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Líng. e Instrum. Linguíst., Campinas, SP, v. 23, n. 46, p. 74-99, jul./dez. 2020. 74
DOI: 10.20396/lil.v23i46.8659184
ANDRÉS BELLO E SEU TEMPO:
CONSIDERAÇÕES SOBRE VIDA E OBRA
ANDRÉS BELLO AND HIS TIME:
CONSIDERATIONS OF HIS LIFE AND WORK
Kelly Cristini Granzotto Werner*
UFSM
Eliana Rosa Sturza**
UFSM
Resumo: Ser professora de espanhol como língua estrangeira (E/LE), no
contexto brasileiro, exige, entre outras coisas, conhecer diferentes
pensamentos, teorias, produções nessa língua, a fim de melhor desempenhar
esse papel. Nesse sentido, desde a perspectiva da História das Ideias
Linguísticas, é que proponho como tema deste artigo a figura de Andrés Bello
e sua obra, fazendo considerações sobre os textos produzidos e publicados
sobre o espanhol no século XIX, principalmente no campo dos estudos
linguísticos e gramaticais. O objetivo é refletir sobre a importância das ideias
linguísticas do autor e sua contribuição para o processo de gramatização do
espanhol na/da América Hispânica, no âmbito da produção de conhecimento
linguístico, bem como sobre o papel dessa língua na transformação e na
consolidação das colônias em nações independentes.
Palavras-chave: História das ideias linguísticas, Gramática, Língua
espanhola, Andrés Bello.
Abstract: Being a teacher of Spanish as a foreign language (E / LE), in the
brazilian context, requires, among other things, to know different thoughts,
theories, productions in this language, in order to better play this role. In this
sense, from the perspective of the History of Linguistic Ideas, I propose as the
theme of this article the figure of Andrés Bello and his work, making
considerations of the texts produced and published about Spanish in the 19th
century, mainly in the field of linguistic and grammatical. The aim is to reflect
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on the importance of the author's linguistic ideas and his contribution to the
grammaticalization process of Spanish in / in Hispanic America, in the context
of the production of linguistic knowledge, as well as on the role of this
language in the transformation and consolidation of the colonies. in
independent nations.
Keywords: History of linguistic ideas, Grammar, Spanish language, Andrés
Bello.
Resumen: Ser profesora de español como lengua extranjera (E/LE), en el
contexto brasileño, exige, entre otras cosas, conocer diferentes pensamientos,
teorías, producciones en esa lengua, para mejor desempeñar ese papel. En ese
sentido, desde la perspectiva de la Historia de las Ideas Lingüísticas, es que
propongo como tema de este artículo la figura de Andrés Bello y su obra,
haciendo consideraciones acerca de la vida y de los textos producidos y
publicados sobre el español en el siglo XIX, principalmente en el campo de los
estudios lingüísticos y gramaticales. El objetivo es reflexionar acerca de la
importancia de las ideas lingüísticas del autor y su contribución para el
proceso de gramatización del español en la/de la América Hispánica, en el
ámbito de la producción de conocimiento lingüístico, así como sobre el rol de
esa lengua en la transformación y en la consolidación de las colonias en
naciones independientes.
Palabras clave: Historia de las ideas lingüísticas, Gramática, Lengua
española, Andrés Bello.
1. Introdução
Ser professora de espanhol como língua estrangeira (E/LE), no
contexto brasileiro, exige, entre outras coisas, conhecer diferentes
pensamentos, teorias, produções nessa língua, a fim de melhor
desempenhar esse papel, contribuindo para o acesso e o respeito à
diversidade linguística e cultural. Nossa função é afetada pelas
orientações e políticas do Estado e das Instituições às quais estamos
ligados, mas também pelas leituras e crenças pessoais, sendo a
conjugação desses fatores que deveria favorecer o direito de conhecer
a diversidade para promover o respeito. Uma das possibilidades é que
o estudante do ensino básico brasileiro tenha acesso ao ensino plural de
línguas e que isso seja tratado, na prática escolar e governamental, como
um direito linguístico. Isso se instaura, de fato, quando mais línguas,
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além do inglês, venham a fazer parte do leque de opções apresentado
ao aluno, quando materiais linguísticos sejam diversos, que não
favoreçam a língua e a cultura de determinados lugares e grupos.
A partir dessas ideias, começo a desenvolver o tema deste trabalho:
a figura de Andrés Bello e sua obra. Quem é o autor? Qual é sua
produção de conhecimento linguístico sobre o espanhol? Em que época
seus textos aparecem? Que língua é essa que ele trabalha? Qual é o
papel dessa língua na transformação e na consolidação de uma colônia
em uma nação independente?
Essas questões conduzem ao objetivo deste ensaio que é tecer
considerações sobre a vida e a obra de Andrés Bello, enfocando na
importância das ideias linguísticas do autor e sua contribuição para o
processo de gramatização do espanhol na/da América Hispânica, no
âmbito da produção de conhecimento linguístico, bem como sobre o
papel dessa língua na transformação e na consolidação das colônias em
nações independentes.
Pelo viés teórico da História das Ideias Linguísticas (HIL), faço um
percurso de leitura de obras do autor, na área de Letras, principalmente
no campo dos estudos filológicos, gramaticais, em parte do século
XVIII e do século XIX, período de sua vida, no sentido de alcançar
nosso objetivo. Para isso, dividi a leitura reflexiva em seções, a saber:
“A história de vida de Andrés Bello”, “Contribuição de Andrés Bello à
língua espanhola”, esta subdivida em “Obra literária” e “Obra
gramatical”, além das “Considerações finais”.
2. A história de vida de Andrés Bello
Nesta parte, empenho-me em buscar respostas a dois de nossos
questionamentos: Quem é Andrés Bello e em que época seus textos
aparecem? Justifico o perfil biográfico do autor porque comungo da
opinião de Caldera (1965, p. 17), quando afirma que “compreender a
obra e o pensamento de Bello é tarefa impossível sem compreender
também o homem”.
Tomo como base a obra Andrés Bello: pasión por el orden (2001),
de Ivan Jaksić, um dos biógrafos do autor. Andrés Bello nasceu em
Caracas-Venezuela, em 1781, no seio de uma família de origem canária,
e faleceu em Santiago-Chile, em 1865. Foi um dos mais importantes
intelectuais de seu tempo e também um cidadão atuante. Viveu
momentos agitados e transformadores na América Latina, quando
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grupos de pessoas se mostraram insatisfeitos com a política imperial
espanhola e encabeçaram o movimento pró-independência,
influenciados pelas ideias de acontecimentos como a Revolução
Francesa (1789) e da Independência dos Estados Unidos (1776-1783).
Bello participou dessas manifestações e protagonizou, no final do
século XVIII e início do XIX, a passagem das colônias espanholas a
jovens nações independentes. Viveu a esperança e o medo, a
proclamação e a consolidação dos países em Repúblicas, assistiu
também a algumas das turbulências do século XIX. Conviveu com
outras grandes figuras das novas pátrias e, imbuído do novo espírito,
participou da organização do sistema político, econômico, social e
educacional do Novo Mundo, buscando o estabelecimento de uma nova
ordem. Jaksić (2001) defende que o gramático demonstrava “pasión por
el orden”.
Sua vida e seus feitos se desenvolveram em três cenários: Caracas
(Venezuela), Londres (Inglaterra) e Santiago (Chile). Ou seja, foi um
sujeito marcado por dois mundos, o americano e o europeu.
Em Caracas, passou a primeira parte de sua vida. Era filho de pai
advogado e mãe de família de artistas. Recebeu uma educação clássica
e religiosa realizada, primeiramente, no Convento de las Mercedes,
sendo supervisionada pelo Frei Cristóbal de Quesada. Ali aprendeu o
latim, a gramática e a literatura através da leitura dos clássicos latinos e
castelhanos. Depois, estudou no Seminário de Santa Rosa, onde fez o
curso de Latim de duração de três anos em apenas um; recebeu,
inclusive, prêmio de tradução latina. Também aprendeu francês e inglês
e era leitor e estudioso de textos europeus.
Em 1797, ingressou na Real y Pontificia Universidad de Caracas, e,
em 1800, tornou-se Bacharel em Artes1. Depois disso, seguiu com seus
estudos filosóficos2 (Descartes, Leibniz, Locke e Condillac e outros),
com seus escritos pessoais e jornalísticos, com seus trabalhos como
professor, conjugados a seu novo cargo, o de funcionário do governo,
em que realizava trabalhos administrativos. Nessa época, foi professor
de Simón Bolívar, especificado posterirormente pela história com a
designação “o libertador”. Além disso, escreveu textos literários
conhecidos como o poema Silva a la agricultura de la Zona Tórrida
(1826), de características neoclássicas. Segundo Velleman (1976), no
período de Caracas, Bello sofreu influências de gramáticos filosóficos
franceses e despertou interesse pelos métodos científicos empírico e
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experimental, modos que foram desenvolvidos no período seguinte de
sua vida, em terras inglesas.
Em 1810, integrou uma missão diplomática a Londres, na condição
de secretário, junto com Simón Bolívar e Luis López Méndez para um
período curto, cuja tarefa era apresentar a causa da independência
venezuelana e a busca por apoio a esse projeto. O intento não teve o
resultado esperado, de modo que decidiram: manter uma presença em
Londres, para promover a ideia e para informar o governo venezuelano
das decisões do governo britânico; e fazer retornar os demais
integrantes da junta à América Hispânica.
Bello foi quem permaneceu em Londres e lá viveu durante 19 anos,
primeiramente com a incumbência que lhe fora dada. Esse período foi
muito difícil financeiramente para ele porque o governo não lhe pagava
o suficiente para sobreviver com sua família numerosa e acometida por
doenças, tampouco contava com a ajuda de sua família na Venezuela,
que já não dispunha de recursos para auxiliá-lo. Diante da situação em
que se encontrava, passou a executar trabalhos temporários, sempre
relacionados a temas de seu interesse e competência, sendo
correspondente, escrevendo para jornais, fazendo traduções,
ministrando aulas. Paralelo a isso, continuou aprimorando temas
gramaticais, filosóficos e literários, nas línguas que havia aprendido.
Essencialmente foi um período de muito estudo, em bibliotecas, de
textos europeus os quais não tinha tanto acesso na América Colonial,
de modo que a estada londrina de quase duas décadas também foi um
período de formação desse intelectual americano.
No seu regresso à América Latina, em 1829, foi para o Chile, nação
que o acolheu, após a penúria financeira vivida em Londres. Nesse país,
passou o restante de sua vida, que foi o mais produtivo. Atuou no
jornalismo, ministrou aulas, foi o primeiro reitor da Universidade do
Chile (1843) e professor, ocupou cargos políticos (senador) e públicos,
participou da escrita da Constituição Chilena, redigiu o Código Civil de
la República de Chile (1856) e escreveu vários textos sobre língua3,
alguns publicados como artigos no jornal El Araucano, entre 1833 e
1834, como, por exemplo, Gramática castellana (1832), Advertencias
sobre el uso de la Lengua Castellana a los padres de familia, profesores
de los colegios y maestros de escuela (1834). Também escreveu o
tratado Principios de ortología y métrica de la lengua castellana
(1835), a obra Análisis ideológica sobre los tiempos de la conjugación
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castellana4 (1841), a Gramática de la lengua castellana destinada al
uso de los americanos (1847), o Compendio de gramática castellana
para el uso de las escuelas primarias (1851) e as Obras Completas
(1952). Além disso, com Domingo Faustino Sarmiento discutiu uma
proposta de reforma da ortografia espanhola (JAKSIĆ, 2001). Na
verdade, atuou como um polígrafo e, neste período e cenário, socializou
sua obra, aplicou os princípios já consolidados em seus textos e abriu
discussões sobre os temas abordados.
O cenário em que se desenvolveram o pensamento e a produção
desse “humanista” e “sábio americano”, caracterizações atribuídas por
Caldera (1965), está afetado pela Ilustração. Como consequência disso,
a educação dos latino-americanos sempre foi sua maior preocupação e,
pela língua, realizou suas ações, em diferentes frentes como: a produção
de textos filosóficos, filológicos, gramaticais, literários, jornalísticos,
políticos e jurídicos; a tradução; a estruturação de currículos; a criação
de escolas e de universidades; e o exercício de cargos políticos e
educacionais. O autor trabalhou para instruir as jovens nações, despertar
a valorização e a consolidação da cultura local, através da educação
linguística. Sua formação e suas ações concretizam o que disseram
sobre Bello os linguistas espanhóis Amado Alonso: “Hijo del siglo de
la Enciclopedia, quiso cultivar todos los conocimientos humanos”5.
(ALONSO, (1951) 1995, p. X); e Ramón Trujillo: “Todos sus saberes
de hombre ilustrado se ponen al servicio del Continente [...]”6
(TRUJILLO, 1988, p. 32).
Na gramática de 1847, classificada por Bello como nacional,
também se nota sua característica pedagógica, pois ele mostra a
preocupação educacional. Isso perpassa também o discurso proferido,
por ocasião da inauguração da Universidade do Chile, da qual foi
membro fundador e primeiro reitor, como podemos ler no fragmento:
Yo ciertamente soy de los que miran la instrucción
general, la educación del pueblo, como uno de los
objetos más importantes y privilegiados a que
pueda dirigir su atención el gobierno; como una
necesidad primera y urgente; como la base de todo
sólido progreso; como el cimiento indispensable
de las instituciones republicanas. Pero, por eso
mismo, creo necesario y urgente el fomento de la
enseñanza literaria y científica. (Fragmento do
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discurso proferido na inauguração da
Universidade do Chile, em 1843)7.
A preocupação de Bello com a educação chilena se acentuou ainda
mais quando passa a ocupar o cargo de reitor da Universidade.
Segundo Arnoux (1998, p. 33), “En su constante preocupación por
la enseñanza, Bello muestra su condición de hombre de la Ilustración
para el cual el desarrollo de aquella es una tarea esencial de la sociedad,
cuyo compromiso deben asumir el intelectual y el político”8. Ele tomou
a língua como aliada nesse processo de construção das jovens nações,
proclamando que o seu alcance e o seu poder só seriam conseguidos se
houvesse também o compromisso do Estado. Toda a estrutura da jovem
nação deveria tomar para si essa tarefa. Ou seja, para Bello, a questão
da língua na América Latina era um problema político também.
Amado Alonso, no prólogo que escreveu para a edição de 1951 da
gramática (1847), vai além, dizendo que “La unidad de la lengua sólo
con estudio se puede mantener, y la unidad de la lengua era para Bello
un bien político inapreciable, de alcance no sólo nacional sino
intercontinental” (ALONSO, (1951) 1995, p. XII)9. Tomar a unidade
da língua como bem político, como patrimônio, como língua comum
em todo território, indo do nacional, ao transnacional e chegando ao que
diz Alonso “intercontinental”, implica reivindicar a ação do Estado.
Isso porque a unidade da língua na visão ilustrada de Bello só é
garantida pelo estudo. Precisa-se de uma política linguística com esse
fim. A garantia da unidade da língua garantiria também a unidade das
jovens nações. Estado e língua deveriam caminhar juntos para que
pudessem se manter e buscar o progresso.
Além disso, tratar a língua espanhola como bem político da Espanha
e das novas Repúblicas latino-americanas autoriza Bello a reivindicar o
direito linguístico igual e legítimo para todas as nações dessa língua.
Isso significa admitir a diversidade como componente da unidade (o
bem = a língua) e, com isso, os falantes se reconhecerem membros
dessa comunidade linguística, reconhecendo também sua identidade
nacional. Lope Blanch (1996, p. 414) chama essa visão do autor de
“visión americanista de la lengua española”, ou seja, defendia um
hispanismo amplo. Esse bem, que é a unidade da língua, a língua
comum, estava associado à ideia de nacionalismo.
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No referente aos estudos linguísticos, na época em que Bello
apresentou sua produção linguístico-gramatical, no século XIX,
predominava a linguística histórica-comparatista, que considerava que
a linguagem tinha fundamentos biológicos, o que a aproximava das
Ciências Naturais. Nessa linha, desenvolveram-se estudos baseados nos
métodos dessas ciências, por exemplo, o método histórico-comparativo,
cujo objetivo era buscar parentescos linguísticos, através da forma da
comparação de semelhanças e diferenças entre as línguas. Da
perspectiva diacrônica, o estudioso da língua da época buscava saber
como se dava a evolução das línguas. Por exemplo, a descoberta do
Sânscrito revelou relação de parentesco com o Latim, o Grego, as
Línguas Celtas, Eslavas e Germânicas. Como viveu os anos finais do
século XVIII e alguns do século XIX, não podemos descuidar de que
sua obra, ainda que possa trazer atualizações, apresenta marcas do
pensamento desses períodos.
3. Contribuição de Andrés Bello à língua espanhola
Nesta parte, dedicamo-nos a apresentar a contribuição de Andrés
Bello e a refletir sobre ela, primeiramente sobre a produção literária e
depois sobre a produção gramatical, que está entre a produção de um
saber metalinguístico e um saber linguístico em língua espanhola. Além
disso, analisamos o papel da língua nas condições sócio-históricas em
que essas obras surgiram.
3.1 Obra literária
Segundo Jaksić (2001), Andrés Bello foi um leitor de literatura
clássica desde a infância. Sua formação literária se deu no período
vivido em Caracas, onde fez abundantes leituras. Elas lhe deram uma
formação clássica. Nessa época, também fez exercícios literários,
escrevendo seus primeiros textos em verso e prosa. O período seguinte,
em Londres, serviu-lhe para aprimorar e aprofundar suas leituras, suas
técnicas, rigor, critérios, correção de composição, enfim sua erudição.
Para Grases (1989), “Su sensibilidad de poeta ya está definida en
Caracas. Su prosa está ya lograda.” 10
As obras literárias mais importantes e conhecidas do autor foram
produzidas em Caracas. Na prosa, Monegal (1969) e Grases (1989)
citam uma obra, o Calendario Manual y Guía universal de forasteiros
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en Venezuela para el año de 1810, que, segundo eles, tem valor
histórico e literário e é a primeira obra publicada de Bello.
O reconhecimento maior se deu no universo da poesia11. Monegal
(1969) nos conta que muitos de seus textos foram perdidos e que se
conservam dez composições poéticas do período caraquenho. Fazemos
referência a alguns desses textos: Oda a la vacuna, o soneto A la
victoria de Bailén, Alocución a la poesía (1823) e as silvas americanas,
sendo entre essas a mais reconhecida pela crítica, como ponto
culminante de sua obra poética, a silva A la agricultura de la zona
tórrida, que só foi publicada em 1826. Para Caldera (1935), como
poeta, Bello pode ser caracterizado pelo estilo clássico, por sua
formação inicial, ou neoclássico, e também romântico, tendo recebido
muitos elogios.
O tema que se apresenta na poesia de Bello é o amor à natureza
tropical, à natureza venezuelana, a exaltação da beleza, da fecunda e
abundante terra natal. Por exemplo, no seu texto mais conhecido, a silva
A la agricultura de la zona tórrida, composto de 373 versos, dispostos
em sete cantos, cujo título é uma alusão à natureza rural da Venezuela,
caracterizada por “zona tórrida”, Bello faz referências à fauna e à flora
americanas, apontando e descrevendo elementos das terras hispano-
americanas, como, por exemplo, “el ananás”, “la yuca”, “la ambrosía”,
“el cacao”, “el banano”, “el maíz”, entre muitos outros. Faz uso do
recurso de notas de rodapé explicativas sobre temas e termos que utiliza
(os números 3 e 4 apontam para notas respectivas no poema), que
fornecem informação, inclusive informação científica ao leitor, ação
frequente em todo o poema. Isso pode ser observado nos versos do
canto 2:
[…]
Para tus hijos la procera palma3
su vario feudo cria,
í el ananas sazona su ambrosía;
su blanco pan la yuca4;
sus rubias pomas la patata educa;
i el algodon despliega al ama leve
las rosas de oro i el vellon de nieve.
[…]12
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As palabras “palma” e “yuca” apresentam uma chamada para nota
de rodapé. Por que usa esse recurso? Almejava Bello fornecer
explicações sobre elas? Queria ele dar a conhecer o que é próprio da
natureza latino-americana, especificamente da Venezuela, de modo a
valorizá-la? Seria também uma forma de mostrar pela língua (pela
literatura) o espanhol da América Latina? Este, constituído também por
outras línguas em circulação no continente, as línguas indígenas. Ou
ainda, esse aspecto (ao lado do tema e do gênero), constitutivo desse
texto literário, vai anunciando o aparecimento de textos em espanhol
local e uma possível autoria literária?
Jaksić (2001) afirma que o poema, além de abordar o tema da
exaltação à natureza latino-americana (venezuelana), versa sobre as
perspectivas de futuro para a região:
Bello hace uso de todo su talento poético para
promover la idea de una Hispanoamérica
independiente cuyos valores se basan en una
economía agrícola y un sistema político
republicano. El valor estético de este poema es sin
duda muy grande, pero también lo es el
significado político de su mensaje. (JAKSIC,
2001, p. 87)13
Parece que o futuro econômico e político a que Bello se refere
dependia da agricultura. Ali estaria a fonte de riquezas da região,
conforme analisam Souza e Mayoral (2013),
La constitución y concretización de una cultura
local debía, para Bello, pasar por la valorización y
trabajo en la tierra. La agricultura es para el poeta
la fuente de riquezas y progresos, y América
representa para él el gran “Edén”, el paraíso, solo
que agrícola. Ahí los ciudadanos deberían,
mediante el trabajo agrícola, establecer una
relación de identidad con la tierra, rehaciéndose
como “seres del suelo americano” y buscando la
identificación en la medida en que fuesen
adquiriendo conciencia del lugar social (físico-
social-cultural) en que estaban, espacio este pos-
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colonial que necesitaba una “ideología” e
“identidad” propia. (SOUZA & MAYORAL,
2013, p. 178)14
Valorizar a vida no campo, a agricultura, contribuindo para o
despertar de uma consciência local em relação à dominação a que
estavam submetidos, mostra a posição colaborativa e política do sujeito
escritor com a causa vivida no momento sócio-histórico de produção
desse texto, que envolvia os movimentos de independência das colônias
da América da metrópole espanhola.
Bello se ocupou de vários temas e exerceu diferentes funções e
trabalhos, cultivou o gosto pela literatura e a criação até os seus últimos
dias, seja escrevendo textos poéticos15, dramáticos e críticos para
jornais seja fazendo traduções de textos literários. Conforme Jaksić
(2001), em Londres, por exemplo, faz uma análise profunda do poema
épico castelhano mais importante El Cantar del Mio Cid16
(possivelmente escrito em 1140), enfocando na prosódia, trabalho que
retoma posteriormente em Santiago, apresentando uma edição do texto.
Também publicou a obra Principios de la ortología y métrica de la
lengua castellana, em 1835, no Chile.
3.2 Obra gramatical
Conforme já vimos, durante sua vida, Andrés Bello escreveu vários
textos em que discutia questões sobre a língua castelhana, alguns
divulgados em jornais como artigos, outros em tratados ou em
gramáticas, sob as condições sócio-históricas de produção já
mencionadas. Citamos os mais importantes. Alguns artigos tratam de
temas que, mais tarde, serão amadurecidos em obras, como é o caso de
Gramática castellana (1832), o qual integrará a Gramática de la lengua
castellana destinada al uso de los americanos (1847) e o Compendio
de gramática castellana para el uso de las escuelas primarias (1851).
Também a obra Análisis ideológica de los tiempos verbales (1841) que
será refundida na gramática de 1847. Isso permite falar em um processo
de reflexão sobre a língua que vem sendo realizado. Segundo a crítica,
suas duas obras principais nesse campo são as de 1841 e 1847.
A observação panorâmica da produção gramatical de Bello nos
permite afirmar que produziu instrumento linguístico e que participou
do processo de gramatização do castelhano/espanhol na/da América17.
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Tomo as noções de gramatização e de instrumentos linguísticos no
sentido proposto por Auroux (1992). O autor ensina que a gramatização
deve ser compreendida como “[...] o processo que conduz a descrever
e a instrumentar uma língua na base de duas tecnologias, que são ainda
hoje os pilares de nosso saber metalinguístico: a gramática e o
dicionário” (AUROUX, 1992, p. 65). Ele atribui à gramática e ao
dicionário, portanto, o caráter de instrumentos linguísticos, os quais não
são elaborados por qualquer falante da língua, mas sim por sujeitos que
produzem conhecimento linguístico, a partir de um saber sobre a língua.
Tais instrumentos, que são produtos do conhecimento linguístico,
devem ser tratados como produtos tecnológicos, que têm a função de
descrever, sistematizar, organizar, divulgar e fazer circular um saber e
uma língua. Bello, então, produziu o instrumento linguístico:
gramáticas.
Além disso, em seus espaços de aparecimento e circulação, esses
instrumentos auxiliam na constituição e na consolidação de uma língua
nacional, imaginariamente construída, a partir dos critérios de unidade
e homogeneidade. A língua assim apresentada é essencial para a
formação de um Estado-nação bem como para a constituição de uma
identidade nacional. Como exemplo disso, podemos recordar de
algumas obras como a Gramática castellana (1492), de Antonio de
Nebrija, a Gramática da Lingoagem Portugueza (1536), de Fernão de
Oliveira. E por que não a Gramática de la lengua castellana destinada
al uso de los americanos (1847), de Andrés Bello, no Chile?
Ainda, segundo o pensamento de Auroux (1992), a existência e o
funcionamento de gramáticas e dicionários são essenciais para o
processo de gramatização de uma língua. Essa colocação nos faz
entender por que, no curso da história, alguns vernáculos, algumas
línguas se gramatizaram antes que outros ou não se gramatizaram.
Considerando os conceitos teóricos da HIL anteriormente
destacados e a orientação metodológica, quanto aos objetos de
observação e análise nesse campo, apresentamos algumas produções de
Bello na/da língua espanhola. Não se configura em uma lista exaustiva
de sua obra, mas sim estão entre as de maior destaque.
Começo com o artigo Gramática castellana, publicado em 1832, no
jornal El Araucano. Foi a primeira publicação do autor sobre temas
gramaticais no Chile. As reflexões de Bello se alongam em nove
páginas. No artigo, defendia a necessidade do estudo da língua da
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pátria, recusando a ideia de que era suficiente saber a gramática do latim
para se compreender a do espanhol. Para ele, isso era um erro.
Reconhecia que o latim oferecia ideias gerais sobre a linguagem, mas
afirmava que o estudante “no sabrá por eso la gramática del castellano
porque cada lengua tiene sus reglas peculiares, su índole propia, sus
genialidades” 18 (BELLO, 1832, p. 458).
Nesse texto, também aponta e explica falhas de algumas gramáticas
e, especialmente, a da Real Academia Española (RAE), discutindo
questões específicas da língua espanhola. Nessa, em particular, sua
crítica recaía no uso do modelo latino para explicar fenômenos
linguísticos do espanhol. Essa ideia também estará presente na
gramática de 1847. Nesse sentido, distancia-se da primeira gramática
escrita do castelhano, por Antonio de Nebrija, em 1492.
Prossigo com o seu primeiro livro: Análisis ideológica de los
tiempos verbales foi publicado em 1841, no Chile, mas o próprio autor
escreveu no prefácio que havia escrito trinta anos antes, remontando ao
tempo vivido na Venezuela, portanto, resultante de seu trabalho juvenil.
A obra conta com um prólogo e o texto em si, em que Bello abordou o
tema do verbo sob um ponto de vista filosófico (filosofia analítica,
principalmente, cujo título já anuncia), perseguindo o objetivo de
sistematizar a conjugação verbal do castelhano (espanhol), buscando
ser fiel: às suas ideias de recusa ao modelo latino, aos fatos, estes
entendidos como “los varios empleos de las inflexiones verbales según
la práctica de los buenos hablistas”. 19 (BELLO, 1841, p. 237) e à
lógica.
Segundo Alonso (1951), o objetivo de Bello foi estabelecer os
valores dos tempos da conjugação castelhana. A isso se dedicou
intensamente, desenvolvendo uma proposta que passa por uma nova
terminologia, uma nova forma de pensar e explicar os significados de
cada tempo. Muito mais tarde, bem depois da publicação da gramática
de 1847, isso lhe rende um reconhecimento da Real Academia Española
(RAE), que faz referência ao modelo verbal proposto, colocando-o,
entre parêntesis, em paralelo ao seu próprio modelo. Também
gramáticos peninsulares trazem, em suas gramáticas, na seção destinada
ao verbo, o paradigma de Bello.
A forma diferenciada com que o autor apresenta o “modo verbal”
admitia quatro modos: indicativo, subjuntivo comum, subjuntivo
hipotético e subjuntivo optativo. Na verdade, dois modos, o indicativo
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e subjuntivo, se entendermos que os três últimos seriam tipos de
subjuntivo. O primeiro abarcaria dez tempos (o mesmo número da
RAE), conforme o Quadro 1.
Nomenclatura da gramática
tradicional
Nomenclatura de
Andrés Bello
Presente Presente
Pretérito perfecto compuesto Antepresente
Pretérito imperfecto Copretérito
Pretérito pluscuamperfecto Antecopretérito
Pretérito perfecto simple o
indefinido
Pretérito
Pretérito anterior Antepretérito
Futuro Futuro
Futuro perfecto Antefuturo
Condicional Pospretérito
Condicional perfecto o compuesto Antepospretérito Quadro 1 – Os tempos do Indicativo para a RAE e para Andrés Bello
Quanto ao segundo, apresenta três tempos: o subjuntivo comum, o
hipotético e o optativo. O imperativo não existe como modo, pois Bello
o entendia como um caso particular do subjuntivo optativo. A RAE
admite seis tempos: presente, pretérito perfecto, pretérito imperfecto,
pretérito pluscuamperfecto, futuro perfecto, futuro imperfecto.
Outro aspecto inovador é o tratamento dado ao pos-pretérito
(amaría), chamado em português de futuro do pretérito. Bello o incluiu
no modo indicativo, mas, na época, a RAE tratava essa forma como
outro modo verbal e a denominava Potencial. Hoje, ela está no
indicativo, denominada de Condicional (Conforme Quadro 1).
Em relação ao entendimento de “tempos verbais”, segundo o
gramático, marcam a ação do verbo na linha infinita do tempo, a partir
de um ponto de referência, que se relaciona com outros, a que denomina
“acto de la palabra”, que se define pelas coordenadas eu/tu-aqui-agora.
Tal critério é notável na proposta de Bello porque dá lugar a um
elemento exterior. A tomada do momento da enunciação, legitimado
pelo falante, instaura o tempo presente, que passa a nortear os outros
tempos, passado e futuro. Ele entendia por “tempo” o que caracterizava
o momento do dizer, concepção que remete à ideia de tempo linguístico,
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como tempo da enunciação, apresentada mais tarde por Benveniste
(1965).
A noção “acto de la palabra” determina também a nomenclatura
clara, precisa e lógica que é dada aos tempos verbais, o que leva Alonso
(1951, p. XLVII) a afirmar que “la terminología es uno de los hallazgos
valiosos en el sistema de Bello, porque declara a la vez que ordena y
limita los valores de cada tiempo”20 . Distinguiu entre formas simples e
compostas, que, além de terem seu valor próprio e fundamental,
também derivariam dele dois outros significados, o secundário e o
metafórico. A partir do “acto de la palabra”, nomeou os tempos
verbais. Sendo assim, propôs relações simples, dupla e tripla, marcadas
por partículas (prefixos), sendo ante-, para indicar anterioridade, co-,
para indicar coexistência e pos-, para indicar posterioridade, e as
acrescentou às denominações dos tempos: presente, passado e futuro.
Dessa forma, os elementos da nomenclatura sustentariam uma relação
entre si. Para completar as relações simples, duplas e triplas dos tempos
do indicativo propostas por Bello, reproduzimos o esquema da linha do
tempo elaborado por Alonso (1951, p. LXIV):
Figura 1 – Disposição dos tempos verbais de Bello na linha temporal (Fonte:
ALONSO, 1951, p. LXIV).
Ainda que Bello tenha chamado seu primeiro livro de “obrilla”, a
crítica reconhece sua importância em muitos aspectos, sendo um deles
que foi antecedente de duas grandes obras posteriores de seu
pensamento gramatical (1847) e filosófico (1881). Segundo Ardao
(1986), reaparece na gramática de 1847, apresentada de modo integral
e direto, em diversos lugares, mas Bello omitiu a publicação do livro de
1841, não fazendo, em nenhum momento, autocitações na obra de 1847;
também muitos aspectos estão na Filosofía del entendimento (1881).
Compendio de gramática castellana escrito para el uso de las
escuelas primarias, publicada em 1851, é uma obra que resultou da
percepção e preocupação pedagógicas de Bello, obtidas a partir da sua
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gramática anterior, a de 1847. A obra apresenta um texto inicial de uma
página, intitulado “Advertencias”, e depois seguem as partes da
gramática em si, dispostas em “Lecciones”, setenta e três ao todo. No
prefácio da obra, advertiu que o texto é para crianças e que, por isso,
não contém uma descrição completa dos usos e regras da língua
espanhola no Chile. Além disso, alertou que, mesmo assim os adultos
não deveriam descuidar dela já que observava equívocos na língua
nativa, na sua atuação profissional.
No brevíssimo prefácio, Bello também escreveu sobre a sua tarefa
de gramático, dando indícios de como fez a descrição/prescrição da
língua espanhola:
He pasado a la lijera sobre las cosas que el niño
aprende medianamente, oyendo hablar y
hablando; i no he perdido ocasión de hacer notar
los hábitos viciosos en que mas jeneralmente se
incurre. En las definiciones, no se ha procurado
una exactitud rigorosa. Se ha requerido mas bien
señalar los objetos, como con el dedo, que darlos
a conocer en fórmulas precisas, rara vez
accesibles a la intelijencia pueril. (BELLO, 1851,
p. 39) 21
A preocupação pedagógica é evidente: sua gramática deve servir
para ensinar o castelhano às crianças na escola. A questão do uso é
avaliada. Fica subentendido, por suas palavras, que corrige o mau uso,
os “hábitos viciosos” e recomenda que sejam também corrigidos na
escola, buscando o “bom uso”, que está representado no compêndio e
na gramática de 1847.
A Gramática de la lengua castellana destinada al uso de los
americanos foi publicada em 1847, no Chile. Quatro edições da obra
foram revisadas por Bello em 1850, 1853, 1857 e 1860. Tomo a
primeira edição, disponível online, na Biblioteca Nacional Digital do
Chile, observando sua configuração, algumas questões apresentadas e
também o papel que a língua tem através desse instrumento linguístico,
na situação social, histórica e política de seu surgimento.
Ela foi organizada em um Prólogo de nove páginas, dividido em
doze números, uma página de Erratas, uma página de Noções
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Preliminares, cinquenta e um capítulos22 e dezenove páginas de
notas de fim, apresentando também muitas notas de rodapé.
No Prólogo, o gramático revelou o motivo que o levou a escrever a
obra: o medo da fragmentação do espanhol na América Hispânica ao
modo como aconteceu com o Latim na Europa. Entendemos que temia
a fragmentação do castelhano em dialetos, e, consequentemente a
separação da América Latina como conjuntos de estados. Por isso, a
língua deveria ser conservada em sua pureza a fim de proporcionar a
comunicação, o vínculo fraterno entre todas as nações de língua
espanhola e ajudar na manutenção do conjunto. A gramática reuniria e
conservaria essa unidade da língua ideal e asseguraria a ideia de “bem
político” (ALONSO, 1951).
Ainda que Bello descrevesse em sua gramática a unidade da língua
nacional23, trouxe a variedade, mostrando sua consciência linguística de
que o uso do castelhano na América era diferente do peninsular em
muitos aspectos. Reconheceu as diferenças como legítimas, conforme
essa passagem do Prólogo:
No se crea que recomendando la conservacion del
castellano sea mi ánimo tachar de vicioso i espurio
todo lo que es peculiar de los americanos. Hai
locuciones castizas que en la Peninsula pasan hoi
por anticuadas; i que subsisten tradicionalmente
en Hispano-America. ¿por qué proscribirlas? Si
segun la práctica jeneral de los americanos es mas
analójica la conjugacion de algun verbo, ¿por qué
razon hemos de preferir la que caprichosamente
haya prevalecido en Castilla? Si de raices
castellanas hemos formado vocablos nuevos,
segun los procederes ordinarios de derivacion,
que el castellano reconoce, i de que se ha servido
i se sirve continuamente para aumentar su caudal
de voces, ¿qué motivos hai para que nos
avergoncemos de usarlos? Chile i Venezuela
tienen tanto derecho como Aragon i Andalucía
para que se toleren sus accidentales diverjencias,
cuando las patrocina la costumbre uniforme i
auténtica de la jente educada. (BELLO, 1847, p.
XII)24
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O reconhecimento é dado pelo uso da “gente educada”, que foi o
critério adotado por Andrés Bello para descrever a língua. Podemos
confirmar essa ideia no fragmento das Noções Preliminares, da
gramática:
La GRAMÁTICA de una lengua es el arte de
hablarla correctamente, esto es, conforme al buen
uso, que es el uso de la jente educada. Se prefiere
este uso porque es el mas uniforme en las varias
provincias i pueblos que hablan una misma
lengua, i por lo tanto el que mas fácil i
jeneralmente se entiende; al paso que las palabras
i frases propias de, la jente ignorante, varían
mucho de unos pueblos i provincias a otros, i no
son fácilmente entendidas fuera de aquel estrecho
recinto en que las usa el vulgo (BELLO, 1847, p.
1)25.
Lemos que o espanhol que mereceu ser descrito e transformado em
norma, através de seu instrumento linguístico, foi o bom espanhol. E
quem usava (na fala ou na escrita) o bom espanhol? Fazendo um
exercício de retorno às condições sócio-históricas do momento, parece
que o bom espanhol estava nas práticas das pessoas letradas e dos bons
escritores da literatura castelhana. O bem dizer desses usuários era o
bom, o correto, o modelo e o que deveria ser ensinado à maioria da
população.
E a quem se destinou essa gramática? No título, já está declarado:
“destinada al uso de los americanos”. Essa revelação explícita do
destinatário da obra, geograficamente localizado, é incomum em
gramáticas. O que isso significa? Alonso (1951) apresentou duas razões
para a limitação do destinatário: o receio da repulsa dos gramáticos
peninsulares, que poderiam rechaçar o direito de um gramático
americano de corrigir maus usos da língua espanhola; a crítica ao
purismo da gramática espanhola que não admitia os usos do espanhol
da América, recusando-os e qualificando-os de práticas viciosas.
De fato, há uma restrição sim, pois, ela é para falantes americanos
de espanhol e não para outros, e que os motivos disso podem ser os
apontados por Alonso. No entanto, também podemos ver uma
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ampliação, permitida pela palavra “americanos”, no sentido de que não
é para venezuelano, chileno, argentino, peruano..., mas para nações
latino-americanas, falantes de espanhol. Na visão de Bello,
provavelmente, eram os cidadãos dessas jovens Repúblicas que
precisavam ser instruídos. Eles não saberiam o “bom castelhano”?
Nenhuma das gramáticas do espanhol já existentes serviriam? Nesse
sentido, poderíamos pensar na gramática como um instrumento
linguístico transnacional? Ou ainda como disse Wagner (2006) uma
“gramática castellana lationamericana”? São aspectos que merecem ser
mais elaborados.
Quanto aos diferenciais dessa gramática (e de seu autor), seus
estudiosos poderiam apontar alguns aspectos específicos em termos de
língua, amparados nas leituras da obra, como: a elaboração da teoria
verbal; a classificação e o tratamento das classes de palavras em sete,
excluindo pronome e artigo; o entendimento dos pronomes pessoais,
considerando como pessoas apenas “yo/nosotros (as), tú/vosotros (as).
E, em termos mais gerais, a construção de uma gramática particular
livre do molde latino.
Ainda, não podemos descuidar do que disse Jaksić (2001, p. 266)
sobre o Bello gramático: “luchó por mantener el castellano unido a su
fuente matriz, pero también insistió en que se reconocieran los aportes
del castellano de América, batalla en la que incluso la Real Academia
Española le reconoció el triunfo”26. Por exemplo, em 1851, foi
designado membro da RAE, sendo citado nas gramáticas da instituição.
Sua importância também é reconhecida por linguistas e estudiosos da
língua espanhola, sendo um deles, Amado Alonso:
La Gramática de la lengua castellana de Andrés
Bello, escrita hace más de un siglo, sigue hoy
mismo siendo la mejor gramática que tenemos de
la lengua española […] No como la mejor
gramática castellana a falta de otra mejor, sino
como una de las mejores gramáticas de los
tiempos modernos en cualquier lengua
(ALONSO, 1951, pp. IX; LXXXVI)27.
4. Considerações finais
Guiada por alguns questionamentos (“Quem foi Andrés Bello? Qual
a sua produção linguística em língua espanhola? Em que período sua
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obra surge? Qual é o entendimento de Bello sobre essa língua? Qual é
o papel dessa língua nas condições sócio-históricas em que seus textos
aparecem?) e pelo viés da HIL, ao longo deste texto, me propus a
apresentar a vida e a obra de Andrés Bello e a desenvolver uma reflexão
sobre sua produção, seja literária, seja linguística em/sobre o espanhol
na/da América Latina, de modo a compreender a importância das ideias
linguísticas desse autor em países latino-americanos, sua contribuição
para o processo de gramatização do espanhol no universo hispânico e o
papel da língua naquele momento.
O percurso de leitura realizado permite dizer que, embora o autor
tenha desempenhado diferentes funções e contribuído com escritos em
diferentes áreas do conhecimento no curso de sua vida, característica de
sua educação ilustrada e humanista do século XVIII, que muito
valorizava o conhecimento acumulado em diferentes campos, seu
legado maior, no que se refere a obras, está no direito e na língua: o
Código Civil de la República de Chile (1856) e a Gramática de la
lengua castellana destinada al uso de los americanos (1847).
É possível que Bello tenha trabalhado para despertar uma identidade
territorial (na literatura) e linguística (na gramática), pela língua
espanhola, nos “seus irmãos americanos”. Isso lhes auxiliaria na
constituição de uma identidade nacional. Nesse sentido, a língua
comum teria esse valor de “bien político”.
Cabe ainda dizer que nos interessa saber sobre uma personalidade
da história chilena e de outras nações latino-americanas, que são
vizinhas do Brasil. No contexto brasileiro de E/LE, acreditamos que é
muito importante conhecermos o gramático mais notável do século
XIX, no universo hispânico, no entender de ARNOUX (1998) e suas
produções de conhecimento linguístico sobre o espanhol para além das
elaboradas na Espanha, pela Real Academia Española (RAE). E assim
podermos contribuir, de alguma forma, para dar visibilidade a outros
instrumentos linguísticos, à(s) língua(s) com suas variedades, seus
falantes e suas culturas, no mundo hispânico.
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Notas
* Professora do Colégio Politécnico da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)
e Doutoranda em Letras – Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de Santa
Maria (UFSM), sob a orientação da Profa. Dra. Eliana Rosa Sturza.
** Doutora em Linguística pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).
Professora adjunta do DLEM, da Universidade Federal de Santa Maria, e professora do
PPG Letras/UFSM. 1 O curso nessa Universidade se desenvolvia em três anos de estudos em filosofia, que
habilitavam ao grau de Bacharel em Artes. O currículo era estruturado assim: o primeiro
ano de lógica (incluindo o estudo de matemática e geometria), o segundo de filosofia
natural e o terceiro de metafísica. 2 Andrés Bello escreveu sobre temas filosóficos. Um dos textos foi publicado
postumamente como o título de Filosofía del entendimiento, em 1881. Ardao (1986)
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diz que o papel de filósofo foi o mais tardio a ser reconhecido e que essa obra, nesse
gênero, foi a primeira publicada no Chile e em toda a América. Ou seja, esse autor
atribui a ela o papel de obra fundadora da filosofia latino-americana, no âmbito da
língua espanhola, e a Bello, como seu representante, também fundador. 3 Desenvolvemos mais adiante o tema da produção linguística e gramatical. 4 Esta obra foi escrita em 1810, no período vivido em Caracas. 5 Filho do Século da Enciclopédia, quis cultivar todos os conhecimentos humanos.
(tradução nossa) 6 Todos seus saberes de homem ilustrado se colocam a serviço do Continente [...]
(tradução nossa) 7 “Eu certamente sou daqueles que olham a instrução geral, a educação do povo, como
um dos objetos mais importantes e privilegiados a que possa dirigir sua atenção o
governo; como uma necessidade primeira e urgente; como a base de todo sólido
progresso; como cimento indispensável das instituições republicanas. Porém, por isso
mesmo, acredito necessário e urgente o fomento do ensino literário e científico”.
(tradução nossa) 8 Em sua constante preocupação pelo ensino, Bello mostra sua condição de homem da
Ilustração para o qual o desenvolvimento daquele é uma tarefa essencial da sociedade,
cujo compromisso devem assumir o intelectual e o político. (tradução nossa) 9 “A unidade da língua se pode manter somente com estudo, e a unidade da língua era
para Bello um bem político inestimável, de alcance não apenas nacional, mas também
intercontinental” (tradução nossa). 10 “Sua sensibilidade de poeta já está definida em Caracas. Sua prosa já está
conquistada” (tradução nossa). 11 Segundo Jaksić (2001), Bello escreveu ou traduziu setenta poemas durante sua vida. 12 Tomamos a primeira edição do poema, que é de 1826, e em razão disso, chamamos
a atenção para a variedade de castelhano apresentada. Transcrevemos aqui as notas
citadas no seu original.
“3 Ninguna familia de vejetales puede competir con las palmas en la variedad de
productos útiles al hombre: pan, lecho, vino, aceite, fruta, hortaliza, cera, leña, cuerdas,
vestido, etc.” (El autor).
“4 No se debe confundir (como se ha hecho en un diccionario de grande i merecida
autoridad) la planta de cuya raíz se hace el pan de casave (que es la Jatropha manihot
de Linneo, conocida ya jeneralmente en castellano bajo el nombre de yuca) con la yucca
de los botánicos” (El autor). 13 Bello faz uso de todo seu talento poético para promover a ideia de uma América
Hispânica independente cujos valores se baseiam em uma economia agrícola e um
sistema político republicano. O valor estético deste poema é, sem dúvida, muito grande,
mas também é grande o significado político de sua mensagem. (tradução nossa) 14 A constituição e concretização de uma cultura local devia, para Bello, passar pela
valorização e trabalho na terra. A agricultura é, para o poeta, a fonte de riquezas e
progressos, e a América representa para ele o “Éden”, o paraíso, só que agrícola. Ali os
cidadãos deveriam, mediante o trabalho agrícola, estabelecer uma relação de identidade
com a terra, refazendo-se como “seres do solo americano” e buscando a identificação
na medida em que fossem readquirindo consciência do lugar social (físico-social-
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cultural) em que estavam, espaço este pós-colonial que necessitava “ideologia” e
“identidade” próprias (tradução nossa). 15 No volume III, das Obras Completas (1883), de Andrés Bello, encontramos reunidas
as suas poesias. 16 Também é conhecido como Poema de Mio Cid. Segundo Jaksić (2001), apesar do
interesse principal na questão prosódica, Bello encontrou elementos que remetiam a
temas políticos e pessoais que estavam presentes na sua vida em Londres. A obra traz
uma história que envolve exílio, justiça, império da lei, tem três partes e seu personagem
principal é o cavaleiro do rei, Rodrigo Díaz de Vivar, cuja missão era a luta contra os
mouros invasores da Península Ibérica. 17 Entendemos por Castelhano na América, o dialeto histórico originário da região de
Castela, que se tornou a língua oficial da Espanha, ou seja, o castelhano da Espanha,
europeu. Quando escrevemos castelhano da América, referimo-nos ao castelhano
americano. Hoje castelhano e espanhol são designações da mesma língua. 18 “não saberá por isso a gramática o castelhano porque cada língua tem suas regras
peculiares, sua índole própria, suas genialidades” (tradução nossa). 19 “os vários empregos das inflexões verbais segundo a prática dos bons falantes”
(tradução nossa). 20 “a terminologia é um dos achados valiosos no sistema de Bello, porque declara ao
mesmo tempo que ordena e limita os valores de cada tempo.” (tradução nossa). 21 “Passei levemente sobre as coisas que a criança aprende mediamente, escutando
falar e falando; e não perdi ocasião de fazer notar os hábitos viciosos em que mais
geralmente se incorre. Nas definições, não procurei exatidão rigorosa. Requeri mais
bem assinalar os objetos, como com o dedo, que dar-lhes a conhecer em fórmulas
precisas, raras vezes acessíveis à inteligência pueril” (tradução nossa). 22 Em edições mais recentes da gramática (por exemplo, a de 1984), os editores
subdividiram os capítulos em números. Na versão citada, há 1288 números. Também
apresenta Prefácio e um Apêndice. Há edições que consideram 50 capítulos. Há também
as que apresentam índice. 23 Essa ideia também nos inquieta: que gramática é essa que Bello escreve? Como
classificá-la? É descritiva? Expositiva? Filosófica? Prescritiva? Normativa?
Pedagógica? De uso? Ele a classificou de gramática nacional. 24 “Não se acredite que, recomendando a conservação do castelhano, seja minha
vontade tachar de vicioso y espúrio tudo o que é peculiar dos americanos. Há locuções
castiças que hoje, na Península, passam por antiquadas e que subsistem
tradicionalmente na Hispano-América. Por que as proibir? Se, segundo a prática geral
dos americanos, é mais analógica a conjugação de algum verbo, por que razão temos
de preferir a que caprichosamente tenha prevalecido em Castela? Se de raízes
castelhanas temos formado vocábulos novos, segundo os modos ordinários de
derivação, que o castelhano reconhece, e de que se tem servido e se serve continuamente
para aumentar seu caudal de vozes, que motivos há para que nos envergonhemos de
usá-los? Chile e Venezuela têm tanto direito quanto Aragão e Andaluzia para que se
tolerem suas divergências acidentais, quando as patrocina o costume uniforme e
autêntico da gente educada” (tradução nossa).
Líng. e Instrum. Linguíst., Campinas, SP, v. 23, n. 46, p. 74-99, jul./dez. 2020. 99
25 “A Gramática de uma língua é a arte de falar corretamente, isto é, conforme o bom
uso, que é o da gente educada. Prefere-se este uso porque é o mais uniforme nas várias
províncias e povos que falam uma mesma língua, e, portanto, o que faz que mais fácil
e geralmente se entenda o que se diz, ao passo que as palavras e frases da gente
ignorante variam muito de uns povos e províncias a outros e não são facilmente
entendidas fora daquele estreito recinto em que as usa o vulgar, o popular” (tradução
nossa). 26 “lutou por manter o castelhano unido à sua matriz fonte, mas também insistiu em que
se reconhecessem as contribuições do castelhano da América, batalha na qual inclusive
a Real Academia Espanhola lhe reconheceu o triunfo” (tradução nossa). 27 “A Gramática da língua castelhana de Andrés Bello, escrita há mais de um século,
segue sendo ainda hoje a melhor gramática que temos da língua espanhola […] Não
como a melhor gramática castelhana na falta de outra, mas sim como uma das melhores
gramáticas dos tempos modernos em qualquer língua” (tradução nossa).