andy mcnab - controle remoto

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CONTROLE REMOTOANDY MCNABSELECES DO READERS DIGESTGIBRALTAR: DOMINGO 6 DE MARO DE 1988EU TOPEI-o de imediato.- Alfa, aqui Delta - chamei pela rede de rdio. - Confirmo: Bravo Um vem pela direita aproximando-se de Azul Dois. Casaco castanho de riscas finas e azul desbotado por baixo.Ele andava sempre com aquele casaco castanho de risquinhas e os mesmos velhos jeans coados. Ia a afastar-se de mim - atarracado, ligeiramente curvado, cabelo curto e patilhas compridas -, mas reconheci logo o seu jeito de andar. Sabia que se tratava de Sean Savage.Voltei rede.- Daqui Delta ... est a passar de Azul Dois para Azul Sete. Antes de Siminonds nos ter dado as suas instrues, todo o Rochedo fora codificado, todos os cruzamentos e principais pontos de referncia haviam sido identificados por meio de uma cor e de um nmero. Alfa era o quartel-general, que controlava a operao, e Delta, o meu nome de cdigo.Savage encontrava-se agora no cruzamento da biblioteca. Azul Sete era uma praceta ao fundo da Main Street, perto da residncia do governador. Era a que ficava tambm o parque de estacionamento onde a banda do batalho de infantaria local iria dispersar aps o render da guarda. Era a que a bomba devia estar com toda a certeza.Siminotids no soubera dizer-nos que carro que eles utilizariam; apenas sabia que a bomba era uma das grandes e que era do tipoEEpCR: engenho explosivo detonado por controle remoto. As suas ltimas palavras tinham sido: "No se esqueam, meus senhores, de que o detonador pode estar na posse de qualquer dos membros da equipa do IRA Provisrio ou de todos eles. Essa bomba no pode explodir. Esto em jogo centenas de vidas. "Savage estava a entrar na praa. Eu sabia que Kev e Pat em breve avanariam atrs de mim. Sem hesitar, Savage fixou a sua ateno num determinado veculo e dirigiu-se para ele.- Alfa, aqui Delta - disse eu. - Bravo Um em Azul Sete ... dirigindo-se para um Renault Cinco. Matrcula Mike Lima 174412.Ele j tinha as chaves do carro na mo. Tive de passar mesmo junto dele - no podia mudar repentinamente de direco. Ao passar pelo carro, ouvi o rudo das chaves a entrarem na fechadura e o clique da porta a abrir-se.Dirigi-me para um banco de jardim do outro lado da praa e sentei-me. Num caixote de lixo ali perto estavam alguns jornais; peguei num e pus-me a observar Savage. Golf e Oscar - Kev e Pat - deviam estar algures perto da entrada da praa, prontos a dar-me apoio. Se eu me visse em apuros e envolvido em contacto pessoal, eles teriam de resolver a coisa. Os outros dois homens da segurana local, Zulu e Lima, andavam com o meu camarada da Brigada Especial Aerotransportada , Euan na peugada dos outros dois alvos.Eu no conseguia perceber exactamente o que Savage estava a fazer, mas vi que se encontrava no banco do condutor e inclinado para diante, para debaixo do tablier. Parecia estar a tirar qualquer coisa do porta-luvas e no parava de levar as mos aos bolsos. Estaria a concluir as ltimas ligaes no engenho?Ouvia Euan na rede, apertando o cerco a Bravo Dois e Eco Um, os outros dois alvos. Vinham ambos na nossa direco.Bravo Dois era Daniel McCann. Ao invs de Savage, que era uma pessoa instruda e perito no fabrico de bombas, Danny, o Louco, era carniceiro de profisso e carniceiro por natureza, com vinte e seis mortes associadas ao seu nome. Os Lealistas do UIster j tinham tentado liquid-lo uma vez, mas haviam falhado. Deviam ter tentado com mais afinco.Eco Um era Mairead Farrefi. Proveniente da classe mdia e educada num colgio de freiras, era, aos trinta e um anos, uma das mulheres mais graduadas dentro do IRA. Cumprira dez anos de cadeia por ter feito explodir uma bomba em Belfast, e desde que fora libertada as coisas no lhe tinham corrido de feio: h uns meses, o namorado, outro terrorista, morrera acidentalmente na exploso de uma bomba.Euan fornecia indicaes contnuas acerca da rota seguida por McCann e Farrell. Iam a atravessar a rua a caminho do Renault. Reconheci-os assim que dobraram a esquina. Conhecia-os bem; h anos que jogava ao gato e ao rato com eles no Ulster. Entrei em rede e confirmei a sua identidade.Estvamos todos a postos. O nico problema era que a operao no fora ainda cometida aos militares, pelo que de momento era Polcia, e no a ns, que competia decidir quando que entrvamos em aco. S quando o comando fosse transferido para os militares que Kev passaria a controlar a equipa. Era uma frustrao humilhante. Eu s queria acabar com aquilo depressa.Naquele momento, Mairead estava encostada porta do condutor e os dois homens de p frente dela. Eu no conseguia ouvir o que diziam, mas os seus rostos no revelavam qualquer sinal de tenso, e at se ouviam risadas a sobrepor-se ao rudo do trfego. Savage at pegou num pacote de pastilhas de hortel-pimenta e estava a oferec-las aos seus companheiros.Eu continuava a relatar os acontecimentos:- Alfa, aqui Delta, nenhuma alterao, nenhuma alterao.- Daqui Alfa: entendido. Subitamente, os alvos comearam a afastar-se do veculo, regressando pelo caminho por onde tinham vindo, direitos ao fundo da Main Street. Pronto, c amos ns.Deixei-os encaminharem-se para a praa principal e depois levantei-me. Eu tinha conscincia de que no podamos det-los ali. Havia demasiada gente nas redondezas. Tanto quanto sabamos, os alvos podiam almejar uma sada em glria e comear a abater civis ou, pior ainda, dar uma de kamikaze e eventualmente fazer detonar o engenho. Porm, tinha-os controlados; ainda no era necessrio que os outros apertassem o cerco. Det-los-ia sada da praa, de regresso rua principal.Subitamente, Alfa veio rede.- Ateno a todos os cdigos, ateno a todos os cdigos! A Polcia requer nova confirmao dentidades; no abrem mo do controle sem terem a certeza. Diga se me ouve, Golf. Escuto.Afinal, o que que eles queriam? Apresentaes? "Ol, chamo-me Sean, sou bombista e assassino do IRA. Gosto de viajar e de trabalhar com crianas."Ouvi a resposta de Kev:- Mas que merda vem a ser esta? Digam-me, que raio que se est a passar?Corramos o risco de os perder na fronteira com a Espanha se no agssemos com rapidez.Alfa voltou rede:- Ateno a todas as estaes: os tcnicos esto a caminho para inspeccionar o veculo. Delta, continuamos espera dessa confirmao.As coisas estavam obviamente complicadas no centro de operaes. A Polcia devia estar a dar gua pela barba ao chefe.Eu encontrava-me agora do outro lado da rua. Consegui posicionar-me em paralelo com eles para lhes ver novamente o rosto. Tinha de reconfirmar a identidade dos personagens, depois continuar em sua perseguio. Entrei de novo em rede.- Entendido. Est confirmado: Bravo Um, Bravo Dois, Eco Um, dirigindo-se para Azul Seis.- Que se lixe o comando - atalhou Kev em rede -, vamos manter-nos em cima deles at que algum, algures, tome uma deciso. Lima e Zulu, conseguem passar para l de Azul Seis?Zulu respondeu, ofegante, por ele e por Lima. - Aqui Zulu e Lima, sim ... sim, conseguimos. Kev pretendia que eles passassem para l do centro de sade em Azul Seis. Dessa forma, os alvos caminhariam na sua direco. Iam a correr desfilada para os ultrapassarem; era-lhes indiferente atrair as atenes desde que no fossem detectados pelos alvos. Que diabo faramos ns se eles conseguissem passar a fronteira?- Alfa, aqui Golf - disse Kev. - Vocs tm que se decidir; quando no, vamos perd-los. O que querem que a gente faa?Alfa entrou de imediato em contacto:- Golf, espere, espere ... - Depois, s consegui ouvir os rudos de fundo de Alfa no meu rdio, juntamente com o latejar das veias na minha cabea. Seguiu-se o que pareceu ser uma pausa forada, at que por fim ouvi uma deciso a ser tomada. Era a voz de Siminonds, calma e pausada, no meio da confuso:- Diga ao comandante de campo que pode prosseguir.- Ateno todos os cdigos, Aqui Alfa. Tenho o controle. Tenho o controle. Golf, diga se me ouve.- Graas a Deus! - exclamou Kev. - Ateno todos os cdigos: se eles se dirigirem para o aeroporto, l que os detemos. Se no, minha voz, repito, minha voz. Zulu e Lima, como vo as coisas?Zulu e Lima responderam:- Estamos parados na interseco Azul Nove. Podemos det-los em Azul Nove. - Era o final da Main Street e o incio da Smith Dorrien Avenue, o principal acesso para a entrada em Espanha. Os alvos encontravam-se a poucas centenas de metros da fronteira.Kev regressou rede:- Recebido; Delta, diga se me ouve.- Aqui Delta. Entendido. Tenho ainda Bravo Um, Bravo Dois, Eco Um minha direita, a meio caminho entre Azul Seis e Azul Nove. - A minha misso estava prestes a terminar. Tinha executado a tarefa que me haviam mandado desempenhar ali. Preparava-me para passar o testemunho, enquanto os personagens viravam direita para a Smith Dorrien Avenue.Mas logo a seguir pararam. Raios! -Alto, alto, alto! - avisei. - Bravo Um, Bravo Dois e Eco Um estacionrios vinte metros depois de Azul Nove, ainda do lado direito.A nossa gente vinha toda a fechar o cerco. C'os diabos, vamos l det-los aqui e agora!De repente, Savage separou-se dos outros e retrocedeu em direco ao centro da cidade. Tnhamos agora dois grupos para controlar e no sabamos qual deles detinha o iniciador que detonava a bomba.Vi Kev aproximar-se para me dar apoio ao voltar-me para perseguir Savage. Competia aos outros encarregarem-se de Bravo Dois e Eco Um. Kev e eu seguimos Savage de regresso ao centro da cidade.Savage cortou esquerda para uma rua estreita. Preparava-me para transmitir essa informao pelo rdio quando atrs de mim se ouviu uma sirene da Polcia, logo seguida de tiros.Em simultneo, Euan entrou em rede:- Contacto! Contacto! Depois, mais tiros. Kev e eu entreolhmo-nos. Dobrmos a esquina a correr e avistmos Savage. Tambm ele ouvira os tiros e largara a correr.- Alto! - gritou Kev. - Foras de segurana! Alto! Entre ns e ele encontrava-se uma mulher. Kev teve de a empurrar para o lado e encost-la parede para a tirar da frente. A mulher desatou aos berros. Mas eu nem reparei nela, s tinha olhos para Savage. Notei que levava a mo ao lado direito do casaco. Era altura de tomar uma deciso. No podamos consentir que accionasse o iniciador.Savage sabia disso. No era idiota nenhum. Assim que nos vira, tinha percebido que chegara a sua hora. Kev sacou da pistola, apontou e disparou. Nada.Emperrada! Nick! - Enquanto tentava desbloquear a arma, ps um joelho em terra para no se expor tanto. nestas alturas que tudo parece processar-se em cmara lenta eno conseguimos ouvir o que se passa nossa volta. Tudo decorre como se tivssemos tampes nos ouvidos.Savage e eu estvamos frente a frente. Ele sabia o que eu ia fazer; podia ter parado, podia ter posto as mos no ar. Comeou a gritar, mas eu no o ouvia. Havia demasiados gritos minha volta, de toda a gente que passava na rua, do meu auricular.A mo de Savage estava quase l, quase no stio onde trazia escondida a arma ou o iniciador. Ele tinha de ser detido.Saquei da arma, correndo a patilha de segurana com o polegar. Estvamos de olhos nos olhos. Apercebi-me de que Savage sabia que perdera. Sabia que ia morrer.Ao apontar a pistola, nunca deixei de olhar para ele, e o seu olhar nunca largou o meu. Apertei o gatilho.O estampido do disparo pareceu trazer tudo de volta realidade. A primeira bala atingiu-o. Eu no sabia onde, nem queria saber. Continuei a disparar. Nestas coisas, o excesso coisa que no existe. Enquanto conseguisse mexer-se, ele podia sempre fazer explodir a bomba. Quando Savage tombou, deixei de lhe ver as mos. Estava enrolado em bola, agarrado ao estmago. Portanto, avancei e disparei-lhe dois tiros directos cabea. A, deixou de constituir uma ameaa.Kev aproximou-se a correr e ps-se a revistar os bolsos e o casaco de Savage.- Nada - disse. - Nem arma nem iniciador. Baixei o olhar para Kev, que limpava o sangue das mos s calas de Savage.- Deve ser um dos outros que o tem - prosseguiu. - No ouvi o carro a explodir. E tu?No meio daquela confuso toda, no conseguia lembrar-me.- No, acho que no. Entretanto, voltmos a trancar as patilhas de segurana e trocmos de arma. Euan e eu tnhamos sido destacados pelo Regimento para colaborarmos em operaes camufladas com o Grupo 14 dos Servios Secretos, conhecido como o Det. A sua jurisdio abrangia apenas o territrio da Irlanda do Norte. Era ilegal para os seus membros actuarem noutro territrio qualquer.- Ainda bem que no tenho de me sujeitar a nenhum inqurito comentei. - Quanto a ti, melhor comeares a preparar a tua verso.Kev sorriu, ao mesmo tempo que entrava em rede e comeava a fazer o ponto da situao. Para ele, estava tudo bem, mas Euan e eu tnhamos de pr-nos a andar antes da chegada da Polcia.Enfiei a arma dele dentro das calas e comecei a afastar-me.PARA QUEM trabalha no Servio Secreto Britnico e convocado formalmente para uma reunio no edifcio-sede, no Bairro de Vauxhall, existem trs nveis de reunio. O primeiro inclui caf e biscoitos e significa que lhe vo fazer umas festas na cabea. A seguir, vem a formalidade mais oficial do caf sem biscoitos, que significa que no vo pedir-lhe, mas sim ordenar-lhe, que faa alguma coisa. Finalmente, o terceiro nvel no mete caf nem biscoitos e, basicamente, significa que voc est na merda. Aps deixar o Regimento em 1993 e comear a tomar parte em operaes clandestinas, eu j tivera reunies a todos esses nveis, e no estava propriamente a contar com um cremoso cappuccino no programa daquela segunda-feira especfica.Quando sa da estao de metro de Vauxhall, o cu de Maro apresentava-se cinzento e muito nublado, em antecipao dos feriados da Pscoa. VauxIiall Cross, o edifcio-sede daquilo que a imprensa apelida de M16, mas que se chama efectivamente o Servio de Informaes Secretas, sobranceiro ao Tamisa, cerca de quilmetro e meio a montante do Parlamento. De arquitectura bizarra, assemelhando-se a uma pirmide bege e negra a que tivessem amputado o topo, com cada andar recuado em relao ao que lhe fica mais abaixo, grandes torres de ambos os lados e um terrao com vista para o rio, bastava juntarem-lhe algumas volutas de non para que qualquer pessoa jurasse tratar-se de um casino. Tinha saudades da Century House, o velho quartel-general perto da Estao de Waterloo. Podia no ter o metro ali mesmo mo, mas era muito mais simptica.Eu metera a pata na poa, e de que maneira! Fora enviado para a Arbia Saudita a fim de treinar uns quantos curdos do Norte do Iraque para a misso de eliminar trs dos principais dirigentes do Partido Ba'ath, contribuindo para desmantelar o regime de Bagdade. Para provocar a maior confuso possvel, o plano previa que os Curdos levassem a cabo os trs atentados exactamente ao mesmo tempo, em Bagdade e nos arredores, utilizando carabinas de preciso Dragunov, de fabrico russo, um par de pistolas Makharm e duas carabinas de assalto AK. Todas as trs misses foram por diante, e as armas, abandonadas num esconderijo, onde deviam ter sido destrudas. S que no foram. As AK dispem de uma mira dianteira articulada sob a qual est gravado um nmero de srie. Tinham-me garantido que todos os nmeros de srie haviam sido removidos na origem, e eu tomara essa garantia como boa. No confirmei - meti a pata na poa.De regresso a Inglaterra, abrira-se um inqurito, e andavam todos a fugir com o rabo seringa. Os armeiros e os tcnicos do Servio Secreto diziam que a culpa era minha por no ter verificado. Eu estava a preparar-me para encaixar o golpe.Ingressei no Vauxhall Cross por uma porta metlica nica que, atravs de uma espcie de tnel, dava acesso recepo. L dentro, o edifcio passava perfeitamente por um qualquer edifcio moderno de escritrios em qualquer cidade: impecavelmente limpo, simples e funcional. Dirigi-me ao balco principal da recepo.- Tenho um encontro marcado com Mr. Lynn. A recepcionista pegou num telefone.- Quem devo anunciar?- O meu nome Staniford. A mulher desligou e informou: - Vm a busc-lo. Poucos minutos depois, apareceu um funcionrio jovem.- Mr. Stanford? Quer fazer o favor de me acompanhar? - Premiu o boto de chamada do elevador.Todo o edifcio um perfeito labirinto. Eu limitei-me a segui-lo sem ter qualquer ideia do local para onde amos. Quase no se ouvia um rudo, salvo o zumbido das condutas do ar condicionado. No fim do corredor, virmos esquerda e entrmos numa zona mais espaosa. O funcionrio bateu porta do gabinete do tenente-coronel Lynn, rodou a maaneta e afastou-se para me deixar entrar.Lynn encontrava-se em p atrs da secretria. Com quarenta e poucos anos, era de constituio, altura e aspecto medianos, mas tinha aquela aura que distingue as pessoas destinadas a altos voos. Eu conhecia-o superficialmente h uns dez anos; nos ltimos dois, ele vinha desempenhando a funo de elemento de ligao entre o Ministrio da Defesa e o SIS.Ao avanar sala adentro, apercebi-me de que no se encontrava s. Sentado de um dos lados da secretria, encoberto at a pela porta entreaberta, estava Simmonds. Eu no o via desde Gibraltar. Tinha a seu cargo a rea da Irlanda do Norte no Servio de Informaes Secretas em Londres. Havia-se revelado um s, "aparando" o inqurito comose Euan e eu nunca tivssemos existido! Senti um misto de surpresa e de alvio ao v-lo ali. Ele no tinha nada a ver com o caso dos Curdos.Simmonds levantou-se. Um metro e oitenta, perto de cinquenta anos, um ar distinto. Um homem extremamente corts, pensei eu, enquanto ele me estendia a mo.- Prazer em v-lo de novo, Nick. Apertmos as mos, e entretanto Lynn perguntou:- Toma alguma coisa, Stone'?- Obrigado. Caf com natas sem acar. Sentmo-nos. Relanceei @rapidamente o olhar pelo gabinete, enquanto Lynn premia o boto do intercomunicador de secretria e transmitia a ordem ao seu funcionrio. O gabinete era muito sbrio, muito impessoal. A um canto, montado num suporte de parede, havia um aparelho de televiso; pelo ecr perpassavam os ttulos das principais notcias internacionais do dia.Sem mais formalidades, Lynn inclinou-se para diante e comeou:- Temos um assunto ultra-urgente para si. Voc saiu chamuscado da ltima misso, mas pode redimir-se aceitando esta. pegar ou largar.- Farei o que for preciso - respondi. Ele adivinhara o que eu ia dizer e estendia j a mo para um dossier que continha fotografias e uma grande quantidade de papelada. Numa das folhas, margem, via-se um rabisco a tinta verde que s podia ter sido feito pelo director da Firma, o SIS. Simmonds ainda no dissera palavra.Lynn entregou-me uma fotografia.- Quem so'? - inquiri.- Michael Keri--- e Morgan McGear. Neste preciso momento, esto a caminho do Aeroporto de Sharmon, idos de Belfast, onde vo apanhar o avio para Heathrow com ligao para Washington. Reservaram passagens de ida e volta na Virgin e viajam com passaportes falsos da Repblica da Irlanda. Quero que os acompanhe de Sharmon at Heathrow e depois at Washington. Descubra o que que vo l fazer e com quem vo encontrar-se.Ouviu-se bater porta. Chegaram os trs cafs.- E quem est a vigi-los entre Belfast e Shannon? - perguntei.- Euan - respondeu Simmonds. - ele que os controla neste momento. Em Sharmon, transfere a misso para si.Sorri para comigo meno do nome de Euan. Agora, eu estava fora do sistema e era utilizado basicamente em operaes clandestinas. A minha ideia era arranjar um peclio para financiar outras coisas que pretendia fazer. Que coisas eram essas ainda no sabia bem;estava com trinta e oito anos e muitas ideias na cabea, mas sem grande vontade de as realizar. Euan, porm, ainda se considerava parte integrante do sistema. Sentia ainda a responsabilidade moral de lutar por boas causas;@ as - o que quer que isso significasse -, e l se manteria at ao dia em que corressem com ele.Simirionds%-- entregou-me uma pasta de arquivo.- Leia isso - disse. - Quero que assine j a recepo e devolva a pasta tripulao do helicptero para Shannon quando tiver acabado de ler. E boa sorte - acrescentou.- Vou j? - perguntei. - No trago o passaporte comigo. Nunca vi coisa to ultra-urgente.- O seu passaporte est a dentro. Tem consigo os outros documentos? - inquiriu.Olhei para ele como se tivesse acabado de ser insultado. Carta de conduo, cartes de crdito, cartes de scio de clubes, so os requisitos bsicos para conferir credibilidade a uma identidade fictcia. Trazia todos esses cartes comigo, como sempre, mas o passaporte no. o que Simirionds me entregou tinha provavelmente sido emitido nessa - manh, impecavelmente provido de vistos e apresentando os convenientes sinais de uso.No tive sequer tempo para acabar o meu caf. O funcionrio voltou a aparecer c@_- acompanhou-me ao andar de baixo. Antes de sair, assinei a posse dos documentos.L fora, estava um carro minha espera, e na placa do Heliporto de Battersea aguardava-me um helicptero civil, com os motores j em movimento. Mas e--Ou tinha ainda uma ltima tarefa a desempenhar antes de embarcar: de um telefone da rede pblica, liguei para a famlia que me daria cobertura, pessoas que responderiam por mim caso isso fosse alguma vez necessrio. Se fosse detido, eu podia sempre dizer Polcia: "Eu moro com esta famlia. Podem telefonar a perguntar-lhes."Atendeu-me:-- uma voz masculina.- James, ac3ui Nick. Acabam de me dar a oportunidade de viajar at aos Estados Unidos para visitar uns amigos. Sou capaz de estar ausente uma ou duas semanas. Se for mais do que isso, telefono a avisar.James entendeu a mensagem.- A casa do vizinho dos Wilmots foi assaltada h dois dias e ns vamos ao Dorse lt visitar Bob por altura da Pscoa.Eu tinha de ser informado daquelas coisas porque eram factos que eu conheceria se l vivesse de facto. Mandavam-me tambm o jornal local para casa todas as semanas.-Adeus, Jao-nes. Boas frias.ENQUANTO SOBREVOVAMOS o mar da Irlanda, abri o dossier e folheei o contedo. Escusava de ter-me dado a esse trabalho. A nica coisa que sabiam de certeza era que dois fulanos tinham reservado passagens para Washington e queriam descobrir porqu. Queriam saber com quem eles iam encontrar-se e o que aconteceria quando se encontrassem. Eu sabia por experincia prpria que as probabilidades de fracasso eram enormes. Mesmo que eles cumprissem o previsto e fossem mesmo para Washington, como que eu ia conseguir segui-los? Eles eram dois, eu apenas um; era quase certo que, a determinada altura, eles iriam separar-se.A fazer f num dos documentos, parecia estar-se naquela altura do ano em que todos os bons angariadores de fundos do IRA Provisrio se mobilizavam para integrar o circuito de jantares de caridade em Boston, Nova Iorque, Washington - descendo mesmo at Tucson, no Arizona -, a fim de atrarem os simpatizantes americanos de origem irlandesa que tinham decidido reformar-se em paragens mais quentes. Mas tambm existiam outras formas, menos pblicas, de angariar fundos, e eu estava plenamente convencido de que os meus novos amigos estavam metidos nisso.Contudo, nem por isso me sentia mais elucidado sobre como desempenhar a misso. No possua qualquer informao acerca dos disfarces deles nem acerca dos locais para onde se dirigiam, dentro ou fora de Washington. Apenas sabia quem eles eram e o seu aspecto fsico. Lera que Michael Kerr participara em quatro ataques de morteiro e em dezenas de tiroteios contra as foras de segurana e os protestantes. Fora ferido uma vez, mas conseguira fugir para o Sul. Um tipo duro.O mesmo se poderia dizer de Morgan McGear. Aps uma carreira como atirador na zona fronteiria de South Armagli, o biscateiro, de trinta e um anos, fora promovido e integrado na equipa de segurana do IRA Provisrio. A sua misso era a de descobrir e interrogar informadores, e o seu mtodo de interrogatrio favorito era um berbequim Black & Decker.NO BALCO DA AER LINGus do Aeroporto de Shamion, levantei o meu bilhete para Washington, via Heathrow, que fora reservada em nome de Nick Stainford. Quando se adopta um nome fictcio, sempre prefervel manter o nome prprio, pois assim reage-se naturalmente quando o ouvimos pronunciar. Para apelido, escolhera Stamford, por causa da Batalha de Stainford Bridge. Eu adorava histria medieval.Fui direito zona das lojas para comprar um saco de viagem. Todaa gente traz consigo bagagem de mo, e eu daria muito nas vistas se embarcasse levando apenas uma lata de coca-cola. Depois, comprei uma pasta de dentes e outras insignificncias do gnero, ao mesmo tempo que me mantinha de olho alerta para ver Euan. Sabia que ele estaria colado a Kerr e McGear.Havia muito movimento na zona de partidas, e os bares faziam bom negcio. Vislumbrei Euan do lado de l do terminal, sentado mesa de um caf, lendo um jornal e com uma grande caneca de caf cremoso frente. Euan era baixote e tinha o rosto coberto de acne. Era dono da maior mota do Mundo; o problema que mal conseguia aguentar-se em cima dela, porque quase no chegava com os bicos dos ps ao cho. esquerda, havia um bar. A julgar pela posio em que Euan estava sentado, apostaria que era a que se encontravam os personagens. No me dei ao trabalho de olhar; sabia que Euan havia de mos indicar. No havia pressa.Ao sair da loja de utilidades, olhei para o caf e estabelecemos contacto visual. Encaminhei-me para ele, todo sorrisos, como se acabasse de deparar com um amigo que no via h muito tempo. Tinha de parecer um encontro casual, mas no to exuberante que atrasse as atenes. Euan soergueu-se da cadeira e retribuiu-me o sorriso.- Ol, cabea dura, o que ests aqui a fazer? - Fez-me sinal para lhe fazer companhia, e sentmo-nos ambos.- Onde que eles esto? - inquiri, como quem pergunta pela famlia.- Mais ou menos minha esquerda fica o bar. Olha para a direita da televiso. Esto sentados. Um deles de bluso de ganga, o outro de casaco comprido de camura. Kerr o que est do lado direito. Agora chama-se Michael Lindsay. McGear Morgan Aslidown.- J fizeram o check-in?- J. S registaram bagagem de mo.- Para duas semanas em Washington?- So porta-fatos. Dirigi-me ao balco e pedi dois cafs. Ambos tinham todo o aspecto de turistas - bem escanhoados, cabelo aparado, nem muito aprumados como homens de negcios, nem desalinhados como dois vagabundos. No fundo, com uma aparncia to trivial que ningum olharia para eles duas vezes, o que significava que se tratava de autnticos profissionais, j muito acima daqueles bandalhos que andam por a a quebrar rtulas.Regressei mesa com os cafs. Queria sacar o mximo de informaes a Euan antes de eles embarcarem. Pegando na deixa, ele comeou:Estabeleci o primeiro contacto com McGear em Derry. Foi s instalaes do Sinn Fein, na Cable Street, provavelmente para receber instrues, seguindo depois para Belfast. E, a bem dizer, no h mais nada a relatar. Passaram a noite nos copos e depois, vieram para aqui. Chegaram h umas duas horas. Compraram os bilhetes com carto de crdito, emitido com os seus nomes fictcios. O disfarce deles bom.- Onde que eles vo ficar, em Washington?- No sei. Foi tudo muito repentino, e a Pscoa uma altura de grande movimento. tudo? - perguntei., A partir daqui contigo. - Assunto arrumado, no que dizia respeito a Euan. Agora, era altura de um pouco de conversa social. Continuas a ver Kev com frequncia?Bebi um gole de caf e acenei afirmativamente com a cabea.- Continuo. Agora, est em Washington; no est a dar-se mal. As midas e Marsha esto bem. Estive com eles vai para quatro meses. Compraram h pouco tempo um casaro num daqueles condomnios finos. E aquilo que pode chamar-se de habitaes para executivos.Euan sorriu. Ele morava uma antiga casinhota de pastor de ovelhas, de paredes de pedra, nas Black Motintains do Pas de Gales.Marsha era americana e a segunda mulher de Kev. Aps deixar o Regimento, ele fora com ela para os Estados Unidos e ingressara no Departamento de Combate Droga. Tinham duas filhas.- E Pat, ainda est por l?- Acho que sim, mas sabes como ele : num minuto decide aprender construo civil, no minuto seguinte resolve dedicar-se ao croch. S Deus sabe o que andar a fazer agora.Durante dois anos, Pat fora guarda-costas da famlia de um diplomata rabe colocado em Washington, DC. Quando as crianas que protegia haviam regressado Arbia Saudita, ele desistira de trabalhar, comeando a vaguear sem destino. Acontecia que tinha ganho tanto dinheiro durante aqueles dois anos que no tinha pressas.Continumos a nossa conversa, mas o olhar de Euan nunca largava os alvos. Eles pediram outra bebida, mas finalmente comearam a dar sinais de se prepararem para seguir viagem.- Parece que ests de partida, camarada - murmurou Euan.- Dou-te uma apitadela depois de isto acabado - prometi. - A ver se combinamos qualquer coisa.Euan fez que sim com a cabea. Vi que continuava a observar os dois personagens a reunirem as suas coisas e a sarem do bar.No me precipitei; no havia necessidade de os seguir imediatamente. Levantei-me com calma. Gostara de tomar a ver Euan. Apertmos as mos e afastei-me. Depois, virei-me e topei-os logo. Levavam os porta-fatos ao ombro.Segui-os at sala de embarque e, de caminho, peguei num jornal que estava em cima de uma cadeira. O que ia eu fazer, uma vez chegado a Washington? No sabia se estaria algum espera deles, se iam apanhar um txi ou o autocarro ou sequer se teriam reservado um hotel. Conhecia Washington mais ou menos, mas no ao pormenor.McGear ps-se a remexer nos bolsos procura de trocos enquanto conversavam junto ao bar. Sacou de uma nota, dirigiu-se ao empregado do balco e percebi que estava a pedir que lhe trocasse a nota. De seguida, encaminhou-se para um dos telefones.Levantei-me e aproximei-me calmamente da loja de revistas, fingindo estar a dar uma vista de olhos pelos livros do expositor.Entretanto, ele levantou o auscultador, colocou na ranhura duas moedas de uma libra e marcou um nmero. Reparei que o nmero que marcara estava escrito num papel, pelo que no lhe era familiar. Olhei para o relgio. Eram 16.16.Levei a mo ao bolso procura de moedas. Tinha duas libras e meia. Para o que queria fazer ia precisar de mais, por isso entrei na loja e comprei um jornal com uma nota de 20 libras.McGear terminou a chamada e regressou ao bar. Aqueles meninos no iam a parte nenhuma; pediram mais cerveja.Esperei dois ou trs minutos, aps o que me dirigi para o mesmo telefone que McGear acabara de utilizar. Levantei o auscultador, introduzi duas moedas de libra na ranhura e marquei um nmero de Londres. Atendeu-me uma voz de mulher:- Boa tarde. O seu PIN, por favor?- o 2422. Preciso de um registo das chamadas efectuadas desta linha, por favor. Desde as 16.13 at agora.- Muito bem. Quer que lhe ligue ou volta a telefonar?- Eu volto a telefonar. Daqui a dez minutos?- Perfeito. At j. E pronto. Fosse em que parte do Mundo fosse, bastava um telefonema e a Finna faria o rastreio das chamadas.Voltei a telefonar dez minutos depois. Passmos pela mesma rotina do PIN, aps o que ela informou:- um nmero de Washington, DC: 703 661 8230, Washington Flyer Taxis, EUA.Tomei rapidamente nota do nmero, desliguei e marquei-o de imediato.Bom dia, Washington Flyer Taxis, fala Gerry. Em que posso ser-lhe til hoje?- Gostava de saber se um tal Mr. Aslidown ou ento Mr. Lindsay teriam pedido um txi. Preciso de confirmar se conseguiro chegar a tempo a uma reunio.- Sim, senhor. Acabmos de receber o pedido. Recepo em Dulles, chegada no voo ...Atalhei de imediato:- E vo deix-los ao hotel ou trazem-nos directamente para o meu escritrio na Tyson's Comer?- Deixe-me ver ... o destino o Westin, na Rua M.- Est bem. ptimo, obrigado. Agora, bastava-me tentar chegar ao Westin antes deles. A menos que me tivessem topado e estivessem a dar-me uma pista falsa.O VOO PARA Londres estava pronto para acolher os passageiros. Vi-os levantarem-se, empunharem os cartes de embarque e avanarem. Segui-os.Em casos destes, viaja-se sempre em classe executiva para ficarmos na parte da frente do avio. Assim, podemos optar por nos sentarmos e observarmos as pessoas medida que vo embarcando, ou deix-las embarcar primeiro e s depois entrar no avio. chegada ao destino, podemos aguardar que o alvo saia do avio e seguir com naturalidade atrs dele, ou sair primeiro para ficarmos prontos a top-lo sada do edifcio das chegadas.Ao acomodar-me no meu lugar, o meu pensamento voou para Kev e a sua famlia. Eu testemunhara o primeiro encontro dele com Marsha, era padrinho de casamento deles e at padrinho de baptismo de Aida, a sua segunda filha.Eu sabia que nunca teria filhos meus; andava sempre demasiado ocupado em misses deste gnero um pouco por toda a parte. Kev e Marsha sabiam disso e tentavam fazer todo o possvel para que eu me sentisse como parte da famlia. A mim sempre me cativara a miragem de uma famlia perfeita, e, pelo que me dizia respeito, a de Kev era assim. A sua funo no DEA (Departamento de Combate Droga) consistia agora basicamente em trabalho de secretria em Washington. Ele adorava o emprego. A casa deles era num stio saudvel e encantador, mas, ao cabo de trs ou quatro dias, eu comeava a sentir-me farto e tinha de mudar de ares. De certa forma, era-me difcil lidar com pessoas que demonstravam por mim uma to grande afeio.E Pat? Era mais novo do que Kev - quarenta e poucos anos -, tinha cabelo louro e olhos azuis; era bem-parecido, inteligente, bem-falante, tinha sentido de humor, tudo aquilo que eu odiava. Media mais de um metro e oitenta e cinco, era atltico por natureza, quase no necessitando de fazer qualquer exerccio fsico. Contudo, chegara-me aos ouvidos recentemente que tinha problemas com drogas. A notcia deixou-me triste. Todos presenciramos os efeitos provocados pela dependncia durante a nossa estada na Colmbia. Nessa altura, Pat chamara-lhes uns vencidos; hoje, parecia ser ele prprio um deles. Com sorte, talvez se tratasse apenas de mais uma das suas fases.A TRANSFERNCIA ENTRE voos em Heathrow decorreu com normalidade. Os alvos no foram detidos nos postos de controle de segurana- provavelmente porque a Brigada Especial fora avisada -, e o voo para Washington descolou no horrio.Agora, ao iniciarmos a descida, apertei o cinto, endireitei as costas da cadeira e olhei pela janela para a Amrica. Era uma panormica que me fazia sentir sempre bem. Havia nela um no-sei-qu de oportunidades, de espao, de que tudo era possvel ali, e era uma sensao contagiosa.Esperava que McGear e Kerr se dirigissem directamente para o hotel. Precisava de me antecipar a eles, mas isso no devia constituir problema, j que os passageiros da executiva dispunham do seu prprio autocarro para os conduzir ao terminal antes do resto do rebanho. Contudo, necessitava de apanhar rapidamente um txi se quisesse bat-los na corrida para o Westin Hotel.Sa do terminal de chegadas por duas grandes portas automticas directamente para um semicrculo de parentes dos viajantes e de motoristas de limusinas que ostentavam quadros com nomes, virei esquerda e, depois de percorrer uma longa rampa, sa para o calor e para a luz radiosa do dia.Havia j uma fila de gente espera de txi. Fiz um clculo rpido e cheguei concluso de que o nmero limitado de txis no conseguiria escoar aquela quantidade de passageiros. Dirigi-me ento para o fundo da fila de txis e acenei com uma nota de 20 dlares a um dos motoristas. Ele fez um sorriso cmplice e acenou-me para que entrasse rapidamente. Uma nota adicional de 20 em breve o ps a todo o gsao longo da estrada de Dulles em direco a Washington, DC. Os arrabaldes da cidade comeavam a cerca de vinte e cinco quilmetros do aeroporto e eram constitudos principalmente por uma sucesso de edifcios vulgares de um e outro lado da estrada de cintura.Atravessmos o Potomac e entrmos na cidade dos monumentos.O Westin era o prottipo do bom hotel americano: limpo, simples e totalmente desprovido de carcter. Ao entrar no trio, fiz um rpido reconhecimento do local e subi um pequeno lano de escadas que conduzia esplanada de uma cafetaria sobranceira rea da recepo. Encomendei um caf duplo.Aps mais dois cafs, Kerr e McGear apareceram na porta rotativa com um ar muito descontrado. Foram direitos recepo. Coloquei uma nota de 5 dlares debaixo do pires e encaminhei-me vagarosamente para o trio.Agora, era apenas uma questo de escolher a altura certa; havia uma fila considervel de gente diante do balco e, por isso, no conseguia ouvir o que McGear e Kerr diziam; era, porm, evidente que estavam a fazer o registo de entrada. Kerr entregou um carto de crdito para a recepcionista passar na mquina, sendo assim chegada a altura de eu fazer a minha aproximao. direita deles, encontrava-se um expositor com folhetos informativos anunciando tudo, desde restaurantes a circuitos tursticos em trolley-bus. Postei-me a cerca de dois metros, de costas para eles. Dei claramente a entender que estava a passar em revista os folhetos e que no precisava de ajuda.- Aqui tm, meus senhores - disse a recepcionista. - Vo ficar no quarto 403. Virando esquerda nas colunas, logo deparam com o elevador. Passem um bom dia.Agora, s precisava de escutar as conversas que tivessem no quarto, e para isso dirigi-me fiada de telefones pblicos do trio e liguei novamente para a Firma.Uma voz feminina pediu-me o PIN, e depois de lho dar, eu acrescentei:- Queria um quarto, por favor. No Westin, na Rua M, em Washington, DC. O 401 ou o 405, ou ento o 303 ou o 503. Volto a ligar dentro de meia hora.Agora, eles iriam ligar para o hotel utilizando o nome de uma companhia de fachada e reservar um dos quartos que eu especificara. Era indiferente que o quarto ficasse por cima, ao lado ou por baixo do dos alvos, desde que pudesse entrar l e instalar aparelhos de vigilncia.Regressei esplanada sobranceira recepo e pus-me a ler alguns dos folhetos que recolhera, sempre com um olho na sada para a Rua M.Passei mentalmente em revista o equipamento de vigilncia que tinha de requisitar: aparelhos de escuta para montar nas paredes, aparelhos de ligao linha telefnica e cabos de ligao ao televisor do meu quarto para reproduzir imagens. Levar-me-ia apenas trs horas a montar essa aparelhagem toda logo que a Firma ma entregasse.Meia hora depois, liguei o nmero do meu contacto e voltei a indicar o meu PIN. Seguiram-se alguns rudos metlicos, depois os acordes de um quarteto de cordas. Cinco segundos depois, a mulher regressou linha.- Tem de abandonar o local e regressar ainda hoje. Favor acusar recepo.Pensei que percebera mal.- Importa-se de repetir?- Tem de abandonar o local e regressar ainda hoje. Favor acusar recepo.- Sim, entendi. Devo abandonar o local e regressar ainda hoje.O telefone emudeceu. Pousei o auscultador. Que estranho. O assunto urgente terminara abruptamente. Talvez Siminonds tivesse chegado concluso de que aqueles tipos afinal no eram to importantes.Depois, pensei: "Ento? Quero l saber." Para todos os efeitos, haviam-me encarregado de um trabalho e eu tinha-o feito. Liguei para a agncia de viagens e tentei marcar um voo para Londres. O nico que consegui foi o da British Airways das 21.35, o que significava que tinha ainda bastante tempo minha frente. Kev e Marsha ficavam s a uma hora de distncia dali, portanto, porque no?Novo telefonema, e foi Kev que atendeu. ptimo; ele sara do escritrio mais cedo. A sua voz denotava uma certa cautela, mas logo que reconheceu a minha, exclamou:- Nick! Como que ests? - Parecia verdadeiramente contente de me ouvir.- Vai-se andando. Estou em Washington.- Que que ests c a fazer? N, no quero saber! Vens visitar-nos?1 - Se no estiverem muito ocupados. Regresso esta noite a casa. E s um ol e adeus, OK?- Tens alguma hiptese de vir j? Acontece que estou mesmo com uma coisa em mos e gostava de saber a tua opinio. Acho que vais ficar encantado com esta!- Tudo bem, p. Vou alugar um carro e sigo j para a.- Marsha vai querer esmerar-se na cozinha. Dou-lhe a novidadeassim que ela chegar com as crianas. Jantas connosco e depois levo-te ao aeroporto. Nem vais acreditar no que tenho aqui. Os teus amigos do outro lado do mar no tm tido mos a medir.- Estou ansioso para ver.SEGUINDO PARA OESTE pela auto-estrada, ia a pensar no que Kev teria para me dizer. Amigos do outro lado do mar? Kev trabalhava noDEA e, que eu soubesse, no tinha qualquer ligao com o IRA Provisrio. Devia s precisar de umas informaes quaisquer.Ao sair da auto-estrada, parecia ter entrado nos verdes subrbios do Surrey, com moradias isoladas bordejando a estrada. Segui de memria para a propriedade de Kev, virando para a rua dele, Hunting Bear Path. A casa ficava l em cima, direita. Ao aproximar-me, vi logo a carrinha Daffiatsu deles, aquela coisa enorme onde Marsha enfiava as crianas para as levar escola. Colado ao vidro traseiro, estava um grande gato Garfield de peluche. Mas no vi o carro de Kev. Ele guardava-o habitualmente na garagem, longe da vista dos predadores.Ningum veio acolher-me ao caminho. As casas ficavam a distncia considervel umas das outras, pelo que tambm no avistei nenhum vizinho, mas isso no me surpreendeu - os arrabaldes de Washington so bastante sossegados durante o dia.Entrei no caminho de acesso e preparei-me para a emboscada; sabia por experincia que seria literalmente assaltado: as crianas vinham correndo ao meu encontro, com Kev e Marsha logo atrs. Sa do carro e dirigi-me para a porta da frente. Nenhuma emboscada. Por enquanto, tudo bem.A porta estava entreaberta. Empurrei-a para trs e chamei:- Ol! Ol! Est algum em casa? Nenhuma resposta. Passando a porta de entrada, havia um grande hall rectangular onde se abriam outras portas para as diversas dependncias do piso trreo. Da cozinha, minha direita, vinha o som de uma voz feminina no rdio.Das crianas nem rasto. Dirigi-me em bicos dos ps para a cozinha, de onde provinha o som. A minha esquerda, ficava a porta da sala, que se encontrava entreaberta. Ao passar por ela, no espreitei l para dentro, mas a minha viso perifrica apanhou qualquer coisa que me fez deter, rgido. Virei lentamente a cabea.Kev jazia por terra com a cabea esmagada por um taco de basebol. Percebi isso porque vi o taco no cho a seu lado. Era um taco que ele me mostrara aquando da minha ltima visita. Contara-me na ocasio que os rufias locais chamavam a esses tacos "os detectores de mentiras do Alabama".Fiquei pregado ao cho. Interroguei-me sobre o que seria feito de Marsha e das crianas. Estaria o assassino ainda dentro da casa?Tinha de me munir de uma arma. J no podia fazer nada por Kev. Deixei de pensar nele, sabendo unicamente que precisava de uma das suas pistolas. De cada lado da lareira da sala havia estantes, e eu sabia que na quarta prateleira de cima do lado direito estava o dicionrio mais volumoso do Mundo e que, por detrs dele, escondida da vista e um pouco acima do nvel da cabea de uma pessoa, encontrava-se uma volumosa pistola pronta a disparar.Corri para a estante, levantei o brao e agarrei na pistola, dando logo meia volta e agachando-me em posio de tiro. Era uma Heckler & Koch USP de 9 mm, uma arma fantstica.Respirei fundo por diversas vezes. E agora? Tinha o carro l fora; se os vizinhos o vissem e lhe fosse seguido o rasto, seria um desastre completo. Eu continuava sob identidade falsa. Se fosse descoberto, isso queria dizer que a minha misso tambm seria, e no havia qual- quer hiptese de o SIS me dar apoio. Tratava-se de uma misso clandestina. Estava por minha conta e risco.Lancei um rpido olhar a Kev, s para verificar se ainda respirava. Nem pensar. Estava morto e havia sangue salpicado na mesinha de caf de vidro e na espessa alcatifa de l. Curiosamente, fora isso, no se notavam muitos sinais de luta.Tinha de verificar se Marsha e as crianas no se encontrariam algures em casa, amarradas noutra diviso ou subjugadas por um qualquer patife com uma pistola apontada s suas cabeas. Tinha que passar revista casa.A primeira diviso que tinha de revistar era a cozinha; era a que ficava mais prxima, alm de que era a nica de onde provinha som. Passei por cima de Kev de pistola em punho; para onde os meus olhos apontassem, a pistola apontava tambm.No corredor no havia nada. A porta da cozinha abria para dentro. Rodei o manpulo, dei um empurro na porta e logo um passo atrs, para o caso de haver alguma reaco.Nada, pelo que avancei e abri a porta completamente. Havia comida a meio da preparao. Kev dissera que Marsha quereria fazer alguma coisa de especial. Havia legumes e embalagens de carne j abertas. O rdio tocava uma msica rock suave, e a mquina de lavar estava a funcionar. A mesa estava meio posta.Encaminhei-me cautelosamente para o outro extremo da cozinha e tranquei a porta para a garagem. No fazia sentido revistar o piso trreo da casa e depois permitir que os bandidos entrassem atrs de mim.Regressei ao hall. A ltima dependncia do piso inferior era o escritrio de Kev, onde fora tudo atirado ao cho; os armrios de arquivo tinham sido abertos e os papis espalhados por todo o lado. A nica coisa que no fora esventrada fora o computador pessoal de Kev.Sa do escritrio e comecei a subir as escadas. A mquina de lavar estava na ruidosa acelerao final. O rdio continuava a transmitir msica rock suave. Nada mais.Estava agora diante do quarto das midas. Detive-me e preparei-me para o pior.Mas o quarto estava limpo e perfeitamente arrumado. Sobre as camas havia montes de brinquedos e de peluches. O tema predominante era a Pocahontas. Dirigi-me lentamente para o quarto seguinte: o de Kev e Marsha. Ao aproximar-me, tive o primeiro lampejo de Marsha. Estava ajoelhada junto da cama, com a metade superior do corpo sobre o colcho, de braos abertos; a coberta da cama, ensopada em sangue.Deixei-me cair de joelhos no corredor em estado de choque. No acreditava que aquilo pudesse ser verdade. Porqu matar Marsha? Era de Kev que deviam andar procura. S me apetecia sentar-me a chorar, mas sabia que as crianas j tinham vindo para casa e que podiam ainda encontrar-se l.Fiz um esforo para me controlar e entrei, obrigando-me a ignorar Marsha. A pesquisa seguinte era na casa de banho do quarto. Entrei eo que vi fez-me perder completamente o controle. Catrapumba, ca para trs contra a parede, de onde resvalei para o cho. Aida estava cada entre a banheira e o lavatrio. Havia sangue por todo o lado. Eu j tinha sangue na camisa e nas mos; tentava respirar fundo enquanto esfregava os olhos com as mos. Sabia que ainda me faltava revistar mais duas dependncias: a outra casa de banho e o grande anexo que ficava por cima da garagem. No podia desistir agora, pois havia a hiptese de eu prprio vir a ser tambm abatido.Passei revista a essas duas dependncias e acabei sentado no patamar, meio desfalecido. As minhas pegadas ensanguentadas estavam espalhadas por toda a alcatifa.Pra, acalma-te e pensa. Qual era o passo seguinte? Kelly. Onde diabo estava Kelly? Ento, lembrei-me do esconderijo. Dado o tipo de ocupao de Kev, as crianas sabiam ambas para onde dirigir-se e onde esconder-se em caso de emergncia, e se era a que Kelly se encontrava, estaria em segurana de momento. Seria mesmo melhor deix-la ficar por l enquanto eu fazia o resto que tinha a fazer.Fui cozinha buscar um pano e um saco de lixo e comecei a limpar os manpulos das portas e todas as outras superfcies onde pudesse ter deixado impresses digitais. Depois, dirigi-me s portas de correr da varanda e corri as cortinas. Lancei uma olhadela rpida a Kev e apercebi-me de que estava de novo perfeitamente senhor de mim. Neste momento, para mim, ele j no passava de um corpo morto. Sa da sala e fechei a porta.Voltei a subir as escadas, lavei a cara e as mos do sangue que as cobria e retirei do guarda-fatos de Kev uma camisa lavada, unsjeans e um par de tnis. As roupas no me serviam bem, mas para j tinham de dar. Enrolei a minha roupa manchada de sangue e coloquei-a dentro do saco de lixo. Depois, fui inspeccionar a garagem. Podia perfeitamente comportar mais trs veculos alm do carro de servio de Kev, um Caprice Classic. As bicicletas das midas pendiam de armaes fixadas na parede, junto de todas aquelas coisas suprfluas que as famlias costumam guardar nas garagens. No estava l ningum.O "buraco escondido", como Kev o baptizara, estava construdo por debaixo de uma escada aberta que conduzia a um pequeno sto cheio de tralha. Sempre que ele ou Marsha pronunciassem a palavra "Disneylndia", as crianas sabiam que tinham de ir esconder-se ali e no sair de l at que o pai ou a me as fossem l buscar.- Kelly! - chamei muito baixinho. - Nick! Ol, Kelly, onde que tu ests?Estava ali uma pilha de caixotes grandes. Um deles fora de um frigorfico, outro, de uma mquina de lavar roupa. Kev construra com eles uma espcie de cave por debaixo da escada e colocara l alguns brinquedos.Enfiei a pistola pelo cs das calas. No queria que ela visse uma arma. Nesse dia, j teria provavelmente visto demasiadas.Aproximei a boca de um intervalo existente entre as caixas.- Kelly, sou eu, Nick. No te assustes. Vou gatinhar at onde ests. Pus-me de gatas e continuei a falar docemente, ao mesmo tempo que ia removendo algumas caixas e esgueirando-me pelo buraco. E l estava ela, encarando-me com os olhos arregalados de terror, toda enrolada, balanando-se para trs e para diante com as mos nos ouvidos.- Ol, Kelly! - sussurrei com brandura. Ela devia ter-me reconhecido, mas no respondeu. Continuou a balanar-se e a olhar para mim com os olhos escuros muito abertos.Arrastei-me para dentro do buraco at que fiquei agachado junto dela. Estivera a chorar. Tinha fios de cabelo castanho-claro colados ao rosto e os olhos vermelhos e inchados.- Ests um bocadinho trapalhona - disse eu. - No queres que eu te ajude a lavar? Anda, vamos sair daqui e vamos pr-te bonita, queres? - Peguei-lhe na mo e, com toda a brandura, conduzi-a l para fora, para a garagem.Ela estava de calas e camisa de ganga, sapatos de tnis e um bluso acolchoado de ny1on azul. Era bastante alta e magra para sete anos, tinha pernas altas e esguias. Peguei-lhe ao colo e levei-a para a cozinha bem apertada a mim. As outras portas encontravam-se fechadas, por isso ela no viu o pai.Sentei-a numa cadeira junto da mesa.- Os teus pais disseram que tinham de sair e se demoravam um bocado, mas pediram-me que olhasse por ti at eles voltarem, est bem?Ela tremia tanto que fiquei sem saber se a cabea dela acenava a dizer que sim ou de terror. Dirigi-me ao frigorfico e abri-o, na esperana de encontrar qualquer coisa que a reconfortasse. Havia uma grande tablete de chocolate na prateleira- Mnham, ninham ... queres um bocadinho de chocolate? - perguntei, partindo uns quadrados e colocando-os diante dela.Eu tinha um bom relacionamento com Kelly. Achava-a uma mida fantstica. Sorri-lhe afectuosamente, mas ela no tirava os olhos da mesa.Subitamente, apercebi-me de que no estava a medir bem a gravidade da situao. O que ia eu fazer com ela? No podia deix-la ali simplesmente; tinha familiares mortos por toda a casa. Mas, mais importante ainda, ela conhecia-me. Quando a Polcia chegasse, ela diria que Nick Stone tinha l estado. E a Polcia rapidamente descobriria que Nick Stone era um dos amigos do pai.O casaco de Kev estava pendurado numa das cadeiras.- Vamos tapar-te com o casaco do teu pai. Assim, ficas mais quentinha. - Pelo menos, sempre era uma coisa que pertencera ao pai; com um pouco de sorte, podia ser que isso a animasse.Como resposta, apenas um choramingo. Embrulhei-a no casaco. Num dos bolsos estava um telemvel.Fui espreitar pela janela. No notei qualquer movimento. Peguei no saco de lixo e na mo de Kelly e samos da cozinha para o caminho de acesso. Ela parecia ter dificuldade em andar. Tive de pegar no casaco de Kev pela gola e quase arrast-la para dentro do carro.Coloquei-a no banco da frente e sorri-lhe.Ora a est! Aqui vais bem e quentinha. - Atirei o saco de lixo para o banco de trs e arrancmos com toda a calma, nada que desse nas vistas.Tnhamos percorrido cem metros quando me lembrei de uma coisa. Olhei de lado para ela e disse-lhe:- Kelly, pe o cinto de segurana.O QUE QUE havia de fazer?, pensava eu enquanto conduzia para ocentro da cidade. O que quer que eu decidisse, uma coisa era certa: no era bom ficarmos onde estvamos naquele momento; precisvamos de nos embrenharmos numa multido.Virei-me para Kelly e sorri, tentando fazer o papel do Tio Nick Sempre Bem-Disposto, mas no estava a resultar. Ela olhava ansiosamente pela janela.- Est tudo bem, Kelly. - Tentei afagar-lhe o cabelo. Ela afastou a cabea para o lado. Deix-lo. Se era assim que ela queria ... Com sorte, em breve me veria livre dela.Volvi o pensamento para Kev. Ele dissera que tinha informaes acerca dos meus "amigos do outro lado do mar". Poderia dar-se o caso de ele ter sido liquidado pelo IRA Provisrio? Mas porqu? Era altamente improvvel que tivessem comeado a asneirar daquela maneira, pelo menos ali na Amrica.Havia outras coisas que tambm no batiam certo. Porque no houvera luta? Por que razo a porta da frente se encontrava aberta? Em nenhuma circunstncia aquilo podia ter acontecido. As pessoas no entravam assim sem mais nem menos em casa de Kev; tinham de ser convidadas.Sabia que tinha um problema: precisava de me ver livre daquele carro porque, se algum me tivesse visto, estabeleceria a ligao entre mim e a casa. Precisava de um stio onde o deixar que no fosse isolado, mas tambm onde no houvesse cmaras de vdeo. Abandonar umveculo no meio de centenas de outros num parque de estacionamento, a uma hora de grande movimento, pode parecer boa soluo primeira vista, mas noite provvel que seja o nico carro l estacionado, dando ento nas vistas, e ser certamente inspeccionado pelas patrulhas da Polcia. O que eu procurava era um stio que fosse realmente movimentado de dia e de noite. Enquanto conduzia, ocorreu-me aquilo que devia fazer. Avistei um Best Westem Hotel minha esquerda e um centro comercial numa artria fechada ao trnsito minha direita.Estacionei. Aquilo estava quase lotado. Pus a mo em concha sob o queixo de Kelly e virei-lhe delicadamente a cabea de frente para o meu grande sorriso.- Sabes que mais? Vamos ali ao centro comercial. Achas bem? Ela desviou o olhar. Prossegui como se ela me tivesse dado uma resposta afirmativa. Tirei-a do carro, fechei a porta e tranquei-a. Ignorei as nossas impresses digitais, j que, por mais que me esforasse, nunca conseguiria apag-las todas. Por conseguinte, para qu perder tempo? Abri o porta-bagagem e tirei de l o saco, que adquirira em Shannon, onde enfiei o saco de lixo cheio de roupas ensanguentadas.Parecia que ia chover. Dirigimo-nos ao centro comercial e fui sempre a falar com ela. Que outra coisa pode fazer-se quando se vai com uma criana que no nos pertence e que no quer estar connosco?Tentei dar-lhe a mo, mas ela recusou. No podia insistir com aquela gente toda nossa volta, por isso agarrei-a pelo ombro do casaco.Havia de tudo no centro comercial. Entrmos numa loja de roupa onde comprei para mim um par de jeans e uma camisa. Mudaria de roupa assim que pudesse tomar um duche. Levantei 300 dlares numa mquina ATM, o mximo que o meu carto me permitia.Regressmos ao parque de estacionamento, mas no ao carro. Levando-a sempre bem segura pelo casaco, atravessei a rua e encaminhmo-nos para o Best Westem Hotel.O BEST WESTERN era um edifcio rectangular de quatro pisos com uma arquitectura muito anos 80. Todas as fachadas eram de beto e de uma cor amarelada enjoativa. J no interior do trio, pus a mo noombro de Kelly e segredei-lhe ao ouvido:- Fica aqui sentada enquanto eu vou arranjar um quarto para ns.- Dei-lhe para a mo um folheto de promoo turstica que estava ali em cima de uma cadeira, mas ela ignorou-o completamente.A um canto, junto da mquina de caf e leite, encontrava-se um grande aparelho de televiso. Estavam a transmitir um desafio de futebol. Dirigi-me recepcionista, que tinha os olhos postos no ecr.- Preciso de um quarto duplo s para uma noite, por favor pedi, todo sorrisos.Com certeza - retorquiu ela, qual aluna graduada com palma e louvores da escola de charme da Best Western. - Sessenta e quatro dlares mais IVA. Importa-se de preencher este formulrio, por favor?Enquanto eu comeava a escrevinhar, ela pegou no meu carto de crdito e passou-o na mquina. Devolveu-mo pouco depois.- Aqui tem, Mr. Staraford. Quarto 224. Onde que tem o carro?- Ali mesmo ao virar da esquina. - Apontei vagamente para as traseiras do hotel.- Muito bem, se estacionar o carro junto das escadas onde ficam as mquinas do gelo e da coca-cola, s tem que virar esquerda no topo das escadas e logo ver o quarto 224 do seu lado esquerdo. Tenha um bom dia!Eu seria capaz de descrever o quarto antes mesmo de abrir a porta: um aparelho de televiso, duas camas de casal, um par de cadeiras e muita madeira envernizada em tons escuros.Eu queria instalar Kelly rapidamente para poder telefonar. Peguei no telecomando da televiso e comecei a passar os canais em revista. Por fim, l encontrei um programa de desenhos animados.- Lembro-me deste; muito bom. Vamos v-lo? Ela sentou-se na cama com os olhos fixos em mim. A expresso do seu rosto dizia que no apreciava por a alm aquela escapadela e eu percebia-a perfeitamente.- Kelly - prossegui -, vou deixar-te aqui sozinha apenas por dois ou trs minutos porque tenho de fazer um telefonema. Quando vier, trago-te uma bebida. De qual que gostas mais? Coca-cola? Ou preferes rebuados? - No houve qualquer reaco, por isso continuei: - Vou deixar a porta fechada, e tu no a abres a ningum. A ningum mesmo, combinado? Deixa-te estar a sentada, entretm-te, que dentro de cinco minutos eu estou de volta, combinado?Continuou a no haver qualquer reaco. Pendurei na porta o dstico NO INCOMODAR e sa.Sa porque no queria que ela ouvisse o telefonema que ia fazer. No percebia muito de crianas, mas lembrava-me de que, aos sete anos, nada me passava despercebido l em casa. Tirei o telemvel de Kev do bolso do casaco dele, mas quando premi o boto para o ligar, ele pediu-me um PIN. Tentei os dois mais bsicos: os quatro zeros, que o que acontece quando a fbrica no atribui um nmero especfico, e depois o 1234. Nada, portanto desliguei-o e meti-o no bolso. Depois, perguntaria a Kelly se sabia quais eram os algarismos.Voltei esquerda e dirigi-me a umas cabinas telefnicas pblicasque ficavam do outro lado da rua. Demorei uns momentos a preparar mentalmente o que queria dizer, depois liguei para Londres.- O seu PIN, por favor? - ouvi de imediato. Dei-lho. Ela retorquiu:- Um momento. Segundos depois, a linha emudeceu. Estranho. Liguei novamente, indiquei o meu PIN e a ligao voltou a cair.Que raio se passava? Tentei tranquilizar-me, dizer a mim prprio que era apenas uma falha de comunicao, mas no fundo sabia que isso no era verdade. Tinha forosamente de ser uma atitude deliberada.Numa estao de servio, comprei qualquer coisa para comer e beber a fim de podermos manter-nos dentro do quarto, fora das vistas, depois atravessei a rua e regressei ao hotel.Abri a porta do quarto, dizendo ao mesmo tempo:- Trouxe aqui montes de coisas: chocolates, coca-cola, sanduches, batatas fritas.Kelly estava deitada na cama. O filme de desenhos animados j terminara e agora ouvia-se uma voz a falar naquele tom incisivo que os jornalistas utilizam na leitura dos noticirios; mas no prestei grande ateno ao que dizia. Estava mais interessado em obter as boas graas daquela menina. Tudo indicava que eu estava a ficar rapidamente sem amigos e, embora ela tivesse apenas sete anos, queria t-la do meu lado.Foi ento que tomei conscincia do que se passava. A voz factualda reprter na televiso estava a dizer:- Os vizinhos informaram ter visto um homem branco, aparentando cerca de quarenta anos, com perto de um metro e oitenta, constituio mdia e cabelo castanho curto. Ter chegado num Dodge branco com matrcula da Virgnia cerca das duas horas e quarenta e cinco minutos de hoje. Temos aqui connosco o tenente Davies, da Polcia do Fairfax Coutity ...Peguei no telecomando e premi o boto de desligar.- Ei, parece que ests com sono. Queres ir deitar-te? - Como no obtivesse resposta, acrescentei: - J sei, do que precisas de umbom banho quente.Era uma forma de lhe dar algo de diferente em que pensar e que talvez a arrancasse do estado de apatia em que se encontrava. Alm disso, queria que ela andasse limpa e bem arranjada. Sempre era a filha do meu amigo. Abri as torneiras e gritei para dentro do quarto:- Vamos l ento; comea a despir-te. Ela no respondeu. Voltei ao quarto, sentei-me aos ps da camae comecei a despi-la. Pensei que fosse resistir, mas, pelo contrrio, deixou-se ficar placidamente sentada enquanto eu lhe ia tirando a roupa. Levei-a depois ao colo para a casa de banho. Experimentei a temperatura da gua, meti-a na banheira, e ela sentou-se sem dizer palavra.Passei-lhe o sabo para a mo, mas ela limitou-se a olhar para ele, pelo que tive eu de a lavar. Depois, tirei-a da banheira e limpei-a.- Ora bem, vamos l a vestir-te umas roupas. Quando estava a enfiar-lhe a camisola interior, ela perguntou emvoz baixa:- A me e o pai morreram, no morreram? Enfiar-lhe os braos na camisola revelou-se subitamente um exerccio difcil.- Porque que dizes isso? J te disse que s estou a tomar contade ti por algum tempo.- Quer dizer que vou voltar a ver a me e o pai? No tive coragem de lhe contar.- Claro que sim. O que se passa que eles tiveram de ir viajar muito pressa. J no tinham tempo de ir buscar-te, mas pediram-me para cuidar de ti entretanto.Seguiu-se uma ligeira pausa, durante a qual fui buscar as cuecasdela, lhas enfiei pelos ps e lhas puxei para cima.- Porque que eles no quiseram levar-me, Nick? - Aquilo parecia faz-la infeliz.Dirigi-me para a cadeira e peguei nos Jeans e na blusa dela. No queria que me visse os olhos.- No foi que no quisessem levar-te com eles, mas houve um mal-entendido e foi por isso que me pediram que tomasse conta de ti.- Ento, quando que eu vou v-los? Voltei para junto da cama.- No vai ser to cedo, mas eles fizeram questo de que eu te dissesse que te adoram, que tm saudades tuas e que fizesses tudo o que eu te mandasse e te portasses como uma menina bonita.Ela fez que sim com a cabea, e eu dispensei-lhe o melhor sorriso que consegui.- Lembra-te: eles pediram-me que tomasse conta de ti por algum tempo. - Olhei-a nos olhos. - V l, anima-te. Vamos ver televiso.Vimos o canal Nickelodeon de desenhos animados. Evitei rigorosamente qualquer noticirio. Passado algum tempo, decidi tentar novamente o telefone do exterior. Enverguei o casaco de Kev, enfiei o telecomando no bolso, disse-lhe aonde ia e sa.Ao alcanar as escadas, junto mquina distribuidora da coca-Cola, olhei para baixo. Diante do trio da recepo tinham estacionado dois carros. Estavam ambos vazios, mas de portas abertas, como seos ocupantes tivessem sado precipitadamente. Olhei com mais ateno. Para alm da antena de rdio normal, ambos os veculos estavam providos de antenas de sessenta centmetros retaguarda. Um dos carros era um Ford Taunus branco, o outro, um Caprice azul.Aquele no era o momento apropriado para grandes cogitaes acerca de como teriam dado connosco. S tinha tempo para dar meia volta e fugir. E enquanto corria, perpassavam-me pelo crebro as diferentes opes que se me apresentavam. A mais bvia era deixar Kelly onde estava e permitir que a levassem. Ela era um peso desnecessrio nos meus ombros. Ento, porque no a deixei? No tive bem a certeza, mas o instinto dizia-me que ela tinha de vir comigo.Entrei no quarto de rompante.- Kelly, temos de nos ir embora! Anda, levanta-te 1Ela estava prestes a adormecer e fez uma expresso de horror. Peguei-lhe ao colo e dirigi-me para a porta. Arranquei-lhe os sapatosdos ps e enfiei-os no meu bolso. Ela murmurou qualquer coisa, ummisto de susto e de protesto.- Agarra-te bem a mim! - ordenei. Ela tinha as pernas apertadas volta da minha cintura.Sa para o corredor. Fechei a porta atrs de ns, que se trancou automaticamente. Assim, teriam de a arrombar. Voltei esquerda e corripara a sada de emergncia, ao fundo do corredor. Empurrei a barra e deparei com uma escada de beto aberta nas traseiras do hotel.Kelly comeou a chorar. No havia tempo para meiguices. Com a mo, virei-lhe a cabea para olhar bem para mim.- Cala-te e faz o que eu te digo! - Dei-lhe um belisco na bochecha. - Ests a ouvir, Kelly? Cala-te e agarra-te bem a mim.Encostei-lhe o rosto ao meu ombro e corri pela escada de cimento abaixo enquanto procurava a melhor rota de fuga. nossa frente, estendiam-se quarenta metros de terreno baldiojuncado de ervas e, para alm dele, as traseiras de uma fiada de edifcios de escritrios de um s piso que davam para a rua principal. Havia um trilho marcado no baldio. Talvez os empregados do hotel e dosescritrios o utilizassem como atalho.Carregar Kelly daquela forma era como usar uma mochila ao contrrio: nada prtico se tivesse de correr depressa, por isso passei-a para as costas, apoiando-a com as mos enlaadas por debaixo do corpo. Quando alcancei o fundo das escadas, parei para escutar. No ouvi gritos nem o rudo de uma porta a ser arrombada. O que me apetecia era atravessar o baldio desfilada, mas era importante fazer aquilo como devia ser.Sempre com Kelly s cavalitas, acocorei-me e, com toda a cautela, estiquei o pescoo para espreitar para l da esquina do prdio. Entretanto, os dois carros tinham sido levados para a base das escadas, perto da mquina de coca-cola. Os filhos da me j deviam estar no piso superior, e eu nem sequer sabia quantos eram.Calculei que l de cima no deviam ver grande coisa do terreno baldio. Comecei a correr. A chuva que caa era miudinha mas persistente, e o solo encontrava-se enlameado. Kelly soltava uns gemidos involuntrios, a compasso com os saces da corrida.Ouvi o chiar de pneus de automvel. No perdi tempo a olhar para trs; pelo contrrio, finquei os ps no cho com mais fora e alarguei a passada. Chegado s traseiras dos edifcios, virei esquerda, procurando uma passagem para a rua principal. Devia existir algures.Agora, j em piso de alcatro, conseguia correr mais depressa, mas Kelly comeava a escorregar-me- Agarra-te, Kelly! - gritei, e senti que ela retesou um pouco mais os msculos. - Com mais fora, Kelly, com mais fora!Encontrei uma travessa. Ouvi gritaria atrs de mim, talvez a uns cem ou cento e cinquenta metros. Mas no era comigo. Eles eram demasiado profissionais para andarem por a a gritar. Sabiam que isso no produziria qualquer efeito.Entretanto, eu j estava sem flego com a mida s costas. Tinha a boca seca e estava coberto de suor. A cabea dela batia de encontro minha e ela gritou:- Pare, pare, Nick! Mas eu no lhe prestei ateno. Cheguei ao fim da travessa e vi do outro lado da rua principal um panorama totalmente diferente: parques de estacionamento e ruas comerciais vedadas ao trnsito. Parei por um instante, arfando. O fluxo de trfego minha frente era intenso e veloz em ambas as direces, a despeito da estrada molhada. Kelly deu um berro quando comemos a brincar ao gato e ao rato com o trnsito de Washington. Os carros apitavam ou travavam bruscamente para evitar colher-nos. Eu nem lhes ligava; limitava-me a correr sem parar.As minhas pernas comeavam a fraquejar. Kelly pesava-me e, mesmo chegado ao outro lado da rua, ainda me faltava muito antes de poder considerar-me a salvo. Curvado, atravessei o parque de estacionamento mais prximo, aproveitando a altura das furgonetas e das carrinhas para melhor passarmos despercebidos.Num extremo da rua comercial, do lado direito, ficava a CompUSA,, uma grande loja de artigos de informtica, e foi para l que medirigi. Num grande armazm existe sempre a possibilidade de haver mais de uma entrada, por conseguinte, mesmo que me vissem entrar, teriam problemas.Entrmos atravs de grandes portas automticas. A loja encontrava-se cheia de gente. E ali estava eu, encharcado em suor, de peito aarfar, procurando recuperar o flego e com Kelly a chorar. As pessoas comearam a olhar para ns.- Agora, quero ir para o cho! - gemeu Kelly.- No, vamos mas sair j daqui. Olhei para trs e vi dois homens a atravessarem o parque de estacionamento. Pelos fatos, deviam ser polcias paisana e vinham a correr direitos loja onde nos encontrvamos.Percorri duas alas a correr, virei direita e prossegui ao longo do permetro da loja procura de uma sada. No havia. O armazm parecia ser um nico grande bloco selado.Dois homens em mangas de camisa, ostentando placas com os respectivos nomes, principiaram a aproximar-se de ns.- O senhor, por favor! Precisa de alguma coisa? - Muito delicados na aparncia, mas no fundo interrogando- se: "Que diabo est este a fazer aqui na nossa loja?"No havia tempo para respostas. Corri para as traseiras procura de zonas de descarga, de janelas abertas, qualquer coisa. Por fim, avistei aindicao que estava espera de encontrar: sada de emergncia. Corri para l, empurrei a porta e o alarme disparou imediatamente.Encontrvamo-nos no exterior do edifcio. Desci os quatro ou cinco degraus metlicos e saltei para o cho. As traseiras do armazm encontravam-se desertas; no passavam de uma longa sucesso de reas administrativas onde avultavam contentores de lixo, pr-fabricados de escritrios, at mesmo um atrelado separado do respectivo camio. Por toda a parte, havia pilhas de caixotes de carto e de sacos de plstico cheios de lixo, o somatrio dos detritos do dia. Pelo exterior desse troo alcatroado, e envolvendo toda a zona, existia uma vedao de rede com cerca de cinco metros de altura. Para l dela, novo baldio com algumas rvores e arbustos.Eu sentia-me como um rato na ratoeira. Nunca conseguiria saltar a vedao com Kelly s costas, e se tentasse atir-la por cima da rede, partia-lhe as pernas. S tinha duas sadas possveis - as rampas de acesso, uma a cada extremidade da fiada de lojas -, e os sacarias tinham mais que tempo para as bloquear.Precisava de tomar uma deciso rpida. Dirigi-me para uma das reas de armazenamento de contentores e caixas de carto, apeei Kelly e enfiei-a no meio da tralha, tapando-a com caixotes de carto e arrastando outros, de forma a taparem as brechas de ambos os lados.Ela olhou para mim e comeou novamente a chorar.- Disneylndia, Kelly! Disneylndia! - exclamei, atirando mais duas caixas para o topo da pirmide - Eu volto, prometo.Corri que nem um doido, utilizando como cobertura os sacos de lixo e os contentores. Quando ia a passar por detrs de um camio estacionado, dei com um tipo a correr desfilada em sentido contrrio. Embatemos de cabea um no outro e tombmos ambos para trs.Eu no estava minimamente disposto a arriscar. Levantei-me, cambaleando, e ataquei-o, atirando-o violentamente contra o camio. Ele tentou agarrar-se a mim e eu senti-lhe o tronco slido. O tipo trazia um colete prova de bala por debaixo do fato.Ainda cambaleando, encostei-o ao camio, recuei um passo e saquei da arma. Apesar da viso enevoada, reparei que ele tinha aliana.- Quieto! - exclamei. - Pensa na tua famlia. No vale a pena morrer por causa disto. Mos na cabea. - O meu raciocnio comeava a aclarar-se. Que diabo ia eu fazer a seguir? - De joelhos - ordenei. - Vai para trs do camio.Com a mo direita, retirei-lhe a arma. Trazia uma Sig.45 num coldre espalmado e trs pentes de balas no cinto. A Sig uma das armas utilizadas pelo FBI.Andava na casa dos trinta anos e parecia sado directamente do naipe de actores da srie Mars Vivas: louro, bronzeado, musculado, bem-parecido, queixo quadrado. Trazia por detrs da orelha um fio branco ligado a um auricular.- Ouve, pensem vocs o que pensarem, eu no matei aquela famlia. No os matei, compreendes?Silncio. Sabia que no ia conseguir sacar nada ao Mars Vivas. Tirei-lhe o rdio e o dinheiro que tinha na carteira. Depois, murmurei em voz ata por cima do ombro:- Deixa-te ficar onde ests, Kelly! No te assustes, eu j volto! Se eles pensassem que Kelly ainda estava comigo quando eu fugisse, talvez deixassem aquele stio em paz e comeassem a procurar num local diferente.Virei-me de novo para o tipo. Estava por detrs dele com a pistola apontada sua cabea.- Sabes o que tenho de fazer a seguir, no sabes? Ele fez um leve gesto de aceitao com a cabea.Peguei num pedao de ferro curvo de um monte de poleias abandonadas e dei-lhe as boas notcias com uma pancada na nuca. Caiu redondo no cho. Ficaria provavelmente fora de aco durante uns dez minutos, e isso bastava-me.Sa de trs do camio e dei uma vista de olhos rpida em volta. Ningum vista. Corri para o contentor que estava junto da vedao; perto dele encontrava-se um grande caixote que podia servir-me como trampolim. Saltei para cima dele, dei um impulso e amarinhei at ao topo do contentor. Da para a liberdade era um simples salto de cinco metros.Virei esquerda e corri pela encosta de erva em direco a outro parque de estacionamento. Encontrei uma casa de banho pblica junto de um caf a cerca de um tero da descida e entrei. Estavam l dois tipos a lavar as mos. Fui direito a um dos cubculos e sentei-me, espera de me acalmar um pouco.Coloquei o auricular no ouvido e liguei o rdio. No consegui ouvir grande coisa - o som saa todo distorcido. Mas isso no queria dizer nada. Encontrava-me provavelmente num local sem rede. Aps certificar-me de que os dois tipos j se tinham ido embora, dirigi-me aos lavatrios e lavei as mos e a cara. Continuava a no receber nada no auricular.Dirigi-me ento ao caf, pedi um cappuccino e sentei-me. O facto de estar a usar um auricular no me tomava especialmente notado, umavez que eram utilizados por muitos seguranas e guardas de lojas.Ento, subitamente, eles irromperam na rede. Falavam vontade e escutei alguns que revistavam as traseiras e outros postados em locais que no consegui identificar. O que no ouvia de todo era uma estao-base, um controle central. Comecei a matutar sobre aquilo epensei: por que razo tinham sido estes tipos, e no polcias fardados, a assaltar o hotel? Para todos os efeitos, para eles eu devia ser um assassino e um raptor; ora em situaes como esta esperava ver equipas das foras especiais, fortemente armadas, a saltar de carrinhas Chevrolet. Compreendi nessa altura que fora esse facto que melevara, embora inconscientemente, a correr para ir buscar Kelly aoquarto do hotel.Como que me tinham localizado to rapidamente no Best Westem? A minha chamada para Londres teria sido interceptada? Impossvel. Tudo acontecera demasiado depressa. Teria sido o meu carto de crdito ao fazer o registo de entrada no hotel? Continuava a ser pouco provvel. S a Firma conhecia os pormenores da minha falsa identidade. Por conseguinte, s podia ter sido a recepcionista. Ela devia ter ouvido o noticirio. Mas, mesmo assim, os factos no se ajustavam. Comeava a sentir-me francamente inquieto.Continuava a ouvir conversas pelo rdio. Tinham encontrado o Mars Vivas. Chamava-se Luther, mas o chefe das operaes no terreno, quem quer que fosse, no parecia muito preocupado com o estado dele. Apenas queria saber se estava em condies de poder falar.- Sim, ele est bem.- Ele viu o alvo?- No, ele diz que no viu o alvo, mas que continuam os dois juntos.- E ele sabe a direco que tomaram? Seguiu-se uma pausa.- No. E mais uma coisa: ele est armado. Trazia uma arma com ele e levou tambm a de Luther ... Espera... - Ento, quem quer que estivesse junto de Luther, entrou novamente em linha, muito agitadoEle levou o rdio!O chefe voltou imediatamente rede.- Maldio! Ateno a todas as estaes, cortar comunicaes! Terminar contactos imediatamenteFim de transmisso.O auricular ficou mudo. Eles iam desligar os rdios e combinar um novo canal. O rdio de Luther tomara-se intil.LUTHER AFIRMARA no ter visto o alvo, o que significava que a sua presa principal era Kelly e no eu. Fora esta gente que matara Kev. Esta perseguio nada tinha a ver com a aplicao da lei e tudo com algum que queria completar um trabalho. Talvez pensassem que Kelly os tinha visto, mas continuava a ser um mistrio o modo como nos tinham encontrado. A recepcionista podia, quando muito, ter chamado a Polcia, mas no uma qualquer organizao obscura.Entretanto, eu acabara o meu caf. Tinha ainda no bolso o telecomando do televisor. Foi parar a um contentor de lixo juntamente com o rdio, agora intil.E Kelly? O que que eu ganhava em voltar atrs? E se eles a tivessem encontrado, apanhado e estivessem minha espera quando fosse busc-la? Era isso que eu faria no lugar deles. Podia imaginar um sem-nmero de justificaes para no voltar para trs.Voltei atrs, dirigindo-me sada do centro comercial. Primeiro, ia ter de alterar a minha aparncia e tinha de o fazer gastando o menos possvel. Tinha comigo um total de quinhentos dlares e ia precisar deles at ao ltimo cntimo.Entrei numa loja de artigos de vesturio e comprei um impermevel que se dobrava at ficar do tamanho de um leno de mo e umbon de basebol, daqueles que era moda usar ao contrrio, com a pala para a nuca e o logtipo para a frente. Comprei ainda para mim umpar de jeans novos e uma T-shirt.Achei que tinha de comprar tambm alguma coisa para Kelly, porque tambm ela precisava de mudar de aspecto. Aparecera nos noticirios e agora era famosa. Comprei-lhe um chapu grande e mole. Pretendia ocultar-lhe o rosto o melhor possvel. Comprei-lhe igualmente um casaco cor-de-rosa a trs quartos para cobrir aquelas pernas magras e um conjunto completo de roupa.Em seguida, dirigi-me a um oculista e comprei um par de culos de aros grossos para mim. Os culos so daquelas coisas que mudam efectivamente o formato do rosto de uma pessoa.Voltei aos lavabos para compor o meu disfarce. Com os dentes, rasguei pelo lado de dentro o bolso do impermevel. Trazia a Sig.45 que roubara enfiada na parte da frente dos jeans e os carregadores nosbolsos. Com o bolso rasgado, se houvesse sarilhos, podia sacar daarma e disparar atravs do impermevel.Queria aproveitar os trs quartos de hora de luz do dia que ainda me restavam para fazer o reconhecimento da zona dos contentores. Queria ter a certeza de que ningum estava emboscado minha espera.Enquanto voltava para trs, ia pensando no estado em que tinham deixado Kev, Marsha e Aida. Luther e os seus amigos eram profissionais; no fariam nada sem um motivo. Deviam ter querido deixar aimpresso de que se tratava de um crime relacionado com droga e teriam abatido Marsha porque tinham de partir do princpio de que Kev lhe contara tudo o que sabia. Depois, tinham-se visto forados a matar Aida simplesmente porque no queriam que houvesse testemunhas. Kelly devia a vida ao facto de no a terem encontrado. Provavelmente, s depois de ouvirem os noticirios que se teriam apercebido de que no tinham feito o trabalho completo e que, afinal, podia ter sobrado uma testemunha.Estava-se em plena hora de ponta e em breve seria noite. As lojas ainda se encontravam abertas e toda aquela zona estava pejada de gente. Para mim isso era ptimo; era apenas mais um transeunte.Atravessei de novo o parque de estacionamento, desta vez mais perto da vedao. Limpei os culos e observei o terreno quando aszonas de carga e descarga surgiram vista. No local do meu encontro com Luther estavam agora estacionados outros trs camies. Porm, uma vez mais, no se via nenhum polcia a investigar a cena da agresso.Apenas as zonas de carga que estavam a ser utilizadas se encontravam iluminadas. O monte de contentores de lixo onde eu escondera Kelly permanecia na sombra. Um deles estava a ser carregado com os restos de prateleiras de onde eu tirara a velha poleia de metal com que agredira Luther. At do local onde me encontrava era clara a barulheira das cargas e descargas. Kelley devia estar aterrorizada ali escondida no meio.J vira o suficiente. Enquanto decidia o que fazer, vi um autocarro deter-se numa paragem, recolher passageiros e voltar a arrancar. Talvez fosse aquela a melhor maneira de sairmos dali.Com os sacos de compras na mo, afastei-me das lojas em direco rampa de acesso onde terminava a vedao. Voltei esquerda e prossegui o meu caminho, resistindo tentao de correr para Kelly, pegar nela e sair rapidamente dali. Era assim que as pessoas eram apanhadas ou mortas.Os meus olhos dardejavam de um lado para o outro, recolhendo o mximo de informaes possvel para o meu crebro. E se Kelly j l no estivesse? Ligaria para as emergncias e diria que tinha visto a mida do noticirio a vaguear ali pela zona. Se no tivesse sido raptada j, a Polcia haveria de dar com ela antes dos amigos de Luther. Teria de correr os meus prprios riscos quando comeasse a caa a Nick Stone. Quem quer que a tivesse em seu poder, teria igualmente o meu nome.Acerquei-me dos contentores do lixo e comecei a remover as caixas.- Kelly, sou eu! Kelly! Ests a ver? Eu no te disse que voltava? Ao remover a ltima caixa, notei que ela se encontrava sensivelmente na mesma posio em que eu a deixara. Levantei-a e pus-lhe o casaco novo volta dos ombros.- Espero que gostes de cor-de-rosa - disse eu. - E tambm trouxe mais isto para ti. - Coloquei-lhe o chapu na cabea para conservar o calor que ainda lhe restava no corpo.Ela abraou-me pelo pescoo. Eu no esperava aquilo e no sabia bem como reagir. Continuei a falar, e ela enroscou-se ainda mais em mim.Ajeitei-lhe o chapu.- V, assim ficas mais bonita e mais quente. Agora, vamos sair daqui e tu vais tomar um banho e depois vamos comer qualquer coisa, combinado?Eu levava os sacos na mo esquerda, com ela agarrada manga do casaco. No dava muito jeito, mas eu precisava da mo direita livre para sacar da pistola.O AUTOCARRO IA meio cheio de gente e sacos de compras. Kelly estava sentada a meu lado janela. O seu chapu cumpria a funo que lhe fora destinada: ela tinha o cabelo enrolado para cima, e a aba do chapu estava descada por forma a tapar-lhe o rosto. Eu sentia-me tranquilo. Salvara-a de Luther e dos seus amigos. Cumprira o meu dever.amos a caminho de Alexandria, uma zona que eu sabia ficar a sul do centro de DC, e amos para l pela simples razo de que era isso que estava escrito na placa indicadora do destino do primeiro autocarro que passara.A nossa primeira prioridade era um hotel, porque, quanto mais tarde o procurasse, mais daria nas vistas.- Nick?- Sim? - J adivinhava o que ela me ia perguntar.- Porque que, aqueles homens andavam atrs de si? Fez alguma coisa de mal?- No sei quem eles so, Kelly. Palavra que no sei. -- Fiz uma pausa. - Tens fome?Ela respondeu afirmativamente com um aceno de cabea.- J vou tratar disso. O que que te apetece? McDonald's? Wendy's?- McDonald's.- Combinado. Ento isso que vai ser. Regressei s minhas lucubraes. A partir daquele momento, utilizaria exclusivamente dinheiro em notas e moedas; tinha que admitir o pior, ou seja, fora atravs do meu carto de crdito que havamos sido descobertos. No obstante, voltaria a contactar Londres. Provavelmente, j teriam rasgado os meus registos, mas o que que eu tinha a perder?Passmos diante de um stio chamado Estalagem Roadies. Eu no fazia a mnima ideia de onde me encontrava, mas isso era totalmente irrelevante. Fiz sinal ao motorista de que queramos sair na paragem seguinte.Quando fora construda, nos anos 1960, a Estalagem Roadies teria provavelmente um aspecto fantstico, mas agora at o relvado exterior estava murcho e na tabuleta faiscava em non vermelho a indicao "Temos Vagas". Perfeito.Espreitei para a recepo atravs da proteco de rede da porta. Ao balco estava uma mulher na casa dos vinte anos a fumar, de olhos fitos num televisor no outro extremo da sala. Eu s esperava que no tivssemos tido honras de estrelas nos noticirios. Espreitando l mais para o fundo, vi um sujeito careca e gordo de uns sessenta anos trabalhando a uma secretria.- Quero que fiques aqui minha espera, Kelly - disse eu, apontando para a parede do hotel debaixo do patamar da escada que conduzia ao piso superior e que formava uma espcie de alpendre.Ela no gostou muito.- Eu no demoro nada - acrescentei, dirigindo-me porta. Espera aqui; eu volto j.A recepcionista envergava jeans e T-shirt. Desviou o olhar da televiso e cumprimentou num tom mecnico:- Ol, em que posso ajud-lo?- Procuro um quarto para trs ou quatro noites, talvez. Dois adultos e uma criana.- Com certeza. S um momento. - E percorreu com o dedo o livro de registos. - Pode mostrar-me a sua identificao, por favor?Fiz uma careta.- Ah, a que est o problema. Sabe, que estamos de frias e roubaram-nos as malas. J apresentmos queixa Polcia e estou espera de que me enviem novos cartes, mas entretanto s disponho de dinheiro em notas. Amanh, temos que ir ao Consulado Britnico para tratar dos nossos passaportes. Talvez se eu lhe pagasse trs dias antecipadamente e voc desligasse os telefones do quarto ... ? - sugeri, exibindo umas quantas notas de dlar.Ela pareceu levar algum tempo a apreender bem a situao.- Lamento muito. - Fez uma pausa, aguardando que mais reaces qumicas interagissem no seu crebro. - Vou chamar o gerente.Dirigiu-se ao escritrio e vi-a a falar com o homem careca que estava secretria. Pelos gestos, fiquei com a impresso de que ele era pai dela.A rapariga voltou.- No h problema. Eu no duvidava. Decerto que a nossa pequena transaco nunca iria figurar nos livros da contabilidade. Fiz o papel do britnico agradecido e preenchi o registo, aps o que Kelly e eu subimos dois lanos de escadas de cimento. entrada da porta do quarto, Kelly hesitou.Nick, eu quero a minha me. Quando que posso ir para casa? Cos diabos, outra vez no.- J no falta muito, Kelly - respondi. - Bem, daqui a pouco vou buscar jantar para ns, combinado?- Combinado. Deitei-me na cama e procurei ordenar as prioridades.- Nick, posso ver televiso? Graas a Deus, pensei. Peguei no telecomando e liguei nos desenhos animados. No ia correr o risco de nos ver aos dois no noticirio. Tomei uma deciso.- Vou sair para comprar qualquer coisa para o jantar. Fica aqui, como da outra vez. Eu penduro o letreiro NO INCOMODAR na porta, e tu no a abres a ningum. Entendes?Ela confirmou com um aceno de cabea. A cabina telefnica ficava junto de um supermercado. Peguei em duas moedas de vinte e cinco cntimos e liguei um nmero.- Embaixada Britnica. Boa tarde - responderam. - Em que posso ser-lhe til?- Gostaria de falar com o adido para a defesa, por favor.- Pode indicar-me o seu nome, por favor?- O meu nome Staniford. - Ora, no tinha nada a perder.- Obrigada. Um momento, por favor. Seguiu-se um sinal longo e contnuo, e eu j comeava a pensar que me tinham novamente cortado a ligao. Depois, passados trinta segundos, ouvi a voz de Siminonds. A minha chamada devia ter sido canalizada directamente para Londres. Imperturbvel como sempre, ele disse:- Parece que voc est com um pequeno problema.- Problema no a palavra exacta. Contei-lhe tudo o que acontecera desde a minha ltima chamada. Siminonds escutou sem interromper; depois, disse:- Na verdade, no posso fazer grande coisa. Voc compreende decerto a posio em que me encontro. - Era evidente que no estava contente comigo. - Ordenaram-lhe que regressasse imediatamente. Voc desobedeceu a uma ordem. No devia ter ido procurar Kevin Brown, sabia isso.- Preciso de ajuda - disse eu. - E preciso dela agora. Fez-se silncio; o pai paciente espera de que o filho acabasse com a birra.- A sua situao muito delicada, infelizmente - prosseguiu ele. - No posso fazer nada, a menos que voc consiga provar de alguma forma que no est implicado. Sugiro que desenvolva todos os esforos para descobrir o que se passou efectivamente e porqu. Depois disso, conversamos e talvez eu possa ajudar. O que que acha?- No me resta alternativa, pois no?- Ainda bem que concorda. Traga-me aquilo que descobrir. A ligao foi cortada. Com o crebro a fervilhar, deambulei pela loja. Comprei um frasco de tinta para o cabelo e uma mquina para o aparar. Adquiri tambm um estojo completo de lavagem e de utenslios para a barba. Depois, enchi o cesto com garrafas de coca-cola que tirei do frigorfico, algumas mas e chocolates.No encontrei um McDonald's, pelo que acabei num Burger King. Comprei dois mega-menus e regressei ao hotel.Bati porta ao mesmo tempo que a abria.- Adivinha o que que eu trouxe? - Coloquei os hambrgueres em cima da mesa com um gesto teatral, como um caador regressado da caa. Abrindo os sacos para fazerem as vezes de toalha, sacudi os pacotes de batatas fritas para as tirar para fora, abri o invlucro do molho e atirmo-nos ambos ao jantar. Ela devia estar esfomeada.Esperei at que tivesse a boca cheia com o hambrguer.- Escuta, Kelly, sabes como as raparigas crescidas andam sempre a pintar o cabelo e a cort-lo, e essas coisas todas? Estava a pensar se no gostarias de experimentar tambm. - Ela no pareceu ficar muito entusiasmada, mas eu insisti: - De que cor gostas mais? Um castanho muito escuro?Ela encolheu os ombros. Eu queria fazer aquilo antes que ela percebesse bem o que estava a passar-se. Logo que acabou de comer o hambrguer, levei-a para a casa de banho e fi-la despir a saia e a camisola interior. Pus a mquina de aparar o cabelo a funcionar, mas no sabia muito bem trabalhar com aquilo, e quando, finalmente, lhe apanhei o jeito, j o cabelo dela estava numa lstima. E quanto mais eu tentava comp-lo, mais curto ele ia ficando. Em breve, s lhe chegava ao pescoo.Enquanto eu lia as instrues do frasco de tinta, ela interpelou-me:- Nick?- O que ?- Conhece os homens que andavam a persegui-lo?- No, no conheo, Kelly, mas hei-de descobrir quem so. Pus-me a pensar. Eu estava atrs dela e entreolhvamo-nos pelo espelho. Por fim, perguntei-lhe: - Kelly, porque que foste para o esconderijo? Foi o teu pai que gritou "Disneylndia"?No. Comecei a impregnar-lhe o cabelo de tinta com o pente.- Ento, porque que foste?- Estava na cozinha, mas ouvi um barulho esquisito na sala e fuil espreitar.- E o que que viste?- O pai a gritar com os homens e eles a baterem-lhe.- Eles viram-te?- No sei, no entrei na sala. No podia ajud-lo. Ainda sou muito pequena. - Tinha o rosto afogueado de vergonha e o lbio inferior comeava a tremer-lhe. - Fugi para o esconderijo. Queria ir ter coma me, mas ela estava l em cima com Aida, e o pai, a gritar com os homens.- E fugiste para o esconderijo?- Sim.- Ento, no viste a tua me nem Aida?- No. A imagem das duas, mortas, perpassou pelo meu crebro. Envolvi-a nos braos enquanto ela soluava.- Kelly, tu no podias ajudar o teu pai de maneira nenhuma. Os homens eram grandes e fortes. No foi por tua culpa que eles lhe fizeram mal. - Deixei-a chorar por algum tempo, depois perguntei-lhe:- Viste algum dos homens que nos perseguiram hoje?Ela abanou a cabea. Perguntei-lhe ento quantos homens que l tinham estado emcasa e qual era o aspecto deles. Comeou outra vez a fazer beicinho. Estava confusa e assustada.- Posso voltar depressa para casa? - Esforava-se por reter as lgrimas.- Podes, muito em breve. Quando o teu pai estiver melhor. At l, sou eu que tomo conta de ti. Vamos, Kelly, vamos l dar-te um ar de menina crescida.Depois de lhe lavar a cabea, penteei-lhe o cabelo hmido e vesti-lhe de imediato as roupas novas. Se tivssemos de fugir de repente, ela t