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  • Anlise da geopoltica ambiental contempornea e seus

    desdobramentos na cincia geogrfica

    Vagner Zamboni Berto

    Resumo:

    Compreender a geopolitica ambiental contempornea exige muito mais que

    acompanhar noticirios ou protocolos elaborados em conferncias internacionais,

    resultados de pesquisas ou a compreenso dos efeitos nocivos para o ambiente

    geralmente associados exclusivamente a ao humana. Este trabalho visa

    apresentar a origem da questo ambiental e principalmente como a cincia

    geogrfica trabalha com essa geopoltica ambiental. Como pano de fundo dessa

    relao apresenta-se como principal motivo para a degradao ambiental o

    desenvolvimento do sistema capitalista.

    Palavras-chave: Cincia Moderna, Geopoltica ambiental, Geografia e Capitalismo.

    Abstract: Understanding the contemporary geopolitical environment requires much more than news or follow protocols developed at international conferences, research results or understanding of the adverse effects on the environment often associated exclusively human action. This paper presents the origin of the environmental and geographical science primarily as works with this geopolitical environment. In the background of this relationship is presented as the main reason for environmental degradation, the development of the capitalist system. Key words: Modern Science, Environmental Geopolitics, Geography and Capitalism.

    INTRODUO

    Compreender a geopolitica ambiental contempornea exige muito mais que

    acompanhar noticirios ou documentos elaborados em conferncias internacionais,

    resultados de pesquisas ou a compreenso dos efeitos nocivos para o ambiente

    geralmente associados exclusivamente a ao humana. No presente trabalho,

    entende-se que a origem a problemtica ambiental contempornea , tambm, um

    problema que se inicia com a cincia moderna, com o modo que esta apreende o

    objeto natureza versus homem.

    No decorrer destre trabalho, apresenta-se um breve histrico da evoluo

    dessa problemtica ambiental. Para tal, busca-se na bibliografia uma compreenso

  • 2

    mais abalisada sobre o tema, em especial, dentro da cincia geogrfica uma vez

    que na epistemologia dessa cincia est a relao sociedade/natureza.

    No primeiro momento do trabalho apresenta-se uma breve reflexo sobre a

    cincia moderna e o nascimento da problemtica ambiental. Em seguida, aborda-se

    a temtica dentro da perspectiva da cincia geogrfica no que tange a algumas

    reflexes terico-conceituais da relao Geografia e ambiente. Por fim, aborda-se a

    questo da geopolitica ambiental contempornea.

    A cincia geogrfica tambm vai se apresentar na discusso da crise

    ambiental como detentora de instrumentos tericos e tcnicos uma vez que est no

    fulcro de sua epistemologia a relao sociedade-natureza, e, como se pode

    perceber, a questo geopoltica ambiental se d nesse contexto, como as

    sociedades se relacionam entre si e com o ambiente que as sustenta. Como pano

    de fundo dessa relao apresenta-se como principal motivo para a degradao

    ambiental o desenvolvimento do sistema capitalista.

    Para elaborao do trabalho optou-se pelo mtodo investigativo, buscando no

    levantamento e anlise bibliogrfica uma melhor compreenso do assunto que

    cada vez mais relevante na contemporaneidade, uma vez que a questo

    transfronteiria e diz respeito a toda a sociedade.

    1. A PROBLEMTICA AMBIENTAL: HERANA DA CINCIA MODERNA?

    Na histria da humanidade as diferentes sociedades desenvolveram as mais

    diversas tcnicas para se apropriar de elementos da natureza. Tais tcnicas so

    advindas tanto da necessidade de cada perodo histrico, quanto da reflexo terica

    sobre suas prticas. Essa apropriao social da natureza acaba por transformar o

    meio, configurando um espao organizado que reflete o estado das relaes sociais

    de produo (LEFF. 2006).

    Conforme anlise de Santos (1996), a principal forma de relao entre a

    sociedade e a natureza (meio), se d atravs da tcnica. Afirma este gegrafo que

    "as tcnicas so um conjunto de meios instrumentais e sociais, com os quais o

    homem realiza sua vida. produz e. ao mesmo tempo, cria espao" (SANTOS. 1996.

    p. 25) e, que a integrao entre espao e tempo ocorre por intermdio das tcnicas,

    no trabalho.

    Ainda comentando sobre a tcnica, Santos (1996) coloca que:

  • 3

    [...] atravs dos objetos, a tcnica histria no momento da sua criao e no de sua instalao e revela o encontro, em cada lugar, das condies histricas (econmicas, socioculturais, polticas, geogrficas), que permitiram a chegada desses objetos e presidiram sua operao. A tcnica tempo congelado e revela uma histria (SANTOS, 1996, p. 40).

    Essas relaes entre o conhecimento terico e os saberes prticos foram de

    sobremodo ampliados com o advento do capitalismo, da cincia moderna e da

    institucionalizao da racionalidade econmica. Leff, com pertinncia, considera que

    Com o modo de produo capitalista produz-se a articulao efetiva entre o conhecimento cientfico e a produo de mercadorias por meio da tecnologia. O processo interno e expansivo da acumulao capitalista gera a necessidade de ampliar o mbito natural que, como objetos de trabalho, se apresentam ao mesmo tempo como objetos cognoscveis (2006, p. 22).

    Ainda segundo o mesmo autor, pode-se compreender o papel que assume o

    conhecimento cientfico ligado necessidade de ampliar a mais-valia relativa, "o que

    induz substituio progressiva dos processos de mecanizao por um processo de

    cientifizao dos processos produtivos" (p. 22). importante ressaltar que essa

    transformao da natureza historicamente no se deu devido necessidade

    emergente de conhecimento tecnolgico, mas sim como resultado das

    transformaes poltco-econmcas e ideolgicas advindas da decadncia do modo

    de produo feudal na Europa e a ascenso do sistema capitalista.

    Conforme analisa Gonalves (2005), toda a sociedade e toda cultura

    produzem um conceito de natureza ao mesmo tempo em que estabelecem suas

    relaes sociais. Assim, a cincia moderna instituda por uma sociedade, por uma

    cultura, e traz consigo uma determinada concepo de natureza. Nesta perspectiva,

    segundo o autor supracitado, a cincia moderna se estrutura a partir de trs eixos: a

    oposio homem e natureza, a oposio sujeito e objeto e o paradigma atomstco

    individualista.

    A oposio entre homem e natureza bastante presente na sociedade

    ocidental. O autor observa que at mesmo as universidades so estruturadas de

    acordo com essa oposio, a qual cinde a atividade cientfica, colocando as

    "cincias da natureza" de um lado, e as "cincias sociais" e "humanas", de outro.

    Essa viso estabelece ainda que as descobertas de cada um desses campos

    cientficos no mantm uma relao entre si. At mesmo na cincia geogrfica,

  • 4

    lembra o autor, onde essa oposio, em princpio, no caberia, reproduz-se no seu

    interior essa dicotomia de cunho positivista atravs da separao entre "geografia

    fsica" e "geografia humana". Em vista disso, acredita que enquanto persistir esta

    ruptura entre as dimenses da natureza e da sociedade, os gegrafos no

    conseguiro superar o problema da dicotomia da Geografia. E adverte: "a ecologia

    vem ocupando esse espao terico e poltico que os gegrafos no tm sabido

    ocupar" (p. 38).

    Subjacente a essa oposio homem-natureza, to marcante no pensamento

    ocidental, est o paradigma de que o homem no natureza, mas sim um ser social

    e justamente por isso se distinguiria dos demais seres da natureza. Tal viso traz

    consigo a ideia hegemnica que justificaria a dominao do homem sobre a

    natureza.

    A oposio entre sujeito e objeto est fundamentalmente destacada na

    questo do mtodo, o qual assume posio de destaque na cincia moderna com o

    filsofo francs Ren Descartes, pois "com o domnio do mtodo o homem poder

    ter acesso aos mistrios da natureza e, assim, tornando-se senhor e possuidor

    desta, utilizando-a para os fins que desejar" (p. 40). A questo do mtodo, do

    "caminho a ser seguido", nos mostra que "o cientista constri um objeto que julga

    ser indevido ou insuficientemente desconhecido [...] e a partir de diferentes

    abordagens de um dado fenmeno [prope] uma outra explicao, um outro

    caminho" (p. 40). Demo (1989, p. 16) salienta, contudo, que "a metodologia no

    aparece como soluo propriamente, mas como expediente de questionamento

    criativo, para permitir tanto opes mais seguras quanto mais conscincia tiverem de

    sua marca aproximativa".

    A separao entre sujeito e objeto traz algumas implicaes importantes

    cincia moderna, tais como a viso do homem como sujeito, sujeito esse que

    prevalece sobre a natureza tida como objeto. A necessidade de se colocar o homem

    como no-natureza soa um tanto quanto irnica quando se percebe que o que

    ocorre, via de regra, a dominao do homem pelo homem (GONALVES, 2005).

    No entender de Grum (1996). a abordagem das questes ambientais dentro

    da perspectiva cartesiana se torna impossvel devido separao entre o que

    natural e o que social.

  • 5

    O problema metodolgico enfrentado por Descartes o seguinte: se existe uma unidade da razo, deve haver algo que necessariamente no seja uno e, portanto, seja divisvel. Este algo o mundo, a natureza, tornada objeto da razo. A consequncia disso que a razo s pode legitimar sua autonomia como divisora do mundo fsico. A razo cartesiana pressupe a divisibilidade infinita do objeto. (GRM, 1996, p. 35)

    Outro crtico de Descartes Ferry (1992), que aponta que a distino

    proposta por este entre homem e natureza, acabou por confundir a segunda com

    uma mquina, onde "A natureza , para ns, letra morta. No sentido exato: ela no

    nos fala mais porque deixamos h muito tempo desde Descartes, pelo menos, de

    lhe atribuir alma e crer habitada por foras ocultas" (FERRY. 1992. p. 14-15).

    Uma concepo mais abrangente e inter-relacional acerca das relaes entre

    a natureza e a sociedade apresentada por Casseti (1995). Este autor rejeita

    qualquer separao entre estas duas dimenses, entendendo a relao sociedade-

    natureza como "um processo de produo de mercadorias ou de produo de

    natureza" (p. 14), onde o homem se diferenciaria dos demais animais devido ao fato

    de se apropriar e transformar o espao natural a partir do trabalho e da capacidade

    de produo do conhecimento, conhecimento este que apreende a natureza como

    objeto da reflexo terica do homem.

    Em detrimento desses argumentos o autor assegura que a maneira como se

    d a relao entre sociedade-natureza depende primeiramente da maneira como se

    do as relaes entre os homens na sociedade:

    a transformao da natureza pelo emprego da tcnica, com finalidade de produo, um fenmeno social, representado pelo trabalho. Da se infere que as relaes de produo entre os homens mudam conforme as leis, as quais implicam a formao econmico-social e, por conseguinte, as relaes entre a sociedade e a natureza (CASSETI, 1995, p. 17).

    Gonalves (2005. p. 44) comenta que "as instituies que se impuseram

    sobre nossa sociedade pretendem aparecer a cada um de ns como [...] naturais".

    Contudo, o significado dessa natureza quer dizer imutvel. A ideologia impregnada

    nessas afirmaes esconde que a ideia de que se deve deixar tudo como est

    pretendendo-se "congelar a histria, a sociedade e a cultura, enfim, manter o status

    quo". Tentando elucidar essas afirmaes, o autor, na mesma pgina, chama a

    nossa ateno para o fato de que

  • 6

    devemos ter muito cuidado quando nos tentam convencer de que isso ou aquilo natural, pois, quase sempre, o que se est querendo exatamente escamotear aquilo que da histria, da sociedade e da cultura, isto , a tenso e o conflito de onde o novo, o diferente, podem brotar.

    Assim, fica claro que a cincia tambm instituda, no neutra, imparcial,

    mas que principalmente representa um conjunto de ideias de uma determinada

    sociedade num determinado perodo de tempo.

    O paradigma atomista-individualista da cincia moderna, por sua vez, est

    pautado na ideia de que todos os objetos so compostos por unidades indivisveis: o

    tomo. A ideia reducionista no ficou presente somente na Fsica com o tomo, mas

    tambm em outras cincias como na Biologia, com o organismo, em seguida a

    clula e. mais tarde, a molcula; nas cincias do homem, o indivduo (GONALVES,

    2005).

    Contudo, um maior desenvolvimento das cincias nas primeiras dcadas do

    sculo XX, fez ruir cada uma dessas unidades ditas elementares: do tomo chegou-

    se aos quarks e aos lptons1 encarado como um campo de interao especfica.

    Com o desenvolvimento da etologia. ficou evidente que "a vida em sociedade j

    existe naquilo que chamvamos de natureza, sobretudo no reino animal"

    (GONALVES. 2005. p. 46). entretanto, isso no reduz o homem condio de

    igualdade com os outros animais devido ao mesmo se organizar socialmente de

    modo prprio.

    Contrapondo-se ao reducionismo atomstico-individualista da cincia

    moderna, emerge na cincia do sculo XIX, e especialmente na do seguinte, um

    novo modelo para a compreenso da realidade: a teoria dos sistemas. Estaganha

    grande destaque no sculo XX luz da teoria evolucionista de Charles Darwin, a

    qual postula que todos os seres vivos so produtos do processo de evoluo. Esta

    viso concebe a natureza como estando em constante transformao, e a aceitao

    do movimento como modo de existncia da matria, como afirma Sodr (1976. p.

    80). "assentou na concepo metafsica da natureza o golpe mais rude".

    1 Como informa Moreira (2007), os quarks e os lptons so partculas fundamentais, isso quer dizer

    que elas no so formadas por outras partculas da natureza e que esto no ncleo do tomo. Acredita-se hoje que os quarks so a unidade estrutural mais fundamental a partir da qual todas as partculas nucleares se formam.

  • 7

    As cincias que antes buscavam uma partcula elementar vo se opor ao

    reducionismo atomstico-individualista at o surgimento, em 1968, da Teoria Geral

    dos Sistemas. Verifica-se a adoo do conceito de sistemas em vrios contextos

    cientficos, como por exemplo, o sistema atmico, sistema solar, sistema celular ou

    molecular, sistema social, sistema urbano (GONALVES. 2005).

    Como se pode perceber nas linhas anteriores. Gonalves (2005), Grm

    (1996) e Ferry (1992), so crticos ferrenhos da cincia moderna, entretanto, existem

    algumas crticas elaboradas a esta concepo negativista da cincia moderna, como

    se pretende mostrar a seguir.

    Para se compreender melhor as propostas metodolgicas da cincia

    moderna, necessrio fazer uma anlise do contexto scio-histrico em que ela

    surge. No perodo anterior aos sculos XVI e XVII, marco inicial desta vertente da

    cincia tem-se na Europa Ocidental a chamada Idade Mdia ou Idade Feudal, que

    segundo Inforsato e Silva (2000. p. 172) "caracterizada pelo predomnio de certo

    obscurantismo, profundamente influenciados pela Igreja, pela crena em poderes

    sobrenaturais [...] e. um temor das foras ocultas da natureza.

    Neste contexto histrico que surge Descartes, que segundo Inforsato e Silva

    (2000. p. 173).

    Estava profundamente preocupado com a confuso em que se encontrava o pensamento cientfico de sua poca. Ele compreendia que no era suficiente pesquisar e resolver enigmas cientficos, era preciso legitimar a prpria cincia. O pensamento cientfico estava muito disperso e era confundido com outros conhecimentos, como o pensamento escolstico, caracterizado por discusses sem fim; com os dogmas que se confundiam com as verdades cientficas e mesmo com o pensamento religioso.

    Desse modo, pode-se entender que Descartes "foi buscar um mtodo

    rigoroso e livre de influncias religiosas, para que as certezas pudessem ser

    encontradas" (INFORSATO; SILVA. 2000. p. 174). Nasciam a os pilares da cincia

    moderna.

    Para rebater os princpios da oposio entre sociedade-natureza, e entre

    sujeito e objeto. Inforsato e Silva (2000) afirmam que o objetivo de Descartes estava

    pautado em trilhar um caminho seguro, onde o homem pudesse obter resultados

    favorveis, dessa forma, criticando o pensamento escolstico que impedia qualquer

    recurso experincia. Os referidos autores afirmam que:

  • 8

    Descartes buscava uma compreenso prxima da verdade do que realmente seria a natureza, e este conhecimento deveria ser til para o bem-estar do homem. A natureza to inspita e cruel para o homem do seu tempo poderia enfim ser dominada e ficar livre de todo o ocultismo que despertava temores (INFORSATO; SILVA, 2000, p. 175-176).

    Embora Inforsato e Silva levantem argumentos em defesa da cincia

    moderna, eles deixam evidente que no desqualificam as crticas feitas pelos

    cientistas contemporneos mesma, mas que as indagaes realizadas por

    Descartes, "revelam as necessidades de seu tempo, e que os questionamentos

    levantados hoje a respeito das suas afirmaes, no o mesmo que possa ter

    existido naquele momento histrico do sculo XVII" (INFORSATO; SILVA. 2000. p.

    176).

    Quanto ao mtodo de Descartes, de que o objeto deve ser dividido em

    quantas partes forem necessrias para sua compreenso, muito criticado pelo

    movimento ambientalista. os quais entendem que a grande ramificao

    (especializao) da cincia dificulta o trabalho inter e transdisciplinar. apontado

    como sendo o mais indicado para a produo de um conhecimento cientfico mais

    condizente com a dinmica da realidade. Os mesmos autores enfatizam ainda que o

    mtodo proposto por Descartes, o de dividir o objeto em partes, acaba por facilitar a

    sua compreenso e seu estudo, embora haja algumas limitaes nesse mtodo.

    Ainda em defesa desse argumento, os autores citam Morin (1998). que afirma a

    necessidade de se pensar de forma complexa, de modo que se deve "levar em

    conta nos estudos, a parte e o todo. sendo que no possvel entender as partes

    sem conhecer o todo e o inverso tambm, no possvel conhecer o todo sem

    conhecer as partes" (INFORSATO; SILVA. 2000. p. 178).

    Entretanto, no se pretende desqualificar os pressupostos da cincia

    moderna, mas busca-se, em vez disso, compreender que ela forneceu importantes

    contribuies para o desencadeamento da crise ambiental atual. E que tambm foi

    muito importante para que se pudesse superar uma poca de "obscuridade"

    cientfica vivenciada na Idade Mdia, e que a mesma vem responder aos anseios de

    seu tempo.

    Numa abordagem de orientao marxista sobre a relao entre sociedade e

    natureza, destacam-se no contexto geogrfico as ideias de Quaini (1979) e Smith

  • 9

    (1988), que tambm serviram, entre outros, de base para a reflexo aqui

    apresentada.

    Para Smith (1988), embora Marx reconhecesse que a mediao entre a

    sociedade e a natureza ocorre atravs do processo de trabalho, sendo esse

    considerado fundamental para a existncia humana, o autor coloca que toda a

    anlise elaborada por Marx sobre o capitalismo vai buscar "separar a propenso

    natural do trabalho das formas social e historicamente determinadas do processo de

    trabalho sob o modo de produo capitalista" (SMITH. 1988. p. 150). Comentando

    sobre a relao entre homem e natureza. Gmez (2004. p. 38). coloca que:

    A troca material entre o homem e a natureza um processo que ocorre ao longo de toda a existncia humana. Enquanto o homem existir ele ter que dedicar parte do tempo da sociedade para se apropriar dos objetos da natureza e de transform-los em objetos de uso humano atravs do trabalho. Essa uma necessidade insuprimvel da realidade humana. No entanto, importante observar que se verdade que o homem jamais poder deixar de se apropriar dos objetos da natureza por intermdio do trabalho, o modo como ele realiza essa apropriao historicamente cambiante. A compreenso do modo como os homens se apropriam e transformam a natureza est indissociavelmente ligado s formas como os homens se relacionam entre si e ao desenvolvimento das foras produtivas da sociedade.

    Segundo Smith (1988). na sociedade capitalista a natureza aparece como um

    objeto do trabalho no processo de produo e diante da busca constante pela

    dominao da natureza, a partir do desenvolvimento de novas tecnologias que

    propiciassem tal feito, acabou-se por ver que a dominao da "natureza exterior"

    resultou numa crescente dominao da "natureza interior", ou seja, "[d]as prprias

    pessoas e pela crescente fragilidade da existncia humana" (SMITH. 1988. p. 62).

    Pode-se perceber, em vista disso, que o trabalho social acaba por

    transformar, no apenas a natureza externa, mas tambm a prpria natureza

    humana. E na busca do capital, a partir da transformao da natureza,

    transformando-a em mercadoria, mediada pelo trabalho, que se tem a destruio

    dos recursos naturais.

    Para Oliveira (2002. p. 6). no sistema capitalista de produo, o trabalhador

    privado dos meios materiais de reproduo de sua existncia, o que acaba por fazer

    com que ele transforme sua fora de trabalho em mercadoria, em troca de um

    salrio. A autora ressalta que "o capital separa os homens da natureza, em seu

    processo de pr d u co/r produo e impe que o ritmo do homem no seja mais o

    ritmo da natureza, mas o ritmo do prprio capital".

  • 10

    No que tange ao sentido histrico da separao do homem em relao

    natureza ou s condies naturais da produo, Quaini (1979, p. 66) assevera que

    para Marx

    Isso constitui o lado negativo ou contraditrio da histria do domnio cientfico, tecnolgico e produtivo da sociedade sobre a natureza (ou desenvolvimento das foras produtivas), quando escreve 'no a unidade dos homens vivos e ativos com as condies naturais inorgnicas de seu intercmbio material com a natureza, e por consequncia sua apropriao da natureza, que necessita de uma explicao ou que o resultado de um processo histrico, mas a separao destas condies inorgnicas da existncia humana (isto , natureza) desta existncia ativa (trabalho), uma separao que realiza plenamente somente na relao entre trabalho assalariado e capital'.

    Contrapondo a necessidade do trabalho, como requisito fundamental para a

    existncia do prprio homem, em que a partir desta relao, a natureza acaba por

    naturalizar o homem e o homem por humanizar a natureza - que Marx chama de

    'dialtica da natureza'. Quaini (1979) vai apresentar duas situaes do trabalho: a

    primeira no trabalho enquanto condio de existncia da sociedade humana, e uma

    segunda, na relao sociedade-natureza, num mbito especificamente capitalista.

    Na primeira situao, o autor destaca uma definio de trabalho em Marx.

    anterior ao modo de explorao capitalista

    Em primeiro lugar o trabalho um processo que se desenvolve entre o homem e a natureza, no qual o homem por meio de sua prpria ao produz, regula e controla o intercmbio orgnico entre ele e a natureza; contrape-se, como uma entre as foras da natureza, materialidade da natureza. Ele pe em movimento as foras naturais que formam sua corporeidade, braos e pernas, mos e cabea, para se apropriar dos materiais da natureza de forma utilizvel para sua prpria vida. Operando mediante tal movimento sobre a natureza fora de si e transformando-a, ele transforma ao mesmo tempo sua prpria natureza. Desenvolve as faculdades que nela esto adormecidas e submete o jugo de suas foras a seu prprio poder. (QUAINI, 1979, p.71).

    Em seguida, apresenta o conceito de trabalho no modo de produo capitalista,

    onde a relao sociedade-natureza produtora de mais-valia. a partir do trabalho

    excedente, para os detentores dos meios de produo:

    [...] para compreender a formao de mais-valia, necessrio partir do trabalho excedente, isto , de um certo grau de produtividade que consinta

  • 11

    ao trabalhador produzir mais do que lhe necessrio 'para a conservao de si mesmo e de sua espcie'. Mas isto significa que a possibilidade de trabalho excedente no deve ser considerada como um fato natural, um dom de natureza, enquanto implica condies histricas e sociais precisas: 'somente a partir do momento em que o trabalho j alcanou um certo grau de sociabilidade, comeam relaes nas quais o trabalho excedente de um se torna a condio de existncia do outro' e, inversamente, a proporo das partes de sociedades que vivem do trabalho alheio cresce com o progredir da capacidade produtiva social, (idem, p. 71)

    Na abordagem da crise ambiental que ganha importncia em nvel mundial na

    segunda metade do sculo XX. o enfoque marxista traz para o estudo desta questo

    o conceito de metabolismo social desenvolvido por Marx. o qual nos remete ao que

    j fora aqui apresentado, ou seja, ao fato de que o homem, ao transformar a

    natureza externa, acaba por transformar a si prprio. E, alm disso, segundo

    Foladori (2001. p. 106), "a ao de transformar a natureza externa constitui o

    processo de trabalho, e seu efeito sobre a natureza interna se manifesta na forma

    como se estabelecem s relaes sociais de produo".

    Assim, para elaborao deste trabalho, acredita-se que o estudo da qualidade

    ambiental urbana deve procurar enfatizar uma abordagem que procure elucidar a

    relao sociedade-natureza. que vise uma anlise dessa interao a partir das

    relaes de trabalho e. assim a questo ambiental, que assume grande proporo

    no mundo moderno, principalmente no que tange as assume grande proporo no

    mundo moderno, principalmente no que tange as cidades, poder ser mais bem

    elucidada.

    A cincia geogrfica tambm tem muito a contribuir com a discusso da

    relao sociedade-natureza. uma vez que esta questo se faz presente desde a

    institucionalizao desta como cincia, na segunda metade do scuo XIX, abrigando

    discusses internas da questo ambiental alm de grandes mudanas no que diz

    respeito a concepes tericas dessa relao sociedade-naturez, sobretudo com o

    advento da(s) chamada(s) Geografia(s) Crtica(s) em meados da dcada de 1970.

    2. GEOGRAFIA E AMBIENTE: REFLEXES TERICO-CONCEITUAIS

    O progresso das cincias no est ligado unicamente aplicao de seus

    conhecimentos, mas tambm na reflexo terica que se desenvolve no decorrer de

  • 12

    processos histricos e ideolgicos, onde emergem e se [re]produzem (LEFF. 2006).

    Seguindo essas ideias, procura-se, por grande parte dos gegrafos, atravs da

    cincia geogrfica a elucidao dos processos, de como as sociedades

    [re]produzem o seu espao, especificamente a partir da anlise do seu objeto de

    estudo, o espao geogrfico, produzindo conhecimentos que contribuam para

    explicar e propor solues aos desafios vividos pelas sociedades para que se tenha

    o desenvolvimento de uma sociedade melhor para todos.

    A reflexo sobre o espao geogrfico, sobre conceitos e mtodos de anlise

    elaborados pelos gegrafos, responsvel pela produo do conhecimento

    geogrfico, no sentido de compreenso sobre as relaes entre a sociedade e a

    natureza. Tais relaes, que se do no transcorrer da histria, do origem ao espao

    geogrfico, espao este que deve ser compreendido, segundo Santos (1996), como

    contnuo, uma herana da histria natural, que se cria fora do homem e se torna um

    instrumento material de sua vida e cuja distino entre natureza e sociedade se

    daria pela diferenciao entre coisas (natureza) e objetos (aquilo que criado a

    partir de uma intencionalidade).

    Deste modo, pode-se compreender o espao geogrfico como construdo a

    cada dia. uma vez que ele no imutvel, estando sempre sofrendo alteraes de

    acordo com as necessidades de cada momento vivido pela sociedade. O espao

    corresponde a "pedaos de tempo submetidos mesma lei histrica, com

    manuteno da estrutura" (SANTOS. 1996. p. 70), possui um valor simblico e

    material diferenciado, pois os objetos e aes tambm mudam. Um exemplo tpico

    o centro de algumas cidades, que nodecorrer das dcadas acabou tendo minguado

    o seu prestgio social e econmico, devido, entre outras, descentralizao das

    atividades prestadas no espao citadino.

    A Geografia utiliza-se de diversos meios tericos e tcnicos para buscar

    compreender o espao geogrfico, de uma forma mais abrangente, fazendo uso. por

    exemplo, de atividades de campo, de elementos estatsticos, de mapas, do

    sensoriamento remoto, da cartografia digital, do sistema de posicionamento global

    (GPS), entre outros.

    De acordo com Casseti (1995). o espao geogrfico fruto das relaes

    sociedade-natureza tendo como mediador o trabalho, enfatizando que o que

    assegura essa unidade dialeticamente contraditria a produo material, tornando-

  • 13

    se evidente que a relao sociedade-natureza uma relao de trabalho,

    determinadas pelas relaes entre os prprios homens. Neste sentido, o autor

    afirma que

    [...] a transformao da natureza pelo emprego da tcnica, com finalidade de produo, um fenmeno social, representado pelo trabalho. Da se infere que as relaes de produo entre os homens mudam conforme as leis, as quais implicam a formao econmico-social e, por conseguinte, as relaes entre a sociedade e a natureza. (CASSETI, 1995, p. 17)

    A adoo de uma Geografia em que a anlise dialtica do espao geogrfico

    se faz presente junto as adversidades vivenciadas com maior nfase na segunda

    metade do sculo XX (culturais, polticas, econmicas, sociais etc.), proporcionou

    uma nova maneira de se compreender a relao entre sociedade e natureza, pois

    segundo Casseti (1995. p. 20) "a forma de apropriao e transformao da natureza

    responde pela existncia dos problemas ambientais, cuja origem encontra-se

    determinada pelas prprias relaes sociais".

    tambm no sculo XX que se discute mais acentuadamente o papel que a

    cincia moderna desempenhou na separao do homem da natureza notadamente

    por ser na segunda metade do sculo passado que eclodiu a chamada crise

    ecolgica, quando o desequilbrio entre a sociedade moderna e a natureza

    assumem dimenses globais, fato este atribudo principalmente revoluo tcnico-

    cientfica dos sculos XVI e XVII. momento em que a natureza passa a ser

    concebida enquanto recurso (VESENTINI, 1989).

    Como herana da cincia moderna, calcada especialmente no mtodo

    racional empirista, chega-se a uma compreenso do homem como externo a

    natureza. Como legado desse modo de compreender a relao sociedade-natureza,

    tem-se um homem que v a natureza como algo a ser dominado, no entanto,

    percebe-se que essa relao traz escamoteada a dominao do homem pelo prprio

    homem. Essa relao de dominao existente entre os homens ganha maior

    notoriedade com a Revoluo Industrial, onde o modo de produo vigente acaba

    transformando o espao geogrfico numa velocidade e escala muito maior. O

    processo de urbanizao, que se intensifica drasticamente a partir desse momento,

    principalmente na Europa, acaba por transformar o modo de vida e a organizao

    das sociedades. A cincia geogrfica, institucionalizada na segunda metade do

    sculo XIX, primeiramente na Alemanha e em seguida na Frana, fundamentada

  • 14

    principalmente em dois paradigmas calcados no positivismo2, o determinismo

    (escola alem), e o possibilismo (escola francesa), esse perodo da cincia

    geogrfica, conhecido como Geografia Tradicional, estava fortemente impregnado

    por uma pretensa neutralidade cientfica, que Andrade (1987) coloca como sendo

    uma forma de camuflar os compromissos sociais e polticos que a mesma possua

    com o Estado. No se pode esquecer, contudo, que nem todos os gegrafos ditos

    tradicionais, compartilhavam dessa abordagem positivista. Os gegrafos anarquistas

    Piotr Kropotkin e Elise Reclus. por exemplo, opuseram-se radicalmente a esta

    perspectiva.

    O perodo posterior Segunda Guerra Mundial, essencialmente na dcada de

    1950. marcou o incio de uma grande crise mundial que implicou na transformao

    das categorias social, poltica, econmica e cultural e atingiu a Cincia Geogrfica,

    levando-a a uma nova forma de tratar os aspectos naturais.

    De acordo com Andrade (1987. p. 96). os gegrafos clssicos, ao serem

    chamados para dar uma contribuio reconstruo da Europa no ps-guerra

    perceberam que "a geografia que se limitava a observar, a descrever e a explicar a

    paisagem, utilizando o 'olho clnico', no usava tcnicas que a levassem a ver o que

    se fazia, de forma invisvel, na elaborao da paisagem". A partir disso, so

    intensificadas as pesquisas em dados estatsticos e o desenvolvimento da

    cartografia com o advento do computador e do sensoriamento remoto.

    Essa renovao pela qual passava a cincia geogrfica buscou romper com o

    pensamento tradicional, levando muitos gegrafos a repensar a natureza da

    Geografia, reformulando seus princpios cientficos e filosficos, e buscando novos

    paradigmas que permitisse Geografia disputar importncia com outras disciplinas

    da rea de planejamento e de crtica social.

    Sobre essas transformaes vivenciadas na cincia geogrfica, Moraes

    (1994. p. 98) aponta que

    O movimento de renovao, ao contrrio da Geografia Tradicional, no possui uma unidade; representa mesmo uma disperso, em relao quela. Tal fato advm da diversidade de mtodos debusca do novo foi empreendida por variados caminhos; isto gerou propostas antagnicas e

    2 Vale ressaltar que embora o Positivismo de Auguste Comte tenha dado suporte metodolgico para

    maior parte dos gegrafos da chamada Geografia Tradicional ele no foi o nico. Ver, entre outros, Andrade, 1987; e Gomes, 1996.

  • 15

    perspectivas excludentes. O mosaico da Geografia Renovada bastante diversificado, abrangendo um leque muito amplo de concepes. Entretanto, possvel agrup-las em funo de seus propsitos e de seus posicionamentos polticos, em dois grandes conjuntos: um pode ser denominado Geografia Pragmtica, e o outro de Geografia Crtica.

    Comentando sobre a Geografia Pragmtica ou Nova Geografia, Gomes

    (1996) ressalta que apesar dela tentar refutar as tradies geogrficas e adotar

    novas tcnicas e novas perspectivas apoiadas na viso sistmica, por modelos

    lgico-matemticos, ela hesitou em contestar os fundamentos geogrficos e os

    fundamentos sociais que sustentavam a Geografia Clssica, ainda visveis em sua

    base de sustentao.

    Com o advento da Teoria Crtica vivenciada na cincia geogrfica a partir da

    dcada de 1970 no Brasil, busca-se uma Geografia que procure dar um enfoque

    histrico e dialtico para as diversas questes (sociais, culturais, econmicas,

    polticas e ambientais) que afligem o mundo contemporneo, e dessa maneira

    procurando construir entendimentos que expliquem a realidade sobre o ngulo da

    classe proletria defendida pelo marxismo, sendo feitas, desse modo. grandes

    crticas Geografia Teortica Quantitativa. Cabe ressaltar tambm que nem toda a

    Geografia Crtica foi marxista, nem possua uma mesma concepo do marxismo,

    embora possa haver predominncia dessa concepo, h diversas abordagens e

    leituras do espao geogrfico, se relacionando, mas no chegando a formar uma

    unidade como. por exemplo, a Geografia da Percepo ou Comportamental. e a

    Geoqrafia Ambiental. Essa corrente crtica de pensamento conhecida como

    Geografia(s) Crtica(s) ou Radical, cujos representantes so chamados de

    "gegrafos radicais" por

    [...] tomarem uma atitude que, ao analisar as injustias sociais e os bloqueios a um desenvolvimento social, vo s razes, s causas verdadeiras destes problemas, e de crticos por assumirem os seus compromissos ideolgicos, sem procurarem esconder-se sob falsa neutralidade. (ANDRADE, 1987, p. 122)

    Um dos temas que ganham maior importncia pelos gegrafos nas dcadas

    de 1960 e 1970, se refere questo ambiental. A questo ambiental eclode aps

    esse perodo, segundo Mendona (1993). devido aos efeitos da Segunda Guerra

    Mundial (1939-1945), sobretudo, pela capacidade de destruio das armas

    construdas pelo homem, e que aps esse conflito, lentamente vo surgindo na

    Europa e nos EUA, iniciativas para preservao do ambiente.

  • 16

    Alm da Segunda Guerra (1939-1945), Mendona (1993) aponta tambm que

    a globalizao das economias capitalistas e socialistas muito contribuiu para a

    abordagem da questo ambiental, mais enfaticamente a economia capitalista norte-

    americana. que ao levar at aos pases no industrializados os seus principais

    ramos industriais e junto com eles a dominao cultural, ideolgica e o

    descompromisso em garantir a qualidade de vida e do ambiente em nome da

    reproduo do capital, vo acabar contribuindo pujantemente com a degradao

    ambiental nesses pases. Isto foi marcante no espao urbano, onde. conforme

    Mendona (1993. p. 38). o que "deveria promover desenvolvimento social - acabou

    por garantir a situao de dependncia atual onde esto presentes desempreao.

    analfabetismo, xodo rural, epidemias, violncia, subnutrio, degradao ambiental

    etc".

    A seguir, apresenta-se uma discusso sobre a geopoltica da problemtica

    ambiental de forma a compreender a evoluo desta temtica na cincia geogrfica

    principalmente no perodo posterior a segunda Guerra Mundial.

    3. A GEOPOLITICA DA PROBLEMATICA AMBIENTAL

    A crise ambiental ganha importncia nos fruns cientficos a partir da segunda

    metade do sculo XX, especialmente das dcadas de 1960 e 1970. Vesentini (1989)

    esclarece que essa crise ambiental, gritante na atualidade, , antes de tudo. fruto do

    desequilbrio nas relaes entre a sociedade moderna e a natureza, cuja origem

    est fundamentada na viso da natureza enquanto recurso, subserviente da

    "revoluo tcnico-cientfica" dos sculos XVI e XVII e, intrinsecamente, ligada "ao

    desenvolvimento do capitalismo e a ocidentalizao de quase todo o planeta"

    (VESENTINI. 1989. p. 10).

    Dentre os principais eventos que ampliaram a discusso ambiental em mbito

    mundial na dcada de 1970 destacam-se, nos EUA. os movimentos de lutas civis

    pelos direitos dos negros e das mulheres, a oposio guerra do Vietn e o

    movimento de contracultura, dentre outros. A isso se podem acrescentar outros fatos

    como o questionamento da "esquerda tradicional", ocorrido na Frana em maio de

    1968. alm dos riscos da utilizao da energia nuclear (VESENTINI, 1989).

  • 17

    De acordo com Chacon (2003. p. 70), a problemtica ambiental j existia h

    muito tempo e vinha se agravando, entretanto "foi somente depois desses

    problemas se concretizarem no mbito da classe mdia, no espao por ela ocuoado

    e em sua Qualidade de vida. aue o movimento ecolaico de fato comeou".

    Um marco da importncia que assume a 'conscincia ecolgica' em nvel

    mundial, est na organizao da primeira Conferncia das Naes Unidas (ONU)

    sobre o Meio Ambiente, realizada em Estocolmo, na Sucia em 1972. Esse evento

    sociopoltico foi de extrema importncia para a abordagem das questes ambientais,

    principalmente por reconhecer a elevada degradao ambiental que j se

    encontrava a biosfera. Entretanto, ressalta Mendona (1993), na prtica esse evento

    no resultou numa mudana de posturas quanto forma de explorao do

    patrimnio ambiental.

    Monteiro (1981, p. 19) relata que na Conferncia de Estocolmo, cerca de mil

    delegados de 122 naes, produziram 12.000 pginas de documentos condensados

    posteriormente em 500. Porm este esforo, no final, resultou apenas em

    recomendaes.

    Por essa razo a Conferncia tornou-se um smbolo, um referencial na

    Histria deste sculo como o momento da ecloso da questo ambiental. Segundo

    Monteiro (1981, p. 19) ela reflete claramente que os interesses polticos e as

    injunes econmicas esto acima das preocupaes com a qualidade do ambiente,

    e acima de tudo, que o universo est dividido entre naes ricas e naes pobres

    cujos pontos de vista sobre a questo ambiental so conflitantes.

    Acot (1990) relata que na Conferncia de Estocolmo foram lanadas as bases

    de uma Legislao Internacional do Meio Ambiente, onde se uniu a proibio do

    armamento atmico aos grandes problemas ecolgicos, e onde a discriminao

    racial, o Apartheid e o colonialismo foram condenados. O autor realizou um

    levantamento histrico de como ocorreu a degradao do meio ambiente entre o fim

    do sculo XIX e os anos setenta do sculo XX, mostrando a necessidade de

    compreender melhor as causas e os mecanismos dos desequilbrios ambientais.

    Para Marcondes (1999. p. 460), o grande destaque dessa Conferncia est

    em "tratar politicamente o tema como ambiente humano, enfocando o homem e a

    perspectiva social como partes integrantes do problema, na busca de um dilogo

    entre os pases industrializados e os em desenvolvimento". Nesta dcada, surgem

  • 18

    vrios movimentos e at partidos polticos de natureza ecolgica ou ambientalista

    em quase todo o mundo.

    A partir deste momento surgem diferentes opes para o trato da questo

    ecolgica, que podem ser divididos em dois grupos, segundo Vesentini (1989, p. 31):

    "os estudiosos da questo ambiental e os militantes ecologistas". Dentro do grupo

    dos estudiosos encontra-se uma grande diversidade de especialistas das mais

    diversas ramificaes da cincia como. por exemplo, das cincias biolgicas e

    biomdicas. da Geologia, da Geografia, da Antropologia e da Economia. No que

    concerne aos militantes ecologistas. o autor afirma que h manifestantes desde a

    extrema direita, passando por posies de centro-direita, centro-esquerda at as de

    extrema esquerda, devido principalmente preocupao com a questo ecolgica

    no defender uma classe em particular. Neste contexto, ainda conforme Vesentini

    [...] a questo ambiental, na realidade, ultrapassa os limites usuais entreos conhecimentos cientficos, as cincias parcelares. Ela vai alm da oposio homem/natureza, razo/matria, cincias humanas/cinciasexatas, apresentando desafios de renovao para as disciplinas e novas perspectivas [...] de anlise mais global, holstica (VESENTINI, 1989, p. 31).

    De acordo com Moreira (2004), na dcada de 1970 que uma srie de

    questionamentos sobre a crise das formas classistas de representao de mundo

    toma maior consistncia. Como consequncia da ineficcia desse modelo baseado

    nos pressupostos da cincia moderna frente s atuais exigncias, advindas de

    novas descobertas cientficas, surgem amplos debates sobre "o estatuto da verdade

    cientfica e de todo o paradigmtico de representao clssica nela referenciado"

    (MOREIRA. 2004, p. 51).

    Comentando sobre a questo ambiental e ecolgica que assumem dimenses

    globais no sculo XX, especialmente na segunda metade deste. Monte-mr (1998.

    p. 174) instiga que a questo ambiental e ecolgica "vm trazer transformaes

    profundas na compreenso do processo de produo e na organizao econmica e

    espacial da sociedade contempornea", entretanto, o real impacto dessa

    conscincia sobre o ambiente construdo deixa muito a desejar, principalmente no

    que diz respeito s reas urbanas, uma vez que elas

    [...] tm sido vistas tradicionalmente como espaos mortos, do ponto de vista ecolgico. Ainda que tomadas como focos principais da problemtica ambiental contempornea - seja pela lgica da produo industrial e suas

  • 19

    mazelas ambientais, seja pelos padres de consumo que atuam intensamente na destruio e desperdciodos recursos naturais e humanos - as metrpoles, as cidades e as reas urbanas tm sido ainda pouco consideradas nos seus aspectos ambientais. (MONTE-MR, 1998, p. 174).

    Essa crise paradigmtica vivenciada nas dcadas de 1960 e, principalmente,

    na dcada de 1970, tambm acabou por impulsionar uma reflexo terica interna na

    cincia geogrfica. Moreira (2004. p. 47) salienta que "a geografia, a exemplo de

    outros campos de saber, mostrou-se teoricamente desarmada para o desafio

    intelectual ento posto, entrando numa fase de transformaes crticas [...]". Desse

    modo. a abordagem do ambiente na cincia geogrfica toma grande impulso a partir

    desse momento e, segundo Canali (2004, p. 184), "com a crescente demanda por

    estudos ambientais, a Geografia poder retomar e atualizar alguns conceitos ou se

    apropriar de novos".

    A partir da ecloso da crise ambiental, ocorrida entre 1968 e 1972, alguns

    gegrafos se dedicaram a estudos para a compreenso da relao sociedade-

    natureza, fazendo com que a Geografia se mostrasse como uma cincia capaz de

    estabelecer esta relao.

    Segundo Acot (1990), tendo em vista as diversas degradaes da natureza

    consecutivas ao transformadora dos homens, houve uma necessidade de reagir

    e compreender melhor as causas e os mecanismos dos desequilbrios.

    Segundo Gregory (1992), o interesse pela conservao do meio ambiente

    comeou na metade do sculo XIX, mas teve pouca influncia na Geografia Fsica

    at o sculo XX, tendo recebido pouca ateno por parte dos gegrafos.

    Entre as dcadas de setenta e de oitenta do sculo XX, com a intensificao

    da onda ambientalista, os pesquisadores comeam a discutir e produzir trabalhos

    ligados rea de Geografia Fsica, sendo que a maior parte destes, por estarem

    ligados s Universidades, tinham, assim, uma vida acadmico-cientfica.

    Para Monteiro (1981), as dcadas de setenta e de oitenta do sculo passado,

    houve uma tomada de conscincia da populao em relao s inmeras agresses

    que vinham se multiplicando no Brasil em relao natureza e aos nveis

    insatisfatrios da qualidade ambiental, numa sucesso de eventos que assustou

    pela rapidez e intensidade.

  • 20

    Segundo o Troppmair (1983), os anos 70, do sculo XX, as pesquisas

    ambientais estavam direcionadas para verificao dos danos causados ao meio

    ambiente. J na dcada seguinte ressalta o autor, ganha destaque a pesquisa

    interdisciplinar, assim como o planejamento do uso dos recursos naturais visando a

    otimizao da organizao espacial-ambiental.

    A Geografia, nas dcadas de oitenta e de noventa do sculo XX poderia ser

    chamada de Ambientalista, tendo em vista a tomada de conscincia da populao

    com a preservao do meio ambiente e a preocupao dos pesquisadores em

    produzir trabalhos voltados para a questo ambiental.

    Segundo Moraes (1994), importante entender a formao do territrio

    brasileiro e suas principais caractersticas para entender como ocorrem o

    planejamento e a gesto ambiental. Os rgos ambientais devem ser um elemento

    de articulao e coordenao intersetorial, cujas aes perpassem diferentes

    polticas pblicas. A gesto ambiental a ao institucional do poder pblico no

    sentido de objetivas a poltica nacional de meio ambiente, ou seja, a poltica

    ambiental estatal. A gesto ambiental deve acompanhar toda atividade de gesto do

    territrio e a sociedade deve exercer controle sobre o Estado no que se refere ao

    uso dos recursos e ao respeito ao patrimnio natural nacional.

    Silva (1995) relata que as instituies governamentais brasileiras ligadas ao

    meio ambiente, em seus diferentes nveis (federal, regional, estadual ou municipal)

    apresentam-se com reduzida capacidade de operao real sobre os problemas

    ambientais de sua responsabilidade. H deficincias de preparo cientfico entre os

    tcnicos destas instituies e h falta de recursos e disperso dos fundos

    disponveis em aes diretas. Relata, ainda, que a insero de pesquisas ambientais

    brasileiras no quadro geopoltico tarefa premente e inarredvel. Neste mundo em

    transformao acelerada suicdio cultural no estudar sua realidade ambiental e

    no tentar adquirir capacidade de previso quanto a possveis eventos futuros

    relativos ao ambiente, a maior herana para geraes futuras.

    Bernardes e Ferreira (2003, p. 27) ao abordarem a crise ambiental no sculo

    XX, relataram que um dos mais importantes movimentos sociais dos ltimos anos,

    promovendo significantes transformaes no comportamento da sociedade e na

    organizao poltica e econmica, foi a chamada revoluo ambiental. Segundo

    esses autores, com razes no final do sculo XIX, a questo ambiental emergiu aps

    a Segunda Guerra Mundial, promovendo importantes mudanas na viso do mundo.

  • 21

    Relatam, ainda, que pela primeira vez a humanidade percebeu que os recursos

    naturais so finitos e que seu uso incorreto pode representar o fim de sua prpria

    existncia. Assim, com o surgimento da conscincia ambiental, a cincia e a

    tecnologia passaram a serem questionadas. A geopoltica ambiental demonstra

    atualmente que essa questo central em todas as dimenses atuais do

    desenvolvimento.

    Contudo, ainda no se desenvolveu uma clareza a respeito do que precisa

    ser feito nesse sentido e, principalmente, quais os fatores dentro desse contexto

    devem ser priorizados na busca pelo progresso e desenvolvimento da humanidade.

    A partir do momento em que o mundo passou a presenciar catstrofes e problemas

    ambientais alguns organismos internacionais passaram a exigir uma mudana de

    postura mundial.

    Diante desse contexto, a questo ambiental engloba a escala planetria como

    nova Ordem Social e Poltica do mundo contemporneo forando uma pauta poltica

    ambiental mundial, com novos cenrios de interpretao, concepo e

    implementao de polticas pblicas para e no territrio.

    Devido a problemtica ambiental ter se tornado uma questo que deva ser

    tratada por vrios pases em conjunto, uma vez que essa questo obriga adoo de

    polticas comuns por ter se tornado um problema que atinge a escala planetria,

    considera-se mais adequado para se referir a essa questo usar o termo geopoltica

    da problemtica ambiental.

    O uso desse vocbulo remete a ideia da importncia do tema, pois da mesma

    maneira que sua origem est no modo de produo capitalista adotado no passado,

    os benefcios por ela gerados no foi vivenciado de forma comum, logo, a

    responsabilidade do nus ambiental no podem recair apenas sobre os pases que

    hoje apresentam os maiores problemas ambientais, nem muito menos a pretexto de

    preservar o que ainda resta, relativizar a soberania das naes que ainda

    apresentam relativa riqueza de biodiversidade. Por isso, acredita-se que o caminho

    deva partir de aes em conjunto entre todos os pases, pois os impactos so

    sentidos por todos os habitantes do planeta, por isso a necessidade de uma

    geopoltica ambiental.

    O mundo passava na ltima dcada do sculo passado por profundas

    transformaes polticas principalmente no que tange ao fim do conflito Leste-Oeste

    e via desde algum tempo a emergncia de outro conflito to antigo quanto este de

  • 22

    ordem ideolgica, o chamado conflito Norte-Sul, de ordem econmica, denunciando

    um abismo existente entre as economias do norte, ricas e desenvolvidas e as do sul,

    pobres e agroexportadoras, mas que estavam diretamente interligadas pelo fluxo de

    matrias primas e mo-de-obra barata para as indstrias dos pases ricos que se

    instalaram no mundo subdesenvolvido.

    Dentro desse contexto, como j descrito anteriormente, a sociedade civil

    organizada, passa a questionar esse tipo de desenvolvimento e principalmente a

    contestar essa explorao que por via de regra, acaba por impactar sobre a

    qualidade de vida de todas as classes sociais, inclusive daquelas que esto longe

    dos grandes centros industriais e/ou de extrao de recursos minerais que geram

    grandes impactos ambientais.

    Nesse sentido, aponta Oliveira (2010) ganhou destaque a presena marcante

    da Organizao das Naes Unidas (ONU) que em 1972 organizou a Conferncia

    das Naes Unidas sobre Meio Ambiente Humano. Foi a partir dessa Conferncia,

    cujo resultado marcante foi a elaborao de uma declarao de princpios

    (Declarao de Estocolmo), que o mundo passou, gradativamente, a tratar de forma

    diferente os problemas ambientais.

    A partir desses questionamentos apontados pela sociedade em geral, como

    principalmente pelas organizaes no governamentais (ONGS), e organismos

    internacionais como a Organizao das Naes Unidas (ONU) em seus vrios

    rgos, debates em torno da questo ambiental passam a ser constantes na mdia e

    a ser um tema recorrente na pauta de discusses de quase todos os governos,

    inclusive o Brasil, que passa a ser diligentemente cobrado sobre a proteo da

    Amaznia, tratada como um dos trs ltimos redutos da biodiversidade3 do planeta.

    A mundializao da economia no sculo XX consegue ampliar a rea de atuao

    das foras do mercado, ao estender as teias de apropriao do territrio e dos

    recursos naturais a ele associados s mais antigas periferias da economia-mundo

    (BECKER, 2001, p. 135; BECKER 2006, p.24), sobretudo, a Amaznia.

    Becker (2005, p. 77) ainda aponta que esse contexto geopoltico,

    principalmente na dcada de 1980/1990, levou a um pensamento mundial apontado

    para a soberania compartilhada e o poder de gerenciar a Amaznia, que, segundo a

    3 Segundo Berta Becker (2005, p. 77) h trs grandes redutos naturais em todo o mundo contemporneo: a

    Antrtica, que um espao dividido entre as grandes potncias; os fundos marinhos, riqussimos em minerais e vegetais, que sao espaos no regulamentados juridicamente; e a Amaznia regio que est sob a soberania de estados nacionais, entre eles o Brasil.

  • 23

    autora, chegou a abalar o Direito Internacional. Na geopoltica moderna, sua atuao

    se d por meio de influir na tomada de deciso dos Estados sobre o uso do

    territrio, uma vez que a conquista de territrios e as colnias se tornaram muito

    caras (BECKER, 2005, p. 71).

    Essa mobilizao do mundo voltada para a preservao da Amaznia acabou

    por pressionar o governo brasileiro a desenvolver polticas especificas voltada para

    defesa da grande floresta. Entre as principais aes do governo para a proteo da

    floresta esto a criao do Programa Calha Norte e o Sistema de vigilncia para

    proteo da Amaznia (SIVAM/SIPAM). Este ltimo, surge como uma resposta a

    possveis questionamentos que seriam levantados na Conferncia do Rio (ECO-92),

    sobre quais aes o governo brasileiro estava tomando para manuteno da

    Floresta Amaznica. Ao contrrio da Conferncia de Estocolmo (1972) a Eco-92

    teve um carter distintivo devido presena de inmeros chefes de Estado,

    comprovando assim, a importncia da questo ambiental no incio dos anos de

    1990.

    A Conferncia do Rio (ECO-92), promovida pela ONU, tinha vrios objetivos,

    segundo Candotti (1992, p. 115), os trs grandes objetivos eram:

    Primeiro, levar considerao das polticas de comrcio e indstria dos pases participantes um programa de reduo dos impactos sociais e ambientais causados pelo sistema produtivo. Responder a presso dos movimentos sociais preocupados com a crescente devastao dos recursos e ambientes naturais. Promover o debate de novos modelos de desenvolvimento econmicos atentos justia social, conservao dos ecossistemas e aos limites da explorao das matrias-primas; segundo, estabelecer tratados e convenes internacionais dedicados preservao das condies de sobrevivncia das espcies que habitam o planeta e o equilbrio dos ecossistemas complexos. Definir cdigos e normas que orientem programas de conservao ambiental, e limitem os danos provocados pela ao do homem sobre a terra, a gua e o ar. Promover a cooperao internacional em projetos de recuperao e proteo dos ambientes fsicos e naturais; e, por fim, aproximar o debate dos temas ecolgicos e s polticas ambientais s grandes questes do desenvolvimento econmico, da pobreza, da sade, da educao, das concentraes urbanas e do crescimento populacional. Associas as iniciativas de proteo da biodiversidade e a valorizao da sociodiversidade.

    Embora esses objetivos sejam muito bonitos, pra no dizer utpicos, eles

    esbarram numa srie de dificuldades apontadas pelo mesmo autor, uma vez que as

    polticas adotadas pelos Estados ento pautadas em relaes comerciais que

  • 24

    suplantam os limites nacionais como se pode perceber nas dificuldades que Candotti

    (1992, p. 116) elenca:

    A dinmica dos mercados da economia mundial determina uma competio de preos e qualidade que sacrifica os custos da conservao do ambiente. 2. As relaes de poder entre as naes do mundo apoiam-se em arsenais militares, produtividade industrial e agrcola e rentabilidade dos investimentos financeiros. Fatores que desconhecem as razes da conservao ambiental. A dinmica da produo industrial e agrcola depende da capacidade de inovar e desenvolver tecnologia. A circulao destes conhecimentos obedece aos vnculos impostos pelos interesses empresariais e os direitos que protegem a propriedade intelectual. Limites estes raramente conciliveis com os interesses pblicos e a construo de um patrimnio cientfico e tecnolgico comum da humanidade. As recentes transformaes do quadro poltico global redefiniram as prioridades e a direo dos investimentos dos pases ricos. Recursos que poderiam ter sido destinados para programas ambientais nos pases do sul foram orientados para a recuperao das economias dos pases do leste europeu.

    Desse modo, possvel compreender quo complexa a relao entre o

    desenvolvimento de uma geopoltica ambiental mundial e a sua implantao. Os

    estados nacionais no detm mais o controle absoluto sobre seus territrios, ou

    melhor, no so os nicos a implantarem seus interesses na dinmica

    desenvolvimentista de seus espaos delimitados por relaes de poder, mas

    tambm se curvam aos interesses do capital. Mesmo os interesses do capital

    colocando em risco a prpria sobrevivncia da humanidade. Por mais que as

    discusses internacionais sobre a necessidade emergente de uma geopoltica

    ambiental tenha se tornado urgente, sua implementao ainda depende de

    interesses de grandes grupos econmicos.

    Mesmo com as dificuldades para se adotar e mais ainda, para implantar

    aes prticas no que concerne proteo ambiental evidente que foi a partir da

    realizao da Conferncia de Estocolmo que muitos pases passaram a alterar suas

    Constituies de acordo com as orientaes recomendadas nas declaraes da

    ONU. Logo, quando ocorreu a Conferncia do Rio, em 1992, a preocupao com a

    questo ambiental por parte dos Estados j era latente, tanto que o evento contou

    com delegaes de 178 pases. Desta forma, Soares (2004, p. 45) comentando

    sobre a importncia de eventos como a Conferncia de Estocolmo e a do Rio de

    Janeiro afirma que elas:

  • 25

    [...] tm exercido o papel de verdadeiros guias e parmetros na definio dos princpios mnimos que devem figurar seja nas legislaes domsticas dos Estados, seja na adoo dos grandes textos do direito internacional da atualidade. Por outro lado, ambas as declaraes cumprem a funo prpria dos grandes textos de natureza fundamental da histria da humanidade, qual seja de petrificar em textos escritos e solenes aqueles valores que j se encontravam estabelecidos nos sistemas jurdicos da maioria das naes e nas relaes internacionais recprocas, ao mesmo tempo em que declaram outros valores que constituem novidade e representam exteriorizaes da emergente conscincia da necessidade da preservao do meio ambiente global.

    Para Bomfim (2010), a questo ambiental se faz latente nos meios de

    comunicao, entretanto, para que as aes que impactam sobre o ambiente

    comecem a ser sentidas na prtica ainda carecem de muitos esclarecimentos e

    atitudes. De acordo com esse autor, a reverso do quadro de destruio da natureza

    deve comear por tocar em pontos cruciais e caros ao modelo capitalista de

    desenvolvimento, principalmente ao que tange a sociedade de consumo, ao

    desenvolvimento ilimitado, ao direito sem limites de propriedade dos ricos, a

    expropriao do trabalhador, o processo de mercantilizao de tudo entre outros

    fatores.

    No entender do referido autor, muitos temas devem ser melhor discutidos pela

    sociedade tais como o desenvolvimento sustentvel, apontado como sada para este

    imbrglio ambiental que nossa sociedade est vivendo, tido por alguns como a nica

    soluo, mas Bomfim (2010, p.4) questiona quando aponta que

    [...] at mesmo o chamado desenvolvimento sustentvel uma justaposio inconcilivel entre duas palavras, no caso desenvolvimento e sustentvel. Tudo que se fala a respeito de responsabilidade ambiental, conscincia ecolgica, reas de preservao, polticas verdes, etc., no conseguem impedir a destruio da natureza, em nome do desenvolvimentismo. Se coletivamente no desejamos a destruio da natureza, por que isso segue acontecendo? [...] bem provvel que as mazelas oriundas da degradao no so sentidas por todos ou pelo menos da mesma forma. E que nem todos perdem com a degradao, porque seus agentes so reais alguns at ganham com ela.

    E, como resposta ao por que dessa questo ser de impossvel resoluo

    dentro do sistema capitalista o autor abaliza uma srie de consideraes muito

    pertinentes e no discutidas pela mdia em geral, tais como: primeiro, os pases

    subdesenvolvidos nunca vo atingir os mesmos nveis de desenvolvimento dos

    pases ricos porque isso impossvel, a igualdade um mito; segundo, o prprio

  • 26

    termo subdesenvolvimento ou em desenvolvimento trs a ideia de que isso apenas

    um estgio, uma fase para atingir o desenvolvimento, fase esta nunca vivenciada

    pelos atuais ricos e desenvolvidos; terceiro, os pases pobres esto subordinados a

    um jogo geopoltico que os faz permanecer no mesmo patamar, e que no podem

    rejeitar devido as consequncias serem muito piores.

    Nesta questo, muito valioso ressaltar a ideia de Layrargues (1997, p. 18),

    que bem coloca que no sistema capitalista os pobres so os culpados pela prpria

    pobreza e que ocorreu um movimento de dupla convenincia entre Norte e Sul,

    onde o primeiro desejando omitir a poluio da riqueza, e o segundo, desejando

    obter investimentos para mitigar a pobreza, orquestram seus interesses particulares

    em total harmonia. Este autor ainda argumenta que h algo de estrutural nas

    propostas polticas que surgiram nas propostas polticas apresentadas nesses

    grandes eventos como ECO-92 e o Protocolo de Quioto (1997) que lgica

    mercadolgica do desenvolvimento sustentvel, que est relacionada a uma

    pretensa simbiose entre pases ricos e pases pobres que o surgimento de um

    novo mercado, o dos crditos de carbono.

    Becker (2005), comentando sobre a mercantilizao da natureza aponta que

    a mesma est se transformando ele mercadoria fictcia porque ela no foi produzida

    para a venda no mercado e que a partir dessa fico so gerados mercados reais,

    assim como terra, dinheiro e trabalho, no incio da industrializao, foram

    transformadas em mercadorias fictcias, gerando mercados reais. o capitalismo se

    reinventando, transformando a geopoltica ambiental e o desenvolvimento desigual

    entre as naes em mais um vis de mercado.

    Voltando ao que Bomfim (2010, p. 10), j havia questionado sobre esse tema,

    vale lembrar que segundo o autor

    a convenincia dos pases pobres em aceitar a ajuda dos pases ricos, numa falsa simbiose, que permite a estes ltimos continuarem a poluir, na verdade apenas uma forma de controle temporrio, um paliativo, que no tem impedido o crescimento da degradao ambiental diante de um grande contingente de homens e mulheres j degradados por sua condio de vida.

    Alm do mais, Bomfim (2010, p. 11) muito bem salienta o grande dilema do

    desenvolvimento sustentvel dentro do sistema capitalista quando afirma que:

  • 27

    Nosso sistema social tem uma lgica de consumo associada ao produtivismo. De imediato, qualquer proposta de ruptura dessa lgica nos parece trazer consequncias, como: crise, recesso, desemprego, carestia, atraso, etc. Quando consumimos pouco, a indstria cai, o desemprego aumenta, o setor tercirio tambm sofre, a crise se instala e todos os seus efeitos mais perversos podem aparecer (fome, guerra...). Por isso, dentro desse sistema no se pode atacar o consumismo, a grosso modo. Esse o maior dilema para a proposta de desenvolvimento sustentvel, que comumente hipostasia a questo, apontando como problema a produo de lixo em vez do consumo.

    Por isso, o autor ressalta que se no se reverter o quadro de consumismo

    associado ao produtivismo, qualquer ao, a posteriori, est nos efeitos e no na

    causa, por isso ser apenas um paliativo, um movimento superficial e sem efeito,

    logo, o problemas est no sistema adotado como um todo, assentado na lgica

    consumista- produtivista-predatria.

    4. CONCLUSO

    Portanto, pensar a questo geopoltica ambiental atualmente (leia-se,

    principalmente da segunda metade do sculo XX em diante), assume importncia

    mxima nas pautas de grandes encontros internacionais envolvendo todas as

    temticas sejam elas financeiro-econmicas, desenvolvimentistas, sociais, culturais,

    etc.

    Abordar essa temtica tambm repensar sobre as prprias bases

    epistemolgicas da cincia geogrfica e cabe aos gegrafos e demais cientistas

    contriburem com discusses e aes sobre a atuao do homem sobre a natureza.

    No caso especfico da Geografia, essa relao est no cerne do prprio existir da

    cincia geogrfica, ou seja, a relao sociedade-natureza.

    Tambm se faz importante uma mudana na forma de desenvolvimento que

    as sociedades adotaram, prprio do sistema capitalista e explorao de muitos

    para a manuteno da riqueza e bem-estar de poucos. Ficou claro no texto acima,

    ou pelo menos era o que o texto pretendia mostrar, que impossvel perseguir o

    desenvolvimento sustentvel enquanto se atacar os efeitos da crise geopoltica

    ambiental e no suas causas propriamente ditas. As aes que vo realmente vo

    impactar de forma positiva sobre a situao ambiental vivenciada no mundo atual

    esto necessariamente fundamentadas numa mudana no padro consumo-

    produo-predao desenfreados do sistema mundo.

  • 28

    5. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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