aneurismas saculares intracranianos - scielo · nalam ocorrência de 12 casos para cada 100.000...

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ANEURISMAS SACULARES INTRACRANIANOS ANÁLISE CRÍTICA D E 456 CASOS OPERADOS PEDRO SAMPAIO * A extensa literatura versando sobre aneurismas intracranianos tem sua justificativa no avultado número de mortes e na mutilante invalidez deixados no rastro desta entidade mórbida. Estudos sobre a incidência anual de hemor- ragia subaracnóidea 8 » 9 conseqüente a rotura de aneurismas intracranianos assi- nalam ocorrência de 12 casos para cada 100.000 habitantes Aplicando tais cifras para o Brasil podemos concluir que cerca de 14.00Π brasileiros são adoentados anualmente por este cometimento. Trata-se, sem dúvida, de núme- ros alarmantes dada a gravidade da patologia em tela. Exti apolando-se para o Brasil os dados aplicados por Kassel e Drake 5 para os Estados Unidos e Canadá, podemos alinhar de forma aproximada o destino de tais doentes: 5.Ü00 terão morte súbita ou ficarão permanentemente inválidos e cerca de 4.500, em dias subseqüentes, vêm a falecer em decorrência de novo sargramento ou de espasmo arterial grave. Sobram assim, apenas 5.000 pacientes sem qualquer invalidez e que podem se beneficiar de tratamento cirúrgico mais tardio. Afora o vulto das cifras apontadas, temos ainda a lembrar o período etário mais aco- metido: 30 a 60 anos. Vale dizer, a época mais atuante e produtiva da vida humana. Dois pontos fundamentais precisam ser resolvidos: o espasmo arterial e o ressangramento. Para o espasmo arterial as únicas drogas que se têm mos- trado eficazes são os expansores plasmáticos mas seu emprego em aneurismas não operados pode levar a nova hemorragia. Quanto ao ressangramento, as esperanças depositadas no ácido epsilon-amino-capróico não corresponderam às expectativas. Há sempre uma ameaça real de rotura enquanto não se intervém cirurgicamente. Este trabalho tem como escopo mostrar experiência da Universidade Esta- dual do Rio de Janeiro. Recebemos pacientes de inúmeras procedências e de classes variadas. Nosso serviço tem disponibilidade de 40 leitos para cirurgia eletiva. Não se incluem aqui pacientes neurológicos que ocupam serviço inde- pendente do nosso nem tão pouco a rotina traumatológica. Trabalho realizado no Serviço de Neurocirurgia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ): * Professor Titular de Neurocirurgia e Membro Titular da Academia Nacional de Medicina.

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ANEURISMAS SACULARES INTRACRANIANOS

A N Á L I S E C R Í T I C A D E 456 CASOS OPERADOS

PEDRO SAMPAIO *

A extensa literatura versando sobre aneurismas intracranianos tem sua justificativa no avultado número de mortes e na mutilante invalidez deixados no rastro desta entidade mórbida. Estudos sobre a incidência anual de hemor­ragia subaracnóidea8»9 conseqüente a rotura de aneurismas intracranianos assi­nalam ocorrência de 12 casos para cada 100.000 habitantes Aplicando tais cifras para o Brasil podemos concluir que cerca de 14.00Π brasileiros são adoentados anualmente por este cometimento. Trata-se, sem dúvida, de núme­ros alarmantes dada a gravidade da patologia em tela. Exti apolando-se para o Brasil os dados aplicados por Kassel e Drake 5 para os Estados Unidos e Canadá, podemos alinhar de forma aproximada o destino de tais doentes: 5.Ü00 terão morte súbita ou ficarão permanentemente inválidos e cerca de 4.500, em dias subseqüentes, vêm a falecer em decorrência de novo sargramento ou de espasmo arterial grave. Sobram assim, apenas 5.000 pacientes sem qualquer invalidez e que podem se beneficiar de tratamento cirúrgico mais tardio. Afora o vulto das cifras apontadas, temos ainda a lembrar o período etário mais aco­metido: 30 a 60 anos. Vale dizer, a época mais atuante e produtiva da vida humana.

Dois pontos fundamentais precisam ser resolvidos: o espasmo arterial e o ressangramento. Para o espasmo arterial as únicas drogas que se têm mos­trado eficazes são os expansores plasmáticos mas seu emprego em aneurismas não operados pode levar a nova hemorragia. Quanto ao ressangramento, as esperanças depositadas no ácido epsilon-amino-capróico não corresponderam às expectativas. Há sempre uma ameaça real de rotura enquanto não se intervém cirurgicamente.

Este trabalho tem como escopo mostrar experiência da Universidade Esta­dual do Rio de Janeiro. Recebemos pacientes de inúmeras procedências e de classes variadas. Nosso serviço tem disponibilidade de 40 leitos para cirurgia eletiva. Não se incluem aqui pacientes neurológicos que ocupam serviço inde­pendente do nosso nem tão pouco a rotina traumatológica.

Trabalho realizado no Serviço de Neurocirurgia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro ( U E R J ) : * Professor Titular de Neurocirurgia e Membro Titular da Academia Nacional de Medicina.

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M A T E R I A L C L I N I C O Ε MÉTODOS. R E S U L T A D O S

Nosso material consta de 456 aneurismas intracranianos operados no período de janeiro de 1970 a dezembro de 1983. A topografia mais comum foi o segmento supra-clinóideo da carótida no qual se situaram 43,4%, seguindo-se a comunicante anterior 31,4%, a cerebral média 21,3%, a carótida infraclinóidea 2,6%, a basilar 0,9% e enfim a cerebelar inferior e posterior 0,4% (Tabela 1). Os sintomas de hemorragia suba-racnóidea iniciaram o quadro clínico em 92,1%, vindo a seguir em números bastante reduzidos: ptose palpebral súbita, paralisias oculares variadas e sintomas de tumor intracraniano (Tabela 2). Os tipos de cirurgia empregados foram obstrução do colo com clips, ligadura do colo com fio cirúrgico, reforço da parede com gaze ou resinas sintéticas, ligadura da artéria aferente e ligadura da artéria aferente com anastomose extra-intracraniana prévia (Tabela 3). Na maioria dos casos utilizaram-se técnicas microcirúrgicas.

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A mortalidade variou em função do estado pré-operatório dos pacientes tendo atingido globalmente a cifra de 6,1% (Tabela 4). Os pacientes em sua grande maioria foram operados em plena higidez física e mental e após a primeira semana do acidente hemorrágico.

COMENTÁRIOS

Apesar de se haverem dado largos passos na cirurgia dos aneurismas intra­cranianos, sobretudo com o advento da microcirurgia ^ » 1 2 , muitas perguntas importantes ficam sem resposta e algumas merecem análise. A primeira diz respeito a de onde provêm. Durante muito tempo asseverou-se serem congê­nitos. Mc Cormick 7 , entretanto, dissecou 528 cérebros de crianças e não encon­trou qualquer aneurisma. Fraqueza congênita da parede arterial tem sido en­contrada em muitas disseções do polígno de Willis, sem presença de aneurisma.

Outra pergunta relaciona-se a como fazer o diagnóstico precoce antes d* seu rompimento6. Pela nossa casuística isto é possível clinicamente em apenas 8% dos casos, número muito diminuto para a importância desta patologia. A tomografia computadorizada, no momento, não mostra a maioria dos aneurismas e nem levanta suspeitas quando não houve rompimento. Somente as formas gigantes ou alguns em situação menos comum são vistos por este exame. A angiografia cerebral, como é óbvio, não pode ser exame de rotina e sua feitura depende de sinais presuntivos manifestos. Fica-se, portanto, com margem estrei­ta de segurança para se lidar com entidade de tão pesadas conseqüências. Nosso escopo principal será, portanto, descobrir meios para evitar o ressangramento e combater o espasmo pós-hemorragia subaracnóidea enquanto escolhemos o tempo ótimo para cirurgia.

Merece análise também a pergunta sobre quando operar após rotura i.3,5,io :

se precocemente ou se após estabilização do estado neurológico do paciente. Quando em coma, de modo geral, não se intervém cirurgicamente a não ser que haja vultoso hematoma causando compressão cerebral. Se porém o paciente apresenta consciência plena, alguns preferem operá-lo de pronto, com temor

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de nova hemorragia, outros esperam pelo menos 8 dias, quando então se encon­tram mais estabilizadas as condições cerebrais. Nós nos filiamos, no momento, à corrente dos que operam mais tardiamente, embora correndo o risco de ressan-gramento. Os resultados, a nosso ver, são melhores nesta eventualidade. Ado­tamos a classificação de Botterell 2 para indicar o cirurgia. Operamos prefe­rencialmente os graus I e II conforme se depreende da tabela 4

R E S U M O

O autor no período de janeiro de 1970 a dezembro de 1983 operou 456 aneurismas intracranianos usando mais das vezes técnicas microcirúrgicas. As topografias mais comuns foram o segmento supraclinóideo da carótida e a artéria comunicante anterior, somando ambas 74,8%. A manifestação clínica dominante correu por conta da hemorragia subaracnóidea, que se situou na faixa de 92%. Preconiza-se a obstrução do colo com clips como tratamento preferido. Quanto à oportunidade cirúrgica pós-hemorragia tem absoluta prefe­rência por operar os casos situados nos graus I e II de Botterell, e após a primeira semana do acidente vascular. A mortalidade foi elevada nos poucos casos operados em estado de coma ou com graves alterações da consciência. A mortalidade em pacientes operados mais tardiamente e em plena higidez física e mental não ultrapassou 2,6%.

SUMMARY

Intracranial saccular aneurysms: critical analysis of 456 operated cases.

From January to December 1983 the author has operated on 456 intracranial aneurysms with microsurgical techniques. Most of them (74.8%) arose from the internal carotid and from the anterior comunicating artey. Subarachnoid hemorrhage was the first occurence in 92% of the patients. The favored technique was occlusion of the neck of the aneurysm with clip. The best surgical results were achieved when the patients were physical and mentally well and were operated on after a week following subarachnoid hemorrhage. The over all mortality was 6.2%.

R E F E R Ê N C I A S

1. ADAMS, H . R . J . — Early management of aneurysmal subarachnoid hemorrhage. A report of the cooperative aneurysm study. J . Neurosurg. 54:141, 1981.

2. B O T T E R E L L , E . H . ; L O U G H E E D , W . M . ; SCOTT, J . W . & V A N D E R - V A T E R , S.H. — Hypothermia and interruption of carotid and vertebral circulation in the surgical management of intracranial aneurysms. J . Neurosurg. 13:1, 1953.

3. J A N E , J . Α . ; "WINN, H.R. & R I C H A R D S O N , A . E . — The natural history of intra­cranial aneurysms: rebleeding rates during the acute and long-term period and implication for surgical management. Clin. Neurosurg. 24:176, 1977.

4. K A S S E L , N . F . & D R A K E , C.G. — Review of the management of saccular aneurysms. Neurologic Clinics 1:73. Saunders, Philadelphia, 1983.

5. K A S S E L , N . F . & D R A K E , C .G. — Timing of aneurysms surgery. Neurosurgery 10:515, 1982.

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6. L O C K L E Y , H.B. — Report on the cooperative study of intracranial aneurysms and subarachnoid hemorrhage V (part I I ) . J . Neurosurg. 25:321, 1966.

7. Mc CORMICK, W . F . — Problems and Pathogenesis of Intracranial Arterial Aneu­rysms. Cerebral Vascular Diseases. Ed. John Mossy and Richard Janeway, New York, 1971, pg. 219.

8. P A K A R I N E N , S. — Incidence, etiology and prognosis of primary subarachnoid hemorrhage: a study based on 589 cases diagnosed in a defined urban population during a defined period. Acta neurol. scand. 43 (Suppl. 29):1, 1967.

9. P H I L L I P S , L . H . W H I S N A N T , J . P . & O ' F A L L O N , W.N. — The unchanging pattern of subarachnoid hemorrhage in a community. Neurology (N.Y.) 30:1034, 1980.

10. SANO, Κ . — Cerebral vasospasm and aneurysm surgery. Clin. Neurosurg. 30:13, 1983.

11. Y A S A R G I L , M.G. — Microsurgery Applied to Neurosurgery. G. Thieme. New York, 1969, pg. 126.

12. Y A S A R G I L , M.G. — Intracranial microsurgery. Clin. Neurosurg. 17:250, 1969.

R. Venancio Flores 64, apto. 201 — 20000, Rio de Janeiro, RJ — Brasil.