como um bebê. Sorrindo

amigavelmente, mas ainda com os

olhos penetrados em meu rosto.

Engoli o pânico e endireitei as

costas. Tinha que pôr um fim nisso,

antes que fosse longe demais.

– Viver para sempre? Você

conseguiu o que eu sempre quis! Ah,

Guilherme, muito obrigada! – disse,

tentando parecer verdadeiramente

feliz. Ele sorriu e levou o frasco à

minha boca. Fingi estar em dúvida

por um momento e abaixei sua

mão.

– Mas quanto devo beber? Só um

golinho já me deixa imortal ou tenho

que tomar tudo?

– Apenas um gole é suficiente,

querida. Infelizmente este é o último

frasco.

Sorri com o canto dos lábios.

Enfiei a mão em minha bolsa e

rapidamente peguei meu aparelho

de choque. Agradeci em silêncio a

Roberto, que me obrigava a carregar

essa coisa por ai.

Diante da cara surpresa de

Guilherme, pressionei o aparelho

contra sua barriga. Uma onda

elétrica percorreu seu corpo, e ele

caiu no chão, se debatendo de dor.

Foi aí que desabei. Comecei

a chorar como uma menininha,

deixando toda a tristeza e o medo

sair. Corri para fora daquele lugar

maldito e peguei o primeiro táxi que

encontrei.

Antes de ir, olhei para trás.

Ainda estatelado no chão, ele

agora chorava, lágrimas gordas

e doloridas. Entrei no carro e

sussurrei um adeus ao vento.

Nina Trentini Borghi

(categoria prosa – 8º ano)

6564

Page 35: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Acorde

Nagô

Quero parar o tempo,

mudá-lo de lugar.

Como se pudesse escolher apenas os trechos mais bonitos do meu filme.

Como se pudesse saber qual será a próxima cena.

Levanta, levanta!

Ficar aí desejando não adianta.

Corre, anda.

Faça.

Nada nem ninguém te impede de tentar, procurar, se arriscar.

Meu nome é Nagô, como o grande deus guerreiro

dos meus ancestrais. Assim me disse minha mãe, e é só

isso que me lembro dela, essas poucas palavras. Minha

mãe se foi quando eu era muito criança, chorei por muitas

noites, sentindo uma dor funda que parecia não ter fim.

Hoje sou homem feito e minha dona, Sinhá Violeta,

me chama de “nego fedido”. Seu filho, Sinhozinho Armando,

me chama assim também e, algumas vezes, acrescenta

“maldito” ao meu nome. Desse jeito, aqui, na fazenda Nova

Esperança, sou nego, fedido, maldito, ou as duas coisas, e

meu nome verdadeiro, aquele que ouço nos sonhos, guardo,

pois é tudo que tenho nessa vida.

Sinhá Violeta me comprou para fazer “de um tudo”

na fazenda. Faço todo serviço da casa, varro, cozinho,

capino o mato que teima em crescer nos arredores. Sinhá

passa os dias comandando a fazenda, de cara fechada e

chicote em punho, e me faz segui-la por todo canto, como um

cão na coleira, para chutar quando tiver vontade. O único

lugar onde nunca entrei é um cômodo pequeno, no sótão,

que Sinhá mantém trancado a chave, e onde ninguém, nem

mesmo Sinhozinho, tem permissão de entrar. Já ouvi ela

dizer ao filho que aquele quarto ela visita pra lembrar do

seu amor perdido e que não quer dividir com ninguém.

O Sinhozinho já tentou de todo jeito convencer a mãe a

deixá-lo espiar o quarto, tentou até encontrar as chaves

remexendo nas coisas de Sinhá, mas ela as mantém bem

presas, na sua cintura.

Dizem que Sinhá Violeta perdeu o marido muito

cedo, Sinhozinho ainda era menino de colo. Nunca mais

se casou, vestiu-se de luto e azedou a cara para sempre.

Dizem também que é muito rica, mas se isso é verdade

Renata Sardenberg

(categoria poesia – 9º ano)

6766

Page 36: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

não sei, porque a Sinhá vive como se não tivesse vintém.

A comida é escassa, e os poucos escravos passam fome,

e seu único filho vive em guerra com a mãe por conta de

dinheiro.

Sinhozinho Armando não trabalha, nem mesmo

toma conta dos assuntos da fazenda, gosta mesmo é de

farrear. Sai todas as noites e volta de manhãzinha cheirando

a bebida e perfume barato. A Sinhá se enfurece, grita com

o filho, ele grita de volta, e os dois terminam por bater

em mim, sem dó, para aliviar o que sentem. Sinhozinho

Armando só dirige a palavra à sua mãe para lhe pedir

dinheiro, sempre mais e mais, dinheiro que ela não dá,

e arruma um jeito de surrupiar, revirando as coisas de

Sinhá, levando uma joia quando não encontra em espécie.

Tudo que some, e some sempre, Sinhá me acusa, mesmo

sabendo que foi o Sinhozinho, e lá vem chicote.

Uma noite acordei com os gritos de Sinhozinho

ecoando pela casa. Levantei-me e fui, silencioso como pude,

espiar o que estava acontecendo. O Sinhozinho gritava com

a mãe, que parecia ter acabado de sair da cama, implorando

que ela lhe desse dinheiro, para pagar a dívida do jogo.

Disse que se não pagasse seria morto, rastejou, agarrou

a camisola da mãe, desesperado. Sua voz estava enrolada

pela bebida, os olhos vermelhos e injetados, fixos na mãe. A

Sinhá olhava para o filho com nojo, como se fosse um inseto

pegajoso, exatamente como ela costumava olhar para mim.

Olhava e dizia entre os dentes: “Não, não, não, prefiro vê-lo

morto a assistir você levar essa vida suja e degenerada, de

mim você não terá vintém.”

O rosto de Sinhozinho se contorceu e, de repente,

ele voou no pescoço de Sinhá, apertando os dedos com tanta

força que ela não conseguiu soltar sequer um gemido e em

segundos desabava no chão, morta. O Sinhozinho gritou,

em triunfo, dizendo: “Velha desgraçada, teve aquilo que

mereceu, agora é tudo meu.” Correu os dedos pela cintura

da Sinhá, encontrou a chave que ela mantinha sempre

amarrada lá, e arrancou-a. Foi então que ele me viu e seu

olhar de ódio tresloucado me fez gelar de pavor. “É você,

nego maldito, sempre metendo o nariz onde não deve, pois

agora você vai morrer junto com a sua dona, para continuar

a servi-la no inferno”, disse isso cuspindo e se atirou em

minha direção.

Eu corri para a cozinha e foi lá que ele me alcançou,

lançando as mãos em garra para o meu pescoço, como tinha

feito com a Sinhá. Ele apertou e eu não lutei, nunca tinha

lutado por nada na vida. Minha vista começou a escurecer,

e eu ia indo, entregue, quando ouvi a voz da minha mãe. A

voz que me disse tão poucas palavras, mas que eu nunca

me esqueci, disse: “Nagô, você é um guerreiro, escute os

tambores, lute.” E eu os escutei, soando alto, abri os olhos e

agarrei com as minhas mãos duras de calos o pescoço macio

de Sinhozinho. O pescoço partiu fácil, como das galinhas

que eu costumava matar pro almoço. Vi a chave no bolso

do Sinhozinho morto. Não quis pegar, não quis saber.

Sai caminhando na noite escura, sem ser visto, sem

olhar para trás. Corri para o mato, arranquei os trapos que

me prendiam à minha vida de escravo, fiquei nu, mergulhei

mais fundo na mata, até ficar cercado pelo silêncio das

árvores. Sou Nagô, guerreiro, caçador, livre.

Antonio F. S. Reis

(categoria prosa – 9º ano)

6968

Page 37: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

O e-lixo e a saúde humana São Paulo

O e-lixo, resíduos tóxicos provenientes de materiais eletrônicos,

pode causar grandes problemas à saúde humana. O descarte incorreto

desses objetos pode contaminar lençóis freáticos e o solo, o que, de alguma

forma, pode afetar a vitalidade de homens, mulheres, crianças e idosos.

É indispensável a destinação correta desses materiais, o que não vem

acontecendo, já que os programas de reciclagem ainda são tímidos e

insuficientes.

Segundo um relatório do PNUMA (Programa das Nações Unidas

para o Meio Ambiente), a quantidade de resíduos eletrônicos descartados

no mundo aumenta 40 milhões de toneladas por ano. A maior parte desses

materiais é depositada em aterros comuns, sem nenhum cuidado para que

não contaminem o solo. Isso ocorre porque as autoridades mundiais não

investem e não incentivam programas de reciclagem do lixo eletrônico, o

que causa o descarte desses materiais em locais incorretos.

Esse depósito incorreto do e-lixo pode causar sérios danos à saúde

dos seres humanos. Se esses resíduos forem jogados em aterros sanitários

e lixões, o solo e a água de rios e lagos podem ser contaminados, o que

acaba afetando os alimentos que ingerimos. A radioatividade de pilhas e

baterias, por exemplo, pode até causar mutações em nosso DNA, afetando

o crescimento de futuras gerações.

Portanto, é necessário que as autoridades competentes tomem

conhecimento desse gravíssimo problema, para que possam agir de forma

correta para eliminá-lo. Desse modo, poderemos viver melhor com menos

lixo nos aterros sanitários, com menos contaminação de lençóis freáticos e

em um planeta mais limpo e saudável.

É como se cada um tivesse o seu

E o tudo ocupasse o todo quase infinito dessa cidade

Na bagunça das ruas

Luzes de semáforo colidem com fumaça de ônibus

Poluição sonora, visual e atmosférica

Coexistindo em perfeita harmonia

Luzes, festas, pressa, carros, morte e sangue

Dão vida a essa cidade

Que seria tão cinza quanto seus prédios

Se não fosse a bagunça alegre de sua autodestruição

Que se reconstrói a cada dia

Gustavo Henrique S. Cezar

(categoria prosa/não ficção – 9º ano)

Fernanda Pontes Battaglia

(categoria poesia – 1º ano do Ensino Médio)

7170

Page 38: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Onde está o povo?

Tiririca tem mais de 1 milhão de intenções de voto para Deputado Federal

em São Paulo. Essa manchete me chocou. Ela mostrou o quanto a política

está conseguindo se tornar motivo de piada no Brasil. Poucas

pessoas efetivamente se preocupam com o processo eleitoral,

com nossos candidatos, o futuro do Brasil. As pessoas

preferem votar “em qualquer um” a fazer uma pesquisa

de verdade sobre os candidatos (o que para os cargos

legislativos acontece ainda mais). Tiririca ter tantas

intenções de voto só comprova isso. Mas não é só

ele. No último dia 2 de outubro o jornal Folha de

S. Paulo publicou no seu “Guia do eleitor” uma

lista completa de candidatos a Deputado Federal

e Estadual em São Paulo. Candidatos como

“João da Vigilância”, “Donizete da Farmácia”

e “Lambari” exemplificam a falta de seriedade

no processo político do país.

Até cargos importantes como o Senado

foram atingidos. Um político deveria ter anos

de experiência para poder se candidatar a

esse tipo de cargo. Contudo, não é isso o que

acontece. Netinho de Paula era cantor de um

grupo de pagode e apresentador até pouquíssimos

anos atrás. Hoje, de acordo com alguns órgãos de

pesquisa das intenções de voto, chegou a liderar a

corrida pelo Senado em São Paulo, estado que é o mais

populoso e rico do país. Mas... quais são suas propostas?

Como conseguiu subir na política tão rapidamente? Não é só o

Metrô

Eram dezoito horas de um

dia qualquer. O metrô era

a única coisa que em sua

mente representava algum

avanço na sociedade. Dentre

todas aquelas pessoas, era

o único que se mantinha

sereno no vagão. Estava

sem rumo.

Seus olhos negros

miravam o vazio até se

encontrarem com outros,

também escuros. E então

seus joelhos começaram a

falhar. Conhecia aqueles

olhos de outras viagens. Era

ela. Fazia algum tempo que

ele não a via, e lá estava

ela, parada, recostada na

parede do trem.

Não que ele a

conhecesse, nunca haviam

se falado, na verdade. Mas

qual é a importância das

palavras quando sua alma

já foi misturada a outra?

Bastou um primeiro olhar

e tudo já havia sido dito,

ela já estava presa em sua

mente. Mas o amor sempre busca a matéria

para se concretizar e ele não poderia deixá-

la escapar novamente.

O trem começava a frear, os corpos

em inércia e ela mirava a porta, ansiosa.

Desejava, acima de qualquer outra coisa,

que ele simplesmente a seguisse. Toda vez

que se encontravam no mesmo metrô, ela

parava para observá-lo e deixava o vagão

na esperança de ele seguir pelo mesmo

rumo. Mas isso nunca acontecia, e ela

voltava para casa, só e desiludida. Caminhou

lentamente na multidão que se formava em

frente à porta do transporte. Os olhos dele a

seguiram rapidamente, o coração palpitando

alucinadamente. Tomou coragem e a seguiu.

A verdade é que ele não sabia o que estava

fazendo, deveria estar ficando louco ou algo

assim. Mas que é o amor se não loucura?

Seus passos eram apressados enquanto os

dela eram suaves. A paisagem cinza passava

embaçada pelos seus olhos e ela era seu foco.

Por um momento as pálpebras se fecharam.

Quando tornaram a abrir, ela não estava mais

lá. A aura que a envolvia havia sido coberta

pela imensidão de pessoas na estação.

Ele só queria alcançá-la, enquanto ela queria

ser alcançada.

Lígia G. Cossé

(categoria prosa – 1º ano do Ensino Médio)

7372

Page 39: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

fato de ser mais associado à imagem de pagodeiro e apresentador do que

à de político que pesa. Netinho agride constantemente as pessoas.

Além do caso mais lembrado pelos jovens, o do soco desferido

por ele contra o “repórter Vesgo” do Pânico na TV, ele ainda

bate em mulheres. Até onde se sabe, já agrediu uma

funcionária de uma companhia aérea e sua ex-mulher.

O que um homem como ele quer no Senado? Acabar

com a lei Maria da Penha?

A política cada vez mais deixa de ser

prioridade para o povo brasileiro. Para ilustrar

isso, é só lembrar que houve um debate entre

os presidenciáveis no dia 05/08 transmitido

pela Rede Bandeirantes. Porém, no mesmo

dia a Rede Globo transmitiu a partida entre

São Paulo x Internacional válida pela Taça

Libertadores. A audiência do jogo foi muito

superior. Não vou ser hipócrita, confesso que

também preferi assistir à partida. Isso é um

exemplo que mostra apenas o caso do futebol,

mas outros assuntos passam a ser tratados como

prioridade cada dia mais em detrimento da política.

O povo brasileiro lutou pela volta da democracia na

época da ditadura militar, depois de alguns anos foi às

ruas novamente, dessa vez para lutar pelo impeachment

de Fernando Collor, presidente do Brasil nesse tempo. Nos

dois casos foi difícil, principalmente no caso da ditadura, mas

o povo teve sucesso. Hoje, com a política cada vez mais em segundo

plano, não creio que possam acontecer outras manifestações como essas.

Não é por falta de corrupção e ações vergonhosas dos políticos.

Recentemente houve o caso do mensalão, a descoberta do que os

deputados realmente faziam com as passagens aéreas que

lhes eram dadas para trabalhar, os escândalos envolvendo

José Sarney, Erenice Guerra, Renan Calheiros, e por

aí vai. Os jovens de hoje em dia (como eu, inclusive)

não lutam pelos seus direitos, não “suam a camisa”;

estamos todos, infelizmente, conformados demais

com toda esta falcatrua por parte dos políticos.

Enquanto o nosso povo não perceber a

seriedade dessa situação e tentar de todas as

formas mudar esse terrível quadro do que se

tornou a política brasileira, quem sai perdendo

não é só o país. Somos nós mesmos. Inclusive

financeiramente. É só constatar a “festa” que

os governantes em Brasília fazem com nosso

dinheiro, por meio dos impostos abusivos que

nos são cobrados. Em suma, é preciso vergonha

na cara para os políticos e atitudes, engajamento

nas questões do país para nós, brasileiros.

Pedro de Oliveira Ribeiro

(categoria prosa/não ficção – 1º ano do Ensino Médio)

ORDEM E PROGRESSO7574

Page 40: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

O Lamento dos Poetas

Os olhos sinistros das ruas,

Os punhais de ferro e asfalto.

O pranto que ecoa nos túneis,

O grito dos loucos nos bares.

As almas cansadas dos homens,

As brisas de um vento gelado.

A pomba que voa mesquinha,

A gente que não quer mais nada.

Quantos por cento de quê?

Qual é o sentimento afinal?

Caberá a Drummond explicar.

Os carros em cima das pontes,

Os velhos e cegos incautos.

O cheiro acre desses esgotos,

O gosto da urina dos ratos.

As horas eternas da noite,

As brigas de cães insensatos.

A vida mais negra que a morte,

A brasa de um fogo que arde.

São mãos espalmadas de quem?

Teu espanto vem de onde afinal?

Caberá a Vinicius cantar.

Os urros de um ódio calado,

Os detalhes de cada engano.

O acorde choroso do músico,

O sangue nas mãos do tirano.

As roxas olheiras do crime,

As rosas já quase sem brilho.

A fera hoje adormecida,

A sina de toda uma espécie.

Que aves gorjeiam aonde?

Que tribo pujante afinal?

Caberá a Gonçalves falar.

Os morros de pedra nos campos,

Os trabalhadores sem lar.

O longo penar da vigília,

O preço que eu hei de pagar.

As mil e uma fases da lua,

As poucas que vêm se mostrar.

A vida na terra sem chuva,

A sombra sem sol vem de lá.

E tal latifúndio por quê?

Que parte nos cabe afinal?

Caberá a Cabral meditar.

Os grilhões banhados a ouro,

Os elos que são teu suor.

O raio que cai dês do Douro,

O estrondo que assusta a nós todos.

As entranhas de um corpo ímpio,

As doces mentiras dos jovens.

A árdua labuta dos outros,

A coisa do jeito que é.

Se coxa, bonita por quê?

Pra que o vergalho afinal?

Caberá a Machado versar.

Os escravos ainda cativos,

Os santos que os vão libertar.

O denso lamúrio das águas,

O barco que irá naufragar.

As glórias de uma bandeira,

As filhas de um outro lugar.

A desilusão passageira,

A esperança que já não há.

Colombo e os portões de que mares?

Quem é este Andrada afinal?

Caberá a Alves declamar.

Caio Franco

(categoria poesia

– 2º ano do Ensino Médio)

7776

Page 41: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

A Cartilha da Sedução

“De minhas lembranças velhas,

há uma que volta porque não a

entendo. Faz tantos anos e eu me

lembro de tudo tão bem, que penso

às vezes se a imaginação não andou

ajudando a esta quase sempre

dissipada memória. Talvez eu

embaralhe as coisas, e recordações

de outros dias chuvosos, não sei por

que sutil e incompreensível razão,

se acomodem nessa tarde.

No ponto em que as lembranças

desse dia se fazem mais ordenadas,

em me vejo à cozinha, sentado no

balcão de alvenaria, prolongamento

do fogão e onde se lavavam os

pratos e batia-se bolo. Minha mãe,

na sala, ensinava cartilha a Isabel,

que repetia as palavras, submissa,

com um jeito mole. Devo ter me

entretido a idealizar aventuras. Tirei

a baladeira do cinto, uma pedra do

bolso, recuei alguns passos e alvejei

o tijolo. A pedra ricocheteou, bateu

na bacia. A lição foi interrompida e

a voz de minha mãe veio da sala,

indagadora.”

Perguntava o que tinha gerado

aquele barulho estrondoso. Instinti-

vamente respondi que tacara uma

pedra. Chamou-me à sala; só pode ser

uma dessas manifestações rebeldes

de menino; mandou-me sentar e ter

a lição com minha prima Isabel. Ela

passava férias em nossa casa como

de costume.

A chatice da repetição

daquelas sílabas – be, ba – parecia

interminável. Porém, como Isabel

e eu fomos à escola tarde, mamãe

insistia nisso. Em plena adolescência

nada poderia ser mais tedioso para

ela. Até para mim, alguns anos mais

novo, era insuportável. Após algum

tempo começamos a cruzar olhos na

tentativa de nos entreter.

As sílabas iam perdendo sentido,

já não as ouvíamos mais, eram

somente ecos distantes. Perdíamos,

alternadamente, um nos olhos do

outro. Progressivamente nossas

mãos iam tramando caminhos

sinuosos para se encontrarem.

Finalmente entrelaçaram-se. Um

misto de confusão e outro sentimento

se alojaram em mim; acabamos por

hoje. Soltaram-se mais depressa do

que se uniram. Nem tive tempo de

decifrar o significado daquilo.

Livres da lição fomos para o

quintal, onde conversamos. Lembro-

me vagamente dos assuntos. A figura

de Isabel me encantava e prendia;

você está prestando atenção em

alguma coisa que eu falo?; voltava

a mim e respondia. Porém, o modo

como ela enrolava os cachos,

cruzava e descruzava as pernas,

movia seus miúdos pés descalços e

gargalhava parecia sempre muito

mais interessante; assim você me

encabula; desviava o olhar.

Em um momento provavelmente

me perdi em meus devaneios com

a beleza de Isabel. Nunca sentira

aquilo antes. Quando me dei conta,

seu corpo estava de pé diante de mim.

Sua curvas se moviam no ritmo de

sua pausada e lenta respiração. Ela

inclinou-se e deu-me um beijo terno

e quente na testa.

“Depois disto, a memória como

que adormece. Desperta com o vulto

de uma prima em férias, bem mais

velha que eu: uma noite, pretextando

almas do outro mundo – que medo e

dulçor! –, levantou-se do leito e veio

abraçar-se comigo. Trazia os pés

descalços.”

Victoria Pagano Rebizzi

(categoria prosa – 2º ano do Ensino Médio)

7978

Page 42: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Mídia Impressa XMídia Digital

Com os avanços da intemet e a maior popularização desta, o The New

York Times, um dos jornais de maior circulação mundial, anunciou que

irá se digitalizar, o que não significa que irá parar de produzir e vender

o jornal impresso, e sim que irá dispor muito mais conteúdos em seu

site. Diante disso, iniciou-se uma discussão em torno do que seria mais

interessante, a mídia impressa ou a mídia digital.

Há os que defendem que a mídia impressa deve ser extinta, dando

lugar à mídia digital. De fato, os arquivos eletrônicos possuem muitas

vantagens, como a diminuição dos custos pela informação. O capital gasto

com papel, impressão e distribuição encarece muito o produto final; assim,

a mídia digital seria muito mais barata, uma vez que não precisaria gastar

com esses processos. Além disso, as informações eletrônicas podem ser

complementadas e atualizadas diversas vezes, o que não seria possível na

versão impressa, pois se teria que gastar ainda mais para reimprimir os

exemplares. Outro ponto importante, principalmente nos contextos atuais,

é o compromisso ambiental. A mídia digital é muito mais ecológica do que

a impressa, uma vez que não precisam se derrubar árvores para produzir

o papel utilizado.

Outro beneficio possibilitado pela digitalização da mídia é a globalização

da informação. Intenautas de todo o mundo podem ter acesso aos arquivos

e ainda têm a possibilidade de interagir e colaborar com as publicações ou

então discutir temas com os demais leitores através de fóruns abertos ao

público. Além disso, o acesso à informação torna-se mais fácil, uma vez que

hoje, com o desenvolvimento da tecnologia, pode-se acessar a intemet de

qualquer lugar e a qualquer momento, até mesmo de um pequeno telefone

celular.

Apesar de todos esses benefícios, ainda há aqueles que continuam

preferindo a mídia impressa por sua maior comodidade e praticidade,

no sentido de que a informação vai até o leitor, uma vez que ele recebe

diariamente o jornal em sua casa, com as notícias mais relevantes já

selecionadas. Outra vantagem dos jornais e revistas, exemplos de mídia

impressa de grande circulação, é a visualização mais rápida e eficaz das

informações, basta virar as páginas, enquanto que na internet o leitor é

dependente da velocidade da conexão.

Assim, ambas as formas de mídia possuem qualidades e defeitos, e por

isso é interessante que ambas continuem a coexistir e a se desenvolver

cada vez mais. Dessa maneira, o leitor pode tirar proveito dos benefícios

de ambas e não é tão prejudicado pelos malefícios.

Julia Shinohara

(categoria prosa/não ficção – 2º ano do Ensino Médio)

Page 43: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Ao Guto dos Anjos

No horizonte,

A bela abóbora

Que jantei anteontem

Submerge do profundo

Oceano gástrico.

Reabre o céu

Da boca sem fôlego

Abarrotado pelo Sol

Do anti-ontem.

Reminiscências flutuantes na memória interina,

Restos, arraigados na profunda víscera interior.

Ressentimentos estomagados, mutilados, que

Ressurgem regurgitados assumindo a forma do

Escarro dos Anjos.

Um vaso não se quebra quando abrigado pelos tubos intestinais.

Mantém em conserva sua sopa glutinosa como uma fonte e a goteja

(Eterna amargura para algumas bocas e para todos os outros lábios)

Gota a gota

Sob a garganta estreita que se abre rugosa para que suba

À boca uma ânsia análoga à dos Anjos...

Mas não devo vergonha ao catarro nem lástima ao vômito,

Em todo meu ser há uma gratidão por aflorarem em mim,

Superando a luz cega do presente e lembrando-me da

Quimera imortal que permanecerá sempre enterrada,

Na forma de verme operário das terras do alegrete,

Construindo (simples reconstrução) a aurora biliar.

Náusea, do sacrificado anjo único ressurreto,

Digna de ser amada,

Pois é ela o agregado abstrato das saudades. Dio

go B

anza

to F

ranc

o (c

ateg

oria

poe

sia

– 3º

ano

do

Ensi

no M

édio

)

Massa

Lá se vai o pobre caminhoneiro.

Sozinho, transportando algo que não é

seu, muito menos de seu interesse.

Resolve parar para dormir,

num posto no meio da estrada. Está

dirigindo há longas 21 horas.

Ao acordar, percebe que nada

tem. Só lhe resta sua velha carreta e

seu fedorento chapéu.

Mas, mesmo assim, ele continua.

E continuará. Dirigirá por horas e mais

horas, e descansará novamente.

E, ao acordar, perceberá uma

vez mais que nada tem. E que nada

terá.

Só lhe resta dirigir, sem ao

menos perceber que a direção de sua

própria vida está quebrada.

Rodrigo Rossi Mora Brusco

(categoria prosa – 3º ano do Ensino Médio)

8382

Page 44: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Nada Além da Verdade

A criação de imagens como forma de organização do conhecimento remete

aos primeiros grupos humanos, dos quais os registros remanescentes são

pinturas rupestres. Símbolos representativos nada mais são que uma

interpretação subjetiva de um período e situação. A literatura, nesse

contexto, sobressai-se como um importante canal para o registro histórico,

uma vez que evidencia tendências e costumes de seu tempo. Um livro,

contudo, não pode ser adotado como única fonte do conhecimento do

passado, porque sempre carrega traços e críticas de seu autor, ou seja, toda

a história é comprometida porque carrega indícios de autoria próprios.

Platão, em O Banquete, expõe o cerne dessa tese subversiva da realidade

ao argumentar que existem dois mundos: o das ideias, perfeito, que

corresponde à verdade plena; e o dos sentidos, que é captado pelas pessoas,

o qual é uma reprodução mal formulada do primeiro. Um livro, de acordo

com o viés filosófico do grego, seria então a cópia da cópia, distanciando-

se ainda mais da essência do real. Isso acontece porque a informação

percorre dois canais depreciativos: a interpretação da realidade por quem

escreve o livro e a visão de quem o lê.

Essa subjetividade, dentro do universo dos livros, pode se exacerbar

ainda mais quando o ensino acadêmico é mal formulado. Sílvio Romero foi

o primeiro, no Brasil, a subdividir a literatura em períodos de produções

semelhantes, os quais são a base atual da disciplina nas escolas. Quando,

dentro das salas de aula, o aluno emerge-se em descrições didáticas, que

foram elaboradas por outra pessoa, e não toma contato direto com a

produção, ele submete-se a mais um canal que o distancia da realidade e

o aproxima de uma imagem. Esse fenômeno seria, então, a cópia da cópia

da cópia.

O maior clássico da literatura brasileira, Dom Casmurro, de Machado

de Assis, ilustra como a mensagem pode ser contaminada ao extremo

pelo emissor e canal. Por meio do próprio livro, o narrador Bento faz

uma retrospectiva desde sua infância até a idade adulta, a fim de “atar

as duas pontas da vida”. Bento, portanto, reconstrói todos os eventos e

pessoas. O leitor, todavia, fica sujeito a um só ponto de vista: como o

narrador-personagem enxerga sua realidade. Logo, pressupõe-se que

exista manipulação do caráter dos fatos para que convirjam aos interesses

de Bento. Machado, com isso, explora a essência da comunicação, que é a

falha.

Essa discussão sobre interpretação do mundo exemplifica o amplo

processo de construção da verdade, a articulação de símbolos imagéticos

que intermedeiam os dois mundos descritos por Platão. Deve-se, portanto,

agir com cautela ao submeter-se a informações das mídias e também

ao sujeitar-se à opinião de outros. Da mesma forma, a visão própria é

tampouco confiável e não corresponde ao conjunto das verdades imutáveis.

O questionamento da realidade é o viés mais sóbrio de aproximar-se da

essência concreta. Apenas se aproximar, pois penetrar no campo das ideias

torna-se inconcebível pela construção de símbolos.

Henrique Rubira

(categoria prosa/não ficção – 3º ano do Ensino Médio)

8584

Page 45: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

O pensamento de Ana Mei sobre o fazer

artístico é um bom ponto de partida para

tratar do trabalho em Artes Cênicas do 1º ano

em 2010. O curso de Artes teve uma proposta

pedagógica e formato artístico novos. Sob a

coordenação do professor Wilton Ormundo,

Guilherme Yazbeck e eu, ficamos no comando

das turmas para uma nova (e sempre

desafiante) experimentação cênica. Nosso

desafio foi transpor para o teatro quatro

narrativas curtas e independentes e trabalhá-

las com os alunos de maneira coletiva,

focando, basicamente, alguns elementos da

linguagem teatral, como o trabalho em coro e

a construção de dramaturgia.

Para o desenvolvimento do trabalho com

os grupos curriculares do Ensino Médio,

partimos do entendimento de que o fazer

teatral, por si, ensina sobre expectativas,

conflitos, objetivos e de que é na atmosfera

do trabalho e na vivência em grupo que uma

experiência se torna de fato significativa.

Contamos com uma equipe de alunos

muito motivada e pudemos desenvolver um

trabalhoso (e prazeroso) processo de criação

que, além da montagem propriamente dita,

teve em todo o seu percurso rodas de

indicações de atividades culturais para que

todos pudéssemos nos inserir de maneira

ativa na diversa programação artística da

cidade e nos utilizarmos dela como repertório

para a construção das cenas.

O projeto teve três etapas de desenvolvimento,

previamente planejadas:

1ª) Cada uma das quatro turmas de teatro foi

separada em dois grandes grupos, que se

revezavam com os professores da área, a fim de

que pudéssemos conhecer melhor o perfil de

cada grupo, reconhecer o que cada um trazia

de bagagem cultural e repertório de teatro,

além de possibilitar uma experimentação

livre de exercícios teatrais. Esse primeiro

momento de conhecimento mútuo foi muito

Jovens do 1º ano do Ensino Médio mostramsua compreensão teatral de textos literários.

Do TExto ao TEatro “O fazer artístico e a apreciação estética são inerentes ao ser humano;só um fazer consciente e informado torna possível a aprendizagem em arte.”

(Ana Mei Barbosa, 1991)

Page 46: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

8988

importante para que pudéssemos definir os

contos que trabalharíamos com os grupos:

“A quinta história ou Como matar baratas”,

“Cem anos de perdão” e “Felicidade

clandestina”, todos de Clarice Lispector, e

“Uma vela para Dario”, de Dalton Trevisan.

Após a definição dos contos a serem

trabalhados, Guilherme e eu começamos a

elaborar um roteiro para a montagem teatral

de cada grupo e os apresentamos para as

turmas, iniciando assim a segunda etapa do

processo de trabalho.

2ª) A entrega dos textos gerou uma discussão

teórica sobre a temática de cada conto,

sobre as imagens que eram sugeridas pelas

narrativas, e algumas indagações práticas

surgiram pelas mãos dos alunos quando

questionados sobre a adaptação para o

teatro de textos literários com tão poucos

personagens. As perguntas: “Mas somos 40

e no texto só há duas personagens, como

vamos fazer?”; “Mas esse conto curtinho

pode virar uma peça?”; “Não há diálogos,

como vamos transformar isso em cena?”.

E foi justamente a partir desses desafios que

começamos nosso processo de ensaios.

A ideia foi justamente escapar do padrão

teatral dramático que parte do conflito entre as

personagens. Queríamos discutir e trabalhar

a ocupação do espaço, a explosão de um

personagem num grupo, usar o corpo como

elemento fundamental na ‘contação’ de uma

história e, principalmente, trabalhar o coletivo

como parte estratégica (pedagógica e cênica).

Teatro não se faz sozinho. Nunca. Trabalhar

a interdependência de todos os envolvidos

no processo, seja em cena, diretamente, ou

na construção da dramaturgia, foi um dos

objetivos que nortearam nosso trabalho a fim

de que os alunos se sentissem autores dos

exercícios que estávamos desenvolvendo. Os

improvisos foram dirigidos coletivamente para

as cenas que queríamos levantar a partir dos

roteiros previamente criados por nós. Nesta

etapa, o trabalho com o coro foi central.

A palavra Coro vem do grego chorós, que,

na Grécia antiga, designava um grupo

de pessoas que participava ativamente das

festividades religiosas e das representações

teatrais. Na tragédia clássica, o coro é uma

personagem coletiva que tem a missão

de cantar partes significativas do drama.

Na origem, representa a polis, a cidade-

estado, ampliando a ação para além

do conflito individual.

Brincar, experimentar a explosão dos

personagens em diversos coros, foi a

principal descoberta de criação de cena e,

consequentemente, de dramaturgia nessa

etapa do processo.

3ª) Aqui, partimos para a direção propriamente

dita. A maior parte da experimentação

já estava levantada (embora a criação

continuasse até o final) e os professores

desenharam as cenas que se tornaram parte

da apresentação final. O percurso do trabalho

ganhou um sentido concreto nesta etapa. Foi

um momento bastante intenso e “focado”,

pois os alunos passaram a visualizar as cenas

prontas e, com isso, entenderam melhor os

exercícios e improvisos propostos até então.

Houve a compreensão de que é possível

fazer a transposição da narrativa para o

teatro sem precisar de um texto dramático ou

de personagens definidos e diálogos rígidos.

Por fim, as apresentações geraram em

toda a equipe do 1º ano – alunos-atores

e professores-diretores – a sensação de

dever bem cumprido, proporcionando-nos

outra dimensão do fazer teatral na escola:

teatro de qualidade com alunos motivados

e senhores do que faziam no palco. Todos

esses ganhos tornam a disciplina de Artes

coerente e significativa no que diz respeito

à pesquisa de linguagem, à comunicação, ao

trabalho coletivo e à sua função numa escola

que preza a formação acadêmica integrada à

arte e à cidadania.

Rita Pisano é atriz e professora de Teatro

do 1º ano do Ensino Médio.

Page 47: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Completando 10 anos de

existência do Projeto de

Teatro do 9º ano, o espetáculo

Invencionática – a vida inde

não poderia ter tratado de

uma temática melhor: o sonho!

Sonho de fazer – como nos nove

anos anteriores – 120 jovens

atores subirem ao tablado e se

expressarem poeticamente por

meio de diversas linguagens,

como a dança, a música e o

teatro.

O processo – Como em toda

criação artística, o processo

foi longo e trabalhoso. Sob

a coordenação geral dos

professores Rogério Viana

e Guilherme Yazbeck, foram

cerca de 15 semanas entre

leituras do roteiro, ensaios de

cenas e ensaios gerais. Quinze

semanas de esforço e parceria

transformadas em intensa hora

e meia de espetáculo. Intensa

hora e meia de um sonho

coletivo no tablado.

O espetáculo – O subtítulo da

peça (“a vida inde”) pode ser

livremente traduzido como “a

vida sob outra perspectiva”

ou, ainda, “a vida vista sob

outro ângulo”. A expressão,

retirada de um poema do poeta

e compositor Arnaldo Antunes,

serviu de mote para o nosso

espetáculo.

Vivemos no mundo regido

pela lógica, em que muitas

coisas só possuem “valor” se

comprovadas cientificamente,

se validadas por especialistas,

se forem impecavelmente

objetivas... Contudo, há

uma dimensão bastante

potente do ser humano que é

deixada à margem, devido à

preponderância desse discurso

cartesiano: a dimensão do

sonho, da criação inventiva. É

dela que tratou Invencionática

– a vida inde.

Essa inventividade foi mostrada

na peça sob três formas:

No bloco 1, na própria matéria

onírica, do inconsciente

humano, que mistura lugares,

pessoas e sensações,

proporcionando-nos os mais

diferentes sonhos. No bloco

2, no questionamento da

postura passiva diante do

mundo, questionamento esse

representado pelo pensamento

utópico enquanto motor que, se

não nos faz chegar a um lugar

ideal, ao menos nos põe em

movimento em direção a um

futuro sempre possível de ser

mudado para melhor. Por fim, no

bloco 3, surge a poesia, espaço

inventivo por excelência,

prenhe de significados, com

seu vaivém na (re)criação de

linguagem.

Alunos do 9º ano apresentam a peça Invencionática,parte de um projeto consagrado no Ensino Fundamental.

Sonhar-SE!

9190

Page 48: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

É evidente que a racionalidade e a

lógica têm seu lugar de destaque e uma

grande importância na trajetória humana.

Invencionática, no entanto, não negou

isso, mas propôs um acréscimo de outras

maneiras de ver o mundo: visões poéticas

que assegurem a nossa chance de ser

pessoas com capacidade de se sensibilizar,

com capacidade de criar novas perspectivas

para além das obviedades...

Enfim, com capacidade para preencher a

folha branca e limpa da vida com múltiplas

cores e formas, e não apenas com frases

feitas e tons de cinza.

Rogério Viana Gusmão é professor de Artes

Cênicas e de Língua Portuguesa do 9º ano.

92

e s p e c i a l

Page 49: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

“Educação é um processo de vida e não uma

preparação para a vida futura, e a escola deve

representar a vida presente tão real e vital para o aluno

como a que ele vive em casa, no bairro ou no pátio.”

(John Dewey, pedagogo norte-americano)

Período de inúmeras e velozes transformações, as últimas décadas do século XX e os

primeiros anos do XXI não serão lembrados exclusivamente pela crescente globalização

da economia ou pelo advento do terrorismo em escala planetária, mas pelos marcantes

avanços tecnológicos, principalmente na área da comunicação. Para alguns, estamos vivendo

não apenas uma época de grandes mudanças, mas uma mudança de época, que implica

redefinição dos paradigmas a partir dos quais pensamos o mundo.

Essas transformações que anunciam um novo tempo ou uma nova era, sem dúvida, avançam

sobre os indivíduos e seus valores. Talvez, por essa razão, o cidadão que experimenta essa

transição perceba-se invadido por uma forte sensação de que algo está “fora de lugar”. Sente

a presença do novo, sem que o antigo o tenha abandonado. Observamos isso ao presenciar

um indivíduo de meia-idade tentando manusear um aparelho de alta tecnologia. Um diálogo

quase impossível que gera uma sensação de desconforto. Ao mesmo tempo, a certeza de

que algo muito importante e substancioso está

acontecendo (a inovação) e o medo de saber

que não conseguiremos compreender

a plenitude dessas mudanças. Mas

precisamos começar a exercitar

essa compreensão. E a escola é um

caminho.

Nessa trilha, surgem questões

relativas ao exercício do

magistério, o papel do professor

e a metodologia na formação do

aluno. Em relação aos métodos,

não é demais questionar se a

tradicional aula expositiva ainda

tem lugar nessa nova conjuntura

tecnológica? Há necessidade de

uma nova dinâmica na relação

professor-aluno para que esta não

se esgote na exposição de temas

e na cobrança dos conteúdos nas

avaliações aplicadas posteriormente?

Afinal, o que se pretende construir nesse

encontro litúrgico que chamamos de aula?

Em princípio, pode ser o desenvolvimento das

habilidades operatórias, tais como: relacionar,

comparar, analisar, resumir e posicionar-se criticamente

diante dos fatos sociais. Mas é necessário ir além.

O desafio de educar no século XXI Contribuições da disciplina de Ética e Cidadania

94

Page 50: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Em um mundo no qual a informação é farta e de fácil acesso, a tarefa essencial da educação

passa a ser educar o olhar, apurar o gosto, decifrar os fatos, procurar atribuir sentido à

realidade, incluindo toda a complexidade e enriquecendo seus significados. Algo como

melhorar o paladar, conforme constatamos nestas deliciosas palavras de Bertrand Russel, em

seu Elogio ao ócio:

Assim, o ato de educar vai além de colher e/ou repassar informações. É compartilhar

experiências, contextualizar, buscando a conexão com outros fatos, outros momentos

históricos. Organizá-las – as informações – de modo a mostrar sua relevância e sugerir

análises acerca do alcance de suas consequências.

Para isso, precisamos recorrer à História. Não se compreende um fato atual na sua

plenitude se prescindirmos do seu contexto histórico. Portanto, faz-se necessário apanhar

o acontecimento aparentemente isolado e estendê-lo no varal da História. Talvez este seja o

grande segredo da atividade docente hoje: perceber a importância da conexão temporal entre

o fato estudado e sua totalidade, pois o aluno, com toda disponibilidade tecnológica de que

dispõe, está sendo bombardeado – ou quase afogado! – pelo excesso de informação. Como

nem sempre possui referência histórica, acaba perdido em meio a um tiroteio. Aqui entra a

contribuição do educador, mostrando ao aluno que sem História o conhecimento torna-se um

refém do presente, dado único ou “verdade” incontestável.

Aqui cabe um parêntese importante. Quando a notícia aparece como “verdade” única

destituída da sua história, significa que ela não está submetida ao passado nem mantém

relações com o futuro. Aparece como suspensa, ancorada em si mesma, destituída

do tempo que define sua relevância no quadro das experiências humanas. Sem história,

ficamos sem referências. E o que parece mais grave é que sem uma avaliação precisa

do painel histórico, a intervenção humana reparadora fica comprometida. Logo, sustentados

por uma compreensão superficial do nosso momento histórico, ficamos impossibilitados

de traçar um futuro mais próspero. Presos ao aqui e agora, e reféns do instantâneo,

acabamos abrindo mão do nosso direito de sonhar, de idealizar novos projetos ou de

edificar outras utopias. Assim, vamos abandonando nossa humanidade. Afinal, se não há

futuro, não há nada a conquistar e quase nada a fazer para a construção de um mundo

melhor. Se o presente ganha status de valor absoluto, nossa militância existencial deixa

de existir; convertemo-nos em meros espectadores de uma lógica dogmática a qual nos

cabe apenas obedecer e seguir.

Educar é atribuir sentidoao mundo

“... apreciei os pêssegos e os damascos muito mais do que

os apreciava antes de saber que seu cultivo iniciou-se na China,

no princípio da dinastia Han; e que os chineses capturados

como reféns pelo grande rei Kaniska os introduziram na Índia,

de onde se difundiram pela Pérsia, alcançando o Império

Romano no primeiro século da nossa era. Tudo isso tornou

esses frutos muito mais doces para mim.”

96

Page 51: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Em tempos de “Primavera árabe”, manifestações por toda parte, Tunísia, Egito, Iêmen,

Bahrein, Líbia e outros, uma aluna pede a palavra e pergunta: “Esse tal de Kadafi é do bem

ou é do mal?” Questão que, pela sua simplicidade ou inocência, acabou provocando risos em

toda a turma. Por outro lado, é inegável que houve uma tentativa de classificar um personagem

que havia recentemente invadido não apenas o noticiário e a mídia em geral, mas, sobretudo,

o universo dos nossos jovens recém-egressos do Ensino Fundamental II. A indagação se

justifica. Afinal, para os mais jovens, é como se estivessem dizendo: “Quem é esse ‘cara’

esquisito que eu nunca vi e que agora não sai da TV? Professor, é verdade mesmo tudo

que estão falando dele?” É inegável que a pergunta suscita certa sabedoria metodológica,

sobretudo se considerarmos que o autor dessa pergunta está tendo seu primeiro contato com

o universo da política internacional.

Que bom seria poder responder à aluna utilizando simplesmente as opções “do bem” ou “do

mal”, mas, como veremos, o mundo é bem mais complexo do que sugere a TV; afinal, a mídia

em geral afirmava, no contexto da aula que suscitou a pergunta da aluna, categoricamente,

que Muammar Kadafi era um verdadeiro monstro, não sem razão. Mas a verdade vai mais além

de estereótipos de qualquer natureza.

Em linhas gerais, poderíamos dizer que é assim, no Ensino Médio, que acontece o primeiro

contato com os temas de política internacional. Para a maioria dos alunos, o conteúdo

da disciplina de Ética e Cidadania se apresenta como elemento novo, objeto nunca antes

investigado. Falar de Muammar Kadafi, Hugo Chávez ou Nicolas Sarkozy não está associado

necessariamente à história política da Líbia, Venezuela ou França apenas. São personagens

presentes na mídia, praticamente desconhecidos, pelo menos para a maioria daqueles que

ingressam no Ensino Médio.

“A principal meta da educação é

criar homens que sejam capazes

de fazer coisas novas, não

simplesmente repetir o que outras

gerações já fizeram. Homens

que sejam criadores, inventores,

descobridores. A segunda meta

da educação é formar mentes que

estejam em condições de criticar,

verificar e não aceitar tudo que a

elas se propõe.”

(Jean Piaget, pedagogo suíço)

O Kadafi é “do bem ou do mal”?

99

Page 52: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Estamos assentados sobre a premissa de que a construção de um projeto de futuro, seja no

plano pessoal ou profissional, passa obrigatoriamente pela reflexão não apenas do mundo em

que vivemos, mas também daquele que desejamos compartilhar. Por essa razão, o conteúdo

de Ética e Cidadania tem como objetivo propor aos jovens discussões sobre o Brasil, seu

futuro e perspectivas, sua organização política e também sobre os grandes temas e desafios

nacionais. Também abordamos o mundo, seus principais conflitos e suas grandes questões

contemporâneas, como terrorismo, xenofobia, intolerância e migração.

Uma das preocupações curriculares, desde que se iniciou o Ensino Médio da Móbile, foi

a criação de uma disciplina que pudesse contemplar temas da contemporaneidade. No

decorrer de uma década, a dinâmica das aulas foi adaptada às inovações tecnológicas. Em

textos “datilografados” ou impressos de imediato em alta resolução, temos acompanhado as

facilidades proporcionadas pela democratização e acesso à informação. Isso faz a diferença

em nosso trabalho. Estamos falando de um planejamento de aula que tem como ponto de

partida, muitas vezes, um fato ocorrido no dia anterior.

Embora tenhamos a preocupação de ampliar o repertório do aluno, mostrando que há relações

mais complexas que ultrapassam o “bem” e o “mal”, procuramos garantir outros elementos,

talvez tão relevantes quanto a ampliação do conhecimento sobre os temas da atualidade. O

trabalho em Ética e Cidadania busca promover o diálogo, diante da diversidade de referências

e experiências presenciadas na sala de aula.

A ampliação da consciência do aluno em relação às diversas contradições presentes no

convívio social – sejam elas culturais, econômicas, políticas ou sociais –, o estímulo ao

espírito crítico do educando, diante da realidade em que ele vive e também daquela que

desconhece, são apenas alguns dos objetivos básicos, traçados pelo Colégio Móbile, que

norteiam o trabalho da disciplina de Ética e Cidadania.

Assim, começamos a exercitar o diálogo e a democracia na vivência em sala de aula.

Constroem-se, por meio do trabalho coletivo e individual, referências de respeito, solidariedade

e responsabilidade, buscando superar a tradicional dicotomia reflexão teórica/prática social.

Esses ensinamentos vão além do espaço escolar. No cotidiano das relações sociais, é

imprescindível que o jovem argumente, questione, respeite e identifique a diversidade de

opiniões presentes no mundo que o cerca.

A charge a seguir ilustra uma das estratégias utilizadas cotidianamente nas aulas de Ética e

Cidadania (ou EC, como gostam de falar os alunos).

O líder líbio é do bem, do male muito mais!

101100

Page 53: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

As ilustrações, os jornais e outros recursos, muitas vezes, são o ponto de partida para

auxiliar na identificação da natureza dos conflitos abordados em aula, embora somente a

apresentação desse material não seja o suficiente para a discussão crítica de um tema.

Preste atenção no texto não verbal reproduzido a seguir.

O personagem central que aparece na charge e circulou pela mídia por muito tempo foi uma

das personalidades mais polêmicas da política internacional. Cenário que já contou, entre

seus estranhíssimos frequentadores, com Osama Bin Laden, Saddam Hussein e, agora, ganha

a companhia de Anders Behring Breivik, o jovem norueguês de 32 anos, extremista de olhos

azuis, “islamófobo” e responsável pelo mais recente massacre na ilha de Utoya.

Kadafi, como é conhecido o personagem que abraça o barril de petróleo na charge, era o líder

da Líbia, país localizado no norte da África, e que tem como base da sua economia o petróleo,

responsável por 90% das suas exportações. Acusado de patrocinar ações terroristas pelo

mundo, sofreu uma série de bombardeios que abalaram Trípoli, a capital da Líbia, em 1986. O

coronel Muammar Kadafi, por um período, foi condenado ao isolamento e às rígidas sanções

econômicas impostas por Washington.

Mais tarde, no início da década de 2000, empenhado em mudar a imagem do seu país, o

velho coronel mudou sua estratégia. Anunciou sua disposição em interromper seu programa

nuclear, tornar-se signatário do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP) e

abrir o país para fiscalização das Nações Unidas. Essa relação pode ser feita na charge, após

a identificação, pelo leitor, do barril de petróleo utilizado pelo líder líbio como “refém”, para

chantagear os países que estão bombardeando a Líbia.

Esse foi um exercício de análise, feito a partir dos dados sugeridos pela charge e relacionados

ao histórico que envolvia a Líbia governada por Muammar Kadafi. Para isso, foi imprescindível

levar em conta os elementos explícitos, nas imagens em geral, além de identificar os aspectos

“ocultos”, implícitos propositalmente, para aguçar a curiosidade do intérprete. No entanto,

não basta saber ler superficialmente o texto não verbal, é importante ter domínio sobre uma

série de informações para explicar as mensagens, o conteúdo e as referências políticas

expressas. Como em qualquer meio de expressão, o conhecimento proposto pela charge

reflete um ponto de vista subjetivo, o que não é um detalhe.

Charge, uma estratégiabem-humorada

103

www.lutecartunista.com.br

Page 54: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Amparado por esses elementos, o educando amplia a sua capacidade de entendimento dos

temas abordados na atualidade. A charge estimula os sentidos para uma observação ampliada

– e crítica – das notícias que estão em destaque na mídia, além de auxiliar o desenvolvimento

do senso crítico e a sistematização oral e escrita de argumentos consistentes e não de

constatações.

A compreensão do caso da Líbia por meio da charge não constitui atividade isolada

de descrição “fria”. Nosso objetivo vai além. Trata-se da apropriação de um “olhar” que

possibilitará ao educando assumir a difícil tarefa de traduzir um mundo ambíguo, onde

os jovens, sobretudo, estão clamando por mudanças dos paradigmas que regem

as sociedades em várias regiões, agora, neste instante. E nossos jovens não estão isolados

dessa problemática. Eles têm voz e precisam aprender a utilizá-la de maneira responsável

e cidadã.

Roberto Candelori é professor de Ética e Cidadania do Ensino Médio.

(A professora Márcia Juliana Santos, que integra a equipe de EC, colaborou neste texto.)

104

re

fl e

x õ e s

re

fl

ex

õ e s

re

fl

ex

õe s

re

fl

e

es

Page 55: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Quantos estudantes, ao final do Ensino Médio, não gostariam de estar prontos

para se decidir por uma carreira universitária? Quantos profissionais que desenvolveram

consistentemente suas carreiras e que hoje portam currículos de excelência não sofreram no

momento em que foram obrigados a escolher seu curso universitário? Quantos pais e mães

não esperam, como a mãe de Calvin, personagem da tirinha de Bill Waterson, ter uma “roupa”

que os deixem preparados para acolher as muitas dúvidas que serão trazidas por seus filhos

na fase de decisão por um curso superior?

Perguntas semelhantes a essas afligem estudantes e pais ao longo do Ensino Médio,

fase escolar em que o jovem finaliza o ensino básico e que o prepara para a graduação

universitária.

Para possibilitar uma discussão mais consistente a respeito da escolha da carreira

universitária e com o intuito de proporcionar informações relevantes sobre os cursos

oferecidos pelas universidades de excelência, o Colégio Móbile realiza, bienalmente, o

Encontro com Profissionais, evento que compõe uma das ações do projeto de Orientação

Profissional (OP). Esse encontro – aberto a alunos e famílias – possibilita reflexão e fornece

informações preciosas para a posterior escolha consciente de nossos alunos por um curso

superior e por um “desenho” de seu projeto de vida profissional.

Em agosto de 2010, realizou-se,

na Móbile, o III Encontro com Profissionais.

As três atividades, distintas e complementares,

que compuseram esse evento estão descritas

a seguir:

Mesas-redondas – Os componentes

dessas mesas são professores das

universidades convidadas, pais de alunos

e ex-estudantes da Móbile que tenham

finalizado sua graduação no ensino superior

e já se encontrem inseridos no mercado de

trabalho. Cinquenta e dois profissionais foram

subdivididos em oito grupos e discorreram

sobre suas escolhas profissionais,

seus cursos universitários e suas áreas

de atuação. Os alunos do Ensino Médio,

separados por carreiras de interesse, puderam

participar de até duas mesas-redondas.

A lógica que regeu a organização das mesas

foi baseada no agrupamento de carreiras

com algum tipo de afinidade; por exemplo,

no mesmo grupo ficaram profissionais de

Direito, Economia e Relações Internacionais.

Encontro com Profissionais –

“Estar pronto”

Terceira versão do Encontrocom Profissionais

107106

Page 56: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Convite do evento

Page 57: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Num mundo que valoriza o

conhecimento, os profissionais precisam

ser capazes de inovar para que possam

alcançar sucesso em suas carreiras, por isso

é de fundamental importância que o jovem

tenha espaço para buscar informações com

pessoas éticas, experientes e competentes

em suas áreas de atuação. Ao participarem

desse tipo de evento, os estudantes da

Móbile têm a possibilidade de refletir sobre

os relatos de profissionais com os quais

mantêm contato efetivo. Não se trata de uma

fria consulta a sites ou a guias especializados

em carreiras; o encontro real com os

profissionais humaniza as relações e torna

viva a ideia de que a escolha profissional

é um projeto de vida que envolve escolhas

(perdas e ganhos, portanto).

Ao estruturar os encontros com

profissionais em mesas-redondas, reunindo

pessoas por áreas de atuação afins, o grupo

de orientadores profissionais da Móbile

proporcionou aos seus alunos mais uma

oportunidade de discussão acerca dos

desdobramentos decorrentes das escolhas

e sobre as condições concretas do mercado

de trabalho em que atuarão futuramente.

Diálogo com ex-alunos – Foram

convidados 78 ex-alunos da Móbile,

atualmente universitários, para conversar

com nossos alunos a respeito de seus cursos

e das instituições em que estão matriculados.

Esclareceram dúvidas e deram informações

relevantes a respeito de carreiras

universitárias e faculdades.

O processo de escolha profissional,

as disciplinas mais importantes da grade

curricular dos cursos, a relevância deles e

das instituições, bem como as perspectivas de

trabalho futuro e as possíveis áreas de atuação

de determinadas carreiras foram alguns dos

aspectos explorados pelos ex-estudantes em

suas falas com os alunos em fase de escolha

profissional. Para nossos estudantes, é muito

significativo ouvir de ex-alunos da Móbile

quanto pode ser recompensador o esforço

feito para conquistar uma vaga em um

curso universitário conceituado e quanto de

dedicação é necessário quando se ingressa

efetivamente na universidade.

“Esta é uma oportunidade que eu não tive: a de discutir aspectos da carreira universitária e poder conhecer previamente um pouco daquilo que será o exercício da atividade profissional.”

(Dr. Ricardo Magaldi, médico, participante do III Encontro)

“O amor que criei pela Faculdade de Medicina é enorme. É realmente incrível perceber que todos que por ali passam amam a instituição e se dedicam a ela. São muitos médicos que mantêm seus vínculos com a Pinheiros e com suas extensões: Adib Jatene, Dráuzio Varela, Euryclides Zerbini e tantos outros.”

(Eric Curi Silveira cursa Medicina na USP)

“Considero muito interessante a iniciativa do colégio de proporcionar este encontro, pois aos 17, 18 anos todos temos muitas dúvidas. Eu gostaria de minimizar as chances de erros de vocês. No entanto, todos vocês têm o direito de errar na escolha e, mais do que isto, têm o direito de mudar.”

(Dr. Carlos Serrano, médico, participante do III Encontro)

111110

Page 58: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

“No âmbito estritamente acadêmico, basta ressaltar a força da USP que, por si, já serviria de estímulo para a busca por formação e boa colocação profissional. Mas o Direito, como estudo de uma técnica social específica, possui charme particular. Estudar Direito é estudar a convivência humana.

(João Alberto Pezarini cursa Direito na USP)

Representantes de universidades

convidadas – Além das mesas-redondas e

do encontro com ex-alunos, 20 instituições

de ensino superior, convidadas pela

Móbile, estiveram presentes no evento e se

fizeram representar por funcionários e/ou

professores, ou ainda por alunos em fase

de graduação. As conversas estabelecidas

entre nossos estudantes e os representantes

das instituições proporcionaram informações

importantes sobre cursos de graduação

conceituados.

Na tirinha de Calvin que abre este texto, a roupa que o personagem veste sugere

que ele está preparado para enfrentar os percalços da vida. A mãe de Calvin acaba assumindo

que também deseja possuir o mesmo recurso na esperança de estar preparada para eventuais

novidades. Fazendo um paralelo entre a tirinha e a escolha profissional, sabemos que,

infelizmente, a garantia de total segurança não existe no mundo real, daí a importância da

informação dada a nossos alunos.

(Vamos dar um salto do popular Calvin para o erudito universo do teatro elisabetano.)

O mais atormentado dos personagens shakespeareanos, Hamlet, no ato V, cena II da peça

homônima, profere o conhecido aforismo: “Estar pronto é tudo.” Para o momento em que

os estudantes precisam ter a coragem de fazer escolhas por uma carreira universitária, a

imagem de “estar pronto” nos parece pertinente, mas em outro sentido: o de estar disponível

para fazer a melhor escolha possível. Os encontros com profissionais buscam possibilitar aos

alunos prontidão para fazer escolhas responsáveis.

Consideramos que as informações oferecidas pelas universidades sobre seus cursos não

garantem uma escolha acertada por uma carreira; contudo, o conhecimento acerca de

histórias (reais) das escolhas, das trajetórias profissionais, do mercado de trabalho e das

áreas de atuação pode reunir elementos preciosos e eficazes para que um estudante reflita a

respeito de seu projeto de vida. Bla

idi S

ant’A

nna

é di

reto

r edu

caci

onal

do

Ensi

no M

édio

; A

dria

na D

u Pi

n G

alvã

o é

coor

dena

dora

edu

caci

onal

do

Ensi

no

Méd

io e

org

aniz

ou o

III E

ncon

tro

com

Pro

fissi

onai

s da

Mób

ile.

“Estar pronto...”

Conviteaos ex-alunos

112

Page 59: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

As discussões a respeito da

abordagem da gramática

na sala de aula geram, já

há alguns anos, bastantes

polêmicas. De tempos em

tempos, surgem na mídia

ou nos meios acadêmicos

novos debates sobre o

assunto. O problema é que,

no geral, tais polêmicas

se devem não a uma sadia

multiplicidade de pontos de

vista, mas a uma defasagem

entre a concepção de ensino

de Português cultivada pelo

senso comum e um método

pedagógico desenvolvido

com base na Linguística.

Ao buscar a descrição

da língua sem reduzir sua

análise ao que seria “certo”

ou “errado”, a Linguística

vai de encontro àquilo que

grande parte da sociedade

entende como o ensino da

língua materna.

No geral, essa parcela da

sociedade pensa que um

dos objetivos primordiais

da disciplina de Língua

Portuguesa seja “o ensino

da gramática”. Sem dúvida,

a gramática ocupa um

papel primordial num curso

de Língua Portuguesa. No

entanto, a discussão que

se impõe é: o que se deve

entender por “Gramática”?

Com que gramática eu vou?ou

Que gramática é essa?ou

Desmistificando a gramáticaUma reflexão acerca do papel da gramática na sala de aula.

114

Page 60: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Quando se fala em gramática,

o que costuma vir à mente

é o chamado “Português

correto” só dominado por

aqueles que conhecem uma

profusão de nomenclaturas:

adjuntos adnominais, super-

lativo absoluto sintético, ora-

ção subordinada substantiva

subjetiva, terceira pessoa do

pretérito imperfeito do indi-

cativo... A lista é realmente

extensa e certamente causa

arrepios a qualquer aluno

que já tenha se defrontado

com ela!

Podemos chamar de “meta-

linguística” essa atividade

de observação do caráter

sistemático das construções

da língua, acompanhada da

atribuição de nomes a elas. A

metalinguística é, no entan-

to, apenas uma das facetas

da gramática – e justamente

aquela que deveria sur-

gir como uma etapa natu-

ralmente posterior a duas

outras atividades muito mais

urgentes para que um aluno

se torne um usuário compe-

tente da língua: a linguística

e a epilinguística.

A atividade linguística con-

siste na utilização plena da

linguagem de modo intencio-

nal e em situações significa-

tivas e contextualizadas. É o

exercício presente nas ativi-

dades de leitura e produção

de textos. Nesse sentido,

os debates sobre diversos

temas, as discussões coleti-

vas de exercícios ou textos

e as rodas de leitura devem

ser valorizados como verda-

deiros momentos de inter-

câmbio de linguagem, a partir

dos quais se cria a condição

para os alunos exercitarem

e, principalmente, diversifi-

carem o “saber linguístico”

que já possuem, ou seja, a

gramática que, como falan-

tes da língua, naturalmente

já conhecem ao chegar ao

Ensino Fundamental.

Ler e produzir textos é, sem

dúvida, muito importante,

mas uma aula de Língua

Portuguesa não pode limitar-

se a isso. É necessário reser-

var tempo para as atividades

epilinguísticas, que criam

condições para o aluno,

como diz o linguista Evanildo

Bechara, tornar-se “um poli-

glota em sua própria língua”.

Para alcançar o status de

poliglota, é evidente que não

basta conhecer tão somente

a modalidade escrita culta,

aquela que muitos consi-

deram “a gramática”, única

correta e válida. Há que ser

capaz, isso sim, de percorrer

as diferentes variedades da

língua, a fim de conseguir

escrever não apenas com

adequação às regras de

ortografia, concordância e

(1) “Assim, o esgoto corre livrementepelas ruas, provocando enormes riscosde doenças infecciosas.”

A partir dessa frase, uma abordagem retrógrada da

gramática, baseada apenas na metalinguagem e na

memorização de nomes, poderia esperar do aluno diferentes

elaborações, como:

• trata-se de um período composto por duas orações;

• “o esgoto” é sujeito simples da primeira oração;

• “livremente” é um adjunto adverbial de modo;

• “corre” é verbo intransitivo e significativo, de modo que

o predicado da oração 1 é verbal;

• “enormes” e “infecciosas” são, no plano morfológico,

adjetivos que qualificam, respectivamente, os substantivos

simples “riscos” e “doenças”.

regência (quando o contexto

o exigir), mas também – e

sobretudo – de modo claro,

expressivo e eficiente.

Para isso, tornam-se essen-

ciais exercícios em que o

aluno possa comparar

expressões, transformá-las e

experimentar novas formas

de construção a partir de

modelos fornecidos. Enfim,

uma “brincadeira” constante

com a linguagem para que

o aprendiz, além de ampliar

seu repertório linguístico,

saiba selecionar nele aquilo

que for mais eficiente para

determinado contexto.

Observe-se, como exemplo,

uma proposição de análise

a partir de um fragmento de

carta redigida por um grupo

de moradores, a fim de exigir

do vereador mais votado no

bairro obras de saneamento

básico:

As várias gramáticas

117116

Page 61: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Já uma abordagem epilinguística do

enunciado não atribuiria tanta importância

aos nomes que recebem as estruturas nele

presentes, mas provocaria o aluno a refletir

sobre ele de maneiras as mais diversas; por

exemplo, ao solicitar conclusões a respeito

da comparação com a seguinte adaptação

do trecho:

flexibilidade na produção e na intelecção de textos, certamente sem que ele conceba a

gramática como um “bicho de sete cabeças”.

A partir disso, então, será muito mais natural e “indolor” promover as atividades metalinguísticas

junto a um aluno que, usuário mais maduro da língua, conseguirá propor e compreender

hipóteses sobre as regularidades (ou as irregularidades) morfossintáticas em um texto, bem

como sobre os efeitos que elas produzem.

Consegue-se, a partir desse cotejamento,

discutir com os alunos a maior eficiência

argumentativa que as estruturas omitidas em

(2) atribuem ao enunciado (1). Em seguida,

poder-se-ia solicitar-lhes outras maneiras

de desenvolver o trecho “o esgoto corre

livremente pelas ruas”, de modo a explorar

suas possibilidades vocabulares. Uma série

de respostas como:

possibilitaria uma importante discussão não

apenas sobre as estratégias linguísticas

adotadas em cada uma das tentativas, mas

principalmente sobre a variedade linguística

mais adequada se se levar em conta que é

a um vereador que a carta se destina, numa

situação formal de solicitação.

Não se trata de afirmar ao aluno que (4)

está “correta” e que as demais proposições

simplesmente estão erradas, mas de analisar

qual alternativa é mais adequada neste caso.

Isso porque (3) e (5) seriam muito mais

eficientes, por exemplo, em um panfleto

publicitário distribuído pelo governo para

incentivar crianças a cuidarem da limpeza de

seu bairro ou de sua cidade.

A utilização de abordagens como essa de

maneira frequente e sistemática por parte

do grupo de professores, sem dúvida,

possibilitará a um aluno – ao longo de

seus anos de escolarização – uma imensa

(2) Assim, o esgoto correpelas ruas, provocando riscos de doenças.

(3) a rua vira um esgoto gigante a céu aberto(4) o esgoto infesta as ruas(5) é esgoto pra tudo que é lado

A ideia de que falta

aos alunos saber gramática

para escrever e ler bem só

pode ser considerada válida

se esse “saber gramática”

estiver sendo entendido de

maneira mais ampla: como

o intercâmbio constante de

linguagem em situações sig-

nificativas de comunicação;

como o exercício frequente

de comparação e transforma-

ção de enunciados seguida

da discussão de resultados;

e, finalmente, num momento

posterior, como a proposição

e a compreensão de hipóte-

ses sobre as regularidades

da língua.

Reduzir a gramática a um

pífio conjunto de “pode”

e “não pode” ou a um rol

infinito de nomes é, além de

um equívoco absoluto, um

perigoso passo para afastar

o aluno de sua própria lín-

gua, o que só pode resultar

em uma acumulada dificul-

dade de comunicar-se com o

outro e, consequentemente,

de se postar de maneira

consciente e crítica no

mundo.

Rogério Viana Gusmão

é professor de Língua

Portuguesa do 9º ano

e coordenador da área

de Língua Portuguesa

do Ensino Fundamental II.

Conheça mais:

FRANCHI, Carlos. “Criatividade e Gramática”. Em: Trabalhos em Linguística Aplicada. Campinas: IEL/Unicamp, 1987.

TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e Interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1º e 2º graus. São Paulo: Cortês, 1996.

Concluindo...

119

Page 62: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Desde muito pequenas, as crianças buscam sentido diante do mundo

que se apresenta. A incessante curiosidade natural delas e a ansiedade

por significar e ressignificar esse mundo levam-nas a questionar todos

os porquês e razões de ser: Como surgiu o homem? E o mundo? O que

é o tempo? Essa busca por compreender a existência, os valores, o

verdadeiro, o justo, o belo e o bom aproxima as crianças dos filósofos

– ainda que “o modo de pensar” os diferencie!

De que maneira a escola pode favorecer a compreensão dos aspectos

da realidade e da existência humana buscada pelas crianças?

“Constituir o sentido (na dupla acepção de direção e significado) é uma tarefa fundamental a queo ser humano não pode se recusar, sob pena de perder a si mesmo e ao seu mundo, pois a produção do mundo e a produção do sentido dessa produção são uma única tarefa: o mundo não seria mundo humano se não tivesse o seu sentido e, por outra, não haveria lugar para o sentido se não houvesse mundo humano.”

(Lorieri e Rios, Filosofia na escola)

Filosofia para crianças –por quê, para quê, como?

120

Page 63: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Isto posto, fica evidente que ao falar de Filosofia para crianças não

nos referimos aos conceitos produzidos pelos grandes filósofos, mas

tomamos como objeto de ensino a ação de filosofar. Kant afirmava

que não se aprende e não se ensina a Filosofia, mas que se aprende a

filosofar. Ele queria chamar a atenção para o fato de que filosofar implica

uma ação: a do pensar reflexivo, nosso objeto de ensino.

Em princípio, muitos ficam intrigados sobre a possibilidade de crianças

das séries iniciais filosofarem, pois, culturalmente, tem-se a ideia

estereotipada de que esta tarefa cabe aos mais velhos e experientes.

Esta é apenas mais uma das ideias constituídas por um pensamento

pouco crítico. E como as crianças são capazes de pensar filosoficamente

quando estimulados!

Estratégias – É por meio da comunidade de investigação, mediada pelo

professor, que os alunos discutem questões filosóficas. Nessa discussão,

são motivados a apresentar seus pensamentos ao grupo, reconhecendo

ideias nas quais não haviam pensado anteriormente. Além disso, o

professor intervém na discussão, não para apresentar uma verdade, mas

para fazer com que os alunos realizem um grande número de atividades

mentais nas quais não teriam se envolvido se o diálogo não tivesse

ocorrido. Trata-se de uma habilidade que está intimamente atrelada ao

pensamento filosófico. Os alunos aprendem a argumentar, a defender

um ponto de vista, a se expressar com clareza, a definir conceitos, a

fundamentar o seu pensamento, a comparar diferentes pontos de vista,

a imaginar possibilidades, sendo sempre exigido o encadeamento lógico

de ideias, a busca pela coerência e a preocupação com a validade dos

julgamentos que se faz, afastando-se do senso comum.

Os significados não podem ser transmitidos, pois não são simples

informações. Quando os tratamos como tais, cerceamos a capacidade

de pensar de nossas crianças, contribuindo para formar sujeitos

capazes apenas de responder a algumas perguntas e não de analisar,

refletir e, sobretudo, de questionar. Os significados são adquiridos

pelo processo do pensar por si mesmo; logo, o pensar é a habilidade

por excelência, que nos permite significar o mundo e a nós mesmos.

Alguns podem alegar que a capacidade de pensar é inerente aos

seres humanos e, realmente, isso é fato. No entanto, pensar com

qualidade é algo que pode ser estimulado, portanto, aprendido. Trata-

se de um dos principais objetivos da educação e da matéria-prima da

filosofia: pensar de modo reflexivo, crítico, metódico, abrangente. Está

aí a diferença entre as crianças e os filósofos. Esses últimos significam

e ressignificam o mundo por meio do pensamento reflexivo; nossos

pequenos, por sua vez, precisam da ação educativa para que o pensar

ganhe qualidade.

A Filosofia no currículo das séries iniciais da Móbile (a partir do Infantil 5)

evidencia a intenção de formarmos sujeitos que sejam capazes de pensar

autonomamente, de modo reflexivo e crítico. É importante frisar que

esses objetivos levaram em consideração a faixa etária das crianças.

O que significa esse pensamento? Qual critério utilizado para definir a

qualidade de um pensamento? Como alcançar esse objetivo?

Um pensamento filosófico implica o ato de pensar sobre o próprio

pensar, ou seja, um pensamento em “crise”. Nessa “crise”, questiona-se

se as ideias são coerentes, bem fundamentadas e se as razões

e argumentos são fortes o suficiente para tê-los como certos ou

aceitáveis. Em outras palavras, o pensar precisa ser depurado para

evitar possíveis equívocos em relação à busca pela verdade (esta

sempre histórica e passível de ser questionada e modificada). Para

que esse caminho seja percorrido, a lógica passa a ser o critério que

valida o pensamento. Immanuel Kant

122

Page 64: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Na iniciação aos procedimentos da investigação filosófica, buscam-

se, coletivamente, formas de pensar acerca de temas, perseguindo os

critérios e as razões que os sustentam. Numa discussão filosófica do

1º ano do Ensino Fundamental, por exemplo, o grupo iniciou um diálogo

sobre a existência. Diante de uma experiência de Ciências em que

tentavam provar a existência do ar, uma questão filosófica veio à tona:

só existe aquilo que vemos? Parte do resultado desse diálogo travado por

crianças de 6 anos pode ser lido a seguir:

(...)

PROFESSORA E só existe o que a gente pode ver?ALUNO Não, tem coisa que existe que a gente não vê.PROFESSORA Todo mundo concorda?ALUNO Eu concordo!PROFESSORA Você pode então dar um exemplo do que o amigo disse.ALUNO As bactérias. A gente não vê, mas elas existem.ALUNO Mas com microscópio dá pra ver. E pra sentir, porque a gente fica doente.PROFESSORA O que mais não vemos, mas existe?ALUNO O vento. A gente não vê, mas sente. Por isso a gente sabe que existe.PROFESSORA Então só existe o que a gente pode ver ou sentir?ALUNO Eu sei uma coisa que a gente não pode ver e nem sentir, mas existe: o futuro!PROFESSORA Nossa! É mesmo! Todo mundo concorda? Todo mundo sabe o que é futuro?ALUNO Futuro é o que vai acontecer depois, presente é agora e passado é o que já passou.ALUNO Eu sei uma coisa que não existe: as bruxas.PROFESSORA As bruxas não existem?ALUNO Elas existem só nas histórias e na imaginação. Elas não são reais.PROFESSORA Então só existe o que é real? O que é da imaginação não existe?

Observa-se, pela leitura desse diálogo, que, além de desenvolver uma

série de habilidades, os alunos aprendem a questionar as ideias dos

outros, posicionando-se criticamente em relação ao que os demais

dizem. Não se trata de um debate, mas, sim, de um esforço coletivo

de tornar o pensamento o mais “verdadeiro possível”, colocando-o

“em crise”. É no diálogo com o outro que o processo de investigação

e, consequentemente, o de maturação do pensamento ocorre. Nesse

esforço coletivo, tanto os alunos quanto o professor podem finalizar uma

aula de Filosofia com seus pensamentos iniciais transformados. Uma ou

mais ideias são ressignificadas. Em Filosofia, não há respostas definitivas,

pois, apesar de se encontrar uma resposta, a pergunta que a gerou

poderá sempre ser analisada sob outro aspecto, em outro contexto ou

ainda baseado em outros fundamentos, o que faria com que precisasse

ser investigada novamente. Além disso, as questões filosóficas levam a

respostas que mudam conforme o homem muda dentro de sua cultura.

125124

Page 65: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

O desenvolvimento das habilidades do pensar é também acompanhado

por um trabalho metacognitivo, tornando cada vez mais explícitas e

conscientes as ferramentas que permitem a constituição dos alicerces

do pensamento. A análise feita pela comunidade de investigação sobre o

caminho percorrido contribui para que, paulatinamente, os membros dela

passem a gerenciar os próprios pensamentos.

Além de promover o desenvolvimento do pensamento e de estimular a

curiosidade diante do mundo, uma comunidade de investigação filosófica

permite o trabalho com atitudes e princípios. É condição fundamental

para qualquer construção coletiva de conhecimento que os membros

aprendam a ouvir e não apenas a falar, a respeitar as ideias diferentes

das suas, bem como a valorizar as diferenças e a diversidade.

Diante do exposto, ficam claros os motivadores para a presença da

Filosofia no currículo das séries iniciais da Móbile. Quanto mais cedo

nossas crianças puderem desenvolver as habilidades que permitem

pensar com qualidade, mais aptas estarão para lidar com as aprendizagens

futuras. Ou, nas palavras do filósofo Matthew Lipman: “A criança que

adquiriu a proficiência nas habilidades de pensar não é simplesmente

uma criança que cresceu, mas uma criança cuja verdadeira capacidade

de crescer foi ampliada.”

Maria de Remédios F. Cardoso é diretora da Educação Infantil

e Tatiana Almendra é coordenadora do 1º ano do Ensino Fundamental.

127126

Segundo os órgãos oficiais, o ensino de literatura, assim como o de filosofia e outras

artes, visa, sobremaneira, ao cumprimento do Inciso III da LDBEN (Leis de Diretrizes e Bases

da Educação Nacional), cujo foco é:

O que se vê, no entanto, é uma sobrecarga de informações sobre épocas, estilos,

características de escolas literárias, que, da maneira como se apresenta nos livros didáticos,

não levaria a tais objetivos. De fato, a memorização mecânica de características de determinado

movimento literário não fomenta a autonomia e a formação de um pensamento crítico. O que

se pretende neste artigo é descrever o processo de apresentação da historiografia literária e,

de forma simplificada, apresentar uma alternativa a esse modelo.

Constata-se que há um paradigma único de história da literatura brasileira para

alunos de Ensino Médio, o assim chamado paradigma estético. Por ele, dispõem-se e inserem-

se as obras individuais em períodos sucessivos – Barroco, Neoclassicismo, Romantismo,

Modernismo –, por vezes seculares, segundo uma norma essencialmente poética, quer dizer,

que objetiva os elementos imanentes (modos de ficção e de dicção) à obra de arte literária.

Considerar historicamente um objeto como a literatura significa unir individualidades

diversas por meio de um valor ou norma relacionando-os no tempo, diacrônica ou

sincronicamente, com outros blocos igualmente normativos. Uma história interna da

literatura liga os diversos acontecimentos literários individuais por meio de uma perspectiva

O aprimoramento do educando como

pessoa humana, incluindo a formação

ética e o desenvolvimento da autonomia

intelectual e do pensamento crítico

(1996).

O ensino de literaturano currículo escolar

Page 66: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

necessariamente estética. Algo como “a literatura brasileira do século XVI” nada diz porque

a expressão “século XVI” é esteticamente neutra. Algo como “a literatura brasileira na época

colonial” tampouco serve, já que “época colonial” tem significado essencialmente político.

Já “a literatura barroca brasileira” é mais coerente, pois “barroco” é norma estética e como

período “é uma seção de tempo dominada por um sistema de normas, padrões e convenções

literárias, cuja introdução, difusão, diversificação, integração e desaparecimento podem ser

acompanhados”.

Nesse sentido, dialogando com os objetivos acima apresentados pelas LDBEN,

consideramos pertinente citar as palavras de Antonio Candido sobre a literatura como fator

indispensável de humanização:

Pensando nas palavras do mais respeitado crítico literário brasileiro, pode-se

imaginar de que maneira atingiremos os objetivos de formar um aluno com autonomia

intelectual e pensamento crítico da forma como os livros didáticos descrevem a literatura,

apenas mostrando uma história literária, cujos parâmetros estão distantes de desenvolver

essa “quota de humanidade” que nos “torna mais compreensivos e abertos para a natureza,

a sociedade e o semelhante”.

O que pressupomos aqui, desse modo, é que o primeiro fator que deve ser levado em

consideração no ensino de literatura é o questionamento sobre o modo de ensino da história

literária. Devemos questionar se a descrição desses movimentos nos leva efetivamente a uma

experiência estética de saber ler e escrever, apropriando-se das práticas literárias que dotem

o estudante da capacidade de se apropriar da literatura.

Em outras palavras, decorar Trovadorismo, Humanismo, Classicismo, suas

características e outros “ismos”, não levaria à ampliação de horizontes, ao questionamento,

ao encontro com a sensibilidade e a reflexão. Tal aperfeiçoamento só é atingido com o contato

efetivo com o texto. Quando se fala de texto, lembremos que discutir um texto de Machado de

Assis pode ser tão importante quanto discutir um bom filme, a letra de um rap ou um poema de

cordel.

Sendo assim, qualquer que seja o texto, erudito ou popular, canônico ou massificante,

deve passar pelo mesmo crivo de reflexão. Mas não nos iludamos. Sempre haverá em muitos

casos uma boa margem de dúvida nos julgamentos dos textos, dúvidas dos critérios de

aferição, que são mutáveis por serem históricos.

Não é, no entanto, o que se apresenta na história literária, cuja metodologia é

estanque e, desse modo, acrescenta-nos pouco àquilo que se quer de um aluno. Só com a

superação dessa perspectiva é que conseguiremos o que Carlos Drummond de Andrade nos

diz sobre a função da literatura e outras artes: “Creio que a literatura, assim como as artes

plásticas e a música, são uma forma de elevação do ser humano diante da precariedade de

sua condição.”

Francisco Lima é professor de Língua e Produção de Texto do Ensino Médio.

Entendo aqui por humanização (...)

o processo que confirma no homem

aqueles traços que reputamos, como

o exercício da reflexão, a aquisição

do saber, a boa disposição para

com o próximo, o afinamento das

emoções, a capacidade de penetrar

nos problemas da vida, o senso da

beleza, a percepção da complexidade

do mundo e dos seres, o cultivo do

humor. A literatura desenvolve em nós

a quota de humanidade na medida em

que nos torna mais compreensivos e

abertos para a natureza, a sociedade,

o semelhante (“Literatura e Direitos

Humanos”, 1995, p. 249).

129128

Page 67: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Há algo de podre no reino da Noruega, mesmo com seus fiordes, florestas, lagos de águas

cristalinas, mar, cachoeiras e sinceras preocupações ecológicas. Mesmo com educação,

saúde, transporte e moradia para todos. Mesmo com cidades organizadas, calçadas e

ruas com acessibilidade nas quais as bicicletas e os pedestres são soberanos. Mesmo

com um imaginário repleto de Munchs, Ibsens, trolls, fadas, ninfas e vikings. Mesmo sendo

considerado o melhor país para se viver e com o maior Índice de Desenvolvimento Humano

do planeta.

Cheguei a Oslo em 23 de julho, um dia depois do atentado que matou pelo menos 76 pessoas.

O clima era muito tenso. O centro da cidade estava fechado e havia muitos soldados

armados nas ruas. Ainda não se sabia direito o que havia acontecido, mas já era quase

certo que aquele horror havia sido provocado por um único homem. E o mais inesperado:

ele era norueguês. A NRK mostrou a foto postada no Facebook do suspeito: um homem

louro, de olhos azuis, rosto de príncipe (pelo menos para o meu olhar estrangeiro, originário

de um país moreno). Seu nome: Anders Behring Breivik. Ultradireitista, contra a imigração

muçulmana e a miscigenação. Foi preso na ilha de Utoya, depois de explodir os prédios de

um quarteirão inteiro no centro de Oslo e de atirar durante quase duas horas em jovens

indefesos. Tinha mais de 600 seguidores na rede social.

“subtribos”, prejudicando, assim, o desenvolvimento equilibrado da Europa. Num manifesto

escrito em inglês, ele citou o Brasil como exemplo de um país disfuncional prejudicado pelo

multiculturalismo e que, por esse motivo, está condenado a jamais alcançar o mesmo nível

de produtividade e desenvolvimento europeu ou asiático.

A Noruega é um país pacífico. Não é à toa que o prêmio Nobel da paz é entregue em Oslo.

É perceptível que lá as pessoas se relacionam pelo princípio da confiança. Não há controle

para saber se você pagou a passagem do ônibus; os policiais, em tempos normais, andam

desarmados e ninguém mexe na bolsa que ficou no banco da praça. E foi nesse lugar que um

homem louro, culto, de frios olhos azuis e sorriso debochado teve a coragem de matar seus

próprios compatriotas em nome de um ideal macabro, no qual se exclui o diferente por medo

do outro, por medo de perder a identidade e de ter o padrão de vida rebaixado.

E pensar que em nome de valores culturais importantes como a beleza e a identidade

nacional já se cometeram tantas atrocidades! Homens cultos, louros ou morenos, de bigode

ou imberbes, planejaram e executaram friamente os piores atos contra seus semelhantes

em nome de ideais como os do terrorista norueguês. E pensar que esse horror, mesmo em

tempos de globalização, se mantém em diversas culturas se renovando permanentemente

para espanto até das pessoas mais crédulas. Diante disso, entendi que a única coisa

realmente globalizada e igual para todos é o gosto do Big Mac.

O fato é que depois da certeza de que o atentado fora cometido por um norueguês, o centro,

os prédios, museus e monumentos foram reabertos e, então, pude presenciar as primeiras

flores depositadas na praça em frente ao Duomo, as primeiras homenagens aos mortos, as

expressões de revolta e de dor daquelas pessoas. A identificação foi imediata. Pensava nas

famílias que perderam seus filhos tão jovens. E fui acompanhando, comovida, as flores e

velas tomando toda a praça.

Havia uma espécie de silêncio no ar, uma perplexidade expressa no rosto de todos.

Confirmado: o terrorista era mesmo Breivik. Não era, como se esperava, alguém de fora, de

alguma máfia estrangeira ou ainda representantes da Al-Qaeda. Era um norueguês louro,

alto, culto e de frios olhos azuis. Justificou o massacre como uma ação contra uma Europa

marcada pela imigração, principalmente a muçulmana, e a consequente mistura racial.

Além disso, afirmou que o atentado foi seu sacrifício pessoal pela completa mudança da

sociedade norueguesa e europeia, livre de estrangeiros que, afinal, só servem para gerar

Oslo 2011 – Um grito

Page 68: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Na segunda-feira, dia 25 de julho,

parecia que Oslo estava voltando ao

normal e eu, como boa turista, fui ao

Museu Nacional para ver os quadros

do Munch, especialmente “O Grito”,

que, como expressão de tempos

bicudos, permanecia mais atual do que

nunca. Quando saí, percebi que havia

um movimento diferente. As pessoas

caminhavam todas na mesma direção

carregando rosas nas mãos. Era gente

de todo tipo: executivos, jovens, famílias,

idosos, cadeirantes, bebês, hindus,

muçulmanos, judeus... Resolvi seguir

o fluxo. Até que cheguei em frente à

prefeitura de Oslo, que fica numa praça

imensa na beira do mar do Norte. Nunca

vi tanta gente. Acho que havia umas

200 mil pessoas. Ainda sem entender direito o que estava acontecendo, recebi uma linda

rosa vermelha de um jovem para quem perguntei que evento era aquele. Ele me respondeu

que era a Marcha das Rosas, organizada para celebrar a paz e homenagear os mortos.

Logo depois, a multidão, emocionada, fez um minuto de silêncio no qual todas as pessoas

levantaram bem alto suas rosas. Nesse momento, me senti norueguesa, me senti brasileira,

me senti cidadã do mundo.

Valéria de Melo Pereira é professora de Português do 6º ano do Ensino Fundamental.

(Colaboraram preciosamente as professoras de História do Ensino Fundamental Denise

Mendes e Mônika Kuszka).

Uma das prioridades que se estabelecem,

em qualquer nível de ensino ou de formação,

é a melhoria e ampliação do sucesso dos

alunos nas situações de aprendizagem.

Trata-se, em outras palavras, de fazer

com que cada vez mais alunos realizem,

na escola, aprendizagens mais profundas,

eficazes e duradouras, permitindo que,

independentemente dos conteúdos que

sejam ensinados, determinadas estruturas

de pensamento possam ser desenvolvidas

com o objetivo de se tornarem ferramentas

na resolução de problemas nas diferentes

áreas do conhecimento.

Na Móbile, na área de Matemática, as escolhas

didáticas se pautam no desenvolvimento de

conceitos e procedimentos relacionados ao

desenvolvimento de determinadas estruturas

de pensamento. Acreditamos que essas

escolhas devam considerar a formação do

pensamento numérico/algébrico, proporcional,

geométrico e combinatório/probabilístico,

além de tratar de conteúdos que tenham

relação com a competência métrica.

Colocando essas estruturas de pensamento

no mesmo grau de importância, sem qualquer

hierarquização, podemos citar o pensamento

proporcional como um tipo de raciocínio

essencial, que permite interpretar fenômenos

e integrar conteúdos da Aritmética, da

Álgebra e da Geometria. É uma forma de

raciocínio bastante utilizada no trato de

questões de outras áreas do conhecimento,

como a Física, a Química e a Geografia, por

exemplo.

O raciocínio que envolve proporcionalidade,

de maneira equivocada na maioria dos cursos

de Matemática, é relegado a um estudo

muito específico no 7º ou 8º ano do Ensino

Fundamental. Na Móbile, acreditamos que

ideias de proporcionalidade devem percorrer

os planejamentos de Matemática desde as

séries inicias para que os alunos resolvam

problemas que envolvam estruturas de

pensamento proporcional, considerando

diferentes níveis de complexidade,

respeitando o repertório matemático

construído.

Estruturas de pensamento proporcional

133

Page 69: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

De fato, considerando que em cada área do

conhecimento é possível identificar ideias

principais sobre as quais se estrutura um

corpo considerável de conceitos, podemos,

sem dúvida, no caso da Matemática, destacar

a proporcionalidade como uma dessas

grandes ideias, geradoras de boa parte das

relações significativas que são estabelecidas

no processo de aprendizagem. Outras ideias,

no mesmo sentido, são a equivalência, a

dependência, a variação, a aleatoriedade,

entre outras. Com base no reconhecimento

do destaque dessas ideias, os cursos de

Matemática podem ser organizados de

modo a percorrerem caminhos estruturados

pelas diversas relações de significado que

se traduzem por tais concepções. Numa

imagem: para cada ideia, imaginamos algo

como uma grande estrada da qual derivam

inúmeros caminhos para todos os lados,

caminhos esses que, adiante, voltam a se

encontrar em pontos de significados comuns.

Se as ideias são variadas, o são também as

estradas principais e os caminhos que delas

derivam. A vista superior de todo o esquema

nos mostra imagem semelhante a uma enorme

rede de significados, que se entrelaçam,

se complementam, se projetam, cabendo

ao professor determinar o percurso mais

apropriado para a aprendizagem dos alunos,

segundo os objetivos de seu curso. Priorizar

a proporcionalidade permite valorizar um

dos percursos mais longos e expressivos

no que tange à qualidade e à quantidade de

significados.

No 3º ano do Ensino Fundamental, por

exemplo, os alunos são colocados diante

de problemas que pretendem estabelecer

relações aritméticas de alto nível, ou seja,

eles passam a observar relações com base

na observação de padrões numéricos e

no estabelecimento de generalizações.

Nesse momento, as crianças começam a

tomar contato com importante significado

conceitual: a tradução de padrões de

regularidade por intermédio de sentenças

matemáticas.

Um exemplo elucidativo é o que apresentamos a seguir:

Colocada a seguinte situação: duas latas de goiabada custam R$ 7,00. A partir dessa

informação, complete a tabela abaixo com outros valores.

Notória é a importância da exploração de

situações de aprendizagem que garantam ao

aluno observar a variação entre grandezas,

estabelecendo relações entre elas,

construindo estratégias não convencionais

e convencionais para solucionar problemas

que tratem de grandezas diretamente ou

inversamente proporcionais. A tradução

vulgar dessa exploração é conhecida

por “regra de três”, algo que não passa

de um algoritmo eficaz para a resolução

de problemas típicos e que, se não for

profundamente compreendido à luz da

proporcionalidade, remeterá o estudante a

inúmeros equívocos de interpretação dos

resultados que obtém.

Alguns significados

Quantidade de latas de goiabada Preço total a pagar

2

4

5

R$ 21,00

10

R$ 42,00

7

As situações de proporcionalidade como esquema instrumental utilizam basicamente quatro

tipos de técnicas fundamentais:

• redução à unidade;

• modelagem proporcional;

• modelagem fracionária;

• modelagem algébrica.

135134

Page 70: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Evidentemente, nesta etapa de aprendizagem,

não tratamos de todas essas técnicas, mas

evidenciamos relações que envolvem, por

exemplo, redução à unidade: se duas latas

custam R$ 7,00, então uma lata custa R$ 3,50,

portanto quatro latas custam R$ 14,00.

Nesse problema, torna-se necessário o

estabelecimento de outras relações, tais

como: se duas latas custam R$ 7,00, quatro

latas representam o dobro do número de

latas, portanto o preço será R$ 7,00 x 2.

O preço de R$ 21,00 corresponde à compra de

seis latas de goiabada, uma vez que R$ 7,00

corresponde ao preço de cada duas latas

e 2 x 3 = 6. Podemos, ainda, realizar outras

operações, como descobrir que dez latas

custam R$ 35,00, cinco latas representam a

metade dessa quantidade, portanto custarão

R$ 17,50. Problemas dessa natureza, quando

tratados nas séries iniciais, são resolvidos,

muita vez, pelos alunos por meio de recursos

aditivos, como no caso de descobrir quantas

latas compro com R$ 21,00 (recorrendo a

R$ 7,00 + R$ 7,00 + R$ 7,00 – cada R$ 7,00

representa o preço de duas latas –, conclui-

se que serão seis latas). Independentemente

dos recursos utilizados, é importante que

os alunos se aproximem de uma ideia

fundamental: o pensamento proporcional

associa-se às operações de multiplicação e

divisão.

Mais adiante, os alunos começarão a traduzir

em sentenças matemáticas genéricas os

padrões de proporcionalidade que observam.

No caso do exemplo analisado, tal abordagem

permitiria questionar os alunos sobre, por

exemplo, o preço P de x latas de goiabada, se

cada unidade custa R$ 3,50. Tais procedimentos

caracterizam a iniciação do estudo do bloco

de conteúdos conhecido normalmente por

“Álgebra”, que, mais tarde, conduzirá às

equações e às funções de todo tipo.

O conhecimento algébrico, portanto, exige

a mobilização do raciocínio proporcional;

todavia, a Matemática compõe-se, para além

da Álgebra, de outros campos de conceitos,

como a Geometria, as Medidas e o Tratamento

da Informação.

Geometria – Em Geometria, apresenta-

se fortemente outra ideia fundamental: a

semelhança. Sem entrar em detalhes,

o conceito de figuras semelhantes,

diferentemente do senso comum, exige que

as dimensões correspondentes entre as

figuras guardem evidente proporcionalidade.

Por isso, todos quadrados são semelhantes

embora nem todos os retângulos o sejam,

e o mesmo se aplica aos triângulos. Temos,

nesse caso, situação clara em que duas

ideias matemáticas se unem para fortalecer

a base de significados conceituais.

Medidas – Para compreender a importância

da proporcionalidade no estudo das medidas,

basta nos lembrarmos de que toda medida

é realizada com base em comparação a

determinado padrão. Assim ocorre com o

metro, com o quilograma, com o sistema

monetário, com o litro etc. O resultado de

uma medida nada mais é do que a aplicação

de uma multiplicação com a ideia da

proporcionalidade. Se o padrão de medida de

certa grandeza é x, o resultado da medição

dessa grandeza, na unidade padrão, será

sempre y.x, qualquer que seja a grandeza ou

o padrão.

Tratamento de Informação – Um dos campos

da Matemática em que mais se nota sua

relação com as experiências cotidianas,

além das quatro operações fundamentais,

é o da Estatística, que compõe o grupo do

Tratamento da Informação. Em praticamente

todas as áreas do conhecimento, e não

apenas nas áreas ditas Exatas, verifica-se

a presença da Estatística, seja na Economia,

na Moda, no Direito, na Psicologia ou na

Gastronomia. A Estatística também se

alicerça no raciocínio proporcional, seja para

o cálculo e a análise da Média Aritmética,

seja para as projeções realizadas a partir

das probabilidades de acertos ou erros em

resultados de pesquisas.

É também no percurso organizado sobre

a ideia da proporcionalidade que os alunos

no Ensino Médio começam a representar

graficamente as generalizações que

estabelecem para as relações entre as

grandezas. Em outros termos, no Ensino

Médio os alunos passam a estudar

concentradamente as funções e a representá-

las em gráficos cartesianos. Nesse momento,

os conceitos matemáticos ganham ampliação

de significados que jamais se descolará de

toda a aprendizagem futura, seja no decorrer

do Ensino Médio, seja na universidade.

137136

Page 71: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Uma das funções do conhecimento matemático, mas não a única, consiste em estruturar

conceitos de outras áreas, como, por exemplo, a Física ou a Geografia. Especialmente

nesses casos, podemos notar a clara presença do raciocínio proporcional, seja na análise

da dependência entre grandezas físicas, como velocidade e tempo ou peso e massa, ou na

composição cartográfica com suas escalas e orientações. Em Química, a proporcionalidade

embasa praticamente todo o estudo das reações e o respectivo balanceamento energético, de

fundamental importância interna e externamente aos limites disciplinares.

Sem dúvida, escolhas didáticas que favorecem o desenvolvimento de conceitos e procedimentos

relativos à formação de determinadas estruturas de pensamento matemático contribuem de

maneira decisiva para uma aprendizagem significativa.

Antonio de Freitas da Corte é professor de Matemática do Ensino Fundamental

e Walter Spinelli, do Ensino Médio.

Alguns significados

A pergunta do título deste texto, feita inúmeras vezes em

aulas de Matemática a alunos pequenos, médios ou grandes, gerou

sempre a mesma resposta:

– Claro que sim! Aqui mesmo, nesta página do livro, estou

vendo um. Vou tocá-lo, quer ver?

Ao professor, nessas horas, coube sempre a árdua tarefa

de distinguir o objeto concreto de sua representação, mostrando aos

alunos a incorreção de suas respostas.

– Quadrados são figuras planas, apenas com duas

dimensões, largura e comprimento. Qualquer coisa que toquemos

terá sempre mais uma dimensão, a profundidade. Quer dizer, ninguém

jamais tocou ou tocará em um quadrado, pois eles existem apenas no

plano de nossas ideias ou, na pior das hipóteses, nos desenhos em que

os representamos.

O leitor poderá perguntar o que essa história de quadrado,

real ou não, pode interessar para o cidadão comum. Afinal, a vida de

todos nós continua bastante indiferente aos quadrados e, para além

deles, às circunferências, aos círculos, aos retângulos, aos losangos...

De certa forma, desejamos demonstrar, por meio deste texto, que o

tema tem, sim, relação com nosso cotidiano e que o tangenciamos

sempre que pensamos sobre algo; isto é, todo o tempo.

Voltando à sala de aula, se questionarmos os alunos a

respeito do tipo de quadrilátero que consideram o mais complexo

dentre todos, dificilmente responderão que é o quadrado. De modo

Pequeno ensaio sobre a importância das abstrações e da contextualização do ensino.

Alguém aí já tocouem um quadrado?

139138

Page 72: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

geral, consideram o quadrado o mais simples, pois ele é tão regular,

“tão certinho” e tão fácil de representar. Mas se enganam! Não há

quadrilátero mais complexo do que um quadrado. Vamos, pois, utilizar

o modelo da construção do conhecimento dos alunos sobre o que seja

um quadrado para explorar nosso objetivo.

No início, as crianças reconhecem um quadrado apenas

pela medida de seus lados: se forem iguais, é um quadrado. Quando

crescem um pouco, são estimuladas a considerarem também a

medida dos ângulos internos, todos retos. Mais tarde, percebem

que há propriedades que apenas as medidas dos quadrados

obedecem, especialmente as que envolvem suas diagonais e as

circunferências que podem inscrevê-lo ou circunscrevê-lo. Em

síntese: as características de uma forma geométrica qualquer – o

quadrado é apenas um exemplo – são construídas pouco a pouco

pelos estudantes, ampliando constantemente uma espécie de feixe de

relações de significados sobre o objeto. Não há nada de mais nisso,

nem de menos, uma vez que é assim, nesse processo de identificar,

classificar, ampliar, que aprendemos quase tudo em nossas vidas, até

mesmo no campo de nossas relações pessoais, sejam elas de amizade,

trabalho ou amores. (Os mais céticos chegam mesmo a relacionar a tal

processo o desgaste de muitas relações amorosas que, inicialmente

intensas, pouco a pouco vão se revelando e amortecendo, como se a

ampliação do conhecimento de uma pessoa sobre a outra conduzisse

ao isolamento.)

Retomando, o conhecimento sobre algo se constrói à

medida que o sujeito estabelece relações de significado cada vez

mais amplas sobre o objeto que estuda, seja este um quadrado, um

automóvel, um país ou um(a) companheiro(a). Quero dizer: é como

se houvesse níveis de conhecimento que precisamos galgar pouco

a pouco – “step by step”, como dizem os norte-americanos – a

fim de que seja atingido o nível ‘ótimo’ de conhecimento, nível que

depende do estágio de vida em que nos encontramos. Isto aceito,

chegamos assim a uma das perguntas que traduzem nossa tese (e que

convenientemente escondemos por detrás da questão do quadrado,

que “se toca” ou “não se toca”): o que permite que galguemos os

degraus do conhecimento sobre algum objeto? Ou, dito de outra

forma, o que precisamos mobilizar para ampliar o feixe de relações

que elaboramos sobre aquilo que desejamos conhecer? Resposta nos

próximos parágrafos.

Ah! Esse quadrado – Continuando no mistério do quadrado,

voltemos à sala de aula e ao professor perguntando aos alunos:

– Se ninguém jamais tocou em um quadrado, jamais pegou

um na mão, podemos afirmar que ele é um objeto abstrato?

Essa é uma questão complexa que costuma confundir um

pouco mais os alunos, e também muitos de nós. Afinal, o quadrado

é abstrato ou, se não, é concreto? Sim, porque abstrato e concreto

se colocam em oposição, pelo menos na concepção espontânea que

temos sobre essas palavras.

Uma aluna, apenas uma, de nome Isabela, nem tão brilhante

em Matemática, como se poderia supor, deu uma resposta convincente

quanto à questão proposta acima. Ela disse:

– É concreto! Pois concreto é aquilo que conhecemos, não

importando se podemos ou não tocá-lo.

Na resposta de Isabela, transparece o fato, incontestável,

de que Alexandre Magno é concreto da mesma forma que o é um

predicativo do sujeito ou um átomo de hidrogênio. Ou alguém vai dizer

que será necessário, por exemplo, tocar num átomo de hidrogênio

para, por fim, acreditar que o respiramos todo o tempo, ou que esse

átomo desempenha papel importante na composição de certo líquido

que ocupa mais de 70% da superfície de nosso planeta?

Daqui para frente, apostaremos na ideia desenvolvida pela

Isabela, ou seja, há muita coisa concreta que não tocamos, tampouco

vemos (lembram-se do átomo de hidrogênio?). Além disso, apostamos

também na concepção de que o conhecimento sobre algo torna

141140

Page 73: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

“esse algo” concreto, dentro da visão segundo a qual tornamos algo

concreto quando galgamos os tais degraus descritos anteriormente.

O quadrado, de novo ele, é um caso emblemático porque as crianças

precisam recortar uma folha de papel ou manusear blocos lógicos

para enxergarem essa figura, enquanto entre os adolescentes basta

estimular a imaginação para que resolvam todo e qualquer problema

envolvendo esse quadrilátero.

Se existem “estágios de concretude” que os estudantes

(e nós todos) precisamos vencer para conhecer profundamente

algum objeto, a próxima questão é: o que nos permite vencer um

degrau e saltar para o superior? A resposta, rápida e rasteira, é: as

abstrações.

São as abstrações que realizamos que permitem que nosso conhecimento sobre

algo o torne cada vez mais concreto, num movimento constante de ir e vir. Simbolicamente,

podemos representar em três etapas o processo descrito.

Nessa visão, concreto e abstrato não se encontram em oposição como afirmamos

anteriormente ser prerrogativa do senso comum. Concreto e abstrato são, como denominou

Henri Lefebvre, movimentos do pensar, que possuem relação dialética e cujo movimento de um

Objeto conhecido

Objeto conhecido

Objeto conhecido

Ampliação do conhecimento sobre o objeto

Objeto conhecido: tornado concreto

ao sujeito por meio das relações

de significado que construiu. Tais

relações são variadas e o sujeito

identifica apenas algumas a cada

momento. O concreto está no objeto

e o abstrato, fora dele.

Na ampliação do conhecimento

sobre o objeto, reside a importância

das abstrações. As abstrações

estimulam a construção de novas

relações de significado.

Novas relações de significados

conceituais são estabelecidas;

o conhecimento concreto sobre o

objeto é ampliado. Novas ampliações

implicam reviver o processo.

Da abstração para a concretude

143142

Page 74: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

a outro extremo exercitamos todo o tempo, mesmo que não tenhamos

consciência disso. Considerando o trabalho do professor em suas

salas de aula, tal movimento precisa ser estimulado com vigor para

que seus alunos construam com firmeza o conhecimento sobre a

álgebra, a literatura, a química, a filosofia e até sobre o quadrado(!).

Fomos evoluindo no conteúdo do texto. Começamos com

o quadrado, passamos pelo átomo de hidrogênio, seguimos para as

abstrações e para a concretização dos conhecimentos. Chegamos

agora ao aspecto mais importante de toda a problemática, traduzida

por outra questão que referenda nossa tese: como estimular em

nossos alunos o exercício das abstrações? A resposta, novamente

rápida e rasteira, é dada por um verbo no gerúndio: contextualizando.

Contextos de ensino são o solo fértil do qual brotam as

necessárias abstrações. Abstrair algo do nada cabe apenas a vãs

teorias, avessas a propósitos concretos (sem trocadilhos).

A contextualização do ensino transparece com fervor em

algumas áreas do conhecimento e é compulsoriamente escondida em

outras. Não é possível imaginar o ensino da História sem contexto,

da mesma forma que a Física necessita dos fenômenos naturais para

explicá-los. História e Física são exemplos de disciplinas nas quais

a ausência de contexto, histórico em um caso e fenomenológico

em outro, conduz ao risco da completa desmoralização do saber.

Como discutir, por exemplo, a máquina a vapor sem contextualizar

o momento histórico em que surgiu e sua importância na revolução

industrial? Física e História se confundem nesse caso e ambas

tornam-se efêmeras se cada uma delas, por seu lado, não estimular as

abstrações a partir da composição do contexto em que os conceitos

se complementam.

Na Matemática – Queremos colocar nosso olhar sobre as

disciplinas nas quais a contextualização costuma passar “ao largo”,

mesmo em escolas ditas “de vanguarda”. Não é preciso muita reflexão

para chegarmos à mais emblemática delas: a Matemática.

Os mais vividos, incluindo o autor deste texto, sofreram mais

do que seus filhos com a ausência da contextualização dos conteúdos

matemáticos em sua época de estudantes. Havia a “decoreba” da

tabuada, a simplificação dos “carroções” da álgebra, a resolução

das enormes equações que conduziam a resultado que não dizia

nada, apenas “xis é igual a tanto”. Mas o que era esse “tanto”? Não

era cabível questionar. Numa linguagem mais próxima da pedagogia

atual, o ensino descontextualizado de então não agregava significados

conceituais àquilo que se estudava. Se isso é verdade, como poderia o

estudante construir o feixe de relações sobre algum objeto, na forma

que citamos em parágrafo anterior? Aqueles tempos eram os tempos

do estudante “balde vazio”, metáfora para a possibilidade de alguém

conhecer algo a partir do nada, em pequenas gotas que vão, pouco

a pouco, enchendo um reservatório único e limitado, em desprezo

completo aos conhecimentos prévios do sujeito sobre o assunto.

Não, não cremos que o conhecimento humano caiba em reservatório

único e muito menos que seja limitado. Hoje, os tempos são outros,

felizmente.

A Matemática que nossos alunos constroem em nossa

escola, podemos dizer, é contextualizada. Embora fosse necessário

bem mais do que algumas páginas para justificar completamente

tal afirmativa, temos em mente a importância desse tipo de ensino

quando elaboramos nossos planejamentos pedagógicos e criamos as

atividades para nossas aulas.

Contextos são caracterizados por conjuntos de

circunstâncias nos quais os objetos podem ser percebidos em

inúmeras relações de significado. Esses conjuntos podem ser

formados a partir de condições variadas, preferencialmente próximas

da realidade dos alunos, envoltas pelos elementos característicos

de suas culturas. Apresentar conceitos com base nas relações que

estabelecem internamente a esse conjunto de circunstâncias, ou seja,

contextualizar o ensino permite não apenas que os significados sejam

145144

Page 75: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

detectados com vigor pelo estudante, mas também que os conteúdos

disciplinares não sejam vistos como algo criado por seres iluminados

que viveram em torres de marfim, isolados do populacho ignorante,

como é comum nas falas de estudantes de Ensino Médio (de outras

escolas) ao se referirem a seu aprendizado da Matemática.

Na proposta de um ensino contextualizado, a memorização

de algoritmos e fórmulas não é relegada a segundo plano, como

alguns poderiam, preconceituosamente, imaginar. Pelo contrário, os

procedimentos ganham significado quando associados aos elementos

constituintes do contexto. Em nosso caso, no Ensino Fundamental,

para o ensino da tabuada, por exemplo, recorre-se, com redundância,

ao cálculo mental e às estratégias de obtenção de valores de compra,

venda e troco. Nada de decorar quanto é 7x8, pelo menos inicialmente.

A memorização vem automaticamente com a compreensão, visto que

memorizar sem compreender é sinônimo de rápido esquecimento. Ou

algum leitor se lembra da sequência correta dos afluentes da margem

esquerda do rio Amazonas que tantos professores de Geografia nos

impunham decorar?

A composição do contexto de ensino é tarefa do professor,

em todas as instâncias. Para o cumprimento de tão importante tarefa,

preparamo-nos durante muitos anos, nos bancos da universidade, nas

assessorias, nas reuniões semanais e nas conclusões que tiramos de

todas as leituras que fazemos. Mas, se contextualizar é fundamental

para o exercício das abstrações, uma vez que quem abstrai o faz sobre

alguma coisa, a partir de algum contexto, é preciso que o estudante dê

um passo a mais, para além do contexto. Em resumo, se contextualizar

é imprescindível, romper as amarras do contexto é mais ainda; é

preciso extrapolar.

Sabemos que apresenta competência em algum assunto o

sujeito que, especialmente nos dias atuais, consegue enxergar para

além de seu conhecimento técnico sobre o assunto. Não é possível

considerar competente, por exemplo, um médico especialista apenas

em problemas do joelho direito masculino ou o chef que cozinhe

excepcionalmente bem o cordeiro e nada mais. O tempo da extrema

especialização passou de mãos dadas com o tempo da tabuada do 7x8

sem significado. O sujeito competente em nossos dias é aquele que

consegue associar de modo eficaz o domínio do particular e do geral

em suas fronteiras de conhecimento. Fronteiras mais largas possíveis,

é bom que se diga.

Voltando ao âmbito de nossa escola e ao ensino da

Matemática, temos a preocupação de contextualizar os conceitos

que apresentamos aos nossos alunos, seja pela aplicação desses

conceitos em situações do cotidiano, pela história da Matemática ou

pela interdisciplinaridade. Mas sabemos da importância do contexto

que se constrói a partir das relações internas à própria Matemática,

que denominamos contexto intradisciplinar. É a partir desse contexto

que as relações conceituais existentes permitem aos alunos extrapolar

seu conhecimento matemático para outros contextos, enfrentando

com competência situações-problema advindas de outros universos

do conhecimento.

Todos os contextos especialmente elaborados para

ensino deste ou daquele bloco de conteúdos, de qualquer área

do conhecimento, são encerrados por fronteiras invisíveis. Dentro

dessas fronteiras, reconhecem-se, com vigor, as relações entre

significados associados aos objetos de estudo, enquanto, para além

delas, as relações que existem, e são múltiplas, nem sempre são

facilmente identificáveis. Desejando discutir aspectos de política

internacional, um professor poderá, por exemplo, recorrer ao contexto

histórico da Guerra Fria, no período que se iniciou no pós-II Guerra

Mundial e definhou completamente no final da década de 1980.

Vários significados associados à conduta dos países envolvidos

na questão, decerto, podem ser transportados para aspectos da

política internacional de nossos dias. Haverá, entretanto, uma série

de considerações específicas das crises atuais que, à primeira

147146

Page 76: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

vista, parecerão de natureza bastante diversa das que minavam no

noticiário do período de Guerra Fria. A possibilidade de compreensão

acerca de tais considerações exige que sejam extirpadas as fronteiras

do contexto anterior para que as relações anteriormente construídas

possam ser adaptadas às características desse novo contexto.

Devemos, portanto, considerar a necessidade do contexto para a

realização das abstrações e para a compreensão das inúmeras

relações entre seus elementos, mas precisamos também avaliar

que é parco o conhecimento que se constrói em um contexto e nele

estaciona.

Finalizando, em nossa escola consideramos a importância

da contextualização do ensino e consideramos também a necessidade

de o sujeito extrapolar, para múltiplos contextos, o conhecimento que

constrói sobre determinado conjunto de circunstâncias selecionadas

pelos professores. Não fora isto, nossos alunos estariam procurando

um quadrado que pudesse ser tocado. Tarefa inglória!

Walter Spinelli é coordenador e professor de Matemática

do Ensino Médio.

149148

Page 77: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

p r o d u ç õ e s e m f o c o

Page 78: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

O uso racional dos recursos naturais é um

tema que está posto como desafio para a

geração atual. Historicamente, a civilização

ocidental propagou um modo predatório de

exploração da natureza. Acreditava-se em

uma dicotomia entre o humano, o social, e o

mundo natural. Nesse contexto, a natureza

era vista como algo externo ao homem, algo

que deveria ser explorado e utilizado.

À medida que a população mundial aumenta

e os avanços tecnológicos permitem a

apropriação dos recursos naturais de

modo cada vez mais intenso, os impactos

ao meio ambiente vão se fazendo perceber

e sentir. Como exemplo mais notório,

podemos mencionar as mudanças climáticas.

O aumento da emissão dos gases de

efeito estufa – em razão das mais variadas

atividades econômicas – é apontado como

causa da elevação da temperatura global

e da consequente mudança no nível dos

oceanos e da distribuição das chuvas. As

possíveis consequências desse processo

são assustadoras: de acordo com as

previsões, esses fatos afetarão seriamente

o modo de vida de nossa sociedade, tendo

como consequência direta a inundação de

centros urbanos litorâneos, dificuldades na

agricultura e a propagação de doenças.

Infelizmente, as novas gerações recebem um

mundo intensamente explorado e precisam

lidar com o imenso desafio de criar novas

formas de se relacionar com a natureza, a fim

de garantir as condições para sua existência

sem promover o esgotamento dos recursos

que o planeta pode nos prover.

Para que os alunos do 6° ano do Ensino

Fundamental tenham a oportunidade de

refletir sobre o processo de apropriação

da água, recurso de vital importância, as

disciplinas de Ciências e Geografia propõem

um projeto interdisciplinar.

O projeto – Inicialmente, em Geografia, os

alunos são convidados a aprofundar seus

conhecimentos sobre a cidade de São Paulo

e sobre o local de sua fundação. O Estudo

do Meio no centro de São Paulo possibilita

a descoberta de que o lugar escolhido para

a formação do primeiro núcleo de ocupação

não foi acidental. Ele possuía características

geográficas estratégicas. Dentre elas, a

proximidade do rio Tamanduateí, que fornecia

água para a dessedentação e higiene, era

fonte de peixes e – por ser afluente do

rio Tietê – possibilitava a navegação e o

transporte para o interior.

A partir de atividades de observação e análise

das paisagens – realizadas desde o início do

ano letivo –, os alunos são convidados a

observar e comparar mapas e paisagens de

importantes rios da cidade de São Paulo: o

Pinheiros e o Tietê. A comparação dessas

paisagens em dois momentos históricos,

início do século XX e do século XXI, permite

identificar as transformações que ocorreram

nesses espaços. O que se observa são duas

mudanças drásticas: a poluição causada pelo

despejo, sem tratamento, do esgoto industrial

e doméstico e a retificação do curso original

desses rios para que as áreas de várzea

pudessem ser ocupadas.

As transformações da paisagem são a

materialização, no espaço, das mudanças que

ocorrem na sociedade. Tendo isso em vista,

as crianças são convidadas a refletir sobre

como a população de São Paulo, ao longo

do século XX, transformou rios de grande

importância em esgotos a céu aberto.

Complexo projeto de sustentabilidade é promovido no 6º ano do Ensino Fundamental.

Projeto água e Sustentabilidade

Page 79: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Ao mesmo tempo que, em Geografia, ocorre o

estudo da apropriação dos recursos hídricos

em um espaço urbano, na disciplina de

Ciências, os alunos iniciam uma investigação

das características químicas da água e das

transformações que podem sofrer como

decorrência da ação humana. Esse estudo

relaciona-se ao uso da água em meio rural

e complementa as discussões realizadas

em Geografia. Tal investigação baseia-se na

análise dos rótulos de diferentes marcas de

água mineral. Os estudantes percebem que,

apesar de todas as marcas conterem água

transparente, inodora e insípida, cada uma

apresenta composição química diferente.

Como esse fato pode ser explicado?

A resposta a essa pergunta surge como

consequência do estudo do solo, aprofundado

durante a viagem de estudo do meio ao

Acampamento Repúbllica Lago. Ao visitar

uma pedreira, uma plantação de cana-de-

açúcar e uma horta doméstica, os alunos

descobrem que existem variados tipos de

solo em cada local. Amostras de solo desses

lugares são analisadas em laboratório para

que se identifique o que diferencia os variados

tipos de solos: diferentes tipos de partículas

orgânicas e minerais. Essa percepção leva

os alunos a concluir que a variedade de

tipos de solo está relacionada às diferentes

composições da água mineral.

Experimentos em laboratório, no qual

amostras de água são “filtradas” por diversas

amostras de solo, simulando a infiltração

da água da chuva, permitem aos alunos

perceber sua propriedade como solvente.

Cada amostra de água carrega em si os

sais minerais resultantes da dissolução das

rochas que infiltrou.

Todo o percurso de investigação leva à

seguinte conclusão: poluentes lançados

no solo podem chegar ao lençol freático e

causar problemas de saúde, assim como

agrotóxicos usados nas plantações também

podem seguir o mesmo caminho.

Diante do grande desafio que está colocado

para as novas gerações – o uso racional dos

recursos naturais –, compreender o processo

que levou à degradação dos nossos recursos

hídricos é só o começo. É importante, sem

dúvida, conhecer alternativas que possibilitem

sua exploração sustentável.

Aprender no zoológico – Os cursos de

Ciências e Geografia da Móbile convergem

quando discutem o tratamento dos efluentes

(esgoto) e a utilização da água de reúso como

forma de preservar nossos recursos hídricos.

Além disso, promovem uma visita ao Parque

Zoológico de São Paulo para conhecer seu

programa de gestão de resíduos.

O Parque Zoológico possui estações de

tratamento de água e de efluentes, além

de uma unidade de produção de composto

orgânico. Nele, as crianças percorrem todo

esse sistema e observam o emprego das

técnicas de floculação, flotação e remoção

de flutuantes para que o esgoto gerado

no parque seja transformado em água de

reúso e adubo orgânico. Os benefícios

obtidos pelo Zoológico são inúmeros e

comprovam a sustentabilidade do projeto.

Dentre eles, destacam-se: a diminuição de

gastos com o consumo de água e a compra

de adubo utilizado no cultivo de alimentos

para os animais do parque. Outros fatores

importantes são a redução de custos com o

transporte dos resíduos sólidos (pois eles são

destinados à unidade de compostagem) e a

menor presença de animais propagadores

de doenças. Além disso, a estação de

tratamento de água tem sido utilizada para

melhorar a qualidade da águas dos lagos que

formam o Riacho do Ipiranga, um importante

patrimônio histórico da cidade.

Essa visita, portanto, permite a concretização

daquilo que foi estudado em classe e estimula

os alunos a refletir sobre as alternativas para

o uso sustentável da água.

Certamente, essa abordagem interdisciplinar

contribui para a aprendizagem significativa

das crianças e as estimula a criar novas

formas de se relacionarem com o meio

ambiente.

Iva Maria Alves é professora

de Geografia e Carlos Eduardo C. de Godoy

é professor de Ciências do 6º ano

do Ensino Fundamental.

155154

Page 80: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Em 11 de março deste ano,

a costa nordeste do Japão

sofreu um dos maiores

terremotos de sua história,

o que provocou um tsunami

na sequência. Diversas

cidades da região foram

devastadas pela ação

desses dois fenômenos

naturais, provocando cerca

de 10 mil mortes, deixando

muitos desabrigados e um

número ainda maior de

desaparecidos.

Inicialmente focadas na

descrição da magnitude

do terremoto e na relação

dele com a formação da

onda gigante, as notícias

veiculadas pela mídia

logo direcionaram seus

holofotes para a cidade

de Fukushima, localizada

no nordeste do Japão,

quando um dos reatores

de sua usina nuclear

sofreu uma explosão. Mais

rápido – e, talvez, mais

danoso – que o vazamento

de material radioativo foi o

ressurgimento do “fantasma

nuclear”, do qual a

humanidade pensava haver

se livrado desde o desastre

ocorrido em Chernobyl, na

Ucrânia, em 1986.

Mas o acidente em

Fukushima é, de fato,

comparável ao de

Chernobyl? É possível um

projeto de usina nuclear

imune a terremotos de

grandes proporções?

A quanta radiação uma

pessoa será submetida

se morar perto de uma

usina nuclear? Atividades

humanas podem provocar

terremotos? Se nem o

Japão, tido como símbolo

de tecnologia avançada

e disciplina, está livre de

acidentes nucleares, quem

estará seguro? As usinas

de Angra são uma boa

estratégia para completar a

matriz energética brasileira?

E os países que fizeram a

opção pela energia nuclear,

seja por escassez de outros

recursos, seja por cautela

em relação ao aquecimento

global, devem rever suas

escolhas?

Diante de tantas dúvidas

abordadas em notícias

nem sempre precisas e

apuradas (e muitas vezes

sensacionalistas), como

compreender de maneira

correta e integrada todas as

vertentes dessa complexa

situação? A Aula Magna

proferida aos alunos do

Ensino Médio procurou

dar conta dessa questão.

Mediados pelo professor

de Ética e Cidadania,

Roberto Candelori, os

professores Silvia Madeira,

Hugo Reis e Rodrigo

Mendes abordaram os

acontecimentos no Japão

sob a ótica de suas

disciplinas, respectivamente

Geografia, Física e Biologia.

Terremoto, tsunami e

Japão – A professora Silvia

iniciou sua apresentação

recordando os conceitos

geofísicos previamente

trabalhados em sala de aula

ao esclarecer qual processo

natural desencadeia

fenômenos como terremotos

e tsunamis.

A análise multidisciplinar como estratégia

didática.

A crise no Japão pós-Fukushima revisitada sob quatro olhares em aula magna proferida

por professores da Móbile a alunos do Ensino Médio.

157

Page 81: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Situado em uma região de encontro de três placas tectônicas, o Japão se caracteriza por ser

o país com maior concentração de terremotos, sofrendo cerca de 20% dos tremores anuais

no mundo. O epicentro desse terremoto foi bem próximo ao litoral e a poucos quilômetros

abaixo da crosta terrestre. Assim, a propagação de ondas sísmicas, comum a todos os

terremotos, deslocou uma grande massa de água que constituiu o tsunami de 10 metros.

A enorme onda atingiu uma

área densamente povoada

e com alto desenvolvimento

industrial. E não havia

como ser diferente: o

relevo montanhoso e os

86 vulcões ativos que

habitam o território japonês

forçaram, historicamente, a

concentração da população

na costa, tornando-a mais

vulnerável a tsunamis.

Terremotos e tsunamis

são fenômenos já bem

conhecidos pelos cientistas;

porém, imprevisíveis e

inevitáveis. A tarefa posta é

a de sermos capazes de nos

preparar o melhor possível

para seus efeitos, com

sistemas de monitoramento

e alerta mais eficientes,

construções mais seguras

e preparo da população.

É o que o Japão tem feito,

como mostrou Silvia,

especialmente no que diz

respeito ao treinamento da

população e ao erguimento

de barreiras de proteção,

além do desenvolvimento, a

partir de 1980, da tecnologia

de construção de edifícios

apoiados em sistemas

hidráulicos.

E com relação à composição

de sua matriz energética,

o Japão fez uma escolha

acertada ao ter 25% da

energia que abastece suas

cidades sendo gerada a

partir de reatores nucleares

em território tão instável?

Silvia explicou que no Japão

não abundam muitos outros

recursos. Num país escasso

em rios, em reservas de

carvão e em espaço para

usinas eólicas, o uso de uma

das mais poderosas fontes

energéticas já descobertas

pelo homem é certamente

uma opção.

Radioatividade, energia

nuclear e Fukushima – A

grande eficiência energética

que caracteriza a tecnologia

nuclear em comparação a

outras opções em uso foi

assinalada pelo professor

Hugo em sua fala. Com

uma quantidade pequena

de combustível nuclear

é possível produzir uma

grande quantidade de

energia. Por exemplo,

um quilograma de urânio

enriquecido numa usina

nuclear pode produzir

a mesma quantidade

de energia que várias

toneladas de carvão mineral

numa usina termoelétrica.

Para justificar essa

eficiência, Hugo recordou

os conhecimentos físicos

básicos relacionados à

radioatividade. Em linhas

gerais, esta consiste na

tendência de alguns átomos

de liberar a quantidade

de energia que os torna

instáveis. Tal liberação

pode ocorrer na forma de

partículas (radiação alfa,

barrada pelos tecidos

das roupas) ou de ondas

eletromagnéticas (radiação

gama, muito penetrante,

barrada somente por

chumbo).

À vantagem propiciada

pela eficiência energética

soma-se outra, de ordem

ambiental: a energia nuclear

é das mais limpas dentre

as desenvolvidas até o

momento.

Um reator nuclear aquece

água para produzir vapor,

utilizado para movimentar

uma turbina que produz

eletricidade. Diferentemente

do que ocorre numa usina

termoelétrica movida a

carvão ou diesel, não há

emissão de poluentes,

já que o vapor d’água é

posteriormente condensado

e reenviado ao reator para

ser reutilizado, num ciclo

fechado sem contato com o

ambiente externo.

Esclarecidas as principais

vantagens da energia

nuclear, Hugo se dedicou à

análise das características

da usina de Fukushima,

deixando claro que não

se pode afirmar que seus

reatores fossem inseguros.

Diferentemente da maior

parte das construções

localizadas na região

atingida, como refinarias

de óleo, depósitos de

combustíveis, usinas

termelétricas e indústrias

químicas, as usinas

nucleares não colapsaram.

Font

e: w

ww

.est

adao

.com

.br d

e 11

de

mar

ço d

e 20

11.

159

Page 82: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Nas 14 usinas, distribuídas

pelas três centrais

nucleares da região, o

sistema de segurança

dos reatores funcionou

adequadamente, ou seja,

houve desligamento

automático e subsequente

entrada no modo de

resfriamento, mesmo ante

o corte de fornecimento

externo de eletricidade.

Contudo, cerca de 1 hora

após o terremoto, veio o

tsunami que colocou fora

de operação os geradores

a diesel disponíveis no

local, bem como seus

tanques de combustível.

Isso, então, abalou os

prédios onde estavam os

reatores de Fukushima e

interrompeu seu processo

de resfriamento. Pouco

depois, ocorreu a explosão

que vem causando todos os

problemas de contaminação

radioativa que os japoneses

ainda estão vivendo hoje.

Um evento dessa natureza,

com tal sequência de

problemas, é altamente

improvável. Considerando

que mesmo o altamente

improvável pode acontecer,

como ficou provado em

Fukushima, não é desejoso

que tais condições sejam

consideradas nos projetos

de usinas nucleares? O fato

é que estudos de segurança

precedem construções

desse tipo, e atender àquilo

que é altamente improvável

geralmente torna os

projetos muito dispendiosos

e, consequentemente,

desvantajosos.

Radiação, ambiente e

saúde – Em se tratando de

radioatividade, geralmente

nos lembramos das bombas

nucleares lançadas

sobre o Japão durante a

Segunda Guerra Mundial

e dos chocantes efeitos

da exposição excessiva à

radiação em decorrência

dos acidentes nas usinas

de Three Mile Island (EUA,

1979) e Chernobyl, além

do vazamento de Césio

137 em Goiânia, em 1987.

Mas, contrapôs o professor

Rodrigo, a energia nuclear

é, há décadas, uma das

mais eficientes aliadas da

medicina.

Além da importante

aplicação na área médica –

por exemplo, na radiologia

e na radioterapia –, irradiar

produtos agrícolas para

garantir sua conservação

também já é prática comum

e extremamente vantajosa.

Após iniciar sua palestra

destacando o uso da energia

nuclear como fundamental

para o desenvolvimento da

ciência e da saúde humana,

Rodrigo lembrou ainda

que a radiação é emitida

naturalmente pela terra,

pelo ar e até mesmo pelo

próprio corpo humano. (Para

não mencionar aparelhos

criados pelo homem e

tão presentes em nosso

cotidiano, como rádios e

os fornos micro-ondas).

Essas doses, no entanto,

são insuficientes para

causar danos, e o próprio

organismo tem mecanismos

de reparo.

A radiação incide

igualmente sobre todas as

moléculas que constituem o

organismo dos seres vivos,

mas consequências danosas

advêm da interferência

dela sobre o DNA, pois

as demais moléculas

podem ser repostas no

contínuo processo de

montagem e desmontagem

que caracteriza nosso

metabolismo, mas o DNA é

a receita para isso. Quando

o dano provocado pela

radiação não é corrigido

de maneira eficiente pelo

“maquinário de reparo” do

DNA, mutações acontecem.

Rodrigo ressaltou que nem

sempre as mutações são

prejudiciais. É importante

ainda ter a informação de

que somente mutações

nas células germinativas

são transmitidas à

descendência.

Aquelas ocorridas nas

células somáticas podem

ocasionar câncer, mas

estudos extensivos têm

mostrado que a radiação é

dos mais fracos elementos

carcinogênicos a que

podemos ser submetidos.

Mais do que induzir

mutações pontuais,

altas doses de radiação

geralmente provocam

rearranjos cromossômicos

que resultam na morte das

células afetadas antes que

tenham a oportunidade de

se tornarem cancerígenas.

Não se trata, obviamente,

de menosprezar os riscos

para a saúde humana e

ambiental. Vazamentos

radioativos podem atingir os

seres vivos diretamente ou

por meio da contaminação

de água, plantações etc.

É preciso, porém, avaliar

adequadamente os riscos

e proteger a população em

caso de necessidade, sem

alardes descabidos.

Energia nuclear, matriz

energética e economia

– Durante a mediação da

Aula Magna, o professor

Candelori deu o “tom” do

trabalho que continuou

posteriormente nas aulas

que ministra, de Ética e

Cidadania, acompanhando

os desdobramentos

político-econômicos que

se seguiram ao início da

pior crise que o Japão já

enfrentou desde a Segunda

Guerra Mundial.

161160

Page 83: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

O clima catastrofista pós-Fukushima gerou demandas de desligamento de usinas em

operação e/ou interrupção de obras de outras em construção nos 30 países que reúnem

as 448 usinas do planeta. O ícone máximo disso foi o anúncio alemão de aposentadoria

antecipada das usinas construídas antes de 1980 e a revisão completa de sua matriz

energética.

No Brasil, o debate sobre o que ocorreu em Fukushima reavivou antigas críticas à política

nuclear de nosso país, especialmente após a reafirmação governamental de que o Brasil

seguirá erguendo sua terceira usina nuclear, a de Angra 3. Comparações entre as usinas

de Angra e Fukushima pipocaram na mídia, destacando sua diferença em termos técnicos.

Há quem defenda, porém, que o principal problema de Angra está relacionado à dispersão

da radiação em caso de acidente, dada sua localização próxima a áreas urbanas bastante

populosas.

É difícil ocorrer um acidente numa usina nuclear, pois as normas de segurança delas são

rígidas e seus sistemas de segurança, robustos. Mas havendo um problema nos reatores

– seja por falha humana, em decorrência de atentado terrorista ou como resultado de

um terremoto seguido de tsunami –, os efeitos podem ser desastrosos. Vem daí a grande

preocupação sobre o uso da energia nuclear.

A rigidez das normas de segurança, após os dois acidentes nucleares históricos que

antecederam Fukushima fez triplicar o custo de construção de uma usina nos últimos anos.

Novos projetos poderão ter seus orçamentos ainda mais inflados, possivelmente afetando

sua viabilidade econômica.

Não seria melhor, nesse caso, optar por energia solar ou eólica? Sem dúvida, nos países que

comportam tais tecnologias, deve haver investimento em pesquisa para que essas opções

tenham sua eficiência energética melhorada e se tornem, em breve, economicamente

competitivas com outras fontes.

A solução adequada para a questão energética depende, portanto, das características

de cada país em termos geofísicos, econômicos, de espaço, de demanda energética etc.

Font

e: w

ww

.est

adao

.com

.br d

e 5

de ju

nho

de 2

011.

163

Page 84: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

História, ciência e saúde.

Geografia, política e

economia. De fato, são

muitas as vertentes a

serem consideradas no

planejamento estratégico

de um país. Ciente de que

os cidadãos devem ter

papel ativo nesse processo,

a Móbile busca preparar

seus alunos, os gestores,

engenheiros, economistas e

ecólogos de amanhã.

Para saber mais

Apostila sobre radioatividade da Comissão Nacional de Energia Nuclear:

<http://www.cnen.gov.br/ensino/apostilas/radio.pdf>.

Apostila sobre energia nuclear da Comissão Nacional de Energia Nuclear:

<http://www.cnen.gov.br/ensino/apostilas/energia.pdf>.

A energia nuclear e seus usos na sociedade:

<http://cienciahoje.uol.com.br/revista-ch/revista-ch-2005/220/pdf_aberto/nuclear.pdf>.

Infográfico que indica os efeitos da submissão a diferentes doses de radiação:

<http://www.informationisbeautiful.net/visualizations/radiation-dosage-chart/>.

Mapa interativo da geração de energia nuclear no mundo:

http://www.economist.com/blogs/dailychart/2011/03/global_nuclear_power

Tatiana Rodrigues Nahas é professora de Biologia do 2º ano do Ensino Médio.

No 5º ano do Ensino Fundamental, propomos, como conteúdo da disciplina

de Ciências, o estudo do corpo humano, composto por diferentes sistemas

e aparelhos que apresentam funções específicas e contribuem para a

manutenção do todo. Para isso, selecionamos estratégias que

favoreçam a compreensão desse complexo funcionamento.

Ao estudarmos o aparelho digestório, perguntamos

inicialmente às nossas crianças, por exemplo, o que

acontece com o alimento que ingerimos. As hipóteses por

elas levantadas revelam ideias simples, concretas e até

ingênuas, como, por exemplo: “A comida vira cocô e a bebida

vira xixi” ou, ainda, “O que é bom fica no corpo e o que não

presta vira cocô e sai”.

De que maneira ajudar os alunos a compreender como

realmente ocorre a digestão? As atividades realizadas no

laboratório de Ciências auxiliam os alunos a fazer analogias

entre os experimentos e o funcionamento do aparelho

digestório.

Depositar bolinhas de isopor com dois tamanhos diferentes em

um funil, acrescentar um pouco de água e observar que as menores

passam, ao contrário das maiores, sugere aos alunos que algo análogo a um

Alunos do 5º ano do Ensino Fundamental aprendem

como funciona o corpo humano.

Digestão: o laboratório em foco

Page 85: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

funil está contido em nosso corpo e que o alimento, para passar por ele, precisa ser dividido

em partes menores. É possível também fazer os alunos compreenderem que o alimento

mastigado é mais facilmente digerido quando vivenciam uma situação de laboratório em

que um comprimido efervescente intacto demora mais tempo para se dissolver do que outro

triturado, por exemplo.

Todas as observações e registros individuais feitos após cada procedimento proposto são

socializados e discutidos, favorecendo a construção dos conhecimentos pelos alunos.

Em outro momento, os alunos percebem a reação do amido dos alimentos quando em contato

com a saliva. Para isso, pingam solução de iodo em batatas cozidas, carne e óleo e observam

o aparecimento de coloração diferente na batata pelo fato de ser a única que contém amido.

As crianças se surpreendem quando colocam saliva sobre ela e descobrem que a mancha

clareou. Podem, então, concluir: “Que função importante tem a saliva! Transforma o amido dos

alimentos!” E ao amassarem a batata: “A ação das enzimas da saliva é ainda mais eficiente!”

Outra descoberta a ser feita está relacionada à função do suco gástrico. Para facilitar essa

compreensão, os alunos observam as mudanças ocorridas na carne moída quando se pingam

gotas de limão (fruta ácida) nela: “A carne mudou de cor e ficou mais mole!”, relatam.

Uma nova etapa do processo ainda é ilustrada: a ação da bile sobre as gorduras é

compreendida depois de se usar um procedimento no qual se mistura detergente com

óleo. Os alunos observam uma transformação: “Ficou com várias gotinhas bem pequenas!”

Na discussão, comparam essa ação à que ocorre no intestino delgado.

E o intestino grosso? Relaciona-se sua função à ação de um pano fino coando massa de

cenoura misturada a água. O registro realizado no laboratório comprova a compreensão do

aluno: “A parte sólida da mistura de cenoura com água ficou no pano. Essa parte representa

as fezes. A parte que passou pelo pano ficou cor de laranja e representa a água e os nutrientes

que são absorvidos nos intestinos.”

Aprender esses e outros conceitos da disciplina de Ciências por meio das estratégias

apresentadas aqui favorece a compreensão dos conteúdos, pois, apropriando-se dos

conhecimentos científicos, os alunos desenvolvem uma autonomia no pensar e no agir.

Desenvolvem um olhar atento, curioso e investigativo e aprimoram algumas das habilidades

fundamentais para um “comportamento científico”: identificar elementos e suas funções,

levantar hipóteses, relacionar variáveis, comparar elementos e situações e concluir com base

em dados observáveis.

As aulas planejadas para o estudo do corpo humano são, além disso, muito prazerosas,

o que torna a busca pelo conhecimento e compreensão do funcionamento do corpo muito

mais envolvente, além de despertar nos alunos uma atitude de respeito e cuidado consigo

mesmos.

Alexsandra Dorneles de Azevedo, Jussara Moreira Santana e Laís L. de Carvalho

são professoras do 5º ano do Ensino Fundamental.

167166

Page 86: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

A criança se apropria ativamente da cultura do seu grupo e, por meio da vida social,

da comunicação com outras crianças e com os adultos, assimila as experiências que

tem com o ambiente em que vive e forma seu pensamento.

O ensino de Ciências, especificamente para crianças na faixa etária dos 3 anos, deve

acontecer de forma prazerosa e significativa, de maneira que aquilo que se pretende ensinar

esteja vinculado à realidade de vida de cada aluno. A ciência deve constituir uma ferramenta

importante de compreensão e interação das crianças com seu mundo. Teoricamente, essa

abordagem parece simples, clara e objetiva, no entanto é um dos maiores desafios para

os educadores da Educação Infantil e exige deles uma constante análise e reflexão de sua

prática. Desconstruir a ideia de que a ciência é um conhecimento complexo demais para

ser ensinado a crianças tão pequenas e de que a comunicação entre esse saber e as outras

linguagens como Artes, Música e Culinária não existe foi o nosso primeiro passo para tornar

essa aprendizagem dinâmica, completa e significativa.

Investigar mecanismos

para trazer a ciência

para o dia a dia, para

a prática, de forma

concreta e lúdica, foi outro

desafio. Para dar conta disso,

aproveitamos o final das férias de verão e

trouxemos para a sala de aula um assunto

rico, familiar e, provavelmente, naquele contexto,

ainda “fresco” na memória das crianças: a praia e

o ambiente marinho.

O mar e seus mistérios – Iniciamos o trabalho com rodas de

conversa sobre experiências pessoais e, com isso, sondamos

o conhecimento prévio das crianças sobre o assunto. A partir

daí, montamos uma série de atividades diversificadas que

contemplam todas as exigências da proposta idealizada por

nós, incluindo a comunicação da ciência com outras áreas do

conhecimento.

O assunto foi tão envolvente e suscitou uma série de

considerações das crianças: “Meu pai já foi no fundo do

mar!”; “Meu pai tem um aquário que tem moreia”; “Eu

tenho um livro cheio de tubarões”; “Eu já fui com a

minha mãe numa praia que tinha tartarugas”...

A partir de relatos como esses, convidamos alguns

pais para virem à escola dividir com nossos grupos

suas experiências. Organizamos essas visitas alinhando

os conhecimentos dos pais à nossa sequência didática.

Afinal, para a formação de um bom aluno, a família é tão

O mar e seus ricos elementos são mote para trabalho

com Ciências com as crianças do Infantil 3.

“Terei sempre amado o mar.

Ele terá sempre apaziguado tudo dentro de mim.”

(Albert Camus)

Crianças mergulham no mundo da ciência

169

Page 87: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

importante quanto a escola. Educação não se resume

ao ensino formal, mas ao desenvolvimento integral

em que a participação dos pais é necessária e

colabora para o processo.

Atravessamos a praia e fomos para o

mar encontrar ondas nas explicações

apresentadas por um pai praticante de

surfe. Do topo das ondas, mergulhamos

para o fundo do mar na companhia de um pai

mergulhador, com todos seus equipamentos

especiais. Na profundidade do oceano,

descobrimos muito! Descobrimos até que

animais marinhos viram frutos do mar num

delicioso prato. Essa descoberta foi facilitada

pela parceria de uma mãe chef de cozinha.

Cada visita ampliou o contexto de pesquisa que estava

sendo desenvolvida até o aquele momento, trazendo uma

abordagem diferente das fontes de informações comumente

utilizadas, como livros, vídeos, Internet e enciclopédias, e trouxe aos

alunos um novo olhar sobre seus pais: o de educadores. É importante as crianças

descobrirem que o professor não é o dono do saber, que seus pais, assim como os

pais dos colegas (e elas), também sabem.

E as descobertas não pararam por aí! O sabor do mar e

sua biodiversidade impressionaram as crianças. Em um

mergulho imaginário, elas “viram” animais temidos e

criaturas frágeis como um simples caramujo. Entre

tantos animais, um chamou especial atenção e tornou-

se o nosso objeto de estudo, a tartaruga marinha. Tornar

concreto o estudo de Ciências é algo fundamental para

a compreensão e o entrosamento dos pequenos, por

isso recorremos às tartarugas que vivem na escola a fim

de promover momentos de observação, comparação e

descrição desses animais com seus “parentes” marinhos. Foi

um sucesso! Trazer o animal para a sala de aula, observar suas

características e aprender palavras para descrevê-lo foi um dos pontos

altos do nosso projeto.

Para fechar nossa pesquisa, nada melhor do que ir a um local onde se

poderia observar o que, até então, os alunos viam somente em fotos ou

vídeos. Realizamos uma saída pedagógica ao Aquário de São Paulo. Mais

do que um passeio, essa visita proporcionou momentos de conversa e

troca de informações. Essas experiências não só enriqueceram o projeto

como proporcionaram aos alunos a vivência efetiva de situações de

aprendizagem.

No fim, ao analisarmos todas as etapas realizadas, as

respostas, o interesse e, principalmente, o

aprendizado dos alunos, observamos que

o ensino de Ciências para crianças

pequenas não somente é possível

como também deixa claro a

ideia de que tudo aquilo que

ensinamos e aprendemos

é real. Conhecer faz parte

do mundo das crianças

do Infantil 3; descobrir

como faz é parte do

aprendizado dos

educadores.

Andreza Martins de

Souza, Angela Ciupka,

Daniela Fernandes Rosa,

Daniela Jaime Levino e

Lyara Vilches Contensini

são professoras do

Infantil 3. Aline Prates

Stroeh é Orientadora

Pedagógica do Infantil 3.

Page 88: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Desde muito pequenas, as crianças observam, exploram e interagem com o

ambiente em que estão inseridas. Todos os dias, elas se deparam com novos desafios, muitas

novidades e conquistas. Por volta dos quatro anos, as crianças passam a ter maior domínio

motor e também um vocabulário cada vez mais rico, o que faz com que se comuniquem com

mais facilidade e clareza. Como característica marcante dessa fase da vida, as crianças

vivenciam o aflorar da curiosidade, do conhecer, do desvendar e do questionar. Em busca

de ampliar seu repertório e conhecer mais o mundo em que estão inseridas e com o qual

interagem ativamente, elas perguntam, levantam hipóteses e parecem querer decifrar todos

os mistérios do mundo ou, pelo menos, aquilo que lhes parece um mistério.

Visando estimular essa curiosidade natural da criança e auxiliá-la a conhecer o

mundo do qual faz parte, o estudo de Ciências proporciona situações de aprendizagem que

as incentivam a elaborar suposições, a apresentar dúvidas, a observar, a buscar informações

em fontes variadas e a registrar suas conclusões. Dessa forma, estabelecem relações entre

o que já sabem e o que aprenderam com base em pesquisas e, assim, sistematizam seu

conhecimento.

Nessa idade, as crianças ainda são bastante egocêntricas e conhecem o mundo a

partir de suas próprias experiências; dessa maneira, imaginam que todos vivam como elas.

Entrar em contato com uma cultura diferente da sua é importante para que desenvolvam

valores, posturas e atitudes em relação a si mesmas, em relação ao outro e ao ambiente.

Alunos do Infantil 4 se surpreendem com a riqueza da cultura indígena brasileira.

Crianças, índiose um universo comum

173172

Page 89: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

“Um índio descerá de uma estrela” – Como a curiosidade abrange os mais diversos assuntos,

escolhemos um tema que desperta o interesse das crianças, fornece respostas a uma série de

questões que apresentam e proporciona situações nas quais elas também ampliam sua visão

de mundo: culturas indígenas.

Os povos indígenas fazem parte de nossa história, da origem de nosso país, nos

influenciaram em vários aspectos, e sua arte e música são muito próximas do universo infantil.

O Brasil abriga ainda hoje centenas de povos indígenas que guardam semelhanças com

nossa cultura. No entanto, apesar dessas semelhanças, cada etnia tem suas especificidades

culturais. Variam as línguas, as formas de organização social e política, os rituais,

os mitos, as formas de expressão artística, as habitações, as maneiras de se

relacionar com o ambiente em que vivem. Admiti-los como iguais seria um

desrespeito à riqueza cultural dos povos. Assim, cada turma do Infantil 4

conheceu e estudou uma etnia diferente: Munduruku, Xavante,

Kuikuru, Karajá e Guarani.

O estudo durou um semestre. Primeiro, fizemos um levantamento

do que as crianças sabiam e obtivemos respostas mais próximas do

senso comum: “Os índios ficam pelados, isso é muito diferente da gente!;

Os índios usam flechas para matar os animais!; Eles se pintam com tinta, mas os índios não

têm tinta! Então, eles pegam as flores coloridas, colocam na água do rio, depois eles fazem

uma tinta e se pintam!; Os índios falam chinês!; Eles matam os bichos com as flechas pra

comer!; Eles bebem água do rio!”

175174

Page 90: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Desconstruir essas ideias e descobrir

que os índios apenas se organizam socialmente de

forma diferente, mas mantêm vínculos familiares,

trabalham e festejam como todas as pessoas, é o

grande desafio desse trabalho.

Utilizamos mapas para localizarmos as

aldeias dos povos estudados, o que despertou um

grande interesse e também surpresa nas crianças,

pois elas souberam que, em São Paulo, no estado

em que residem, há uma aldeia do povo guarani.

Mostramos fotografias de povos indígenas e alguns

artefatos utilizados por eles, o que mobilizou as

crianças a também trazerem materiais de pesquisa

sobre o assunto.

Já mais familiarizados com o tema,

perguntamos o que gostariam de saber a respeito

das etnias, e elas levantaram questões como: “As

crianças brincam de bola?; Os índios andam de

barco?; A mamãe índia trabalha? E quem cuida

do bebê?; Os índios têm dinheiro?; Eles vão na

escola?; Eles têm brinquedo?; Eles choram?”; essas

perguntam revelam uma busca de identificação, a

partir de suas próprias vivências.

Fomos, então, em busca de respostas

para as perguntas e, para isso, pesquisamos em

diversos livros, muitos deles dedicados ao público

infantil, escritos pelo indígena Daniel Munduruku.

Buscamos informações no site do ISA (Instituto

Socioambiental), que desenvolve pesquisas

criteriosas a respeito dos indígenas brasileiros e

nos fornece dados bastante confiáveis.

176

Page 91: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Abordamos, principalmente, os temas: moradia, alimentação, brincadeira e arte.

Ao estudarem as moradias, as crianças descobriram a riqueza e pluralidade das casas

indígenas, existentes em todo nosso território, e desconstruíram a ideia de que toda casa de

índio se chama oca, como popularmente ouvimos falar. Elas descobriram que nem todas as

aldeias são iguais e que cada uma se organiza de uma maneira distinta. Ao compararem a

moradia indígena com aquela em que vivem, as crianças foram levadas a pensar em que lugar

cada uma está inserida e como isso se relaciona com o material utilizado em cada construção.

Assim, o olhar que estava inicialmente voltado para o índio começou a ampliar-se para o

ambiente em que as crianças vivem.

A partir daí, abordamos o tópico da alimentação entre os índios. Frutas e caças

foram as hipóteses levantadas pelas crianças, embora também tivessem trazido elementos de

sua rotina, como refrigerante e bolacha, por exemplo. Os alunos ficaram muito satisfeitos ao

compararem a alimentação indígena com a delas e descobrirem que ambas se assemelham

em muitos aspectos.

As brincadeiras indígenas despertam interesse especial. Nesse momento, as

crianças fizeram um levantamento das brincadeiras que conhecem e se surpreenderam ao

descobrir que as crianças indígenas têm brincadeiras parecidas com as delas, mas adaptadas

ao seu meio: assim como elas, brincam bastante e experimentam uma série de brincadeiras,

como o revezamento de tora e de chocalho, peteca, cama de gato, tiro ao alvo e brincadeiras

de roda.

A arte, a música e a dança indígenas são muito próximas do universo infantil,

e nossos alunos puderam fazer muitas experiências nesse sentido. Entraram em contato

com materiais naturais, como argila, penas e sementes, produziram artefatos indígenas,

aprenderam canções de várias etnias e dançaram acompanhando os ritmos dos índios.

Também fizeram tintas naturais, conheceram e reproduziram grafismos indígenas.

Para enriquecer ainda mais o estudo, foram visitar o Sítio do Sol, local onde

há uma réplica de uma aldeia indígena. Lá, puderam conhecer representantes de

alguns povos e vivenciar um dia na aldeia, com atividades organizadas pelos próprios

indígenas. Por meio dessas vivências, as crianças foram se apropriando de realidades

e valores importantes, como o respeito à diversidade.

Para finalizar o estudo, montaram uma rica exposição com seus trabalhos, resultado

do que aprenderam.

Ao travarem contato com a cultura indígena, as crianças tiveram oportunidade

de observar, conhecer, estabelecer relações e fazer comparações entre a nossa cultura

e a desses povos; contudo, mais importante do que buscar as diferenças foi reconhecer

as semelhanças, de modo que se estabelecessem a empatia e o respeito pelo diferente.

Paula Vasconcelos, Renata Maltempi, Roberta de Vita, Robervânia Araújo e Thaís Neves são

professoras do Infantil 4. Flávia Duran é orientadora pedagógica do Infantil 4.

Page 92: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Um dos objetivos das aulas de Artes

na Educação Infantil é “construir um olhar” a

partir do “observar”, “sentir”, “expressar”,

“fazer” e “refletir” dos alunos. A criança,

dessa forma, ressignifica seu mundo interno

e externo. E como o mundo é repleto de

significados e cheio de descobertas nessa

fase da infância!

O ensino de Artes investiga o senso

estético, a sensibilidade e a criatividade. A

criança na Educação Infantil se encontra

em fase de pensamento concreto e utiliza

seus sentidos para enriquecer suas

experiências. Nessa etapa, as atividades

artísticas propiciam ricas oportunidades para

o desenvolvimento dos alunos, uma vez que

colocam ao seu alcance os mais diversos

tipos de materiais para manipulação.

Quando as habilidades infantis

são estimuladas, ajudam no processo de

“O ser humano é, por natureza, um ser criativo. No ato de perceber, ele tenta interpretar e, nesse interpretar, já começa a criar. Não existe um momento de compreensão que não seja ao mesmo tempo criação. Isso se traduz na linguagem artística de uma maneira extraordinariamente simples, embora os conteúdos sejam complexos.”

Fayga Ostrower

Infantil 5 constrói esculturas de arame e contas influenciados pela arte de Hermano.

Alunos entram no universodo artista plástico Luiz Hermano e produzem sua própria arte

180

Page 93: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Contas, com suas correntes que formam

rodamoinhos; Artifícios, na qual peças

pretas e brancas listradas provocam ilusão

de movimento; além de Sudário, Lua Cheia,

Trombetas e as demais obras que compõem

a exposição. Em todos esses trabalhos, o

artista utilizou materiais prontos, aliados a

um fazer artesanal.

A cada obra observada, era visível

a admiração por parte de nossos alunos.

Eles discutiam cada pequeno detalhe e não

se privavam de fazer comentários sobre as

obras de que mais gostavam. Além disso,

vibravam ao encontrar no espaço da galeria

algumas das obras estudadas em sala de

aula e discutiam, orgulhosos, cada detalhe

apresentado, como a sequência de cores ou

formas, tamanhos e repetições, sensações

provocadas, pensando sempre em qual seria

a intenção do artista ao produzir cada peça.

Por meio desse trabalho, pudemos

favorecer o aumento e maior qualidade

da observação de nossos alunos e,

consequentemente, ampliar seu repertório

cultural, pois, ao aproximar-se do objeto

estético, a criança comunica-se com

ele, reflete sobre sua opinião com outra

pessoa e com o mundo e estabelece novas

perspectivas.

Hora de produzir, reproduzir – Após

esse mergulho no universo de Luiz Hermano

e em seu “rio de contas”, cada turma, em um

trabalho coletivo, colocou em prática tudo

o que aprendeu com esse estudo: a partir

da imaginação criadora e da expressão de

cada elemento do grupo, a turma produziu,

coletivamente, sua própria escultura, usando

arame, contas e materiais diversos.

O trabalho com essa linguagem

possibilita e provoca o encontro das crianças

com dimensões e representações do mundo,

do espaço e tempo, do movimento, bem

como a experiência sobre o próprio corpo no

espaço. Essa linguagem convida ao brincar,

ao jogo lúdico com o vazio e o cheio, com

o duro e o mole, com o áspero e o liso, com

a mistura de cores e formas, com o ar e

“O que em mim senteestá pensando.”

Fernando Pessoaaprendizagem, pois desenvolvem a percepção

e a imaginação – habilidades indispensáveis

para a compreensão de outras áreas do

conhecimento humano. John Dewey, em sua

obra Arte como experiência, defende que

a subjetividade é inerente à arte e que,

por esse motivo, por meio da técnica e da

mediação de uma linguagem, ela se torna

também objetividade, algo sobre o qual

podemos partilhar sensações e reflexões

efetivas. Expressar uma experiência é

qualificá-la; logo, é também exercer, por meio

dela, a inteligência, no esforço elaborado da

comunicação. A arte, diz Dewey, depende da

“completa interpenetração” entre o sensorial

e o intelectual.

Para que a criança possa fruir

a arte de maneira mais plena, o estudo

da vida e obra de artistas contemporâneos

é imprescindível. Um dos artistas que

escolhemos como foco de estudo em 2010,

no Infantil 5, foi Luiz Hermano.

Nosso Hermano – Nascido no

Ceará, em 1954, Luiz Hermano Façanha

Farias veio morar em São Paulo, quando

foi convidado a realizar uma exposição

de desenhos no Masp, em 1979, e outra

de gravuras, em 1981. Desde então, vem

construindo uma respeitável trajetória no

circuito das artes, com inúmeras exposições

individuais e coletivas nas principais capitais

brasileiras e no exterior. Em 2008, realizou a

exposição Templo do corpo, na Pinacoteca

de São Paulo, quando também lançou seu

livro Luiz Hermano, pela Imprensa Oficial.

Suas obras ainda fazem parte de acervos

e coleções de prestígio – Coleção Gilberto

Chateaubriand, Rio de Janeiro; Biblioteca

Nacional de Paris, França; e, em São Paulo,

Masp, MAM, Pinacoteca do Estado, entre

outras.

Iniciamos o trabalho com a análise

de vídeos da vida e obra do cearense, leitura

de trabalhos desse artista e conversas

com nossos alunos sobre suas percepções

e sensações. Posteriormente, levamos as

crianças a uma exposição de Luiz Hermano

intitulada Rio de Contas, na Galeria Nara

Roesler. Lá, tiveram a oportunidade de ver

bem de perto algumas obras em que – repletas

de contas de formatos e cores diferentes, em

resina, plástico, acrílico e madeira, moldadas

por arame – continentes, rios, caravelas e

luas eram retratados magicamente… Além

da beleza e da arte, puderam perceber

também a matemática presente em cada

obra, pois todo o trabalho de Luiz Hermano

envolve relações e sequências lógicas na

sua elaboração.

Luiz Hermano criou obras com

estrutura de conjuntos, como Continentes e

Caravela, cujo princípio de organização de

alguns volumes configura o todo. Já as outras

se estabelecem pela unidade, como Rio das

183182

Page 94: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

sua apreensão. Convida ainda a estabelecer

relações entre repouso e movimento, entre

espaço e tempo, capturados e expressos na

linguagem da escultura.

Ao realizarem esse trabalho,

nossas crianças vivenciaram todas as

possibilidades que a linguagem da escultura

oferece, e o resultado dessa experimentação

pôde ser apreciado numa bela exposição que

realizamos no início de agosto de 2010.

Ana Christina Nebó, Andréa Assumpção,

Fernanda Campanhã, Monica Conte e Paloma

Jordão são professoras do Infantil 5. Maria de

Remédios F. Cardoso é diretora da Educação

Infantil e coordenadora do Infantil 5.

185

Page 95: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Formar cientistas mirins

não é, definitivamente, um

dos objetivos do ensino de

Ciências Naturais da Móbile.

Mas isso não quer dizer

que, ao longo do Ensino

Fundamental, nossos alunos

não possam ser iniciados

nas ciências.

A ciência é uma forma de

compreender o mundo,

de explicar a natureza.

Ciências são óculos que,

uma vez colocados por

sobre os olhos, possibilitam

enxergar o mundo de outro

modo. Naturalmente, há

outros óculos, além dos

científicos, que podem

também nos mostrar tudo à

nossa volta, mas é por meio

dos “óculos da ciência”

que os fenômenos naturais,

como os trovões, por

exemplo, ganham dimensão

mais complexa. A ciência

entende o mundo buscando

explicações passíveis de

testes e validações e, por

isso, confiáveis.

A maneira particular

pela qual a ciência se

faz, com o método de

produção e validação do

conhecimento científico,

permite agrupar disciplinas

tão diferentes, como

Química, Biologia, Física

e Geologia em um único

grande grupo denominado

Ciências Naturais. Uma das

características centrais da

produção do conhecimento

científico é a investigação,

que deve ser considerada

como conteúdo estruturante

na formação fundamental

dos alunos.

Assim, além de conhecer

uma série de conceitos,

os estudantes também

precisam entrar em

contato com determinado

procedimento investigativo

para, então, compreender

uma atividade que ocupa

grande parte do tempo dos

cientistas.

Iniciar-se nas ciências – O trabalho de Iniciação Científica

do 8º ano do Ensino Fundamental estruturou-se nas bases

apresentadas anteriormente e permitiu uma experiência

investigativa bastante importante para nossos alunos.

A ideia foi proporcionar uma sistemática de trabalho similar

ao cotidiano dos cientistas, considerando o contexto escolar,

de forma que os estudantes vivenciassem diferentes etapas

do ato de investigar.

Tudo se iniciou com a definição dos grupos de trabalho e a

proposição de um desafio único para a série: realizar uma

pesquisa sobre saúde e alimentação na adolescência que

contemplasse, no mínimo, uma amostra de 100 pessoas.

Num primeiro momento, o tamanho dessa amostra pareceu

assustador ou impossível para os alunos, todavia percebeu-

se que, na verdade, isso se constituiu num dos fatores de

motivação para a realização do trabalho.

A partir de um grande tema vinculado à vivência dos alunos

(saúde e alimentação), oito subtemas foram escolhidos

e distribuídos entre as classes: “Consumo de fast food”;

“Alimentação e mídia”; “Consumo de doces”, “Uso da

cantina”; “Prática de atividades físicas”; “Alimentação

diária”; “Cuidados básicos com a saúde”; “Alimentação no

recreio”.

Partindo dos subtemas, cada quarteto de alunos elaborou

duas grandes “perguntas de investigação” (perguntas

científicas). Essas questões seriam respondidas apenas

na etapa final do trabalho, após uma coleta de dados

que contemplasse entrevistas com os adolescentes da

escola e pesquisa bibliográfica. Para cada “pergunta de

Alunos do 8º ano do Ensino Fundamental aventuram-se em pesquisa científica.

A investigação científicano Ensino Fundamental

187

Page 96: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

investigação”, o grupo ainda elaborou uma metodologia

adequada à sua resolução, e todas essas informações foram

reunidas num produto intermediário denominado “Projeto

de Pesquisa”.

A etapa seguinte do trabalho envolveu orientação, o que se deu nas correções comentadas

de cada projeto de pesquisa e nas conversas entre os professores e os grupos de trabalho.

A orientação, com base na correção dos projetos de pesquisa, permitiu ajustes na

metodologia de cada “pergunta de investigação” e, assim, os grupos estavam preparados

para iniciar a coleta de dados. Cada classe do 8º ano ficou responsável por analisar uma

série que compõe o Ensino Fundamental II (6º ao 9º ano).

Para tabular e analisar estatisticamente os dados coletados, inicialmente os alunos

participaram de duas oficinas para tratamento de dados fictícios, utilizando-se do programa

Excel. Durante as aulas destinadas à análise das informações, os grupos de trabalho

puderam discutir e decidir, com maior embasamento, as melhores estratégias gráficas para

representar seus objetos de estudo. Todo o trabalho de investigação foi finalizado na forma

de um “relatório científico”, gênero textual trabalhado, em Língua Portuguesa, ao longo

de todo o 8º ano, que permitiu, de uma maneira objetiva, o registro escrito da descrição

da metodologia adotada, dos resultados obtidos e das conclusões elaboradas, assim como

a replicação do estudo por outros pesquisadores – característica fundamental no processo

de validação do conhecimento científico.

O que leva os adolescentes à pratica de atividades físicas?

número de adolescentes

obrigação

58

diversão

22

outros

3

70

60

50

40

30

20

10

0

Page 97: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

A Iniciação Científica do 8º ano proporcionou o aprofundamento de conteúdos específicos

estudados nas disciplinas de Ciências Naturais e Matemática e, acima de tudo, fez com

que nossos alunos pensassem cientificamente sobre um tema. Além disso, o mote que

sustentou todas as pesquisas possibilitou discussões e reflexões sobre comportamentos

e hábitos pessoais e de grupo, atitudes preciosas para a manutenção do bem-estar

individual e coletivo.

Para que o aprendizado de Ciências ocorra, não basta construir um acesso aos conceitos

e fenômenos, é também necessário formar o aluno para que ele possa se expressar e pensar

cientificamente. É nesse sentido que o trabalho de Iniciação Científica do 8º ano se justifica

e passa a ser fundamental.

João Carlos Micheletti Neto é professor de Ciências e Silmara Parra é professora

de Matemática, ambos do Ensino Fundamental II.

Palavra: unidade da língua formada por um ou mais fonemas, matéria-prima

do poeta, pedra valiosa em estado bruto. O ofício daquele que exerce a arte

de dizer muito em poucas palavras não é fácil, mas uma prática engenhosa,

de muita pesquisa e reflexão. Ele faz com que seres inanimados tornem-se

animados, transpõe o sentido objetivo de um termo a outro, figurado; cria

musicalidade combinando sons, une, enfim, todos esses elementos para

formar um poema que, como uma janela aberta, evoca realidades por vezes

inimagináveis, reveladas somente àquele que “penetra surdamente no reino

das palavras”, como disse Drummond.

Valorizar o texto poético como uma forma artística de expressão escrita é o

que faz a disciplina de Língua Portuguesa na Móbile. Como é possível ensinar

tal gênero de tamanha complexidade a crianças de apenas sete anos? Quem

responde a isso é o poeta José Paulo Paes em sua obra Poemas para Brincar,

adotada pelo 2º ano.

Alunos do

2º ano do Ensino

Fundamental

estudam poemas,

enquanto

brincam com

as palavras

A poesia está nas palavras

Page 98: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Convite

Poesia é brincar com palavras como se brinca com bola, papagaio, pião.

Só que bola, papagaio,pião de tanto brincar se gastam.

As palavras não: quanto mais se brinca com elas mais novas ficam.

Como a água do rio que é água sempre nova.

Como cada dia que é sempre um novo dia.

Vamos brincar de poesia?

O envolvimento com esse gênero literário foi

estimulado nos alunos pelo prazer de recitar

os poemas em voz alta – guiando-se pela

musicalidade dos versos –, pelos jogos de

memória (troca-letra, adivinha-onomatopeia),

entre outras possibilidades relacionadas ao

rico universo da poesia.

Ao receberem o segundo livro de poemas, Rimas animais,

de César Obeid, os alunos já estavam familiarizados com a

organização gráfica do texto formado por versos e estrofes,

bem como já sabiam reconhecê-lo devido ao ritmo

característico do gênero. Contudo, as criações de Obeid

reforçaram o caráter oral da poesia por tratar-se de uma

literatura de cordel, profundamente ligada à cantoria

dos repentistas que usam a viola para embalar seus

versos improvisados. Os poemas escritos em forma

rimada e metrificados em sextilhas, setilhas, oitavas

e décimas apresentavam alguns animais, suas

características, seu modo de vida e curiosidades

acerca deles. Além disso, o escritor registrou em

seu livro palavras ligadas ao universo da ciência

para que o leitor tivesse mais informações

sobre o tema.

Após lerem os poemas em voz alta nas

rodas de leitura e se divertirem com as

descobertas sobre os animais, os alunos,

que há pouco haviam passado pelo

processo de alfabetização, elaboraram,

em duplas, os seus “ensaios” na arte

de fazer poesia. As produções sobre

os animais surpreenderam pela

diversidade de imagens criadas.

Também não faltou criatividade

para fazer as ilustrações utilizando

a técnica da colagem, a partir

da referência de Andréia Vieira,

ilustradora do livro Rimas

animais.

193192

Page 99: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

195194

Clar

a Sa

mpa

io L

aran

jeira

e C

amila

Roz

enbl

it Ti

fere

s.

Page 100: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

197196

Art

hur Z

anin

i de

Salle

s A

guia

r e L

uana

Kita

gaw

a Cu

nha

Soar

es.

Page 101: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

199

Julia

na N

akan

o M

yaza

ka e

Mar

iana

Mar

ques

Alv

es B

ocuz

zi.

Page 102: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

201

Am

anda

Lea

l Net

to C

ampo

s e

Gis

ele

da C

osta

Dub

ois.

Page 103: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Visita poética – A última palavra do projeto

ficou com o poeta César Obeid. Em um

animado encontro com os alunos da Móbile,

ele mostrou que a poesia está no dia a

dia. Rimando, brincou com as palavras, ao

cantar repentes a partir dos nomes das

crianças, e criou histórias usando barbantes.

Ao final da reunião, César foi presenteado

com os ensaios poéticos feitos pelos alunos.

Os olhos vibrantes, as risadas escancaradas,

os ouvidos atentos foram traços de uma

experiência única entre o poeta, a palavra

e o leitor.

Sem mais palavras.

Márcia Ruiz é assessora de Português

do 2º ano e trabalhou em conjunto com a

coordenadora Lucelena M. de Souza Lee

e com os professores do 2º ano Bárbara A.

Pozas, Débora M. zardi, Priscila M. Ribeiro,

Rodrigo L. de Castro e Talita D. Fagundes.

202

Page 104: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Quem nunca ouviu histórias sobre as estripulias do Saci-Pererê

e sobre a maldição da Mula-sem-Cabeça? Quem nunca sentiu

medo do Lobisomem, aquele ser estranho, metade homem e

metade lobo? Quem nunca se encantou com o Boitatá e com

seu corpo flamejante? Esses e outros seres fantásticos que

povoaram o imaginário infantil brasileiro durante décadas são

reavivados nas aulas de Português do 3º ano.

Com o objetivo de ampliar o universo cultural de nossos alunos

e de aprofundar o contato com histórias da tradição oral, que

constituem a identidade de um povo, trabalhamos com as

narrativas mitológicas, gênero que procura explicar a existência

do mundo e seus mistérios.

Inspirados pelas histórias e pelas ilustrações de Marcelo

Xavier, organizadas no livro Mitos (Editora Formato), os alunos

se encantaram pelo universo mítico e rechearam suas mentes

de histórias protagonizadas por seres fantásticos, repletos de

poderes e transformações. O encantamento se estendeu para

o campo de outras sensações ao experimentarem os sons

produzidos por esses seres enigmáticos cercados pela natureza

e seus mistérios.

3º ano do Ensino Fundamental trabalha com universo imaginário nacional.

Entes mágicose histórias fantásticas

204

Page 105: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Mestre André – Embalados por Mestre André, um contador de histórias típico do interior

brasileiro, as crianças percorreram diferentes cenários e conheceram diversas narrativas

fantásticas de nosso folclore. As ações das personagens e as características físicas e

psicológicas de seres singulares e fascinantes foram exploradas nas discussões em sala e

nas rodas de leitura promovidas pelas professoras.

Do primeiro contato com o livro, passando pelas sessões de “contação de histórias”, os alunos

vivenciaram a experiência de explorar o exercício de autoria e utilizaram os conhecimentos

adquiridos no decorrer do trabalho, além da intuição, para criar as características de seus

próprios seres.

O exercício de inventar, de dar existência ao que não existe,

coaduna-se, portanto, no processo de produção, com capacidades

artísticas e intelectuais que o aluno, no decorrer das situações de

aprendizagem, tem a oportunidade de desenvolver e aprimorar.

Ana Lúcia Ribeiro de Almeida é orientadora do 3º ano do Ensino

Fundamental. Adriana Caravieri Rosa, Aluani Tordin de Oliveira,

Fábia de Cássia B. dos Santos, Lara Portes Oliva e Marina Callil

Voos são professoras do 3º ano do Ensino Fundamental.

207206

Page 106: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Há muito tempo, aprender uma língua estrangeira deixou de

ser o simples estudo de códigos e treino de habilidades específicas.

Atualmente, passou a incorporar em seu processo de ensino contextos

sociais que permeiam o uso do idioma e a herança cultural que faz da

língua um objeto de estudo vivo e dinâmico.

O ensino da literatura busca retratar e recriar as questões

humanas universais, numa linguagem esteticamente trabalhada e

transgressora que possibilita ao aluno, entre outras coisas, descobrir-se

e reconhecer-se. Por essa razão, o uso de recursos literários no ensino

de línguas estrangeiras (em nosso caso, mais especificamente da língua

inglesa) vem ganhando espaço na sala de aula, pois eles aproximam

os alunos das múltiplas faces da linguagem, colocando-os em contato

com diferentes aspectos de uma língua. Os textos literários são, por

natureza, um recurso vasto e muito rico que abarca uma diversidade

de manifestações culturais, sociais e histórias específicas de uma

sociedade. Quando inseridos no processo educacional, possibilitam

que o aluno desenvolva uma leitura crítica e transfira para a sua

realidade, eventualmente, os valores veiculados nas obras. Dessa

forma, é possível desenvolver uma consciência crítica que permitirá ao

educando avaliar, julgar e ler o seu próprio mundo, tornando-se assim

um sujeito pensante, questionador e reflexivo, com espírito crítico e

ativo em aspectos sociais, políticos ou emocionais.

A inserção de literatura nas aulas de língua inglesa propicia

contato com materiais autênticos, observação da linguagem em diversos

contextos de comunicação e expansão do conhecimento sobre a

língua estrangeira aprendida. Por meio da literatura, possibilitam-se

discussões, troca de experiências e opiniões. Ao examinar os valores

contidos nos textos literários, leitores estabelecem conexões com o

mundo fora da sala de aula e ampliam seus universos culturais.

Nas aulas de Inglês do Ensino Fundamental II e do Médio da

Móbile, propomos a integração dos três modelos teóricos propostos por

Carter e Long. Esse trabalho se inicia com a escolha da obra a ser lida,

Os autores Carter e Long (1991) desenvolveram três modelos

de abordagens para a inserção da literatura nas aulas de línguas

estrangeiras. No modelo cultural, a literatura é vista como fonte de

informação, pois ela é capaz de aproximar o leitor de diferentes culturas

e ideologias contidas nas obras literárias. Esse modelo parte do estudo

de aspectos biográficos, sócio-históricos e culturais presentes nos

textos literários. No modelo de linguagem, a literatura é abordada como

instrumento de aprendizagem da língua estrangeira. É a partir desse

modelo que acontece a aquisição de vocabulário e novas estruturas

linguísticas que se fazem presentes no texto literário. Já o modelo de

crescimento pessoal propicia a apreciação da literatura como forma de

compreensão de nossa sociedade e cultura. Esse modelo permite que o

leitor se aproprie do texto literário e estabeleça conexões entre a obra

e o seu próprio mundo.

Lite

ratu

re a

dds

to r

ealit

y, it

doe

s no

t si

mpl

y de

scri

be it

.

It en

rich

es t

he n

eces

sary

com

pete

ncie

s th

at d

aily

life

req

uire

s

and

prov

ides

; and

in t

his

resp

ect,

it ir

riga

tes

the

dese

rts

that

our

lives

hav

e al

read

y be

com

e.

C.S.

Lew

is

“Lite

ratu

re a

lway

s an

ticip

ates

life

. It

does

not

cop

y it,

but

mou

lds

it to

its

purp

ose.

Osc

ar W

ilde

Além da história:a ampliação do universo cultural nas aulasde Inglês por meioda literatura

Por q

ue u

sar t

exto

s lit

erár

ios

nas

aula

s de

líng

ua e

stra

ngei

ra?

209208

Page 107: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

que é feita levando-se em conta o nível linguístico e de maturidade dos alunos. Os clássicos

da literatura de língua inglesa sempre encabeçam nossas opções, pois colocam os alunos em

contato com um tipo de narrativa ficcional distante de seus universos, fazendo da leitura algo

motivador e desafiador.

Depois de feita a escolha, começamos a abordar o primeiro dos três modelos

mencionados (modelo cultural), que acontece mesmo antes da leitura da obra literária.

Nessa etapa do trabalho, os alunos entram em contato, por meio de uma palestra em língua

inglesa, com o contexto histórico da obra para que possam estabelecer eventuais relações

com a contemporaneidade, além de promover uma reflexão sobre as marcas expressivas

de determinada geração. É nesse momento, também, que a biografia do autor é apresentada

aos alunos.

Page 108: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Uma vez que o conhecimento acerca do contexto de produção da obra esteja

garantido, os alunos começam a sua aventura para desvendar a obra sugerida, entrando no

segundo modelo, o da linguagem. Um dos objetivos, nesse momento, é colocar os aprendizes

em contato com o uso da linguagem em suas diversas formas para que possam construir

discursos bem elaborados estando em contato com elementos linguísticos que visam à

expressão de sentimentos e ideias de maneira clara e coesa. Além disso, o contato com uma

modalidade privilegiada de comunicação possibilita a instauração do diálogo entre textos e

leitores de todas as épocas, visando à compreensão do indivíduo em relação aos valores de

determinados contextos sociais.

Alguns teóricos defendem que a literatura possibilita o desenvolvimento de

habilidades de leituras de épocas e da cultura de um país. Permite também o aprimoramento

da capacidade expressiva, artística e interpretativa, promovendo o diálogo entre textos de

diferentes épocas e autores.

“By knowing how Edgar Allan Poe suffered in life and all he went through, it´s

easier to understand why he writes about death and pain. It made it easier to

understand the tales.”

(Thais Branco, 9º ano)

“I understand the reason of sadness in Poe´s stories. So the stories made

more sense to me, they weren´t just stories made to scare people, they were

important for Poe because they helped him go through his hard life.”

(Mariana Stefani, 9º ano)

“The information about the author made me understand the story better

because when I understand John Steinbeck´s life, I understand his opinions

and consequently the book.”

(Cristiana Pietracola, 9º ano)

“The information about the author helped me read the book and understand

how Lewis Carol’s characters were created.”

(Henrique Caldas Oliveira, 8º ano)

“With information about the author I could understand why he wrote those

stories; I could understand his style of writing.”

(Gabriela Vianna, 9º ano)

“I could understand how the characters had been created. The characteristics

of the characters were similar to people that Lewis Caroll used to know.

(Daniela Machado, 8º ano)

Momentos de Reflexão

Momentos de Reflexão

213

Page 109: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

“I could learn the influence of Victorian era in the story.”

(Stephanie Haspo, 8º ano)

“Now I know how Charles Dickens lived and how the social condition influenced

the book.”

(Mariana Araújo, 8º ano)

“I could deeply see the characteristics of the characters and besides that I

could understand the situation of England at that time.”

(Daniela Taouil, 8º ano)

“It contributed to my understanding of who the characters were based on.”

(Henrique Ferreira, 8º ano)

“By knowing the style and the birth place of Lewis Caroll, I could understand

things related to the habits of his country”

(Thais Bianchini, 8º ano)

“You can see that many acts from the book are a kind of mirror to Poe´s

life. Throughout his life, he had a lot of deaths and in his stories we can see

that too.”

(Isabela de Angelis, 9º ano)

“The context of the story was the context of Steinbeck´s life.”

(Luiza Bucker, 9º ano)

How did the information about the author and his piece of writing contribute to your reading of the book?

Momentos de Reflexão

É sabido que o ensino da literatura contribui efetivamente para o desenvolvimento

da capacidade leitora, indispensável ao exercício da cidadania. O mergulho numa boa obra

literária permite a ampliação das habilidades básicas de análise e interpretação de textos

(levantamento de hipóteses interpretativas, considerando os recursos, tanto estilísticos

quanto semânticos e expressivos).

Apropriar-se do texto literário para estabelecer conexões entre a obra e o seu

próprio mundo é um dos objetivos do trabalho desenvolvido com literatura nas aulas de

Inglês.

Como fechamento para a análise literária, foi proposta aos alunos de 8º e 9º ano

uma reflexão sobre a importância da contextualização da vida do autor, do seu estilo e dos

aspectos sócio-históricos que permearam o momento de produção da obra literária. Algumas

das citações produzidas, a visão sobre como cada aluno percebeu a leitura proposta e os

ganhos obtidos são ilustrados a seguir:

Wha

t is

won

derf

ul a

bout

grea

t lit

erat

ure

is t

hat

it tr

ansf

orm

s th

e m

an

who

rea

ds it

tow

ards

the

cond

ition

of

the

man

who

wro

te.

E. M

. For

ster

Lite

ratu

raco

mo

form

ade

com

pree

nsão

de n

ossa

soc

ieda

de

e cu

ltura

: o o

lhar

do

s al

unos

215

Page 110: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

“I could understand the mind of the writer better, and his thoughts when he

wrote those tales. That helped me understand the characters’ minds too.”

(André Salem, 9º ano)

They motivated me to read the book because I became curious.

(Andrea Moutinho, 9º ano)

“I´ve tried to read the book as if I were Lewis Caroll.”(Renata Batista, 8º ano)

Esse projeto possibilitou aos alunos fazer leituras mais complexas, contextualizadas

e significativas, além de ampliar seu repertório linguístico e cultural e estabelecer relações

entre a leitura e seus próprios mundos.

Conheça mais

• CARTER, R. & Long, M. (1991). Teaching Literature. Longman

• SAVVIDOU, C. An Integrated Approach to Teaching Literature in the EFL Classroom

http://iteslj.org/Techniques/Savvidou-Literature.html

Links - Literatura em língua inglesa

• http://www.online-literature.com/

• http://classiclit.about.com/od/bycountry/By_Country_Language_Find_Writers_From

_Around_the_World.htm

• http://www.classicliterature.net/

• http://www.bartleby.com/cambridge/

• http://www.classic-literature.co.uk/classic-literature.asp

Cláudia Colla de Amorim é coordenadora geral de Inglês da Móbile;

Paulo Rogério Rodrigues é professor de Inglês do Ensino Fundamental II

e coordenador do curso opcional Inglês Móbile.Livros lidos pelos alunos dos 8os e 9os anosno 1º semestre de 2011:

• Christmas Carol (Charles Dickens)

• Through the Looking-Glass (Lewis Carroll)

• The Pearl (John Steinbeck)

• Tales of Mystery (Edgar Allan Poe)

217216

Page 111: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Prática outrora restrita

às boas universidades,

passou a compor o quadro

de projetos realizados

pelos alunos do Colégio

Móbile desde 2008. Trata-

se do projeto de Iniciação

Científica.

Os alunos do Ensino Médio

que participam do projeto

de Iniciação Científica

pesquisam temas de seu

interesse e de reconhecido

valor cultural sob a

orientação dos professores.

Eles iniciam suas pesquisas

quando cursam o 2º ano

do Ensino Médio e, depois

de um ano, apresentam os

resultados em formato de

componentes virtuais que

podem vir a ser socializados

a outras pessoas

interessadas nos temas,

sejam elas da comunidade

Móbile ou não.

A primeira turma do projeto

(2008/2009) produziu

um conjunto de Objetos

Virtuais de Aprendizagem

sobre temas relacionados

às Ciências Exatas e

desenvolveu blogs sobre

importantes temas das

Humanas.

Jogos virtuais

Os alunos que fizeram parte da segunda turma do projeto de Iniciação Científica (2009/2010)

produziram Jogos Virtuais sobre temas relacionados a várias áreas do conhecimento.

A seguir, descrevemos os trabalhos realizados pelos alunos em Ciências e em Humanas:Alunos do Ensino Médio apresentam seus trabalhos de Iniciação Científica.

Trens, casas sustentáveis, anarquismo, cinemae muito mais

219218

Page 112: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Nas Ciências...

O aluno João Frederico Paredes, interessado em aspectos de Química, resolveu aplicá-

los na produção de um jogo envolvendo mistério na solução das causas de um acidente

automobilístico. Para tanto, o usuário precisa colocar-se no papel de um perito criminal

que utiliza procedimentos clássicos de Química Forense. Aliás, Química Forense é o título

que João Frederico deu a seu jogo.

A aluna Natália Mello tinha por interesse cursar Engenharia Civil, como de fato o faz hoje.

Não foi à toa, portanto, que se dedicou a pesquisar a respeito das características de

construções residenciais que pudessem ser classificadas como “sustentáveis”. O resultado

de sua pesquisa gerou uma simulação interativa, intitulada Construções Sustentáveis,

na qual o usuário projeta uma casa e, para tanto, deve escolher uma região do país,

materiais e equipamentos adequados. Dependendo das escolhas que realiza, sua obra

recebe uma classificação que pode ou não ser próxima, de fato, de uma construção

sustentável.

Trens de todos os tipos, desde as mais simples locomotivas a vapor até os modernos trens

magnéticos, sempre foram tema de interesse do aluno Jorge Luiz Moreira Silva. Quando

surgiu a oportunidade de estudá-los a fundo, Jorge a agarrou e realizou uma pesquisa

de alta qualidade que resultou em um complexo jogo sobre o tema. Nesse jogo, intitulado

Trens, para sair-se bem, um jogador precisa aprender um pouco do que Jorge estudou por

meio de interações sucessivas com as rotinas que ele mesmo programou.

O interesse pela Biologia fez com que o aluno Henrique Rubira resolvesse pesquisar

as condições que permitiram o surgimento da vida na Terra. Ao final de sua pesquisa,

Henrique havia produzido uma interessante simulação, A origem da vida, em que o usuário

escolhe determinadas características e, em função dessas escolhas, a vida surge e

se perpetua ou, em caso contrário, definha e desaparece. Como se vê, não foi pouco o

conhecimento de Biologia necessário para que Henrique produzisse algo tão complexo.

Música sempre é algo que atrai qualquer jovem, mas alguns deles, além de cantar e tocar

algum instrumento, preferem estudar os princípios científicos que norteiam os fenômenos

sonoros. Esse foi o caso do aluno Raphael Vianna, que pesquisou, concebeu e programou

um jogo intitulado Matemática e a música do violão. Convidamos a quem desejar conhecer

as regras de proporcionalidade envolvidas na construção da escala musical a interagir com

o jogo que Raphael produziu.

Page 113: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Nas Humanas...

Na área de Humanidades, os projetos versaram sobre temas relacionados à História e suas

fronteiras com outros espaços de produção de conhecimento. Os três alunos pesquisadores

a seguir aproveitaram a oportunidade oferecida pela Iniciação Científica para ampliar seus

conhecimentos sobre temas de seu interesse que envolvessem História, Arte e Política.

Pedro Loureiro Porto iniciou sua participação no projeto interessado em conhecer mais

a fundo os processos de relação entre o surgimento de um movimento literário e o momento

histórico no qual ele aconteceu. Partiu das profundas alterações sociais e econômicas

provocadas pela Revolução Industrial na Inglaterra no século XVIII para entender como

as manifestações literárias tinham reagido a essas transformações. Encontrou não apenas

uma, mas duas vertentes importantes que foram geradas pelo contexto histórico

da industrialização: a literatura policial e o Romantismo. De modo a restringir sua pesquisa

e estabelecer relações mais precisas, focou seus estudos em um representante

de cada movimento. O poeta Lord Byron (1788-1824) foi escolhido como representante

do Romantismo, enquanto o escritor Edgar Allan Poe (1809-1849) teve esse papel na literatura

policial. Seu jogo apresenta a cidade de Londres nas diversas fases da Revolução Industrial.

O jogador, que inicia o jogo como um camponês que procura trabalho na cidade, recebe

uma série de missões a serem cumpridas para auxiliar no desenvolvimento do processo

da industrialização e compreender as transformações que esse processo provocou

na sociedade inglesa. Para poder cumpri-las, é auxiliado pelos dois escritores, entrando

em contato com suas produções literárias.

O cinema sempre foi a grande paixão de Ana Carolina Balam Sebe. Ela escolheu estudar

a relação de um filme com o momento histórico em que foi produzido. Mais do que isso:

queria compreender o impacto que um filme pode ter na sociedade, assim como o retrato

que uma obra cinematográfica pode fazer da sociedade na qual foi criada. Para isso, Ana

escolheu como foco de sua pesquisa a sociedade norte-americana e sua produção. A partir

de diversas listas feitas por críticos de cinema reconhecidos, elegeu obras representativas

das décadas de 1970, 1980 e 1990, assim como momentos históricos emblemáticos de cada

uma dessas décadas. O jogador transita, então, pelos diferentes momentos históricos

e é levado a participar de cenas icônicas dos filmes escolhidos para cumprir uma missão

que envolve uma máquina do tempo, testes e o resgate de um cientista maluco.

O interesse de Caroline Cury sempre foi voltado para a política. Quando teve aulas sobre

anarquismo no 2º ano do Ensino Médio, ficou fascinada pelas propostas dos teóricos

anarquistas e sua atuação ao longo do século XIX. Porém, tinha dificuldade em imaginar

como seria possível – se é que seria – o desenvolvimento de uma sociedade naqueles

moldes, por isso escolheu esse tema para tratar ao longo de sua Iniciação Científica.

Focou seus estudos em dois teóricos, o russo Mikhail Bakunin (1814-1876) e o francês Pierre

Joseph Proudhon (1806-1865), para criar um jogo que simula uma sociedade anarquista após

o processo revolucionário, orientada pelas ideias desses dois pensadores. O jogo revelou-se

uma ferramenta didática extremamente interessante e funcional: os alunos do 2º ano de 2011

iniciaram seus estudos sobre anarquismo a partir dele. Puderam, assim, compreender

as teorias de Proudhon e Bakunin de forma lúdica, exercitando os limites da imaginação

e da construção de hipóteses.

Conheça esses trabalhos acessando http://www.escolamobile.com.br/?page_id=1885

Page 114: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Novas turmas: novos desafios

No segundo semestre de 2010, uma nova turma de alunos ingressou no projeto de Iniciação

Científica do Colégio Móbile. De 2008 – quando o projeto foi iniciado – até o final do ano

passado, dobrou o número de interessados em pesquisar e construir conhecimento

sobre temas que tangenciam os conteúdos curriculares, mas que não são tratados

especificamente durante as aulas. Para a turma que concluiu seus trabalhos em 2011,

o desafio foi a transformação de suas complexas pesquisas em vídeo-aulas dinâmicas

e acessíveis ao público. Os trabalhos resultantes dessas pesquisas poderão ser conhecidos

por você na próxima edição da Revista da Móbile.

Walter Spinelli é professor de Matemática do Ensino Médio (e coordenador geral do

projeto de Iniciação Científica) e Teresa Chaves é professora de História do Ensino Médio

(e coordenadora dos projetos de Humanidades).

Projeto interdisciplinar em Ciências da Natureza aproxima ciência e fotografia

no I Concurso Fotográfico da Móbile.

A ciência vista com arte

Page 115: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

A fotografia constitui, como se sabe, uma

linguagem extensamente utilizada no fazer

e no comunicar científicos: imagens de

satélite, imagens de microscopia, imagens

de fenômenos físicos e químicos, imagens

de seres vivos e ambientes naturais e tantas

outras permeiam o cotidiano da produção

do conhecimento científico e de sua

aprendizagem.

Com a realização do concurso fotográfico,

a Móbile reafirmou seu compromisso de

também formar cidadãos capazes de utilizar

diferentes linguagens para interpretar

conceitos científicos e comunicar suas ideias

tendo, ao mesmo tempo, prazer na criação

artística e no aprendizado dos conteúdos.

Espaço virtual – A comissão organizadora

do concurso fotográfico reuniu informações

sobre o trabalho numa ferramenta

complementar, o blog http://olharesdaciencia.

wordpress.com. Estimulando a interatividade

e a pesquisa em ambiente virtual, o blog serviu

de suporte para o concurso ao apresentar

o regulamento, disponibilizar um espaço

para que os alunos sanassem suas dúvidas,

divulgar as datas das oficinas fotográficas,

além de hospedar o link para a ficha de

inscrição. Mais que isso, o blog funcionou

como um espaço virtual de aprendizado

ao propiciar referências aos estudantes,

apresentando imagens científicas diversas,

muitas delas participantes de concursos

fotográficos de prestígio internacional,

No início de 2010, os alunos do Ensino

Fundamental II e do Médio foram instigados

a criar ângulos para retratar a ciência que

vêm conhecendo em sala de aula. De acordo

com a série em que se encontravam, alguns

temas científicos foram propostos e os alunos

puderam, então, representá-los por meio de

fotografias que foram inscritas no I Concurso

Fotográfico da Móbile – Olhares da Ciência.

A resposta foi surpreendente e gratificante:

mais de 200 fotos inscritas. A comissão

organizadora do evento selecionou cerca

de 60 obras finalistas, de acordo com os

critérios estabelecidos no regulamento

do concurso. Em seguida, dois fotógrafos

profissionais, Édson Grandisoli e Deco Cury,

analisaram essas imagens e selecionaram os

vencedores de cada série.

Arte e Ciência – O concurso fotográfico

surgiu tendo como base as experiências

bem-sucedidas do projeto de exposição

de fotografias científicas realizado pelos

professores Carlos Eduardo Godoy e João

Carlos Micheletti Neto (Ensino Fundamental) a

partir de seus acervos pessoais. Inicialmente,

as exposições pretendiam aproximar os

alunos das fotografias de elementos da

natureza, apresentando imagens de grande

beleza e possíveis de serem feitas com

máquinas digitais simples.

Com o retorno positivo de alunos de

diferentes idades sobre as exposições Mundo

Vegetal e Mundo Animal, os professores

e coordenadores de Ciências do Ensino

Fundamental e Médio imaginaram um evento

que envolvesse do 6º ano (EF II) ao 3º ano (EM)

de forma a estimular o registro fotográfico

dos conteúdos científicos trabalhados.

No contexto da aprendizagem científica,

essa relação entre arte e ciência facilita a

sistematização de conteúdos científicos e o

exercício do uso de uma linguagem específica

possibilita a expressão dos conhecimentos

sobre esses conteúdos.

Page 116: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

além de fornecer “dicas” fotográficas

e informações científicas. No período do

concurso fotográfico, foram disponibilizadas

mais de 70 postagens divididas em 4

categorias (“Ciência e Arte”, “Concursos de

Fotografias Científicas”, “Dicas Fotográficas”

e “Galerias de Imagens”).

Oficinas fotográficas – Cerca de 150 alunos

participaram de oficinas que ofereceram

a eles a possibilidade de conhecer alguns

dos recursos fundamentais da linguagem

fotográfica, como enquadramento, iluminação

e movimento. As oficinas fotográficas foram

divididas em duas sessões. A primeira parte

versou sobre esses fundamentos básicos da

linguagem fotográfica. Na segunda parte,

de cunho prático, os alunos estiveram

divididos em grupos que se revezaram em

três estações de trabalho: fotografia still,

fotografia de paisagem e fotografia macro.

As estações de trabalho fotográfico foram

estruturadas para que os alunos colocassem

a “mão na massa”, ou melhor, nas câmeras!

Explorando os tipos de enquadramento

mais simples, a preparação de cenários,

de iluminação e fixação da câmera, os

adolescentes puderam praticar e elaborar

as primeiras imagens de conteúdos das

diferentes ciências da natureza. A partir

desses momentos de prática, muitos alunos

conseguiram transferir as sugestões técnicas

oferecidas para outras situações, fato que

ficou comprovado com a inscrição de muitas

fotografias, produzidas em datas posteriores

às oficinas.

álbum de fotos – As fotos submetidas ao

concurso foram exibidas em uma exposição

no átrio da entrada da Diogo Jácome, a qual

foi prestigiada por pais e alunos na segunda

quinzena de novembro de 2010. Essas fotos

estão, agora, organizadas em um álbum de

fotos na Biblioteca da Móbile e disponíveis

para apreciação de todos.

Os trabalhos vencedores e suas respectivas

descrições elaboradas pelos alunos-

fotógrafos podem ser contempladas aqui.

Na foto é possível observar a presença de um raio entre os dois polos do aparelho. O aquecimento deste se dá pela rotação de uma manivela que faz com que as esferas fiquem carregadas eletricamente; quando o campo elétrico entre elas vence a rigidez dielétrica do ar, ele se torna um meio condutor e ocorre a formação do raio.

Para obter a luz desejada, foi utilizado um anteparo preto. Para obter o momento exato da foto, foi utilizado o modo da câmera que tira foto-sequências enquanto o disparador está pressionado.

1º lugar – 3º ano – Ensino Médio

Fotógrafo: Leonardo Gandur Giovanelli

Título da fotografia: Raios em dias sem chuva

Tema: Eletricidade

Page 117: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

A flor retratada é uma típica angiosperma monocotiledônea, com 3 pétalas, 3 sépalas, anteras, filete e um estigma.

A fotografia foi produzida durante uma caminhada ao Parque do Ibirapuera, em um dia de sol, com uma câmera com 10.1 megapixels.

2º lugar – 3º ano – Ensino Médio

Fotógrafa: Giuliana Uchôa Carrieri

Título da fotografia: Fiat fiore (faça-se a flor)

Tema: Botânica

1º lu

gar –

2º a

no –

Ens

ino

Méd

ioFo

tógr

afa:

Let

ícia

Tol

di d

e Ca

rval

ho

Títu

lo d

a fo

togr

afia

: De

cabe

ça p

ara

baix

o

Tem

a: M

ovim

ento

O brinquedo Katapul é um exemplo de movimento retilíneo uniforme, pois possui o looping por meio do qual podemos analisar a reação centrípeta, aceleração centrípeta e frequência, entre outros conceitos importantes desse tipo de movimento.

A foto foi produzida na excursão de Física ao parque Hopi Hari. Esperei o início do pôr do sol para obter o efeito do céu colorido. A câmera utilizada foi a Sony DSC-T70.

Page 118: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

2º lu

gar –

2º a

no –

Ens

ino

Méd

ioFo

tógr

afo

: Cai

o Ci

rello

Rez

ende

Títu

lo d

a fo

togr

afia

: Se

fogo

é v

ida,

por

que

não

to

rná-

la m

ais

colo

rida?

Tem

a: E

nerg

ia n

as tr

ansf

orm

açõe

s qu

ímic

asUma boa forma de evidenciar reaçõesde combustão é por meio da mudança de coloração da chama quando adicionamos sais metálicos, como o cobre e o estrôncio.

A fotografia foi produzida no Laboratório de Química da Móbile com o uso de ácido clorídrico, um bico de Bunsen e

sais contendo cobre e estrôncio que, em contato com o fogo, produziam as cores verde e vermelha respectivamente. E como o cobre estava contaminado, havia uma maior variação de cores especialmente quando as chamas coloridas entravamem contato umas com as outras.

A foto mostra um dos representantes do Filo Cnidaria, a anêmona.

A foto foi tirada em um aquário no Guarujá-SP com uma câmera Sony HDR-CX7. A luz não era natural.

3º lugar – 2º ano – Ensino Médio

Fotógrafo: Daniel de Araújo Pereira

Título da fotografia: À deriva

Tema: Zoologia

Page 119: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Animal: medusa (nome popular), Cyanea lamarchi (nome científico). Ordem: Semaeostomeae. Família: Ulmaridae.

A medusa possui tentáculos que são capazes de causar sérias queimaduras. Esse é um exemplo de estratégias

de predação utilizadas contra possíveis predadoresou contra suas presas.

A fotografia foi produzida no Aquário de Valência (L’Oceanogràfic) durante as férias de julho.

1º lugar – 1º ano – Ensino Médio

Fotógrafa: Gabriela Pereira Prado

Título da fotografia: Danúbio Azul

Tema: Biodiversidade

A fotografia mostra a mais importante fonte de luz que existe, o Sol.

A fotografia foi produzida em Minas Gerais, ao amanhecer, quando o Sol ainda estava nascendo. Utilizei uma câmera fotográfica profissional e procurei um ângulo no qual o Sol se enquadraria no espaço entre os troncos da árvore.

2º lugar – 1º ano – Ensino Médio

Fotógrafa: Daniela Guimarães Boanova

Título da fotografia: Luz da vida

Tema: Luz

Page 120: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

3º lu

gar –

1º a

no –

Ens

ino

Méd

ioFo

tógr

afa:

Cam

ila D

amiã

o Fa

rah

Títu

lo d

a fo

togr

afia

: Ref

lexo

s de

um

a m

ente

ilu

min

ada

Tem

a: L

uz e

Cal

orA vela é um meio de luz e calor simultaneamente. Além disso, o espelhoe o vidro criam um efeito de reflexão.

A fotografia foi produzida com uma câmera Sony Cybershot digital. Usei uma estrutura com um espelho plano e um vidro, paralelos, com uma vela no meio.

A foto representa a reflexão de uma escultura em um chão cuja superfície é quase perfeita, como um espelho.Para que essa foto fosse tirada, foi necessária uma fontede luz, porque sem ela não haveria reflexão.

A fotografia foi tirada em setembro de 2010 durante um show no Auditório Ibirapuera, em São Paulo. Foi necessária apenas a câmera de um celular, que tirava fotos de boa resolução.

1º lugar – 9º ano – Ensino Fundamental

Fotógrafa: Maria Paula Rameh Guilger

Título da fotografia: Reflexão

Tema: Luz

Page 121: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

O botão de ligar e desligar de um aparelho elétricose relaciona com o tema escolhido porque é ele que ativaa passagem da energia para o funcionamento do aparelho.

A fotografia foi produzida em ambiente interno com iluminação natural e uso de flash embutido da câmera Canon 1000D, lente 50 mm.

2º lugar – 9º ano – Ensino Fundamental

Fotógrafa: Débora Duarte Nunes Leite

Título da fotografia: On/Off

Tema: Energia elétrica

A foto ilustra a propagação da luz, que aconteceu por estímulo externo.

A fotografia foi feita com uma câmera amadora durantea Oficina de Fotografia da Móbile.

3º lugar – 9º ano – Ensino Fundamental

Fotógrafo: Rodrigo Siuffi Abbud

Título da fotografia: Propagação da luz

Tema: Luz

Page 122: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Devido à urbanização, este local é muito poluído e há ocorrência de chuvas ácidas, inclusive nessas ruínas maias. As erosões são uma transformação químicanas rochas.

A fotografia foi produzida nas ruínas maias em Chichén Itzá, no México. Foi necessário apenas apoiar a câmera em uma rocha.

1º lugar – 8º ano – Ensino Fundamental

Fotógrafa: Isabella Pavani Scuotto

Título da fotografia: Rochas versus Ácido

Tema: Propriedades e transformações dos materiais

A foto está relacionada ao tema da alimentação e digestão dos alimentos.

A foto foi tirada em uma bancada no meu quarto. Centralizada na foto está uma tigela de cereal, leite e uma colher. Foi utilizada uma câmera Samsung WB550, ISSO 400, 4 mm, 0ev, f/3.3, 1/15.

2º lugar – 8º ano – Ensino Fundamental

Fotógrafo: Maurício Gioachini Tardochi da Silva

Título da fotografia: Uma tigela de cereal

para acompanhar uma noite fria

Tema: Corpo humano

Page 123: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

3º lu

gar –

8º a

no –

Ens

ino

Fund

amen

tal

Fotó

graf

a: A

ndre

a La

sevi

cius

Mou

tinho

Títu

lo d

a fo

togr

afia

: Tra

nspa

rênc

ia e

Flo

resc

ênci

a

Tem

a: P

ropr

ieda

des

e tr

ansf

orm

açõe

s

d

os m

ater

iais

Nas pulseiras e colares “de neon”, frequentemente distribuídos em festas, ocorre uma reação química que produz luz visível. O tubo plástico contém em seu interior um componente fluorescente, algum oxalato dissolvido em um líquido viscoso, como ftalatos orgânicos, além de água oxigenada, separados por um capilar de vidro. Quando esse tubo capilar

é quebrado, as substâncias entram em contato e reagem liberando energia sob a forma de radiação eletromagnética visível.

A fotografia foi produzida na cozinha da minha casa. Com uma tesoura, cortei as pontas de várias pulseiras neon de cores diferentes para que o líquido caísse no cálice. Usei uma tábua preta como fundo.

A relação da foto com o tema é que a flor representaa biodiversidade. Trata-se de uma das flores dessa espécie, que tem diversas cores.

A fotografia foi produzida no Jardim Botânico de Madri, em julho de 2010, com uma câmera digital Lumix Panasonic DMC-TZ10.

1º lugar – 7º ano – Ensino Fundamental

Fotógrafa: Marina Antunes Kasa

Título da fotografia: Camadas de cor

Tema: Vida: origem e biodiversidade

Page 124: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Esta flor é um exemplo de biodiversidade da flora e chamaa atenção por não estar em seu ângulo usual.

A foto foi feita no Parque do Ibirapuera. Procurei um ângulo diferente daquele em que as flores são normalmente fotografadas. Utilizei uma câmera Nikon D700 com uma lente macro.

2º lugar – 7º ano – Ensino Fundamental

Fotógrafa: Luísa Prado Betti Guarnieri

Título da fotografia: Verso

Tema: Vida: origem e biodiversidade

O Jardim Botânico é um lugar perfeito para vermosplantas vindas de diferentes locais do mundo. Na parteque representa a floresta tropical, encontrei esta folhagem que me chamou a atenção pela forma. Lá pude ver comoexistem plantas de todos os tipos, tamanhos, cores e formas e como elas podem ser incrivelmente diferentes.

A foto foi tirada no United States Botanical Garden,em Washington, em julho de 2010, com uma Nikon D90.

3º lugar – 7º ano – Ensino Fundamental

Fotógrafo: Nicolas Vana Santos

Título da fotografia: Folhagem

Tema: Vida: origem e biodiversidade

Page 125: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

A fotografia mostra elementos da natureza. A fotografia foi produzida em Windermere, Inglaterra, em uma viagem turística, com uma câmera digital Casio EX-H10.

2º lugar – 6º ano – Ensino Fundamental

Fotógrafo: Rodrigo Miksian Magaldi

Título da fotografia: Reflexão Natural

Tema: Planeta Terra: elementos da natureza

e uso dos recursos naturais

A Árvore da Preguiça é um ser vivo que nos mostrauma interessante relação entre os elementos da natureza:ao se alimentar dos nutrientes retirados do solo arenoso, sofreu a ação dos ventos intensos e “se deitou preguiçosamente” para admirar o mar.

A fotografia foi produzida em Jericoacoara-CE, pela manhã, com uma câmera DSLR-A230 com abertura f/10.0 ISO 100.

1º lugar – 6º ano – Ensino Fundamental

Fotógrafa: Luísa Roman de Oliveira Toledo

Título da fotografia: Árvore da Preguiça

Tema: Planeta Terra: elementos da natureza

e uso dos recursos naturais

Page 126: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Carlos Eduardo Godoy e João Carlos Micheletti Neto são professores de Ciências do Ensino

Fundamental e Tatiana Rodrigues Nahas é professora de Biologia do Ensino Médio.

A relação de minha foto com o tema escolhido é quea formação de chuva é um modo de renovação do recurso natural água.

A fotografia foi produzida na varanda do meu apartamento no bairro do Brooklin com um celular LG GT360. Foi em um dia antes de uma chuva, aproximadamente às quatro horas da tarde.

3º lugar – 6º ano – Ensino Fundamental

Fotógrafa: Victoria Liebert Piscopo

Título da fotografia: Antes que o céu desabe

Tema: Planeta Terra: elementos da natureza

e uso dos recursos naturais

Page 127: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Foi no final da década de 1980 que caiu em minhas mãos, pela primeira vez, um “Caderno de questões”,

elaborado por uma curiosa menina bastante introspectiva de minha classe do tempo do ginásio. O tal

caderno continha perguntas das mais ordinárias (cor preferida, melhor dia da semana, melhor amigo) até

aquelas de cunho, digamos, mais existencialista (quem sou eu, o que espero da vida, o que é o amor).

Alguns (bons) anos depois, já durante o mestrado, caiu em minhas mãos – por razões bastante diversas

– um texto intitulado “Perguntas e respostas para um caderno escolar”, e qual não foi minha surpresa

quando descobri que a autora dele era Clarice Lispector. Deparei-me, novamente, com perguntas de

toda ordem, das mais prosaicas até as mais “perigosas”. Por argumentos educacionais, literários e

afetivos, propus aos alunos do 3º ano do Ensino Médio de 2010 a elaboração de respostas para algumas

questões complexas. Relendo as perguntas e, posteriormente, as respostas escritas pelos nossos

alunos, pude perceber a existência de alguns muitos “seres atônitos”, nas palavras do poeta Manoel

de Barros, que ainda buscam um espaço no mundo por meio do qual possam exercitar a magia de

transformá-lo em algo mais interessante; aliás, sensação muito próxima daquela vivida por um menino

nos idos dos anos 1980 quando respondia a um questionário para o qual tinha poucas respostas.

Conheça o que estava se passando na cabeça de nossos meninos e meninas ao final do 3º ano do Ensino

Médio.

Wilton Ormundo

Coordenador pedagógico e cultural

“A terapia literária consiste em desarrumara linguagem a ponto que ela expressenossos mais fundos desejos.” (Manoel de Barros)

Questões que (re)velam...

f u t u r o sp r o f i s s i o n a i s

Page 128: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

O psicanalista Lacan defende que o Universo

Simbólico, o das palavras, é o que nos

“coloca” no mundo. Que palavras traduzem

seu momento presente? Um momento

marcado por expectativas, sonhos, anseios,

rupturas...

A palavra que melhor se aplica a este momento

da minha vida é sensibilidade. Deixar a escola

envolve mais do que um simples desenvolvimento

natural, como passar de ano, por exemplo. Esta

mudança é feita agora com a nossa vontade, da

maneira que nós mesmos escolhemos, decidindo

pelo curso, pela universidade, ou inclusive por dar

um tempo nos estudos escolares e nos conhecer

melhor. E é claro que para realizar esta escolha

da melhor maneira possível é importante que

estejamos atentos, sensíveis a nós mesmos, aos

nossos próprios anseios e também ao mundo ao

nosso redor.

O crítico literário Antonio Candido, num

ensaio intitulado “Direito à literatura”, credita

à arte das palavras o poder de “organizar o

caos” que habita as pessoas. Que poema,

romance, conto, crônica você acredita que

poderia servir como “organizador de seu

caos”?

Acho que neste momento da minha vida, deixando

o 3º ano, consigo pensar apenas em um livro que

li logo no início do meu Ensino Médio, O amor

nos tempos do cólera, de Gabriel García Márquez.

O livro conta uma história de amor que, apesar

de interrompida e não concretizada imediatamente, perdura por mais de cinquenta anos. E esta é

exatamente a ideia que me conforta e organiza: os elementos da vida que de fato são importantes não

se esgotam, apenas se somam a novas experiências e situações. Tudo o que meu período escolar me

ensinou e me propiciou não vai desaparecer em nostalgia, vai sempre fazer parte de mim e da minha

formação como cidadã.

Muitas são as pessoas que nos servem de referência ao longo

da vida. A pensadora Hannah Arendt, por exemplo, teve

como referência seu mestre e amor Heidegger, o filósofo

alemão; o escritor Caio Fernando Abreu tinha Clarice

Lispector como grande inspiradora; Platão foi um

discípulo de Sócrates; Caetano Veloso, quando

garoto, sonhava ser um pensador como “aqueles

existencialistas de Paris”, chegando a fazer

uma referência explícita ao filósofo Jean-Paul

Sartre em sua canção “Alegria, alegria”, um

dos hinos do Tropicalismo. Quem seria(m) sua(s)

grande(s) referência(s) hoje? Por quê?

Não possuo uma figura em especial que me inspire.

Neste momento da minha vida, todos que estudaram, se

dedicaram e atingiram sucesso profissional fazendo aquilo

que gostam me servem de inspiração.

Não deve haver arte que melhor “imite” a realidade do que

o cinema, dada a possibilidade técnica de verossimilhança que

a sétima arte possui, mesmo quando inventa mundos fantásticos. Qual é

o grande filme de sua vida? Por quê?

Um filme que nunca me canso de pensar sobre e assistir é Diários de Motocicleta, do diretor brasileiro

Walter Salles. O filme conta uma passagem da vida de Che Guevara na qual ele faz uma viagem com seu

amigo Alberto Granado, partindo da Argentina rumo à Venezuela. O que mais me agrada no filme não é

apenas conhecer um lado diferente de um dos maiores líderes revolucionários da América Latina, mas,

principalmente, o conceito de liberdade abordado na trama de maneira nada superficial ou vazia. Dois

jovens livres em um continente fascinante, perseguindo suas aspirações. É esta a ideia que me encanta.

Caroline Cury

253

Page 129: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Você hoje tem 17, 18 anos. O que imagina que

estará fazendo daqui a 15 anos?

Definitivamente me imagino realizada como

mulher, independente, talvez casada e com filhos.

Não penso na minha carreira tendo um enfoque

corporativo ou empresarial. Pretendo me formar

em Direito, prestar um concurso púbico e, quem

sabe, até me envolver com política. Quero fazer

alguma diferença para um número significativo

de pessoas.

Em cada uma das etapas que compõem nossa

vida, prometemo-nos jamais abandonar

determinadas pessoas que nos são caras e

que fazem nossa existência mais grandiosa.

Quem são as pessoas que você gostaria de

levar para sua vida toda neste momento?

Por quê?

Certamente quero levar comigo para sempre meus

amigos e familiares. Além disso, levaria também

todos meus professores da Escola Móbile. Seria

excelente receber por toda a vida orientações

com tanta qualidade como as que eu recebo hoje

estudando nesta instituição.

O semioticista italiano Umberto Eco

afirmou recentemente, após anunciar sua

aposentadoria na universidade, que não

acredita na felicidade, mas na inquietação.

Que inquietações o conhecimento trouxe

para você?

Acho que a maior inquietação causada em mim

pelo conhecimento é a minha capacidade de

não me conformar, principalmente ao pensar

que, nos dias de hoje, o saber é uma questão

socioeconômica. Depois de aprender tudo o que

aprendi em dezenas de aulas de História, Literatura

e Filosofia, tudo o que consigo pensar é como

o conhecimento é cruelmente negado a grande

parte da população, a parte que justamente mais

precisa dele para poder fazer valer seus direitos.

Que marcas da Móbile ficam em sua vida e

que farão parte de sua existência daqui para

frente?

Hoje vejo que ter me mudado para a Móbile na

7ª série foi uma das melhores decisões que já

tomei, até agora, em minha vida. Depois de cinco

anos estudando aqui, percebo que esta é uma

escola que valoriza não só o ensino de todas as

disciplinas exigidas no vestibular, mas também

a formação de seus alunos como seres curiosos

e questionadores, que pensam em Geografia e

Matemática tal como pensam em política brasileira

e suas relações com a comunidade internacional.

E é isto que vou definitivamente levar para minha

existência, um interesse no mundo e na vida

atrelado às habilidades acadêmicas.

Os simbolistas acreditavam no poder que

a música tem de nos chegar à alma. Que

música(s) o “toca(m)” especialmente?

Acho que blues e MPB são gêneros que possuem

um grande número de artistas de muita qualidade,

que pensam em todos os aspectos de se criar uma

letra e uma música. Mas uma música em especial

que sempre me toca é “Paciência”, do Lenine.

Esta foi uma das músicas que fizeram parte do

repertório da peça de teatro Mimesis, encenada

pela turma da 8ª série de 2007 da Escola Móbile.

Naquele momento estávamos em um período de

transição e, hoje, estamos novamente, não para

uma nova fase escolar, mas para a vida adulta.

Em 2007 a vida não parava e, hoje, três anos

depois, continua, e daqui para frente continuará

não parando.

Que palavras você deixa para si mesmo(a)

quando ler este livro depois de concluído

seu curso universitário e de ter ingressado

na carreira de trabalho?

Espero que você consiga tudo o que você deseja,

que sempre esteja evoluindo, que seja mais

madura, mais forte e lide com seus problemas

com mais qualidade do que você lidou até agora.

Mas, para isso, nunca abandone sua essência e

seus valores para que possa, de fato, se orgulhar

de tudo aquilo que você sonhou e conseguiu

construir.

Caroline Cury está cursando o primeiro ano

de Direito na FGV.

255254

Page 130: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

O psicanalista Lacan defende que o Universo

Simbólico, o das palavras, é o que nos

“coloca” no mundo. Que palavras traduzem

seu momento presente? Um momento

marcado por expectativas, sonhos, anseios,

rupturas...

Creio que uma palavra que pode traduzir meu

momento é dúvida. Isso porque não sei na verdade

o que eu quero para minha vida. Somos muito novos

para levar certezas conosco, e é nesse momento

que eu realmente começo a me perguntar qual é

meu papel como ser humano aqui neste planeta.

Dúvida essa que passa desde a escolha por um

curso universitário até o ingresso numa vida de

responsabilidades próprias, individuais, não mais

atreladas aos pais e familiares.

O crítico literário Antonio Candido, num

ensaio intitulado “Direito à literatura”, credita

à arte das palavras o poder de “organizar o

caos” que habita as pessoas. Que poema,

romance, conto, crônica você acredita que

poderia servir como “organizador de seu

caos”?

Acredito que um romance que marcou muito

esse período do Ensino Médio, me trazendo

uma enorme reflexão, podendo então “organizar

o caos”, é O Apanhador no Campo de Centeio,

de J. D. Salinger. Esse livro mostra como um

jovem pode ter anseios com os quais muitas

vezes são dificílimos de lidar, além de fazer

uso de uma linguagem extremamente bela, com

figuras de linguagem muito bem exploradas.

Assim, ver como o protagonista encarou todas

as questões existenciais pelas quais passou

me dá fôlego e calma para entender que este

momento é uma grande transição, por isso traz

problemas, naturalmente. A passagem do campo

de centeio para o abismo da perda da inocência

com a fase adulta tem de ocorrer, podendo ser

mais complicada para alguns, como foi para o

protagonista, ou mais simples.

Muitas são as pessoas que nos servem de

referência ao longo da vida. A pensadora

Hannah Arendt, por exemplo, teve como

referência seu mestre e amor Heidegger, o

filósofo alemão; o escritor Caio Fernando

Abreu tinha Clarice Lispector como grande

inspiradora; Platão foi um discípulo de

Sócrates; Caetano Veloso, quando garoto,

sonhava ser um pensador como “aqueles

existencialistas de Paris”, chegando a fazer

uma referência explícita ao filósofo

Jean-Paul Sartre em sua canção

“Alegria, alegria”, um dos hinos

do Tropicalismo. Quem seria(m)

sua(s) grande(s) referência(s)

hoje? Por quê?

Tenho duas grandes referências.

A primeira é Karl Marx. Esse

pensador conseguiu mostrar e

propor um caminho diferente para

as sociedades do mundo, tendo

seus escritos influenciado diretamente os eventos

do século XX. Ao teorizar o socialismo e o

comunismo, Marx contribuiu para dar melhores

condições de vida aos trabalhadores, já que, com

o medo da expansão dos ideais marxistas, até

mesmo diversos países capitalistas na Guerra

Fria acabaram melhorando a qualidade de vida

das populações, estipulando jornada de trabalho,

salário mínimo etc. Outro pensador que é uma

enorme referência para mim é Gilles Lipovetsky.

Suas teorias, estudadas a fundo nas aulas

de Filosofia, permitiram que eu começasse a

pensar sobre o declínio social no qual vivemos e

também me fizeram perceber que precisamos de

mudanças.

Não deve haver arte que melhor “imite”

a realidade do que o cinema, dada a

Rodrigo Rossi Mora Brusco

256

Page 131: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

possibilidade técnica de verossimilhança

que a sétima arte possui, mesmo quando

inventa mundos fantásticos. Qual é o grande

filme de sua vida? Por quê?

Para mim, o grande filme de minha vida é À Espera

de um Milagre. Esse filme, além de ser uma obra-

prima, com cenas magníficas, me lembra muito de

meu avô, já que assisti a esse filme com ele.

Você hoje tem 17, 18 anos. O que imagina que

estará fazendo daqui a 15 anos?

Não sei, mesmo. E nem quero saber, porque

se algo que eu quero hoje já é diferente do

que eu queria ontem, como vou imaginar o que

vou querer daqui a quinze anos? O meu grande

objetivo é estar fazendo o que eu realmente

queira, independentemente das implicações que

tais desejos possam trazer.

Em cada uma das etapas que compõem nossa

vida, prometemo-nos jamais abandonar

determinadas pessoas que nos são caras e

que fazem nossa existência mais grandiosa.

Quem são as pessoas que você gostaria de

levar para sua vida toda neste momento?

Por quê?

Gostaria de levar para toda a minha vida meus

familiares mais próximos, que me dão enorme

apoio em todas as escolhas que eu faço, e meus

amigos, também, que fizeram com que este último

ano da minha vida fosse muito mais divertido e

fácil. Espero mesmo que eu mantenha todas essas

pessoas por perto, para sempre.

O semioticista italiano Umberto Eco

afirmou recentemente, após anunciar sua

aposentadoria na universidade, que não

acredita na felicidade, mas na inquietação.

Que inquietações o conhecimento trouxe

para você?

O conhecimento me trouxe diversas inquietações.

Posso citar desde a Física, que me fez compreender

melhor o funcionamento de nosso universo, até a

Filosofia, que me fez compreender melhor a

complexidade humana. Mas creio que a principal

inquietação deixada pelo conhecimento foi a

de entender o porquê de nossa sociedade ser

organizada da maneira como é atualmente. Ainda

não encontrei essa resposta, e é por isso que

quero estudar mais e mais o funcionamento das

nossas estruturas sociais, para que um dia seja

capaz de alterar, de alguma maneira, o modo

como vivemos.

Que marcas da Móbile ficam em sua vida e

que farão parte de sua existência daqui para

frente?

Acho que a Móbile me trouxe uma enorme

bagagem em todas as áreas do conhecimento, o

que qualquer escola deve se esforçar para fazer.

Mas, principalmente, a Móbile me trouxe cultura,

e isso é o que eu acho diferente nessa escola.

Fomos ao teatro, ao cinema, tivemos densas

discussões nas aulas de Ética e de Filosofia. O

que a Móbile nos passou, mesmo querendo que

cada um de seus alunos entre na universidade que

deseja, foi muito maior do que apenas as matérias obrigatórias em todas as escolas, que “caem” no

vestibular. A Móbile me formou como ser humano, e é por esse motivo que pretendo que meus filhos,

se os tiver, estudem nessa escola.

Os simbolistas acreditavam no poder que a música tem de nos chegar à alma. Que música(s)

o “toca(m)” especialmente?

Essa é, sem sombra de dúvidas, a pergunta que terei maior dificuldade em responder. Sou muito ligado

ao universo musical, gosto de diversas bandas e diferentes gêneros. Vou então citar artistas, como Chico

Buarque, que, em minha opinião, é um dos melhores músicos que este país já teve. Além de Chico, uma

banda que me marca muito e me transformou como gente foi os Beatles. Suas músicas conseguem ser

de diferentes estilos musicais, mesmo se tratando de uma mesma banda. Além desses, gostaria de citar

o álbum de minha vida, isto é, aquele apanhado de músicas que, juntas, formaram uma obra-prima:

The Dark Side of the Moon, do Pink Floyd, que é genial porque consegue criar uma sequência entre suas

músicas, além de fazer uso de diversos instrumentos musicais, o que cria um som incrível.

Que palavras você deixa para si mesmo(a) quando ler este livro depois de concluído seu

curso universitário e de ter ingressado na carreira de trabalho?

Viva intensamente, nunca deixando para traz seus sonhos simplesmente por normas sociais.

Se quiser seguir a área do conhecimento, mesmo que isso não lhe dê muito dinheiro, siga, porque o mais

importante é que, ao morrer, quero ter me realizado como ser humano por meio da concretização dos

meus desejos, que serão muito diferentes daqui uns anos, tenho certeza.

Rodrigo Rossi Mora Brusco está cursando o 1º ano de Ciências Sociais na USP.

259258

Page 132: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

O psicanalista Lacan defende que o Universo Simbólico, o das

palavras, é o que nos “coloca” no mundo. Que palavras traduzem

seu momento presente? Um momento marcado por expectativas,

sonhos, anseios, rupturas...

A palavra que traduz meu momento é revolução. Até hoje, nunca passei por

uma mudança tão grande, significativa e rápida quanto a que passarei neste

ano: tudo mudará! Em apenas um mês! A escola se tornará universidade,

pessoas velhas irão embora, pessoas novas irão chegar. Sinto a alegria e a

felicidade de alcançar uma nova fase: um sentimento de missão cumprida.

E, simultaneamente, sinto a melancolia de abandonar uma antiga.

O crítico literário Antonio Candido, num ensaio intitulado “Direito

à literatura”, credita à arte das palavras o poder de “organizar o

caos” que habita as pessoas. Que poema, romance, conto, crônica

você acredita que poderia servir como “organizador de seu caos”?

Lembro-me especialmente da série Harry Potter. Essa história marcou

minha infância: eu era simplesmente viciado. Hoje já terminei a série,

então a releitura seria apenas a repetição dos fatos já sabidos, mas, mesmo

assim, acho surpreendente a história e sinto a necessidade de terminar a

leitura quando recomeço um livro dessa série. Não sei explicar o porquê

dessa identificação, mas sei que ela promove em mim uma sensação

positiva, talvez a “organização de meu caos”.

Muitas são as pessoas que nos servem de referência ao longo da

vida. A pensadora Hannah Arendt, por exemplo, teve como referência

seu mestre e amor Heidegger, o filósofo alemão; o escritor Caio

Fernando Abreu tinha Clarice Lispector como grande inspiradora;

Platão foi um discípulo de Sócrates; Caetano Veloso, quando

garoto, sonhava ser um pensador como “aqueles existencialistas

de Paris”, chegando a fazer uma referência explícita ao filósofo

Jean-Paul Sartre em sua canção “Alegria, alegria”, um dos hinos

do Tropicalismo. Quem seria(m) sua(s) grande(s) referência(s) hoje?

Por quê?

Jor

ge L

uiz

Mor

eira

Sil

va

Para mim, um jovem de 17 anos, é muito difícil

definir uma ou algumas poucas grandes referências.

Mas, neste momento, penso que tive várias nas

quais me baseei e me baseio. Dentre elas, se

encontram, primordialmente, meu pai e minha mãe.

O primeiro, pela história de vida e inteligência, e

a segunda, pela sabedoria e competência. Além

deles, tenho como referência alguns professores.

Estes, por motivos diversos, desde suas áreas de

atuação, sua capacidade de se expressar bem

em público, pelo dom de transmitir conhecimento

ou pela sua enorme compreensão. Algumas das

minhas amizades são também referências para

mim, sendo cada uma por um determinado motivo,

por uma capacidade ou habilidade específica a

qual admiro. Não tomei como referência grandes

filósofos, escritores ou pesquisadores, pois, até

hoje, não tive um contato tão intenso com o mundo

acadêmico a ponto de torná-lo um referencial.

Não deve haver arte que melhor “imite”

a realidade do que o cinema, dada a

possibilidade técnica de verossimilhança que

a sétima arte possui, mesmo quando inventa

mundos fantásticos. Qual é o grande filme de

sua vida? Por quê?

Não tenho um grande filme, mas alguns que me

fizeram compreender melhor a realidade na qual

existo. Deram-me recursos para responder algumas

perguntas e buscar novas respostas. Eles são

As Melhores Coisas do Mundo, Tropa de Elite 2

e Na Natureza Selvagem.

261260

Page 133: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Você hoje tem 17, 18 anos. O que imagina

que estará fazendo daqui a 15 anos?

Daqui a quinze anos, já terei me graduado.

Profissionalmente, espero estar trabalhando em

um setor relacionado às Ciências da Tecnologia

ou à pesquisa. Paralelamente, gostaria de ser

professor: passar conhecimento e educação.

No âmbito pessoal, espero poder realizar meus

desejos, aproveitando a vida e vivendo com

felicidade e satisfação os momentos.

Em cada uma das etapas que compõem nossa

vida, prometemo-nos jamais abandonar

determinadas pessoas que nos são caras e

que fazem nossa existência mais grandiosa.

Quem são as pessoas que você gostaria de

levar para sua vida toda neste momento?

Por quê?

Se dependesse de mim, levaria grande parte

das pessoas que compuseram minha vida, mas

infelizmente isso é impossível. Então, fazendo

uma seleção, como prioridade levaria minha

família. Ela me deu conselhos, me ajudou, me

fez feliz, me fez quem eu sou. Além deles, levaria

comigo meus amigos, pois são muito importantes

para mim. Eles me auxiliaram nos momentos

de necessidade e tornaram os momentos de

felicidade ainda melhores e inesquecíveis.

O semioticista italiano Umberto Eco

afirmou recentemente, após anunciar sua

aposentadoria na universidade, que não

acredita na felicidade, mas na inquietação.

Que inquietações o conhecimento trouxe

para você?

O conhecimento me fez ver o mundo de forma

diferente. De forma mais lógica e racional. Ele me

fez tomar minhas decisões e meus caminhos com

mais calma: pensando sobre eles. Isso, por um

lado, penso que seja positivo, pois teoricamente

estaria escolhendo de forma mais consciente.

Porém, simultaneamente, isso me causa uma

espécie de aflição por causa da dúvida. Fico

pensando em uma coisa por muito tempo: isso

ou aquilo. E, na maioria das vezes, termino onde

comecei: sem resposta.

Que marcas da Móbile ficam em sua vida

e que farão parte de sua existência daqui

para frente?

A Móbile me instruiu e me passou muitas coisas

essenciais para minha formação atual, que vou

levar para a vida. Ela me formou como pessoa,

como cidadão. Ensinou-me o dever de agir em

harmonia com o próximo, atingir meus desejos

sem prejudicá-lo. Ela me fez ver o mundo através

não mais somente de meus olhos, mas dos outros

também. Do mesmo modo, me ensinou a amar

o conhecimento, a ter interesse por aprender

mais, e não simplesmente visualizá-lo de forma

pragmática, ou seja, como uma mera garantia de

sucesso no mercado de trabalho.

Os simbolistas acreditavam no poder que

a música tem de nos chegar à alma. Que

música(s) o “toca(m)” especialmente?

As músicas que gosto de ouvir são muito variadas.

Há vários gêneros, nacionalidades, cantores,

bandas etc. Todas elas, de alguma forma, por

algum motivo, despertam uma reação em mim que

varia, podendo ser de tristeza a alegria, de raiva a

afeição e assim por diante. Uma das músicas que

considero importantes é “Disparada”, de Geraldo

Vandré. Quando a ouço, penso em temas que

considero áridos, que me “tocam”.

Que palavras você deixa para si mesmo(a)

quando ler este livro depois de concluído

seu curso universitário e de ter ingressado

na carreira de trabalho?

Jorge, viva de forma bem vivida essa vida, pois

ninguém sabe se há outra! Aproveite todos os

momentos, pois eles não vão se repetir! Utilize-os

para formar uma história! Uma passagem neste

planeta! Se estiver insatisfeito, mude! Não tenha

medo ou receio devido à comodidade – não vale

a pena!

Jorge Luiz Moreira Silva está cursando

o 1º ano de Engenharia na Escola

Politécnica da USP.

262

Page 134: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Bru

no

Am

á S

tep

han

O psicanalista Lacan defende que o Universo

Simbólico, o das palavras, é o que nos

“coloca” no mundo. Que palavras traduzem

seu momento presente? Um momento

marcado por expectativas, sonhos, anseios,

rupturas...

A palavra que melhor representa meu momento

presente é conflito. Espiritualmente, parece-

me que estou, pouco a pouco, partindo-me ao

meio. Uma parte de mim desesperadamente

quer se segurar aos meus valores, meus amigos,

minha rotina presente, enquanto a outra está

curiosíssima com o que os anos seguintes guardam

para mim. Escrever essa mensagem já se mostra

um desafio, visto que é a prova concreta de que

o mundo, como eu conheço, está desabando, o

que catalisa a sensação de separação. Trata-se

de uma situação insustentável: quero partir,

quero descobrir, quero apreender o mundo e, ao

mesmo tempo, quero ficar, quero sentar todos

os dias nas grandes carteiras da Móbile (que,

na minha cabeça, são maiores do que todas as

demais) e quero contar com a segurança de que

sempre, sempre haverá um orientador para me

ajudar a resolver qualquer crise. A batalha entre

um futuro incerto e o presente corriqueiro é o

que marca o meu agora, e, talvez o mais triste,

contudo mais belo, é que sei, apesar de tudo, que

o que está por vir sempre será o vencedor nessa

guerra dos tempos.

O crítico literário Antonio Candido, num

ensaio intitulado “Direito à literatura”,

credita à arte das palavras o poder de

“organizar o caos” que habita as pessoas.

Que poema, romance, conto, crônica

você acredita que poderia servir como

“organizador de seu caos”?

Um livro que li recentemente e que me marcou de

modo profundo foi a obra-prima de Milan Kundera,

A Insustentável Leveza do Ser. A maneira pela

qual o autor trata da contradição mais mórbida

da natureza humana – a do peso da rotina e

da repetição contra a leveza das escolhas e do

passar do tempo – me fascinou de uma forma

que poucos livros conseguem. A ideia da antítese

no homem, apresentada no romance, realmente

funcionou como “organizador do meu caos”, pois

provavelmente não compreenderia o sofrimento

pelo qual passo sem essa leitura. De certa

maneira, todos nós, estudantes no fim do Ensino

Médio, somos como a personagem Sabina da obra.

À medida que todos nós somos impulsionados

pelas nossas escolhas e determinações para

locais desconhecidos e possibilidades novas e

estranhas, provavelmente muito promissoras,

deixamos para trás, abandonamos, sempre parte

do que nos formou até então. Outras obras

marcantes e organizadoras foram Tudo Depende

de Como Você Vê as Coisas, de Norton Juster,

que me ensinou que há mais mistérios no mundo

do que eu acreditava; os diversos romances

265

Page 135: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

de Júlio Verne, pela criatividade imensurável;

Ilusões Perdidas, de Honoré de Balzac, com sua

linguagem mórbida sensacional; e A Elegância do

Ouriço, de Muriel Barbery, que mostrou para mim

que vale a pena viver.

Muitas são as pessoas que nos servem de

referência ao longo da vida. A pensadora

Hannah Arendt, por exemplo, teve como

referência seu mestre e amor Heidegger, o

filósofo alemão; o escritor Caio Fernando

Abreu tinha Clarice Lispector como grande

inspiradora; Platão foi um discípulo de

Sócrates; Caetano Veloso, quando garoto,

sonhava ser um pensador como “aqueles

existencialistas de Paris”, chegando a

fazer uma referência explícita ao filósofo

Jean-Paul Sartre em sua canção “Alegria,

alegria”, um dos hinos do Tropicalismo.

Quem seria(m) sua(s) grande(s) referência(s)

hoje? Por quê?

Atualmente, uma pessoa que se mostra uma

grande referência para mim é a chamada “rainha

indie”, a cantora e atriz Zooey Deschanel. Além

de ser deslumbrante esteticamente, tem uma

belíssima voz. Ela canta o que sente, o que

pensa, sem se aliar a qualquer tendência musical

ou gravadora – faz suas músicas e seus filmes de

forma independente, ou seja, por outro ângulo.

Por meio de seus produtos culturais, conta lindas

histórias de amor ou promove um pensamento

mais reflexivo, livre de qualquer grafia. Considero

um objetivo nobre e um ideal que gostaria de

levar comigo para toda a minha vida. Outro

ídolo pessoal é Júlio Verne, já citado, pela

sua criatividade e inventividade vanguardista,

o valor que mais prezo em um indivíduo. Além

deles, também faço menções honrosas a Oscar

Niemeyer, George Harrison e ao duo Daft Punk.

Não deve haver arte que melhor “imite”

a realidade do que o cinema, dada a

possibilidade técnica de verossimilhança

que a sétima arte possui, mesmo quando

inventa mundos fantásticos. Qual é o grande

filme de sua vida? Por quê?

Durante meus meros 17 anos de vida, diversos

filmes já são classificados por mim como os

grandes filmes da minha vida. Um que gostaria

de citar é, sem dúvida, 500 Dias com Ela. O filme

narra de maneira genial um amor de um homem

apaixonado pela indecisa e, de certa maneira,

etérea Summer. A película me marcou pelo fato

de usar uma boba história de amor para, na

verdade, descrever como é difícil o processo de

construção de um homem como indivíduo e pelo

modo sarcástico, e ainda assim mórbido, que trata

a questão da solidão. Um segundo filme muito

interessante foi Em Busca da Terra do Nunca,

um dos poucos que trouxe lágrimas aos meus

olhos nitidamente. Outras muitas animações da

Pixar me encantaram, principalmente Toy Story

e Monstros S.A., dois filmes que nunca poderei

rever sem ficar deveras nostálgico.

Você hoje tem 17, 18 anos. O que imagina

que estará fazendo daqui a 15 anos?

No futuro, me imagino sendo um profissional

liberal, desvinculado de uma rotina maçante,

ainda que com cargas consideráveis de trabalho.

Quero ser um arquiteto que tenha tempo de

assistir a filmes e passear com o cachorro

durante as tardes. De preferência, gostaria de

morar no exterior, de maneira nenhuma me vejo

morando em São Paulo – agitado demais.

Em cada uma das etapas que compõem

nossa vida, prometemo-nos jamais

abandonar determinadas pessoas que nos

são caras e que fazem nossa existência

mais grandiosa. Quem são as pessoas que

você gostaria de levar para sua vida toda

neste momento? Por quê?

Eu não levo as pessoas para a minha vida – a

minha vida que passa por cada uma delas, e

prefiro que continue assim.

O semioticista italiano Umberto Eco

afirmou recentemente, após anunciar sua

aposentadoria na universidade, que não

acredita na felicidade, mas na inquietação.

Que inquietações o conhecimento trouxe

para você?

Muitas inquietações... Ninguém imagina o meu

choque ao descobrir que Mona Lisa já teve

sobrancelhas, ou que o verde da bandeira do

Brasil não é a mata do país, ou ainda que Freud

nunca curou um paciente! Parece-me que pouco

a pouco estou corrigindo a mim mesmo, embora

“corrigindo” não seja a palavra ideal, já que não

estou “errado” como um todo – vou me fazendo

e desfazendo. Só com esses incômodos, advindos

da sabedoria, é que tenho essa sensação, e é ela

que me move, que me guia, e é a que considero

a mais bela entre todas elas.

Que marcas da Móbile ficam em sua vida

e que farão parte de sua existência daqui

para frente?

A maior marca que a Móbile deixou em minha

vida foi aprender que não estou sozinho no mundo

e que a convivência e a coexistência fazem parte

de ser humano, no sentido mais pragmático da

palavra. Foi na Móbile que aprendi a argumentar,

discutir, debater as minhas ideias e minha visão

de mundo, e ainda aprendi a respeitar e viver

com aqueles que não compreendem ou não

concordam com ela. Foi um percurso difícil

– no começo não conseguia entender como

poderia haver tantas diferenças em um espaço

tão delimitado, não conseguia me misturar.

Hoje, vejo que foi necessário, nunca teria feito

amigos tão divertidos de se conversar e tão

diversificados caso não tivesse passado por esse

processo. A Móbile me tornou uma pessoa, não

um autômoto perfeito, simplesmente uma pessoa

melhor, um melhor cidadão, melhor filho, melhor

amigo, melhor homem.

267266

Page 136: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Os simbolistas acreditavam no poder que

a música tem de nos chegar à alma. Que

música(s) o “toca(m)” especialmente?

Uma música que me toca especialmente e está

relacionada de modo íntimo ao momento em

questão é “All Things Must Pass”, de George

Harrison, na qual é descrita essa sensação

pela qual passo no presente: a de que a beleza,

infelizmente, só surge porque tudo está aos

poucos se deteriorando. Outras canções, como

“In My Life”, dos Beatles, e “Paciência”, de

Lenine, também simbolizam perfeitamente esse

momento e me emocionam diversas vezes. Mas

uma música que ecoa na minha cabeça como

um tema de filme nesses últimos dias como

estudante é “Folding Chair”, de Regina Spektor,

que definitivamente para sempre me lembrará

dessa época.

Que palavras você deixa para si mesmo(a)

quando ler este livro depois de concluído

seu curso universitário e de ter ingressado

na carreira de trabalho?

“(...) Fora da janela havia tanta coisa para ver e

ouvir e tocar – passeios a fazer, morros a subir,

lagartas para observar no seu trajeto deslizante

pelo jardim. Havia vozes para ouvir e conversas

a escutar com atenção maravilhada, sem falar no

cheiro especial de cada dia.

E, ali mesmo no quarto onde estava sentado,

havia livros que poderiam levá-lo a mil lugares

(...) Seus pensamentos saltaram ávidos daqui

para ali, pois tudo parecia novo – e digno de ser

tentado.

‘Bem, até que gostaria de fazer outra viagem’,

disse ele, pondo-se de pé em um salto, ‘mas

realmente não sei quando vou ter tempo para

isso. Há tanta coisa para fazer aqui mesmo!’”

(Tudo Depende de Como Você Vê as Coisas.

Norton Juster).

Bruno Amá Stephan está cursando o 1º ano

de Arquitetura na USP.

268

r e s e n h a

Page 137: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

Quando nos referimos ao gênero faroeste, imediatamente nos lembramos das figuras do

herói, o “mocinho” da história, e dos caras maus, os “bandidos” da trama, como costumávamos

denominar esses personagens em nossas brincadeiras infantis de cowboy. Aliás, em épocas

“politicamente incorretas”, muita vez, esse “bandidos” eram representados por povos indígenas,

“os verdadeiros ocupantes da América” (que, bem sabemos, apenas reagiam à invasão do

homem branco). Em filmes de faroeste, na maioria das vezes, o bem e o mal estavam muito bem

caracterizados em personagens-tipo. (Tudo com o charme do preto e branco.)

Coube ao diretor norte-americano John Ford mostrar uma nova face do mocinho, por meio de

sua trilogia do faroeste, que se iniciou com Nos tempos da diligência, seguida de sua verdadeira

obra-prima, O homem que matou facínora. Uma pequena digressão (necessária): foi nessa

película que Ford cunhou uma frase representativa, em muitos contextos, do papel bastante

dúbio que a imprensa pode assumir: “Quando a lenda é maior que o fato, publique-se a lenda.”

(É imprescindível que o leitor assista ao filme para compreender o contexto desse verdadeiro

aforismo da sétima arte.)

O terceiro filme que compõe a trilogia fordiana é Rastros de ódio (obra máxima do diretor,

juntamente com Vinhas da ira). No filme, o diretor apresenta o personagem Ethan Edwards (vivido

por John Wayne), soldado do exército confederado que retorna derrotado para a casa fraterna.

Com índios rondando os arredores da fazenda de seu irmão, Ethan e um grupo de patrulheiros

do Texas decidem dar uma busca pela região para verificar onde os comanches se encontravam

acampados. A saída dos patrulheiros é a oportunidade perfeita para que a família do irmão

de Ethan seja massacrada pelos índios. Ele sai, então, em busca de vingança e, a essa altura,

“mocinhos” e “bandidos” estão devidamente configurados. Ao contrário disso, o filme mostra,

inicialmente de forma sutil, um herói com ações bastante questionáveis. Logo que Edwards

retorna – cena marcada pela impressionante paisagem do Monument Valley ao fundo –, sua

cunhada vai ao seu encontro e torna-se impossível não perceber a tensão presente nos olhares

trocados pelos dois personagens, o que sugere uma relação mal resolvida. Ethan, então, revê o

irmão (sim, a primeira pessoa a recebê-lo é a cunhada e não o irmão!) e os sobrinhos, incluindo

um garoto mestiço (vivido pelo ator Jeffrey Hunter), que tem ascendência indígena, e que foi

O far oest e e o an ti-he r ó i

271270

Page 138: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

273272

Page 139: Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011 - Móbile - Escola ... · necessárias para que pais e alunos, ... que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como

resgatado de outro massacre.

Na cena de reencontro entre

esses dois personagens, fica

clara a pouca simpatia que

Ethan nutre pelo menino.

Avisados pelo pastor da

região, que também é líder

dos patrulheiros, da presença

indígena, Ethan e o sobrinho

postiço saem à procura dos

peles-vermelhas. Durante

a caçada, os patrulheiros

descobrem um túmulo de

um índio comanche que

Ethan faz questão de violar,

além de atirar nos olhos do

cadáver. Na sequência da

cena, o pastor pergunta qual

o sentido daquele ato, ao que

Ethan responde: “Pela sua

fé, pastor, nenhum, mas pela

fé comanche, alguém que

não tem os olhos não pode

entrar na terra dos espíritos.

Terá que vagar para sempre

entre os ventos.” Essa cena

serve como metonímia da

essência de Rastros de ódio:

o preconceito e o ódio que

Ethan nutre pelos índios.

Aliás, John Ford expõe para

quem quiser ver uma das

facetas mais questionáveis

da história da formação do

povo norte-americano: a

intolerância e o racismo,

motivos de guerras e conflitos

sangrentos daquele país.

Ao retornar para o

rancho e encontrar a família

morta, a vingança já está

definida, sendo apenas uma

questão de tempo. Apenas a

sobrinha mais nova (Natalie

Wood, uma das atrizes

mais belas do cinema) não

é encontrada no local, o

que significa que os índios

devem tê-la levado com vida.

Isso complica ainda mais a

jornada do protagonista. A

simples possibilidade de ter

um membro de sua família

vivendo entre os índios é

inaceitável, o que faz com

que ele decida matá-la, se

isso se confirmar. É neste

ponto que Ford mostra o

quanto o personagem de

Wayne está longe de ser

a figura clássica do herói,

marcada pela concepção

de que os vilões devem ser

punidos, embora sempre

exista a possibilidade de

redenção deles. Para Ethan, a

única coisa que resta para os

índios é seu extermínio! Um

sentimento impensável para

a figura do herói clássico

estadunidense.

Ao longo de cinco longos

anos, Ethan e o sobrinho

postiço buscam encontrar

Debbye com diferentes

propósitos: um, de matar

a própria sobrinha se esta

estiver vivendo entre os

índios; e outro, de resgatá-

la e ainda impedir que o

tio enlouquecido leve a

cabo o seu propósito cruel.

Durante esse tempo, os dois

enfrentam neve e deserto

em um mundo bárbaro, habitado por diferentes povos e culturas: norte-americanos, índios,

mexicanos. Esse convívio com o sobrinho e com outras etnias acaba por transformar Ethan,

imerso numa viagem de autoconhecimento e catarse, numa espécie de Odisseia do oeste. E

como a Odisseia implica o necessário retorno do herói ao seu ponto de origem – transformado,

por certo, pela luta com os deuses ou consigo mesmo –, o filme termina da mesma maneira

como começou: uma porta se abre, mostrando mais uma vez a paisagem belíssima, mas, ao

mesmo tempo, desolada do Monument Valley, para, em seguida, fechar-se, deixando Ethan do

lado de fora, ao relento, e longe do convívio com o que lhe restou da família. O diretor Martin

Scorsese chama a atenção para a cena final: assim como Ethan amaldiçoou o indígena morto,

ele mesmo agora está condenado a vagar sem rumo, entre os ventos. É a história do cinema

sendo feita diante de nossos olhos.

Hugo Carneiro Reis é professor de Física do Ensino Médio.

275274