angelica, o anjo sedutor

7/31/2019 Angelica, O Anjo Sedutor

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Copyright © 2002 by Patrícia Grasso

Originalmente publicado em 2002 pela Kensington Publishing Corp.

TÍTULO ORIGINAL: To Tempt an Angel

© 2007 Editora Nova Cultural Ltda.

Digitalização: Néia

Revisão: Nádia – Projeto Revisoras

Extrato:

Intenso Desejo

— E o que pretende fazer com sua parte?

— Vou separar um tanto para meus jogos. E reservarei certa quantia paraos pobres.

— Sua generosidade é surpreendente!

— Não desejava a vingança para enriquecer. Era só uma questão de justiça.

— Você é demais, minha bela dama. — Robert acariciou-lhe as mãos.

— Ainda não lhe agradeci pela ajuda. Pode me beijar, se quiser. — Angélica fechou os olhos e ofereceu-lhe os lábios.

A tentação era irresistível. Assim, Robert se inclinou, e o beijo foi longo eardoroso. Aceso o fogo da paixão, ele se apressou em deitá-la no sofá, e numinstante liberou os seios ansiosos por carícias.

Angélica gemeu ao sentir o hálito quente e úmido da boca masculinaexplorando a pele alva e macia do pescoço até o busto. Avançando no erotismo,Robert ergueu-lhe a barra do vestido e deslizou seus dedos hábeis entre as coxasde Angélica.

O ruído de alguém abrindo a porta interrompeu o momento amoroso queapenas começara...

Sobre a autora:

Patricia Grasso é autora de romances históricos, todos eles sucesso devendas que lhe renderam várias premiações, incluindo a de melhor autora naopinião dos leitores e da crítica,o premio KISS da revista Romantic Times e osprêmios B. Dalton e Bookrack de autora campeã de vendas.

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Capítulo I

Londres, 1812,

Mercado livre de Midsummer

Angélica Douglas, acomodada em uma banqueta junto à improvisadabancada de exposição sustentada num tripé, passava de um lado para o outro,com incrível habilidade, os três copinhos de metal, misturando-os.

— Está nesse! — gritou o homem diante dela, apontando o do meio.

Angélica ergueu o copo e, com um sorriso maroto, afirmou:

— Vazio. Que pena, o senhor está sem sorte...

— Você trapaceou! — O estranho arregalou os olhos, vermelhos por anosde abuso do álcool.

Angélica sentiu o estômago revirar e um suor frio percorreu-lhe a espinha.Não pela acusação sofrida, pois sabia que seria muito difícil que alguémconseguisse desmascará-la. Afinal, era especialista no manejo daqueles atraentes

jogos. E, apesar dos dezoito anos, uma mestra na ciência da vigarice. O que aincomodou foi à visão do sujeito completamente embriagado, que sem querer afez lembrar o próprio pai.

Ergueu para ele os imensos olhos azuis e afastou da testa uma mecha decabelos loiros. Em seguida, ajustou o colar de flores frescas, que, imitando umacoroa, Angélica usava no topo da cabeça. Só então sorriu para a pretensa vítima,convidando:

— Que tal tentar os dados?

— Ora! Não jogo dados, com crianças! — Zangadíssimo, o estranho seafastou dali.

Angélica ainda lançou-lhe um desafio, arrancando risos do pequeno grupode curiosos ao redor.

—Está com medo?—Mas, observando que a presa desaparecia ligeiro,dirigiu-se aos observadores, provocando-os: — E então? Ninguém tem coragemde me enfrentar nos dados?

— Eu tenho — uma voz poderosa se fez ouvir.

Os presentes deram um passo atrás, abrindo caminho para aquele que,bem depressa, se aproximou da mesa de jogo.

Angélica mordeu o lábio inferior, quando encarou o oponente. Era o rostomasculino mais belo que já vira em toda sua vida.

O rapaz, embora trajando uma calça comum e camisa branca de mangaslongas, não conseguia disfarçar as maneiras aristocráticas e refinadas. Cabelos eolhos negros, aparentando uns trinta e poucos anos, mostrava um corpo esguio,porém de estrutura atlética. Ele se inclinou, e Angélica ergueu o rosto, enfrentando

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seu olhar. Pôde até perceber que a estatura excedia em muito a sua. Afinal, elaera do tipo miúdo.

Durante os poucos segundos em que os olhares se cruzaram, o burburinhoda multidão que lotava a feira de Midsummer pareceu não existir. Após uma breveluta interior para recompor-se, Angélica abriu um sorriso radiante e providenciou

um par de dados na cor marfim, oferecendo-os para inspeção.Quando os dedos grossos do moço tocaram-lhe a palma da mão para

retirar os cubos, ela experimentou uma ponta de excitação percorrer-lhe o corpo, ese perguntou se ele também teria sentido o mesmo.

— Eu sou Robert — ele se apresentou. — E você?

— Angélica.

— Angélica... Significa anjo. Você é um anjo bom ou mau? — brincou.

— Estava me perguntando o mesmo sobre sua pessoa.

Robert se limitou a sorrir. Depois indagou:— Quanto conseguiu arrecadar hoje, anjo?

— Quatro libras.

— Ah, então me deixe ver... Vamos apostar quatro libras. Angélica hesitoue estreitou os lábios, pensativa. Se perdesse, sua família ficaria sem ter o quecomer por um dia. Mas, se ganhasse, dobraria o resultado de seu trabalho. Deuma forma inexplicável, aquele homem a intimidara a ponto de abalar-lhe acostumeira autoconfiança.

— Está bem — por fim, ela concordou. Os dados foram lançados.

— Qual o número? — Robert deslizou o copo protetor, sem sequer inspecionar o resultado.

— Sete. — Angélica empinou o queixo.

Com sua costumeira e incrível habilidade, Angélica, sorrateira, substituíraum dos dados por outro, adulterado, enquanto agitava os protetores, com gestosrápidos e ágeis. Quando depositou os copos e, com elegância, descobriu osdados, um deles exibia quatro pontos, e o outro, três.

— Mantenho — Angélica falou, olhando-o de viés, na esperança de que eledobrasse a aposta.

Robert se inclinou e colocou mais oito libras sobre o tampo. Angélicachacoalhou os copos entre as mãos e, após várias sacudidas, repousou-os nabancada.

Dessa vez, apareceram seis pontos em um, e um ponto no outro. Angélicapresenteou Robert com um amável sorriso e empilhou as dezesseis libras. Graçasa Deus seus familiares teriam como se alimentar por um mês inteiro.

Isso é, se papai não nos roubar para comprar bebida alcoólica...

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Percebendo que Robert permanecia imóvel, ela quis saber:

— Ainda deseja prosseguir?

O rapaz a fitou, calado. Mas seu olhar era penetrante. Angélica pressentiuque ele sabia que estava sendo tapeado.

Robert jogou dezesseis libras na mesa. Ela fitou todo aquele dinheiro erolou os dados. Um quatro e um três apareceram. Para surpresa geral, Robertdepositou mais trinta e duas libras na mesinha. De novo, Angélica venceu.

— Hoje deve ser seu dia de sorte! — Robert exclamou, colocando maissessenta e quatro libras, desafiando: — E agora? Tudo ou nada, anjo?

Assustada com o valor altíssimo, Angélica deslizou a língua pelos lábios,umedecendo-os. Porém, incapaz de resistir à tentação, sacudiu os copos. E diantedela surgiram seis pontos mais um.

Angélica, sorridente, encarou Robert.

— Para mim, é suficiente. O jogo acabou. — E ela se apressou a recolher as cento e vinte e oito libras, guardando-as na bolsa.

Incapaz de sustentar o olhar de sua vítima, terminou de recolher seuspertences e saiu às pressas. Não havia percorrido mais que alguns passos,quando uma mão imensa agarrou-lhe o braço. Angélica se revirou de pronto,disposta a se defender.

— Posso acompanhá-la até sua casa? — Robert, muito charmoso, seofereceu.

Angélica desconfiou. Será que ele queria pegar o dinheiro de volta ou oquê? Um pensamento sensual provocou-lhe certo torpor, mas, embora o estranho

fosse belíssimo, sua família vinha em primeiro lugar.— Não, obrigada. — Por fim, recusou.

— Você precisa de proteção. Leva uma quantia muito grande na bolsa.

— Ah, é? E quem me protegerá do senhor?

— Não confia em mim?

— Não confio em ninguém. Muito menos em gente que não conheço.

— Somos amigos, anjo. Apesar de não nos conhecermos a muito tempo.Eu até deixei você me enganar e ganhar cento e vinte e oito libras! O mínimo quepoderia fazer em retribuição seria permitir que a acompanhasse.

— Não sou trapaceira. — Angélica se afastou.

— Nem mentirosa! — Robert ainda gritou, vendo-a sumir na próximaesquina.

Angélica passou a andar mais rápido, vez ou outra olhando para trás, a fimde confirmar se Robert não resolvera segui-la.

Assim que se viu longe da zona central, ela desacelerou o ritmo e

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prosseguiu pelas intermináveis ruas e vielas que conduziam à periferia deLondres.

Em seu trajeto, ia pensando em Robert. Por que aquele moço atraenteresolvera perder uma razoável fortuna para ela? Talvez tivesse pretendido dar-sea oportunidade de conhecê-la melhor.

Angélica suspirou fundo. Como seria bom ter alguém que cuidasse dela!Era um fardo pesado ser a responsável pela família.

Amargos ressentimentos brotaram-lhe do fundo da alma. Os culpados peladesgraça dos Douglas ainda pagariam por seus crimes, Angélica jurou para simesma, rangendo os dentes. Após a ruína financeira, o pai se tornou umdependente do álcool; sua tia gastara tudo o que possuía para auxiliar osparentes, e agora nem mesmo poderia trabalhar. As irmãs ainda eram crianças...

Não. A família não era culpada da incumbência que lhe cabia por ser aúnica a ter chance de ganhar algo para o sustento do lar.

Angélica mirou o céu, que parecia escurecer muito rápido. Estava atrasada.O jogo com Robert fora longo demais. À medida que se aproximava da periferia,as ruas ficavam mais escuras e desertas. Ela se perguntou se não deveria ter deixado Robert acompanhá-la. Será que conseguiria chegar antes do anoitecer?

Com o coração aos pulos, agarrou com a mão direita o medalhão de ourocravejado com um diamante, preso na corrente que mantinha ao pescoço. Era aúnica coisa de valor que lhe restara. Um presente da tia, que lhe afirmara que a

jóia possuía poderes mágicos de proteção.

Por favor, meu Deus, faça com que eu chegue sã e salva.

Rezava, apertando a jóia entre os dedos.

A imagem de Robert permanecia em sua mente. Sabia que agira mal.Trapacear para ganhar toda aquela quantia sem dúvida era pecado. Portanto, issoa igualava aos homens que arruinaram seu pai.

Talvez devesse devolver pelo menos uma parte. No entanto, ospensamentos se confundiam. Se Robert podia sustentar uma aposta daquelemontante era porque poderia perder sem maiores conseqüências.

Acelerando mais e mais a caminhada, notava a inevitável escuridão que seinstalava. Alguns lampiões eram acesos nas fachadas simples das residências por onde passava. O trotar de um cavalo se aproximando dela quase a matou desusto.

— Aceita uma carona?

Os mimosos olhos azuis se arregalaram ao deparar com Robert, montadonum alazão, esboçando um sorriso galanteador. Tamanho era o pavor de Angélicaque a súbita aparição foi para ela uma grande bênção.

— Já que é tão insistente, de nada me adiantará recusar — respondeu,bem menos hostil que instantes atrás.

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impacto das coxas e do tórax vigorosos de encontro a si, conforme os movimentosdo cavalo. — E o seu?

— Robert Roy.

— Está brincando?! — Angélica girou a cabeça para espiá-lo por sobre oombro: — Seu nome é mesmo Rob Roy?

— Sim. Meu pai tinha um refinado senso de humor. Angélica deu risada.

— Concordo. Mas a piada foi você.

— Um sorriso desses pode causar inveja ao sol, anjo. — Robert enfiou onariz no meio dos cabelos dourados e inalou o frescor da essência de lavanda.

— Adoro a primavera. Sol, flores e liberdade...

— Será que descobri uma jogadora filósofa? Ela deu de ombros.

— Sou filósofa por natureza e jogadora por necessidade. Quando ela virouo rosto para responder, Robert teve oportunidade de estudar-lhe os traços.

Angélica era dona de linhas perfeitas, pele clara e lábios polpudos, que pareciamfeitos para serem beijados. Era sem dúvida o semblante de um anjo num corpo demulher. Os espessos cabelos loiros que alcançavam à linha da cinturaemolduravam-lhe as faces, como se fossem uma cascata de ouro. A aparenteinocência funcionava como um afrodisíaco para Robert, e o atraiu desde oprimeiro instante em que ele a viu.

Por que uma moça tão linda se sujeitava àquele tipo de vida, perguntou-se.Muitos nobres que conhecia dariam uma fortuna para mantê-la como amante.

Num dos embalos do cavalo, a mão dele, sem querer, pousou no ventre de Angélica, o que o fez imaginar que lindos bebês ela poderia conceber.

Robert suspirou fundo. Pensar em filhos na certa modificava-lhe o humor.Meneou a cabeça para afastar aquelas tolices. Afinal, decidira que jamais tornariaa se casar.

Sentindo o gesto brusco, Angélica quis saber:

— Algo errado?

— Não, anjo. Apenas tive um pensamento ruim.

— O quê?

— Nada importante.

Em silêncio, prosseguiram adiante.Robert observava as casas humildes e coloridas, até Angélica pedir que

parasse em frente a uma delas.

— Eu moro aqui.

Ele analisou a rústica casinha de madeira, pintada de rosa e com portas e janelas brancas. Na entrada, uma escadaria de uns cinco ou seis degraus, queterminavam em uma varanda iluminada apenas com uma lamparina.

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Quando auxiliou Angélica a desmontar, ela desabafou, com um suspiro:

— Como vê, nem todo o mundo é privilegiado. Muitos não possuem fortuna.

— Acredita que o dinheiro traz felicidade?

— Pelo menos não se tem de rastejar para conseguir a próxima refeição.

Uma mulher aparentando quarenta e poucos anos saiu da residência e,apressada, desceu a escadinha, quase gritando:

— Angélica! Graças a Deus que chegou! - O que houve, tia Roxanne?

— Seu pai enlouqueceu! — exclamou e, após um olhar de relance para oacompanhante da sobrinha, disse-lhe: — Ele bebeu todo o conteúdo do frasco doperfume de lavanda!

Angélica disparou para dentro da cabana, seguida de perto por Robert. Naúnica e grande sala, um homem sobre um colchão velho se contorcia em dores eagonia.

— O coitado se envenenou — Robert concluiu. — Tragam-me rápido umavasilha, uma jarra com água e bastante sal.

— O que vai fazer? — quis saber Roxanne.

— Ajudem-me a fazê-lo se sentar—pediu, ignorando a questão. Enquantoos dois intentavam a manobra, o doente arregalou os olhos, perguntando:

— Magnus? É você, Magnus?

Robert estremeceu. Magnus era o nome de seu pai. Muitos diziam que elese parecia com Magnus quando tinha sua idade. Entretanto, como poderia aquelepobre alcoólatra tê-lo conhecido?

— Ele não é Magnus, Graham — esclareceu Roxanne, continuando aauxiliá-lo. — Esse cavalheiro é...

— Robert, senhora.

Graham Douglas soltou um grunhido e apertou a barriga, para aplacar ador.

— Tenho certeza de que é Magnus — insistiu.

Robert, auxiliado por Roxanne, conseguiu fazer com que Graham engolisseo líquido salgado e se aliviasse várias vezes no balde. Dentro de alguns minutos,Graham retornou à coloração normal da pele e as dores cessaram.

— Ele agora está bem. Deixem-no descansar. — E Robert seguiu nadireção da pia, para lavar as mãos.

Angélica lhe entregou uma toalha limpa.

— Obrigada por salvar a vida dele. Papai nunca se recuperou de algunsgolpes da vida, e acabou se tornando um ébrio.

Robert balançou a cabeça, num gesto compreensivo, ao mesmo tempo que

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espionava ao redor, avaliando o ambiente.

O interior da casinha se resumia a um único compartimento dividido emáreas distintas. Numa delas, um fogão e uma pia; na outra, alguns beliches. Haviaum único reservado com uma porta, que era o banheiro. No centro da sala, umamesa grande com oito cadeiras, e junto à janela, uma harpa céltica. Seguindo-lhe

o olhar, Angélica declarou:— O instrumento é meu.

—Logo imaginei. Anjos gostam de tocai- harpas—provocou-a, sorrindo.

— É uma pena que agora eu tenha de vendê-la.

Antes que Robert se pronunciasse, um pequeno pássaro azul passouvoando e cruzou a sala na direção deles, o que lhes desviou a atenção sobre otema.

Angélica esticou o dedo indicador e a pequena ave empoleirou-se nele.

— Olá, Jasper! — Ela acariciou a minúscula criatura. — Hora de dormir,meu garoto. — E o colocou na gaiola dourada presa a um prego, próximo àabertura da vidraça.

A seguir, voltou-se para Robert e explicou:

— Eu o ganhei em um jogo de cartas.

Robert, porém, mantinha a expressão séria e distante ao indagar:

— Quem é esse Magnus a quem seu pai se referiu?

— Magnus Campbell, o duque de Inverary — ela respondeu, comindisfarçada amargura.

Robert arregalou os olhos, surpreso:— Seu pai conhecia o duque?! Naquele instante, Roxanne interveio:

— Meu irmão é herdeiro dos Melrose. Mas um grupo de canalhas o passoupara trás. E um deles era o duque de Inverary.

—E quais os demais envolvidos?—Robert ficou abaladíssimo com anovidade.

— É uma longa história. — Angélica respirou fundo, desanimada,colocando na mesa o dinheiro que ganhara.

— Não estou com pressa — insistiu Robert.

— Talvez outro dia. Quem sabe eu não lhe revele tudo quando chegar aoepílogo?

Robert franziu o cenho.

— Pretende se vingar, anjo?

Naquele momento, a entrada ruidosa de duas meninas os interrompeu. Ambas eram mais jovens que Angélica. A maior, com longos cabelos negros; os

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da menor eram avermelhados. Mas, sem dúvida, todas as três se pareciam.

Angélica fez as apresentações:

—Esta é Samantha, e a mais nova é Victoria. Este é o Sr. Robert Roy.

— Rob Roy?! — Samantha o encarou com ironia.

— Deve ser brincadeira! — Victoria gargalhou. — Quem daria um nomedesses a um filho?

— Meninas! Tenham modos! — admoestou tia Roxanne. — Senhoritas nãoconstrangem as visitas.

— Nem pedem esmolas. — Samantha esvaziou os bolsos, colocandoalgumas moedas na mesa.

— E também não fazem previsões do futuro, nem vendem poções mágicas— completou Victoria, adicionando o dinheiro que conseguira junto ao da irmã.

— Necessitamos de recursos para nos sustentar. E isso nada tem a ver

com boa educação — defendeu-se a tia. Angélica gesticulou para Robert, pedindo que a seguisse. Quando

chegaram à frente da casa, Robert indagou:

— Suas irmãs são pedintes? Angélica fez que sim.

— E sua tia é uma charlatã?

— Nada disso. Tia Roxanne tem um dom especial.

— Ah, sei! — Robert fez um esgar. Angélica baixou os cílios.

— Samantha tem uma perna mais curta do que a outra. Um daqueleshomens ricos que arruinaram meu pai a atropelou com sua carruagem. Como nãotínhamos condições para pagar um médico, os ossos quebrados se colaram dequalquer jeito.

— Sinto muito.

— Já faz anos. E Victoria tem problemas com letras e números. Não écapaz de aprender a escrever ou ler.

Robert suspirou.

— Voltarei amanhã para ver Graham.

— Preocupa-se com pessoas como nós? Ele se inclinou e sussurrou-lhe ao

ouvido:— Eu me preocupo com você. — E deslizando os lábios sobre a face

delicada até tocar-lhe a boca, deu-lhe um beijo rápido.

Angélica o encarou, enlevada, como se aguardasse por uma nova carícia.Robert, com toda a delicadeza, segurou-lhe o queixo, acariciando-o com opolegar.

— Será que agora pode devolver meu relógio? Angélica enrubesceu.




— Não sei do que está falando.

— Você o tirou de meu bolso quando fomos atacados e rolamos no chão.

Não havia saída. Por isso, bem devagar, ela introduziu a mão no bolso dasaia estampada com flores miúdas e apanhou a jóia, devolvendo-a em seguida.

Robert deu-lhe mais um beijinho casto de despedida e montou no cavalo,que de pronto se movimentou, aguardando pelo comando.

— Você o treinou bem! — Admirou-se Angélica.

— Gosto de manter o controle das rédeas. Mas também posso ser umpatrão generoso.

— Eu nunca terei um patrão. — Ela empinou o narizinho.

— É o que veremos. — E Robert saiu a galope.

Apesar das condições em que vivia, Angélica era uma moça corajosa e deuma formosura única. E talvez sua situação financeira precária até ajudasse

Robert em seus planos de torná-la sua amante.Mas havia um grande problema: como conseguir o afeto de uma jovem que

desejava se vingar de seu pai? Era imperioso que antes de tudo Robertdescobrisse como o duque de Inverary prejudicara aquela família.

Logo pela manhã, Robert decidiu visitar o pai.

Como residia a apenas dois quarteirões da mansão, preferiu caminhar.Para que utilizar uma carruagem para percorrer uma distância tão curta?

Os vizinhos já estavam acostumados a vê-lo passar, sem estranhar aatitude modesta do nobre cavalheiro. Mas a surpresa dessa vez era a roupa que

trajava. A mesma calça preta de tecido barato e a camisa branca amarrotada, queusara na véspera.

— Por que está vestido assim? — o mordomo quis saber, assim que abriu aporta e deixou-lhe espaço para que entrasse.

Robert estreitou os olhos na direção do criado, que o conhecia desdecriança, e falou com rispidez:

— Sr. Tinker, não preciso de aprovação para escolher minhas roupas.Onde está meu pai?

— No escritório — respondeu o mordomo, observando horrorizado aspeças amarfanhadas.

Cruzando a imensa sala, Robert dirigiu-se à escadaria. Uma suave vozfeminina o fez estacar:

— Espere um minuto, Robert, quero lhe falar.

Ele reconheceu de quem se tratava: sua cunhada. Como era de esperar,ela estava sempre à espreita. Impossível evitá-la.

Robert girou o corpo para encará-la, e o mordomo passou por ele,




anunciando:

— Vou informar ao duque a presença da marquesa de Slovenly. VenetiaEmerson Campbell — viúva do irmão de Robert e irmã de sua falecida esposa —era uma mulher muito bonita e elegante. Tinha cabelos e olhos castanho-claros,nariz pequeno e retilíneo, que ressaltava os lábios sensuais e convidativos. No

entanto, ambição e sagacidade também faziam parte de seus atributos. E, desde amorte do marido, pretendia a qualquer custo casar-se com Robert.

— Por que resolveu se vestir dessa maneira? — Venetia indagou,assombrada.

— O que há de errado com meus trajes?

— Nada, se você não fosse o marquês de Argyll.

— Sabe que sou incapaz de me amoldar o tempo todo a padrõessofisticados, como os seus.

Venetia sorriu, maliciosa, e se aproximou dele. Umedecendo os lábios,

sussurrou:— Por você eu mudaria meus hábitos. Robert deu um passo atrás.

— Não gosto quando age assim — informou, com um sorriso forçado. Emseguida, mudou de assunto: — Comprei um pônei para Colin. Já o entregaram?

— Sim. Meu filho ficou muito feliz. — E, muito insinuante, provocou-o: —Para Colin, você é o pai que ele nunca conheceu.

— Acidentes acontecem. — Robert esperava que Venetia não fosse falar sobre Louisa, pois conversar sobre a falecida esposa sempre o aborrecia.

Principalmente dada à frieza com que Venetia se referia à irmã. Ainda

insistindo no assédio, a cunhada prosseguiu:— Vou dar um passeio com lady Griffiths no Hyde Park. Quer nos

acompanhar?

— Da forma como estou vestido, só iria envergonhá-las.

— Mudar de roupa não demora muito. Poderemos aguardar.

— Agradeço Venetia, mas tenho outros planos.

— Mas virá para a festa de Colin, não é?

— Por nada neste mundo eu perderia o quinto aniversário de meu sobrinho.

— Quem sabe depois não possamos ir ao baile dos Randolph?— Já tenho outro compromisso.

— Com uma nova amante? — O semblante dela se alterou pela ira.

— Desculpe-me, mas tenho de falar com meu pai. — Robert tentou sedesvencilhar.

Venetia o fuzilou com o olhar.




— Já faz quatro anos que minha irmã faleceu. Quando irá parar delamentar?

— Alguém tem de reverenciá-la — ele devolveu, com sarcasmo, e saiu dali.

Quando será que a cunhada o deixaria em paz, perguntava-se, subindo asescadas. Venetia insistia tanto porque gostaria de se tornar duquesa, quando opatriarca falecesse. E havia anos que insistia em seduzi-lo.

Sem sequer bater na porta, Robert entrou no estúdio do pai, e encontrou oduque acomodado à suntuosa escrivaninha de trabalho. Robert ainda não seacostumara ao acelerado envelhecimento dele desde a morte de Gavin.

As janelas amplas permitiam que os raios de sol entrassem livres etornassem o ambiente ainda mais espaçoso. Uma cantoneira de mármore italianosuportava o retrato da falecida duquesa. Uma variedade de livros era arrumadaem nichos. E, acima deles, lado a lado, um desfile de quadros com a figura detodos os ancestrais. Os mais antigos foram pintados a partir de descriçõestransmitidas pelos herdeiros. Quando criança, Robert adorava contemplar aqueles

retratos.— Sente-se — o duque de Inverary convidou, lançando um olhar para as

roupas do filho.—Imagino que foi a principal atração de Park Lane, hoje —comentou, com um sorriso divertido.

Robert afastou uma das poltronas e se sentou diante do pai. Ainda achavagraça do jeito de ele brincar. O duque era a única pessoa que o fazia sentir-secomo um garoto.

— Os preços da lã e dos grãos caíram de novo—falou Magnus, sempreâmbulos. — Alguém anda sabotando nosso mercado.

— Com certeza Alexander Emerson. Ele ainda me culpa pela morte deLouisa.

— Colin será o herdeiro se você não se casar e gerar um filho. — Magnusse reclinou no espaldar da poltrona.

Dissimulando, Robert retornou ao tema anterior:

— Por falar em grãos, estou pensando em destilar uísque escocês em altaescala. Isso nos traria uma fortuna.

O pai se remexeu no assento, e Robert veio para frente, diminuindo oespaço entre os dois.

— Apenas na Escócia foram desenvolvidas técnicas para utilizar águas quebrotam de granitos vermelhos e passam através de pântanos.

—Mas destilar em grande quantidade para comerciar me pareceimpossível.

— Contratei alguns cientistas para inventar uma máquina que destile semcessar — confidenciou-lhe o filho.

O duque sorriu, satisfeito com a iniciativa de Robert. Depois, indagou:




— Já se inscreveu para o torneio de golfe deste ano? Robert relaxou noassento.

— Acha que eu perderia a chance de derrotar aqueles pretensiosos?

Magnus respirou fundo, meneando a cabeça.

— Ah, se eu tivesse vinte anos a menos! Após uma breve pausa, o duquevoltou a falar:

— A propósito, Charles Emerson aventou a hipótese de um possívelromance entre você e Venetia.

— Não é verdade. — Robert não disfarçou uma grande contrariedade.Sabia que não era à toa que o pai falava naquilo.

— Já faz quatro anos que Louisa morreu, meu filho.

— Droga! Eu sei quanto tempo faz! Convivo com isso todos os dias!

—Lembre-se com quem está falando! — O duque o admoestou, severo.

— Desculpe-me.

— Não pode se culpar até o fim de seus dias, Robert.

— Pai, perdoe, mas não quero falar sobre isso.

— No entanto, terá de arranjar uma esposa que gere filhos.

A imagem de Angélica Douglas surgiu na mente de Robert. Aquele anjosedutor era tudo o que queria.

— Não preciso de esposa ou filhos. Colin será meu herdeiro.

— Porém, se Venetia tornar a se casar ou retornar à casa dos pais, os

Campbell serão controlados por outros.— Ela não fará isso.

— Como pode ter tanta certeza?

— Porque Venetia adora o fato de ser uma Campbell. Afinal, somos umadas mais ricas famílias britânicas.

Mais alguns minutos de silêncio para o tema se desvanecer, e Robert seconcentrou de repente naquilo que o movera até ali:

— O que sabe sobre o herdeiro de Melrose?

— Graham Douglas? — O duque o fitou, surpreso. — Éramos antesamigos. Mas já faz mais de dez anos que ignoro seu paradeiro. Emerson mecontou que Graham e a família estavam morando na Europa. Tentei encontrá-lo,mas... Por que quer saber?

— Eu o conheci ontem. Magnus ficou de pé.

— Onde está ele?

— Calma, pai.




O duque de Inverary tornou a se acomodar.

— Não sei como, mas Melrose perdeu toda a fortuna. — E fitando diretonos olhos do pai, Robert inquiriu: — Ele sempre gostou de beber?

— Graham jamais ingeria nada que contivesse álcool. Dizia que lhe faziamuito mal à saúde. As últimas notícias que tive foi de que alguns nobres, incluindoCharles Emerson, tinham conseguido negociar propriedades de Graham por umabagatela. Com o lucro, Emerson adquiriu o título de Winchester.

— E permitiu ainda assim que Gavin e eu nos introduzíssemos numafamília dessas?! — Robert inquiriu, espantadíssimo, inclinando-se para adiante.

Magnus deu de ombros.

— O que eu poderia fazer? Vocês estavam apaixonados. Agora, diga-me:onde está Graham?

— Não gostará de saber, meu pai. O homem se acha na mais absolutamiséria, e tornou-se um ébrio.

O duque permaneceu boquiaberto, enquanto o filho prosseguia:

— Conheci a filha mais velha no mercado livre de Midsummer. Ela ocupauma bancada, na qual promove jogos de cartas e dados. E o pior: trapaceia opovo.

— Que horror! Tenho de ajudá-los!

— Eu vou ajudá-la.

— O quê? Como assim?

— Refiro-me a Angélica Douglas, a filha mais velha de Graham.

Ela não tem mais do que dezoito anos, e pelo que entendi é a responsávelpor seus familiares. O pai não consegue cuidar nem de si mesmo. Imagine quequase se matou ontem, bebendo um frasco de perfume.

O duque meneou a cabeça, assombrado.

— Eu me lembro de Angélica. Era uma criança adorável. Ainda continuabonita?

— Bonita? É a moça mais linda que já conheci. — Robert se levantou. — Agora, se me der licença, prometi fazer-lhe outra visita hoje.

O duque esboçou um sorriso maroto.

— Hum...Robert preferiu ignorar aquele gesto e saiu, apressado.

A poucas milhas de Park Lane, mas num mundo distante, Angélicaalimentava Jasper e o provia de água fresca. A seguir, colocou a gaiola junto à

janela, com a portinhola aberta, para que o pássaro saísse quando desejasse.Então, resolveu verificar o pote onde eram guardadas as economias dos Douglas.E, para seu espanto, encontrou-a vazia.




—Tia Roxanne! — ela gritou, em pânico. — O dinheiro sumiu!

— Calma, querida. Guardei cem libras em meu avental antes de seu paiconseguir surrupiar tudo.

— E aonde ele foi?

— Adquirir para si mesmo algumas garrafas de paz. — E deu de ombros.— O que queria que eu fizesse? Que o deixasse se envenenar de novo comperfumes?

Angélica ia protestar, mas o som de cavalos atraiu-lhe a atenção.

— É sua cliente, titia: a sra. Dubois — Angélica anunciou, depois de espiar pela janela.

— Madame Roxanne, preciso urgentemente de algumas poções do amor, eque me faça previsões — disse a mulher, fervilhando de ansiedade.

— Claro, querida. Entre.

A elegante senhora, acompanhada da filha de quatro anos, se adiantou ese acomodou na cadeira indicada por Roxanne.

— Será que poderia levar Daisy até o jardim?—Roxanne pediu a Angélica.— Tenho necessidade de privacidade para trabalhar.

Angélica apanhou a harpa com uma das mãos e esticou a outra para agarotinha, e as duas saíram, rápido.

— Eu trouxe uma maçã verde para Jasper — comentou a menina, assimque avistou o pássaro no gramado.

— Vamos nos sentar nas raízes do carvalho. — Angélica suspendeu a

garota pelos braços para ajudá-la a se acomodar.— Ai! — A menina gemeu. — Meus braços doem.

— Mas eu não fiz força! — Espantada e curiosa, Angélica ergueu asmangas longas e largas da blusa da garota, constatando várias manchas roxas. —Você caiu?

— Não.

— Alguém lhe bateu?

Daisy encolheu os ombros e baixou a cabeça.

— Está negando dividir os segredos comigo? — Angélica provocou.

— Lucille diz que eu sou uma menina muito má.

— Lucille? Não a chama de mamãe?

— Ela disse que a faz parecer velha — a pequena sussurrou, em segredo.

Angélica ficou pasma. Como uma mãe poderia agir assim com umagarotinha?

Impotente para assumir qualquer atitude que fosse, Angélica preferiu




distrair Daisy com uma melodia tocada na harpa. O olhar da garota se iluminou deadmiração, e ela sorriu, feliz, observando o pássaro azul, que agora se aproximarae começara a bicar o fruto que ela trouxera consigo.

— Jasper adora maçã verde — comentou Angélica.

Naquele instante, Lucille e Roxanne saíram da cabana. O condutor dacarruagem, avistando a patroa, se apressou em descer e abrir a porta da cabine.

— Vamos, querida — Lucille chamou pela filha. Daisy se agarrou em Angélica, pedindo:

— Queria tanto passar o dia com você!

Angélica ficou consternada com a expressão súplice da pequena. Assim,tomando coragem, aproximou-se de Lucille, junto ao portão.

— A senhora se importaria se Daisy passasse o dia comigo, sra. Dubois?Poderia buscá-la mais tarde.

Lucille Dubois a encarou com uma ruga de surpresa entre os olhos.— É muito atrevimento pensar que a filha de um homem tão importante

passaria o dia todo numa cabana! — E sacudindo o bracinho da filha, ordenou quesubisse no veículo.

— Mas eu queria...

— Não tem "mas", Daisy! Sabe o que acontecerá se não se comportar direito.

A criança lançou um último olhar para Angélica.

— Não faz mal. Brincaremos outro dia — Angélica gritou, sorrindo, para

acalmar a garota.Mas, assim que a carruagem se afastou, ela praguejou baixinho, cerrando

os dentes:

— Cobra venenosa!

Tia Roxanne lhe deu um tapinha nas costas.

— Não perca tempo com gente assim, querida. Angélica fez que sim. Sabiaque a tia estava com a razão.

— Pode levar Jasper, titia? Quero ficar um pouco a sós. Roxanne apanhoua ave e entrou.

Frustrada com o acontecido, Angélica retornou à base do carvalho e iniciouuma melodia relaxante.

— Você toca como um anjo!

Angélica se voltou na direção do portão, e lá estava ele: Robert Roy, comum devastador sorriso no rosto bronzeado e belo. Ele chegou perto e se sentou

junto dela, sobre as raízes da velha árvore. A coxa robusta da perna esquerda deRobert esbarrou na de Angélica. Um arrepio percorreu-a por inteiro pela mera




proximidade daquele homem. Por que aquele lindo estranho a perturbava tanto?

— Como vai seu pai, Angélica?

— Bem o suficiente para roubar meu dinheiro e gastá-lo em bebida.

— Lamento.

— A culpa não é sua.

— E de quem é?

— Dos cinco homens que arruinaram papai: Magnus Campbell, CharlesEmerson, Alasdair Trimble, Henry Drinkwater e Archibald Mayhew.

— Archibald Mayhew já morreu.

Angélica o encarou com desconfiança. Como um homem trajado comoRobert poderia conhecer algum membro da alta sociedade? Talvez fosse tambémum ex-milionário falido. O que não explicaria o fato de apostar com ela cento evinte e oito libras.

— O patriarca da família agora é seu filho, Mungo.

— Então Mungo Mayhew pagará pelo pai.

— Isso não é justo! Você paga pelos erros do seu?

— Todos os dias de minha vida — desabafou, suspirando. Robert apoiou oqueixo nas mãos.

— E qual é seu plano de vingança?

— Tirar todo o dinheiro deles numa mesa de jogo. Robert não conseguiuevitar uma gostosa gargalhada.

— Quer dizer: trapaceá-los?— O que for preciso.

— Mas não é permitida a entrada de mulheres em cassinos de alta roda,anjo.

Angélica ponderou por minutos. Então, sugeriu, tocando-lhe o cotovelo:

— Podíamos fazer um trato. Você iria em meu lugar, e eu lhe ensinaria tudoo que sei.

— E o que sabe?

— Trapacear sem ser descoberta. Depois eu poderia recompensá-lo comvinte por cento do lucro. Além do mais, o conhecimento que irá adquirir lhe servirápara sempre.

Sorridente, Robert ficou de pé. E decidiu arriscar:

— Cinqüenta por cento.

— Vinte e cinco.

— Está bem. Temos um acordo.




Ela se ergueu, animada, dizendo que iria buscar as cartas e os dados.

— Agora não, anjo. Tenho um compromisso importante. Amanhãtrataremos desse tema.

— Ah... então, está certo. — Fez um muxoxo de desapontamento.

— Que tal selarmos o acordo com um beijo? Angélica dirigiu o olhar nadireção da cabana.

— Minha tia...

— Ela não está olhando. — Robert chegou mais perto, até encurralá-la deencontro ao tronco do velho carvalho e tomar-lhe os lábios num beijo de tirar ofôlego.

Sem se conter, ele deslizou as mãos imensas sob a seda macia da blusa,até encontrar as saliências exuberantes e acariciá-las com movimentos suaves.

Angélica delirou e deixou escapar um gemido.

— Prometa que não irá mais ao mercado jogar.— Prometo — ela sussurrou.

Robert recuou de repente e se foi, apressado. Assim que montou em seucavalo, acenou.

— Até amanhã, anjo.

Angélica se apoiou no imenso tronco e, de pálpebras cerradas, ainda sentiao ardor daquela boca feroz.

— Bravo, querida! — Roxanne a observava, da janela. Angélica ficouvermelha de vergonha ao perceber que a tia a

tudo assistira.

— Não se preocupe. O homem está louco por você.

Capítulo II

Na luxuosa casa de espetáculos Royal Opera House, os Campbellocupavam um camarote.

Robert, naquele momento, mantinha um aspecto pueril, lembrando-se de

seu anjo. Como é linda, pensava. E tão inocente! No entanto, haveria de fazer dela sua amante.

Poucos homens no mundo tinham a sorte de conquistar uma mulher joveme virgem e mantê-la apenas para si. E era o que Robert queria. Ou melhor:precisava. Só de imaginar-se possuindo aquela doce criatura, sua excitaçãochegava a níveis inimagináveis. A expectativa de tal prazer o induziu a esboçar um incontrolável sorriso.




— Por que está rindo se a ópera é tão triste? — quis saber o duque,intrigado.

Robert fitou o pai, mas não soube o que responder. Venetia, do outro lado,inclinou a cabeça e sussurrou:

— Não quer reconsiderar sobre o baile?

De soslaio, Robert notou a tentativa de sedução da cunhada, quepermanecia com os lábios sensuais semi-abertos.

— Tenho outros planos. — E Robert se ergueu.

Após se despedir do pai com um breve gesto, saiu dali. Estava ansiosodemais para ficar preso naquele balcão.

O frescor noturno invadiu-lhe as narinas, aliviando a tensão.

— Vamos para casa, Make — ordenou ao cocheiro, após acomodar-se nacarruagem.

Reclinou-se no assento e procurou relaxar. Mas sabia que seria impossível.Só havia uma coisa que desejava naquele momento: e seu nome era Angélica.

Num gesto de pura loucura, abriu a porta, antes que o veículo iniciassemovimento, e saltou. Em seguida, dirigindo-se ao criado, pediu-lhe que saísse etomou-lhe as rédeas.

— Mas, senhor...

— Não se preocupe, Make, estou lhe dando um dia de folga. — E,açoitando o ar, induziu os cavalos a seguir na direção de Primrose Hill.

Tinha consciência de que agia como um tolo adolescente. No entanto,

também nunca sentira nada semelhante em relação a uma mulher. Pena que o paidela arruinara a família. Se as circunstâncias fossem diferentes, Robert se casariacom Angélica. Porém, do modo como tudo se mostrava, a única saída seriamanter o relacionamento em segredo e assumir a situação.

Passava da meia-noite quando ele freou os cavalos em frente à pequenacasa de madeira pintada de rosa. Nuvens encobriam a lua, tornando a noite maisescura. O som de vozes sussurrando e as silhuetas de quatro pessoas semovimentando no jardim atraíram-lhe a atenção. Robert estreitou os olhos eaguçou a audição.

— Mas que droga!

— Calma, querida... Angélica e tia Roxanne conversavam.

— Necessitamos do dinheiro. — Uma terceira pessoa afirmou.

— Samantha está certa.

Sem dúvida eram as irmãs e a tia. Mas o que estariam fazendo ali, naquelehorário tão avançado?, Robert se indagava, descendo para verificar.




— É um desrespeito com o pobre sr. Lewis, tia Roxanne — afirmava aquelaque segurava uma lanterna, com mão trêmula.

— Não dou à mínima — Samantha se impôs.

— O que está acontecendo aqui?

Ao ouvirem Robert, as quatro se assustaram. Foi quando ele pôde observar um corpo estirado no solo, vestido com trajes fúnebres.

— O que é isso?!

— É o sr. Lewis — Angélica esclareceu. Tia Roxanne interveio:

— Eu tentei impedi-las de vender o sr. Lewis.

— Vender?! — Robert as fitava, atônito. — Vocês violaram um túmulo?!

— Deve valer pelo menos dez libras -— Victoria justificou.

— Sim, mas não sabíamos que ele era tão pesado. Como faremos agorapara levá-lo para os cirurgiões?

— Seria mais fácil se você não fosse manca, Sam. — Victoria fez umacareta.

— Mas se não fosse por mim, vocês jamais teriam achado o tumulo —devolveu Samantha. Depois, girou a cabeça na direção de Robert. — Será quenão poderia emprestar um dos cavalos?

Robert sacudiu a cabeça. Só podia estar louco para se envolver comaquela gente. Mesmo assim, decidiu assumir o comando. Com uma empostaçãograve e intimadora, ordenou:

— Todas para dentro. Já!

— Mas e quanto ao sr. Lewis? — quis saber Roxanne.

— Ele não vai a lugar algum. Agora façam o que eu digo. Elas obedeceram,e Robert as seguiu, ao lado de Angélica, que segurava a lanterna acesa.

— Sinto muito que tenha presenciado isso. Em minha defesa, devo dizer que não participei do plano —justificou-se Angélica.

— Ainda bem que estou aqui. Sabia que violar túmulos acaba emenforcamento? Onde está seu pai?

Angélica deu de ombros.

— Retornará quando precisar de mais dinheiro para se embebedar.Robert meneou a cabeça.

Quando entraram, as irmãs mais novas se sentaram lado a lado no rústicobanco de madeira que servia de sofá. Robert se aproximou e, deslizando os dedossobre os espessos cabelos negros, se perguntou o que fazia naquela casa.

— Qual a idade de vocês?

— Dezessete — afirmou Samantha.




— Dezesseis —- disse Victoria.

— Alguma das duas já presenciou um enforcamento? Tia Roxanne fez umgesto, pedindo mais calma a ele.

— Bem, não é uma morte das mais fáceis. — Robert tentou amenizar otom.

— Entretanto, o risco vale a pena — Samantha insistiu.

— E tivemos sorte de conseguir apanhar o cadáver do sr. Lewis antes dasgangues. Sabia que no bairro existem grupos organizados que fazem isso?

— Suas bobinhas! — Robert exclamou. — Não sabem que as escolas deanatomia ficam fechadas durante o verão? Não há procura de corpos nesta época.

Tia Roxanne e Angélica não conseguiram impedir o riso diante daexpressão frustrada das meninas. Robert, contudo, se manteve severo.

— Agora vocês irão para a cama. E não ousem sair de lá até de manhã.

Samantha e Victoria obedeceram, sem objetar.— Vamos precisar de uma pá — Robert pediu a Angélica.

— Eu deixei a minha lá. — E Samantha cobriu o rosto com o lençol.

— Traga a lanterna, Angélica.

— E eu? O que faço? — quis saber Roxanne.

— Apenas vigie as pequenas travessas.

Quando alcançaram o amplo jardim que circundava a residência, Angélicaagradeceu, com aquele seu jeito doce que o fazia estremecer:

— Obrigada, Robert. Você aparece sempre na hora certa.— Minha especialidade é salvar donzelas em apuros. — Ele sorriu, e o

branco de seus dentes reluziu na penumbra da noite.

Robert a ajudou a se acomodar no assento do cocheiro e, manuseando asrédeas, encaminhou os cavalos para dentro do imenso terreno que precedia acabana.

— Nossa! Bancos de couro! Como é que você...

— Tomei emprestado o veículo.

Freando os animais ao lado do corpo inerte, Robert desceu, e em seguida

auxiliou Angélica.— Traga a lanterna e ilumine o local.

Angélica fez como ele indicou. E, para sua surpresa, percebeu que Robertdespia o homem morto.

— Que está fazendo?!

— Ser apanhado transportando um cadáver não é ilegal. A menos que ele




esteja vestido com roupas fúnebres. — Robert amontoou a roupa do defunto aolado do corpo. — Quando voltarmos, enterraremos os trajes.

Angélica enrubesceu ao ver o pobre sr. Lewis totalmente nu. Robert, aonotar seu embaraço, achou graça.

— Está rindo do quê? — Angélica protestou.

— Algum dia ainda riremos juntos de tudo isso, anjo. Agora, vamos.

Ele a fez subir na boléia e acomodou o cadáver dentro da cabine. Minutosdepois, paravam no cemitério.

Robert colocou o morto sobre o ombro e entrou na necrópole, seguindo deperto Angélica, que ia iluminando o caminho. Não demorou muito e avistaram umtúmulo revirado. A pá de Samantha estava jogada ao lado da cratera.

— Credo! Suas irmãs escavaram a sepultura toda!

— E de que outra forma poderiam ter tirado de lá o sr. Lewis?

— Os profissionais cavam somente o topo e puxam o cadáver pelosombros.

— Como sabe?

— Tenho amigos em todos os ramos.

Dito aquilo, livrou-se do peso, deitando o corpo no fundo da vala. Com a pá,começou a cobri-lo.

— Não devíamos colocá-lo no caixão?

— Garanto que ele não sentirá a diferença. Angélica juntou as mãos ecomeçou a rezar, baixinho:

— Desculpe minhas irmãs por terem perturbado seu sossego, sr. Lewis.Por favor, perdoe-nos e descanse em paz.

Robert meneou a cabeça.

— Jamais vi alguém pedir desculpas dessa natureza. A sensibilidade devocês é inédita para mim!

Angélica assumiu uma postura circunspecta, e se manteve calada, vendoRobert trabalhar.

Apesar da mórbida tarefa, ela não podia se impedir de admirar acompleição perfeita do homem a sua frente. Robert parecia um príncipe saído de

um conto para resgatá-la.Ele terminou a tarefa e entregou a pá para Angélica. Em seguida, juntos,

recolocaram as coroas de flores e os arranjos no devido lugar.

Quando retornaram à cabana, os primeiros raios do novo dia afastavam aescuridão. Após enterrarem as roupas do morto num local estratégico, Robertindagou:




— Há algum lugar onde eu possa me banhar?

— Existe um lago aqui perto. Mas precisaremos de sabonete. Ouviram obarulho da veneziana sendo aberta, e uma mão estendida surgiu, oferecendo umapedra de sabão.

— Não quero ninguém sujo de terra aqui dentro — afirmou tia Roxanne.

— Parece que sua tia não perde uma oportunidade de vigiar — observouRobert.

Ambos sorriram, e Angélica o conduziu no caminho por entre a mata quelevava ao lago rodeado de árvores e flores silvestres.

— Adoro isto aqui! — Angélica via a névoa que se dissipava diante daiminente alvorada.

Robert chegou perto da margem, deixando Angélica para trás. E emsegundos, despiu-se por completo.

Angélica arregalou os olhos: Pela segunda vez estava olhando para umhomem nu. Porém, a diferença era gritante: Robert era dono de pernas grossas emusculosas, quadris estreitos e poderosos braços. A beleza máscula lhedespertou um estranho sentimento de curiosidade. Qual seria a sensação de ter aquele homem tão grande deitado em cima dela, pressionando-a? Só de imaginar,

Angélica ficou vermelha.

— E então? — ele gritou, espiando por sobre o ombro e gargalhandoquando ela desviou rápido o olhar. — Virá tomar banho ou ficará só olhando?

— É que você está nu...

— Evidente, anjo. Você costuma se banhar com as roupas? Angélica fez

que não, e manteve as pálpebras cerradas.— Venha. Não há o que temer. Garanto que a água fria esfriará meus

ânimos.

— O que quer dizer?

Robert achou irresistível tamanha inocência.

— Vou me sentar na beirada do lago; desse modo, a água cobrirá minhasintimidades.

Assim que ouviu o som do borbulho indicando que Robert se sentara, Angélica abriu os olhos.

— Agora é sua vez, anjo.

— Então, não me espie até que eu esteja na água.

Robert atendeu ao pedido, e imaginou Angélica se desnudando. Asensação era alucinante.

Passados alguns instantes de quietude, ele sentiu o movimento e aproximidade dela.




— Nossa! Como é raso! — Angélica se espantou ao constatar que ficaraexposta na superfície da cintura para cima.

Robert a fitou, e vislumbrou com deleite o contorno perfeito dos seios e osróseos mamilos. Angélica tentou cobri-los com as palmas das mãos, mas ele aimpediu, quase implorando:

— Deixe-me contemplar sua beleza.

— Não sou bonita. — Ela baixou os cílios.

— Anjo, você é a criatura mais linda que já vi!

Ele se inclinou e beijou-lhe a boca, com ternura, ao mesmo tempodeslizando ambas as mãos, acariciando-lhe os seios firmes e provocando com ospolegares os mamilos rígidos.

Sem hesitar, tomou-a nos braços e saiu do lago, repousando-a nogramado, sem, contudo, afastar os lábios dos dela. Robert notava a excitação de

Angélica a cada movimento de carícia que lhe fazia. E, quando se atreveu um

pouco mais, ouviu-a gemer.— O que vai fazer? — ela conseguiu sussurrar, sob a pressão do beijo

inebriante.

— Levarei um anjo às alturas.

Robert passou a traçar, com beijos úmidos, um caminho pela pele sedosa,até o ponto mais vulnerável.

Angélica sentia-se em chamas. Era impossível lutar contra as delícias queaquele homem lhe oferecia. Totalmente fora de si e por puro instinto, ela se*contorceu, ansiosa, e afagou as costas largas, arranhando-o, frenética.

O momento era aquele. Robert, com toda sua experiência, detectou essarealidade.

— Você foi feita para mim, anjo.

Angélica soltou um grito quando sentiu-o avançar e destruir todas asbarreiras. Mas depois se entregou às ondas de calor e lascívia.

Robert não sabia distinguir se o deleite em possuí-la era maior do queassisti-la daquele jeito, tão desvairada.

Quando enfim relaxaram, ele se deitou ao lado dela, permanecendo comum dos braços enleado na cintura delgada. Após o indispensável descanso,

ergueram-se e vestiram-se. No caminho de volta, de mãos dadas, Robertperguntou, ao observar o absoluto silêncio de Angélica:

— Arrependida pelo que houve entre nós? Angélica suspirou fundo.

— É que minha virgindade era a única coisa de valor que eu possuía e...

— Não há que falar mais em virgindade — Robert a interrompeu. -— Deagora em diante, vou cuidar de você e de sua família.




Angélica sorriu e o encarou.

— Quando nos casaremos?

— Não tenho intenções de me casar de novo. Mas quero assumi-la, e tenhocondições de...

— O quê?! — De punhos cerrados, Angélica socou-lhe o peito. — Sou filhade um nobre, e nunca aceitarei a condição de amante!

— Calma, meu bem. Você está cansada e precisa dormir. Amanhãfalaremos sobre isso. — E, fitando-a direto nos olhos, prosseguiu: — Ainda desejavingar-se daqueles homens, não deseja?

— Não será bem-vindo em minha casa, Robert.

— Lembre-se de que salvei a vida de seu pai e de suas irmãs.

— Nesse caso, salve a si mesmo, começando por economizar a viagem.—E, desvencilhando-se dele, correu para a cabana. Mas, antes de entrar, gritou-lhe:

— Não abrirei a porta para você!Em sua cabana, Angélica, sentada à mesa, praticava sozinha com as

cartas, deslizando algumas para fora das mangas largas do vestido quecostumava usar no mercado de Midsummer.

Os raios do sol do meio-dia aqueciam e iluminavam o ambiente humilde. Angélica lutava para afastar os pensamentos do que acontecera na madrugada.Ter cedido tão fácil aos avanços de Robert era incompreensível e imperdoável.Pior fora a proposta indecente de torná-la sua amante. O que ele pensava? Elaera descendente de nobres, e não de lacaios!

Respirou fundo. Tinha de enxergar a realidade dos fatos, de uma vez por

todas: era filha de um nobre, sim, mas falido e alcoólatra. E ela não passava deuma vigarista em jogos de azar. E foi assim que Robert a conhecera. Não poderiaculpá-lo por julgá-la livre e fácil.

Uma batida na porta e a voz conhecida de Robert a tiraram do devaneio:

— Alguém em casa?

— Vá embora!

— Quero me desculpar por meu comportamento.

— Está desculpado. Agora, pode ir.

— Eu lhe trouxe um presente.

Retribuição de serviços prestados, ela concluiu, antes de responder:

— O único presente que desejo é que desapareça de minha frente.

— E sobre a vingança?

— Não preciso de você para realizá-la.

Robert, ainda do lado de fora, tornou a falar, agora com evidente frustração:




— Abra essa porta, Angélica, ou eu...

— O que fará? Roubará minha virgindade?

— Vou arrombar com um pontapé.

Será que Robert seria capaz disso? Ora, claro que sim!

Desse modo, ergueu-se, resolvendo ir atendê-lo.

Ao girar a maçaneta, deparou com o rosto bonito sustentando um sorrisoquase infantil. Nas mãos, ele trazia dois botões de rosa, um vermelho e outrobranco.

— Amor e paz? — Angélica indagou, mirando as flores. Robert encolheu osombros. Depois, apontou para o ramo colocado no batente, que quase encostavaem sua cabeça:

— Que planta é essa?

— Acônito; para manter você longe. Robert soltou uma estrondosa

gargalhada.— Pelo visto, não funcionou. Posso entrar? Angélica se afastou para dar-

lhe passagem.

— Onde está seu pai? — Robert quis saber, ao se acomodar na cadeiraque ela indicara.

— Ainda não retornou. — Angélica colocou as rosas num copo e seacomodou à mesa, de frente para Robert.

— E tia Roxanne e as meninas?

— Saíram para sondar se há comentários sobre o sr. Lewis.

— Então estamos a sós?

Angélica, adivinhando as intenções dele, estreitou os olhos, avisando:

— O que aconteceu esta manhã não se repetirá mais. Entendeu?

— Está me tirando às esperanças, anjo?

— Isso mesmo.

Robert apanhou uma das cartas espalhadas pelo tampo e, gesticulando-ano ar, quis saber:

— O que irá fazer com o que lucrar no jogo de sua vingança?

— Pretendo mudar para a Escócia.

— O quê?! — Esboçou um sorriso matreiro. — Pensei que fosse para ParkLane exibir sua fortuna.

— Papai tem uma propriedade na Escócia, que é proibida por lei de ser vendida. Uma espécie de bem de família. Seu nome é S weetheart Priry. — E,lançando um olhar curioso, Angélica falou de repente: — O que faz para sesustentar?




— Ah, uma coisa aqui, outra ali... — Dissimulado, Robert se levantou,cruzando a sala e acomodando-se a seguir no banco comprido que fazia às vezesde sofá.

Angélica o seguiu com o olhar e recusou o convite de ir para seu lado. Seriaperigoso demais.

Robert insistiu. O apelo do esplendoroso representante da espéciemasculina era difícil de resistir. Mais ainda: impossível!

Assim, embora relutante, Angélica se moveu quase que por instinto e seacomodou perto dele. No entanto, permaneceu rígida e cm postura defensiva.

—Calma, querida. Relaxe.—E Robert a enlaçou pelos ombros, fazendo-ase aproximar mais.

— Eu queria lhe pedir um conselho. — Angélica fitava o vazio.

— Pode dizer.

— Uma das clientes de tia Roxanne trouxe a filha de quatro anos consigo.E, sem querer, descobri manchas escuras nos dois braços da menina. Tenhocerteza de que a mãe espanca a pobrezinha. O que eu poderia fazer?

Robert circundou os lábios delicados com o indicador e afirmou:

— Anjo, você já tem problemas demais para arranjar mais um.

— Não suporto ver uma criança sofrer.

— Sei que tem um bom coração. Quem sabe quando completar suavingança acabe ganhando dinheiro suficiente para processar essa mãe. Mas atélá...

Angélica respirou fundo, desanimada.— Sabia que meu pai era um homem sensível e amoroso antes de minha

mãe morrer? Costumava me contar histórias todas as noites. Dizia que ele e seuamigo, o duque de Inverary, tinham concordado em promover meu casamentocom o filho mais velho dele, e assim eu me transformaria numa duquesa.

Robert, espantadíssimo, arqueou as sobrancelhas.

— O que foi, Robert? Por que está me olhando desse jeito?

— É que não imaginava estar em tão nobre companhia. — Disfarçou.

— Não me importo com títulos ou riqueza. Apenas sinto falta de carinho e

segurança.Robert acomodou o rosto miúdo entre as mãos imensas e beijou-lhe os

lábios com ternura. Porém, o simples contato acendeu a chama dos instintos, esua mão deslizou na direção dos seios dela.

Angélica o empurrou, determinada, dizendo:

— Já avisei que não irá acontecer de novo!




— Não é o que seu corpo diz.

Nisso ele tinha razão, Angélica tinha de admitir. Entretanto, decidira nãoceder aos apelos carnais. Fazer o papel de amante estava fora de qualquer propósito.

— Peço que saia agora! Robert baixou a cabeça.

— Já fui casado, embora por pouco tempo. Louisa estava grávida quando...— Hesitou por um momento e engoliu em seco. Em seguida, concluiu: — Quandofaleceu.

— Sinto muito.—Angélica ficou consternada com a revelação. Talvezaquela fosse a razão por que ele refutava a idéia de casamento.

Um silêncio pesaroso pairou sobre eles. Robert foi o primeiro a se recompor e, procurando dissipar as névoas de tristeza, sugeriu:

— Que tal aproveitar o tempo para me ensinar seus truques mágicos?

Angélica se animou, e seus olhos arredondados voltaram a brilhar.Enquanto Robert se acomodava à mesa, ela foi buscar a caixa contendo as duasdúzias de pares de dados que possuía. Quando tomou assento diante de Robert,explicou-lhe:

— Lidar com os dados é fácil. Sempre levo vários deles para facilitar. Sãoproduzidos com um pequeno peso de metal no número escolhido para estagnar. Osegredo está nas sacudidas.

— E quanto às cartas?

— É um pouco mais difícil e exige mangas longas, largas e, acima de tudo,agilidade.

— Estou impressionado!Naquele instante, a porta foi escancarada e Graham Douglas entrou,

cambaleante. Angélica pulou do assento e correu para ampará-lo.

— Onde esteve, papai?

— Procurando por paz — murmurou.

— Vou ajudá-lo a se deitar. Venha.

Ao passar por Robert, Graham estacou por um momento:

— E incrível como conseguiu ficar jovem, Magnus!

— O senhor está me confundindo com outra pessoa.— Ah, Magnus... Não conseguirá me enganar.

—Vamos, papai. — Angélica o enlaçou pela cintura e conduziu até um dosbeliches.

— Estou com sede. O que há para beber?

— Água — ela respondeu com severidade. Graham disse algo ininteligível,




e acrescentou:

— Tome cuidado com Magnus. Ele tem uma grande predileção por moçasbonitas. Não quero que se arrisque a ser desonrada. — Dito isso, virou-se para aparede e dormiu.

Quando Angélica o deixou, deparou com o olhar furioso de Robert.

— Por que ficou zangado?

— E um pouco tarde para seu pai se importar em proteger-lhe a honra.

— Está sendo cruel. Meu pai tem problemas...

— Todos têm. Não me atirei no álcool quando perdi minha mulher.

— Talvez porque tenha a personalidade mais forte.

—É possível. Agora, tenho de ir. Amanhã prometo que voltarei. Robertapanhou do bolso traseiro da calça uma carteira de couro e colocou sobre a mesavinte libras.

— Não quero isso! — Angélica franziu o cenho.

— Não vamos discutir. Apenas guarde e mantenha a promessa que me fezde não ir ao mercado.

Ela gesticulou, concordando, e ele deu-lhe um beijo rápido de despedida.

— Nós nos veremos amanhã. E, a propósito, nada de arrombar túmulos.

Angélica sorriu.

Após a saída de Robert, Angélica decidiu se distrair com a harpa. Assimque finalizou o último acorde de uma linda melodia, fitou o pai e levou um susto.

— O que está fazendo?! — gritou ao ver Graham, que havia se erguido eapanhava o dinheiro deixado sobre a mesa.

— Preciso de um drinque.

Angélica bloqueou a saída dele, decidida a impedi-lo de gastar mais com abebida que o estava matando.

— Devolva isso, papai. Beber não trará mamãe de volta.

— Eu sei. Mas alivia a dor. Agora, saia da frente. Angélica se recusou, e opai, fora de si, a sacudiu pelos ombros até conseguir empurrá-la. Angélica perdeuo equilíbrio e estatelou-se no chão. Por instinto, rolou o corpo e puxou a faca

presa numa tira, colada ao tornozelo, e exibiu-a no ar.— O que pretende fazer? Assassinar seu próprio pai?! — E, antes de

desaparecer de cena, Graham acrescentou: — Você tem a mesma aparência desua mãe, mas nem de longe a mesma doçura.

Angélica permaneceu estirada no piso de madeira, soluçando alto, paradeixar fluir toda a frustração que sentia por sua vida miserável e sem futuro.

Quando a tia e as irmãs entraram, espantaram-se com a cena: Angélica,




jogada no piso, com os olhos inchados e vermelhos de tanto chorar.

— O que houve?! Está doente? — quis saber Roxanne. Angélica negou,meneando a cabeça.

— Robert...

— Ele a desonrou?!— Sim. Mas isso foi pela manhã, perto do rio. — Respirando fundo,

Angélica ficou de pé.

— E só agora resolveu chorar? — Roxanne estranhou.

— E como foi? — perguntou Victoria.

— Não seja boba! — Samantha a admoestou. — Fazer amor com umhomem daqueles deve ser o paraíso na terra!

— Parem com isso, meninas! — E, sorrindo para Angélica, Roxanneprofetizou: — Sabia que minhas visões estavam certas. Vocês estão apaixonados

e vão se casar.—Robert não quer casar-se, titia. Pediu-me para ser sua amante. Tia

Roxanne gesticulou a mão, não dando importância.

— Deve prestar atenção ao que um homem faz; não ao que ele diz.

Angélica lançou-lhe um olhar cético.

— Não acredita em mim? Sabe que já me casei três vezes.

— E verdade. — Angélica ajeitou os cabelos. — E gastou toda sua herançapara nos ajudar.

— E faria tudo outra vez. Quando vocês se casarem, será a vez das três decuidar de mim. — E mudou de assunto: — Ainda não disse por que estavachorando tanto, Angélica.

— Papai esteve aqui e roubou vinte libras que Robert me deu. Tenteiimpedi-lo, e ele me derrubou.

Roxanne suspirou, aborrecidíssima.

— Infelizmente nada mais pode ser feito por meu irmão. Seu destino jáestava traçado antes de ele nascer.

— O que isso quer dizer?

— Que nem sempre conseguimos auxiliar quem desejamos, Angélica. — E,para amenizar a tristeza, exibiu um sorriso, comentando: — A boa notícia de hojeé que não há nem um único comentário sobre o sr. Lewis.

Angélica voltou para a harpa, e tia Roxanne chamou as meninas paraajudar no preparo do jantar.

Poucas horas depois, tia e sobrinhas foram surpreendidas com fortesbatidas na porta. As quatro se entreolharam. Roxanne se adiantou e, ao atender,




deparou com Parson Butterfield, que acenou para seus companheiros — quecarregavam um corpo — se aproximarem.

Os homens entraram na sala e, após acomodarem Graham no colchão,saíram apressados. Angélica cruzou a sala em disparada e, ao ver o pai inerte,desferiu-lhe tapinhas nas faces, com carinho, implorando para que acordasse.

— Ele está morto, querida — tia Roxanne declarou, emocionada. — Atéque enfim meu pobre irmão encontrou o que desejava desde que perdeu aesposa.

Angélica se inclinou e beijou a testa do pai, prometendo:

— Um dia vou levar você e mamãe para um túmulo em nossa própria terra.— Depois, retornando para Parson, quis saber: — O que houve?

— Não sei. De repente o sr. Douglas caiu morto a meus pés. — Parsonmeneou a cabeça. — Se houver algo em que eu possa ajudar...

— Na verdade, há. — Roxanne se adiantou. — Poderia levar uma

mensagem nossa para o duque de Inverary?— Duque de Inverary?! — Parson repetiu, de olhos arregalados.

— Não irá escrever para aquele homem, titia! — Angélica protestou.

Ignorando a sobrinha, Roxanne rabiscou algumas poucas frases numpapel, dobrou-o e o entregou a Parson, que partiu em seguida.

— Se aquele homenzinho vier aqui eu o mato! — Angélica rangeu osdentes.

— Eu a ajudo. — Samantha empinou o nariz.

— Eu também. — Victoria pôs as mãos na cintura.— Cuidado, meninas. O mal que desejamos aos outros retorna para nós

em dobro — advertiu-as Roxanne.

Capítulo III

Na tarde seguinte, a família Douglas, reunida no jardim da choupana, ouvia Angélica tocando sua harpa, da qual extraía notas melodiosas e tristes.

Tia Rixie se sentava a seu lado. Samantha e Victoria resolveram banhar-se

no lago, para se refrescar do calor, e se embrenharam nas matas.Deslizando os dedos pelas cordas, Angélica devaneava. Seu pai morrera e

já fora sepultado, mas a natureza parecia indiferente. O céu estava esplendoroso.O sol de verão prosseguia lançando raios fulgurantes, e as velhas árvores nãonegavam as deliciosas sombras provocadas pelas imensas copas.

Quanta injustiça, Angélica pensava. O duque de Inverary permanecia emsua mansão, bem como os demais traidores, e todos prosseguiam desfrutando




dos proveitos que tiraram de Graham. E quanto aos Douglas? Não deveria haver justiça alguma?

Angélica não confiava mais nas leis, nem no poder. Mas jurara agir por conta própria, não importava o preço a pagar.

Roxanne brincava com o pássaro azul, dizendo:

— Você é muito bonito, Jasper! Acho que as moças da cidade pagariamuma fortuna para enfeitar seus cabelos com algumas dessas suas penasmaravilhosas. Mas agora se tornou um pássaro especial, visto que sua dona é acondessa de Melrose...

—O que está dizendo, tia? — Angélica interrogou, ao ouvir-lhe a últimaafirmação.

— Que você agora é a condessa de Melrose.

— Sou?

— Óbvio que sim. Não sabia que, pela tradição, não havendo herdeiroshomens, a filha mais velha assume o título?

Angélica explodiu numa gargalhada sarcástica, sem nenhum humor.

— Quer dizer que agora passo a ser a condessa dos pobres e miseráveis?

A tia fechou o semblante e prosseguiu brincando com o pássaro.

— Alguém em casa? — a voz potente de Robert, que se aproximava,chegou até elas.

Angélica ficou de pé, e ele notou ela que usava um todo vestido preto.

— Que aconteceu?

— Sepultamos meu pai, pela manhã.

— Sinto muito, Angélica.

— Será mesmo? Robert não compreendeu.

— Acha que eu desejava a morte dele?

— Papai ainda estaria vivo se você não tivesse deixado as vinte librassobre a mesa.

— Angélica! — Roxanne a repreendeu. — Peça desculpas!

— Graham bebeu até morrer sem minha ajuda. Até que enfim conseguiu o

que queria. — Robert se ofendera com a afirmação maldosa, e, girando noscalcanhares, decidiu ir embora.

— Espere! — Angélica pediu, arrependida. Ele se voltou, com as feiçõesendurecidas.

— Perdoe-me, Robert. Não quis dizer aquilo. Estou muito abalada.

Compreensivo, Robert abriu os braços. Angélica se aninhou, e, afundandoa cabeça no peito largo, chorou desbragadamente.




Quando conseguiu se recompor, ela tomou a falar, agora num sussurroquase inaudível:

— Estou me sentindo muito culpada.

— Já a perdoei, anjo.

— Não é isso. É com relação a meu pai.— Não havia nada que você pudesse ter feito para impedi-lo.

— Sei disso. É que quando soube que estava morto senti uma espécie dealívio.

Robert a afastou, tocando-lhe os ombros. Depois, com extrema gentileza,ergueu-lhe o queixo, de modo a poder encará-la e ver com clareza seus olhos,ainda lacrimejantes.

— Você fez tudo o que podia por Graham, Angélica. E não está aliviadaporque ele morreu. O que experimentou foi à sensação de um fardo pesado sendo

tirado de suas costas. — Com ternura, Robert beijou-a na testa. — Acredite,doçura. Seu coração é puro demais para abrigar tamanha maldade.

— Não era o que meu pai pensava. As últimas palavras que ouvi dele foramque eu parecia com minha mãe, mas não lhe tinha herdado a bondade.

— Era o álcool falando, e não o seu pai. — Robert a confortou. — Agoraquero que vá descansar.

— Está bem. Obrigada. — Ela esboçou um leve sorriso.

— Tenho de ir, meu anjo. Vou falar com alguns amigos e promover guardano túmulo de seu pai.

— Mas você disse que nesta época não há procura de cadáveres.— Isso não impediu suas irmãs.

Angélica tomou-lhe a mão e a beijou. Depois, beijou repetidas vezes osgrossos dedos, em agradecimento.

— Está bem agora, Angélica?

— Ainda não, mas ficarei.

Angélica o acompanhou com o olhar, à medida que Robert se afastava.

Apesar de aquele homem ter lhe roubado a virgindade sem preveni-la deque não queria se casar com ela, em outros aspectos era honesto e confiável.

Após o jantar, naquela mesma noite, Angélica cuidava de lavar os pratos,sem deixar de observar a tia andando para lá e para cá, reunindo pertences eempacotando-os.

— O que está fazendo, titia?

— Arrumando objetos pessoais.

— Pretende ir a algum lugar?




— Sim. — Roxanne enviou a Angélica um sorriso matreiro e entrou noreservado, para cuidar da higiene pessoal.

— Temo que a morte de papai tenha afetado a mente de tia Roxanne —Samantha observou.

— Na verdade ela nunca foi muito certa das idéias. — Victoria fez umesgar.

Sorrindo, Angélica pediu-lhes:

— Precisamos ir até o cemitério.

— Por quê? — As outras duas perguntaram em uníssono.

— Quero ter certeza de que Robert não esqueceu a promessa de mandar vigiar o túmulo de papai.

Victoria protestou:

— Mas ele mesmo disse que não há demandas por cadáveres, nesta

época.— Nem todos sabem disso — Angélica devolveu, numa claríssima

insinuação.

Levando consigo uma lanterna acesa, Angélica liderou o caminho, e as trêsse aproximaram da tumba. O silêncio e a escuridão eram assustadores.

— Parece que não há ninguém. — Angélica suspirou, desapontada. — Acho que Robert esqueceu.

— Não confia em mim?

Ao ouvi-lo, as irmãs levaram um grande susto.

— Nossa, Robert! — Angélica pôs a mão sobre o peito. — Está sozinho?

Dois homens saíram das sombras, vindo até eles. —Estes são meusamigos, James Armstrong e Adam St. Aubyn. Angélica os cumprimentou com umgesto de cabeça e apresentou as irmãs. Em seguida, perguntou a Robert:

— Por que estavam no escuro?

— Apagamos as lanternas quando ouvimos passos vindo nesta direção. Agora vou acompanhá-las até a saída.

Chegando ao portão, Robert se despediu com um rápido beijo nos lábios de Angélica.

— Enquanto estiver de vigia, vou precisar descansar durante o dia. Eu avisitarei assim que possível, está bem?

Angélica assentiu com a cabeça.

— Sentirei saudade.

— E eu mais ainda, anjo.

Três dias se passaram desde o infausto ocorrido.




Naquela noite, Angélica dormiu mais do que costumava. Quando acordou,tinha um sorriso nos lábios e as últimas palavras de Robert na mente.

Onde será que ele morava, e o que fazia quando não estava com ela?, eraa pergunta que se fazia. Embora conhecesse Robert havia tão pouco tempo, nãopodia mais imaginar a vida sem ele. Estaria por acaso apaixonada?

— Angélica, venha aqui rápido! — Roxanne a arrancou dos devaneios.

— Estou indo. — Angélica apressou-se, afastando as mechas loiras que lhecobriam a testa.

Roxanne e as demais sobrinhas estavam debruçadas à janela: Quando Angélica chegou perto, conseguiu avistar uma luxuosa carruagem parada emfrente da cabana.

— Deve ser a resposta do duque a minha mensagem — a tia deduziu.

O cocheiro, com um uniforme elegante, veio até a entrada e foi recebido por Roxanne.

— A senhora é a condessa de Melrose?

— Não. A condessa é minha sobrinha. — Roxanne indicou Angélica.

O criado se inclinou, numa reverência, e disse:

— O duque de Inverary solicitou a honra de hospedá-las por alguns dias emsua residência.

— Pois diga ao duque que a condessa está muito ocupada — Angélicaretornou, com rispidez.

O cocheiro ficou vermelho.

— Mas, milady, eu...— Dê-nos licença, sim? Só por alguns instantes. — Roxanne puxou a

sobrinha pela mão até o canto mais remoto da sala.

— Está louca?! É nossa grande chance de sair da miséria! — exclamou,num sussurro enérgico.

— Eu não vou.

— Pensei que quisesse se vingar daqueles canalhas.

— Evidente que quero, tia!

— Então me diga: que melhor oportunidade pode haver do que ser hóspededo duque de Inverary? — Roxanne improvisou, com esperteza.

— E quanto a Robert?

— Deixe um recado na porta.

— Mas se ele tiver vergonha de ir à mansão do duque, não o verei mais,titia.

— Isso não acontecerá. Confie em mim. Além do mais, pense em suas




irmãs. Com a proteção do duque, elas poderão arranjar ótimos partidos.

Angélica teve de reconhecer que as palavras da tia eram repletas desabedoria. Assim, concordou, fazendo uma última pergunta:

— E Jasper?

— Pode levá-lo também.Duas horas mais tarde, a carruagem estacionava diante da imponente

mansão em estilo clássico. Ornamentando o imenso jardim havia várias estátuasde mármore. O brasão da família Campbell, incrustado acima da suntuosa portade entrada principal, reluzia sob os raios dourados do sol de verão.

— Sr. Tinker! O tempo se esqueceu do senhor! — Roxanne afirmou,admirada, diante do sorriso orgulhoso do mordomo.

— E a senhora, lady Roxanne, está mais bela do que me lembrava. —Inclinando-se, o criado recuou dois passos para dar-lhes passagem.

Roxanne deu sorriso largo e, olhando de lado, chamou as meninas. Omordomo se ofereceu para alojar o pássaro, mas Angélica recusou comveemência. Tinker sorriu-lhe, compreensivo, e as conduziu até o estúdio doduque.

Angélica umedeceu os lábios com nervosismo ao ouvir a voz potente doduque autorizando o mordomo a introduzi-las na sala.

Apesar de maduro, o duque de Inverary ainda era um homem atraente, comseus cabelos e olhos negros. Apenas as costeletas eram brancas, e bemaparadas. Angélica não conseguia atinar com o porquê de ele lhe parecer tãofamiliar.

O duque se ergueu para cumprimentá-las e dar-lhes os pêsames pelopassamento de Graham. Depois, abraçou Roxanne, muito carinhoso.

— Roxanne, que saudade!

— Não imagina quantas vezes eu quis contatá-lo, Magnus. Mas meu irmãoera orgulhoso demais para pedir ajuda.

— Amigos de verdade não esperam, que lhes peçam. Apenas ajudam — Angélica interveio, provocando.

— A moça de língua comprida é Angélica. — A tia a apresentou,reprovando-a com o olhar.

— Ah! A condessa de Melrose! Continua linda como sempre! — E,dirigindo-se às outras irmãs, disse: — Estas devem ser Samantha e Victoria.

Roxanne assentiu com um gesto.

— Por favor, sintam-se em casa. Vou ordenar para que sejam acomodadasem seus aposentos.

Mas, antes que o mordomo saísse, acompanhando-as, o duque pediu:




— Lady Angélica, poderia permanecer por mais um minuto? Gostaria de lhefalar em particular.

Angélica retornou, e as três seguiram o mordomo.

— Por favor, sente-se. — O duque apontou a poltrona diante daescrivaninha.

— Não se importa que Jasper fique comigo, não é?

O duque esticou o pescoço e espiou a pequena ave no colo dela.

— É seu bichinho de estimação? Angélica fez que sim.

— Onde ele dorme?

— Tenho uma gaiola.

— Pedirei que providenciem uma para colocar na janela de seu quarto, eoutras mais espalhadas pela casa. Verá como ele ficará feliz.

— Feliz ele fica em minha casa, Vossa Graça.

O duque sentiu a animosidade dela e, reclinando-se no espaldar, remexeu-se, desconfortável.

— Tenho a impressão de que não gostou de mim. Posso saber por quê?

— Porque traiu meu pai, e ainda vou conseguir fazer com que se arrependade seu ato! — Os olhos de Angélica faiscaram.

— Vejo que herdou a impetuosidade de Roxanne! — O duque meneou acabeça. — Mas devo corrigir seu equívoco. Graham foi o amigo mais querido quetive na vida, e eu jamais o trairia.

Angélica abriu os lábios para responder, mas antes que o fizesse o duqueprosseguiu:

— Disseram-me que Graham tinha se mudado para a Europa. Usei todosos meios de que dispunha, mas jamais o localizei. — O nobre correu os dedospelos cabelos, e sua frustração se tornou evidente. — Teria feito qualquer coisapara ajudá-lo.

Angélica fixou o olhar no tapete. Estava confusa. Como faria para saber seo duque estava sendo sincero?

— Se isso é verdade, pode colaborar agora, na vingança contra ostraidores.

O duque encolheu os ombros.— E sabe de quem se trata?

— Alasdair Trimble, Henry Drinkwater, Archibald Mayhew e CharlesEmerson.

— Archibald morreu.

— O filho responderá pelo pai.




O duque inclinou a cabeça, mas a expressão permaneceu séria.

— Charles Emerson também está fora de questão. A filha dele é viúva demeu filho e mãe de meu neto.

Angélica nada comentou, limitando-se a encará-lo.

— O que pretende fazer para se vingar, milady?— Depauperá-los em uma mesa de carteado. A revelação fez o duque

sorrir.

— Ah! Então Graham a ensinou a jogar?

— Sim. Mas o que faço é bem diferente de meu pai. Honestidade é vencidacom sagacidade. Eu posso vencer qualquer jogo.

O duque arqueou uma sobrancelha e decidiu:

— Muito bem. Farei com que tenha acesso a jogar com esses homens.Inclusive Charles Emerson.

Angélica esboçou um sorriso iluminado. Até que enfim surgia um fio deesperança para realizar seus sonhados planos. O barulho da porta sendoescancarada os surpreendeu.

— O que tem de tão urgente, pai?

Essa voz— Angélica se pôs de pé. Espantadíssima. Pai?! O duque deInverary era o pai de Robert?!

— O que faz aqui? — Robert quis saber, tão atônito quanto ela.

— Ia fazer-lhe a mesma pergunta. — Angélica podia ler nas feições dele aira que o assaltava, mas não conseguiu entender-lhe a zanga. Afinal, quem

mentira era ele.— Se está pensando em me forçar a um casamento, pode desistir,

mocinha! — Robert explodiu, com a boca contorcida de raiva.

Antes que pudesse raciocinar, a mão foi mais rápida, e Angélica desferiuum tapa no rosto de Robert.

— Eu nunca forçaria ninguém a se casar comigo! Muito menos ummentiroso!

Robert não cabia em si, tamanho seu espanto. Mal podia crer noatrevimento dela, humilhando-o na frente do duque. E foi com ira e sarcasmo que

ele devolveu:— Charlatões e trapaceiros são mais perigosos!

— Sr. Tinker, por favor, conduza-me até meu quarto. — E Angélica saiudali, de cabeça erguida e as faces coradas pela indignação.

Assim que a porta se fechou, o duque se dirigiu ao filho:

— Não pode culpá-la. Você foi muito grosseiro.




— O que pensa que está fazendo, pai? — Robert indagou, com a vozalterada e gesticulando.

— Sente-se e se controle. Isso não são modos de se falar comigo — oduque censurou. Depois, reclinou-se na poltrona, para esclarecer: — Decidiacertar algumas coisas, colocando-as em seus devidos lugares.

— Angélica apareceu aqui ou você a chamou? — Robert se acomodou nafrente da mesa de trabalho do duque.

— Eu convidei a família Douglas.

— Como as encontrou? Por acaso mandou que alguém me seguisse?

— Não. Lady Roxanne me enviou uma mensagem, assim que Grahamfaleceu.

— Aquela mulher é uma vigarista.

— Não quero saber como fizeram para sobreviver. O que me importa agora

é colaborar com elas ao máximo. Devo isso a Graham. Após uma pausa propositada, o duque voltou a falar:

— Em minha juventude, cometi a tolice de perder Roxanne. Não incorrereino mesmo erro, agora.

Robert quase saltou da cadeira.

— O que quer dizer com isso?!

— Assim que a família estiver assentada, pode ser que eu pense a respeitode me casar outra vez.

Robert não conseguia crer no que ouvia. Será que o pai estaria perdendo o

juízo?—De qualquer modo, você arruinou meus planos, pai—Robert afirmou,

desanimado.

— Quais?

— Os de tornar Angélica minha amante e cuidar da família dela.

— Pelo que pude notar, aquela adorável garota jamais se sujeitaria a ser amante de homem algum. — O pai se esforçava por disfarçar um riso debochado.— A riqueza nem sempre é quem comanda, Rob. Angélica é uma aristocrata deberço, e, se a quiser, terá de fazer-lhe a corte e propor-lhe matrimônio.

Robert observou o duque por um momento e decidiu que ele não iriainfluenciá-lo outra vez. Já bastava a idiotice que fizera e que acabara com osuicídio de Louisa.

— Nunca! — Robert cruzou os braços. — Não vou me casar com ela, nemcom outra qualquer.

O duque deu de ombros, indicando que a decisão era problema do filho.Sem demora, mudou o assunto.




— Um de nossos navios foi pirateado.

— Qual?

— O Tempest.

— Levaram a carga toda?

— Não. O assalto aconteceu no retorno. A mercadoria já havia sidoentregue. O que perdemos foi o dinheiro.

— Falou com o capitão Taylor?

— Ele mandou um relatório logo pela manhã.

— Gostaria de fazer-lhe algumas perguntas. Acho que irei até o cais.

Bateram na porta. Ao escutar a ordem para que entrasse, Tinker girou amaçaneta e anunciou Roxanne.

Os cavalheiros se levantaram e, após ela ocupar a poltrona ao lado deRobert, tornaram a se sentar.

— Por que está com um lado do rosto vermelho? — Roxanne indagou, como olhar sempre observador fixo em Robert.

— Eu bati a face na palma da mão de Angélica. O duque soltou umagargalhada.

— Essa menina tem um temperamento... — Roxanne desaprovou,meneando a cabeça, mas sorriu. — Eu sabia quem você era desde o primeiromomento em que o vi.

— Mesmo? Como?

Roxanne fitou o duque de soslaio, de um modo tão charmoso que o fezquase derreter.

— Porque você é quase tão bonito quanto seu pai.

— Suponho que isso seja um elogio — Robert brincou.

— E é. Mas não se iluda. Angélica jamais aceitará a condição de amante.

— Se está pensando que vai me tapear com essa conversa, vou logoavisando que não pretendo me casar com Angélica.

Roxanne gesticulou, com indiferença, demonstrando que aquela revelaçãonão tinha a menor importância.

—Nesse caso, minha sobrinha se casará com outro. Aliás, todas elas farãoexcelentes uniões.

Robert se remexeu, desconfortável.

— Já tem alguém em vista para Angélica?

— Ainda não. Mas, assim que ela começar a freqüentar a sociedade, tenhocerteza de que choverão pedidos de casamento — Roxanne o provocou. Egirando os olhos na direção do duque, pediu seu apoio: — Não é mesmo, Vossa




Graça?

— Com toda aquela beleza e as novas roupas que providenciarei, não hádúvidas. E o mesmo valerá para as irmãs.

— Elas não são sua responsabilidade — insistiu Robert, aborrecido por opai estragar-lhe tudo o que planejara.

— Estou providenciando a documentação para ser o tutor das meninas. É omínimo que posso fazer por Graham.

Roxanne retornou a atenção para Robert.

— Ainda pretende ajudar Angélica em sua vingança?

— Pelo visto, ela não precisa mais de mim.

—Bobagem! Minha sobrinha precisa tanto de você quanto você dela.

Robert ia contra-argumentar, mas Roxanne j á havia direcionado a atençãopara o duque.

—Como faremos para explicar nosso repentino reaparecimento nasociedade?

— Poderiam dizer que Graham se recuperou financeiramente durante suaestada no exterior — o duque sugeriu.

— Mas sem jóias e adornos, como explicaríamos?

— Daremos um jeito. — O duque piscou para Roxanne.

— Ou então poderiam dizer que estavam a bordo do Tempest — Robertinterveio.

— Que ótima idéia, filho!

Diante da expressão confusa de Roxanne, Robert explicou que o naviohavia sido pirateado ao chegar ao porto.

— Bem, se a dama e o senhor meu pai me derem licença, agora devo ir falar com o capitão Taylor. — E, após uma breve reverência, Robert saiu,apressado.

Ao terminar de descer a escadaria, viu Tinker promovendo a entrada delady Venetia.

— Robert! — A expressão da cunhada se iluminou ao vê-lo. — Que bomencontrá-lo aqui!

— Desculpe-me, mas estou com pressa. — Robert contornou a dama edisparou para a rua.

Assim que montou no cavalo, decidiu seguir na direção das docas. Mas,sem saber por que, seguiu no caminho da cabana rosa.

Vinte minutos depois, lá estava ele parado diante da casinha tão familiar.Então, sua grande aflição o fez pensar em Louisa. Talvez se ele tivesse sido mais




atencioso sua esposa ainda estivesse viva.

Nenhum dos dois, na realidade, desejava aquele casamento. Tudo foraarranjado pelos pais de ambos. Robert suspirou. Louisa em nenhum momento sequeixara, mas, para ter desejado a morte, decerto se sentira muito infeliz.

Sem compreender o que pretendia ali, Robert desmontou e caminhou nadireção da entrada da cabana. O acônito que fora colocado para mantê-lo longeainda pendia preso no batente da porta.

Forçando o trinco, ele conseguiu entrar. O ambiente se mostrouassustadoramente quieto e vazio, sem a presença de Angélica. Um bilhetedeixado em cima da mesa chamou-lhe a atenção:

Robert, estou na mansão do duque de Inverary. Procure por mim.

Angélica

Aquela nota causou-lhe um estremecimento. Então Angélica ignorava defato quem ele era, e não pretendia pressioná-lo.

Com os dedos trêmulos, desalinhou os cabelos por diversas vezes.

— O que foi que eu fiz, acusando-a daquela maneira?! — dizia a si mesmo.— Tenho de encontrar um jeito de me redimir.

E, com essa resolução em mente, apressou-se em sair. Ao girar amaçaneta, deparou com uma mão enluvada prestes a bater na porta.

— Robert! — exclamou Lucille Dubois. — E pensar que eu ia reclamar quea poção do amor não funcionou!

— O que faz aqui? — Robert quis saber de sua antiga amante.

— Vim para pedir uma previsão.— Previsão?

— Sim. Uma previsão de meu futuro. Madame Roxanne é uma grandesensitiva. Veio até aqui também para consultá-la?

— Eu?! Isso é ridículo! — Robert tentou passar por ela. Lucille o impediu,esticando o braço e enlaçando-o pela cintura.

— Quando vai voltar para mim? Sabe que nenhuma outra mulher saberáagradá-lo como eu — ela disse, num sussurro, temperando a entonação com umamalícia tentadora.

Robert deslizou o olhar pelo decote do vestido de Lucille, e com o dedoindicador traçou uma linha desde o pescoço até o vale sensual dentro da roupa.Lucille Dubois era dona de um corpo perfeito, e ele rememorou quantos momentosde prazer ela lhe proporcionara.

— Daisy já está com quatro anos e ainda não conhece o pai.

— Nunca faltei com minha responsabilidade, Lucille. Garanto que a pensãoque forneço é mais do que suficiente.




— Mas nunca a visitou.

— Não tenho intenção de conhecer a criança que ocasionou o suicídio deminha esposa.

— Culpa Daisy por isso?

— Não. Culpo a mim mesmo. — E, com os olhos úmidos de remorso etristeza, Robert afastou Lucille para o lado, e seguiu na direção do cavalo.

Lucille permaneceu onde estava e, com fortes pancadas na porta, chamavapor Roxanne.

— Ela não mora mais aí—Robert gritou, antes de sair a galope na direçãodo centro da cidade.

Angélica se preparava para o primeiro jantar na mansão do duque deInverary. Escovando os longos cabelos loiros, observava pelo reflexo do espelho oespaçoso aposento revestido em branco e dourado, com alguns reflexos de azul.

As cortinas combinavam com o estofado das duas poltronas queacompanhavam a pequena mesa disposta junto à janela. Um tapete grosso emacio forrava o piso. A cama era imensa. Por seus cálculos poderia preencher umterço de sua cabana. Conforme o duque prometera, um serviçal colocara presa àparede uma gaiola para Jasper.

Angélica torceu a cabeleira e a prendeu com um nó em círculo na altura danuca. Após vestir o traje preto de luto, mirou sua imagem refletida. Ficou triste aoolhar para si mesma. Perdera tudo o que tinha de mais precioso. Primeiro, a mãe;depois, o pai, e agora, Robert. Mas uma coisa tinha certeza de que nuncaperderia: seu desejo de vingança.

As irmãs batendo na porta chamaram-lhe a atenção.

— Entrem.

— Sentimos sua falta — Samantha foi logo dizendo.

— Meu leito é gigantesco. Por isso, se sentirem medo, podem vir dormir comigo. — Angélica sorriu-lhes.

— Por falar em dormir junto, o quarto de tia Roxanne fica no final docorredor, colado aos aposentos do duque. Não acha que...

— Tia Roxanne está sozinha há muito tempo. — Angélica as fitou desoslaio.

— É. E duques também sentem solidão. — Victoria respirou fundo. As três deram risinhos maliciosos. Em seguida, Samantha disse:

— Viemos para instruí-la sobre o que dizer à sociedade para justificar nossa situação financeira, Angélica. Para todos os efeitos, vivemos na Europapelos últimos dez anos, entre Itália e França. Papai teria recuperado nossa fortunae, após sua morte recente, viemos para cá.

E Victoria mal continha a ansiedade ao completar:




— E, infelizmente, quando estávamos aportando, nosso navio foi atacadopor piratas que roubaram todos os nossos pertences, sobretudo as jóias.

— Que história convincente! — exclamou Angélica! — Quem teve a idéia?

— Tia Roxanne falou que foi de Robert Roy. — Samantha arqueou umasobrancelha.

Angélica franziu o cenho, e a irmã prosseguiu:

— Agora, devemos ir. Estamos sendo aguardadas na ante-sala de jantar.

Angélica foi até a gaiola e apanhou Jasper.

— Vai levá-lo? — Victoria a encarou, surpresa.

— Por que não? Jasper sempre jantou conosco.

Quando adentrou a sala de espera, Angélica admirou o espaço. Apenas aante-sala era maior que sua cabana inteira. Num dos elegantes sofás, avistou tiaRoxanne acompanhada do duque.

— Por que trouxe o pássaro, Angélica? — Roxanne indagou, com ar decrítica.

— Deixe estar, Roxanne. — O duque deu-lhe um tapinha carinhoso namão. — Já imaginava que ela o traria, por isso pedi a Tinker para colocar umagaiola na sala de jantar.

— Obrigada, Vossa Graça. — Angélica fez uma reverência graciosa.

— Quero que conheça minha nora: Venetia.

Foi só nesse momento que Angélica notou a presença de uma bela mulher,com trajes elegantes e maneiras requintadas. Angélica a cumprimentou com um

gesto cortês, mas no íntimo o sangue ferveu: Então aquela era a filha de CharlesEmerson?

— Sinto pelo falecimento de seu pai.

— Obrigada.

— Foi morte súbita? O duque interveio:

— Acidentes no trânsito acontecem, minha querida.

— Oh! — desculpou-se Venetia. — Esqueci-me de que já havia meinformado. E também que o navio em que estavam foi pirateado e lhes roubaramtudo o que traziam.

Angélica teve um pressentimento de que Venetia não acreditara em nadadaquilo.

— O conde disse que milady tem um filho — Angélica comentou paradesviar o assunto.

— Sim. Adoro crianças. — E, apontando o pequeno pássaro que Angélicasegurava entre as mãos, acrescentou: — E parece que você adora aves. Essa é




uma espécie rara. Como o conseguiu?

— Eu o ganhei.

— De quem?

Angélica se perdeu por um momento, mas, recordando um nome que viu

várias vezes nas manchetes do Times, exposto nas bancas, arriscou:— Do príncipe Rudolf.

— O príncipe Rudolf! — Venetia arregalou os olhos. — O herdeiro do tronoda Rússia? Ele a cortejava?

Naquele instante, Robert entrou, esbanjando elegância num magnífico trajede noite: uma casaca clara sobre uma camisa azul-pálido e calça escura. Agravata com finos bordados em renda branca e um alfinete de ouro exibindo obrasão da família completava a nobre indumentária. Angélica sentiu o coraçãodisparar, aturdida com tanto charme. Como aquele cavalheiro conseguia ser tãoatraente?, perguntava-se, sentindo as pernas bambearem quando ele se

aproximou.Venetia notou a troca de olhares.

— Vocês já se conhecem? — quis saber.

— Fomos apresentados pela manhã no estúdio de meu pai — esclareceuRobert.

— Estou surpreso que tenha vindo, meu filho — provocou-o o duque.

— Não quis perder a oportunidade de acompanhar o primeiro jantar dacondessa de Melrose em Londres. — E Robert cumprimentou Roxanne e as duasoutras sobrinhas.

— Veja que lindo pássaro Angélica ganhou do príncipe Rudolf, Robert —Venetia chamou-lhe a atenção.

Robert se aproximou e, com um sorriso maroto que só Angélica percebeu,insinuou:

— Acho que o príncipe teve motivos para proporcionar um presente tãovalioso.

— Sem dúvida estava fazendo-lhe a corte. Não acha? Angélicaenrubesceu. A impressão de que Venetia estaria caçoando a deixou furiosa.Quando ergueu os olhos para dizer algo, porém, surpreendeu o olhar sensual de

Venetia devorando Robert.Então ela o quer, pensou, surpresa.

A voz firme do duque ecoou no ambiente:

— É melhor entrarmos para a refeição.

Robert alcançou a mão de Angélica e a colocou em seu braço, oferecendo-lhe a companhia. Angélica ficou confusa. Robert era imprevisível. Pela manhã,




acusara-a de chantagem; agora, era todo gentilezas.

Ao entrarem na suntuosa sala de jantar, Angélica colocou Jasper na gaiolae acomodou-se próxima à tia e às irmãs. Robert se acomodou ao lado de Venetia,o que acendeu um inesperado ciúme em Angélica.

O jantar foi farto e transcorreu tranqüilo. Quando estavam terminando,Venetia perguntou a Robert:

—Você se incomodaria de me acompanhar ao baile dos Murray mais tarde?

— Lamento, mas já prometi me encontrar com meus amigos no Whites.

— Com Adam St. Aubyn, o marquês de Stonehurst, e James Armstrong, oduque de Kinross?

— Isso mesmo.

Angélica ficou abismada ao ouvir aqueles nomes. Então o túmulo de seupai fora vigiado por dois marqueses e um duque? Céus!

Após a refeição, todos se dirigiram para a sala de estar, com exceção deVenetia, que se retirou alegando ter de se arrumar para a festa de logo mais.

Quando terminavam o licor, Tinker veio até eles anunciar:

— O herdeiro de Winchester e seu filho pedem para serem recebidos.

Angélica virou o rosto na direção da porta, com o coração quase saindopela boca e um tremor involuntário percorrendo-lhe o corpo todo. Estava a pontode conhecer Charles Emerson, o principal responsável pela ruína de seu amadopai.

— Calma, anjo — Robert sussurrou-lhe ao ouvido.

Capítulo IV

Quando Charles Emerson entrou na sala de estar, Angélica ficoudesapontada. Ele era fisicamente bem diferente do que imaginara. Tratava-se deum homem de baixa estatura e muito magro. Bem ao contrário do filho, Alexander Emerson, loiro, alto, de olhos azuis, corpo robusto e músculos perfeitos.

Charles Emerson e o duque trocaram um aperto de mão. Após as devidasapresentações, Charles se dirigiu a Roxanne:

— Estou surpreso em vê-la aqui.— Sei disso, Chuck.

— Sabe também que não gosto desse apelido. Graham está com vocês?

— Infelizmente meu irmão faleceu há pouco tempo.

— Meus pêsames. — Charles baixou a cabeça, com uma expressão séria,em seguida se voltando para Angélica: — Seu pai e eu éramos amigos. Ele nunca




lhe falou a meu respeito?

— Não — Angélica preferiu mentir. — Depois do falecimento de minhamãe, papai não comentava sobre nada que o fizesse se lembrar da Inglaterra.

— É compreensível. Nós dois sofremos imensas perdas financeiras aqui.Por sorte, consegui me recuperar, assim como acabei de saber que seu paitambém.

— A fortuna de meu pai agora me pertence. — Angélica fitava ; com polidezo homem que gostaria muito de estrangular.

— Pretende especular no mercado financeiro?

— Para ser franca, tenho grande predileção por jogos de azar. Acho todoseles bastante excitantes. Sobretudo os dados, nos quais sou imbatível. —

Angélica falava de um jeito manhoso e provocante, dando início, assim, à primeiraparte de seu plano.

— É mesmo? Bem, então deveremos lhe proporcionar a oportunidade de

demonstrar seus talentos. — Charles se esforçava por conter o sorriso. — Atéquando planeja permanecer na capital?

— Indefinidamente — Roxanne interveio.

— Convidei a família Douglas para morar aqui. É minha intenção assistir legalmente as meninas — esclareceu o duque de Inverary.

Emerson se admirou.

— Dos amigos inseparáveis, com certeza você foi sempre o mais generoso,Magnus.

O rufar das asas de Jasper no colo de Angélica atraiu a atenção de Charles

Emerson.— Que lindo pássaro!

— É meu bichinho de estimação.

O homem sorriu e, sem que ela esperasse, fez-lhe um convite:

— Gostaria de nos acompanhar ao baile desta noite? Robert resolveuinterferir, o que a livrou de responder.

— Nossas convidadas foram assaltadas por piratas quando estavam abordo do Tempest e perderam todas as roupas e jóias.

— Não diga! Não ouvi nada sobre esse infausto acontecimento. — Alexander enviou um olhar desconfiado e provocativo na direção de Robert.

Angélica notou muito bem que Alexander não apreciava Robert. Por queseria?

Naquele instante, Venetia entrou, impecável num vestido de seda rosa-perolado. Emerson sorriu para a filha e elogiou-lhe o encanto.

Após as despedidas, a família Emerson se foi. No entanto, antes disso,




Alexander lançou um último e fulminante olhar para Robert.

Exaurida pelo tanto de energia gasta, Angélica afundou-se na poltrona, aolado das irmãs. E, levando a mão ao pingente de diamante preso à corrente, quesempre a acompanhava, apertou-o com força.

Robert se sentou no braço da poltrona onde estava Angélica e comentou,parecendo muito divertido:

— Imagino que Emerson esteja tramando um jeito de surrupiar sua fortuna.Seja numa mesa de jogo ou empurrando-lhe o filho em casamento.

Angélica, que mantinha os olhos baixos, fixou-os nas pernas

grossas e musculosas de Robert, lembrando-se do contato com elas nabeira do lago. A proximidade dele sempre a perturbava.Mas não estava disposta aperdoá-lo pelas mentiras e grosserias. No mesmo instante, irrompeu na sala ummenino correndo na direção do duque. Magnus sorriu e o ergueu no colo.

Uma senhora de cabelos grisalhos veio, apressada, e estacou na frente do

duque:— Perdoe-me, milorde. Já não sou tão rápida quanto antes.

— Não faz mal, sra. Honey. Eu queria mesmo apresentar Colin para minhasconvidadas.

Num repente, a irrequieta criança abandonou os braços do avô e investiuna direção de Robert, que, muito alegre, o recebeu e o aconchegou junto a si.

— Quantos anos você tem? — Angélica perguntou ao menino, espantadacom a semelhança dos olhos e cabelos negros dos Campbell.

— Cinco. — O pequeno mostrou uma das mãos, exibindo os cinco

dedinhos, orgulhoso. Depois, tocou em uma mecha dos cabelos sedosos de Angélica, exclamando: — Você é muito bonita!

— Não acha que é jovem demais para cortejar uma dama? — Dandorisada, o tio despenteou-lhe os cabelos com um afago.

— Posso brincar com o pássaro? — Colin olhava, esperançoso, paraJasper.

— Ah, Colin, ele é muito delicado para isso. Mas me dê sua mão e eu oguiarei para que possa acariciá-lo.

O menino assentiu, as pupilas brilhando de alegria.

Algumas horas depois Angélica, no silêncio de seu quarto, avaliava amudança radical no comportamento de Robert. A vida parecia tão simples antesde descobrir que ele era filho do duque de Inverary... Às vezes, posição e riquezacomplicam tudo, pensou. Apaixonara-se por aquele homem, que julgava ser simples, e teria sido feliz, ainda que na pobreza.

Correndo os olhos ao redor do luxuoso aposento, perguntava-se do quevalia tudo aquilo, se o vazio em seu peito era muito maior?




As batidas na porta trouxeram-na de volta à realidade. Sem esperar pelaanuência de Angélica, Roxanne entrou, muito animada.

— Você agiu muito bem esta noite, em todos os momentos. Eu mesma nãoteria feito melhor.

— Vivendo e aprendendo, não é, titia? Roxanne levou a mão ao peito esuspirou.

— Notou o modo como Robert a olha? Não demora e a pedirá emcasamento.

— Duvido muito. Robert não demonstra a menor intenção de se casar comigo.

— Pode escrever o que digo. Tive uma visão da cerimônia matrimonial devocês. Mas devo preveni-la: cuidado com Venetia. Aliás, com todos os Emerson.Eles não são confiáveis.

— Vou me lembrar disso, tia.

— Ótimo. Boa noite, querida. — Roxanne beijou-lhe as faces e se foi.

Angélica despertou faminta. As emoções da véspera a fatigaram. Vestiu-serápido e desceu as escadas, levando Jasper consigo. Para seu alívio, ao entrar nasala do desjejum, encontrou-a vazia, exceto pelo mordomo.

—Bom dia, sr. Tinker—cumprimentou-o, trancando o pássaro na gaiola,lotada de alimentos e água.

— Bom dia, milady. Vou providenciar um bule de café. Angélica seacomodou à mesa e se serviu de ovos mexidos e

uma fatia de presunto. O mordomo trouxe o café e o Times, que colocou

próximo dela.— Bom dia, Angélica. Tinha esperanças de encontrá-la aqui. Angélica

ergueu o olhar e deparou com Robert encostado no batente da entrada, exibindoum largo sorriso. A visão maravilhosa de tão carismático cavalheiro causou-lhe umarrepio de prazer. Era inevitável.

— Bom dia, milorde.

— Chame-me de Robert. Nada mudou entre nós. — E ocupou o assento aolado dela.

— Com tantos lugares, por que resolveu se sentar tão junto a mim?

— Porque quero falar sem ter de gritar.

— Falar o quê?

— Desejo lhe fazer um convite para um passeio no Hyde Park.

— Não, obrigada. Tenho hora marcada com a modista. — Displicente, Angélica apanhou o jornal.

— Olhe para mim, anjo.




Embora relutante, Angélica se voltou para ele e o encarou. Pressentia operigo na intensidade do brilho sensual das íris negras e a proximidade de seuscorpos.

— Perdoe-me pelo comportamento de ontem — suplicou Robert. Angélicaergueu uma das sobrancelhas.

— Você não me deu uma razão que justificasse suas mentiras.

— Queria ser amado pelo que sou; não pelo que possuo.

— Quando me entreguei a milorde, jamais poderia sequer sonhar que defato era um homem de tão nobre estirpe — confessou, num sussurro, sentindo orosto esquentar pela vergonha.

— Mas eu precisava ter certeza, Angélica. Afinal, os Campbell pertencemao grupo das famílias mais ricas da Inglaterra.

— Vejo que os Campbell são ricos em finanças e pobres em modéstia. —Não resistiu a espicaçá-lo.

— O que quero dizer é que um homem em minha posição precisa ter cuidado, ou será enganado. Por isso me zanguei quando a vi no escritório de meupai. Seria uma grande desilusão se fosse verdade aquilo de que a acusei.

Angélica já não sabia se devia ou não perdoá-lo. Amava-o muito já, e,afinal, desde que o conheceu, Robert sempre se mostrou amável e gentil com elae a família.

—Está bem. Prometo que vou pensar no que disse—concedeu.

— Avise-me quando tiver a decisão final. — Robert assentiu com um gestode cabeça, e em seguida apanhou o jornal.

— Eu o estava lendo — protestou Angélica.— Marqueses têm prioridade sobre as condessas. — Zombeteiro, passou a

ler noticiário.

Angélica tornou a mordiscar seu lanche.

Será que Robert irá me ignorar até que eu o perdoe?

Foi quando ele soltou uma sonora gargalhada.

— Está rindo a minha custa?

— Sim. Estou. Leia. — Ele dobrou o jornal no ponto que interessava e o

colocou diante dela. Angélica se inclinou e passou a ler o artigo:

Recém-chegado da Rússia, o príncipe Rudolf compareceu ao baile dosMurray, onde conquistou a admiração das jovens damas. Será que o charmoso

príncipe arrumará uma noiva inglesa?

Angélica se horrorizou com o que leu.




— E agora, Robert?!

— O que é mesmo que estava dizendo sobre mentiras?

— Muito engraçado!

— Venha, meu bem. No escritório de meu pai poderemos treinar com os

dados. Ainda quer sua revanche, não?— Espere. Como vou fazer com a história do príncipe?

— Contando com a sorte, quem sabe esse assunto nunca chegue aosouvidos de Sua Alteza?

—Tem razão. Vou buscar meus dados e o encontro em seguida.

Minutos depois, Angélica adentrava o suntuoso escritório. Robert estavasentado na poltrona do pai, atrás da escrivaninha. Angélica deixou a porta aberta,para desencorajar qualquer avanço que ele pudesse ter em mente.

— Sente-se. — Robert indicou-lhe uma das poltronas na frente da mesa.

— E melhor que eu me acomode atrás da escrivaninha.

— Mas eu já estou sentado aqui.

— Você é irritante. Gostava mais quando era apenas Rob Roy.

— E eu gostava mais quando você não era condessa. Angélica esboçouum sorriso sem humor.

— Por que não fazemos uma trégua e nos sentamos no sofá próximo damesa de centro?

Robert acatou de imediato a idéia de Angélica, que se deu conta de seuerro tarde demais. No fim, estavam sentados lado a lado.

Angélica apanhou um par de dados e os sacudiu entre as mãos por setevezes.

— Minha marca é o número sete.

Robert lhe pediu os dados e os sacudiu como a vira fazer. Todas as jogadas acabaram somando sempre sete.

— Aprendeu rápido! — ela se admirou.

— Tenho uma boa professora. Que tal um beijo se eu acertar de novo?

— Vencer o jogo é sua recompensa.

— Mas um beijo seria um grande incentivo.

— Ficou animado porque está jogando sozinho. No entanto, quandoestamos sendo observados, a tensão é muito opressiva, e temos de nos controlar,ou seremos flagrados.

Robert fixou o olhar na boca rósea, e as palavras de Angélica soavam aolonge, para ele. Aos poucos, sem sequer notar, foi aproximando os lábios dos delaaté tomá-los num beijo tão intenso que Angélica quase perdeu o fôlego.




— Há alguém aqui? — Venetia chamou, dando algumas pancadinhas naporta e entrando a seguir.

Angélica se ergueu, com as faces muito rubras. Venetia, bastantedesconfiada, informou a Angélica:

— A modista chegou.

— Preciso sair. — Robert desculpou-se. — Vejo-as mais tarde. Angélica oodiou por tê-la deixado a sós com Venetia. E, após agradecer ao aviso, tentouabandonar o local, no que foi impedida pelo braço estendido da outra mulher.

— Espere um minuto. Tenho novidades. Conheci um amigo seu no baile deontem.

Angélica estacou e a fitou, fingindo interesse.

— O príncipe Rudolf.

— Oh, Sua Alteza está em Londres? — Angélica se mostrou encantada.

Venetia balançou a cabeça, assentindo.— E está louco para vê-la.

Angélica sabia que aquilo era mentira. Venetia pretendia apenas embaraçá-la.

— Deveria se casar com o príncipe e ir para a Rússia. Não há nada paravocê aqui.


— Robert já tem uma amante. E nossos pais fazem gosto em nossocasamento.

Angélica sentiu um atordoamento que quase a fez desmaiar. Então Roberttinha uma amante e planejava se casar com Venetia?

— Angélica está exatamente onde eu quero! — Robert exclamou, sentadonum dos sofás da sala de estar de sua mansão.

Acomodados nas poltronas, diante dele, achavam-se James Armstrong e Adam St. Aubyn, exibindo sorrisos debochados.

— Do que riem?

—- Você a quer é em sua cama — Adam afirmou.

— Sempre disse que queria torná-la sua amante. — James deu de ombros.— Isso foi antes de meu pai intervir. Parece que o conde agora resolveu ser

o protetor da família dela.

— Será então que não é Angélica que tem você onde desejava? — Jameso provocou.

Aquela insinuação abateu Robert. Nenhuma mulher jamais conseguiraforçá-lo a estar onde não queria. E não seria Angélica a primeira a fazê-lo.




— O que eu quis dizer é que fiz um trato com Angélica em ajudá-la a sevingar dos homens que arruinaram seu pai.

— Você a ama?

— Eu a desejo, Adam. É diferente.

— Mas seja conseguiu seduzi-la, por que não parte na direção de outramulher?

— Porque, James, se eu fizer isso, meu pai a casará com outro qualquer.

— E qual o problema?

— Angélica é uma moça diferente das outras. Nenhum homem que euconheça a merece.

— A não ser você?

Robert esboçou um sorriso orgulhoso.

— Sou até demais para ela.

—E também de uma modéstia inigualável.—Adam gargalhou. — Acreditaque ela o ama?

— Angélica me adora. Quase se derreteu em meus braços quando a beijeiesta manhã, no escritório de papai. Pena que Venetia entrou e estragou tudo.

Os amigos quase estouraram de rir.

— Queria estar lá para ver o estado de Venetia. — James enxugou aslágrimas. — E o que ela queria?

— Avisar Angélica que a estilista havia chegado. Dali em diante, não sei demais nada, porque as deixei a sós.

—Teve coragem de abandonar Angélica na companhia daquela criatura?!— Adam arregalou os olhos, surpresa. Robert deu de ombros.

— O que poderia acontecer? Venetia é apenas minha cunhada, e Angélica,podem ter certeza, sabe muito bem cuidar de si mesma.

Passados uns minutos de silêncio, James indagou:

— Os detetives que contratou descobriram algo sobre o sujeito que osatacou?

— Não. Mas posso garantir que estava atrás das libras que Angélica

ganhou de mim no jogo. — Enquanto respondia, Robert complementava as dosesde uísque nos copos.

— Será que o alvo não era você?

Robert tomou um gole antes de responder a Adam.

— Duvido que exista alguém que me odeie tanto a ponto de contratar umassassino.

— Que tal Alexander Emerson?




— Não. Ele não tem estômago para isso.

— Nem seria necessário ter se o serviço fosse feito por outro.

—Acho Alexander íntegro demais para contratar um criminoso dessaespécie.

— É uma lástima que ele não tenha o mesmo conceito sobre você.— Fala como se o conhecesse a fundo, James.

— Alexander faz concorrência desleal com seus preços, Rob. Não ficariaadmirado se estivesse por trás do assalto do Tempest.

Robert se levantou e caminhou até a janela, de onde avistava o jardim dosfundos da propriedade. Era bem menor do que o da mansão de seu pai, masmuito bem-cuidado. Comprara a residência quando se casara com Louisa.

Uma ponta de remorso o invadiu. Tudo ali parecia vazio sem a presençadela. Robert nunca a amara, porém, tivera a intenção de fazê-la feliz.

Estranho... Fazia mais de duas semanas que não me lembrava de Louisa ede nosso filho, que não chegou a nascer. Devagar, levou o copo aos lábios esaboreou mais um pouco do uísque escocês. De uns tempos para cá, a imagemde Angélica povoava sua cabeça, sem trégua.

James o arrancou do súbito devaneio:

— O que o duque comentou a respeito do atentado?

— Não contei a ele.

—Mas devia. Seu pai sempre tem grandes idéias sobre qualquer assunto.

— Está brincando, James? Meu pai seria capaz de colocar um exército

como guarda-costas. — E, resolvendo mudar o rumo da conversa, Robert quissaber:—Algum de vocês teria uma sugestão de como aproximar Angélica doshomens dos quais ela deseja se vingar?

— Convide-os para jantar — James propôs.

— É uma boa saída. — Robert consultou o relógio. — Vamos tomar chácom as damas na casa de meu pai. Assim quem sabe eu resolva comentar sobreo atentado.

Adam ficou de pé.

— Mal posso esperar para ver Angélica se derreter só de olhar para você.

— Pode zombar, se quiser, mas irá testemunhar seu jeito todo enamorado.— Jura? — James soltou outra gargalhada.

— Vejam como eu ajo, e quem sabe vocês aumentem a sorte com asmulheres.

James e Adam se fitaram de soslaio.

— Mal podemos esperar para ver um mestre em ação! E, rindo, os três




saíram da mansão.

Na residência do duque, a suposta enamorada, sozinha em seu quarto,fumegava de raiva. A revelação de Venetia provocara em Angélica uma intensador de cabeça. Desculpara-se por ter de se ausentar no horário do chá, masprometera sua presença ao jantar.

Os pensamentos a atormentavam. Como Robert ousou seduzi-la se já tinhauma amante e um compromisso com Venetia? A vontade que sentia era deembalar suas coisas e voltar para Primrose Hill. Seria muito doloroso ver Robertcom Venetia. No entanto, para seu imenso pesar, precisava dele para levar atermo à tão desejada vingança. Todavia, assim que a concluísse, aproveitaria olucro e deixaria Londres, bem como as dolorosas recordações. As irmãs comcerteza fariam um bom casamento e poderiam cuidar de tia Roxanne.

— Milady? — a voz do mordomo soou do outro lado da porta.

— Sim, sr. Thinker?

— Lady Roxanne pediu que a senhorita fosse encontrá-la na sala deespera. Disse que é um assunto de importância.

— Obrigada, sr. Thinker.

Angélica ajeitou os cabelos e a roupa e desceu apressada, imaginando oque a tia teria a lhe dizer que fosse tão urgente.

Ao entrar na sala, avistou Robert acompanhado dos dois amigos a quemfora apresentada no túmulo do pai. O coração acelerou, e Angélica sentiu osmúsculos amolecerem. Mas esforçou-se por manter o semblante indiferentequando Robert se aproximou.

— Sente-se melhor? Roxanne disse que estava com enxaqueca.

— Sim, milorde. Agradeço por seu interesse — Angélica respondeu, comfrieza, e cruzou a sala para se acomodar próxima das irmãs, deixando-o estacadoonde estava.

Angélica, ao se sentar, sorriu para James e Adam, agradecendo-lhes pelagentileza da vigília daquelas noites no cemitério. Roxanne olhou para ela com umaruga de surpresa na testa. A sobrinha explicou-lhe:

— O marquês Adam St. Aubyn e o duque James Armstrong auxiliaramRobert a vigiar o túmulo de papai.

Roxanne se desmanchou em um sorriso amável e também agradeceu aos

cavalheiros.— Sobre o que estão falando? — o duque de Inverary quis saber.

Roxanne lhe contou toda a história, desde o princípio, incluindo o episódiocom o sr. Lewis.

De cenho franzido, o duque fitou as meninas:

— Vocês roubaram um cadáver de sua sepultura?




— Precisávamos de dinheiro, e o sr. Lewis sempre foi gentil conosco. —Samantha abanou a mão, displicente. — Assim, eu e Victoria imaginamos que elegostaria de nos ajudar, mesmo estando morto.

— Espero que não tenha participado disso, Roxanne.

— Evidente que não; nem Angélica. Foi pura inocência das meninas. MasRobert devolveu o corpo ao jazigo, e ninguém ficou sabendo.

Robert assentiu, acenando com a cabeça.

— Não se preocupe, papai. Eu repreendi as garotas, e tenho certeza deque nunca mais farão algo semelhante.

O duque se conformou e a expressão severa que mantinha se desfez.

Robert se acomodou na beirada do sofá, encostando disfarçadamente umacoxa no corpo de Angélica. Ela procurou demonstrar indiferença e se dirigiu à tia:

— O que desejava me falar que seria tão relevante? O duque Magnus se

adiantou, tomando a palavra:— Robert sugeriu um jantar formal para convidar os homens de quem

deseja a desforra.

— Que ótimo! — Angélica demonstrava intensa satisfação. Até que enfimsua vingança estava a ponto de acontecer.

— James, Adam e eu poderemos acabar com os três numa só noite —afirmou Robert. — Assim, restará apenas Emerson.

Angélica olhou espantada para ele.

— Você contou a seus amigos sobre meus planos? Robert deu de ombros.

— Eles podem ajudá-la em sua revanche. Angélica se ergueu, furiosa.— O que foi? Por que se zangou? — Robert estranhou muito tal reação.

— Em primeiro lugar, porque não tinha o direito de revelar a quem quer quefosse sobre meus objetivos secretos. Em segundo porque minha idéia é arruinar um de cada vez.

Àquela altura, Magnus os interrompeu:

— Angélica, há outro tema que queremos discutir. Sua tia e eu achamosmelhor que Victoria não participe dessa reunião. Ela é muito jovem.

— Isso é injusto! — Victoria pôs as mãos na cintura. — Samantha é só um

ano mais velha que eu. Angélica fitou a caçula, decidindo:

— Com todo o respeito, milorde, sempre fui responsável por minhas irmãs,e faço questão de que Victoria esteja presente. Agora, se me derem licença, ireipara meus aposentos. Minha enxaqueca voltou.

Saindo dali sem mais nada dizer, Angélica seguiu pelo corredor na direção




das escadas.

Como Robert foi capaz de trair sua confiança com tanta facilidade?!

Duas mãos fortes seguraram-lhe os ombros e fizeram-na girar para trás.

— O que há de errado com você?! — Robert cerrou os dentes. Angélica

fitou os olhos negros e depois as mãos que a detinham.— Tire suas patas de mim!

Robert, indignadíssimo com o insulto, libertou-a.

— Você é o pior canalha que já conheci! Fiquei sabendo de sua amante edos planos de casamento com Venetia.

— Está com ciúme?

— Não seja tolo! Robert sorriu, tolerante.

— Não tenho nenhuma amante, e muito menos intenção de me casar comVenetia.

— Como posso confiar num mentiroso?

— Julguei que tivesse me perdoado.

— Perdoar não quer dizer esquecer.

— E sobre a vingança? Ainda quer que eu a ajude?

— Vá treinando. — Olhando-o de cima a baixo, Angélica o desafiou: —Quando conseguir me trapacear no jogo, então estará pronto.

Empinando o queixo, Angélica lhe deu as costas e prosseguiu avante, rumoà escadaria.

Quando entrou em seu quarto, ela compreendeu, assustada, que osentimento que a invadia era de fato um ciúme descontrolado. Estava apaixonadapor Robert, apesar de suas mentiras. Mas pretendia a qualquer custo evitar queele soubesse disso. Quando concluísse a sonhada vingança, iria embora. E, quemsabe, algum dia conseguiria encontrar outro alguém que viesse a amar.

Afinal, se tia Roxanne teve três maridos, isso quer dizer que o coração écapaz de amar mais de uma única vez.

Durante os vários dias que se seguiram, Angélica resolveu se manter confinada em seus aposentos, com a desculpa de não se sentir bem, para evitar apresença de Robert. E fez todas as refeições no quarto.

Nunca se sentira tão só em toda sua vida. Olhava ao redor e, vendo o luxoque a cercava, tinha a impressão de estar presa numa gaiola de ouro.

Roxanne em várias ocasiões veio visitá-la, desconfiada de que tudo nãopassava de uma boa encenação. Mas Angélica permanecia fingindo desconfortofísico.

No oitavo dia, pela manhã, Angélica ouviu uma batida na porta.




— Entre, tia Roxanne.

— Como sabia que era eu?

— Tive uma visão. — Brincalhona, Angélica exibiu um sorriso iluminado.

— Parece que está melhor.

De fato, Angélica se cansara da solidão auto-imposta.

— Trouxe-lhe isto. Robert pediu que lhe entregasse. — E sem maisdelongas, Roxanne lhe entregou uma caixa comprida e estreita envolvida numpapel dourado.

Ao abrir, Angélica encontrou duas rosas: uma vermelha e outra branca.

— É um símbolo de união — esclareceu Angélica.

— Ele a adora.

— Robert adora muitas mulheres, tia.

— Tem de lhe dar outra chance, Angélica. Nenhum homem espera parasempre.

— Robert tem uma amante e vai se casar com Venetia.

— Quem lhe disse isso?

— Venetia.

— Eu lhe disse para não confiar nela. — A tia colocou a mão em seu braço.— A inveja é algo que passa a nos perseguir sempre que alguma coisa boa nosacontece. Não esqueça nunca de trazer no pescoço o diamante que lhe dei. Eletem uma forte magia que a protegerá daqueles que pensam em fazer-lhe mal.

— Que magia é essa, tia?— Não é para compreender; é para acreditar.

Dizendo isso, Roxanne se despediu e se retirou. Assim que se viu a sós, Angélica analisou as palavras da tia. Roxanne a amava e só queria seu bem.Talvez Venetia tivesse mentido só para tirá-la do caminho. Robert sempre foragentil e generoso com seus familiares.

Devia pedir para falar com ele, repreendê-lo e em seguida perdoá-lo?

Uma coisa era certa: não desejava ficar se escondendo para sempre. Por isso, decidiu naquele momento fazer o desjejum no ambiente apropriado. Vestiu-

se e desceu.Ficou feliz em ver o refeitório deserto. Sentou-se e serviu-se de ovos e

presunto. Apanhou o jornal estendido no tampo e começou a ler. O mordomosurgiu e, reverenciando-a, informou:

— Um criado trouxe uma mensagem do marquês para a senhorita e disseque tem ordens para aguardar a resposta.

Angélica agradeceu, desdobrou o bilhete e o leu:




Pode encontrar-se comigo ao meio-dia no estúdio de meu pai? Providenciei um par de dados para mim. Se você ganhar, eu a deixarei em paz. Mas, se euganhar, deverá voltar a falar comigo. O que me diz?

Angélica ergueu os olhos para o mordomo e asseverou:

— Pode dizer ao serviçal que minha resposta é positiva. Angélica tomoumais uma xícara de café, pensando em Robert.

Ele sabia que a forma certa de desafiá-la era propondo um jogo. E decertoprovidenciara dados preparados para vencê-la.

Angélica se preparou para comparecer ao encontro no estúdio do duque,levando consigo um par de dados comuns, pois queria jogar com honestidade.

Robert a aguardava sentado à escrivaninha de seu pai, lendo algunsdocumentos. Ergueu os olhos quando ela pediu licença para entrar e sorriu-lhe.

— Bom dia, milady.

— Bom dia, milorde. — Angélica fechou a porta, para garantir privacidade.— Grata pelas flores.

— Onde prefere sentar-se?

— Onde você está.

— Que pena! Preparei uma mesa ideal em frente ao sofá. Ficaríamos maisconfortáveis.

— Está bem. — E assim, ela se acomodou.

Robert a seguiu. Depois de sentados lado a lado, ele perguntou:

— Tem algum truque nas mangas?

— Suas suspeitas me ofendem.

— Então sabe como me sinto. Mas eu a perdôo.

— Você me perdoa?!

— Sim. Por acreditar nas manobras de Venetia.

— É muito generoso de sua parte — ela replicou, com ironia.

— Podemos começar o jogo? Você inicia. A partida termina na melhor detrês, certo?

Assentindo, Angélica sacudiu os dados.

No final, foi Robert quem venceu. E ela, desanimada, suspirou. Angélicapediu que o marquês lhe emprestasse os dados e verificou que eram comuns; nãoestavam alterados com nenhum peso extra.

— Imagino como meu pai deve ter sofrido ao perder toda sua fortuna.Vencer sem trapacear é muito difícil.

— E agora, milady, vai me dar à honra de comemorar minha vitória com umbeijo?




—Não. O que você ganhou foi o direito de eu voltar a dirigir-lhe a palavra.

— Como queira. — Robert meneou a cabeça, conformado. — Diga-me,milady, está aproveitando sua nova vida luxuosa?

— Para ser franca, se não fosse pela vingança que desejo levar a cabo,empacotaria meus pertences e voltaria para Primrose Hill.

Robert abriu a boca, como sinal de surpresa.

— Por quê?

— Estou entediada. — Angélica o fitou de soslaio. — Quem você iránocautear primeiro amanhã à noite?

— Penso que Alasdair Trimble será o mais fácil. Na seqüência, HenryDrinkwater. Os Emerson poderei derrotar no baile da próxima semana. E Mayhew,no Whites.

— Quero estar presente quando fizer isso.

— Está sedenta de revanche, não é? Angélica não respondeu, e Robertficou de pé.

— Agora, tenho de ir. Há muito trabalho me esperando em casa. Angélicafoi incapaz de esconder a decepção por ele dizer que ia embora.

— Quer me acompanhar e conhecer minha casa, milady? Adoraria! Noentanto, Angélica não expressou sua vontade. Em

vez disso, foi categórica:

— Não, obrigada. A condessa de Melrose tem uma reputação a proteger.

— Mas me acompanha até a saída?

— Claro. — E, de braço dado com Robert, os dois se foram na direção daporta da entrada principal.

Com o canto dos olhos, Angélica pôde perceber que Tinker dava passagempara Venetia. Sem sequer dar tempo ao lorde para raciocinar, Angélica agarrou-seno pescoço dele e o beijou com ardor.

— Jura mesmo que não quer ir comigo, anjo?

— Sim. Nós nos veremos mais tarde.

Robert cruzou a soleira, após cumprimentar Venetia, e desapareceu.Percebendo o olhar fulminante da rival, Angélica sorriu triunfante, dizendo:

— Se eu fosse você, esperaria para distribuir os convites. — E, sem dar-lhechance para responder, subiu as escadas com rapidez.

Capítulo V

Angélica se mirou no espelho. A imagem refletida fazia com que se sentisse




uma verdadeira princesa. O longo vestido de seda azul e mangas curtas seajustava à perfeição ao corpo jovem e curvilíneo. Os cabelos presos numprimoroso coque na altura da nuca lhe davam ares aristocráticos. Um arranjo deflores miúdas promovia o toque final do penteado, conforme a última modacorrente.

Ela sorriu, satisfeita. Estava pronta para assistir ao primeiro ato da vingançaque planejava havia tantos anos. Seria preferível participar, mas contentou-se emapenas olhar. O prazer de ver seus inimigos serem arruinados era o que bastava.

Envolveu com seus dedos delgados o pingente de diamante, desejando dofundo da alma que a tia estivesse certa quanto à magia que continha. Suas mãostremiam pela emoção; afinal, o tão sonhado dia chegara.

A entrada das irmãs a distraiu.

— Como está linda, Angélica! — as duas exclamaram quase ao mesmotempo.

— Vocês também, minhas queridas. — Angélica as beijou. — Agora dápara perceber o quanto estão crescidas!

— Tia Roxanne foi quem escolheu nossas roupas. Queríamos que fossempretas, por causa do luto.

Angélica meneou a cabeça.

— Titia tem razão. Vestir trajes escuros não trará nosso pai de volta. Nós ohonraremos mais executando a revanche contra seus inimigos.

— Você está calma? — Samantha quis saber.

— Um pouco ansiosa, confesso. Mas não se preocupe, dará tudo certo.

Podem ir, meus amores. Mais uns minutos e logo me juntarei a vocês. As irmãs saíram, e Angélica aproveitou para erguer o vestido e esconder

um punhal em uma das ligas que prendiam as meias de seda fina. Assim, sentia-se mais segura, como era de hábito.

Ao abrir a porta para sair, deparou com Robert.

— Que faz aqui?

— Esperando para acompanhá-la. Demorou tanto que cheguei a imaginar que preferira se esconder para saber o resultado depois.

— Não perderia esta noite por nada neste mundo!

— Angélica! Conseguiu ficar ainda mais deslumbrante! Como isso épossível? — Robert a admirava, percorrendo o olhar pela silhueta irretocável.—Oúnico problema é o decote ousado demais.

— É proposital, para distrair a atenção de Trimble.

— Pior será se distrair a minha. — Alegre e brincalhão, Robert lhe ofereceuo braço.




Sorridente, Angélica enlaçou-lhe o cotovelo com o braço direito. Quandoentraram na sala de espera, o duque Magnus fazia seu papel de anfitrião e,quando a viu, anunciou:

— Eis a condessa de Melrose!

Todos os olhares se concentraram na figura graciosa de Angélica, quedesfilou com imponência e uma expressão cordata para o duque.

O lorde de Inverary promoveu todas as devidas apresentações. Angélica semanteve tranqüila e simpática o tempo todo. Mentalmente gravou a aparência decada convidado que lhe era apresentado.

O barão Alasdair era tão obeso quanto à esposa, Mary, era magra. HenryDrinkwater era miúdo a ponto de quase desaparecer ao lado da robusta esposa,Wilma, que parecia estar usando todas as jóias que possuía. Mungo Mayhew eradono do maior nariz que já vira. Ignorando Venetia, Angélica cumprimentou osremanescentes James Armstrong e Adam St. Aubyn.

O mordomo anunciou o jantar, e os convidados se movimentaram. O desfilede sofisticados pratos foi servido com espetacular sucesso.

—Foi muita gentileza nos convidar—Mary Trimble agradeceu a Magnus.

— Faz muito tempo que não promovemos entretenimentos. — O duquesegurou a mão de Roxanne, que se sentara a seu lado direito. — Agora que ladyRoxanne e as sobrinhas estão aqui, planejo o patrocínio de outros eventos sociais.

E, dirigindo o olhar para o casal Trimble, prosseguiu:

— Na verdade, o primeiro baile já foi agendado para o dia vinte e três de julho, e espero que compareçam.

— Ficamos honrados em sermos os primeiros escolhidos. Na certa viremos— confirmou Alasdair Trimble.

O jantar prosseguiu quase em silêncio, quebrado apenas por algunscomentários sobre amenidades.

Trimble, acomodado ao lado de Angélica, de soslaio fitava-lhe sem cessar obusto, quase exposto pelo ousado decote. Angélica aproveitou uma dessasindiscrições para indagar, com a voz adocicada:

— Gosta de jogar, barão?

Alasdair, quase sem fôlego pela deliciosa visão da dama que o argüia,respondeu, não sem certo esforço:

— É meu passatempo predileto, milady.

Angélica ergueu os olhos para Robert, que entendeu logo o recado.

— Aprecia o jogo de dados? O barão fez que sim.

— Adoro assistir a uma boa disputa com dados. E admiro os bons jogadores.




— Eu o desafio a uma partida — provocou Robert.

O barão pigarreou com estardalhaço e, olhando para Angélica, sugeriu:

— Se lady Angélica concordar em assistir, tenho certeza de que saireivencedor. — E fez um gesto pomposo.

Naquele instante, o duque de Inverary se fez ouvir:— Como vão nossos recentes investimentos, filho? Robert não respondeu,

fechando o cenho.

— Perguntei se os novos investimentos estão indo bem — insistiu o duque.— Quem sabe não incentivamos nossos convidados?

O barão Trimble sorriu, insinuante.

— Pelo jeito, o marquês quer manter em segredo um mercado pronto paraexplodir.

Robert hesitou e, com visível contrariedade, falou:

— Alho e sal.

— Alho e sal?! — O duque repetiu, surpreso.

— Está prevista a escassez do produto, e os preços vão disparar.

— É mesmo? — admirou-se Magnus. — Nesse caso, faz bem em nãoespalhar a notícia. Se entrar muita gente, os lucros não compensarão.

Após terminarem a sobremesa, que consistiu em creme de amêndoas efrutas da época, o duque anunciou:

— Quem desejar ouvir Venetia tocar piano me acompanhe à sala demúsica. Aqueles que preferirem jogar, sigam Robert à sala dos fundos.

Angélica tocou o cotovelo do barão, incentivando-o:

— Eu quero assistir ao jogo de dados.

O barão sorriu, orgulhoso, e com Angélica a acompanhá-lo, seguiu Robert eos amigos.

— Vai me trazer sorte! — Alasdair deu um tapinha na mão pousada em seubraço.

Angélica teve asco ao sentir aquele toque. Sua vontade era de afastar obarão para bem longe. Porém, sorriu, respondendo:

— Sem sombra de dúvida. — E depois de um suspiro involuntário, afirmou:— Gostaria mesmo era de participar do jogo.

— Damas não jogam, na Inglaterra.

— É uma lástima. Mas pode apostar que vou torcer bastante. Trimblesorriu, embevecido.

Assim que se acomodaram à mesa revestida com feltro verde, apropriadapara jogos, Robert providenciou os dados. Angélica se sentou ao lado do barão, e




Robert de frente para eles. Adam e James disseram preferir o baralho, eocuparam outra mesa.

— Com quanto começaremos? Cem libras? — Robert indagou. O barão fezque sim, e a partida teve início.

Robert perdeu, e Angélica o olhou, espantada. Será que não estava usandoos dados adulterados? Porém, o marquês mantinha a expressão tranqüila aodizer:

— Que tal dobrarmos a aposta?

O barão encarou o desafio e tornou a vencer.

— Dobramos de novo? — Robert arriscou.

Trimble lançou um olhar indiscreto para o decote de Angélica, e todoexibido provocou:

— É melhor triplicar.

Angélica fazia o impossível para manter a serenidade, mas fitava Robertcom insistência. Que loucura era aquela? Seria melhor desistir, ou quem iria falir seria ele.

Robert fez questão de ignorar os mudos apelos dela ao pronunciar:

— Cem mil libras é o que ofereço. Angélica ficou boquiaberta.

O barão enxugou algumas gotas de suor que de repente inundaram-lhe orosto. Mas, não querendo fraquejar diante do desafio na frente de Angélica, deurisada.

— Isso é dinheiro de bolso, marquês. Pode rodar.

Robert lançou os dados. Mas dessa vez um quatro e um três foramdescobertos, dando a vitória ao marquês.

O barão empalideceu. Angélica, fingindo um mal-estar, retirou-se e foi paraseus aposentos.

O estranho era que não estava feliz como imaginara que ficaria. Aproximou-se da janela e ficou a admirar a escuridão do lado de fora. No fundo, queria vingar-se, mas não desejava para ninguém o sofrimento que experimentara.

Respirou fundo, e a inquietação a fez sair mais uma vez e descer asescadas. Não sabia ao certo para onde queria ir.

Ouviu a música provinda do piano, porém, preferiu não ter de encarar Venetia. Mordendo o lábio inferior, estacou de repente, considerando a hipótesede retornar ao quarto. Foi nesse momento que avistou Robert se aproximando.

— Os Trimbles já se foram. Vamos conversar no escritório de meu pai?

Angélica fez que sim, e os dois seguiram avante. Notando-lhe o silêncio,Robert comentou, assim que entraram no espaçoso ambiente e se acomodaramno sofá.




— Imaginei que estivesse feliz, minha querida.

— Nunca imaginei que me sentiria assim tão confusa.

— É porque tem um coração de ouro, anjo.

A única luz que aliviava a penumbra do recinto provinha de um solitário

castiçal posto em cima da escrivaninha do duque. Angélica sabia que não deveriaestar a sós com Robert àquele horário, mas, afinal, ela acabara de derrotar umdos inimigos de seu pai.

— Nós formamos uma bela dupla de trapaceiros, não é, querida?

— Mas sua demora quase me matou de susto.

— A propósito, o que fará com o dinheiro?

— Investirei em alho e sal.

Robert soltou uma tremenda gargalhada.

— Está brincando?

— Mas você disse...

— Foi tudo forjado por mim e meu pai. É só mais uma maneira de fazê-losperder dinheiro.

— Nunca vi atuação tão bem-feita! — ela se admirou. Depois, suas belasfeições demonstraram tristeza. — Será que a família Trimble irá sofrer muito comtamanho desfalque nas finanças?

— Não esqueça que a fortuna dele começou com a derrocada de seu pai.

— Mas se tiver roubado tudo dele, serei igual ao barão.

—Não se preocupe. O barão Alasdair derrotou Graham há mais de dezanos. Com certeza multiplicou a fortuna. Ele e a família sobreviverão com o quelhes restou. E agora, diga o que quer que eu faça com as cem mil libras.

— Invista cinqüenta mil libras em suas companhias. A outra metade serádividida em cinco partes iguais: dez mil libras para mim, tia Roxanne, Samantha eVictoria. Os lucros dos investimentos deverão ser repartidos da mesma forma.

— E o que pretende fazer com sua parte?

— Vou separar um tanto para meus jogos. E reservarei certa quantia paraos pobres.

— Sua generosidade é surpreendente!—Não desejava a vingança para enriquecer. Era só uma questão de justiça.

— Você é demais, minha bela dama. — Robert acariciou-lhe as mãos.

— Ainda não lhe agradeci pela ajuda. Pode me beijar, se quiser. — Angélica fechou os olhos e ofereceu-lhe os lábios.

A tentação era irresistível. Assim, Robert se inclinou, e o beijo foi longo eardoroso. Aceso o fogo da paixão, ele se apressou em deitá-la no sofá, e num




instante liberou os seios ansiosos por carícias.

Angélica gemeu ao sentir o hálito quente e úmido da boca masculinaexplorando a pele alva e macia do pescoço até o busto. Avançando no erotismo,Robert ergueu-lhe a barra do vestido e deslizou seus dedos hábeis entre as coxasde Angélica.

O ruído de alguém abrindo a porta interrompeu o momento amoroso queapenas começara.

— Lorde Robert? O senhor está aí? — O mordomo, que carregava umcastiçal, se manteve do lado de fora.

— Estou sim, Tinker. — Robert se recompôs com rapidez.

— Os convidados já vão embora. E acredito que lady Angélica já serecolheu a seus aposentos.

— Não, Tinker. Ela está comigo.

O mordomo entrou e, aproximando a chama luminosa, pôde verificar por simesmo. Angélica ainda ajeitava a parte superior do traje, com as facesafogueadas. Reparando no olhar suspeito de Tinker diante do embaraço dela,Robert pediu:

— Conto com sua discrição.

— Sobre o que, milorde? — disfarçou o mordomo. — O duque pediu paraavisá-los, para o caso de quererem se despedir dos convivas.

— Avise-o de que estamos a caminho.

O mordomo acatou a ordem com um gesto cortês e se foi.

— Espero que não tenha arruinado minha reputação. — Angélica exalouum suspiro, terminando de ajustar a blusa. — Isto não irá acontecer mais.

Robert arqueou uma sobrancelha, malicioso.

— Disse isso da última vez.

— Você é um monstro! — E Angélica saiu na frente dele, dirigindo-se paraa sala de visitas, onde deveriam estar os convidados.

Tia Roxanne e o duque conversavam com James e Adam. Os demais jáhaviam se retirado. Venetia tinha subido para seu quarto, bem como as irmãs de

Angélica.

— Um deles já caiu. Agora faltam três — comentou James, quando Angélica se aproximou.

—Espero que nos deixe ajudar—pediu Adam.—Robert ficou com toda adiversão para si.

— Estava pensando a mesma coisa. — Angélica fez um trejeito charmoso.

O duque Magnus interveio:




— O que pretende fazer com o dinheiro ganho?

— Ela investirá metade dele nas nossas empresas — afirmou Robert, queacabava de entrar e ouvira a pergunta.

— Por que está tão corada, Angélica? — Roxanne se mostrou preocupada.— Estará com febre?

— Não. Apenas emocionada com os acontecimentos de hoje. Adam eJames aproveitaram o ensejo para se despedir, informando que iriam terminar anoite no Whites.

— Irei junto — disse Robert, beijando a mão de Angélica e piscando-lhe.

Angélica cruzou a sala e seguiu o corredor na direção das escadas,ouvindo Tinker trancar a porta após a saída dos três cavalheiros.

Então, o som de um disparo e do baque de um corpo indo ao chão quebrouo silêncio noturno.

Angélica girou nos calcanhares e voltou apressada para a sala principal.Tinker já havia reaberto aporta, e o duque, acompanhado de tia Roxanne, tinhamsaído da mansão.

— Ele foi baleado! — James gritava, em pânico.

Robert caíra nos degraus. Adam retirou-lhe a casaca, e todos viram acamisa branca manchada de sangue.

— Meu Deus! — Angélica afastou da frente o duque e a tia e se ajoelhou aolado de Robert.

O duque ordenou que o mordomo chamasse o médico.

— Não precisa, pai. A bala só pegou de raspão em meu braço. Amparando-o, os amigos o carregaram para dentro novamente, acomodando-o no sofá. Angélica pediu a Tinker água morna, bandagens e uísque. O mordomo seapressou a cumprir a ordem, e Angélica se sentou na beirada do sofá, começandoa prestar-lhe os primeiros socorros.

— Esse é o segundo atentado. — James suspirou.

— Segundo?! — O duque arregalou os olhos. — Por que ninguém mecontou?!

— Porque você poria um exército me seguindo. — Robert fez uma careta.

— Pode apostar que sim. E é o que vou fazer agora mesmo!

— Calma, Magnus. — Roxanne o segurou pelo braço. — Poderáprovidenciar isso amanhã cedo.

— Não quero guarda-costas nenhum! — protestou Robert. Angélica roçou aface na dele e falou, com carinho:

— Precisa de proteção, Rob Roy. Alguém tem a intenção de matá-lo.

Quem quereria matar Robert?, Angélica se perguntou por toda a noite,




rolando na cama, sem conseguir pregar os olhos. A noite anterior, que deveria ter sido a de seu triunfo, fora na verdade a do pior pesadelo.

Robert necessitava de um amuleto para protegê-lo contra as forças do mal.Com isso em mente, Angélica decidiu que falaria a respeito com tia Roxanne naprimeira oportunidade.

Enfim, vencida pelo cansaço e o tormento de tantas conjecturas funestas,conseguiu adormecer quase ao raiar do dia. Por volta das dez da manhã,Roxanne, preocupada com a ausência da sobrinha, resolveu ir até seu quarto.

— Está doente, Angélica?

— Não, tia, apenas cansada. É bom que tenha vindo. Há algo que querolhe pedir um amuleto para Robert.

— Já pensei nisso, e passei a manhã inteira no mercado para escolher apeça certa. Aproveitei para adquirir algumas ervas especiais para seremcolocadas nas bandagens. Mas tenho certeza de que Robert irá preferir que você

lhe faça os curativos.— Não comprometerá minha reputação freqüentar a casa dele?

— Com o batalhão de guarda-costas que o pai contratou? De modo algum. Além disso, uma condessa está sempre acima dos mexericos. O respeito dasociedade a protege mais do que às moças comuns.

— Sério mesmo? — Angélica fez a pergunta tendo em mente o que omordomo observara poucas horas atrás, no escritório do conde.

Se a tia estivesse certa, isso seria fonte de grande alívio.

— Evidente, meu bem. Não confia no que digo? Sabe que conheço muito

bem as regras da sociedade.Sorrindo, Angélica a abraçou.

— Agora, apresse-se. Tem de trocar as bandagens.

Roxanne saiu, e Angélica não levou mais do que quarenta minutos para searrumar, descer e tomar o desjejum. Roxanne trouxe os curativos e a poção deervas que preparara.

— Está linda com esse vestido! A cor é perfeita para você, Angélica!

Sem dúvida, o traje bem acentuado em tom de pêssego maduro realçava apele alva e os longos cabelos loiros.

Angélica dispensou a carruagem ao saber que a casa de Robert ficava amenos de duas quadras. Pela quantidade de homens de prontidão, foi fácildistinguir a residência do marquês.

A condessa de Melrose cumprimentou os homens com um aceno gentil,mas foi barrada pelo aparente chefe do grupo. Porém, após identificar-se emostrar a ele o que trazia, o segurança permitiu-lhe a passagem, com formaisdesculpas pelo transtorno.




Um homem alto e de cabelos grisalhos abriu a porta. Após ouvir a justificativa de sua presença, deu um passo atrás, para que a dama entrasse. Angélica teve uma estranha sensação de já ter visto aquele estranho antes.

A sala de espera da residência de Robert era bem mais modesta que a dopai, mas não menos luxuosa.

— A quem devo anunciar? — indagou o mordomo, que ela jurava conhecer.

— A condessa de Melrose.

O mordomo assumiu uma postura séria e hostil.

— Temo que deva avisar aos seguranças. Algo está errado. A condessa deMelrose já é falecida.

— O quê?!

— Trabalhei para os Melrose muito tempo atrás, e sei que a esposa dolorde faleceu.

Angélica o observou em silêncio, e por fim veio o reconhecimento:— Webster?!

O criado levou um susto.

— Como sabe meu nome?

— Não se lembra de mim? Angélica, a filha mais velha de Graham Douglas.

— Lady Angélica?! É inacreditável!

— Como vai a sra. Sweeting? O mordomo balançou a cabeça.

— O duque de Inverary comprou uma casa modesta para ela na periferia

de Londres e manteve-lhe uma pensão. Mais tarde, o marquês conseguiu-lhetrabalho na residência de um de seus amigos. — Após uma pausa deliberada paratomar fôlego, Webster quis saber: — E seu pai, como está?

— Faleceu há pouco tempo.

— Sinto muito em saber. O sr. Douglas foi o homem mais gentil e honestoque conheci.

Um breve silêncio em memória do falecido Graham foi inevitável.

— Deseja ver o marquês? — O mordomo reassumiu a postura altiva.

— Trouxe algumas bandagens que tia Roxanne preparou. O mordomo deu

um largo sorriso.— E como vai lady Roxanne?

— Em plena saúde e bonita como sempre. Somos hóspedes do duque deInverary.

O mordomo demonstrou satisfação com a notícia e, sem maiores delongas,conduziu a condessa ao escritório, onde o marquês se encontrava trabalhando.Robert se ergueu quando ela entrou, brindando-a com o costumeiro olhar e o




sorriso devastador.

— Bem-vinda a meu lar. Se soubesse que meus ferimentos a trariam aqui,eu mesmo teria contratado o pistoleiro.

Robert era incorrigível. Angélica resolveu entrar na brincadeira.

— E se soubesse que uma bala no braço o tornaria tão gentil, eu mesmapuxaria o gatilho.

Ambos deram risada.

— Como está se sentindo?

— Dá para agüentar.

Angélica observou pela janela, atrás da escrivaninha, o enorme carvalhocujos ramos pendiam sobre a vidraça, promovendo uma refrescante sombra noambiente. Acomodou-se na poltrona em frente à mesa de trabalho do marquês.

— Trouxe algumas coisas que tia Roxanne lhe mandou. — E, dizendo isso,

Angélica colocou sobre a escrivaninha uma corrente de ouro com um pingente emforma de cruz com uma pedra de topázio incrustada no centro.

— Que linda jóia!

— É para sua proteção, milorde. — E Angélica o colocou no pescoço dele,avisando: — Deve segurá-lo sempre com a mão esquerda.

— Agradeça a lady Roxanne por mim. Angélica assentiu com um gesto.

— Dizem que o topázio também atrai o amor — ela afirmou, com um olhar ingênuo.

— Tomara. — Robert ficou de pé.

Ao aproximar-se dela, abraçou-a. Aos poucos, foi inclinando a cabeça atéencostar os lábios nos de Angélica e beijá-los.

Mas, dessa vez, Angélica conseguiu resistir ao inexplicável poder desedução que Robert exercia sobre ela. Desse modo, interrompeu o beijo e,desvencilhando-se, deu um passo para trás.

— Sente-se no sofá e tire a camisa. Vou trocar os curativos. Robert aobedeceu, sem reclamar. Angélica sentou-se a seu lado e começou a remover abandagem. Evitava olhar para o tórax musculoso para não cair em tentação. Oferimento ainda sangrava, mas estava bem melhor que no dia anterior.

— O que é isso? — Robert perguntou ao vê-la mergulhar um pedaço degaze na poção esverdeada e oleosa.

— Um preparado com ervas e azeite. Tia Roxanne disse que é milagroso!

Quando já terminava o trabalho, Angélica comentou:

— Tem idéia de quem pode querer eliminá-lo?

— Nunca supus que tivesse inimigos.




— Alexander Emerson não gosta de você.

— Como sabe?

— Notei o jeito como o olhava na ocasião que o conheci.

— Alexander me culpa pela morte de Louisa. Mas ser capaz de querer me

assassinar por isso? Não acredito.— Nunca se sabe o que se passa no íntimo de alguém. Mas por que ele o

culpa, se foi Louisa quem decidiu tirar a própria vida?

Robert virou o rosto e fitou o vazio.

—Talvez se não tivesse casado comigo ela ainda estivesse viva.

O suspiro prolongado e a melancolia dele alertaram Angélica. Se Robertamava a esposa e sentia tanto sua falta, onde isso a deixaria? Não poderiacompetir com um fantasma do passado, decidiu, terminando o curativo emsilêncio.

Minutos depois, sugeriu:— Creio que podemos incluir Alasdair Trimble em sua lista de desafetos.

— Pode ser.

— Bem como uma dúzia de pais e maridos frustrados.

— Por que diz isso? É o que pensa de mim? Angélica não respondeu,preferindo mudar de assunto:

— Acho que eu mesma vou jogar dados com Drinkwater e Mayhew.

— Não fará isso! Arruinará a reputação de toda a família. Mulheres não jogam, neste país.

— Isso é um absurdo!

— Não vou discutir. Eu me encarregarei de arruiná-los. E tem mais: destavez não quero vê-la provocando ninguém com decotes escandalosos.

— Mas isso ajudou.

— Aprecio a intenção, mas é completamente dispensável. Pela primeiravez, Angélica o viu tão irritado, e flagrou um brilho de ciúme nos olhos negros esedutores.

E, à medida que Robert gesticulava, o pingente azul reluzia em peito

desnudo e provocante. Angélica, sem querer, entreabriu os lábios e fixou o olhar lânguido no corpo forte. Ao perceber que ele se dera conta de seu interesse,baixou os cílios e enrubesceu. Robert sorriu.

— Do que acha graça?

— De sua inocência.

— Eu era mais inocente antes de conhecê-lo — ela respondeu erguendo orosto e fitando-o, insinuante.




Com carinho Robert a aconchegou nos braços e a conduziu de forma aacomodarem-se outra vez no sofá. O que veio a seguir foi inevitável. E, dessa vez,

Angélica abandonou-se sem reservas aos afagos pelos quais tanto ansiava.

Beijos, toques e carinhos voluptuosos sucederam-se até culminarem noêxtase profundo da união dos corpos suados e sedentos de amor. Após saciados,

a realidade do que acontecera caiu pesada sobre Angélica, na forma de vergonhae culpa.

Seu comportamento era um desastre, concluiu. Damas da sociedade nãose deixam levar por seus apetites sexuais, muito menos as solteiras. Será quesofria de algum desvio de caráter, uma espécie de ninfomania?

Quando Robert a liberou, ela ajeitou o vestido e se levantou, indo emdireção da janela. Pensativa, fitou o jardim, enquanto alinhava os cabelosembaraçados. Assim que girou nos calcanhares para se afastar da vidraça,deparou com Robert a observá-la, escorando-se com uma das mãos na poltronadiante da escrivaninha.

— Não tornará a acontecer — ela prometeu. Ele abanou a mão.— Vive repetindo isso.

Sem pensar duas vezes, ela desferiu um tapa no rosto dele.

— O que significa isto, Angélica?

— Não gosto de homens que se gabam.

— Eu mudei muito, anjo.


— Vendo a morte tão de perto, compreendi o quanto somos vulneráveis. —

E tomando-lhe as mãos, ele confessou: — Quero me casar com você e ter umadúzia de filhos.

E quanto ao amor, Angélica se perguntava. Se Robert ainda sofria pela ex-mulher, ela só significaria um objeto de prazer. Soltando-se dele, Angélica recuoue disse, em alto e bom som:

— Também mudei, milorde. Não quero me casar com você apenas parasalvar minha reputação.

Só podia ser brincadeira. Ele sempre teve para si todas as mulheres quequis, apenas contando com seus atributos físicos e intelectuais.

— Não precisa ficar tão surpreso. Eu criei uma espécie de imunidade contraseu charme.

— Ah, não diga! Minutos atrás se derreteu em meus braços. — E, tendo asatisfação de vê-la corar de novo, acrescentou: — Você sonhava em se casar comigo.

— Tem razão. Mas, agora que o conheço melhor, mudei de idéia.

— Qualquer dama na Inglaterra seria minha se eu quisesse — afirmou, com




arrogância.

— Qualquer uma, menos eu. — Angélica se virou na direção da porta.

Robert se antecipou, e bloqueando-lhe a passagem com o corpo robusto,impediu-a de prosseguir.

— Deixe-me passar.— Não. Eu arruinei Alasdair Trimble por sua causa, e nem sequer ouvi um

agradecimento.

—Estou mais do que grata. No entanto, se tivesse me permitido, eu mesmao teria vencido — Angélica desabafou num inesperado rompante.

— Já disse que fica mais linda quando está furiosa? Seus olhos brilhammais. Da mesma maneira que quando fazemos amor.

— Fica me observando?

— Faz parte do prazer. Tente isso na próxima vez.

— Não haverá próxima vez!

Robert, ignorando os protestos, sorriu, cordial, e convidou:

— Posso acompanhá-la ao baile dos Emerson?

— Se me deixar passar, pensarei a respeito.

Ele se pôs de lado e, abrindo a porta, fez-lhe uma reverência:

— Por favor, milady, esteja à vontade para ir. E diga a meu pai para retirar os cães de guarda de meu encalço.

— Diga você mesmo.

E, de queixo erguido, Angélica se retirou, coluna ereta, em sua melhor posede rainha.

Robert tentou retornar ao trabalho, mas foi inútil. Não conseguia nem aomenos somar dois mais dois. Angélica não lhe saía da cabeça.

Desanimado, reclinou-se no encosto da poltrona e cruzou os braços juntoao peito. Tinha de admitir que amava Angélica como nunca lhe acontecera antes.E, com um sorriso irônico esboçado nos lábios, murmurou:

— E ela me rejeitou...

Capítulo VI

Seis dias depois...

Robert se aprontava para comparecer ao baile na mansão dos Emerson.Durante seu período de convalescença, evitou sair, para não ver Angélica. Queriadeixá-la em paz para considerar melhor o que de fato desejava. Mas de uma coisa




ele tinha certeza: não iria à festa acompanhado dos vários guarda-costas.Terminou de descer a escadaria e procurou pelo mordomo.

— Os seguranças estão lá fora?

— Não, milorde. Conforme suas ordens, avisei a eles que o senhor sairiabem mais tarde e insistia para que entrasse e jantassem. — E, com um sorrisocúmplice, acrescentou: — Tomei a liberdade de servi-los na sala principal. Eenquanto isso providenciei a carruagem.

— Você é surpreendente, Webster! — E Robert se apressou a abandonar apropriedade.

Minutos depois, Robert subia a escadaria da mansão do pai, rumo à sala deespera.

— Ah, já chegou! — exclamou o duque, que estava acompanhado por Roxanne.

Robert beijou a mão enluvada de Roxanne e declarou, muito solene:

— Está perfeita nesse traje azul, milady. Parece uma estrela brilhante numanoite escura.

— Você é muito gentil, Robert. — Roxanne sorriu-lhe. — Seu pai vive mecobrindo de jóias.

—Uma dama como você merece o melhor!—O duque Magnus não cabiaem si de alegria. Em seguida, fitando o filho, quis saber: — Tem certeza de que éseguro ir a esse evento? Os homens contratados estão todos lá fora?

— Não, pai. Estou farto da companhia deles. Sou obrigado até a alimentá-los para poder dar uma escapada.

— Quer dizer que veio só?! — Alarmado, o duque levou a mão ao peito.— Calma, querido — Roxanne interveio. — Robert é adulto, e tenho certeza

de que sabe o que faz. Deixe-o decidir o que julgar melhor.

O duque meneou a cabeça, mas por fim acalmou-se.

— Roxanne é uma mulher inteligente. O senhor tem sorte, pai! A damaostentou um ar de seriedade.

— Ainda bem que pensa assim, porque tenho um conselho para vocêtambém, Robert.

— Sobre o quê?

— Determinadas histórias que envolvem seu charme de sedução. Nãoadmira que Angélica se sinta insegura em aceitar sua proposta.

— Propôs casamento a Angélica?! — O duque o encarou, surpreso.

Robert baixou a cabeça.

— Sim. Mas ela recusou.




Magnus esboçou um sorriso de zombaria.

— Então deveria ouvir Roxanne.

— Para atrair um anjo, como você a chama, é necessária uma boaestratégia.

Robert sentiu-se insultado, e devolveu, irônico:— Não preciso de ajuda para lidar com as mulheres, milady.

— Não estamos falando de mulheres. Apenas de minha sobrinha. Se acasomudar de opinião...

Naquele instante, as irmãs Douglas vieram ter com eles. As três estavammais lindas que nunca, muito bem vestidas. Porém, Robert só tinha olhos para suaprincesa, em seu traje vermelho, com uma rosa branca presa nos cabelos loirosnum arranjo primoroso no alto da cabeça. Luvas brancas e longas, um lequecircular e uma bolsinha com bordados em ouro, branco e vermelho completavamsua indumentária. Quando ela chegou perto para cumprimentá-lo, Robert

aproveitou para sussurrar-lhe ao ouvido:— Posso ser seu acompanhante?

Angélica olhou para ele, e, como se lhe fizesse um grande favor,concordou.

Robert a auxiliou a subir na carruagem. No caminho, Angélica quis saber:

— Como está seu braço?

—Quase bom. Estou certo de que dará para derrotar Drinkwater ouMayhew, hoje.

— Onde estão os guarda-costas?— Livrei-me deles. — E piscou-lhe, maroto. .

— Acha engraçado? — Ela o encarou, severa.

— Não posso me esconder pelo resto da vida, Angélica.

— Estava preocupada. Você desapareceu por seis dias. Robert aproveitoua abertura da conversa para provocá-la:

— Andei muito ocupado.

Robert se regozijou no íntimo ao perceber as feições dela endureceremcom as últimas palavras jogadas no ar.

Quando ele a ajudou a descer em frente à residência dos Emerson, Angélica tremeu de susto.

— O que foi, anjo?

— Essa era a casa de meu pai! Morei aqui até os oito anos de idade. TiaRoxanne devia ter me prevenido!

No mesmo momento, as irmãs, que acabavam de chegar, se aproximaram,




seguidas por tia Roxanne e o duque.

— Olhem bem para essa propriedade, meninas — Angélica falou, abaladapela angústia. — Era aqui que morávamos antes de os canalhas arruinarem nossopai.

As irmãs, espantadas com o luxo do palacete, ficaram boquiabertas.

— Nesta rua fui atropelada pela carruagem do sr. Emerson?

— Sim. — Angélica cerrou os dentes.

— Querida, este momento não é apropriado para tais lembranças —Roxanne preveniu Angélica.

— Mas Samantha tinha o direito de saber.

Robert, que até então se mantivera calado, prometeu para Angélica,apertando-lhe a mão:

— Confie em mim. A família Douglas será dona desta mansão outra vez.

Quando adentraram o salão, a música conseguiu dissipar a onda demelancolia que os invadia. Charles Emerson, Venetia e Alexander recepcionavamos convidados na fila que se formava na entrada.

— Vamos enfrentar a fila para os cumprimentos ou prefere dançar primeiro, Angélica?

— Melhor dançarmos, Robert. Sorrindo, ele a conduziu para a pista.

Dançar com Robert era tão natural quanto respirar, Angélica concluiu,deslizando os pés e segura pelos braços fortes dele. Ainda bem que tia Roxanneensinara as sobrinhas a valsar.

Num dos rodopios para acompanhar o ritmo, Robert esboçou um amplosorriso, deixando à mostra a brancura dos dentes perfeitos, que quase seigualavam em alvura com a camisa. Angélica o observou, admirada. O marquêsera o homem mais bonito que já vira. Como teve coragem suficiente para recusar a proposta de casamento dele?

Naquele instante, por um relance, avistou Charles Emerson. Foi aí que Angélica se deu conta de que não descansaria, nem se casaria, enquanto nãovisse o vilão nas mesmas condições do pobre sr. Lewis.

— No que está pensando, anjo?

— Para ser honesta, em como gostaria de ver Charles Emerson nocemitério. A sete palmos.

Robert achou graça.

— Nem pense nisso. Se por acaso isso acontecer, será bem capaz de osmortos vizinhos dele irem por conta própria para a escola de anatomia.

Angélica, encantada com o humor negro de Robert, desatou numagargalhada.




— Samantha é quase tão bela quanto você. Por que será que não estádançando?

— O preconceito é uma praga, Robert. Acha que algum cavalheiro desejarádançar com uma moça que manca?

— Está sendo rígida demais. Asseguro que já observei vários rapazesconvidando-a. Samantha é quem se recusa.

Foi quando a orquestra encerrou a seleção e os casais se afastaram. Semsaída, Robert e Angélica tomaram lugar na fila para os cumprimentos.

— Lady Angélica, sinto-me honrado com sua presença — afirmou CharlesEmerson.

— Foi muita gentileza sua nos convidar. E quem sabe não me dará o prazer de uma partida de dados, mais tarde?

— E uma pena que eu seja o anfitrião. Quem sabe outro dia? —Aguardarei,ansiosa—Angélica aceitou a desculpa, notando o cenho franzido do homem, que,

com certeza, já sabia do ocorrido com Trimble.Robert, guiando-a pelo braço, apressou-se em se afastar dali.

— Não vai jogar com Emerson, Angélica.

— Você teve Trimble. E agora Drinkwater e Mayhew. Deixe Emersoncomigo.

— Eu a proíbo.

— Não aceito suas ordens!

— É o que veremos.

A seguir, eles se juntaram ao duque e à família Douglas. Foi quando Angélica avistou Venetia acompanhada de um cavalheiro alto e bonito, cruzando osalão e vindo na direção deles.

— Angélica, trouxe o príncipe Rudolf para cumprimentá-la. Empalidecendo, Angélica olhou para Robert, que mantinha um sorriso disfarçado. Então, se dirigiuao príncipe:

— Que bom revê-lo, Alteza! — Esperava, do fundo do coração, que o nobrenão a desmascarasse. — Lembra-se de minhas irmãs, Samantha e Victoria?

— Jamais esqueceria moças tão encantadoras. — E Rudolf fixou o olhar em Samantha, que logo enrubesceu.

Venetia não conseguiu esconder o desapontamento em suas feições. Paradisfarçar, voltou à atenção para Robert, dizendo-lhe:

— Não vai me convidar para dançar?

— Será um prazer, milady.

Assim que os dois se foram, o príncipe perguntou a Angélica:




— Qual a razão da mentira? Angélica, muito vermelha, explicou:

— Eu disse a Venetia que o conheci na Itália, na época em que morava lá,e recebi um presente seu. Um pássaro azul.

— Se é apenas isso, não se preocupe, o segredo ficará comigo. —E, semque ninguém esperasse, convidou Samantha para dançar.

A jovem demonstrou surpresa e embaraço.

— Eu... tenho um defeito, Alteza. Sou manca...

— E isso dói muito?

— Não.

— Nesse caso, pode dançar. — E o príncipe lhe ofereceu o braço.

Angélica admirou a gentileza do príncipe de cabelos dourados e olhos deum azul claríssimo. Então, um milagre aconteceu. Samantha aceitou o pedido e,enlaçando o braço de Rudolf, deixou-se guiar até a pista de dança.

Angélica sorriu, feliz, e, antes que a seleção de valsas terminasse, resolveucuidar da aparência. Assim, cruzou o salão na direção do reservado das damas.

Alinhava alguns fios de cabelos soltos quando observou pelo reflexo doespelho a figura de Venetia se aproximando dela.

—Você parece aborrecida, querida. Será porque o príncipe quis dançar com sua irmã ou porque Robert dançou comigo?

— Engana-se, Venetia. Não estou aborrecida.

— Em seu lugar eu estaria. Meu pai jurou que você jamais seria mãe de umherdeiro dos Campbell.

Angélica ergueu o rosto e enfrentou o olhar de Venetia, em claro desafio.

— E quem é seu pai para decidir a vida de Robert?

— Não se iluda. Robert jamais se casará com você.

— Para sua informação, lhe digo que eleja me pediu em casamento.

— Ah, pobrezinha! Você não conhece Robert. Deixe-me alertá-la. Ele foicasado com minha irmã, Louisa, e ela cometeu suicídio quando soube que eletinha uma amante que também estava grávida.

Angélica sentiu como se tivesse levado uma pancada na nuca, e deu um

passo atrás.— Não acredito no que diz.

— Nesse caso, pergunte a ele. O nome da amante de Robert é LucilleDubois, e o marquês é o pai da filha dela.

O pai de Daisy é um homem importante. As palavras que Lucille Duboispronunciara de repente assomaram à memória de Angélica. Olhando-se noespelho, notou a tremenda palidez do rosto, e suas mãos começaram a tremer.




Venetia aproveitou para desferir o tiro de misericórdia.

— Por que está tão surpresa? Não sabe que cavalheiros ricos sempremantêm amantes? Filhos bastardos são conseqüências naturais.

Angélica sacudiu a cabeça. Daisy era uma criança doce e meiga, não umabastarda para ser menosprezada, como queria Venetia.

— Por favor, saia! — Angélica pediu.

— Eu só queria...

— Fora daqui! — Angélica se exasperou, e a maldosa dama se intimidou,abandonando rápido o local.

Desconsolada, Angélica afundou-se no sofá de cor marfim que combinavacom as luxuosas peças de porcelana do toalete feminino. Sabia que homensabastados costumavam ter amantes.

Mas Robert? Como podia ele tolerar os abusos de Lucille contra a própria

filha?Tomando a decisão de encontrar Robert e forçá-lo a contar toda a verdade,

Angélica se pôs de pé e saiu, apressada. Retornando ao salão, notou que Victoriadançava com Alexander Emerson, e Samantha, mais uma vez com o príncipe. Aconhecida voz de Robert soou logo atrás dela:

— Estava a sua procura. Está na hora do jogo com Drinkwater e Mayhew.

— Esqueça isso. Precisamos conversar em particular. Robert ficouintrigado. O que seria mais importante para Angélica do que aquele esperadodesafio?

Mas a incontestável determinação, tão evidente no azul dos olhos dela, o

impediu de argumentar. Assim, ofereceu-lhe o braço, e ambos se encaminharamaté o jardim, onde outros casais passeavam. Encontrando um banco vago,

Angélica e Robert se sentaram. Só aí Angélica falou:

— Por que sua esposa se matou? A expressão de Robert enrijeceu.

— Com quem andou conversando?

— Isso não importa.

— Por que quer saber?

— Lucille Dubois é sua amante?

Robert a encarou por segundos. Depois, respondeu, com firmeza:— Não.

— Mas já foi?

— É Venetia quem a está pondo contra mim?

— Não respondeu ao que perguntei.

— Já ouvi o suficiente. — Robert se levantou. — Agora vamos retornar ao




salão.

— Não se não me responder.

— Está bem. Lucille Dubois foi minha amante. Satisfeita?

— E Daisy é sua filha?

— É, mas nunca a visitei. E também não tenho mais nada com Lucille.

— Nunca viu sua própria filha?!

— Não. No entanto, assumi a responsabilidade de seu sustento. Naquelemomento, Robert estreitou os olhos.

— Você conhece a menina?

— Sim. Lucille é cliente de minha tia, e às vezes levava a filha consigo asconsultas. E quando isso acontecia eu me encarregava de distrair Daisy no jardim.Ela é uma criança adorável, que está sofrendo maus-tratos. A mãe a espanca. Jáfalei a respeito com você.

Robert ficou sério e pensativo.

— O que fará a respeito, Robert? — Angélica aguardava, ansiosa, por umadecisão.

— Vou enviar um recado de advertência a Lucille junto com o próximocheque.

— Só isso?! Que espécie de pai é você? Jamais me casarei com umhomem assim, nem que esteja coberto de ouro! — Angélica gritava, o que chamoua atenção dos demais ao redor.

— Pare com isso! Quer promover um escândalo? —Não recebo ordens

suas!Robert agarrou-lhe o pulso com firmeza e forçou-a a se erguer:

— Vamos.

— Está louco se pensa que o acompanharei! — Furiosa, ela sedesvencilhou da mão que a segurava, acrescentando: — Vou para casa.

Pouco se importando com os olhares curiosos, Angélica cruzou o jardim nadireção do portão de entrada.

Robert a seguia de perto, implorando por seu bom senso. Mas ela estavazangada demais para ouvir o que quer que fosse.

No momento em que alcançou a rua repleta de carruagens queaguardavam os nobres, Angélica avistou um homem que passava a galope comuma arma apontada na direção do jardim de entrada.

— Robert! — Raciocinando rápido, e por puro instinto, Angélica ergueu abarra do vestido, puxou seu punhal e, num arremesso certeiro, atingiu o pistoleiro,que, antes de cair da montaria bem à frente do portão, conseguiu disparar,errando o alvo.




O tumulto foi geral. Angélica se aproximou do estranho estendido no chãoao mesmo tempo que Robert. A adaga estava cravada bem no peito dele.

— Está morto — declarou um dos cocheiras, debruçado ao lado docadáver.

— Que bela pontaria! — elogiou Adam St. Aubyn.

— Foi sem querer. Eu mirei a mão que empunhava a arma. — Angélicameneou a cabeça.

—Agora não podemos interrogá-lo, não é?—Robert interveio, irônico,olhando para Angélica.

— Salvei sua vida e nem sequer me agradece?

O duque, que acabara de chegar, gesticulava, assustado.

— Eu avisei para não dispensar os guarda-costas! Angélica tirou um lençobranco da pequena bolsa que carregava e soltou o punhal do corpo do bandido.

Limpou o sangue e guardou a arma, livrando-se do lenço na calçada. A seguir,caminhou na direção da carruagem dos Campbell, acompanhada da tia e dasirmãs.

No caminho, passou diante de Alexander Emerson, e então parou por instantes, dizendo-lhe:

— Da próxima vez que tentar matar o marquês, contrate um pistoleiro maiseficiente.

— Pelo que sempre desconfiei, é o marquês quem deseja me eliminar.

Angélica arregalou os olhos:

— Alguém vem querendo matá-lo?— Já sofri dois atentados. Ela se afastou, intrigada:

Quem poderia estar interessado em eliminar Robert Campbell e Alexander Emerson ?

Quando entrou no veículo, Roxanne e as meninas já a aguardavam, juntocom Magnus.

— Imagino o escândalo que surgirá, envolvendo Angélica. — Tia Roxannesuspirava, aflita. — Uma lady não carrega punhais consigo, e não executapistoleiros.

Angélica ouviu o comentário, mas resolveu ignorá-lo. O que tinha para dizer era muito mais importante:

— Acabei de saber que Alexander Emerson também já sofreu doisatentados contra sua vida.

— Bem, isso não é de minha conta — retrucou o duque de Inverary.

— Mas e se houver relação entre as tentativas de matar Alexander eRobert, milorde?




O duque ponderou por um momento.

— Tem razão, Angélica. Vou providenciar uma rigorosa investigação.

Na manhã do outro dia, Angélica, sozinha em seu quarto, não conseguiaafastar do pensamento o motivo de Robert e Alexander serem o possível alvo dealguém que os queria mortos. Amava Robert, mas sabia pouco a seu respeito.

A entrada das irmãs a tirou de suas conjecturas. Victoria e Samantha sesentaram na beirada da imensa cama, de frente para Angélica, acomodada numapoltrona.

— Quem acha que está por trás dessa trama toda, Angélica?

— Nem imagino, Samantha.

— Para ser sincera, sinto-me tão entediada desde que viemos morar com oduque! — Samantha deixou escapar um suspiro.

Victoria completou:

— Que saudade da liberdade e agitação que tínhamos!— Vocês querem aventura? — Angélica perguntou, com um sorriso

matreiro.

As duas assentiram, balançando a cabeça.

— Nesse caso, tenho algo que poderá lhes interessar. Como sabem, LucilleDubois maltrata a filha. E Robert é pai de Daisy.

— O quê?! — As outras duas questionaram ao mesmo tempo.

— Também fiquei espantada, mas é a pura verdade. Robert nunca viu afilha, mas financia seu sustento. E acho injusto a mãe espancar a pobrezinha.

— O que tem em mente, Angélica?

— Quero seqüestrar Daisy e trazê-la para morar conosco, Sam.

— Mas será que o duque permitiria? — Victoria interveio.

— Deixe isso comigo. Sei lidar com o duque Magnus. Naquele instante,Roxanne veio ter com elas.

— Bom dia, meninas.

As três a cumprimentaram.

— Pedi a Tinker que não permitisse a entrada de nenhum jornalista. Há

uma multidão de curiosos lá fora, loucos para espiar Angélica.— Daisy Dubois é filha de Robert — Angélica desabafou de uma vez.

— Eu sei.

— E por que nunca me disse, titia?

— Você nunca me perguntou. — A declaração de Roxanne provocou o risodas outras garotas mais jovens.




— Eu contei a Robert sobre os abusos que ela sofre da mãe. No entanto,parece que ele nem se importa. — Após uma pausa intencional, Angélicacomunicou sua decisão: — Vou resgatar Daisy assim que descobrir onde moram.

— Sei o endereço delas. E, se quiser ajuda, ouça meu plano. — TiaRoxanne se encostou no parapeito da enorme vidraça, de costas para a janela,

para fitar as sobrinhas, que escutaram toda a descrição do estratagema sem nemmesmo piscar.

Ao final, Angélica, mordendo o lábio inferior, indagou:

— Acha que Robert ficará zangado, tia?

— Zangado? Ficará é furioso!

As três irmãs caíram na gargalhada. Tia Roxanne era impagável.

Roxanne se encarregou de conseguir que o duque lhe cedesse umacarruagem para fazer um passeio com as meninas. Magnus providenciou para queo cocheiro as apanhasse pelo portão dos fundos, a fim de evitar os curiosos que

ainda permaneciam diante da mansão. Às três da tarde em ponto, elas estavam dentro do veículo rumo à casa de

Lucille. Tia Roxanne, com seu peculiar charme, conseguiu a promessa dococheiro Willie de manter segredo sobre o local para onde iam.

— Quando chegarmos lá — Tia Roxanne insistiu —, vocês devem seesconder no jardim. Assim que eu entrar, pedirei a Lucille que deixe a menina láfora, para termos privacidade, pois tenho um assunto urgente para lhe falar.

— O que dirá a ela, titia?

— Sobre os atentados a Robert, Angélica. Se ele morrer, a pensão

acabará. Quer tema mais urgente que esse?De repente, as palavras da tia causaram grande aflição em Angélica.

Imaginar Robert morto a deixou apavorada. Tia Roxanne se assustou.

— O que aconteceu, Angélica? Ficou tão pálida!

— Não é nada, tia. Já vai passar.

Roxanne chegou a abrir a boca para argumentar, mas a brusca freada doscavalos interrompeu-lhe a atenção.

— Vamos descer aqui, meninas. A casa delas é logo mais à frente. Quandovocês me virem entrar, escondam-se no jardim. Assim que conseguirem, tragam

Daisy para a carruagem. Eu virei assim que possível. Quando Lucille se der conta, já estaremos longe.

Escondidas entre os arbustos que circundavam o jardim, as irmãsaguardavam pela saída de Daisy. Angélica segurava com força o diamantemágico.

Por fim, Daisy apareceu. Porém, para surpresa de todas, acompanhada deuma senhora de meia-idade, com os cabelos brancos ajeitados em um coque e




vestida com roupas brancas.

—Ela está com a babá! O que faremos? -— Samantha sussurrou.

— Levaremos a babá também — afirmou Angélica. — Deixem comigo, efiquem onde estão até eu chamá-las.

Abandonando o esconderijo, Angélica seguiu na direção da garotinha, quese encontrava sentada junto da babá num banco de madeira à sombra de umsalgueiro. Quando Daisy a viu, demonstrou grande alegria:

— Angélica! Você trouxe o pássaro?

— Não, meu benzinho. Mas trouxe minhas irmãs. — E em seguida acenoupara que as outras duas saíssem do refúgio.

— Por que estão escondidas? — a babá se alarmou.

— Não queríamos assustá-la. Nossa tia está lá dentro, com Lucille.

Daisy, no mesmo instante, exibiu para Angélica a boneca que o pai tinha

lhe enviado.— Ela se chama Allegra — comentou a pequena. — Mas gostaria que ele

mesmo a tivesse trazido.

—Allegra é muito linda! — Angélica meneou a cabeça. — Seu pai devegostar muito de você.

— Eu sei. A sra. Sweeting sempre diz que ele não vem me ver porque émuito ocupado.

Angélica franziu o cenho ao ouvir o nome da babá.

— Como se chama?

— Ethel Sweeting.

Impossível! Angélica quase nem acreditou. Aquela mesma senhora tinhasido sua babá. Fora ela que o duque ajudara, e Robert arranjou-lhe emprego.

— Não está me reconhecendo? Sou Angélica Douglas.

— Céus! Nunca pensei em vê-la outra vez. — Ethel sorriu, olhando-a comatenção. — Aquelas devem ser Samantha e Victoria. E seus pais, como vão?

— Ambos faleceram.

A sra. Sweeting demonstrou pesar. Angélica prosseguiu:

— Como babá de Daisy, a senhora sabe que a menina é maltratada pelamãe.

— Faço o que posso para protegê-la...

— Se é assim, então nos ajude. Viemos para levar Daisy para morar naresidência do duque de Inverary. E a senhora pode vir também.

A babá fez que sim. No entanto, ponderou:




— Seqüestro é crime, milady.

— Não se preocupe. O duque é um homem muito influente. E, afinal, Daisyé neta dele.

— E quanto a meus pertences?

— Daremos um jeito. — E, olhando para a menina, perguntou: — Quer morar comigo, Daisy?

A garotinha sorriu e esticou os bracinhos. Angélica a ergueu no colo e saiudali, acompanhada pelas demais.

Assim que Roxanne se desvencilhou de Lucille, uniu-se a elas, e acarruagem partiu para a mansão dos Campbell.

— Sr. Tinker, providencie um aposento para a sra. Sweeting e Daisy. Elasficarão juntas—pediu Angélica assim que o mordomo lhes abriu a porta.

Ao passarem diante do escritório de Magnus, tia Roxanne avisou Angélica

que iria preveni-lo sobre a presença da menina na mansão. E ao ver a expressãopreocupada da sobrinha, deu-lhe uma piscadela e um sorriso confiante.

Angélica permaneceu estacada, segurando a mão de Daisy, aguardandopelo sinal da tia para entrarem. As irmãs e a sra. Sweeting seguiram o mordomo.

— Angélica fez o quê?!

Angélica e Daisy estremeceram ao ouvir a voz grave de Magnus ecoando.

Muitos minutos se passaram antes que tia Roxanne tornasse a abrir a portae lhes pedisse que entrassem.

O duque, sentado atrás da mesa de trabalho, mantinha a expressão severa.

— Parece que está sempre envolvida em salvar alguém, Angélica! —Magnus exclamou.

— É porque sigo meu coração, milorde. — E Angélica endereçou-lhe umsorriso iluminado.

Baixando os olhos para a pequena, Magnus falou:

— Então você é Daisy Dubois? Chegue mais perto para que eu possa vê-lamelhor.

A menina ficou encabulada e apertou com força a mão de Angélica. Depois,impulsionada por um gesto dela, tomou coragem e se aproximou do duque.

— Sabe quem sou?— Sei, milorde. Meu avô. Magnus sorriu, consternado.

— Gostaria de viver aqui? A menina fez que sim.

— Sendo assim, teremos de providenciar um quarto definitivo — concluiu oduque, brincalhão.

Assim que saíram, Daisy perguntou a Angélica:




— Também vou conhecer meu pai?

— Sem sombra de dúvida!

Capítulo VII

Angélica Douglas é a criatura mais teimosa que existe! Robert, sentado asua escrivaninha, não conseguia se concentrar em nenhum dos papéis sobre otampo.

E o pior era que ele a amava tal como era, admitiu, por fim. E apaixonar-senão fazia parte de seus planos.

Primeiro, Angélica demonstrara querer se casar; depois, disse que não oqueria nem pintado de ouro. Precisava de sua ajuda para realizar a planejadavingança, mas ele que se mantivesse bem longe dela.

Robert nunca imaginara como poderia ser difícil conquistar uma mulher.Estava acostumado a tê-las a seus pés. Afinal, era rico, influente e bonito. O quemais uma jovem poderia querer? De todo modo, sabia que Angélica era diferente.Um verdadeiro anjo. Sempre interessada no bem-estar dos outros.

E agora Dai ... Como poderia culpá-la por defender uma criança maltratadapela própria mãe? Sabia que Angélica tentaria de algum jeito ajudar a menina. Sóesperava que não fizesse nada ilegal.

Ao pensar em Daisy, um estranho sentimento de culpa o acometeu. Nemsequer gravara o nome da pequena. Jamais se preocupava em saber como vivia,pois, no fundo — e de maneira inconsciente —, culpava-a pelo suicídio de Louisa.

Será mesmo que Lucille é cruel e desequilibrada a ponto de maltratar a própria filha, ou Angélica está exagerando? Robert serviu-se de uma dose deuísque, que tomou num único gole. Então, ergueu-se. Só havia um modo de saber a verdade: teria de ir à residência de Lucille para examinar os braços da menina.

Determinado, cruzou a sala e chamou pelo mordomo, pedindo-lhe que lheprovidenciasse a carruagem.

— Devo avisar os guarda-costas? — quis saber Webster.

A princípio, Robert pensou em evitá-los. Porém, após o ocorrido, resolveuagir com maior prudência, e acenou positivamente para o mordomo.

Passados dez minutos, estava a caminho de Portland Place, observandocom desgosto a comitiva que o acompanhava.

Lucille desceu as escadas com ares de mulher fatal. Usava um vestidocurto e vermelho-escarlate, de decote ousado. Dava a impressão de queadivinhara a visita de Robert e desejava seduzi-lo.

— Você voltou! Graças a Deus!

— Quero ver Daisy — ele afirmou com frieza.




— Até que enfim decidiu conhecer sua filha!—Lucille chamou a governanta,pedindo que trouxesse a menina.

Pouco depois, a criada, alarmada, informou que a criança não seencontrava em parte alguma da casa.

— Alguém seqüestrou minha filha! — Lucille gritou, em pânico.

Robert sorriu, desconfiado. Com certeza Angélica teria uma explicação paraaquilo.

— Avise a polícia, Robert. Ou vai ficar aí parado?

—Estava imaginando se seu desespero é por Daisy ou por temer perder apensão.

— Como pode dizer isso?! — A boca de Lucille entortou, num acesso deraiva. — Amo nossa filha mais que tudo no mundo!

— Com exceção de você mesma. — Robert arqueou uma sobrancelha,

sarcástico. — Acho que sei onde ela está.— Irei com você.

Ele hesitou, mas acabou decidindo que talvez fosse melhor ter a presençadela para observar-lhe a reação.

— Está bem, vamos.

Uma vez no veículo, Lucille se insinuou o mais que pôde, aproveitando ossolavancos da carruagem para se jogar contra Robert, de modo a exibir-lhe osseios quase descobertos.

— E melhor que se comporte — Robert a censurou, mal-humorado —, ou

vou deixá-la no caminho. Angélica e Daisy, deitadas no gramado do jardim da mansão do duque,

desfrutavam da manhã ensolarada, decifrando as figuras formadas pelas nuvensbrancas e espaçadas. A sra. Sweeting as observava sentada num banco próximo,acolhido pela sombra de uma árvore.

— Estão se divertindo? — a voz de um garoto ecoou ali perto. Era Colin,acompanhado da sra. Honey. Angélica se sentou de

imediato, e Daisy a acompanhou.

— Ah! Daisy, esse é seu primo: Colin.

As crianças se entreolharam, curiosas. Ao mesmo tempo, Angélicaaproximou as babás, que logo se entenderam e, lado a lado, iniciaram umentusiasmado diálogo.

Colin foi para perto de Daisy, e ambos ficaram por alguns minutosadmirando Jasper, entretido em bicar uma maçã verde. Não demorou muito e ascrianças já estavam plenamente adaptadas, correndo de lá para cá e brincando aoredor dos arbustos. Angélica os observava, feliz.




Tinker veio até ela.

— O duque de Inverary solicita a presença de milady e da menina,imediatamente, em seu estúdio.

— Obrigada, Tinker. — E, chamando Daisy, Angélica se pôs a caminho.

Ao entrar no escritório, sua surpresa foi imensa: além do duque e tiaRoxanne, estava Robert, acompanhado de Lucille Dubois. Daisy, amedrontada,apertou os dedos de Angélica, que fitava a tia, buscando apoio. Roxanne fez umaexpressão ingênua e deu de ombros.

— Ela seqüestrou minha filha! — Lucille ergueu o dedo em riste na direçãode Angélica. — E, a propósito, o que essa intrometida está fazendo aqui? O duqueinterveio:

— Lady Angélica é a condessa de Melrose e minha convidada.

— Imagine! Essa moça e sua família não têm um tostão!

— A questão financeira não modifica a condição de nobreza — esclareceuMagnus.

— Nem a de criminosa — Lucille retrucou, o olhar faiscante direcionadopara Angélica. — Venha comigo, Daisy.

A garota se agarrou a Angélica, meneando a cabeça.

— Viu como essa menina é desobediente, Robert? — Lucille se queixou.

Robert foi para o lado de Angélica, que deu um passo à frente, escondendoa garota atrás de si.

— Afaste-se. Quero ver a criança.

Angélica permaneceu onde estava e, de queixo erguido, sustentou o olhar severo de Robert.

— Quero examinar os braços de Daisy — ele pediu, com um pouco mais decalma.

Angélica lhe deu passagem, mantendo, contudo, a mão bem segura na damenina.

— Não tenha medo, Daisy. Este é seu pai.

A pequena ergueu os imensos olhos, admirando a estatura do homem asua frente. Inspecionando os bracinhos, Robert constatou os hematomas e

arranhões.— Quem fez isso?! — Robert encarou Lucille.

— Você viu como Daisy é desobediente — a mãe da criança repetiu.

— Se tocar nela de novo, nunca mais verá sequer uma moeda minha,entendeu?!

— Entendi. — Lucille, a muito custo, continha a ira. — Agora, vamos para




casa, Daisy.

Angélica tornou a esconder a menina com o próprio corpo.

— Daisy só sairá daqui sobre meu cadáver.

Lucille fitou Robert, na esperança de conseguir ajuda.

Houve uma pausa, durante a qual Robert pensou numa saída estratégica.Voltando-se para Angélica, pediu-lhe:

— Será que podíamos conversar em particular, no corredor?

— Sim. Mas Daisy virá comigo.

Roxanne se adiantou e, cruzando a sala, ofereceu-se:

— Deixe que eu tome conta da menina.

Angélica assentiu e saiu com Robert, que teve o cuidado de fechar a portapara manter a privacidade do diálogo.

— Apreciei muito sua preocupação com Daisy, mas não posso aprovar umseqüestro.

— Não foi um seqüestro, milorde, e sim um resgate. Robert sorriu diante detanta ingenuidade.

— Mesmo? E como pretende sustentar a garota? Angélica ergueu o olhar,e uma nuvem de tristeza o atravessou,

quando se deu conta da realidade dos fatos. Robert permitiu um silêncioproposital para que ela compreendesse o quanto precisava dele.

— Sei que Lucille é uma mulher ambiciosa e, pelo que comprovei, umapéssima mãe. A filha, para ela, não passa de uma fonte de renda. Sendo assim,vou oferecer uma quantia irrecusável para que abra mão de seus direitos dematernidade. — Respirou fundo. — E você poderá cuidar de Daisy se...

Angélica, imaginando o que ele iria dizer, se antecipou:

— Por que quer se casar com uma mulher que não o ama? — mentiu,porque prometeu a si mesma que ele nunca saberia que o amava.

— Não era isso que eu ia dizer.

— E o que era?

— Se passar o dia inteiro comigo em minha casa, permitirei que se

encarregue de Daisy.— Só um dia?

Robert concordou com um gesto de cabeça.

— Mas e quanto a minha reputação? Não posso ser vista indo a suamansão.

— Esperaremos por uma ocasião chuvosa. Assim, poderá se cobrir comcapa, capuz e tudo o mais, e não será reconhecida.




Angélica ponderou por um momento. Desconfiava de alguma tramanaquele convite, mas a idéia de poder manter a menina consigo foi mais forte:

— Está combinado.

— Vou rezar para chover logo — Robert brincou. Retornando ao estúdio doduque, Robert pediu a Lucille que o

acompanhasse. Logo, ele tornou a entrar. Dessa vez, sozinho.

— Lucille já foi, e não deve retornar. A menos, é claro, que não receba odinheiro amanhã.

— Quanto custou? — O duque, em sua longa experiência, já imaginaraaquele final.

— Cem mil libras.

Angélica e a tia ficaram boquiabertas. Naquele instante, Venetia veio ter com eles:

— Quem era aquela mulher bonita que vi saindo?— Lucille Dubois — informou Roxanne.

— Teve coragem de trazer sua amante até aqui, Robert?! — esbravejouVenetia.

— Ela foi minha amante muitos anos atrás.

— Isso não importa! — Ao ver a menina, perguntou: — Aquela é abastarda?

Foi Angélica quem respondeu:

— Esta é Daisy, e vai viver aqui.

— Recuso-me a morar com uma bastarda! O duque interveio:

— Então terá de voltar para a casa de seu pai.

— Se eu for, levarei Colin comigo.

— Nem tente me ameaçar! — Magnus a olhou firme. — Colin é herdeirodos Campbell, e minha influência é muito maior que a de Emerson!

Robert, procurando aplacar os ânimos, sugeriu:

— Não há necessidade de Venetia sair. A sra. Sweeting e Daisy podem vir morar comigo.

— Minha neta ficará aqui, Robert. E ponto final — determinou o duque, comausteridade.

Venetia abandonou o local, zangadíssima.

Angélica tomou Daisy pela mãozinha, sugerindo um descanso em seuquarto. Quando ambas se foram, Roxanne, suspirando e acompanhando-as com oolhar, disse:




— Abrigados nas carruagens, do outro lado da rua. — O mordomo sorriupara ela. — A sra. Sweeting me enviou um bilhete. Milady foi muito generosa emlevá-la para sua residência.

—A propriedade é do duque de Inverary, bem como a gentileza.

Webster assentiu, com polidez, e a conduziu até o terceiro andar, ondeficavam os aposentos do marquês. Parando à porta principal da entrada do quarto,o criado deu duas leves pancadas.

— Deixe-a entrar — Robert disse, de lá de dentro. Angélica torceu para quepelo menos ele não estivesse na cama. O mordomo girou a maçaneta, e Angélicaesboçou um sorriso

casual, pretendendo fingir que tinha um assunto urgente e secreto. Mas, nofundo, duvidava que Webster engolisse a farsa. Ela entrou, e o criado se foi,dando-lhes total privacidade.

Robert, de calça preta e camisa branca, se encontrava sentado em frente à

janela, de costas para a entrada do aposento. Só de observar o perfil musculoso eperfeito, Angélica sentiu as pernas amolecerem. Mais ainda quando o marquês sevirou e alguns botões libertos da camisa deixaram à mostra parte do peito nu,onde reluzia o topázio no pingente em forma de cruz.

— Vejo que está usando o amuleto que tia Roxanne lhe deu.

— Não me separei dele desde que você o colocou em meu pescoço —declarou, com o costumeiro olhar cativante.

Angélica removeu o capuz, libertando os longos e loiros cabelos. Robertveio em sua direção.

— Quer que a ajude a retirar a capa?

— Não. Prefiro tomar algo forte para combater a friagem da chuva.

— O que quer beber?

— Uísque cairá bem.

Robert lhe serviu uma dose e preparou outra para si mesmo. Arregalou osolhos ao vê-la engolir o conteúdo do copo de uma só vez e pedir para repetir.

—Não precisa disso, Angélica. Decidi deixá-la cuidar de Daisy. Agora, sequiser, pode ir embora.

— Trato é trato, milorde.

Robert a fitou com espanto e deslumbre ao mesmo tempo. Angélica optarapor uma camisola curta e transparente. A seda fina em azul-celeste amoldava-se acada curva, emprestando-lhe um ar sensual e irresistível. Quando ele pensou emse mover, ela pediu:

— Fique onde está. Eu irei até você.

E numa espécie de dança cigana chegou junto de Robert e começou adespir-lhe a camisa, ao mesmo tempo que distribuía beijos pelo tórax largo e




prosseguia com os movimentos envolventes e hipnóticos. Robert soltou umaestrondosa gargalhada.

Ela parou de imediato.

-— Está rindo do quê?

— De você. Onde aprendeu isso? Angélica ficou vermelha.— Ouvia comentários das meretrizes em minha banca de jogos, no

mercado.

Robert estendeu um braço e ergueu-lhe o queixo mimoso.

— Acha que se eu quisesse uma prostituta iria contratar um

Angélica não entendeu bem se tomava as palavras dele como insulto ouelogio. Contudo, antes que pudesse protestar, Robert a envolveu num abraço e afez silenciar com um beijo ardoroso.

As mãos fortes deslizaram sobre a seda macia, arrepiando-lhe a pele. Aos

poucos, as carícias foram se intensificando. Era inútil resistir. Seus corpospareciam feitos um para o outro e, à medida que a urgência do desejo osconduzia, eles se libertavam da barreira das roupas, e se aproximavam da camaaconchegante, para, enfim, dar vazão às trocas de afagos íntimos, e se entregar um ao outro.

Uma vez saciados, deitaram-se lado a lado. Angélica repousou a cabeça noombro do marquês e, antes de adormecer, murmurou:

— Eu te amo, Robert.

Quando Angélica despertou do ligeiro repouso, encontrou Robert deitadode lado, com o cotovelo apoiado no colchão, apoiando a cabeça com a mão

direita, observando-a com um sorriso satisfeito nos lábios.— Que horas são? — ela quis saber.

— Duas.

— Preciso ir.

— Calma, anjo. Está muito tensa. Vire-se de costas.

— O que vai fazer?

— É surpresa.

Angélica se virou. Ele apanhou um vidro contendo um óleo perfumado e,

untando as mãos, ajoelhou-se no colchão, dando início a uma massagemrelaxante nas costas delicadas e alvas.

Ela se deliciou, apreciando o toque suave das mãos masculinas, que maisexcitavam do que relaxavam. Robert seguiu em frente, passando das costas aosbraços, e depois descendo na direção dos quadris arredondados e das coxasmacias. O prazer que Angélica sentia aos poucos foi se transformando numatortura. Como aquele homem conseguia fazê-la vibrar de paixão sempre que




queria? Incapaz de conter-se, ela se revirou e, fitando-lhe os olhos negros etentadores, suplicou:

— Quero amá-lo outra vez.

— Seu pedido é uma ordem, milady. — Robert sorriu, orgulhoso de seupoder de sedução.

E mais uma vez o paraíso veio a terra, na frenética união amorosa.

Após mais alguns instantes de descanso, quando Angélica abriu os olhos,notou que Robert providenciara uma bandeja com frutas, geléia e pão. Ela apenasbeliscou uma fruta e apressou-se em se vestir e sair.

A tarde estava ainda mais escura por causa da chuva intermitente. Ficoualiviada de ver a rua deserta. E ainda mais quando entrou na mansão do duquesem ser vista.

Ao subir as escadas, quase esbarrou em Roxanne, que vinha no sentidocontrário.

— Angélica! Onde estava? Eu a procurei a tarde inteira!

— Fui visitar o marquês.

— Robert?

— Sim. Tinha de conversar com ele sobre Daisy.

— A tarde toda?

— E que ele me desafiou para uma partida de xadrez. E, como nunca joguei, Robert teve de me ensinar.

— Mesmo? E por que está tão corada?

—Deve ser por causa da pressa com que caminhei para retornar. — E,adiantando-se, prosseguiu a subida dos degraus, finalizando o assunto. — Nósnos veremos no jantar, titia.

Quando chegou ao topo da escadaria, Angélica deu uma olhada para trás.Sua tia Roxanne permanecia parada no mesmo lugar, com um sorriso desconfiadonos lábios.

Capítulo VIII

Cinco dias depois...

Angélica se maldizia por ter dito a Robert que o amava. Até então coravaao se recordar do amor que fizeram. Puro êxtase! Agora, porém, teria de arcar com as conseqüências.

A vida na mansão do duque se tornara mais tranqüila após a saída deVenetia. O único fato estranho era a ausência de Robert por todo aquele período.




O som da música proveniente do salão de festas da residência dosCampbell tinha início. Por fim, chegara o dia do baile oferecido pelo duque.

Samantha e Victoria estavam eufóricas. Angélica terminava de calçar aslongas luvas brancas e se mirava no espelho de cristal. Perguntava-se se Robertviria. Escolhera um vestido branco de seda, não muito longo, com um profundo

decote em forma de U. A intenção era de provocá-lo, embora tivesse decididoignorá-lo.

— Como você está linda!

Angélica girou a cabeça na direção da porta e deparou com Daisy. Logoatrás, veio Colin. Angélica se abaixou para recepcionar as crianças, que seatiraram em seus braços.

— Não vamos amassar seu traje? — a pequena lembrou, preocupada. —Lucille nunca me deixou abraçá-la quando estava arrumada.

— Nem minha mãe — acrescentou Colin.

— Nada é mais importante do que o carinho de vocês. — E Angélica deuum beijo em cada um.

Quando se ergueu, avistou as babás esperando pelas crianças à soleira.

— Podemos brincar com Jasper? — pediu Daisy. Angélica concordou econvidou as mulheres para entrar, a fim

de vigiá-los até à hora de irem dormir. Em seguida, desceu a escadaria etomou o rumo do escritório do duque, conforme a solicitação dele.

Magnus e Roxanne a fitaram, de trás da escrivaninha. Samantha e Victoriahaviam se acomodado do lado oposto a eles.

— Feche a porta, Angélica — ordenou o duque de Inverary. Ela o obedeceue se aproximou em seguida.

— Os documentos que me tornam representante legal das Douglaschegaram. — O duque exibiu as várias folhas diante de si.

— Eu e as meninas já assinamos, querida. Só falta você. — Tia Roxannesorriu para ela.

Angélica tomou assento e firmou seu nome onde lhe fora indicado. Depoisde formalizado o documento, Magnus o trancou na gaveta. A seguir, ofereceu obraço a Roxanne, e o casal saiu na direção do salão de festas, seguido pelasirmãs.

Na entrada do salão, deram de frente com Venetia, que se dirigiu ao duquecom um sorriso falso, ignorando as Douglas:

— Vim mais cedo para auxiliá-lo na recepção aos convidados. Roxanne,devolvendo um sorriso repleto de hipocrisia, contestou:

— Não se incomode, querida. O duque já tem uma anfitriã auxiliar, que soueu.




Venetia deu a impressão de que iria explodir de tanta fúria. A chegada dosprimeiros convidados amenizou a situação e os distraiu. Angélica aproveitou paracaminhar um pouco e averiguar se Robert estava por ali.

— Boa noite, condessa — a voz familiar do marquês soou bem atrás dela.

Angélica girou o corpo e deparou com o sorriso carismático que tanto aperturbava.

— Boa noite, milorde — devolveu com a mesma formalidade.

— Espero que me reserve uma dança.

— Será um prazer. — E Angélica tentou se afastar.

Robert a impediu, no entanto, barrando-a com um dos braços esticado.

— Está saindo por minha causa?

— Engana-se se pensa que sua presença me afeta. — Empinou o queixo eacrescentou: — Preciso ir ao toalete.

Ele lhe permitiu que se afastasse, e Angélica seguiu na direção doreservado.

Sentia o estômago revirado e, ao mirar-se no espelho, assustou-se com apalidez estampada em seu rosto. Bem que tia Roxanne andava preocupada comos constantes enjôos que vinha sofrendo. Talvez fosse melhor consultar ummédico.

Descansou um pouco no sofá, e, ao se sentir melhor, maquiou-se para dar uma coloração às faces. Retornando ao salão, observou que suas irmãsdançavam. Sem ter outra escolha, decidiu juntar-se à tia, que se encontravaacompanhada do duque e do marquês.

Quando uma nova seleção de valsas teve início, Robert convidou Angélica,e os dois se encaminharam para a pista.

Enquanto valsavam, Angélica comentou:

— Daisy tem perguntado por você. Seria pedir demais que desperdiçasseum pouco de seu precioso tempo com ela?

— Meu presente para a menina foi permitir que ficasse com você. Por enquanto isso deve bastar.

Angélica se calou, preferindo não discutir. O enjôo estomacal voltara,pondo-a indisposta.

Terminada a valsa, Robert insistiu para dançarem a próxima, mas Angélicarecusou.

— Está cansada?

— Não. Apenas enjoada.

Aproximando os lábios de um dos ouvidos dela, Robert sussurrou:




— Esta noite vou dar cabo de Drinkwater ou Mayhew.

— Eu mesma os arruinarei. Já lhe disse isso.

— Como vai fazer sem os bolsos e as mangas longas?

Angélica ergueu uma sobrancelha.

— Então, perderei alguns trocados. Isso os deixará ansiosos para meenfrentar de novo. E nessa ocasião estarei usando um vestido de mangas longas.

— Eu a proíbo de jogar hoje. Sobretudo com esse traje.

— Você não é meu guardião, Robert. E o que há de errado com minharoupa?

— Cobre muito pouco de seu corpo.

Angélica ficou feliz. Robert notara seu traje. Mas, fingindo contrariedade,respondeu:

— Porém, oculta o principal.

A entonação poderosa do duque Magnus chamando a atenção dosconvidados interrompeu o diálogo entre eles:

— Damas e cavalheiros, solicito a atenção de todos para um comunicadoimportante. — E após uma breve pausa para respirar fundo, prosseguiu:—Tenho ahonra de anunciar que lady Roxanne Douglas aceitou minha proposta decasamento, e em breve será a duquesa de Inverary.

A surpresa foi geral, e seguida de efusivos aplausos. Angélica e Robert seentreolharam, espantados.

— Até que enfim a velha raposa foi fisgada! — Robert exclamou, sorridente.

Angélica não ficou tão satisfeita. Com o casamento da tia, a família Douglasestaria para sempre ligada aos Campbell. Nesse caso, o que aconteceria seRobert se casasse e ela fosse obrigada a vê-lo acompanhado de outra mulher? Sóde pensar, sentiu-se mais enjoada ainda. Pedindo desculpas a Robert, afastou-se.Tinha de sair dali o mais rápido possível, para recobrar a fleuma.

Ao passar na frente da sala de jogos, entrou para espiar. Charles Emersonocupava uma das mesas, acompanhado de Henry Drinkwater, Mungo Mayhew eJames Armstrong. Ao lado e em pé, Adam St. Aubyn, segurando um copo comuísque, observava os homens jogando dados.

— Lady Angélica! — Charles Emerson se admirou ao vê-la se aproximar. —Quer jogar?

— Se os demais cavalheiros concordarem, sim.

Drinkwater e Mayhew demonstraram indiferença, mas James Armstrong,tomando a frente, apanhou uma cadeira de outra mesa e a convidou:

— Sente-se, condessa. Com certeza é mais bonita do que estes camaradas— brincou.




Angélica se acomodou e, com um sorriso cordial, indagou:

— Quanto apostam?

— Dez libras por rodada — James informou-lhe.

Adam St. Aubyn colocou vinte libras diante dela, declarando:

— Pode me reembolsar depois.

Angélica cerrou as pálpebras, sacudiu os dados nas palmas das mãos e oslançou. Quatro num e três no outro. Ela recolheu as apostas e lançou os cubosoutra vez. Cinco e dois.

Angélica estava tão surpresa quanto os demais. Mal podia acreditar emtamanha sorte. Por um momento, divagou: se dez anos antes seu pai, diantedaqueles mesmos homens, estivesse tão afortunado, a vida dos Douglas teria sidobem diferente.

Meia hora depois, Angélica já ganhara duzentas libras de cada um dos

cavalheiros.— Com licença, milady. Este recado é para a senhorita—disse o mordomo.

Ela leu:

Preciso falar-lhe com urgência. Encontre-me no jardim em frente ao coreto.Robert

O que poderia haver de tão imediato?, Angélica se perguntava. E logoagora! Desculpando-se, passou o lucro para Adam e pediu-lhe que a substituísse.Em menos de dez minutos, chegou ao local indicado.

— Tinha de me desculpar pelo comportamento que venho demonstrando, e

prometo que vou dar mais atenção a Daisy. — Em seguida, Robert a abraçou ebeijou-lhe os lábios com ternura.

— Ah! Vocês estão aqui! Bem que eu desconfiava. — Roxanne chegoumais perto, acompanhada por Magnus. — De uns tempos para cá, vem deixandoa desejar, Angélica. Uma dama tem de ter compostura!

— O que tem a dizer, Robert?

— Bem, eu já propus casamento a Angélica. Ela é quem recusou. O duqueMagnus olhou com severidade para Angélica.

— Pois o melhor é formalizar o noivado.

Angélica se deu conta da armadilha em que caiu, e riu, zombeteira:— Vocês não vão me manipular.

— Roxanne, diga o que pretende e vamos acabar logo com isso — pediu oduque.

— Querida, como mulher experiente que sou, e observando-a de pertopelos últimos dias, posso garantir que está grávida.




Angélica levou um grande susto com aquela revelação. Isso explica osenjôos!

— Sendo assim, como responsável legal por esta família, tenho a obrigaçãode resguardar-lhe a reputação, Angélica. Você e meu filho devem se casar, e bemrápido, antes que os rumores comecem a se espalhar.

Angélica sabia que havia uma conspiração entre os três. Então, resolveubarganhar. Assim, olhando para Robert, falou:

— Eu me caso, se você prometer tratar Daisy como um verdadeiro pai.

— Concordo, se você esquecer sua vingança.

— Nada feito. Portanto, é melhor se preparar para ter outro filho fora domatrimônio.

— Não permitirei que minha esposa se exponha àqueles vilões, nem queprejudique a saúde de nosso filho com essa idéia de revanche!

Tia Roxanne interveio:— Seja razoável, Angélica. No momento em que se casar, será a marquesa

de Argyll e futura duquesa de Inverary.

— Nada disso me importará se eu não conseguir o que planejei por tantosanos.

— Eu me encarregarei disso. Tem minha palavra de que Drinkwater,Mayhew e Emerson não ficarão impunes pelo que fizeram a seu pai.

Angélica sorriu.

— Acaba de ganhar uma esposa, milorde.

Angélica decidira usar o traje de noiva que pertencera a sua mãe. Simplese elegante, o vestido era de seda branca e bordado com centenas de pequenaspérolas. Possuía gola alta e mangas longas e transparentes. Os inúmerosbabados que partiam da cintura ajustada caíam como ondas de neve até alcançar o chão. Os sapatos eram de cetim branco, e uma coroa de flores claras e miúdasornava os cabelos espessos e dourados, num arranjo perfeito. A noiva estavalinda, mas com as feições rígidas e uma profunda ruga entre os olhos.

— Por que está zangada? Deveria sorrir. Este é o dia mais importante desua vida! — Roxanne a censurou.

— O que diz?! Vocês me forçam a casar com um homem que não vejo há

três semanas! E nem sequer se importou em me presentear com uma aliança denoivado!

— Pare com isso, Angélica! — Tia Roxanne começava a perder apaciência. — Precisa ser mais compreensiva se quiser um matrimônio bem-sucedido.

Angélica suspirou e deu de ombros.

— Pelo menos meu filho terá um lar.




— Mas por que está tão infeliz? — Tia Roxanne insistiu.

— Porque queria me casar com alguém que me amasse de verdade.

— E não é assim? Robert a ama.

— Mas ele nunca me disse.

— As atitudes importam, meu bem, não às palavras. Naquele instante, oduque decidiu dar sua opinião:

— Há muitas maneiras de se demonstrar os sentimentos. E você precisa ter paciência com Robert. Ele perdeu o irmão num acidente, e pouco depois Louisase suicidou. Essas tragédias o endureceram. Dê-lhe algum tempo.

— Não posso mudar meu temperamento — Angélica replicou, comteimosia.

O duque se zangou:

— Afinal, deseja se casar com meu filho e fazê-lo feliz ou quer que eu vá

agora mesmo à capela e cancele a cerimônia?! Angélica baixou os cílios. Amava Robert e, apesar do gênio impetuoso,

sentiu-se incapaz de pronunciar palavras que motivassem o cancelamento. E,além disso, como traria um bebê ao mundo sem que se casasse com o pai dacriança? Não adiantava culpar a tia ou o duque, ela mesma é que se colocaranaquela situação, sem a ajuda de ninguém.

Desse modo, erguendo o rosto, sorriu pela primeira vez naquele dia,tomando sua decisão:

— Eu quero me casar com Robert.

— Então, chega de rodeios. Já estamos atrasados — desabafou Magnus,oferecendo-lhe o braço.

Angélica, apoiada no duque, seguiu na direção da capela. Roxanne seadiantou, para aguardá-los no altar.

Quando a marcha nupcial começou a tocar, Magnus deu início à lentacaminhada, conduzindo Angélica pela nave, sob os olhares curiosos dos inúmerosconvidados, que sussurravam entre si admirando a radiante noiva.

De soslaio, Angélica conseguiu notar as expressões de raiva e frustraçãoque Venetia e o pai ostentavam.

Alcançando o altar, o duque repousou as mãos trêmulas de Angélica nasde Robert e assumiu seu lugar junto a Roxanne.

O marquês, impecável em seu traje azul-marinho, beijou os dedos da noiva,e ambos se ajoelharam aos pés do altar.

A troca das alianças foi feita, bem como os votos sagrados. A cerimônia foibreve. Em pouco mais de meia hora, o bispo os declarou marido e mulher.

O almoço de comemoração servido na mansão dos Campbell foi um




sucesso. Angélica foi apresentada a mais nobres do que imaginava conhecer por toda sua vida. Em certo momento, porém, foi acometida por um enjôo tão intensoque foi obrigada a recorrer ao reservado feminino. Não tardou, e através doespelho percebeu Venetia entrar.

— Parabéns! — exclamou Venetia, sempre tão hipócrita. —Conseguiu se

casar com Robert. Mas nunca terá um filho dele. Meu pai jamais erra em suasprevisões.

Angélica empinou o nariz e enfrentou a outra cara a cara:

— Pois diga a seu pai que ele pode ser especialista em enganar e destruir homens decentes, mas não tem controle sobre quem será a mãe de um filho deRobert.

— O que quer dizer com isso?

— Pergunte a ele.

E, driblando Venetia, saiu dali. Mas antes de fechar a porta, não resistiu a

espicaçá-la:— A propósito, querida, estou grávida!

— Sinto-me exausta — Angélica comentou com o marido. — Temos deficar até o final?

—Claro que não.—Robert acenou para Tinker.—Providencie umacarruagem.

Angélica acrescentou:

— Não se esqueça de avisar os guarda-costas que estamos saindo. — E,olhando para Robert, disse, em tom jocoso: — Embora tenha acabado de me

casar com um homem rico, não pretendo ficar viúva tão jovem.— Que alívio! — E, levando a mão ao peito, ele exalou um suspiro

profundo.

— Vou mostrar seu quarto, Angélica.

Meu quarto?! Ela sempre imaginara que pessoas casadas dormiam nomesmo aposento.

Quando subia as escadas, o retrato de uma mulher moça e bela, trajada deazul, chamou-lhe a atenção.

— Quem é ela? — Angélica perguntou, estacando.

— Louisa. — E Robert seguiu adiante.

Angélica observou por um momento e logo acompanhou o marido.

O aposento era deslumbrante, com cores vivas e mobília moderna. Quatro janelas permitiam que o ambiente fosse claro e arejado.

— As cores são lindas, Robert!




— Escolhi as mais vibrantes para combinar com seu temperamento. Eumesmo me encarreguei da decoração.—E, com o olhar insinuante, acrescentou:— Foi o que estive fazendo nas três semanas em que me ausentei.

Aquela revelação foi a melhor coisa que ela poderia ter ouvido. E pensar que se precipitara em julgá-lo tão mal!

— Aonde leva aquela porta? — Angélica apontou na direção dedeterminado aposento.

— Ao quarto do bebê.

— Também o decorou?

— Não. Achei melhor deixar essa tarefa para você. Ela sorriu-lhe.

— E aquela outra? — Angélica se referia à que ficava ao lado da imensacama de casal.

— A meu quarto.

Mudando de assunto, Angélica quis saber:— O que devo fazer durante o dia inteiro?

— Qual seu costume?

— Toco harpa e treino com os dados e as cartas.

— Com exceção da harpa, o restante não é conveniente para umamarquesa. E na casa de meu pai, o que fazia?

— Brincava com Daisy e planejava minha vingança.

— Eu cuidarei da revanche. No mais, pode aprender a conduzir os criados,tocar harpa, brincar com Daisy... Mas vamos deixar as coisas aconteceremnaturalmente, anjo.

Angélica concordou com um sorriso. Falaria com a tia na primeiraoportunidade. Com certeza Roxanne lhe ensinaria como deve agir uma condessa.

Notando o cansaço estampado no rosto dela, Robert sugeriu:

— Durma um pouco, querida. Eu a acordarei na hora do lanche noturno.

Ela aceitou a sugestão com um gesto, e o marido se foi pela porta deconexão entre os quartos.

Angélica se despiu e colocou o vestido numa poltrona próxima ao leito, com

todo o cuidado. Puxou o lençol e, enquanto divagava fitando o traje de noiva queusara, pensou em Louisa. O que teria acontecido para ela decidir tirar a própriavida?

Vencida pelo cansaço, em instantes caiu num sono profundo.

— Anjo! Precisa comer alguma coisa.

Angélica abriu os olhos e percebeu que já era noite. Sentado na beirada dacama, Robert estava simplesmente irresistível num roupão de seda preto, e seu




sorriso era devastador.

— Dê-me alguns minutos para me vestir.

— Não é preciso. Está servido em meu quarto.

Ele se inclinou e beijou-lhe a testa. A seguir, ajudou-a a ficar de pé e

ofereceu-lhe o robe de cor creme.Na mesa, junto a uma das janelas do dormitório de Robert, dois castiçais

dourados iluminavam os utensílios de prata, porcelana e copos de cristal.

Robert serviu-se de vinho, e para ela ofereceu uma xícara de leite morno.

— O que é isso? — Ela franziu o cenho. — Vou comemorar meucasamento com leite?

Ele tornou a sorrir, insinuante.

— Se quiser, posso providenciar outra coisa, mas tenho certeza de queessa é a bebida certa para nosso bebê.

Angélica assentiu, sabendo que o marido tinha razão. Durante o rápidolanche, o casal conversou sobre a viagem que pretendia fazer no dia seguintepara a casa de campo dos Campbell.

— Podemos levar Daisy?

— Se você quiser...

Ainda ficaram por algum tempo se lembrando dos detalhes da festa decasamento e dos comentários acerca dos amigos de Robert.

— Onde dormiremos? — Angélica quis saber.

— Em minha cama.

Naquela primeira noite de casados, o amor que fizeram foi mais tranqüilo,por causa da gestação. Angélica ficou surpresa e feliz com os cuidados dele. Eisso a tranqüilizou de uma vez por todas. Robert seria um excelente pai.

Capítulo IX

Na manhã seguinte, Angélica demorou para acordar, por conta do cansaço. Ao abrir os olhos, deu-se conta de que estava só. Nenhum sinal de Robert.

Afastando as cobertas, levantou-se e foi para seus próprios aposentos.Vestiu-se e desceu as escadas, parando por instantes diante do retrato de Louisa.

— Está descendo, querida? — a voz do marido se fez ouvir. O marquêsestava em pleno vigor e disposição, trajando roupas esportivas e botas de canolongo.

— Casei-me com a mulher mais linda do mundo! — ele exclamou,sorridente, e deu a mão a Angélica para vencerem os últimos degraus. — Venha




fazer seu desjejum para podermos partir.

Após a frugal refeição, Angélica se encontrou com o marido à porta desaída. Ao avistar várias carruagens enfileiradas, espantou-se.

— Parece um cortejo, Robert.

— Meu pai é exagerado. Nada menos do que vinte e cinco homensarmados nos acompanharão.

Angélica achou graça.

— Melhor assim do que arriscar — concluiu com um suspiro, ao relembrar que a vida do marido ainda corria perigo.

— Podemos ir agora? Os criados já acomodaram nossos pertences nascarruagens. — Robert a enlaçou pelos ombros, e conduziu-a na direção doprimeiro veículo.

— Vamos buscar Daisy e Jasper?

— Isso já foi providenciado. — O marquês indicou com um gesto na direçãoda segunda carruagem.

Angélica se aproximou do carro, e o cocheiro abriu a porta da cabine. Ládentro estavam a sra. Sweeting, Daisy e uma gaiola protegendo Jasper.

— Venha comigo, Daisy — Angélica a convidou.

A garota negou, sacudindo a cabeça e erguendo no ar a boneca que trazia.

— Lady Allegra quer ficar com Jasper.

— Lady Allegra pode ficar com Jasper, mas você deve vir comigo — Robertfalou com autoridade por detrás de Angélica.

— Quero lhe contar uma história. — Angélica procurou amenizar,percebendo que a menina ficara assustada.

— Vamos, Daisy. — O pai insistiu com a mesma entonação severa, eesticou os braços para apanhá-la. — Estamos desperdiçando tempo.

A menina cessou a teimosia e abandonou-se nos braços do pai, mantendoa boneca agarrada junto ao peito.

Robert carregou a garotinha e a acomodou no assento da primeiracarruagem. Em seguida, auxiliou Angélica a subir e se sentar ao lado da criança.Logo após, tomou assento no canto oposto e deu ordens para iniciarem a jornada.

Angélica sabia que o marido preferiria estar somente com ela, mas aoportunidade de promover uma maior proximidade com a filha a fez insistir nacompanhia de Daisy.

À medida que se afastavam da cidade, o cenário que ia se descortinandose modificava. O verde das matas, iluminado pelo sol, promovia uma profundapaz. Angélica espiou de soslaio e viu que Daisy não tirava os olhos do pai, masnão pronunciava uma só palavra.




— Quer um refresco? — Robert perguntou para a menina. Ela fez que não.

— E um biscoito?

Daisy repetiu o gesto.

— Por acaso sabe falar?

Sorrindo, a pequena sacudiu a cabeça, afirmando.

— E você, Angélica. Quer algo?

— Não, obrigada. Estou enjoada. Em minhas condições é melhor nãoabusar.

Daisy a encarou.

— O que quer dizer "condições"? Robert e Angélica se entreolharam.

— Quer dizer que existe um bebê crescendo em minha barriga, minhaquerida. E muito em breve você terá um irmão ou irmã.

Daisy sorriu, feliz, e depois, exibindo a boneca, falou:— Acho que brincar com um irmão deve ser mais divertido do que com

Allegra. — Respirou fundo. — Espero que ela não fique com ciúme, porque aadoro. — E, olhando fixo para o pai, confessou: — Eu teria ficado mais contentese o senhor mesmo tivesse trazido à boneca. Mas a sra. Sweeting explicou que éum homem muito ocupado.

As feições de Robert revelaram o impacto produzido pelas inocentespalavras. Esticando os braços, ele convidou:

— Venha, Daisy. Sente-se em meu colo. Quero lhe contar uma história.

A menina não precisou pensar duas vezes.

— Adoro histórias!

Angélica engoliu em seco para conter a emoção de vê-los juntos, enfim.Robert iniciou a narrativa:

— Era uma vez um homem muito rico, mas que era infeliz porque se sentiamuito solitário. Então, ele conheceu uma moça lindíssima, porém, muito pobre. Elao desafiou para um jogo de dados e o venceu, porque trapaceava.

— Trapacear é feio! — exclamou a garotinha.

— É, sim. — O pai a olhou com gravidade. — No entanto, ele a beijou, e ela

se transformou numa maravilhosa princesa. Aí, os dois se apaixonaram.— A moça havia sido amaldiçoada por uma bruxa?

— Não. Mas um mágico do mal, chamado Emerson, tinha arruinado a jovem e sua família.

— Mas o príncipe puniu o feiticeiro?

— Sem dúvida. E depois disso, o homem e a bela dama se casaram eforam felizes para sempre.




— Adorei! — Daisy bateu palmas.

— E adora pôneis, também?

— Claro!

— Tenho vários, na fazenda.

— Vai me ensinar a montar?

Robert assentiu com um gesto. Entretanto, aconselhou:

— Agora é melhor dormir um pouco para estar descansada quandochegarmos.

A menina se aninhou no peito do pai e logo caiu em um sono profundo,mantendo uma expressão de absoluta felicidade.

Angélica mudou de banco e se encostou no marido, que a enlaçou com obraço livre.

— Obrigada por me fazer feliz. — E Angélica deu um terno beijo no rosto domarido. Em segundos, adormeceu também.

Robert suspirou, concluindo em pensamento: Como a vida modifica tãorápido nossos destinos! Alguns meses atrás, não passava de um nobre só eamargurado. Agora, tenho uma esposa, uma filha e um bebê a caminho. Sim, tudo

pode ser melhor se nos dermos uma chance.

— Acorde, anjo. Chegamos.

— Nossa! Por quanto tempo dormi?

— Por quase duas horas.

O cocheiro deu a mão a Angélica. Robert desceu com a menina aindaadormecida em seus braços.

Em frente a um antigo e bem conservado casarão, uma fileira de criados osaguardava, liderados por Webster. Robert os cumprimentou com um gesto cortêse fez as apresentações:

— Esta é minha esposa, lady Angélica, e a menininha é lady Daisy, minhafilha. Vocês devem servi-las com a mesma atenção que me devotam.

— Devo chamar alguém para levar lady Daisy para o quarto, senhor?

— Não se preocupe, Webster. Eu mesmo porei minha filha na cama.

Notando o espanto dos criados com a revelação inesperada de que omarquês era pai daquela criança, antes que os murmúrios começassem, Webster os instruiu para retornarem a seus afazeres.

Robert seguiu pelas escadas, alcançando o longo corredor. No quarto, comcuidado, repousou Daisy na cama e gesticulou para a babá.

— De agora em diante é com a senhora.

Deixando o aposento, o marquês esticou o braço para Angélica, que tomou-




lhe a mão, e Robert a conduziu para mostrar-lhe seus aposentos.

— Aqui também nossos quartos são separados? — ela indagou.

— Não.

— Ainda bem. Aprecio mais o tradicional. — Angélica foi até as janelas. —

Que lindo jardim, Robert!— Quer ir até lá?

— Sim, muito.

Sem demora, o casal desceu pela escadaria dos fundos da mansão. Ela semaravilhou com a variedade das flores e o arranjo perfeito dos arbustos.

— Está gostando de minha obra?

— Foi você quem criou essa beleza?

— Jardinagem é meu passatempo favorito.

— Você me surpreende a cada dia, Robert.— Não se preocupe, terá mais uns quarenta anos, pelo menos, para me

conhecer melhor — falou, divertido.

No centro do jardim, uma fonte contendo uma antiga estátua de mármore jorrava água constantemente. Os bancos de madeira rústica ao redor eramconvidativos. Quando se sentaram, Angélica exalou um profundo suspiro, antes dedizer:

— Que lugar fantástico para se criarem filhos!

— Se preferir, poderemos mudar os planos e vir morar nesta propriedade.

— E quanto a seu trabalho?— Londres fica a pouco mais de duas horas daqui. E também não terei de ir

com tanta freqüência.

Angélica mal acreditava que o homem com quem se casara era muito maisgentil e amoroso do que supusera.

— Obrigada por ter aceitado Daisy, Robert.

— Não pude mais resistir àquele olhar tão inocente... Angélica alcançou-lheo pulso e beijou os dedos. Após um breve

momento de silêncio, perguntou, apontando na direção de uma trilha no

meio do arvoredo:— Para onde leva aquele caminho?

— Para um rio e uma cachoeira. Mais adiante fica a propriedade de James Armstrong.

— Gostaria de conhecer.

Robert se levantou, trazendo Angélica consigo.




O atalho era estreito, mas muito bem conservado. A esquerda era cercadopor árvores; à direita havia um abismo de onde se avistava ao fundo um rio deáguas cristalinas. Quanto mais avançavam, mais forte se tornava o ruído daságuas caindo em cascata.

Angélica quis se aproximar da beirada do precipício para apreciar a vista.

Robert a acompanhou, Segurando-lhe a mão com firmeza.— Está doendo, Robert. Por que me aperta com tanta força? Com as

feições alteradas, ele desabafou:

— Foi daqui que Louisa pulou para a morte.

— Sinto muito...

O semblante de Robert relaxou um pouco e, afastando os pensamentostristes, ele prosseguiu em frente, mudando o tópico da conversa.

A paisagem era deslumbrante. A cascata parecia um véu de noiva. Aságuas que caíam formavam um grande lago na base do rio.

—Costumo nadar até o canto da cachoeira. Atrás dela é possível caminhar.Forma-se uma verdadeira caverna.

— Quero conhecer — Angélica pediu, animada.

— Mas e o bebê?

— Estou grávida, não inválida!

Sorrindo, ele concordou.

Os dois se despiram e cruzaram o lago a nado. Robert liderou, conduzindo-a até o interior da cascata. Era muito interessante observar a água caindo pelo

lado de trás.— Este lugar nos dá plena privacidade... — Robert a fitou com um olhar

muito sensual, que ela bem conhecia.

— Seu desejo é o meu também. — Angélica o abraçou, lasciva. E alimesmo eles fizeram amor. E foi divino. Excepcional.

— Como se sente? — Robert quis saber.

— Como Eva acompanhada de Adão no paraíso. Ambos caíram numagostosa gargalhada.

— Meu Deus! — Angélica se mirava ao espelho, de olhos arregalados.

Seus seios haviam aumentado de tal maneira que quase saltavam dodecote do traje rosa que usava.

— Entre — ela permitiu, ao ouvir batidas na porta.

Sorriu quando Daisy entrou, notando que a menina usava um vestido namesma cor do dela.

— Escolhemos o mesmo tom! — A garotinha deu risada.




— Isso é sinal de que temos bom gosto. E se está com fome, vamos jantar.Hoje quero uma perfeita noite em família.

Com as mãos entrelaçadas, as duas seguiram na direção da sala de jantar.

Robert já as esperava no salão, enquanto ditava algumas ordens paraWebster.

Assim que as viu o marquês cruzou o ambiente para acompanhá-las até amesa. E, com um sorriso muito alegre, exclamou:

— Nunca vi duas rosas tão espetaculares!

Robert se acomodou à cabeceira, e Angélica e Daisy, à direita e à esquerdado marquês.

Sob a supervisão do mordomo, a refeição foi servida.

Os três se alimentavam em silêncio.

Angélica, de soslaio, observava Robert, que não se cansava de admirar a

filha.Daisy, percebendo que o pai não tirava os olhos dela, sorriu, espetou com o

garfo mais um pedaço de bife e o colocou na boca.

— Gosta de carne, Daisy?

A menina assentiu com um gesto, respondendo:

— Ainda bem que tenho dentes fortes. — E inclinando o corpo para afrente, sussurrou, como a revelar um segredo: — A sra. Sweeting tem problemaspara mastigar.

Robert achou graça. Em seguida, comentou:

— Vejo que não se serviu de salada.

Para agradá-lo, a pequena encheu a boca com várias fatias de tomatescrus.

Angélica a repreendeu:

— Nunca ponha muito alimento na boca de uma só vez, minha querida.Damas sempre se servem de pequenos bocados.

A menina baixou os cílios e tratou de engolir logo sua porção.

— O que é isto? Feijão? — Daisy apontou para os grãos em seu prato.

— Sim. E feijão é indispensável para a saúde. Deve comer tudo — o paiaconselhou.

— Mas Lucille me proibia de comer feijão.

— Por quê? — Robert e Angélica perguntaram ao mesmo tempo.

— Ela dizia que quando uma pessoa come feijões acaba... — A pequenaficou vermelha. — Bem... Sendo inconveniente.




Angélica abafou uma gargalhada. E Robert, mal contendo a vontade de rir,falou com seriedade:

— Para esse tipo de inconveniente é que temos ótimos toaletes nesta casa,Daisy. O importante é que coma bastante feijão.

A garotinha acatou mais uma vez a vontade do pai e começou a comer osgrãos.

Angélica nunca vira a menina tão contente.

Quando a sobremesa chegou, a menina arregalou seus olhinhos negros,que lembravam os do pai, e não deixou sobrar nada no prato.

Angélica pediu ao mordomo que chamasse a sra. Sweeting paraacompanhar Daisy, prometendo para a menina que iria contar-lhe uma históriaantes de dormir.

A pequena se ergueu e beijou o rosto do pai e o de Angélica. Depois,seguiu a babá.

Assim que se viram a sós, Angélica propôs:

— Devíamos ter a guarda total da menina, para evitar que Lucile venha areclamá-la no futuro.

— Tem razão. Vou cuidar disso.

Angélica ficou pasma diante da pronta aceitação de Robert, sem nenhumaressalva.

Na manhã seguinte, Robert acordou mais cedo. Tinha prometido passar odia com Angélica e Daisy, e, antes que despertassem, pretendia cuidar dealgumas roseiras que necessitavam de poda.

Vestiu trajes apropriados e encaminhou-se ao roseiral.

Não demorou muito e uma pequena figura se postou ao lado dele. EraDaisy.

— Já acordada?

— Ouvi o senhor descendo as escadas e o segui.

— Gosta de rosas?

— Sim, senhor.

Robert escolheu um lindo botão vermelho, cortou o cabo com a tesoura de

jardinagem e entregou-o para a filha. Daisy agradeceu e inalou o suave perfumeda flor.

— É lindo e cheiroso! — exclamou a pequena, exultante.

— Sabia que o aroma das rosas é produzido por fadas?

— Não estou vendo nenhuma fada.

— Porque elas são invisíveis. Mas pode sentir o perfume, não é?




— Sim. O senhor tem razão.

Robert dobrou um joelho e se agachou, para ficar na mesma altura da filha.Então, falou:

— Por que me chama de "senhor"?

— Porque não sei como gostaria que o chamasse.— Que tal "papai"?

— Meu sonho virou verdade! — E, emocionada, a pequena se atirou nosbraços dele.

— Qual sonho, minha criança?

— Conseguir um pai para mim.

— Agora já o tem. E é um pai verdadeiro.

Pouco depois, Robert, Angélica e Daisy caminhavam na direção dacachoeira, para desfrutar do planejado piquenique.

Enquanto Angélica estirava a toalha sobre a grama e arranjava a merenda,Robert convidou Daisy para uma brincadeira na água.

A menina despiu o vestido e as meias; o pai mantinha apenas o calção debanho.

Angélica se sentou, confortável, para assistir, admirada, pai e filhabrincando, felizes como nunca. Depois, chamou-os:

— Venham! É hora do lanche!

De mãos dadas, Robert e Daisy saíram do lago. Segurando uma coxa defrango, a menina dirigiu o olhar para Angélica, para comentar:

— Gostaria que você fosse minha mãe.

— E eu sou, Daisy.

— Como assim?

— Desde que me casei com seu pai, tornei-me sua madrasta.

— E o que é madrasta?

— Uma espécie de fada madrinha. Daisy gostou do que ouviu.

— Agora tenho um pai de verdade e uma fada madrinha. Terminada arefeição, Robert se deitou de costas contra a manta

estendida sobre o gramado, com a cabeça apoiada nos braços cruzadosatrás do pescoço. Daisy o imitou, acomodando-se junto dele.

Angélica apanhou a harpa e se pôs a tocar uma melodia suave.

Não demorou muito, e Robert e Daisy caíram em um sono profundo,embalados pela música encantadora de Angélica.

Com o coração batendo repleto de ternura, Angélica afagou seu ventre para




sentir o filho, que logo os acompanharia.

Sentia-se num paraíso. Pena seus pais não estarem mais vivos paratestemunhar tanta ventura.

Capítulo X

Quando a carruagem do marquês, acompanhada das demais, que levavamos guarda-costas, subiam a rampa pavimentada com tijolos vermelhos queconduzia à mansão do duque de Inverary, Angélica suspirou, lamentando:

— Pensei que seu pai nos tivesse dado uma semana. Robert confirmou,desanimado:

— Foi o que ele disse.

— E desfrutamos de apenas dois dias!

—Prometo que farei o possível para apressá-los na viagem para a Escócia.

Ao se aproximar da entrada principal, Angélica reconheceu a carruagem

dos Emerson estacionando.— Não seria ótimo se aproveitássemos para arruinar Charles Emerson? —

Angélica propôs.

— Quem é Charles Emerson? — Daisy quis saber.

— Um monstro! — Angélica fez uma careta. A menina se remexeu noassento, assustada.

— Existem monstros na casa de vovô? Robert censurou a esposa:

— Não deveria falar dessa forma com a menina. Angélica meneou acabeça, concordando com ele. Fora pura estupidez. Para remediar, abraçou a

pequena, murmurando:— Não precisa ter medo, minha doçura. Se aparecer algum monstro, seu

pai, que é muito forte, nos protegerá.

Daisy sorriu, confiante.

Assim que desceram do veículo, avistaram o duque, tia Roxanne,Samantha e Victoria, que os aguardavam na entrada.

— Como vocês parecem felizes! — Roxanne sorria, radiante.

— Estávamos mais, antes de recebermos o inesperado convite cinco diasantes do combinado — Angélica desabafou, provocando a risada incontida do

marido.— Deveríamos voltar apenas no final de semana — Robert se dirigiu ao

duque.

— Acontece que Venetia vem insistindo em levar Colin para o norte daInglaterra, e preciso de sua ajuda para contornar a situação.

—Colin está aqui?—Daisy indagou, ansiosa por ver seu primo.




Magnus apontou na direção da terceira carruagem, que acabara deestacionar. Dela desceram James Armstrong e Adam St. Aubyn, acompanhadosdo garoto.

Daisy fez menção de correr ao encontro do menino, mas foi impedida por Roxanne, que a prendeu pelo pulso, com gentileza.

— Sempre deixe que os homens se aproximem de você, minha menina. —E, ao se dar conta de que estava sendo observada, tia Roxanne explicou: —Nunca é cedo demais para uma garota aprender estratégias femininas.

— Tinker ficará conosco?

— Não, Angélica — foi Robert quem respondeu. — Ele acompanhará meupai na viagem para a Escócia. Webster o substituirá.

— Em seguida, cumprimentou os amigos, que acabavam de alcançá-los. —Vieram para assistir à briga?

— E também para discutir os limites de nossas propriedades

— esclareceu Adam.

— Já podemos preparar a munição para a batalha. — James arregaçou asmangas, brincalhão.

Angélica, que naquele instante notou que Charles Emerson e Venetiavinham em sua direção, apressou-se em pedir para a sra. Honey levar as criançaspara dentro da mansão.

Assim que os Emerson se acercaram, Robert perguntou:

— Alexander não veio?

— Teve de resolver um imprevisto. No entanto, prometeu estar aqui no finalde semana — esclareceu Charles, estendendo a mão para um cumprimento.

Antes de descer para o jantar, Angélica alisou as pregas do vestido cor depêssego que usava.

Ao passar pelas acomodações da enteada, deu uma espiada através daporta entreaberta e notou as babás servindo a refeição noturna para as crianças.Sem pestanejar, entrou e ordenou:

— Daisy e Colin, venham comigo. — Ao mesmo tempo estendeu as mãospara receber os pequenos. — Vamos jantar todos juntos.

— Lady Venetia não irá gostar disso — ponderou a sra. Honey, deixandobem clara sua grande preocupação.

— Sou a marquesa de Argyll. Em minha casa, lady Venetia não dá ordens—afirmou Angélica com uma arrogância que não estava acostumada a ostentar.Porém, essa atitude era necessária, se quisesse impor suas idéias.

Os pequenos correram a seu encontro e a acompanharam, cada um de umlado, segurando com força suas mãos.




Angélica se atrasou de propósito para o jantar, pois queria ficar o menor tempo possível na companhia de Venetia.

Quando entraram na sala de refeições, todos os demais já estavamacomodados. E ao ver Angélica com as crianças, olharam-na, espantados.

Venetia não perdeu a oportunidade:

— O que é isso? A sala de jantar virou berçário? Crianças não sealimentam junto com os adultos!

— Em minha casa, as famílias incluem os pequenos em suas refeições. — Angélica sustentou o olhar furioso da oponente.

— Sente-se aqui, Colin. — James indicou a cadeira vaga entre ele e Adam.

Angélica acomodou Daisy ao lado dela e de Robert. Tinker e Webster supervisionaram em conjunto o serviço ora exigido.

— Por falar em crianças, como está se sentindo, Angélica? — quis saber

Roxanne.— Muito bem, titia.

— Não querem nos acompanhar na viagem para a Escócia? — o duqueconvidou.

— Estamos em plena lua-de-mel, pai. Preferimos ficar na casa de campo.

— Lua-de-mel com uma filha ilegítima junto? — escarneceu Venetia.

— O que é filha ilegítima? — Daisy indagou, em sua inocente curiosidade.

Angélica tornou a encarar a irritante mulher e desabafou:

— Seja qual for o termo que use, não admitirei mais nenhuma referência arespeito. E se insistir, serei obrigada a pedir que se retire. — Suavizando asfeições, respondeu para a menina: — Não é nada importante. Agora, coma empaz, meu bem.

Venetia pensou em contra-argumentar, mas Charles a impediu, pedindo-lhecalma.

— Quero ficar com Daisy — Colin afirmou, de repente.

— Você irá para o norte comigo.

O menino baixou o olhar, entristecido. Dali em diante o jantar prosseguiuem silêncio. Venetia foi a primeira a falar, pois não conseguia conter a raiva e

inveja que nutria por Angélica:—Parson Butterfield esteve aqui ontem e queria saber de vocês.

— Como sabe disso se não mora mais aqui? — Angélica replicou, intrigada.

— Por acaso vinha chegando com Colin, que desejava visitar o avô.

— Parson Butterfield é um antigo amigo da família—Roxanne mentiu. — Naverdade, é primo distante do meu falecido marido.




— De qual deles? — Venetia a provocou. — Afinal, teve tantos...

— Não lembro — Roxanne devolveu, com sutileza irônica. — Sabe como é,algumas mulheres têm sorte de atrair muitos homens, enquanto outras...coitadinhas, mal conseguem arrumar um que seja.

Venetia fuzilou Roxanne com o olhar, sentindo-se ferida pelo intencionalinsulto. Mas preferiu ignorar e prosseguiu na refeição, procurando manter aaltivez.

Angélica, que se sentava bem em frente de Charles Emerson, aproveitoupara falar de outra coisa:

— Sr. Emerson, por acaso gostaria de retomar a partida de dados queiniciamos algumas semanas atrás?

— Sinto muito, milady, mas prometi a mim mesmo me afastar de mesa de jogos por um longo período.

Angélica ficou frustrada, mas com um sorriso polido disfarçou:

— Entendo.

Porém, um pensamento a perturbou. Se Venetia travou conhecimento comParson Butterfield, então estava a par do passado dos Douglas na cabana. Talvezpor isso Charles tivesse se negado a jogar. Era possível que desconfiasse de umavingança. E, se fosse assim, seu tão almejado plano de revanche jamaisaconteceria.

Terminado o jantar, as babás conduziram as crianças para seus aposentos,e os adultos reuniram-se na sala de estar. O conde ofereceu:

— Aceitam um vinho Madeira para auxiliar a digestão? Todos aceitaram.

Roxanne se encarregou de servir, e pediu o auxílio de Angélica. Quandocruzaram a sala, a tia sussurrou para a sobrinha:

— Tenho uma idéia.

Ao preparar as taças, Roxanne inseriu um pó de ervas em uma delas,avisando:

— Esta é para Charles, Angélica. Preste bastante atenção. Angélica fezcomo a tia determinou e, servindo a bebida com

uma bandeja de prata, colocou à frente de Charles a taça que continha olíquido adulterado.

Por minutos a conversa prosseguiu tranqüila, até que de repente Charleslevou a mão à barriga e começou a gemer de dor.

Robert e seus amigos o acudiram.

— Devemos chamar um médico — Robert sugeriu.

Os gemidos de Charles aos poucos foram se transformando em gritos.

Em pânico, Venetia olhou para Angélica e a acusou:




— Foi você quem serviu o vinho, e colocou veneno nele! Angélica nãosoube o que dizer, por isso preferiu se retirar.

À medida que subia as escadas, ainda podia ouvir os berros de Venetia:

— Assassina!

Desconsolada, Angélica se deitou na cama e aguardou pelo marido.Não tardou e Robert entrou, escancarando a porta:

— O que pôs na bebida de Charles?

Ela ergueu o olhar, sentindo um nó na garganta.

— Acredita que eu seria capaz de envenenar alguém?!

— Não respondeu a minha pergunta.

— Tia Roxanne misturou pó de ervas purgativas. Amanhã ele estará bem.

Robert balançou a cabeça com desaprovação. Pelo menos pôde respirar,

aliviado.Robert se levantou cedo e saiu. Antes, porém, deixou um recado para a

esposa, desculpando-se pela desconfiança da véspera e comunicando que iriabuscar um pônei para Daisy. Estaria de volta para o almoço.

Angélica, depois de ler o bilhete, se vestiu e desceu para o desjejum.

Enquanto se servia, Tinker trouxe-lhe o jornal. Após terminar a pequenarefeição, resolveu folhear o periódico.

No mesmo instante, Venetia entrou e, aproximando-se, falou em tom polido:

— Permite que eu me sente? Tenho de falar com você. Angélica estranhou

a repentina mudança de atitude e a fitoucom desconfiança. Porém, curiosa do que ela poderia querer, assentiu,

meneando a cabeça.

Venetia preferiu o lado oposto ao que Angélica estava acomodada.

— Meu comportamento de ontem foi imperdoável, mas ao ver meu paidaquela maneira me desesperei. Sabe, nós somos muito apegados um ao outro,muito mais do que meu pai é com Alexander...

Angélica a interrompeu para não ter de continuar ouvindo toda aquelaladainha:

— Está bem, Venetia, eu a perdôo. — Em seguida, voltou à atenção paraas notícias contidas no jornal.

— Há algo mais que desejo dizer, se me permitir.

— Está bem. Diga logo. — Angélica abandonou a leitura e a encarou.

— Sei que tenho me comportado mal com você, mas há razões para isso.— Após uma pausa para um suspiro, prosseguiu: — Depois que minha irmãmorreu, imaginei que Robert e eu nos casaríamos. Tinha tudo para dar certo.




irmão.

— Mas foi uma armação de Venetia! Eu estava fora de meu controleemocional!

— Ainda assim eu não o perdôo.

As rígidas feições que Robert mantinha aos poucos foram se suavizando,sendo substituídas pela frieza e indiferença.

Em silêncio, o marquês cruzou a sala e decidiu abandonar o quarto. Abriu aporta, mas, antes de sair, virou o rosto, fitando-a por sobre o ombro esquerdo, eafirmou com muita calma:

— Nesta família não há divórcios.

Angélica irrompeu em pranto assim que o marido se foi. A angústia aespicaçou por um longo tempo. Depois, um pouco mais calma, sentou-se no leitoe enxugou as últimas lágrimas, que ainda insistiam em cair.

Pelo menos o choro aplacou seu desespero, e as idéias ficaram menosconfusas.

Angélica amava o marido e não pretendia divorciar-se dele. O que narealidade gostaria era que tal fato não tivesse acontecido. Mas como isso seriapossível? Ninguém muda o passado.

Por outro lado, Robert a tratava bem e estava se revelando um ótimomarido e um pai amoroso. Os acontecimentos que tinham vindo à tona pertenciama uma época em que eles nem sequer se conheciam.

O que deveria fazer agora?

Pedira o divórcio com tanta segurança que ficara difícil voltar atrás. E o

orgulho de Angélica superava de longe o bom senso.O som das vozes animadas de Daisy e Colin entrando no quarto a distraiu.

— Por que chora, Angélica? — Daisy quis saber, ao notar as pálpebrasinchadas e os olhos vermelhos da madrasta.

— Porque seu pai...

— O que houve com papai? — A menina juntou as mãozinhas, assustada.

Angélica compreendeu o erro que cometeria dizendo a verdade. Por isso,optou pela omissão.

— Não se preocupe, querida, ele está bem. O que quero saber é se vocêprefere morar com seu pai ou comigo.

— Prefiro morar com os dois juntos.

— Mas e se nós nos divorciarmos?

— O que isso quer dizer? — Colin franziu a testa.

— Quando um casal rompe com o casamento, o homem e a mulher deixam




de ser casados e passam a ser divorciados. Isso significa que não precisam maismorar sob o mesmo teto.

— Não quero o divórcio! — Daisy afirmou.

— Nem eu — Colin a apoiou.

—Eu também não.—Angélica meneou a cabeça e, suspirando, estendeu asmãos. — Agora, vamos almoçar, pois já estamos atrasados.

Ao entrarem na sala de refeições, encontraram todos acomodados,inclusive Alexander Emerson, que acabara de chegar.

Após colocar o pássaro azul na gaiola, Angélica instruiu as crianças para sesentarem ao lado de Robert e escolheu um lugar para si mesma, bem distante domarido.

— Parece cansada, Angélica. Está se sentindo bem?—Magnus questionou,protetor.

Angélica abriu a boca para responder, mas, antes que o fizesse, Daisy foimais rápida:

— É que papai a fez chorar.

— Mas nós a fizemos sorrir outra vez. — Colin se deu ares de importância.

Os presentes olharam para Angélica e depois para Robert, que se mantinhasério e distante.

— Vocês fizeram Angélica sorrir? — O duque insistiu com os pequenos.

— Meu pai quer o divórcio — Daisy explicou.

— Divórcio?! — Roxanne quase gritou.

Robert atirou o guardanapo sobre o tampo da mesa e ficou de pé, dizendo,furioso, e com o dedo em riste na direção da esposa:

— Já falei que não haverá divórcio! Angélica também se levantou.

— Não tem o direito de me humilhar na frente de todos! Muito menos de meapontar o dedo!

E, com aquelas palavras, ela abandonou o recinto.

Angélica se trancou no quarto e se sentou na poltrona que ficava em frentede uma das janelas do imenso aposento. Quem sabe a paisagem florida que podiaavistar dali a acalmasse...

Só então se lembrou de Jasper. Na pressa, esqueceu-se de retirá-lo dagaiola. Mas não tinha coragem de retornar ao salão de refeições.

— Lady Angélica? Trouxe-lhe o pássaro — a voz de Tinker ecoou.

Ela se apressou a atender ao chamado. O mordomo lhe entregou Jasper, eela agradeceu.

— Há mais uma coisa, senhora. O duque quer que milady compareça a seu




escritório agora.

— Obrigada, Tinker. Avise que irei em seguida.

O mordomo se foi, e Angélica contou até dez para reunir coragem. Emminutos, desceu a escadaria na direção do estúdio de Magnus.

Quando entrou, avistou o duque acomodado atrás da luxuosa escrivaninha,tia Roxanne sentada em uma poltrona do lado oposto e Robert em pé, de braçoscruzados na altura da cintura e um olhar gélido.

— Sente-se, por favor — pediu-lhe Magnus. — Quero conversar com vocêe meu filho.

Angélica optou pela cadeira ao lado da tia e aguardou.

— Não gosto de me intrometer em briga de casais — iniciou o duque, ecom sua entonação mais poderosa: — No entanto, gostaria que alguémesclarecesse o que está acontecendo. Quem sabe quatro cabeças não possamraciocinar melhor do que duas, como diz o ditado?

— Tenho certeza de que o veneno de Venetia está por trás de tudo. —Roxanne ajeitou os cabelos.

— Com todo o respeito, milorde e titia, agradeço pela intenção. Mas oproblema é pessoal, e não há nada que possam fazer para ajudar. — Angélicaempinou o queixo.

— A culpa é toda minha — Robert assumiu. Angélica ficou surpresa com aatitude do marido.

O duque Magnus correu os dedos da mão direita pelos cabelos,ponderando.

— Seja lá qual tenha sido o motivo do desentendimento entre vocês, seráque poderiam aguardar até que eu e Roxanne voltemos de viagem para tomar uma decisão tão drástica? Se até lá ainda estiverem pensando em divórcio...

— Está bem. — Angélica baixou os cílios. Em seguida, levantou-se e,fazendo uma reverência, saiu dali.

No corredor, Robert a alcançou:

— Obrigado por não contar a meu pai sobre Colin.

Angélica nada respondeu, e caminhou sozinha, com passos firmes, nadireção do quarto.

Robert preferiu ocupar um dos aposentos de hóspedes e evitou conversar com a esposa pelos três dias que se seguiram.

Por conta disso, Angélica sentia um vazio no peito, no exato lugar ondeantes o grande amor entre eles pulsava.

Na parte da tarde do quarto dia, Angélica decidiu tocar harpa no coreto do jardim. Dali podia observar Robert ensinando Daisy a montar no pônei que lhetrouxera de presente. Por perto, Colin se mantinha em seu próprio pônei, e




Alexander Emerson segurava as rédeas do animal.

James Armstrong e Adam St. Aubyn assistiam, gritando palavrasencorajadoras para as crianças.

Angélica experimentou uma imensa onda de ternura ao vê-los, que logo setransformou em melancolia. Amava tanto Robert e agora estava tão infeliz... Arevelação de Venetia destruiu seu paraíso, e agora não sabia como reconquistá-lo.

— Posso falar com você? — Venetia se aproximara sem que Angélicativesse notado.

— Sobre o quê? — Ela a encarou com frieza. — Por acaso quer confidenciar experiências de alcova com meu marido?

Venetia enrubesceu.

— Quero me desculpar pelos problemas que lhe causei.

— Acreditar em seus bons sentimentos é impossível.— Por favor—Venetia suplicou. — Dê-me uma última chance de me

redimir. Vamos dar um passeio, e conversaremos.

Angélica notou que Robert as observava de longe.

— Está bem. O que quer me dizer?

— Quero mostrar-lhe algo. Venha comigo. Angélica abandonou a harpa eseguiu a mulher.

Venetia tomou o rumo da cachoeira e, caminhando ao lado de Angélica,sugeriu:

— Gostaria que nos tornássemos amigas.— Não acha um pouco tarde para isso?

— Agora pertencemos à mesma família. Por que não deixa o passado paratrás e perdoa Robert? Tem de pensar no filho que vai ter.

Angélica nada disse. No entanto, o súbito interesse de Venetia emconquistar sua amizade e a preocupação com o bebê que esperava era intrigante.

Num certo ponto do caminho, Venetia foi para bem perto do penhasco ecomeçou a chorar. Tirou do bolso largo do vestido um lenço branco e, enquantoenxugava as lágrimas, murmurava:

— Foi aqui que Louisa... Angélica, condoída pela angústia que Venetia demonstrava, foi até ela para

confortá-la.

Assim que ficou ao lado de Venetia, sentiu um forte empurrão nas costas,que a desequilibrou por completo. Sem ter como se segurar, Angélica caiu noprofundo abismo.




Entretanto, por obra divina, no meio da queda seu corpo foi amparado por um imenso arbusto que crescera em diagonal, cujos ramos fortes e fartos aencobriram. Agarrada aos galhos e evitando entrar em pânico, ela foi capaz dealcançar a imensa raiz da planta, que parecia uma gruta natural. Ali pôde, enfim,se abrigar.

Tentou ficar de pé, mas o tornozelo a impediu. Estava inchado e dolorido. Angélica ergueu a saia e comprovou a ausência de sangue. Sabia que issosignificava que o bebê estava bem. Sentou-se e rezou por ajuda. Dali podia ouvir os gritos de Venetia, que ecoavam na imensidão do vale.

— Socorro! Houve um acidente! Angélica caiu no precipício! Angélicareconheceu as vozes do marido e de Alexander.

— Foi muito rápido — Venetia tentava explicar, entre soluços.' — Tenteisegurá-la, mas...

Tentou foi me matar, isso sim!

E naquele instante Angélica compreendeu a triste verdade: fora exatamenteaquilo o que se dera com Louisa. Venetia assassinara a própria irmã!

Os homens começaram a vasculhar o matagal que recobria as encostas doabismo com muito cuidado.

— Ela está aqui! — gritou Alexander ao avistá-la.

Robert correu na direção indicada e, ao alcançar Angélica, ajoelhou ao ladodela.

— Você está viva! — exclamou, aliviado, sem caber em si de felicidade por vê-la bem.

— Só machuquei o tornozelo — Angélica reclamou.Ele se inclinou e, apalpando-lhe o pé com extrema suavidade, concluiu:

— Não parece quebrado. Mas ficou bastante ferido. Auxiliado por Alexander, conseguiram levá-la até o topo da montanha.

Ao chegarem ao fim da subida, Angélica acusou Venetia assim que a viu:

— Ela me empurrou! E sou capaz de jurar que fez o mesmo com Louisa!

Alexander se irritou:

— Isso é mentira! Minha irmã jamais faria uma coisa dessas!

— Não sou sua irmã! — Venetia enlouquecera ao constatar que seu planodera em nada.

Charles Emerson, que acabara de chegar, gritou:

— Cale a boca! Não seja estúpida! Mas a tresloucada Venetia prosseguiu:

— Eu sou a única herdeira! Você e Louisa nunca passaram de bastardos!

Alexander deu um passo atrás, aturdido e espantado. Então, olhou para o




pai e desabafou:

— Posso ser um bastardo, mas você é meu pai. Charles o mirou comdesprezo:

— Infelizmente sofro esse pesadelo há vinte anos. Se pelo menos aquelesincompetentes que contratei...

— Refere-se aos pistoleiros? Queria me eliminar?! Charles se deu conta datolice que fizera e se calou. Robert deu um passo à frente.

— Se contratou pistoleiros, Emerson, devem ter sido os mesmos quetambém queriam me matar.

O vilão permaneceu mudo. Venetia berrou, histérica:

— Como pôde fazer isso, pai? Sabia que eu queria me casar com Robertpara um dia ser a duquesa de Inverary!

— E com certeza não iria esperar meu pai morrer de velhice, não é? —

Robert perguntou, sarcástico.E, sem esperar pela resposta, gesticulou para os amigos. James se

posicionou junto de Charles, e Adam, próximo de Venetia, para impedir-lhes afuga.

— Vou ter o prazer de vê-los enforcados em praça pública. — Robertrangeu os dentes.

— Ninguém será enforcado. Não quero escândalos envolvendo o nome dafamília — afirmou o duque, de um modo que não dava margem a réplica.

Magnus, que acabara de chegar, conseguiu presenciar a parte maisimportante. Robert retrucou:

— Venetia tentou matar Angélica, e Charles pagou pistoleiros paraassassinar Alexander e eu. Vai permitir que saiam livres?!

— Se Charles quiser continuar vivo, terá de passar todos os bens e títulospara Alexander. Em seguida, Charles e Venetia serão deixados na Austrália por um de nossos navios. E se tiverem a ousadia de voltar, aí sim receberão pena demorte.

— Ainda prefiro vê-los pendurados na forca agora.

— Seja razoável, filho. Seremos prejudicados se criarmos escândalos.Iremos nos livrar deles da mesma forma, e não será necessário sujar nossas

mãos de sangue. Garanto que será melhor assim.Robert acabou por concordar, ainda que a contragosto, e fez um sinal para

os amigos, pedindo para escoltá-los de volta à mansão.

— Esperem um pouco — Alexander pediu. E, indo até Charles, com ospunhos cerrados, acertou-o em cheio. — Isto é por Louisa. — E, olhando nadireção de Robert, desculpou-se: — Perdoe-me por ter atrapalhado seusnegócios.




— Você foi o responsável pelo Tempest ter sido pirateado? —Não chegueia tanto. — Alexander esboçou um meio sorriso.

Com Angélica nos braços, Robert iniciou o caminho de volta.

Desculpe por ser o responsável pelo atentado a sua vida. Não sei o queseria de mim se... — Robert engoliu em seco, para conter emoção. Quando achouque poderia falar, prosseguiu. — Se ainda quiser o divórcio...

— Nunca quis o divórcio. Só estava sendo tola e teimosa. — E enlaçando opescoço do marido, acrescentou: — Eu te amo!

Robert sorriu, feliz como nunca diante da confissão da mulher a quemamava loucamente.

— Será que vai demorar para meu tornozelo ficar curado?

— Pelo que imagino, terá de se manter por um bom tempo na cama.

— E pretende me fazer companhia? — ela perguntou, com uma insinuação

maliciosa.Robert deu uma estrondosa gargalhada.

A vida transcorreu feliz para os Campbell dali por diante.

Robert e Angélica resolveram se mudar em definitivo para a casa de campoe conseguiram a guarda legal de Daisy e Colin.

Angélica por muito tempo procurou encontrar nas feições do menino algumtraço que lhe lembrasse o marido. Mas desistiu. Afinal, o que isso interessava? Elaamava o garoto como se fosse de seu próprio sangue. E Colin também a adorava.

O herdeiro dos Campbell nasceu no primeiro dia da primavera. O pai o

batizou com o nome de Douglas, para homenagear a família que lhe dera Angélica. E, para surpresa geral, trinta minutos depois de o primogênito nascer,outra criança surgiu Dessa vez uma menina: Amber Louisa em homenagem à

angelica, o anjo sedutor

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