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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ – CASA LATINO-AMERICANA ANDREZA RENATA HILLANI PIERIN REFUGIADOS NO MUNDO CONTEMPORÂNEO: BREVES CONSIDERAÇÕES CURITIBA 2009

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Page 1: ANDREZA RENATA HILLANI PIERIN · situação dos refugiados pelo mundo, através da transcrição de dados estatísticos, do apontamento da ação imperialista no mundo contemporâneo,

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ – CASA LATINO-AMERICANA

ANDREZA RENATA HILLANI PIERIN

REFUGIADOS NO MUNDO CONTEMPORÂNEO: BREVES CONSIDERAÇÕES

CURITIBA2009

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ANDREZA RENATA HILLANI PIERIN

REFUGIADOS NO MUNDO CONTEMPORÂNEO: BREVES CONSIDERAÇÕES

Trabalho de Conclusão de Curso de Pós- Graduação em Relações Internacionais

apresentado à Casa Latino-Americana e Universidade Federal do Paraná, como requisito parcial à obtenção do título de

Especialista em Relações Internacionais.

Orientadora: Profª. Dra. Gislene Santos

CURITIBA2009

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TERMO DE APROVAÇÃO

ANDREZA RENATA HILLANI PIERIN

REFUGIADOS NO MUNDO CONTEMPORÂNEO: BREVES CONSIDERAÇÕES

Trabalho de Conclusão de Curso aprovado como requisito parcial para obtenção de grau de Especialista no Curso de Especialização em Relações Internacionais, Setor de Ciências Humanas Letras e Artes –SCHLA, Departamento de Sociologia – DECISO da Universidade Federal do Paraná e Casa Latino Americana – CASLA, pela seguinte banca examinadora:

Orientadora: Prof. Dra.. Gislene Aparecida dos SantosDepartamento de Geografia, UFPR

Prof. Ms. Alcione Luís Pereira Carvalho (membro)Departamento de Educação, UFPR

Curitiba, 30 de novembro de 2009.

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AGRADECIMENTOS

À professora Gislene Santos, pela orientação, apoio, confiança e dedicação despendidas ao longo da realização do presente trabalho.

À Cássia Cristina Furtado, Secretária Acadêmica da CASLA, pela disposição e atenção ofertadas, sobretudo no deslinde do Curso.

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Uma das mentes mais lúcidas e vigorosas do pensamento contemporâneo, Hannah Arendt, profetizou que nosso século acabaria

marcado pela existência de refugiados em massa, fugitivos, gente despossuída de todos seus direitos e obrigada a buscá-los longe de sua pátria. Acertou plenamente, por infortúnio, as imagens dos que fogem da

guerra, do racismo, da intolerância religiosa ou ideológica, ou simplesmente da fome, dos que fogem arrastando como podem seus

escassos pertences, desses homens e mulheres que se apressam sem saber para onde, jovens, velhos ou crianças, com a bruma do espanto e

do despojamento no olhar, as imagens dos que atravessam a pé os montes e as brasas dos desertos, dos que dormem sonhos de acossados

no lodo, dos que entulham embarcações precárias que, às vezes, afundam nas ondas, as imagens dos que cruzam cercas e sorteiam como

podem os disparos de guardiões implacáveis, essas imagens são hoje o equivalente moral do que foram em seu tempo as cenas dos reclusos

famélicos e aterrorizados nos campos de concentração nazistas e comunistas. Se diante de filmes como: “A Lista de Schindler” nos sentimos

obrigados a soluçar “nunca mais!”, a sinceridade desse movimento de justiça e compaixão será medido por nossa atitude diante dos perseguidos

e fustigados de hoje: ontem, era imperativo libertá-los de seus cárceres, hoje, trata-se de acolhê-los em nossos países, sob nossas leis e

compartilhar nossas liberdades.

Fernando Savater

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RESUMO

O presente trabalho visa ordenar a situação do refugiado no mundo contemporâneo, através de uma análise ampla sobre o tema. Atualmente, existem cerca de 9,2 milhões de refugiados espalhados pelo Globo. As bibliografias nacionais sobre a proposição discutem, sobremaneira, os aspectos legais, relegando os aspectos sociais e os estudos de caso. Já na seara internacional, as publicações procedem, majoritariamente, do ACNUR, órgão internacional da Organização das Nações Unidas dedicada à proteção do refugiado, o que compromete a isenção dos dados anunciados. Assim sendo, o presente trabalho busca apresentar de forma geral e ampla as questões primordiais dos refugiados, desde o surgimento de tal “Status” no cenário internacional e nacional, bem como as inúmeras mazelas sofridas pelos solicitantes de amparo. Para compor este cenário político (da invenção da categoria refugiado), nos valemos de um variado material de fontes secundárias, como: artigos de jornais, bibliografia especializada no tema, dados estatísticos e de informações da própria ACNUR. Diante do diagnóstico vislumbrado, cabe a todos a reflexão e a imediata atuação para com os novos rumos dos movimentos humanos, sejam estes individuais ou coletivos, com a edificação de um aporte de políticas públicas que esclareçam e sensibilizem os cidadãos para a questão dos refugiados.

Palavras-chave: Refugiados. ACNUR. Migração forçada.

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ABSTRACT

The present work seeks to order the refugee's situation in the contemporary world, through a wide analysis about the theme. Nowadays, there is about 9,2 million dispersed refugees around the Globe. The national bibliographies of the theme discuss, excessively, the legal aspects, relegating social aspects and studies of case. In the other hand, the international publications belong, mostly, from the UNHCR, United Nation Refugee Agency, that compromises the veracity of the information. Therefore, this work is to present in a general and wide view the main issues of refugees, since the emergence of such a "Status" in the international and national scene, as the many ills suffered by the applicants of support. To compose this political scenario (the invention of refugee category), we used a varied material from secondary sources, such as: newspaper articles, professional literature on the subject, statistics results and UNHCR’s information. In the face of the glimpsed diagnosis, incumbent for all the reflection and an immediate action for the new tour of the human movements, individuals or collectives, through the edification of public politics, that clarify and raise public awareness to the issue of refugees.

Key-words: Refugees. UNHCR. Forced Migration.

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LISTA DE SIGLAS

ACNUR - Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados

ANUAR - Administração de Socorro e Reabilitação das nações Unidas

BIRD - Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento

CICV - Comitê Internacional da Cruz Vermelha

CODHES - Consultoria para los Derechos Humanos y El Desplazamiento

CONARE - Conselho Nacional para Refugiados

CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

DDHH - Derechos Humanos em Colômbia

FARCS - Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia

FMI - Fundo Monetário Internacional

HREA - Human Rights Educations Association

IMDH - Instituto Migrações e Direitos Humanos

IRO - Internacional Refugee Organization

OEA - Organização dos Estados Americanos

OIR - Organização Internacional de Refugiados

ONG - Organização Não-Governamental

ONU - Organização das Nações Unidas

OUA - Organização da Unidade Africana

PEID - Pequenos Países Insulares em Desenvolvimento

PIB - Produto Interno Bruto

PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

PNUMA - Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente

UNHCR - United Nations High Commissioner for Refugees

UNICEF - United Nations Children’s Fund

UNIFEM - United Nations Development Fund for Women

UNRRA - United Nations Relief and Rehabilitation Administration

UNRWA - United Nations Relief and Works Agency for Palestine Refugee in the Near

East

UNU - Universidade das Nações Unidas

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...............................................................................................................82 O NOVO PARADIGMA DAS MIGRAÇÕES FORÇADAS..........................................103 DA SITUAÇÃO DOS REFUGIADOS NO MUNDO CONTEMPORÂNEO...................183.1 CRIANÇAS NO REFÚGIO........................................................................................263.2 DOS CAMPOS DE REFUGIADOS E DO DIREITO À VIDA NA ILEGALIDADE......284 DOS DISPOSITIVOS LEGAIS INTERNACIONAIS DOS REFUGIADOS...................364.1 A SITUAÇÃO DOS REFUGIADOS NA ESCALA CONTINENTAL...........................424.1.1 Na América Latina..................................................................................................424.1.2 No Continente Africano...........................................................................................444.1.3 A Oceania e os Refugiados Ambientais................................................................45 4.1.4 Ásia.........................................................................................................................484.1.5 Europa....................................................................................................................495 HISTÓRICO DO ACNUR E AS AÇÕES HUMANITÁRIAS.........................................526 REFUGIADOS NO BRASIL – ASPECTOS LEGAIS E SOCIAIS...............................566.1 HISTÓRICO BRASILEIRO NA CONCESSÃO DE REFÚGIO..................................597 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................64 REFERÊNCIAS...............................................................................................................67

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1 INTRODUÇÃO

Por causalidades políticas, econômicas, sociais ou pressões ambientais, os

migrantes somam hoje aproximadamente 160 milhões de pessoas. Os que migram

forçosamente1 são usualmente classificados em: solicitantes de refúgio (que podem se

tornar refugiados); os refugiados propriamente ditos (que podem ser acolhidos por um

país, reassentados num terceiro Estado ou repatriados à terra natal); os deslocados

internos (que são obrigados a deslocar-se dentro do próprio país); os apátridas (não

possuem vínculo jurídico de nacionalidade com um Estado, esta perda da

nacionalidade pode se dar com a descolonização ou desintegração de federações); e

os asilados. Por fim, há os migrantes para o trabalho que se fixam regularmente no país

de destino, e aqueles que não têm o mesmo êxito, usualmente nominados de

indocumentados.

O presente trabalho visa ordenar a situação do refugiado no mundo

contemporâneo, através de uma análise ampla sobre o tema. Atualmente, existem

cerca de 15,2 milhões de refugiados espalhados pelo Globo (ACNUR, 2009). Este

contingente demasiadamente elevado representa um problema que desafia a

Comunidade Internacional há aproximadamente sessenta anos.

As bibliografias nacionais sobre o tema discutem, sobremaneira, os aspectos

legais, relegando os aspectos sociais e os estudos de caso. Já na seara internacional,

as publicações procedem, majoritariamente, do ACNUR, órgão internacional da

Organização das Nações Unidas dedicado à proteção do refugiado, o que compromete

a isenção dos dados anunciados. Assim sendo, o presente trabalho busca apresentar

de forma geral e ampla as questões primordiais dos refugiados, desde o surgimento de

tal “Status” no cenário internacional e nacional, bem como as inúmeras mazelas

sofridas pelos solicitantes de amparo. Para compor este cenário político (da invenção

da categoria refugiado), nos valemos de um variado material de fontes secundárias,

1 O total de pessoas em mobilidade no mundo perfaz um montante de 120 milhões. Já as migrações forçadas, até o final de 2008, alcançaram o número de 40 milhões de pessoas (UNHCR, 2009).

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como: artigos de jornais, bibliografia especializada no tema, dados estatísticos e,

especialmente, de informações do próprio ACNUR.

Para tanto, no primeiro Capítulo, abarcou-se a conexão entre a situação sócio-

econômica global e os processos migratórios forçados, discutindo-se a interferência das

políticas externas dos Estados Desenvolvidos. No segundo Capítulo expôs-se a

situação dos refugiados pelo mundo, através da transcrição de dados estatísticos, do

apontamento da ação imperialista no mundo contemporâneo, das políticas

internacionais restritivas e das dificuldades enfrentadas pelos refugiados quando no

acolhimento por um novo Estado. Relatou-se a situação das crianças no refúgio e

algumas estórias vivenciadas em campos de refugiados.

Ato contínuo, as principais normas internacionais que versam sobre o tema

foram aludidas, assim como os motivos históricos que as ensejaram no Capítulo três.

As normas vigentes em cada Continente foram examinadas, a fim de se demonstrar a

diversidade no mundo quanto aos Estatutos Internacionais dos Refugiados, que varia

entre os conflitos armados e os desastres ambientais.

Em seguida, no quarto Capítulo, procurou-se trazer à baila algumas

considerações sobre a ajuda humanitária no mundo contemporâneo, mormente por

estar intimamente ligada à nova ordem mundial vigente: países que patrocinam a ajuda

humanitária são, usualmente, os promotores do aumento de situações que a enseja.

Por fim, no quinto Capítulo, destacou-se a questão dos refugiados na seara

nacional, sobretudo pelo aumento no número de solicitantes de refúgio nos últimos

anos. O Brasil é referência no Continente Latino-Americano sobre o tema, e possui em

seu corpo jurídico uma norma específica para a questão. Traçou-se também um breve

histórico da questão dos refugiados no Brasil.

Cada vez mais os refugiados não são importantes intelectuais opositores de

regimes autoritários, ou membros de grupos étnicos discriminados por estados

nacionalistas, mas pessoas comuns, trabalhadores, jovens, mulheres e crianças que

são envolvidos involuntariamente em conflitos armados onde os seres humanos se

transformaram no principal recurso de guerra.

Por tal razão, discussões e reflexões sobre o tema são cruciais para uma

mudança de paradigma, que deve albergar a desvitimização dos refugiados e a análise

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das fontes propulsoras de situações sociais, econômicas, políticas e ambientais que

ensejam os deslocamentos humanos forçados, para o fim de serem mitigadas.

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2 O NOVO PARADIGMA DAS MIGRAÇÕES FORÇADAS

O dueto globalização e migração rege as relações econômica, cultural,

demográfica, ambiental, política e social do nosso tempo. Elas entrelaçam-se. Os

movimentos migratórios internacionais constituem a contrapartida da reestruturação

territorial planetária, intrinsecamente relacionada à reestruturação econômico-produtiva

em escala global (PATARRA, 2005). Uma das motivações do curso migratório é a

questão econômico-financeira, que sujeita os migrantes no país de destino, a um

rebaixamento do seu status social de origem por uma melhoria material. Nesse novo

século, podemos acrescentar ainda como elemento motivacional fatores ambientais,

que têm influenciado diretamente na movimentação de populações pelo globo.

O processo de globalização ou mundialização das relações entre os Estados

acelerou e estreitou – intensamente – a dinâmica comercial, científica, e, sobretudo,

informativa no mundo.

No campo econômico, a globalização ensejou uma reestruturação do processo

produtivo, o que implica novas modalidades de mobilidade do capital e da população

em diferentes partes do mundo (Patarra, 2005). Convergiram-se os mercados em

escala internacional.

O espaço geográfico (re) configura-se com a globalização, através de novas

formas e dinâmicas. Nessa seara, o território mantém-se relevante, pois a localização

permanece como fator estratégico nas relações entre as Nações. Referido espaço, em

inúmeros países que impõem modelos políticos de exclusão étnica, promove alterações

sensíveis em seus territórios e, ato contínuo, nos países fronteiriços. Atos políticos

governamentais estão no âmago da promoção das migrações forçadas.

Para análise da situação atual dos refugiados pelo mundo, mister enfatizar a

consolidação da hegemonia estadunidense no Cenário Internacional, perpetuada no

século passado e em processo de alterações no presente. Isso porque, tal análise

demanda reflexão dos atos políticos internacionais, os quais não podem ser avaliados

sem a inserção estadunidense. A influência norte-americana sobre os demais países,

mesmo os desenvolvidos, mas, sobretudo, nos menos desenvolvidos e em

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desenvolvimento, é patente2; e, como veremos a seguir, sua política externa interferirá

na questão dos fluxos migratórios e, no mesmo sentido, incitará a adoção de políticas

restritivas pelos demais países desenvolvidos. Este modus operandi nada mais é do

que a chamada “Sociedade de Controle”, artifício utilizado pelas nações desenvolvidas

em inúmeros segmentos sociais, inclusive, e de forma premente, aos refugiados.

Entretanto, a freqüente e hoje escancarada retórica contraditória entre o apelo

libertário e democrático e as ações da política externa Norte-americana têm suscitado

questionamentos, e, portanto, tem impulsionado reflexões sobre o discurso

estadunidense. Desse modo, importante se faz analisar a atuação dos países centrais

no que tange ao Humanitário, porque desta consideração se compreende melhor o

surgimento de movimentos nacionalistas, xenófobos, e de desprezo em relação aos

migrantes de países periféricos.

O antropólogo MICHEL ARGIER (2006) divide em três os elementos que

constituem atualmente o fator “humanitário” estadunidense, fator este, segundo o

estudioso, indispensável à edificação social e moral do Império, que influenciam

diretamente a questão dos refugiados.

O primeiro desses elementos, segundo o supracitado autor, é a existência

simultânea de um conjunto de guerras, de violências coletivas, de distúrbios e terrores

que conduzem as populações civis à morte ou à fuga. São guerras mais ou menos

rápidas, “eficazes” ou, ao contrário, morosas, intermináveis, sujas e de “fraca

intensidade”, e que ensejam tratamentos isolados, casuísticos. Essas guerras

despolitizadas, e em geral sem enraizamento social, tomam freqüentemente a

população civil como refém, como alvo voluntário, ou a atingem como efeito colateral

inevitável da confusão crescente entre os locais de vida, especialmente urbanos, e os

locais de guerra (AGIER, 2006). As guerras civis dão-se, atualmente, nos centros

urbanos, o que provoca uma nova modalidade de conflito e um reaprendizado pelos

2 A pretensão dos EUA em se tornar potência hegemônica já se evidenciava antes do fim da 2ª guerra e se intensificou durante o pós-guerra. Isso porque, em 1944, realizou-se a Conferência de Bretton Woods onde foram criadas instituições multilaterais, como o FMI e o BIRD, que demonstravam o poderio econômico estadunidense. Além disso, em 1947, os EUA assumiram a tarefa de reconstruir economicamente a Europa através da implementação do Plano Marshall (SARAIVA, 1997 apud MOREIRA, 2006).

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exércitos. Atualmente, 75% das vítimas de guerras civis, ou até mais como na Colômbia

(cerca de 90%), provém das cidades.

O segundo componente do fator humanitário Imperialista é o conteúdo da própria

intervenção, na medida em que esta acompanha de perto as guerras e as violências, e

representa seu tratamento legítimo. O aporte financeiro das Organizações das Nações

Unidas, estenda-se às suas agências como o ACNUR, provém das nações

participantes, sendo os Estados Unidos os maiores contribuidores. Por esta razão,

AGIER (2006) preleciona que os campos de refugiados representam uma das múltiplas

ramificações da “Sociedade de Controle”.

O principio do care, cure and control aplica-se idealmente nos campos de refugiados, que são dispositivos policiais, alimentares e sanitários eficazes para o tratamento das massas vulneráveis. Se ali as vítimas são mantidas num mínimo de vida, isto é, segundo normas nutricionais de simples sobrevivência, elas também estão sob controle.

Por fim, aponta o autor, como o terceiro elemento do dispositivo humanitário

mundial, o isolamento. Os sítios humanitários situam-se às margens da vida cotidiana,

nos limiares da vida social e da vida, simplesmente (AGIER, 2006).

Esses limiares têm uma forma: os centros de trânsito, os campos de detenção dos que pedem asilo (Woomera, na Austrália), os campos de agrupamentos de deslocados (no Sudão, em Angola), os centros de acolhida de urgência (Sangatte, França), as zonas de espera de pessoas em trânsito nos aeroportos (os Zapi 2 e 3 do Charles de Galle, em Paris), certas zonas portuárias, certos barcos (o “Tampa”), minúsculas ilhas (Nauru): todas essas formas, por diversas que sejam, compõem com os campos de refugiados um conjunto de espaços, hoje em crescimento, para manter refugiados, “clandestinos” e indesejáveis à espera, em sobrevivência e sem direitos. O olhar dirigido a eles enraíza-se numa relação egocêntrica do tipo centro-periferia.

Assim sendo, ao se pensar nos processos migratórios atuais e nas políticas

desenvolvidas pelos países, principalmente no que tange aos refugiados, deve-se levar

em conta sempre essa nova ordem que promove a “Sociedade de Controle”.

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Por óbvio que muitos problemas internos dos países incitam o deslocamento

humano forçado, mas a mão do Império, seja a do século XIX, representada pela

Inglaterra, ou dos séculos XX e XXI, representada pelos Estados Unidos, influenciou

diretamente tais disputas. Tal fato se deve a necessidade do Poder Imperialista de

manter ou estruturar um alinhamento com Nações que sob algum aspecto lhes

interessam. O ajuste de fronteiras dos países que compõem principalmente os

Continentes Africano e Asiático pelas potências colonizadoras, sem qualquer zelo para

com as diversas etnias que lá já habitavam, é um exemplo clássico da mão do Império,

e que permanece refletindo nos conflitos civis atuais e de passado recente, como, por

exemplo, no Iraque e Afeganistão.

Muitos enfrentamentos, sobretudo no Continente Africano, são atribuídos à

diversidade de população, à etnicidade. Ora, diante da edificação da “Sociedade de

Controle”, vislumbra-se que referidos embates não decorrem exclusivamente da

identificação étnica, mas sim, de pressões políticas, tanto do âmbito interno quanto

externo. Internamente, é usual presenciar alusões de superioridade étnica e de crença.

E, referidas declarações, por muitas vezes, acabam por serem apoiadas pelas Grandes

Potências, sempre se utilizando do discurso democrático e libertário; ou por eles

intencionalmente desconhecidas, com o fim de se manter a situação caótica, mas

promovedora de controle. Mesmo porque, inúmeros conflitos dentro das fronteiras dos

países africanos e asiáticos decorrem do colonialismo europeu, que pouco se

preocupou com questões étnicas quando promoveu a descolonização, além de incitar,

durante seu comando, brigas internas por interesses políticos e econômicos.

Desse modo, não são simplesmente conflitos étnicos que forçam o deslocamento

humano na África principalmente. Ele também decorre da própria História do

Continente, assim como do panorama da política internacional atual.

A multietnicidade e as culturas e etnias politicamente divididas representam uma

forte tradição africana desde a época pré-colonial, sobrevivendo até os dias atuais.

Etnicidade e identificação étnica em si não podem ser responsabilizadas pelos conflitos.

Mas, etnicidade e regionalismo são suscetíveis de politização em conflito pelo poder ou

por recursos econômicos devido às imperfeições do processo político.

No mesmo diapasão preleciona CUNHA (1998):

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Os etnonacionalismos e as tendências separatistas das comunidades exacerbam, na maioria dos casos, os governos autoritários, grupos rebeldes e senhores da guerra a recorrer à tática do terror, que compreende ataques aos campos de refugiados, limpeza étnica, deslocamento forçado, em massa, de populações e outras atrocidades como tortura, execuções sumárias e violações de mulheres e meninas.

Outra característica da “Sociedade de Controle” atrelado ao migrante e ao

refugiado é o menosprezo à sua figura.

Os migrantes e refugiados são hoje vistos como uma ameaça ao mercado de

trabalho do país acolhedor, como usuários dos serviços públicos e como os

responsáveis pelo aumento da violência. O preconceito humano ao diferente é histórico.

A imagem do estrangeiro como o deturpador da paz remonta a Roma Antiga. Contudo,

com a nova ordem mundial vigente, com o aumento populacional e escassez de

recursos, o entusiasmo excessivo ao nacional tem majorado.

Isso porque, a expansão do sistema liberal não se dá de maneira uniforme e

linear. Ela integra novas regiões do globo num processo conflituoso de avanços e

recuos, de resistências localizadas, de enormes contradições internas e de

significativas diferenças. Em grande parte do planeta, aprofundaram-se as

desigualdades e desequilíbrios sociais. Segundo relatório da ONU, nominado “Informe

sobre a Situação Social em 2005”, 20% da população mundial que vive nos países

desenvolvidos controla 80% das riquezas do planeta. Já os cinco bilhões que estão em

países subdesenvolvidos dividem os 20% restantes. A renda per capita dos 10% mais

ricos equivale a 32 vezes a dos 40% mais pobres.

Tais desigualdades sociais constituem o pano de fundo para o aumento dos

deslocamentos humanos de massa, forçados ou não, nas mais diversas direções,

avultando-se, por conseguinte, o rechaço ao estrangeiro. A pobreza certamente está

conectada com situações discriminatórias, perseguições políticas, sociais e religiosas.

As crises sociais, econômicas, políticas, ambientais ou culturais costumam

produzir deslocamentos humanos; são como um termômetro visível das transformações

invisíveis. Embora fecundas em seus desdobramentos, as crises muitas vezes

começam por agravar as tensões e conflitos. Em tempos de crise, a tendência é

criminalizar e satanizar o outro, o estranho, o diferente. Contra ele erguem-se muros,

leis mais rígidas, preconceito, discriminação, racismo e xenofobia. Não é sem razão

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que os movimentos neofascistas e ultranacionalistas são filhos das grandes crises. O

estrangeiro, nestes casos, pode ser visto como o bode expiatório, sobre o qual recai a

culpa dos distúrbios sociais. Esta hostilidade agravou-se após o atentado do 11 de

setembro de 2001.

Há, portanto, nesse novo século, uma pressão internacional dos países

tradicionalmente receptores, usualmente os mais desenvolvidos, para que os países

vizinhos às regiões de conflito, em geral países periféricos, assumam papel relevante

na questão dos refugiados. É mais um tentáculo da política engendrada pela

“Sociedade de Controle”.

Guerras, guerrilhas e o terrorismo internacional ou regionalizado; os movimentos

marcados por questões étnico-religiosos; aceleração no processo de urbanização,

sobretudo nos países menos desenvolvidos; a busca de novas condições de vida em

países centrais; o narcotráfico, a violência e o crime organizado; as questões

ambientais, dentre outros, promovem o abandono do lar de incontáveis pessoas

diariamente, e estão todas atreladas à Nova Ordem Mundial.

Na medida em que nas duas últimas décadas diferentes regiões do globo foram

postas em interconexão, observa-se, não um mundo de paz e tolerância, mas o

surgimento de reivindicações nacionais e nacionalistas que permitiram a emergência de

novos Estados soberanos na Europa Central e Oriental. Neste mesmo período,

observa-se igualmente, diferente crescimento de fluxos migratórios (refugiados políticos

e migrantes econômicos), uma recusa crescente de aceitação plena do outro, apesar

da vigência do caráter político da nação moderna, baseada no princípio da inclusão

universal da cidadania (D'ADESKI, 2003).

Para justificar a dificuldade de inclusão de refugiados e migrantes, justificação,

aliás, necessária aos países que perpetuaram a retórica de liberdade, igualdade e

fraternidade, certos políticos e cientistas europeus chegaram até mesmo a formular a

idéia de que existiria, em termos de aceitação do outro, um limiar sociocultural que não

pode ser ultrapassado, sob o risco de exacerbar a intolerância, a discriminação e o

racismo.

Muitos países europeus, os Estados Unidos e Austrália, por exemplo,

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intensificaram sobremaneira as barreiras políticas sobre migração3, seguindo os

ditames da “Sociedade de Controle”. Algumas manchetes propagadas na mídia

internacional merecem transcrição:

-Crise leva aumento de legislação e manifestações anti-imigrantes na Europa (UOL Notícias, 13/04/2009).-Grã-Bretanha endurece regras para imigrantes (BBC Brasil, 23/02/2009).-Imigrante perde liberdade e custódia do filho nos EUA (The New York Times, 23/04/2009).-Espanha: imigrantes sem saúde e educação (BBC Brasil, 18/09/2009).-Itália aprova lei que torna crime imigração ilegal (BBC Brasil, 03/07/2009).-Europa vira as costas para a mão-de-obra imigrante (Der Spiegel, 19/03/2009).-Cidade italiana determina separação de nativos e imigrantes em ônibus (El Pais, 04/04/2009).-Obama dá continuidade a medidas de Bush contra imigrantes ilegais (The New York Times, 04/08/2009).-França expulsa 17 mil imigrantes ilegais entre janeiro e julho (EFE, 03/09/2009).-Portugal: imigrantes têm pouco acesso a hospitais (LUSA, 24/09/2009).-Polícia fecha acampamento de imigrantes na França (BBC Brasil, 22/09/2009).

A Organização das Nações Unidas, no último relatório emitido pelo Programa

das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), publicado em 5 de outubro de

2009, tenta enfatizar os impactos positivos da imigração para os países ricos, sobretudo

na atual conjuntura da crise econômica internacional. “A migração pode ser uma força

positiva, contribuindo significativamente para o desenvolvimento humano”, diz a

administradora do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD),

Helen Clark. “Mas, para apreendermos os seus benefícios, é necessário haver um

ambiente político que a apóie, tal como sugere este relatório” 4.

Como um contrapeso às políticas internacionais que versam sobre imigração, ou

apenas uma estratégia da “Sociedade de Controle”, a União Européia apresentou 3 Um exemplo contundente é a construção de uma cerca, com recurso financeiro da União Européia, em torno de Ceuta e Melilla com vistas a barrar a vida de pessoas da África, sem distinção entre o refugiado e o migrante econômico (Revista VEJA, 2 de setembro de 1998).

4 Disponível: http://www.pnud.org.br/cidadania/reportagens/index.php?id01=3325&lay=cid. (Acesso em 27 de agosto de 2009).

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recentemente um projeto que visa combater a imigração ilegal, mas que, em

contrapartida, instará os 27 países do Bloco a receberem mais refugiados. O objetivo

do projeto obviamente não se sustenta apenas nos Direitos Humanos, mas no

resguardo de interesses dos países. Contudo, a iniciativa promete aumentar o auxílio

aos refugiados, o que é celebrável na conjuntura atual.5

Por conseguinte, imperativo se faz a construção de uma política global

fundamentada no princípio da divisão de carga – burden sharing – que trata do

compartilhamento de tarefas através da divisão destes encargos de forma comum mas

diferenciada (em relação à capacidade de suporte de cada Estado). Tal iniciativa,

orientada basicamente para eliminar as causas do atraso econômico e político que

afeta os Estados mais vulneráveis ou periféricos do planeta, onde os indivíduos

deambulam entre a sobrevivência violenta e a imigração, mitigaria os impactos que

forçam o deslocamento humano.

5 Notícia veiculada na Folha de São Paulo – Caderno Mundo – em 03/09/2009.

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3 DA SITUAÇÃO DOS REFUGIADOS PELO MUNDO

Na Encíclica Sollicitudo Rei Socialis, declarada no ano de 1987, João Paulo II

assim expôs sobre a questão dos refugiados:

Chaga típica e reveladora dos desequilíbrios e conflitos do mundo contemporâneo: os milhões de refugiados a quem as guerras, as calamidades, perseguições e discriminações de todo tipo fizeram com que perdessem a casa, o trabalho, a família e a pátria. A tragédia destas multidões se reflete no rosto marcado dos homens, mulheres e crianças que, num mundo dividido e inóspito, não conseguem encontrar um lar.

No cenário contemporâneo, conflitos armados, guerras civis, governos

autoritários, fome, miséria, pressões ambientais, escassez de recursos, engendram-se

como os principais vetores de descolamentos humanos que resultam em refúgios.

Nos casos do Leste Europeu, da Ásia e da África, guerras e conflitos interétnicos

têm sustentado fortemente as migrações forçadas numa escala inédita na história da

humanidade.

Segundo relatório anual do Alto Comissariado das Nações Unidas para

Refugiados6, divulgado em junho do corrente ano, há no mundo 15,2 milhões de

refugiados e 827 mil casos pendentes de pedido de asilo. Estes 16 milhões de pessoas

integram um total de 42 milhões de deslocados7.

O número de refugiados no mundo é o maior desde 2002. Em 2006 houve um

crescimento de 14% em relação ao ano anterior, em grande parte pelo conflito no

Iraque. Some-se a estes dados os 3 milhões de palestinos refugiados desde os anos de

1940 e 1960 em diversos países do Oriente Próximo (Líbano, Jordânia, Síria, território

palestino).

6 Sigla em inglês: UNHCR – United Nations High Comissioner for Refugees. Disponível em www.unhcr.org/statistics. Acesso em 5 de setembro de 2009.

7 Segundo dados do Global Trends 2008, redigido pelo INHCR, em 16 de junho de 2009. Disponível em www.unhcr.org/statistics. Acesso em 30 de setembro de 2009.

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Importante fazer uma ressalva para a questão das estatísticas apresentadas de

refugiados. Primeiramente, o registro junto ao ACNUR nos países de acolhimentos é

facultativo. Segundo, muitos refugiados optam por serem ou não reconhecidos. Muitos

temem o registro, enquanto outros o acham inútil (Rekacewicz, 2008).

Mesmo assim, os dados da Agência da ONU são relevantes para análise da

questão. A distribuição pelo mundo do número de pessoas atendidas pela Agência é a

seguinte:

Tabela 1: Número de pessoas sob amparo do ACNUR, por regiões.

Região Total em 1º de janeiro de 2004

Total em 1ª de janeiro de 2005

Ásia 6.112.500 6.899.600África 4.242.300 4.861.400

Europa 4.242.800 4.429.900América do Norte 978.100 853.300

América Latina e Caribe 1.316.400 2.070.800Oceania 74.400 82.400TOTAL 17.009.300 19.197.400

Fonte: UNHCR, 2005.

Os Continentes Africano e Asiático são os mais amparados pela ACNUR.

Registre-se ainda que os países chamados em desenvolvimento e os subdesenvolvidos

são os que acolhem mais de 80% dos refugiados do mundo. Tal fato acentua a

premissa de que as nações com menor poderio econômico são as que recebem o

contingente mais significativo de refugiados. Obviamente, nações cuja miserabilidade

impera são palcos de conflitos internos8.

8 Dentre as motivações de conflitos internos, destaque-se escassez de recursos naturais, má distribuição de renda, ausência de trabalho, etc.

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Do Continente Asiático, o Afeganistão é o país com o maior número de partidas

de seus cidadãos - 2,8 milhões, seguido do Iraque com 1,9 milhão de pessoas. O

Paquistão é o maior receptor de refugiados, com 1,8 milhão de pessoas, seguido da

Síria com a recepção de 1,1 milhão de pessoas9, estes vindos dos Conflitos no Oriente

Médio. Na mesma seara, registre-se o Iêmen, com 100 mil; a Tanzânia com cerca de

500 mil e a Jordânia, entre 2,3 e 2,5 milhões (também oriundos dos Conflitos no Oriente

Médio) (Rekacewicz, 2008).

Já no Continente Africano, a República Democrática do Congo abriga até 300 mil

pessoas e 1,7 milhão se acrescentarmos a população deslocada. Certamente, o grande

número de refugiados decorreu dos conflitos internos sangrentos do vizinho Sudão.

Extrai-se, portanto, que Ásia e África são os continentes com maiores problemas

em relação aos refugiados, deslocados internos e apátridas. Afeganistão, Iraque,

Sudão, Somália, Burundi e República Democrática do Congo são os países nesses

continentes de onde mais saíram refugiados.

Grande parte dos refugiados, em decorrência da ausência de estruturação

política interna de seus países, principalmente dos provenientes dos continentes acima

nominados, tem - no momento do exílio - seu primeiro contato com a figura Estatal.

Primordialmente, quando devem partir de um país para se confrontar à ausência de

direitos no outro, ou mesmo ao rechaço nas fronteiras, mais freqüente nos últimos

anos. O Estado nunca esteve tão presente nas suas vidas quando se transformam em

refugiados (Agir, 2006).

Importante ainda inserir nessa problemática dos refugiados o desenvolvimento

da indústria da guerra, que inviabiliza o ataque às raízes dos conflitos armados. Estes,

por sua vez, configuram-se como um dos principais elementos na formação de

situações que requerem refúgio. Tal indústria, além de fomentar os conflitos internos e

externos, ainda atua na questão através da formação de redes especializadas de

traficantes de pessoas, “os passadores”, que propiciam aos refugiados ultrapassarem

fronteiras entre os Estados, favorecendo o comércio lucrativo, que financiará os

conflitos armados, e a promoção, novamente, de mais refugiados. Lembre-se que a

9 Segundo dados do Global Trends 2008, redigido pelo INHCR, em 16 de junho de 2009. Disponível em www.unhcr.org/statistics. Acesso em 30 de setembro de 2009.

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indústria bélica compõe uma grande parcela das finanças dos Países Desenvolvidos, e,

obviamente, não há interesse econômico nem político no desmantelamento desta fonte

de renda.

Assim sendo, na aurora do século XXI, cerca de 50 milhões de pessoas são

qualificadas pelas Nações Unidas como “vítimas de deslocamentos forçados”.

Acrescente-se a tais dados os eventos naturais, como a elevação dos mares e o

avanço de processos de desertificação. Tais processos promovem uma diminuição dos

espaços minimamente habitáveis, o que, por conseguinte, gera conflitos internos e

deslocamento forçado de pessoas. O aumento da densidade demográfica, em

determinadas áreas, antes causada apenas pelo crescimento da população, agora

também é alimentado pelo implacável avanço dos desertos, escassez de água e pelo

aumento no nível do mar. A degradação ambiental tem sido a causa do deslocamento,

desenraizamento, de um grande número de pessoas.

Os refugiados ditos ambientais são frutos destes efeitos. Ainda sem previsão

legal, tal categoria merece menção, uma vez que já se prevê nos meios acadêmicos um

grande número de indivíduos que serão obrigados a migrar pelo encolhimento dos

espaços habitáveis10. Apesar do reconhecimento do refugiado ambiental pelas

Nações Unidas, sua conceituação não é vislumbrada pela norma internacional. Este

grupo de pessoas deslocadas permanece irreconhecível legalmente (Derani, 2006).

Na Conferência das Nações Unidas sobre desertificação, realizada em Túnis, em

22 de novembro de 2004, estimou-se que para 2020 até 60 milhões de pessoas

poderão emigrar da África subsaariana para a África setentrional e a Europa,

decorrentes da escassez de água e expansão de áreas desérticas.

Mas estima-se que os problemas decorrentes da elevação do nível dos mares

num futuro próximo gerem a expulsão de um maior número de pessoas do que

vislumbramos hoje, devido à concentração da população mundial em cidades costeiras

e em deltas de rios. As pequenas nações insulares, como Tuvalu e Kiribati, localizadas

na Oceania, já sofrem os efeitos das alterações do clima (o que será ainda explanado),

ensejando preocupações à Nova Zelândia e à Austrália. A dúvida que desperta hoje é

10 Com um número aproximado de 2,4 bilhões de pessoas que se somarão ao mundo até 2050, a escassez de água em países cujos lençóis freáticos já estão diminuindo atestam a necessidade de se discutir o tema e já antever soluções para tal problemática.

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quem suportará a pressão decorrente de tais impactos ambientais sobre a população

humana?

Seja qual for a motivação de se refugiar, um dos problemas mais relevantes

sofridos pelos estrangeiros que solicitam amparo é a ignorância sobre o tema das

populações dos países que os acolhem (registre-se novamente que tal fato é histórico,

e é atualmente reforçado pela “Sociedade de Controle”). Usualmente a sociedade local

os consideram perigosos por serem perseguidos em seus países de origem. Ao longo

do tempo esta situação tem piorado. A imagem dominante do exílio transformou-se,

adquiriu sucessivamente a aparência de refugiado, do deslocado interno, e, agora, do

indeferido (closed file, na linguagem anglófona do ACNUR), ou seja, do clandestino

(AGIER, 2006).

Após o recebimento dos solicitantes de refúgio, usualmente os países receptores

aplicam o conceito da “assimilação”, que provém do modelo colonialista, cuja

característica é moldar o estrangeiro conforme os costumes locais, diluindo suas

particularidades étnicas, distanciando-o de sua memória cultural.

Para corroborar com o explanado, as Irmãs das Cáritas (idealistas do Instituto

Migrações e Direitos Humanos - IMDH), Instituição esta de relevante importância para o

tema no Brasil, como será futuramente explanado), Rosita Milesi e Nadir Contini,

colacionam manchetes de jornais do mundo que explicitam o drama vivenciado pelos

refugiados. Vejamos:

- Governo da Austrália expulsa refugiados albaneses de Kosovo (Folha de São Paulo, 13/04/2000). - Centenas de pessoas podem ter morrido afogados ontem na Indonésia, depois do naufrágio de um barco que transportava refugiados que tentavam escapar da onda de violência religiosa que assola as Ilhas Molucas, Indonésia. Conflitos entre cristãos e muçulmanos (Folha de São Paulo, 30/06/2000).- Mais de 200 pessoas já deixaram suas casas com medo da guerra do Estado do Tupomayo, onde o conflito deve começar nas próximas semanas, quando o governo colocar em prática o “Plano Colômbia”.- 500 colombianos pedem asilo na Venezuela. Segundo ONU, grupo de 120 famílias cruzou a fronteira no fim de agosto para escapar de paramilitares (Folha de São Paulo, 22/08/2000).- Refugiados palestinos superam 3,5 milhões (Folha de São Paulo, 28/12/2000).- Cerca de 3,7 milhões de refugiados palestinos dependem de um acordo, entre árabes e Israel (Correio Brasiliense, 21/01/2001).

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- Pelo menos 500 pessoas morreram de frio desde quarta-feira em campo de refugiados do Afeganistão. A maioria das vítimas veio de locais onde existem combates entre os milicianos talibãs e a oposição ou fugiu da seca que afeta o país. Durante a noite a temperatura chega a 25 graus abaixo de zero (Correio Brasiliense, 03/02/2001).- Agência da ONU pede ajuda internacional ao país. Guiné vive grave crise humanitária, com mais de 450 mil refugiados. 250 mil pessoas vivem em campos de refugiados no Bico do papagaio. 200 mil liberianos e leoneses deslocaram-se para o sul de Guiné recentemente (Folha de São Paulo, 13/02/2001).

Ao alcançarem os países a pé, ou através dos demais meios de transportes, a

grande maioria dos fugitivos de guerra, de perseguições, de desastres ambientais,

dentre outros, chegam com a roupa do corpo. Não é raro chegarem sem saber onde

estão desembarcando, porque entram no primeiro navio que os recebe ou viajam

dentro de containers sem saber exatamente para que rumo (MILESI & CONTINI, 2001).

Os refugiados e os deslocados internos são atores que acabam por exercer uma

nova categoria de direito, demasiadamente conflitante: o Direito à vida na Ilegalidade.

Referido Direito origina-se do abandono institucional dos indivíduos.

O que cria esse abandono? O que se perde com ele? E, por exemplo, a que Estado de direito – e de direitos – pertence uma criança nascida num campo de refugiados? O paradoxo da “segunda geração” de refugiados mostra a atualidade da questão do lugar de exercício da cidadania. (...) Falar de “segunda geração” de refugiados é um contra-senso do ponto de vista sociológico, pois se trata da emergência de gerações situadas no exílio de seus descendentes. (...) Um filho de refugiado angolano na Zâmbia não é nem zambiano, nem migrante angolano, não possui carteira de trabalho nem de residência, e não pode ser naturalizado: é apenas filho de refugiado angolano (AGIER, 2006).

Assim, além de todas as vicissitudes decorrentes do refugio em si (abandono de

lar, perda de familiares, de propriedade, etc), a questão do status, do Estatuto dos

indivíduos que pedem amparo, é um grande imbróglio. A definição do status de pelo

menos 50 milhões de pessoas solicitantes de refúgio, asilo, deslocados, é entregue à

apreciação caso a caso, que considerará a localidade de origem do solicitante, seu

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local de registro, o que resume todas as retóricas identitárias fundadas na origem, e as

rejeições que daí decorrem.

O registro civil das crianças é totalmente comprometido na maioria dos lugares

de abrigo. Muitos locais não possuem estrutura para tanto, impedindo, por conseguinte,

o seu acesso e inclusão em programas e em políticas destinadas a sua proteção.

Os campos de refugiados merecem especial destaque porque apresentam vários

problemas: segurança, tráfico de armas e pessoas, violência e exploração sexual,

manipulação política, insuficiência de alimentos, insalubridade, doenças, preconceito da

comunidade local por razões religiosas, raciais, sociais e culturais, em suma, ausência

de condições mínimas de vida.

As ameaças à segurança física dos refugiados têm origens diversas, dentre elas

o crime organizado, forças policiais e paramilitares, combatentes antigovernamentais,

populações locais e até a própria comunidade de refugiados. A vulnerabilidade dos

refugiados aumenta quando eles possuem recursos econômicos e materiais limitados e

suas estruturas familiares e comunitárias foram destruídas ou sofreram tensões. As

ameaças físicas vão desde o roubo, agressão e a violência doméstica até o abuso

infantil, a violação e o tráfico de pessoas (ACNUR, 2006).

No caso das mulheres e crianças os abusos e explorações não se limitam à

comunidade dos campos ou agentes externos locais, mas já houve casos de

envolvimento dos próprios agentes humanitários.

Os acampamentos mal planejados que não levam em consideração as necessidades das mulheres e crianças (meninas) podem também expô-las ao abuso; as agressões são mais habituais quando têm que viajar sem proteção a zonas longínquas em busca de comida, água ou lenha. (...) Quando ficam escassas a comida e outras necessidades, as mulheres dificilmente conseguem uma justa parte do que há disponível. O Fundo das Nações Unidas para o Desenvolvimento das Mulheres (UNIFEM, United Nations Development Fundo for Women) advertiu que as mulheres dos acampamentos obtêm a menor quantidade de tudo, desde plástico até sabão. Se os homens são os únicos distribuidores de alimentos e material, aumenta muito a probabilidade de exploração sexual (ACNUR, 2006).

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Por fim, o ostracismo dos refugiados que se encontram em campos,

assentamentos rurais ou centros urbanos, pela comunidade internacional, também é

habitual. O exílio duradouro promove afronta aos direitos fundamentais de tais

indivíduos, bem como às suas necessidades econômicas, sociais e psicológicas. Nesta

situação, um refugiado normalmente é incapaz de liberar-se da dependência forçosa da

ajuda externa (ACNUR, 2006).

Em Belém, na Cisjordânia, há famílias de refugiados palestinos que foram

arrancadas de suas casas quando Israel tornou-se nação11 – geração após geração,

presas em um limbo, destituídas de um Estado. “Pergunte de onde são, e dirão o nome

de uma cidade que provavelmente foi apagada do mapa de Israel. Descreverão com

ternura e tristeza as águas cristalinas e os campos verdejantes de sua terra. Alguns

mostram um molho de chaves enferrujado que outrora destrancava a casa em que

viviam seus pais ou avós antes da existência de Israel. Mais de 10 mil pessoas vivem

no quarteirão de 1,3 quilômetros quadrados do campo” (FINKEL, 2007).

Países como a França, sempre atrelada a valores libertários, apresenta hoje

inúmeros locais que se tornaram “depósito de refugiados”. “Julgados culpados por não

preencherem os numerosos critérios de nossa hospitalidade, esses refugiados se vêem

arrancados de sua e de nossa vida”. (IMACHE, 2008). Detidos, ficam até 18 meses

aguardando sua expulsão sob coação física, psicológica e moral.

Nestas situações o descaso dos tomadores de decisão é premente.

Comunidades sem apelo midiático são as maiores vítimas. E, provavelmente, tais

comunidades permanecerão no exílio. Não há interesse político da Comunidade

Internacional de reingressá-los à sociedade, ou auxiliar seus países de origem a

solucionar a situação que ensejou o refúgio. Não raramente os conflitos são iniciados

por interesses externos. Os principais grupos que se encontram nessa situação são:

Congoleses em Burundi (quase 40.000), somalis no Yemem (mais de 36.000), sudaneses no Egito (aproximadamente 15.000), afegãos na Índia (quase 10.000), liberianos na Costa do marfim (mais de 5.000). Refugiados palestinos em Gaza (962.000), na Jordânia (953.000), na Cisjordânia (688.000), na Síria

11 República Democrática Parlamentar fundada em 14 de maio de 1948.

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(425.000), no Líbano (401.000), na Arábia Saudita (240.000), no Egito (70.000) e no Iraque (23.000) (ACNUR, 2006).

Dessume-se pela prática de alguns Estados, que nem sempre eles estão

dispostos a permitir que considerações humanitárias obstruam seus objetivos nacionais

próprios (KHAN, 1986 apud Moreira, 2006). Para Feller (2001), a decisão de acolher ou

não refugiados se baseia num cálculo de custo-benefício equacionado pelos Estados.

3.1 CRIANÇAS NO REFÚGIO

A população de crianças e adolescentes corresponde a metade da população

total de refugiados. Dentre as inúmeras dificuldades em se garantir o bem-estar infantil,

está a segurança. Usualmente, elas saem de seu país em decorrência de ameaça

sofrida, e, muitas vezes, no país de asilo a intimidação prossegue. Segundo o

ACNUR12, muitas crianças são mortas, torturadas, abusadas fisicamente,

negligenciadas, abandonadas e raptadas. Elas também estão sujeitas a trabalho

forçado, exploração e abuso sexual.13 Em algumas situações, as crianças são

recrutadas para servir as forças armadas ou participar de milícias.

Segundo o UNICEF (United Nations Children's Fund)14, as crianças podem sofrer

traumas psicológicos ao serem separadas de seus responsáveis e por serem

submetidas ou expostas a situações adversas.15

O ACNUR estabeleceu quatro situações de risco em relação às crianças, que

são: i) crianças desacompanhadas; ii) crianças separadas dos responsáveis; iii)

12 Note on Refugee Children (EC/SCP/46) par. 7.

13 Note on Refugee Children EC/SCP/46, par. 17.

14 Fundo das Nações Unidas para a Infância.

15 Note on Refugee Children EC/SCP/46, par. 22.

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portadoras de necessidades especiais; iv) crianças que vivem há muito tempo em

campo de refugiados.16

As crianças que se encontram em campos por um longo período têm a sua

liberdade de movimento limitada e perdem a noção de um padrão de vida normal

(CASTRO et al, 2009). Elas são mais sugestionáveis à depressão e ansiedade, uma

vez que aguardam a resposta de propostas de reassentamento de suas famílias;

sujeitam-se também a comportamentos bipolares, variando da passividade até altos

níveis de agressividade.17

As crianças em campos de refugiados têm o acesso à nutrição limitado, devido a

superpopulação, pobreza e quantidade de alimentos distribuídos (CASTRO et al, 2009).

Elas também não têm acesso à educação primária, o que dificulta o reassentamento,

por exemplo. As atividades religiosas e recreativas praticamente inexistem, realçando-

se, assim, a sensação de confinamento.

Importante mencionar a diferença no tratamento entre os gêneros de crianças,

decorrentes de questões culturais, mas que devem ser balizados pelos agentes do

ACNUR. As meninas são mais vulneráveis; submetem-se a casamentos forçados, a

abusos sexuais e a políticas que não consideram tais aspectos. Já os meninos, como

dito anteriormente, são recrutados para integrar milícias e exércitos, além de serem

detidos arbitrariamente, o que os expõe a altos níveis de violência.

Alguns dados estatísticos ilustram o montante de crianças em campo de

refugiados. No Chade, estima-se que dos 200 mil sudaneses distribuídos em 12

campos, 60% sejam crianças.18 Na República Democrática do Congo, o recrutamento

de crianças por grupos rebeldes, bem como pelo Exército, o seqüestro e a prática de

abusos sexuais são constantes nas regiões de maior instabilidade. Muitas crianças são

separadas de suas famílias (segundo o UNICEF, estima-se que 1000 crianças tenham

sido separadas de suas famílias recentemente).19 Destaque-se que em decorrência da

16 Note on Refugee Children EC/SCP/46, par. 26.

17 Note on Refugee Children EC/SCP/46, par. 37.

18 Disponível em: http://www.unhcr.org/news/NEWS/42ef92c77.html. Acesso em 27 de agosto de 2009.

19 Disponível em http://www.unicef.org/infobycountry/media_45661.html. Acesso em 27 de agosto de 2009.

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falta de infraestrutura nos campos de refúgio, malária, cólera e desnutrição são fontes

de mortalidade infantil.

O primeiro documento de relevância, que versa exclusivamente sobre crianças,

no âmbito do ACNUR, foi o “Guia sobre Proteção e Cuidados com Crianças

Refugiadas”20, publicado em 1988 e revisado em 1994. Baseia-se na Convenção dos

Direitos da Criança. Entre os principais pontos do Guia estão a regulamentação de

como deve ser a estrutura dos programas adotados e o treinamento dos agentes do

ACNUR, para o fim de conduzir problemas específicos do grupo (CASTRO et al, 2009).

O UNICEF trabalha em parceria com os demais órgãos das Nações Unidas em locais

cuja precariedade é demasiada, exigindo o somatório de esforços para se alcançar a

proteção da criança e do adolescente.

3.2 OS CAMPOS DE REFUGIADOS E O DIREITO À VIDA NA ILEGALIDADE:

BREVES CONSIDERAÇÕES

Os campos de refugiados constituem-se como meios sociais e políticos

paralelamente à sua construção material. Esse engendramento só se percebe em geral

a posteriori, quando os campos se tornaram, com o tempo, espécies de projetos de

cidades largados ao abandono (AGIER, 2006).

A precariedade das condições de vida e de habitat, a interdição oficial de

trabalhar, de se deslocar no país fora de zonas dos campos, assim como, muitas vezes,

a ausência de título oficial de refugiado na regulamentação do Estado de acolhida, têm

por conseqüência que a vida dos próprios refugiados, mesmo que a priori não sejam

clandestinos, geralmente só possa construir-se na alternativa entre a dependência da

assistência humanitária e a iniciativa “clandestina”: trabalho informal, corrupção de

policiais que vigiam os deslocamentos, dentre outros.21

20 Disponível em http://www.unhcr.org/cgi-bin/texis/vtx/search? page=search&docid=3b84c6c67&query=children%20guide. Acesso em 27 de agosto de 2009.

21 AGIER, Michel. Refugiados diante da nova ordem mundial. Tempo Social: Revista de sociologia. v. 18. n. 2. São Paulo: USP, 2006. p. 206.

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Contudo, vislumbra-se que em muitos campos, sobretudo quando os refugiados

usufruem certo reconhecimento por parte das agências que desenvolvem ações

humanitárias, há manifestações de pleito por melhores condições de vida. Nesse

embrião de vida política, representantes são eleitos como porta-vozes dos moradores

dos campos.

O ACNUR e as Organizações Não-Governamentais de assistência humanitária

utilizam o critério “vulnerabilidade” para promover a distinção no tratamento dos

refugiados dentro dos campos; promovem, portanto, uma diferenciação interna entre as

pessoas, de caráter excludente, embasadas no discurso humanitário. Enfatize-se que o

discurso humanitário contemporâneo é aquele descrito anteriormente, que pauta-se na

“Sociedade de Controle”.

As categorias de vulnerabilidade oficialmente reconhecidas pelo ACNUR são

quinze ao todo:

São eles: Progenitor sozinho; Mulher sozinha; Criança não acompanhada; Criança separada; Criança chefe de família; Criança perdida; Pessoa idosa encarregada de menores; Pessoa idosa sozinha; Doente mental; Deficiente físico; Amputado; Doente crônico; Surdo e/ou mudo; Cego; Sobrevivente de violência (AGIER, 2006).

Tais critérios promovem uma nova ordem sociológica dentro dos campos, uma

vez que a vulnerabilidade pode ser negociada com os agentes humanitários. Alguns

casos ocorridos merecem destaque, mormente pela importância social de tais eventos.

Mulheres refugiadas de Serra Leoa manifestaram-se em agosto de 2003 no

campo de Boreah, um dos três campos de Albadaria. Em decorrência das estações de

chuvas, uma das habitações desmoronou durante a noite enquanto uma criança

repousava. As edificações são feitas de barro amassado com palha, e os telhados são

de colmo (uma espécie de palha comprida). O Acnur promovia a distribuição de toldos

plastificados a refugiados recém-chegados, deixando os moradores mais antigos (que

vivem há dois anos e meio) sem o material (AGIER, 2006).

Irresignadas, as mulheres solicitaram ao ACNUR o toldo de plástico, pedido que

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foi recusado. Como resposta, as mulheres detiveram veículos das ONGs lá presentes,

bloquearam um veículo da Cruz Vermelha e retiveram seus ocupantes até serem

atendidas. Suscitaram a questão de sua vulnerabilidade e obtiveram os toldos.

No mesmo ano de 2003, no Campo de Tobanda em Serra Leoa22, houve conflitos

na questão da eleição do representante. As eleições foram realizadas, mas foram

anuladas, porque o “chairman” (líder) supostamente almejava ameaçar a tranqüilidade

do campo, através da incitação de disputas tribais. As ONGs que trabalhavam no local

acharam por bem nomear outra pessoa, que, todavia, não contava com o apoio dos

refugiados. Alegavam os voluntários, quando interpelados pelos moradores, que “o

campo não tem necessidade de democracia” para ter um funcionamento satisfatório.23

Diante dessa concepção de campo por parte das ONGs Humanitárias e agências

da ONU, o direito humano de sobrevivência dos refugiados desaparece; ele é

interrompido por decisão das organizações de assistência.

Mesmo sobrevivendo nesse cenário desestimulador de ideais políticos, protestos

por parte das populações residentes nos campos sobre a qualidade dos alimentos

distribuídos são as mais comuns. As armas empregadas são o uso do boicote da ração

alimentar (de caráter coletivo) ou o desvio dos alimentos (ação individual e mais

difundida). Este tem efeitos importantes na ressocialização dos refugiados. Consiste em

vender uma parte da ração recebida para poder comprar nos pequenos mercados dos

campos alimentos com melhor valor nutricional. Com os mercados, os campos se

animam, o dinheiro circula, trocas se efetuam, e uma “cidade” é criada (AGIER, 2006).

A ração do Programa Alimentar Mundial da ONU eleva-se a um máximo de 2 mil

quilocalorias por dia, o que representa a quantidade mínima de sobrevivência (AGIER,

2006). Além da quantidade ser raramente atingida, sobretudo nos campos africanos,

sua má composição promove problemas nutricionais. Muitas doenças decorrentes

desta má alimentação assolam os campos de refugiados.

22 Em novembro de 2003 o campo contava com 7500 refugiados liberianos. Aberto seis meses antes, é o mais recente dos oito campos inaugurados desde 2001, na região de Bô, sudeste do país, que abrigam no total 55 mil pessoas (AGIER, 2006).

23 AGIER, Michel. Refugiados diante da nova ordem mundial. Tempo Social: Revista de sociologia. v. 18. n. 2. São Paulo: USP, 2006. p. 212.

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Os deslocados e refugiados cessam de sê-lo não quando retornam “para suas casas”, mas quando lutam como tais por seu corpo, sua saúde, sua socialização: cessam então de ser vítimas que a cena humanitária implica para se tornarem os sujeitos de uma cena democrática que eles improvisam nos lugares onde estão. Na melhor das hipóteses, portanto, sítios humanitários só podem ser espaços em tensão (AGIER, 2006).

Se o Estado tão presente quando na expulsão ou no rechaço de suas fronteiras

inexiste nos campos, a simples união e organização para o pleito de melhores

condições de vida merece menção.

Como anteriormente exposto, os campos de refugiados são locais de controle

social; são o submundo, as periferias dos Países Desenvolvidos da escória de

indivíduos desinteressantes em termos sócio-econômicos. Por conseguinte, nestes

locais ocorrem atrocidades de grande envergadura, sem que haja qualquer atitude

drástica para o resguardo dos seus direitos daqueles que poderiam intervir.

Infere-se dos breves casos a seguir expostos que as soluções de sobrevivência

clandestina de uma parte dos refugiados e dos deslocados internos só são clandestinas

porque a ilegalidade lhes é atribuída como solução de partida. Esse abandono

institucional faz com que os apelos à legalidade e à moral se tornem igualmente cínicos

e ineficazes (Agier, 2006).

Considerando-se a complexidade da vida dos solicitantes de refúgio e dos já

formalmente estatuídos, que variam desde as posturas políticas dos países procurados

para acolhimento, até a tumultuada vida dentro dos campos de refugiados, usualmente

pouco divulgada, narra-se brevemente a seguir, algumas situações vivenciadas por

estes indivíduos a título exemplificativo. Com isso, pode-se vislumbrar o modo de

operação dos países que compõe a mão do Império, assim como o descaso por parte

da comunidade internacional frente as adversidades inerentes aos campos.

A situação dos refugiados palestinos é especial, tanto que há na ONU uma

agência especializada para atender sua causa, como será mencionado no Capítulo 5.

São vários os relatos de massacre dentro de campos palestinos. O mais conhecido é o

Massacre de Sabra e Shatila, que foi o morticínio de refugiados civis palestinos,

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perpetrado por milicianos cristãos maronitas, nos campos de Sabra e Shatila, situados

na periferia de Beirute, na região sul da cidade que se encontrava sob proteção de

Israel. O massacre ocorreu em uma área diretamente controlada pelo exército

israelense, durante a Invasão do Líbano de 1982, entre 16 e 18 de setembro daquele

ano. A Corte Suprema de Israel considerou o Ministro da Defesa do país, Ariel Sharon,

pessoalmente responsável pelo massacre, por ter falhado na proteção aos refugiados,

contudo ele permaneceu impune. Muitos correspondentes internacionais na época

relataram que o Exército de Israel fechou os olhos para a questão. O número de vítimas

não é bem conhecido. A estimativa pode variar de algumas centenas a 3500 pessoas.

Ainda sobre os palestinos, destaque-se a precariedade do campo de refugiados

Jabaliya ou Jabalia, que é o maior campo existente. Localiza-se na extremidade norte

da Faixa de Gaza, perto da fronteira israelense e da vila do mesmo nome. Tem uma

população de 103.646 habitantes (2002) e área de 1,4 km², o que o torna um dos

lugares mais densamente povoados do mundo. A Primeira Intifada começou em

Jabalia, em dezembro de 1987, e o campo foi palco de numerosos atos de violência ao

longo do conflito árabe-israelense.

Já os enfrentamentos no Afeganistão também não sinalizam um deslinde

próximo. A deterioração da guerra no Afeganistão promove um aumento no número de

crianças e adolescentes que buscam, sozinhos, refúgios na Europa, principalmente na

Grécia (COELHO, 2009). O ACNUR contabiliza hoje mais de 2,8 milhões de refugiados

afegãos pelo mundo (ou o equivalente a quase 10% da população remanescente no

Afeganistão).

Os centros de detenção gregos, onde ficam os refugiados recém-chegados,

estão com a capacidade espacial comprometida. Segundo Coelho (2009), o ACNUR

visitou o Centro de Pagani, na ilha grega de Lebos, edificado para abrigar cerca de 300

pessoas, e constatou no local 850 pessoas, 200 destas formadas por crianças e

adolescentes sós. Os funcionários da agência da ONU descreveram quartos

superlotados e condições precárias de higiene. Em um só cômodo contaram mais de

150 mulheres e 50 bebês.

A Grécia contabilizava até janeiro do corrente ano, 2100 refugiados e 38 mil

solicitantes (COELHO, 2009). Ocorre que, como os demais vizinhos europeus, os

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gregos aprovaram legislação que coibi a imigração ilegal dentro do escopo da nova lei

da União Européia, que permite a detenção de imigrantes por até um ano e meio.

Segundo explicita a agência da ONU para o caso grego, os centros de detenção

são usados em um primeiro momento, e aqueles que cumprem os requisitos para pedir

asilo são removidos para centros de acolhimento após 90 dias, que são escassos frente

a demanda.

O país grego serve como porta de entrada aos afegãos a países como Itália,

França, países nórdicos e o Reino Unido, alguns dentre os quais enviaram em 2001

soldados ao Afeganistão para lutar ao lado da coalização estadunidense.

Dentre os países africanos, o Sudão encenou a mais longa guerra civil dos

nossos tempos, com aproximadamente 2 milhões de mortos e 4,5 milhões de

descolados, de acordo com dados do ACNUR. A região onde o conflito é mais grave é

Darfur. Na região da fronteira com o Chade há 11 acampamentos das Nações Unidas,

com 190 mil pessoas. Tais locais albergam os deslocados internos, que não cruzaram

as fronteiras.

Já os refugiados do Sudão, que atravessaram as linhas fronteiriças, muitos

ocupam acampamentos de refugiados na Eritréia e na Etiópia. Comprova-se,

novamente, que a crise não gera problemas apenas ao país que a hospeda, mas

também aos países vizinhos aos conflitos.

Na região meridional, no ano de 2000, mais de oitenta por cento dos sudaneses do Sul estavam deslocados internamente ou eram refugiados em outros países, particularmente nos países vizinhos. Um entre cinco sudaneses do sul morreu na guerra civil, que até hoje, ainda não conseguiu firmar um acordo definitivo e satisfatório para o fim dos conflitos entre os movimentos rebeldes e o governo sudanês. Segundo o ACNUR, essa guerra obrigou quatro milhões de pessoas a se deslocarem dentro do Sudão, além de levar outras 500 mil a se refugiarem nos países vizinhos. Há 223 mil refugiados sudaneses em Uganda, 88 mil na Etiópia, 60 mil no Quênia, 69 mil na República Democrática do Congo, 36 mil na República Centro-Africana e 30 mil no Egito (SILVA, 2007).

No caso do Sudão a fragmentação vivenciada no país decorre do modelo político

implantado desde os idos de 1956 (ano da independência do Sudão), através da

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imposição de um islamismo fundamentalista e, por conseguinte, segregador. Nesse

diapasão assevera Daniela Florência da Silva:

As divergências existentes entre as diversas etnias sudanesas e de alguns de seus segmentos não difundiam feições com dimensões tão trágicas quanto às de agora. Este é um aspecto percebido em todo continente africano. Quando os conflitos envolvem outros determinantes, que ultrapassam as diferenças étnicas, sobrepondo interesses políticos e econômicos, estas divergências tornam-se importantes fontes de graves conflitos.

Diante desde cenário, a intervenção internacional acaba enfrentando enormes

dificuldades, principalmente quando o governo local é quem promove o deslocamento

da população.

A Austrália, país usualmente receptivo aos refugiados e financiador de ajuda

humanitária, também tem estreitado suas políticas públicas de acolhimento. Uma

situação amplamente veiculada na mídia chamou a atenção. Em setembro de 2001, o

governo australiano refutou veementemente o acolhimento de pouco mais de 400

refugiados afegãos recolhidos pelo cargueiro norueguês nominado “Tampa” no Oceano

Índico, próximo à ilha australiana de Christmas. O governo australiano enfrentou uma

greve de fome de dois dias por parte dos refugiados, que, inteligentemente, atraíram as

atenções da mídia, e forçaram uma resolução para o caso. Mas até o desfecho final, a

pressão por parte da Austrália em não aceitar os refugiados foi grande.

Militares australianos chegaram a invadir o navio norueguês para impedir que

ancorasse no porto da ilha australiana de Christmas. Contudo, o capitão do navio

recusou-se a entregá-lo.

Segundo o empresário norueguês Wallenius Wilhelmsen, proprietário do Tampa, o capitão Rinnan foi quem tomou a decisão de zarpar rumo à Ilha de Christmas. “Ele considerou que houve uma deterioração das condições dos sobreviventes e que estava perdendo o controle da situação”, disse. Muitos dos refugiados estão com doenças de pele, desidratados e com disenteria, pois estão há dias no mar. “O capitão, com base nas necessidades da tripulação e dos sobreviventes, decidiu que deveria prosseguir para o porto mais próximo na manhã de ontem”, completou Wilhelmsen (JORNAL DO BRASIL, 2001).

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O governo australiano tem tentado livrar-se dos refugiados sob sua custodia.

Chegou a oferecer cerca de 10 mil dólares australianos para refugiados que quisessem

sair dos campos de detenção construídos e financiados pela Austrália nas ilhas de

Nauru e Papua Nova Guiné. Os pagamentos destinavam-se a indivíduos com os

pedidos de refúgio em andamento.

Em geral, a sociedade civil tem apoiado tais ações restritivas de seus governos,

por estarem descontentes com os gastos com a acomodação de estrangeiros que

chegam ilegalmente ao país, pela competição por trabalho, etc.

Por fim, a situação na Colômbia merece menção. Certamente é o país latino-

americano que mais produz deslocados internos e refugiados. O maior contingente de

refugiados hoje recebidos pelo Brasil é de colombianos. Em dezembro de 1999, ocorreu

um caso interessante que comprova o desconhecimento pela sociedade civil das

condições reais dos deslocados e refugiados. Cerca de duzentos deslocados internos

colombianos ocuparam a sede do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), com

o fim de serem ouvidos em terreno neutro, com proteção diplomática. Em seguida,

resolvem ocupar o imóvel abandonado pelos funcionários da CICV.

Os desplazados que invadiram a sede do CICR foram “investigados” pela imprensa e pelos serviços policiais, suspeitos de não serem todos “verdadeiros” desplazados. Apoiando-se numa reportagem, um hebdomadário nacional conservador afirmou ser outra a trajetória de uma mulher deslocada em luta, suspeita de manter um bar para prostitutas num bairro da periferia, de ser mãe solteira de quatro filhos e de apresentar problemas psicológicos! (...) E concluía, ameaçador: “Muitos se fazem passar por deslocados e prejudicam a imagem dos que o são realmente...os justos pagam pelos pecadores” (AGIER, 2006).

Nos conflitos da Colômbia muitas milícias angariam recursos, explorando a

população civil, vinculando-a forçadamente ao conflito. Obrigam ainda o plantio de coca

e ao pagamento dos impostos de guerra, nominados “vacuna”24.

24 Informe Del Alta Comisionada para los derechos humanos sobre la situación de los DDHH em

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As conseqüências deste controle social com fim militar são catastróficas. Estima-

se que existam por volta de 11 mil combatentes infantis na Colômbia25, de 3 a 4 milhões

de deslocados internos26 e por volta de 250 mil colombianos nos países limítrofes,

milhares de seqüestrados, assassinatos seletivos e escravas sexuais27.

Os casos acima relatados atestam, portanto: a existência de campos de

refugiados em situações completas de abandono; que há refugiados que tentam

resgatar parte da sua dignidade manifestando-se e exigindo melhores condições de

vida; que grande parte da sociedade civil dos países que acolhem refugiados ignora

suas dificuldades e os consideram indesejáveis, e, por fim, expõem que as medidas

restritivas a migrantes forçados estão sendo amplamente utilizadas pelos países,

mesmo por aqueles tradicionalmente acolhedores.

4 DOS DISPOSITIVOS LEGAIS INTERNACIONAIS DOS REFUGIADOS

A inserção na História da categoria de refugiados deu-se apenas com as normas

Colombia E/CN.4/2000/11, par. 25.

25 Comisión Colombiana de Juristas, balance Del año 2003.

26 Primer informe conjunto de la procuradoria general de la nación y la defensoria del pueblo sobre sumplimiento de la sentencia T-25 de 2004.

27 Informe Codhes (Consultoria para los derechos humanos y el desplazamiento). Bogotá, 08 Julio 2004.

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internacionais contemporâneas. Contudo, na Antiguidade, as civilizações grega, romana

e egípcia já utilizavam o instituto do asilo para receber perseguidos em seu território. A

evolução do instituto teve como época áurea o século XVII, no qual Hugo Grotius28

afirmou que as pessoas expulsas de seus lares tinham o direito de adquirir residência

permanente em outro país, submetendo-se ao governo que lá detivesse autoridade. O

asilo foi normatizado pela primeira vez no Tratado de Direito Penal Internacional de

1889, assinado em Montevidéu, relacionando-o às normas referentes à extradição e

aos delitos políticos.

O refúgio propriamente dito29 surgiu no cenário internacional apenas com a Liga

das Nações. Com o fim da 1ª Guerra Mundial o mundo viu-se diante de grandes

problemas de movimentos massivos relacionados, primordialmente, com a Revolução

Russa e o desmoronamento do Império Otomano. Ato contínuo, com a 2ª Guerra

Mundial o problema dos refugiados tomou proporções jamais vistas, com o

deslocamento de milhões de pessoas por todas as partes do globo. Ademais, havia os

regimes totalitários que vigiam àquela época, que aplicavam, sucessivamente, políticas

de supressão da nacionalidade a grupos minoritários ou de origem específica

(COMPARATO, 2005).

Estima-se que no período de 1939 a 1974, 53.536.000 pessoas foram

deslocadas das suas cidades e países de origem. Cerca de um milhão de pessoas

decidem não regressar: são os nominados last million, o milhão restante. A composição

deste “milhão” era aproximadamente de 275.000 poloneses, 200.000 judeus, 200.000

espanhóis, 190.000 lituanos, latislavos e estonianos, 150.000 iugoslavos – tanto sérvios

quanto croatas, 100.000 ucranianos (FISCHEL DE ANDRADE, 2005).

Em 1943 os aliados criaram a UNRRA (United Nations Relief and Rehabilitation

Administration), em português ANUAR (Administração de Socorro e Reabilitação das

Nações Unidas), de caráter temporário, ao qual aderiram 44 Estados, e objetivava

28 FISCHEL DE ANDRADE, José H. Breve reconstituição histórica da tradição que culminou na proteção internacional dos refugiados. In: ARAÚJO, Nádia; ALMEIDA, Guilherme Assis de. O direito internacional dos refugiados: uma perspectiva brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 106-107.

29 Ressalte-se que o termo asilo é usualmente utilizado no sentido lato, ou seja, da proteção outorgada a todos aqueles que necessitam de abrigo em outro Estado e a buscam pelos mais variados motivos; enquanto o refúgio seria uma espécie de asilo (sentido stricto sensu), uma vez que os motivos estão esposados nas Convenções, Tratados e Legislações Nacionais.

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prover auxílio e reabilitação às zonas devastadas, bem como prestar socorro e

assistência às pessoas deslocadas pela guerra e aos refugiados (FISCHEL ANDRADE,

1996).

A UNRRA buscou o repatriamento (mecanismo objetivado pela antiga União

Soviética), filosofia da qual não coadunava os Estados Unidos, financiadores de 70%

do organismo. Em face disso, os EUA recusaram-se a prorrogar o mandato do

Organismo (expiraria em 1947). Expôs-se, por conseguinte, com o caso da UNRRA o

viés eminentemente político, e não humanitário.

Ainda em 1943 realizou-se a Conferência de Bermudas, que ampliou a proteção

internacional, definindo como refugiados “todas as pessoas de qualquer procedência

que, como resultado de acontecimentos na Europa, tiveram que abandonar seus países

de residência por terem em perigo suas vidas ou liberdade, devido a sua raça, religião

ou crenças políticas”.30

Em 1946, a Assembléia Geral das nações Unidas estabeleceu os seguintes princípios, próprios da condição de refugiado: i) o problema dos refugiados tem alcance e caráter internacional; ii) não se deve obrigar o regresso ao país de origem aos refugiados que expressarem objeções válidas ao retorno; iii) um órgão internacional deveria ocupar-se do futuro dos refugiados e pessoas deslocadas; e iv) tarefa principal consistiria em estimular o pronto retorno dos refugiados a seus países e ajudá-los por todos os meios possíveis. 31

Referida definição alberga uma restrição geográfica, porque versa

especificamente para a Europa, o que evidencia a visão eurocêntrica do mundo, uma

vez que nesse período não havia apenas refugiados europeus.

A descolonização da Índia em 1947 criou 15 milhões deles, obrigados a cruzar

as novas fronteiras entre a Índia e o Paquistão (nas duas direções), sem contar com os

2 milhões de mortos na guerra civil que se seguiu (HOBSBAWM, 2007, p. 58). A Guerra

30 Extraído do site do Ministério da Justiça. http://www.mj.gov.br/datas/Pages/MJ7605B7071TEMID5246DEB0F8CB4C18B9B54B473B697A4PTBRIE.htm. Acesso em 30 de setembro de 2009.

31 Ibid.

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da Coréia, outro subproduto da Segunda Guerra Mundial, produziu aproximadamente 5

milhões de coreanos deslocados. Após o estabelecimento de Israel, cerca de 1,3

milhão de palestinos foram registrados na Agência de Socorro e Trabalho das Nações

Unidas, muitos dos quais encontram-se em campos de refugiados até hoje, como visto

anteriormente.

Outrossim, criou-se em 1947 a Organização Internacional de Refugiados (OIR)32,

para tratar dos problemas residuais dos refugiados depois da 2ª Guerra Mundial. O

estabelecimento da OIR foi objeto de negociações extremamente árduas, mormente

entre as duas grandes potências do período, a respeito de seus conceitos

ideologicamente diferenciados sobre justiça e liberdade humana (Fischel Andrade,

2005). Constituiu-se como primeiro organismo internacional que se ocupava de todos

os problemas dos refugiados.

A OIR estampava uma definição de refugiado muito mais ampla que as

anteriores e, ademais, colocava sob seu mandato, igualmente, os deslocados, jamais

definidos em instrumentos jurídicos convencionais. No mesmo ano, em dezembro de

1947, instituiu-se o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados – ACNUR,

que herdou, após a extinção da OIR em 1952, a maior parte de suas funções. Priorizou

o reassentamento, agora apoiado pelos Norte-americanos, que, segundo Matas (1993

apud Moreira, 2006), objetivava desacreditar o bloco socialista, demonstrando que

muitas pessoas estavam preparadas para fugir de países que adotavam o socialismo.

Mais de um terço das pessoas foram reassentadas nos Estados Unidos.

FISCHEL DE ANDRADE (1996) aduz que esta receptividade estadunidense

coincidia com seus interesses internos, que, no contexto de reconstrução européia do

pós-guerra objetivavam alcançar a hegemonia mundial (Saraiva, 1997). Para tanto,

fazia-se necessário se lançar como uma potência voltada para causas humanitárias,

como a defesa dos direitos humanos e dos refugiados (Andrade, 1996). Um dos

motivos para acolher os refugiados consistia nos benefícios econômicos que advinham,

abastecendo a economia de mão-de-obra abundante (ACNUR 2000 a apud Moreira,

2006).

32 International Refugee Organization (IRO).

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A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1949 inspirou as Convenções

específicas sobre refugiados, pois seu artigo 14 prevê que “Toda pessoas vítima de

perseguição tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países. Esse direito

não pode ser invocado em caso de perseguição legitimamente motivada por crimes de

direito comum ou por atos contrários aos propósitos e princípios das Nações Unidas”.

A Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados foi aprovada 195133, e é o

instrumento jurídico internacional que define em caráter universal a condição de

refugiado e explicita seus direitos e deveres. A Conferência com o mesmo título contou

com a participação de 26 países, dentre eles Brasil, Colômbia e Venezuela

representaram a América Latina.

Idealizada para resolver os problemas dos refugiados na Europa, em decorrência

do pós-guerra, com o passar do tempo a comunidade internacional vislumbrou que o

problema persistiria, sobretudo quando os movimentos de refugiados gerados pelas

descolonizações africanas acentuaram-se. A Convenção foi, portanto, atualizada pelo

Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados de 196734, que retira de seu bojo a limitação

temporal e geográfica prevista no artigo 1º da Convenção35.

A definição de refugiado nas normas internacionais da atualidade está prevista

no artigo 1º, Seção A, §2º da Convenção, com a redação dada pelo Protocolo de 1967.

In verbis:

qualquer pessoa que (...) temendo ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, se encontra fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país, ou que, se não tem nacionalidade e se encontra fora do país no qual tenha sido sua residência habitual em conseqüência de tais acontecimento, não pode ou, devido ao referido temor, não quer voltar a ele.

33 Adotada em 28 de julho de 1951 pela Conferência das Nações Unidas de Plenipotenciários sobre o Estatuto dos Refugiados e Apátridas, entrou em vigor em 22 de abril de 1954 (ACNUR-Brasil, 2004).

34 Convocado em 18 de novembro de 1966, foi assinado em 31 de janeiro de 1967 (ACNUR, 2004).

35 Refugiado é a pessoa que temendo ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, se encontra fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país.

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A repatriação, solução ideal repetida com insistência no texto da Constituição da

Organização Internacional para Refugiados, graças aos países do Bloco do Leste, não

chegou a ser utilizada em grande escala. Do “milhão restante”, somente 73.000

pessoas foram repatriadas, o que não chegou a representar 6% do total de indivíduos

sob o mandato da OIR (Fischel De Andrade, 2005). Por sua vez, pouco mais de

1.000.000 de refugiados e deslocados, mais precisamente 1.038.750 pessoas foram

reassentadas em 65 países, a maioria fora do continente europeu36.

Lembre-se que o período em que se buscava a repatriação já vigia a Guerra Fria,

e a antiga União Soviética era contrária à política desenvolvida pela Organização

Internacional de Refugiados, o que, provavelmente, comprometeu sua atuação nessa

seara. A antiga União Soviética, aliás, manteve-se o máximo que pôde afastada das

atividades executadas pelo ACNUR, não tendo nunca se comprometido com a

Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados, tampouco com o Protocolo de 1967

(Fischel de Andrade, 2005).

Sobre o reassentamento, importante se faz tecer algumas considerações, uma

vez que faz parte da política desenvolvida pelos Organismos Internacionais que cuidam

dos refugiados. Ao lado do repatriamento e da integração local, o reassentamento

forma a tríade das chamadas soluções ditas duráveis para com os refugiados.

Preleciona o ACNUR que um reassentado é também um refugiado. A questão do

reassentamento no cenário internacional consolidou-se na década de 1970, durante a

crise no sudeste asiático, em que milhares de pessoas do Vietnã, Camboja e Laos se

lançavam ao mar fugindo da violência e eram interceptados em águas internacionais

sem um país de asilo que as acolhessem.

Atualmente, o reassentamento é a solução buscada pelo ACNUR, com a

colaboração dos Governos e da sociedade civil, para realocar pessoas ou grupos de

refugiados cuja vida corre perigo também no país de primeiro asilo (Domingues &

Baeninger). O reassentamento é visto como uma das três soluções duradoras principais

para o refugiado, juntamente com a repatriação voluntária e a reintegração local no

primeiro país de asilo.

36 IRO (1951): Statistic Reporto, Geneva apud Fischel de Andrade, 2005, p. 27.

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Da tabela abaixo infere-se os países que atuam conjuntamente com o ACNUR

nos Programas de Reassentamento:

Tabela 2: Principais Países de Reassentamento em 2004

Estados Unidos 52.868Austrália 15.967Canadá 10.521Suécia 1.801

Noruega 842Nova Zelândia 825

Finlândia 735Dinamarca 508

Países Baixos 323Reino Unido 150

Irlanda 63Chile 26

Fonte: ACNUR, 2006.

Os países que concedem o refúgio garantem a não devolução do refugiado ao

país de origem. O retorno dar-se-á somente com manifestação expressa do receptor do

status e se for constatado que os problemas que ensejaram a concessão foram

superados. Tal fato decorre da Convenção sobre Asilo Territorial de Caracas, de 1954,

que consagrou o badalado princípio do non-refoulement37, fundamental em matéria de

refugiados, e que constitui regra de jus congens internacional, não podendo ser

derrogado por controle judicial.

Na prática, tratando-se de refugiados terrestres, caso o Estado não queira aceitá-

los ele deverá mandá-los a um terceiro Estado. Já no caso dos refugiados marítimos,

os Estados podem proibir o desembarque, como vimos anteriormente no caso dos

37 O refoulement, proibido pelo artigo 33 da Convenção de Genebra de 1951, consiste no ato de expelir do território nacional a pessoa que obteve entrada ou que ali esteja residindo irregularmente.

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refugiados que desembarcaram na Austrália, ou, caso este já tenha ocorrido, pode

compeli-los a embarcar novamente, práticas usualmente adotadas no mundo, com

destaque ao sudoeste asiático, aos refugiados afegãos, africanos e cubanos.

Todavia, o artigo 33 da Convenção de Genebra de 1951, além de prever o

princípio do non-refoulement, permite também ao Estado receptor a recusa em albergar

indivíduos que podem representar perigo ou ameaça ao seu país ou que tenham sido

condenados por crimes ou delitos mais graves.

Vislumbra-se na atualidade, da leitura dos poucos casos expostos, que o abismo

entre o direito pensado e o realizado ainda é grande (GARCIA, 1999). O regime

internacional, que supostamente deveria proteger os refugiados, está em crise. Muitos

Estados comprometidos com os tratados internacionais têm reagido ao drama dos

solicitantes de refúgio fechando suas fronteiras. Há uma forte inclinação para

responsabilizar os países e as regiões de onde eles saem. Observa-se ainda, que a

interpretação dada à definição constante dos documentos internacionais tem sido cada

vez mais restritiva, sobretudo pelos países desenvolvidos.

Tal paradigma deve ser combatido e a sociedade civil deve ser sensibilizada

sobre a questão do recebimento de indivíduos que necessitam de ajuda.

4.1 A SITUAÇÃO DOS REFUGIADOS NA ESCALA CONTINENTAL

A despeito da universalização da proteção internacional dos refugiados, as

características protetivas tendem a sofrer uma regionalização, pautada nas

experiências locais.

4.1.1 – Na América Latina

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Cite-se novamente que foi em solo latino-americano que se celebrou o primeiro

Tratado Internacional que versava sobre o direito de asilo como direito fundamental do

ser humano, no Tratado de Direito Penal Internacional, de 1889, em Montevidéu.

Na América Latina praticamente todos os países ratificaram a Convenção de

Genebra de 1951 e o Protocolo de 1967. Lembre-se que a década de 1970 sediou,

sobretudo na América Central, violências que promoveram grande fluxos migratórios.

Acordaram, por conseguinte, os países componentes da Organização dos Estados

Americanos (OEA) em ampliar o conceito de refugiados até então vigente, através da

Declaração de Cartagena de 198438.

Devido à Declaração pode-se ir além da idéia de perseguição individualizada por motivos de raça, religião, nacionalidade, pertença a certo grupo social ou opiniões políticas (razões que aparecem na Convenção de 1951 e são assumidas pelo Protocolo de 1967), para incluir também na categoria de refugiados aquelas pessoas que deixaram seu país de origem por causa da guerra, da violação massiva de direitos humanos ou de causas similares que perturbem gravemente a ordem pública (SANTIAGO, 2003).

A Declaração de Cartagena é, por conseguinte, um marco na conceituação de

refugiado na América Latina. Ela tem inspirado atitudes e posturas dos países da região

que passaram a reconhecer refugiados com amparo na abertura conceitual consagrada

em seus termos (MILESI). Este documento latino-americano adveio da reflexão acerca

dos conflitos ocorridos na região nas décadas de 1970 e 1980, que originaram mais de

2 milhões de refugiados.

Da celebração da Declaração de Cartagena resultou o Plano de Ação do México

(2004), que contou com a assinatura de 20 países e com o apoio de 100 entidades não-

governamentais, e buscou soluções aos novos focos de conflito na América Latina,

pricipalmente na Colômbia e no Haiti, conclamando a responsabilidade compartilhada

entre os Estados. Importante mencionar que o Plano de Ação do México possui três

38 Adotada no “Colóquio sobre Proteção Internacional dos Refugiados na América Central, México e Panamá: Problemas Jurídicos e Humanitários”, Cartagena, Colômbia, novembro de 1984.

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eixos de ação: pesquisa e desenvolvimento doutrinal, formação e fortalecimento

institucional e soluções duradouras.

Dentro das soluções duradouras, vislumbram-se as Cidades Solidárias (visa o

acesso aos serviços públicos nos grandes centros urbanos, além de emprego), as

Fronteiras Solidárias (busca o desenvolvimento das comunidades locais receptoras,

com o monitoramento de fluxo e capacitação aos agentes da polícia federal nas

fronteiras) e o Reassentamento Solidário para refugiados latino-americanos, com a

divisão regional de responsabilidade.

Nas Américas, em que pesem os esforços dos países latino-americanos, os

Estados Unidos contribuíram para uma política mais restritiva, dificultando a entrada de

estrangeiros, sobretudo após o 11 de setembro de 2001.

4.1.2 – No Continente Africano

Ao longo dos anos 1960 e meados dos 1970, ocorreram os movimentos de

independência das colônias africanas e asiáticas, dentre as quais Argélia e Ruanda,

que geraram novos fluxos de refugiados. A partir de meados dos anos 1970 e durante

os anos 1980, eclodiram conflitos armados na África, (também na Ásia e América

Central), desencadeando novo deslocamento humano forçado intenso.

No Continente Africano, a Convenção da Organização de Unidade Africana

(OUA)39 rege a questão dos refugiados africanos e ampliou também a definição da

Convenção de 1951. Foi adotada pela Conferência dos Chefes de Estado e do Governo

na sexta sessão extraordinária (Adis-Abeba, 10 de setembro de 1969), da União

Africana.

Segundo dispõe a Convenção, refugiado define-se como qualquer pessoa que,

receando com razão, ser perseguida em virtude da sua raça, religião, nacionalidade,

filiação em certo grupo social ou das suas opiniões políticas, se encontra fora do país

da sua nacionalidade, filiação em certo grupo social ou das suas opiniões políticas, se

encontra fora do país da sua nacionalidade e não possa, ou em razão desses eventuais

39 Disponível em: http://www.hrea.org.erc/Library/hrdoc/refugees/oau.html. Acesso em 27 de agosto de 2009.

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fatos, não queira solicitar a proteção daquele país; ou que, se não tiver nacionalidade e

estiver fora do país da sua anterior residência habitual após aqueles acontecimentos,

não possa ou, de acordo com este receio, não queira lá voltar40.

A Convenção dos países africanos, também nominada de “Convenção para

Tratar dos Aspectos Específicos do Problema dos Refugiados na África” inclui em sua

definição como refugiados aqueles que fogem de seu país devido a agressões

externas, ocupação, domínio estrangeiro ou outros graves eventos que alterem a ordem

pública.

O Continente Africano é o que alberga o ambiente mais complexo no que tange

às políticas para os refugiados. Alguns países optaram por estabelecer limitações

quantitativas, diminuindo o número de refugiados recebidos, através do fechamento de

suas fronteiras e da expulsão de grandes contingentes de pessoas que já haviam

entrado (CASTRO et al, 2009). Outros optaram por limitações na qualidade do asilo,

com a manutenção de campos sem infra-estrutura, isolados e inseguros, totalmente

esquecidos, a mercê da ajuda humanitária.

Dessa forma, o posicionamento dos países africanos tem sido de limitar sua ajuda a refugiados enquanto não houver melhores condições de atendê-los, que podem ser proporcionadas, essencialmente, pela ajuda de países mais avançados economicamente (CASTRO, 2009).

Os países africanos também têm sofrido com a questão de escassez de recursos

naturais e desertificação de regiões habitáveis, como já apontado anteriormente.

Contudo, a Oceania é o primeiro Continente a discutir mais profundamente a questão

dos refugiados ditos ambientais, uma vez que a região comporta diversas Ilhas-Nação

sensíveis às alterações do clima, ensejando preocupação por parte de seus

governantes.

4.1.3 – A Oceania e os Refugiados Ambientais

40 Baseado no discurso da Ata do ACNUR, redigida pelo Prof. Da Universidade de Harvard Sadako Ogata. Boston, 1996.

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Na Oceania os refugiados ambientais merecem destaque. A expressão

“Refugiados Ambientais” foi popularizada com a publicação, em 1985, de um estudo

com este nome por Essam El-Hinnawi, professor do Egyptan National Research Centre,

do Cairo. Refere-se a pessoas que fugiram de suas casas em decorrência de

mudanças ambientais que ensejaram em ameaça e insustentabilidade de sua qualidade

de vida. O entrave de tal problemática dá-se pelo fato de que nem sempre os

deslocados por questões ambientais conseguem encontrar um novo lar em seu próprio

país; o refúgio é a única solução.

O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – PNUMA assim define

refugiados ambientais:

Refugiados ambientais são pessoas que foram obrigadas a abandonar temporária ou definitivamente a zona onde tradicionalmente vivem, devido ao visível declínio do ambiente (por razões naturais ou humanas) perturbando a sua existência e/ou a qualidade da mesma de tal maneira que a subsistência dessas pessoas entra em perigo. Com o declínio do ambiente quer se dizer, o surgimento de uma transformação no campo físico, químico e/ou biológico do ecossistema, que, por conseguinte, fará com que esse meio ambiente temporária ou permanentemente não possa ser utilizado. (PNUMA, 1985)

A Universidade das Nações Unidas estima que até 2010, 50 milhões de pessoas

serão consideradas refugiadas em decorrência de problemas ambientais nas regiões

onde vivem, e provavelmente este montante chegue a 150 milhões até o ano 2050.

Estudo das Nações Unidas estima que hoje já existam tantos refugiados ambientais quanto pessoas que são forçadas a deixar suas casas por causa de distúrbios políticos ou sociais. O estudo da universidade afirma que é preciso criar mecanismos para que estas pessoas recebam proteção adequada, e para tanto está na hora de criar uma definição legal para o conceito de refugiados ambientais (DERANI, 2006).

Segundo dados das últimas cinco décadas, coletados pela Universidade do

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Havaí, o nível do mar na região vem se elevando 1,07 milímetros por ano. Este

aumento no nível do mar e os conseqüentes alagamentos devem deslocar pessoas que

moram principalmente em regiões costeiras. Outra conseqüência possível da elevação

dos oceanos é a intrusão de águas salinas nos lençóis freáticos das cidades, algo que

pode prejudicar o abastecimento de água. Por outro lado, secas e calor intenso podem

inviabilizar a agricultura e a subsistência em outras regiões.

Vários desastres ambientais já provocam o êxodo de grandes massas de população: o tsunami, ocorrido em dezembro de 2004, que destruiu a costa de diversos países asiáticos, matando milhares de pessoas e deixando milhões de desabrigados; o furacão Katrina, em agosto de 2005, que deixou 1 milhão de norte-americanos desabrigados; o terremoto que atingiu o sul da Ásia, em outubro de 2005, matando milhares de pessoas. E, no primeiro semestre de 2008, o ciclone que atingiu Mianmar, matando 22 mil pessoas e deixando 1 milhão de desabrigados – ou o terremoto que matou 50 mil pessoas na China (DECICINO, 2008).

A título exemplificativo vale mencionar a República Independente do Kiribati, país

da Micronésia e Polinésia que ocupa uma área muito vasta do Oceano Pacífico, mas

que é bem pequeno em termos de área terrestre. País composto de 33 pequenos atóis,

Kiribati tem poucos recursos naturais. As jazidas de fosfato, importantes na economia

até a década de 1970, esgotaram-se pouco depois da independência, em 1979. A

economia do país depende muito da agricultura e da pesca. O turismo representa cerca

de 20% do PIB, e o país recebe entre 3 mil e 4 mil turistas por ano.

Em 5 de junho de 2008,” Dia mundial do meio ambiente”, o representante do

Kiribati, Anote Tong, pediu ajuda à comunidade internacional para evacuar o país antes

que ele desapareça, devido aos estragos causados pelo aquecimento global.

Tuvalu, uma pequena ilha-nação no Oceano Pacífico, ainda parte da monarquia

britânica, formado por um grupo de nove atóis e com aproximadamente 11 mil

habitantes, está sujeito a ameaça semelhante. Com um ponto culminante de apenas 5

metros, o país também sofre com as inundações e com a intrusão de água salina nos

rios. O país já firmou um acordo com a Nova Zelândia, em 2002, para o recebimento de

habitantes do arquipélago. Referido ajuste permite que 75 tuvaluanos por ano

ingressem no território vizinho, o que é insuficiente. A Austrália concedeu refúgio a

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kiribatianos; mas na atualidade não permite mais sua entrada, nem de tuvaluanos.

Tanto Austrália como Nova Zelândia possuem comunidades formadas por ex-

moradores do Kiribati e de Tuvalu em seus territórios.

Para os líderes de ilhas-nações, este não é um problema novo. Em outubro de

1987, Maumoon Abdul Gayoom, Presidente das Maldivas, alertou num fervoroso

discurso perante a Assembléia Geral das Nações Unidas, que seu país estava

ameaçado pela elevação do nível do mar. Em suas palavras, seu país de 311.000

habitantes era “uma nação em perigo.” Com a maioria das suas 1.196 ilhas minúsculas

somente 2 metros acima do nível do mar, a sobrevivência das Maldivas estaria em

perigo, mesmo com um aumento de apenas 1 metro em decorrência de uma ressaca.

Sentindo-se ameaçados pelas mudanças climáticas que não podem controlar, as ilhas-

nações organizaram a “Aliança de Pequenas Ilhas-Nações”, um grupo formado em

1990 especificamente para realizar lobby em defesa destes países vulneráveis às

alterações do clima. Contam com uma subsecretária-geral na Organização das Nações

Unidas para os Pequenos Países Insulares em Desenvolvimento (PEID).

Em abril de 1994, na Conferência Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável

em Barbados, edificou-se o Programa de Ação de Barbados, com medidas específicas

para ajudar os pequenos Estados insulares. São mais de 20 pequenos países insulares

ou ilhas-nações ameaçadas mais diretamente. Destaque-se: Cuba, República

Dominicana, Fiji, Haiti, Ilhas Salomão, Santa Lúcia, Vanuatu, ilhas de Maurú,

Seychelles. Além de Sri Lanka e Indonésia (arquipélago com mais de 13.500 ilhas),

constantemente ameaçados por tsunamis.

Diante do exposto, é de suma importância que a sociedade internacional idealize

políticas sócio-ambientais para o fim de primeiramente, se evitar a escassez de

recursos, para que a migração forçada seja impedida. Além disso, medidas

internacionais que versem sobre o reconhecimento dos refugiados ambientais e seu

acolhimento são essenciais para um amparo efetivo, mormente quando a problemática

é apontada pela comunidade científica como certa.

4.1.4 - Ásia

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A diversidade na Ásia quanto ao tratamento aos refugiados espelha as

características do próprio continente. Alguns países ratificaram a Convenção e o

Protocolo do Estatuto dos Refugiados, como o Japão, a Coréia do Sul e o Irã41. Outros

os ratificaram, mas não criaram mecanismos para sua incorporação, como ocorre na

China, Israel e Afeganistão42.

Freqüentemente, Organizações Não-Governamentais denunciam as políticas

discriminatórias e de maus-tratos de países asiáticos.

Há outros países, como Indonésia, Sri Lanka, Rússia, Paquistão e Arábia

Saudita43, que não ratificaram os instrumentos da ONU, mas desenvolveram

mecanismos de proteção aos refugiados, seguindo os princípios básicos de tratamento

do grupo, e aceitando o mandato do ACNUR. Nesse tipo de situação é mais difícil

garantir os mínimos direitos dos refugiados, restando-lhes a exposição a situações

adversas (CASTRO et al, 2009).

Ainda na Ásia, há países como o Vietnã e a Coréia do Norte que não ratificaram

a Convenção de 1951, tampouco o Protocolo. Raramente aceitam auxílio de

organizações estrangeiras, e não coadunam com a definição de refugiados.

4.1.5 – Europa

Os países desenvolvidos da Europa recebiam refugiados sem obstáculos até

meados das décadas de 1970 e 1980, uma vez que na dualidade custo-benefício ainda

era lucrativo suprir suas necessidades de mão-de-obra. Contudo, a partir do aumento

41Disponível em: http://www.state.gov/g/drl/rls/hrrpt/2007/100522.htm; http://www.state.gov/g/drl/rls/hrrpt/2007; http://www.state.gov/g/drl/rls/hrrpt/2007; http://www.state.gov/g/drl/rls/hrrpt/2007; http://www.state.gov/g/drl/rls/hrrpt/2007 http://www.state.gov/g/drl/rls/hrrpt/2007/100525.htm; http://www.state.gov/g/drl/rls/hrrpt/2007/100595.htm. Acesso em 27 de agosto de 2009.

42 Ver: http://www.state.gov/g/drl/rls/hrrpt/2007/100597.htm; http://www.state.gov/g/drl/rls/hrrpt/2007/100611.htm. Acesso em 27 de agosto de 2009.

43 Ver: http://www.state.gov/g/drl/rls/hrrpt/2007/100521.htm; http://www.state.gov/g/drl/rls/hrrpt/2007/100620.htm; http://www.state.gov/g/drl/rls/hrrpt/2007/100581.htm; http://www.state.gov/g/drl/rls/hrrpt/2007/100619.htm; http://www.state.gov/g/drl/rls/hrrpt/2007/100605.htm. Acesso em 27 de agosto de 2009.

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de solicitantes africanos e asiáticos em massa, os países desenvolvidos do ocidente

passaram a se opor à sua entrada.

A partir da década de 1980 é que se vislumbra o início da execução de uma série

de medidas restritivas ao recebimento de migrantes e refugiados, que perduram até os

dias de hoje.

Os Estados-Membros da União Européia, amplamente diversos culturalmente,

implementam políticas e práticas diferentes no que se refere aos refugiados, não só em

termos da variada duração dos processos de determinação do asilo, mas também no

que se refere aos direitos sócio-econômicos, que são concedidos em níveis muito

diferentes durante o período inicial e quando lhes é concedido o estatuto e a

autorização de residência. Em alguns Estados-Membros, os refugiados são objeto

específico de políticas de integração e há programas patrocinados pelos governos,

enquanto noutros tal aparato inexiste.

Nos países escandinavos e na Holanda, por exemplo, os refugiados

reconhecidos são obrigados a participar nos programas de integração de duração fixa

financiados pelo governo e administrados, quer através dos municípios (que recebem

compensações financeiras do governo central de acordo com o número de refugiados

que recebem), quer através das ONGs. Esses programas baseiam-se, frequentemente,

num princípio de dispersão dos refugiados pelo país através de um sistema de quotas

em que os municípios cedem habitação social e oferecem ações de integração que

incidem, em primeiro lugar, na aprendizagem da língua do país de acolhimento e,

depois, no prosseguimento dos estudos e na formação profissional com vista ao acesso

ao mercado de trabalho.

Já nos países do sul da Europa, as ações e serviços de integração são

fornecidos muitas vezes pelas ONGs. Mesmo quando recebe algum subsídio estatal, a

maior parte das ONGs trabalha com limitações derivadas de recursos e com a ausência

de uma política patrocinada pelo Estado. A não distinção entre refugiados e outros

grupos socialmente excluídos é uma característica dos países do sul da Europa que

contrasta com as intervenções específicas existentes nos outros países da UE44.

44 Guia de Boas Práticas para a integração de Refugiados na União Européia. Disponível em http://www.cidadevirtual.pt/cpr/integra/guia_bp_persp_ref_1.html. Acesso em 10 de outubro de 2009.

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A Alemanha acolhe a maior população refugiada da Europa e a terceira do

mundo (perdendo apenas para o Irã e Paquistão), com mais de 876 mil refugiados em

seu território45.

A Declaração de Rivas, emanada no Fórum Social Mundial de Migrações,

preleciona:

“Não à crescente deterioração das condições de vida que incide sobre a maioria das pessoas, tanto ao norte como ao sul do globo, e atinge de maneira especial os migrantes, refugiados e desalojados dos diferentes continentes, principalmente os povos palestino, saharaui, colombiano, sudanês e iraquiano, e as políticas cúmplices dos Estados Unidos, Europa e Espanha, em particular”.46

Conclui-se, portanto, que em termos legais, há um aparato considerável de

proteção aos direitos dos refugiados. O imbróglio, que, aliás, paira sobre todas as

questões que envolvem interesses econômicos e políticos, é a adoção prática das

Convenções, Tratados e Declarações. Como já dito anteriormente, apesar do discurso

da maioria dos países em apoiar a questão dos direitos humanos, são eles os primeiros

a adotar medidas restritivas de auxílio aos imigrantes e refugiados.

45 Disponível em www.unhcr.org. Acesso em 15 de agosto de 2009.

46 I Declaração de Rivas. Forum Social Mundial de Migrações. Espanha, 13 de setembro de 2008.

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5 HISTÓRICO DO ACNUR E AS AÇÕES HUMANITÁRIAS

O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados foi estabelecido em 14

de dezembro de 1950, como órgão subsidiário da Assembléia Geral das Nações

Unidas. A agência estava inicialmente limitada por um mandato de três anos para o fim

de reassentar cerca de 1,2 milhão de refugiados, em sua maioria, europeus

desabrigados pela 2ª Guerra. Contudo, com a emergência de crises ao redor do mundo,

o ACNUR tinha seu mandato estendido a cada cinco anos.

A partir dos anos 1960, após atuar na Europa e auxiliar refugiados da Hungria,

Argélia, Marrocos, Tunísia e chineses em Hong Kong, a maior parte da assistência

econômica dirigiu-se aos refugiados provenientes de guerras civis. Suas funções

primordiais traduzem-se na proteção jurídica e na assistência material dos refugiados.

Também fiscaliza o cumprimento do exposto nas normas internacionais para os

Estados que ratificaram a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967.

Atualmente, a organização conta com mais de 6.500 membros que assistem a

20,8 milhões de pessoas em 116 países.47 Dispõe de um quadro de aproximadamente

4.000 funcionários, 262 escritórios em 116 países, e um orçamento anual de 1 bilhão de

dólares48.

Além da atenção aos refugiados, o ACNUR atua com outros grupos, como os

deslocados49, os apátridas, os solicitantes de asilo e os retornados.

Os refugiados palestinos são administrados por um organismo internacional

específico das Nações Unidas, o UNRWA50 (United Nations Relief and Works Agency

for Palestine Refugee in the Near East). Referida agência trata do desenvolvimento e

da assistência humanitária aos mais de 4 milhões de refugiados palestinos que vivem

47 ACNUR. Ayudando a los refugiados: el ACNUR em breve. ACNUR: Ginebra, 2006, p. 4.

48 Ibid, p. 5.

49 Estima-se que haja no mundo 23,7 milhões de deslocados internos; o Acnur cuida de aproximadamente 6,6 milhões de pessoas. Ver: http://www.unhcr.org/documents. Acesso em 27de agosto de 2009.

50 Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Oriente Próximo.

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da Faixa de Gaza, Cisjordânia, Jordânia, Líbano e Síria, visando cuidados de saúde,

serviços sociais e de educação e ajuda de emergência,.

Quanto ao atendimento aos refugiados, merece menção também o trabalho

realizado pela Cruz Vermelha. O Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) é uma

organização humanitária independente que atua como uma entidade neutra51 na

assistência e proteção às vítimas de guerra, propiciando desde os cuidados médicos

até a troca de correspondência entre os familiares das vítimas.

Enquanto membros da população civil, os refugiados beneficiam-se do amparo e

da assistência da CICV; visitas aos detentos; cuidados médicos; auxílio alimentação e o

restabelecimento de vínculos familiares das pessoas separadas pela guerra. A CICV

não tem a missão geral de promover a proteção e assistência aos ditos deslocados

internos.

Entretanto, com o passar dos anos, a CICV vem providenciando a assistência

limitada a certos grupos de deslocados internos. Dada às experiências humanitárias em

tempos de crise, a CICV tem reputação em promover esse tipo de ajuda. Essas

operações são feitas a partir de solicitação do Secretariado Geral da ONU ou pela

Assembléia Geral a pedido do país envolvido. 52

No tocante à Assistência Humanitária, mister mencionar novamente sua relação

com a política da “Sociedade de Controle”. O que será debatido não visa desmerecer

os trabalhos de milhares de voluntários que almejam a melhoria da qualidade de vida

dos refugiados e demais deslocados. É algo que transcende iniciativas solidárias puras.

Uma visão holística do Humanitário contemporâneo exige que se avalie a

assistência hoje prestada, uma vez que esta responde a uma Ordem Mundial. E esta,

por sua vez, figura-se na seguinte troca: “Uma mão que fere, a outra que socorre”

(AGIER, 2006).

No cotidiano, os trabalhadores do humanitário tratam a vida nua das vítimas

absolutas, despojadas de toda socialidade. Ao mesmo tempo, as ações humanitárias

internacionais estão atreladas às políticas dos Estados de controle.

51 Questão altamente questionável, que será adianta mencionada.

52 Disponível no site da Human Rights Education Association (HREA). www.hrea.org. Acesso em 27 de agosto de 2009.

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Em 2001, enquanto uma mão soltava sobre o Afeganistão víveres e

medicamentos da ONU ou de outras Organizações Não-Governamentais, a outra

despejava bombas americanas.

O aprofundamento das misérias social e moral decorrentes das ações dos

Estados Desenvolvidos, estas formadas pelos gerentes e pelos princípios de gestão da

economia de mercado, dificultam a mobilidade destes mesmos países em combater

esta miséria.

Vislumbra-se uma estratégia dupla, sobretudo dos EUA, que ao empregar a

“Modernização/Ocidentalização” como alicerce para suas ações de política externa, ao

mesmo tempo promove a Construção do Império. Nesse sentido, o Humanitário nada

mais é que um instrumento associado à construção e/ou manutenção dos Estados ditos

Falhados (como por exemplo, o Iraque, Afeganistão, Sudão, dentre outros), porque

dessa forma eles são controlados através do regime de dependência externa. A relação

Centro-Periferia é assim mantida.

Movidos por um espírito militante, penalizados pela baixa remuneração dos

voluntários, engajados em “carreiras” pessoais marcadas pelo pacifismo, humanismo,

esquerdismo ou religião, os agentes humanitários lutam contra todas as encarnações

da mano dura Imperalista, ao mesmo tempo em que se vêem obrigados a compor com

ela (Agier, 2006).

Muitas discrepâncias nas ações humanitárias são constatadas. O tratamento

dado a um refugiado na Europa, por exemplo, não é o mesmo dispensado a outro na

África. Estimativas apontam que o ACNUR dispendeu 1,23 dólares diários para cada

refugiado nos Bálcãs, enquanto na África são gastos apenas 11 centavos de dólar53.

De acordo com as leis internacionais, a ação humanitária deveria ser realizada

de maneira neutra, independente, imparcial e humana. Porém, desde os anos 1990,

seu papel vem sendo revisto. Como conseqüência, o exercício do direito de ingerência

tem trazido consigo soldados políticos.54

53 SILVA, Sidney A. O Refúgio no Mundo e os Refugiados no Brasil. Travessia: a Revista do Migrante. Ano XIII, n. 37. São Paulo: CEM – Centro de Estudos Migratórios, (mai-ago) 2000. p. 3.

54 STOBBAERTS, Eric. Ajuda Humanitária: entre a independência e a manipulação política. Le Monde Diplomatique Brasil. Ano 2. n.15. São Paulo: Instituto Pólis, out. 2008. p. 21.

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Pouquíssimas agências estão efetivamente em campo. Muitos locais continuam

negligenciados de amparo. A maior parte das ONGs Humanitárias promove reuniões,

fóruns de discussões, moções, etc, cujos resultados finais não refletem em benefícios

concretos aos refugiados que pretensamente defendem. O trabalho árduo nos campos,

de cavar latrinas e usar estetoscópio, é realizado por poucos (Stobbaerts, 2008).

Além disso, a ação humanitária de nossos dias configura-se como um campo

estratégico para os governos, porque junto com os médicos vão também militares.

Organizações multilaterais, entre elas a União Européia, financiam programas

em grande escala, enquanto outras linhas de crédito são destinadas para a

manutenção da paz, notadamente as fornecidas pela ONU. Todos esses atores

inundam as nações pobres de uma plêiade de interventores que podem tanto produzir a

desordem quanto incitar à ordem.

A emancipação das Organizações Não-Governamentais Internacionais, assim

como as Instituições vinculadas à ONU, faz-se imprescindível para que um projeto

humanitário de construção de uma cidadania universal possa ser edificado, sem a

necessidade de conviver com a sombra do Império, sob todas as suas formas.

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6 REFUGIADOS NO BRASIL – ASPECTOS LEGAIS E SOCIAIS

Importante mencionar o papel do Brasil para com a questão dos refugiados,

sobretudo por constar em seu corpo jurídico uma legislação inclusiva sobre o tema55, e

também pelo fato do número de refugiados no território nacional ter dobrado nos

últimos dez anos.

Atualmente, o Brasil abriga 439956 (quatro mil trezentos e noventa e nove)

refugiados. Na última década este número era de aproximadamente 1942 (um mil

novecentos e quarenta e dois). Em termos internacionais constitui obviamente um

número reduzido. Isso se deve à sua situação geográfica, uma vez que normalmente o

país que mais recebe refugiados é aquele que tem fronteira com o país em

enfrentamento. Ademais, no caso do Brasil, que alberga a formação Amazônica, o

controle de entrada de estrangeiros é comprometido pelo grande espaço fronteiriço e

dificuldade de acesso.

Segundo o Conselho Nacional para Refugiados – CONARE57, os refugiados

acolhidos pelo Brasil procedem de 72 países, sendo que 2711 (dois mil setecentos e

onze) são de origem africana, com destaque aos angolanos que perfazem um montante

de 1688 (um mil seiscentos e oitenta e oito). O fluxo de africanos diminuiu com a

cessação dos conflitos étnicos, mormente em Angola. A Colômbia e a República

Democrática do Congo assumiram referido papel no Brasil.

Ressalte-se que em torno de 30% a 35% dos pedidos de refúgio feitos ao

Governo Brasileiro são aceitos. Referido índice é um dos maiores do mundo.

O procedimento para o reconhecimento do status de refugiados inicia-se com a

apresentação do pedido ao Departamento da Polícia Federal, com a exposição das

razões que levaram o solicitante a deixar o país de origem e assinar o Termo de

55 Lei Federal 9474/97 – Lei dos Refugiados.

56 Segundo o CONARE, até a data de 15 de julho de 2009.

57 Dados do CONARE até 15 de julho de 2009.

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Declarações. O solicitante recebe um protocolo que lhe concede o direito de deslocar-

se e viver legalmente no país até a decisão do processo.

O pedido formalizado é enviado ao Comitê Nacional para Refugiados

(CONARE)58, órgão vinculado ao Ministério da Justiça.

Assim sendo, ao CONARE cabe analisar e declarar a condição de refugiado do

solicitante. Ato contínuo, o CONARE emite declaração para fins de obtenção da

Carteira de Trabalho. Realiza entrevista pessoal para instrução do processo. O Grupo

de Estudos Prévios (integrado por Ministério da Justiça, Ministério das Relações

Exteriores, Polícia Federal e ACNUR e um representante da sociedade civil) analisa

todas as solicitações, emite parecer ou pede complemento das informações prestadas.

O procedimento vai à análise do plenário do CONARE a quem compete a apreciação e

decisão de todas as solicitações. Caso o pedido seja denegado, caberá ao solicitante

recurso ao Ministério da Justiça. O prazo médio do procedimento é de 4 a 6 meses.

No Brasil, o direito ao refúgio estende-se aos membros da família, conforme

versa o artigo 2º da Lei Federal 9474/9759. Tal iniciativa amplia sobremaneira o

constante na Convenção de 1951. Com isso, o Brasil reforça sua posição de país

emergente em reassentamento e concessão de refúgio. Muitos refugiados buscam o

Brasil atualmente, em decorrência das políticas públicas integracionistas, pelos menos

formalmente.

O zelo aos refugiados chegados no Brasil dá-se pelas Cáritas, entidade da Igreja

Católica. A ação pastoral junto aos refugiados, no Brasil, nasceu em 1976, com o

pedido do Vicariato da Solidariedade do Chile, dirigido ao então arcebispo do Rio de

Janeiro, D. Eugenio de Araújo Sales. E uma das primeiras ações do Cardeal, depois de

encarregar a Cáritas de “organizar, de fato, um serviço de atendimento a refugiados

latino-americanos”, foi intervir, junto às autoridades militares da época, dando-lhe

ciência desta ação da igreja, pela vida e segurança dos refugiados que fugiam das

perseguições dos regimes ditatoriais da época (Milesi, 2007).

58 O CONARE foi criado através da Lei Federal 9474/97, que versa sobre a questão dos refugiados no Brasil.

59 Art. 2º Os efeitos da condição dos refugiados serão extensivos ao cônjuge, aos ascendentes e descendentes, assim como aos demais membros do grupo familiar que do refugiado dependerem economicamente, desde que se encontre em território nacional.

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No mesmo diapasão deu-se a ação da Cáritas em São Paulo. Uma parceria

entre esta Instituição, ACNUR e Comissão de Justiça e Paz, através do Ilustre Cardeal

Paulo Arns60, viabilizou no mesmo ano a abertura de um serviço de atendimento a

refugiados na capital paulista.

Nos anos 1990, a entrada de refugiados latino-americano no Brasil diminuiu

demasiadamente, tendo em vista o surgimento de governos democráticos no

continente. Contudo, a crise em Angola promoveu, em 1992, um fluxo expressivo de

refugiados pelo mundo. Referida demanda fez surgir no Brasil novas articulações com a

sociedade civil. O ACNUR estabelece parceria com as Irmãs Scalabrianas. Em 1999 é

fundado o Instituto de Migrações e Direitos Humanos61, para o fim de somar forças e

ampliar os trabalhos com os migrantes.

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) criou, em 2003, na

Comissão para o Serviço da Caridade, Justiça e da Paz, o Setor Pastorais da

Mobilidade Humana, compreendendo as seguintes Pastorais: Refugiados, Migrantes,

Nômades, Marítimos, Turismo, Pescadores, Estradas/Rodoviária. Da parceria do IMDH

e ACNUR nasceu a Rede Solidária para Migrantes e Refugiados, presente em vários

Estados brasileiros.

Com a inclusão do Reassentamento Solidário para refugiados, o Brasil aumentou

sua participação na inclusão de indivíduos pelo país. A média de idade dos refugiados

reassentados no Brasil é de 36 anos, e 44% dos reassentados são mulheres, segundo

dados do IMDH. O Programa de Reassentamento Solidário, resultante do Plano do

México de 2004, e baseado nos princípios da solidariedade internacional e da

responsabilidade compartilhada, buscava, prioritariamente, auxiliar países latino-

americanos que recebiam grandes contingentes de pessoas que fugiam do seu país,

como o caso dos colombianos que fugiam para o Equador e a Costa Rica.

O primeiro grupo de reassentados no Brasil deu-se em 1999, anteriormente ao

Pacto do México, com a chegada de 23 refugiados afegãos, provenientes de campos

60 Em decorrência do compromisso histórico acima assinalado, o Cardeal Paulo Arns recebeu a medalha Nanse, do ACNUR, no ano de 1985.

61 Fundadores do Instituto foram: Irmã Rosita Milesi, Padre Virgilio Leite Uchoa e Maria Luiza Shimano.

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localizados no Irã e na Índia (Dominguez & Baeninger). Após a assinatura do Pacto, o

reassentamento no Brasil voltou-se aos refugiados colombianos.

No Brasil não existem quotas anuais pré-determinadas, variam de acordo com as

necessidades de missões em países de primeiro refúgios e está muito mais atrelada à

disposição de recursos do ACNUR, uma vez que as ações não são financiadas nem

pelo governo, nem por entidades particulares como ocorre em outros países.

Ao Governo Brasileiro cabe a responsabilidade de recepcionar os refugiados, o

que alberga a questão da integração e disponibilização do acesso às políticas públicas

de saúde, educação, habitação, crédito e emprego. Ou seja, o custeio inicial dos

refugiados e reassentados parte do ACNUR; a continuidade do processo dá-se pelo

Governo Federal.

Atualmente, o Brasil ampliou o recebimento de reassentados para indivíduos fora

do Continente. Em 2007, um grupo de 108 refugiados palestinos chegou ao Brasil dos

campos de Ruweished, localizado no deserto da Jordânia, fugindo da perseguição do

Iraque, e depois de seu recebimento ser rechaçado por outros países

(Nogueira&Marques, 2008).

Merece também destaque o programa brasileiro de reassentamento de

emergência, estabelecido em 2005, e que determina que as solicitações dos refugiados

que se encontram em perigo eminente podem ser examinadas em 72 horas.

Tradicionalmente, a quase totalidade dos refugiados se localizava no Rio de

Janeiro e em São Paulo. Atualmente, há expressivos grupos distribuídos em outras

cidades: Porto Alegre (RS), Caxias do Sul (RS), Natal (RN), Manaus (AM), Brasília (DF),

Goiânia (GO), Rio Branco (AC), Bela Vista (RR), Belo Horizonte (MG), Fortaleza (CE),

Jequiri e Mariana (MG).62

62 MILESI, Ir. Rosita. Acolhida e ação pastoral junto aos Refugiados e Refugiadas (com dados estatísticos de 2008). Brasília: Rede Solidária para Migrantes e Refugiados, 2008.

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6.1 HISTÓRICO BRASILEIRO NA CONCESSÃO DE REFÚGIO

Atualmente, o Brasil apresenta-se como um país tradicionalmente receptivo aos

solicitantes de asilo, como já aludido. Contempla em seu corpo jurídico uma legislação

que amplia o conceito de refugiados, maximizando o número de indivíduos que optam

pelo Brasil quando buscam refúgio. Todavia, a política migratória nacional nem sempre

se apresentou nesses moldes.

Nos idos de 1930, no Estado Novo do Governo Vargas, a política de imigração

iniciada no Brasil era restritiva; chegou-se a proibir totalmente a imigração. Pouco

depois se introduziu o regime de quotas, pela Constituição de 1934 e, no mesmo ano,

mais coibições (FISCHEL DE ANDRADE, 2005). A Constituição de 1937 era igualmente

restritiva, sendo que o Decreto Lei nº 3175/41 suspendeu a corrente migratória para o

Brasil.

No período entre guerras, o Brasil, com participação limitada na Liga das

Nações, não se envolveu nos esforços da comunidade internacional que objetivavam a

proteção de refugiados (Fischel Andrade, 2005).

Somente no final da Segunda Grande Guerra, após 15 anos da edificação da

política migratória do Estado Novo, as autoridades brasileiras passaram a considerar a

vinda de refugiados e deslocados de guerra ao Brasil, na condição de imigrantes. Com

o fim da Segunda Guerra Mundial o refugiado aparece na política nacional; até então as

políticas direcionavam-se aos migrantes trabalhadores.

O Brasil traçou como meta a participação em várias atividades empreendidas

pela comunidade internacional, deixando clara sua opção por acompanhar, já na

iniciada Guerra Fria, os países do Bloco Ocidental.

Quando em 1946 os países passaram a deliberar sobre o tema refugiados e

deslocados de guerra, o Brasil participou ativamente das discussões. Inclinou-se a

aceitar o reassentamento de refugiados e deslocados de guerra europeus. Ao assim

proceder, não só se inseria no âmbito de atividade onusianas, como igualmente atraía

mão-de-obra qualificada para seu território – combinação conveniente de princípios

humanitários e expediência política, interna e internacional (Fischel de Andrade, 2005).

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A retórica brasileira pautava-se na própria história do Brasil de experiência na

recepção de imigrantes. O delegado brasileiro junto ao Subcomitê de Definições do

Comitê Especial, na sessão de 16 de abril de 1946, complementou seu discurso, de

forma demasiadamente discriminatória, sobre a “qualidade” de refugiados a serem

recebidos pelo país. Lembre-se que para o Brasil os refugiados seriam recebidos na

qualidade de imigrantes, objetivando sempre a qualidade da mão-de-obra.

Comentou o delegado brasileiro que o Brasil já possuía, na seara imigratória, mais de um século de experiência, durante a qual chegaram ao país cerca de cinco milhões de imigrantes. Contudo, destacou, esta experiência levava à busca de elementos assimiláveis à formação étnica, econômica e social brasileira, o que significava que “não (se) quer (ia) reincidir no erro de admitir, por exemplo, japoneses, que mostraram ser inassimiláveis, sem falar de outros inconvenientes os quais não há necessidade de recordar. No mesmo tom, asseverou “nós queremos de preferência reforçar nossa ascendência européia, após uma escolha tão rigorosa quanto possível. 63

O discurso discriminatório e seletivo prossegue, sobretudo com o rechaço pelo

delegado brasileiro ao 4º maior contingente de imigrantes que se dirigiram ao Brasil64. A

questão do recebimento dos refugiados pelo Brasil estava pautada na qualidade da

mão-de-obra a ser recrutada. O Delegado Brasileiro chegou a afirmar que o país

receberia somente imigrantes agricultores, técnicos ou trabalhadores especificados,

para que não houvesse embate com os trabalhadores nacionais.

Desde o início, portanto, deixava claro os representantes brasileiros o

condicionamento da moção humanitária à satisfação da conveniência e necessidade

domésticas, tanto que considerava os refugiados a serem acolhidos como imigrantes

disponíveis a fornecer sua mão-de-obra. O Brasil selecionaria os refugiados que lhe

conviessem.

63 FISCHEL DE ANDRADE, José H. O Brasil e a organização internacional para os refugiados (1946-1952). Revista Brasileira de Política Internacional, n. 48. Brasília: IBRI, 2005. p. 14.

64 Ao se considerar que, de 1884 a 1941, os japoneses constituíam o quarto maior contingente de imigrantes que se dirigiram ao Brasil, ficando atrás somente dos italianos, portugueses e espanhóis (nesta ordem), e à frente, portanto, das demais 67 nacionalidades então registradas (Ibid, p. 14).

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No decorrer de todo o processo, o Brasil fez-se presente nas políticas

multilaterais do Comitê Intergovernamental, que versavam sobre a questão dos

deslocados e refugiados, através da assinatura de acordos e envio de representantes.

A 1º de abril de 1947 concluía-se, em Londres, no plano bilateral, o Acordo entre

o Governo dos Estados Unidos do Brasil e o Comitê Intergovernamental de Refugiados 65. Um mês após a assinatura deste Acordo, chegava ao Brasil o primeiro grupo de

refugiados e deslocados.

O Brasil envolveu-se ativamente na Comissão Preparatória que ensejou na

Constituição da OIR. O representante brasileiro em Genebra foi o ministro Hélio Lobo,

que se dedicou ativamente ao recebimento pelo seu país dos refugiados e deslocados.

Participou junto à imprensa nacional no sentido de minimizar a resistência criada contra

o recebimento dos refugiados e deslocados.

Durante o período de 1º de julho de 1947 a 29 de fevereiro de 1948, dos 125.374

refugiados e deslocados reassentados pelo mundo, tão-só 2.511 haviam chegado ao

Brasil. A cifra acolhida no Brasil era inferior à que recebera guarida na Argentina

(12.163) e na Venezuela (5.666).66

Mesmo com a retórica discriminatória, sustentada pela chamada Reserva

Geográfica67, o Brasil foi pioneiro em vários aspectos na questão dos refugiados, como

na aceitação de famílias inteiras de reassentados, ou seja, chefes de família

acompanhados por todos os seus membros e pessoas que viviam em sua companhia.

O Brasil sempre prezou pelo alicerce familiar, e foi crítico das políticas migratórias que

não proporcionavam tal vínculo. Notava-se já àquela época a abertura do país ao

princípio da reunião familiar, de base, notadamente, humanitária (Fischel de Andrade,

2005).

65 O Brasil comprometeu-se a receber um primeiro grupo, a título de experiência, de mil famílias de refugiados, não devendo exceder o total de cinco mil indivíduos, sendo que o número de celibatários em cada grupo não deveria ultrapassar 40% (FISCHEL DE ANDRADE, 2005).

66 LOBO 1948 e MUNIZ 1948 apud FISCHEL DE ANDRADE, 2005.

67 Convenção de 1951, artigo 1º, seção B, inciso 1, aliena “a”, o Brasil só reconhecia refugiados de origem européia.

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Merece destaque positivo também o implemento da Comissão Mista Brasil –

OIR68. Umas das atividades desenvolvidas de maior importância foi a divulgação,

através da imprensa de todo o país, da importância do recebimento dos estrangeiros

pelo Brasil. Tal iniciativa tentou promover o esclarecimento da população quanto ao

tema, tanto da sociedade civil, como das autoridades locais e dos empregadores.

Foi no marco da Comissão Mista Brasil – OIR que o Brasil, finalmente, passou a cumprir o acordado com os organismos internacionais e a receber fluxos maiores de refugiados e deslocados. Alcançou-se, entre dezembro de 1948 e agosto de 1949, a cifra de 14.016 pessoas, recepcionadas e encaminhadas para vários estados, encabeçando a lista de 28 nacionalidades os poloneses (5.468) e os húngaros (1.450).

A participação brasileira resultou parcialmente no que almejavam os operadores

da política externa brasileira: relativo prestígio internacional e participação nas decisões

inerentes às Nações Unidas, além das questões eminentemente de interesse interno.

A recepção de refugiados e deslocados não era só interessante para a execução da política exterior brasileira. Outro motivo que levara o Brasil a buscar a imigração daqueles que não desejavam regressar aos seus países de origem após a Segunda Grande Guerra era a conveniente convergência de sentimentos e princípios humanitários – não externados no período entreguerras, ao menos vis-à-vis os refugiados que recorreram à proteção internacional àquela época -, com a oportunidade de receber mão-de-obra qualificada que viesse a suprir a demanda doméstica. Esta demanda era evidente, em especial após tantos anos de política imigratória restritiva, e os ganhos econômicos do Brasil com a imigração eram óbvios (AVILA ,1954 apud Fischel de Andrade, 2005).

Contudo, como o Brasil na prática atuou diferentemente da retórica apresentada,

ou seja, não adotou políticas eficientes para o recebimento dos refugiados, apresentava

ausência de estrutura e recursos financeiros, o país foi rejeitado como Estado-Membro

do OIR, mormente por não dispor de recursos para contribuir com a cota estabelecida

junto ao organismo.

No mesmo diapasão, apesar dos esforços desenvolvidos pelos operadores da 68 Instalada em 15 de dezembro de 1948.

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política externa nacional em se propagar à sociedade civil as vantagens em se receber

os refugiados, houve propaganda desfavorável e aversão da opinião pública, sobretudo

de administradores públicos, que mantinham o discurso dos anos 1930 acerca de

soberania e competência burocrática. O racismo e a resistência permeavam os

administradores públicos brasileiros.

Somente no ano de 1989 a cláusula da “Reserva Geográfica” foi revogada, e o

Brasil passou a reconhecer refugiados independentemente do país ou continente de

procedência.

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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A preocupação com os refugiados no mundo, a ensejar discussões e

estabelecimento de “status”, surge ao findar da Segunda Guerra Mundial, através da

Convenção de 1951. O número de europeus desalojados era enorme. A princípio as

normas voltavam-se apenas a estes indivíduos, mas, paulatinamente, os Continentes

internalizaram as regras, adaptaram-nas à sua realidade. Tal fator foi essencial para

salvaguardar os direitos de cidadãos não-europeus.

O tratamento para com os solicitantes de refúgio também é desigual no mundo.

Os países menos desenvolvidos são seus maiores receptores, enquanto os países

desenvolvidos, donos da retórica de “liberdade, igualdade e fraternidade”69, tem limitado

o acesso de pessoas em suas fronteiras, com o rechaço aos pedidos de refúgio. Tal

fato tem propiciado o surgimento de movimentos xenófobos, contrários a harmonia e ao

respeito.

Já na América Latina o Brasil merece destaque. Foi precursor no Continente

para com a questão dos refugiados, possui legislação específica sobre o tema e

entidades Católicas atuantes. Contudo, ainda carece de políticas públicas que facilitem

a inclusão do estrangeiro refugiado, problema vivenciado também pelos brasileiros

natos, o que também contribui para um olhar desconfiado ao refugiado.

O que é patente na análise da situação dos refugiados pelo mundo é a influência

direta do fenômeno globalização/mundialização, que vem sendo apresentado como a

grande panacéia do desenvolvimento econômico mundial, valorizando a circulação de

capitais e mercadorias pelos mais diversos países e a velocidade das informações

cruzando o planeta; cultuando a assimilação de modismos e comportamentos.

Contudo, referido discurso perde vigor quando versa sobre a mobilidade

humana. Quando este tema é discutido, vem a tona idéias de fechamento de fronteiras,

restrição à oferta de serviços, expulsão de imigrantes, proteção do mercado de

trabalho, etc, todos estes fatores que sustentam o não acolhimento de refugiados e a

69 Ressalte-se a Alemanha como exceção a esta premissa, uma vez que é o país Europeu que mais acolhe refugiado, como já explicitado anteriormente.

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manutenção de seres humanos ou à espera de uma decisão administrativa de

reconhecimento de Status em campos mal-estruturados, ou alojados em campos

específicos para sua categoria, dependentes de ajuda humanitária.

Os problemas que promovem a migração forçada, e especialmente, os que

tratam dos refugiados continuarão regendo o presente século. Daí a necessidade de se

discutir políticas públicas eficazes, tanto no âmbito interno dos Países, quanto na esfera

internacional, que visem minimizar a migração forçada e, quando esta for inevitável,

que haja o mínimo de condições de vida para os solicitantes de refúgio. Os pontos

positivos do processo de globalização devem sobrepujar os negativos.

Em uma sociedade marcada por conflitos, guerras, desequilíbrios

socioecomômicos, violência, pobreza, fome, exploração, escassez de recursos,

desastres ambientais, as migrações forçadas vêm adquirindo cada vez mais um caráter

de urgência e reflexão no desenvolvimento de medidas concretas para a alteração do

atual quadro, que expõe uma evidente e acentuada desigualdade.

O amplo desenvolvimento de deslocados forçados espelha a realidade de

milhares de pessoas que não se inserem nos escassos benefícios de uma globalização

que é comandada por um sistema econômico que rompe barreiras, mas forma imensas

lacunas e desigualdades.

Diante do diagnóstico vislumbrado, cabe à todos a reflexão e a imediata atuação

para com os novos rumos dos movimentos humanos, sejam estes individuais ou

coletivos, com a edificação de um aporte de políticas públicas que esclareçam e

sensibilizem os cidadãos para a questão dos refugiados. As grandes nações

desenvolvidas devem ser instadas a repensar suas atitudes, uma vez que delas

resultam incontáveis mortes e dramas de cidadãos que só querem desfrutar da sua vida

com dignidade.

O que realmente necessitamos não é de cidadãos centrados em uma cultura

comum, mas de cidadãos comprometidos com instituições democráticas que

proporcionem as condições necessárias para uma vida comum (D'ADESKY, 2003, p.

194). Nesse contexto, o que importa não é a homogeneidade ou a heterogeneidade da

população, tampouco a identidade ou diferença cultural ou religiosa, mas a exigência de

que todos compartilhem um compromisso com as instituições democráticas.

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As irresignações relatadas nos campos de refugiados também demonstram que

muitos destes indivíduos desprovidos de direitos reais, não mais aceitam o papel de

vítima perante a sociedade. Eles se manifestam, lutam, reclamam, expõe suas

condições perante a mídia, o que é algo demasiadamente valoroso. Não permitir que a

vitimização sobrepuje a luta por seus direitos é um grande passo para a mudança, para

não se manter no vazio do plano político e sociológico que se encontram.

Erradicar a pobreza, investir na paz, limitar o comércio de armas e de drogas,

promover a democracia e os direitos humanos, garantir que os Estados respondam por

seus atos, são alguns dos ingredientes sugeridos pelo ACNUR para a mitigação dos

problemas que ensejam o refúgio. (La situación de los Refugiados em el Mundo – Um

Programa Humanitário).

Ademais, mesmo sendo difícil de se vislumbrar a conscientização imediata desse

ideal de respeito mútuo e de auxílio sem lucros, mister se faz assentir que a realidade

política decorre de decisões humanas, e não por leis da natureza. Por conseguinte, não

devemos aceitar as atrocidades vislumbradas ao longo da nossa história como uma

fatalidade, mas sim como escolhas humanas, passíveis de críticas e reformulações.

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