andré tinoco de vasconcelos

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DESAFIOS AO CURRÍCULO DE GEOGRAFIA EM PRÉ-VESTIBULARES POPULARES André Tinoco de Vasconcelos Mestrando em Geografia pelo PPGG da FFP/UERJ ([email protected]) INTRODUÇÃO E OBJJETIVOS O objetivo deste trabalho é discutir como o ensino e o currículo de Geografia têm se apresentado em Pré - Vestibulares Populares, verificando as estratégias adotadas pelos professores na busca da superação da tensão entre o ensino voltado à conquista de autonomia e o treinamento para as provas de vestibular. Como esses dois objetivos se aproximam ou se afastam nos currículos trabalhados em cursos populares? Os Pré- Vestibulares Populares expandiram em numero de cursos principalmente na década de noventa, tendo o Núcleo Pré-Vestibular para Negros e Carentes (PVNC) da Baixada Fluminense no estado do Rio de Janeiro como o principal polo de difusão de novos cursos e influência em outras experiências que surgiram naquele período. Porém mesmo antes do PVNC já havia várias experiências de cursos populares no estado do Rio de Janeiro e no Brasil. O objetivo dos cursos populares é mais do que a aprovação no vestibular, o movimento visa trazer para os discentes a discussão das desigualdades que marcam a sociedade, o racismo, as diferenças de classe, para que sejam eles sujeitos ativos criadores de projetos de autonomia. Ou seja, transformação social, partindo da própria experiência e de seu grupo social, não sendo um mero consumidor como quer o modelo de sociedade dominante. Como esses objetivos que se traduzem em desafios políticos vêm aparecendo nos currículos e nas práticas de ensino de Geografia? Se é que vem aparecendo. OS CURSOS PRÉ – VESTIBULARES POPULARES Os cursos pré – vestibulares populares são um importante movimento social urbano. Na década de 90 houve uma grande expansão desses cursos, tendo contribuído inclusive para a criação de políticas publicas que visam enfrentar problemas presentes

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Page 1: André Tinoco de Vasconcelos

DESAFIOS AO CURRÍCULO DE GEOGRAFIA EM PRÉ-VESTIBULARES POPULARES

André Tinoco de Vasconcelos Mestrando em Geografia pelo PPGG da FFP/UERJ

([email protected])

INTRODUÇÃO E OBJJETIVOS

O objetivo deste trabalho é discutir como o ensino e o currículo de Geografia

têm se apresentado em Pré - Vestibulares Populares, verificando as estratégias adotadas

pelos professores na busca da superação da tensão entre o ensino voltado à conquista de

autonomia e o treinamento para as provas de vestibular. Como esses dois objetivos se

aproximam ou se afastam nos currículos trabalhados em cursos populares?

Os Pré- Vestibulares Populares expandiram em numero de cursos principalmente

na década de noventa, tendo o Núcleo Pré-Vestibular para Negros e Carentes (PVNC)

da Baixada Fluminense no estado do Rio de Janeiro como o principal polo de difusão de

novos cursos e influência em outras experiências que surgiram naquele período. Porém

mesmo antes do PVNC já havia várias experiências de cursos populares no estado do

Rio de Janeiro e no Brasil.

O objetivo dos cursos populares é mais do que a aprovação no vestibular, o

movimento visa trazer para os discentes a discussão das desigualdades que marcam a

sociedade, o racismo, as diferenças de classe, para que sejam eles sujeitos ativos

criadores de projetos de autonomia. Ou seja, transformação social, partindo da própria

experiência e de seu grupo social, não sendo um mero consumidor como quer o modelo

de sociedade dominante. Como esses objetivos que se traduzem em desafios políticos

vêm aparecendo nos currículos e nas práticas de ensino de Geografia? Se é que vem

aparecendo.

OS CURSOS PRÉ – VESTIBULARES POPULARES

Os cursos pré – vestibulares populares são um importante movimento social

urbano. Na década de 90 houve uma grande expansão desses cursos, tendo contribuído

inclusive para a criação de políticas publicas que visam enfrentar problemas presentes

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na sociedade brasileira como dificuldade de acesso a um ensino de qualidade pelas

classes populares e o racismo.

Será utilizado como base para essa discussão o trabalho de autores como

CARVALHO (2005 e 2006), NASCIMENTO (1999), SANTOS (2005 e 2006) e

OLIVEIRA (2001) que discutem a formação desses cursos, sua expansão e

diversificação, com o surgimento de cursos das mais diferentes origens, até chegarem às

políticas publicas. Além disso, discutem as tensões entre o ensino do conteúdo visando

a aprovação no vestibular e as práticas de Educação Popular com o objetivo de tomada

de autonomia e consciência critica, um dos embates permanentes em cursos desse tipo.

SANTOS (2006) aponta que já em 1976 foi criado pelo Centro de Estudos

Brasil-África no Estado do Rio de Janeiro um curso pré – vestibular para negros e

carentes, em 1986 é criado o projeto “Universidade para Trabalhadores” da Associação

dos trabalhadores em educação da universidade Federal do Rio de Janeiro – ASUFRJ,

mas é na década de 1990 que os cursos comunitários e populares se expandem pelo

Estado.

OLIVEIRA (2001) chama esses cursos de Movimento de Pré Vestibulares

Populares Urbanos (MPVPU), em seu trabalho ela também aponta várias experiências

de cursos populares em diferentes partes do Brasil e que pensavam o acesso a educação

de diferentes maneiras, como um curso da Pastoral do Negro criado em São Paulo no

ano de 1989 e, no mesmo ano, surgiu a cooperativa Steve Biko na Bahia, que também

teve esse viés.

No nordeste, em Fortaleza, no Estado do Ceará, houve a criação do Projeto

Novo Vestibular (PNV), em 1987, era um projeto de extensão que partiu de alunos do

curso de história da Universidade Federal do Ceará- UFC, porém, tensionamentos no

percurso faz com que deixe de sr projeto de extensão universitária e se torne uma ação

do Diretório Acadêmico.

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Na região sul houve as experiências do Pré-Vestibular Desafio em 1993,

também como projeto de extensão, partindo de estudantes de graduação e pós-

graduação da Universidade Federal de Pelotas e do Pré-Vestibular da Cidadania criado

em 1995, em Florianópolis-SC, uma iniciativa do Centro de Educação e Evangelização

Popular (CEDEP). E ainda O Pré-Vestibular Zumbi Dos Palmares, criado em 1996, em

Porto Alegre/RS, que só atende alunos vindos da escola pública.

Na Região Sudeste, em São Paulo, de acordo com OLIVEIRA (2001) quase

todas as iniciativas são ligadas ao Movimento Estudantil e são chamadas de cursinho,

como o Cursinho da Poli (Grêmio da Politécnica da USP), criado em1987. Conforme a

autora, essas experiências de cursos populares são concebidas pelos mais diversos

“sujeitos políticos coletivos: Igreja Católica, prioritariamente através da Pastoral do

Negro; Movimento Negro; Movimento Estudantil; Movimento Sindical e Movimento

Comunitário”(OLIVEIRA 2001, pg. 101)

Como já dito no Estado do Rio de Janeiro foi na década de 90 que os pré-

vestibulares populares tiveram uma grande expansão, principalmente na região

metropolitana e no município do Rio de Janeiro, sendo o mais significativo desses

movimentos o Pré-Vestibular para Negros e Carentes (PVNC) surgido da Igreja

Católica/Pastoral do Negro e vertentes do Movimento Negro.

Essa década foi marcada por uma crise dos movimentos urbanos existentes,

devido a contradições internas e a rearranjos do Estado e do Capital, por outro lado,

surgiram novos atores oriundos da sociedade civil, questionando e tencionando várias

questões, um desses atores foi o movimento de pré – vestibular popular que passou a

lutar pela inserção de jovens de classes populares na educação superior. Nessa década

os “novos movimentos sociais” surgem disputando com os poderes instituídos,

sobretudo os campos politico e cultural, e conforme GOHN (1997) diferente dos

movimentos clássicos, na maioria de inspiração marxista, eles não seguem projetos

rígidos, suas ações e objetivos estão em constante transformação.

Page 4: André Tinoco de Vasconcelos

De acordo com CARVALHO (2005) os Pré - vestibulares comunitários se

consolidaram nos anos noventa como um dos mais importantes movimentos sociais

urbanos, sujeitos coletivos em uma real luta por inclusão social e cidadania ativa para

aqueles que historicamente foram privados desses direitos.

Ainda no ano de 1990 foi criado o Curso Pré-Vestibular Mangueira

Vestibulares, que mais tarde trocou o nome para Associação Mangueira Vestibulares,

ele tem como publico majoritariamente estudantes da Comunidade do Morro da

Mangueira. Três anos depois inspirado no curso Cooperativa Stive Biko, no curso para

os trabalhadores da UFRJ e no Mangueira Vestibulares, é fundado o PVNC (Pré-

Vestibular para Negros e Carentes), o primeiro núcleo foi em São João de Meriti, e a

partir dele houve uma forte difusão dos Pré – vestibulares Populares ou comunitários

pelo estado e pelo país, hoje são centenas de cursos pelo país todo, sejam eles

comunitários, populares, ligados ao movimento negro, a Igrejas ou a universidades.

Segundo SANTOS (2006) da mesma forma como o PVNC teve uma rapidez de

difusão, um núcleo em 1993 e setenta e sete em 1999, teve também uma intensa

velocidade de declínio no número de núcleos, em 2001, eram 32 núcleos, ele aponta,

porém, que embora fosse a diminuição de núcleos do PVNC, não se tratava de seu fim,

mas de um rearranjo do movimento, o surgimento de outras redes, como o EDUCAFRO

(Educação e Cidadania para Afro-descendentes e Carentes), o MSU (Movimento dos

Sem Universidade) e outros cursos isolados, fazendo dos cursos pré – vestibulares

comunitários e populares um movimento cada vez mais plural.

De acordo com SANTOS (2010) a difusão dos pré-vestibulares populares trouxe

a luz uma série de agendas que eram reivindicações das classes e grupos subalternos da

sociedade, isso se traduziu em políticas publicas e outras ações: “Se hoje temos um

conjunto amplo e diverso de políticas publicas (federais, estaduais e municipais) para a

democratização do ensino superior, isto se deve a luta dos pré-vestibulares populares,

que colocaram este tema na agenda publica nos últimos quinze anos” (SANTOS,

2010:85)

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CARVALHO (2005) também pesquisando sobre as conquistas dos cursos

comunitários, afirma que uma vitória foi s efetivação do Programa Universidade para

Todos (ProUni), que garante vagas em universidades particulares para estudantes de

baixa renda através da renuncia fiscal a favor dessas instituições. SANTOS (2010)

aponta outras conquistas como o grande numero de universidades que adotaram ações

afirmativas como cotas raciais e para estudantes de escola publica, pré-vestibulares

financiados por prefeituras ou governos estaduais, etc.

“Nada disso existiria se, na década de 1990, não houvesse nascido e se difundido o movimento dos pré-vestibulares populares, capilarizando socialmente a pauta da democratização (racial) do ensino superior, que vai ganhar espaço na agenda publica. Esse movimento, que enquanto ação coletiva que se multiplica e se difunde, aparece como uma iniciativa ligada ao movimento negro, instaura formas de ação (Santos,2003) e também “fórmulas” de intervenção, que defendemos aqui como sendo inspiradoras de políticas publicas.” (SANTOS, 2010. Pg.87)

Conforme o mesmo autor o sucesso dos pré-vestibulares populares e

comunitários se deu devido a suas estruturas organizacionais, que como já dito não são

projetos rígidos, então permitem que indivíduos bem diferentes participem do mesmo

movimento.

SANTOS (2005) enumera elementos que fazem parte dessa estrutura

organizacional pouco rígida dos cursos. Os cursos populares de uma forma geral tem a

autonomia como marca da sua organização, uma autonomia pedagógica que é assumida

muitas vezes pela coordenação do curso como forma de conseguir que pessoas de

práticas e vivencias tão diferentes trabalhem juntos. Isso configura os chamados pactos

políticos ideológicos frouxos, em que os indivíduos estão juntos devido a algumas

características em comum, como o trabalho voluntário, mas possuem concepções

totalmente diferentes do curso, muitas pessoas que atuam nesses cursos nem o veem

como um movimento social, não tem a clareza do que seja um movimento.

É necessário antes de adentrarmos mais nos dilemas e desafios políticos e

pedagógicos dos cursos populares, discutir a Educação Popular e o currículo, pois o

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movimento dos pré-vestibulares populares se colocam como projetos de prática de

educação popular e o currículo é tencionado o tempo todo para alcançar esse intuito.

EDUCAÇÃO POPULAR: CURRÍCULOS E PRÁTICAS DE ENSINO.

Os pré-vestibulares populares constituíram uma nova vertente de Educação

Popular na sociedade brasileira, o próprio conceito de educação popular levanta vários

debates e como vimos os diferentes cursos surgem das mais diversas concepções

politicas, lógico que mesmo dentro deles a visão de educação pode ser uma disputa.

Segundo OLIVEIRA (2001):

“Por ser um tipo ação destinada à preparação de jovens e adultos para o ingresso à educação superior, os pré-vestibulares populares trazem consigo um caráter de originalidade, uma vez que, ao longo de todo o período desenvolvimentista (1930-1989), os movimentos de educação popular, quer se prestassem para a conservação, quer para a transformação eram dirigidos exclusivamente para os adultos analfabetos ou de baixa escolarização. Outra inovação dos pré-vestibulares populares está em sua destinação acadêmica, visto que, diferentemente, as iniciativas em educação popular ao longo do desenvolvimentismo estiveram voltadas para a conformação ético-político de setores da classe trabalhadora. Tal investida se consolidava predominantemente, por meio de iniciativas de educação básica cuja prioridade apontava em direção a um projeto de desenvolvimento societal e, que em segundo plano pensava a formação técnica para o trabalho.” (OLIVEIRA, 2001. Pg.52)

A mesma autora chama atenção para as contradições encontradas nos

movimentos de Educação Popular. Há diferenças entre movimentos feitos para os

trabalhadores e aqueles feitos pelos trabalhadores, nem todos eles possuem caráter

emancipatório, na sociedade atual marcada pelo individualismo e pelo neoliberalismo

como politica dominante essa contradição também marca os cursos populares, o

objetivo não pode ser só a aprovação nos concursos, pois é a mesma lógica de qualquer

curso particular.

O grande diferencial dos cursos populares, concordando com a autora, é que

eles nascem no seio de movimentos da classe trabalhadora lutando por educação para a

própria classe além da educação básica e como já dito esse movimento parte de sujeitos

de diferentes vertentes como o movimento negro e movimentos ligados a Igreja

católica. Há cursos ligados a movimentos sindicais ou comunitários em que os

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organizadores têm o objetivo de formar quadros, dirigentes. OLIVEIRA (2001) lembra

ainda de experiências que foram criadas por iniciativas governamentais, como subsídios

financeiros a cursos populares e criação de alguns deles que se configuraram como

projetos totalmente diferentes dos primeiros.

Entende-se a Educação Popular exatamente como um processo em que o

educando participa ativamente, o trabalho atinge seu objetivo quando as classes

populares realmente constroem o projeto, não é algo de “cima para baixo” Conforme

OLIVEIRA (2001)lembra:

“Paulo Freire (...) embora não tenha tido exatamente os movimentos sociais como principal objeto de suas análises, em muito contribuiu para o esclarecimento da relação entre movimentos sociais e educação. Essa contribuição aparece na medida em que construiu toda sua reflexão em torno do processo de produção do ser humano como sujeito, da potencialidade educativa da condição de oprimido, bem como do esforço para tentar deixar de sê-lo. O que quer dizer, lutar para transformar a realidade social.” (OLIVEIRA, 2001. Pg.25)

Essa autora aponta ainda que mesmo na LDB - Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional, Lei nº. 9394/96, no artigo 1º já coloca como espaço educativo, além

da escola, os movimentos sociais, porém na sociedade é muito forte a visão da escola

como único espaço de aprendizagem, BRANDÃO (2007) também escreveu que há

outros espaços onde a educação acontece, como os índios já demonstravam com a

educação dos mais novos se dando na própria tribo.

Nessa direção há o trabalho de Roseli Caldart que discute a educação do campo,

o papel da escola e da educação que é feita pelo Movimento dos Sem terras. CALDART

(2000) vê o processo de formação no movimento como um processo educativo, a

Educação é formação humana e a escola tem sua contribuição nisso, é parte do

processo. A educação é um processo social ligado a uma série de outras esferas como a

economia e a cultura, as práticas educativas e os currículos são intencionais, a escola

não está fora desses processos mais amplos.

A escola, tal qual a própria educação é uma instituição que não foge a formas de

poder e controle, porém a pedagogia do movimento tenciona a escola o tempo todo,

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mudando os significados das ações e processos que ocorrem na escola, ela não pode ser

rígida, imutável, pois o movimento é dinâmico.

O currículo é um importante ponto a tensionar, pois ele é a síntese das disputas

em torno do projeto, seja de uma escola ou um movimento como um pré- vestibular

popular. Se é um projeto de Educação Popular, um projeto emancipatório, que currículo

está sendo desenvolvido? Ele reflete esses objetivos? O projeto pode buscar uma prática

emancipatória ao mesmo tempo em que o currículo é tradicional?

Antes de abordar propriamente disputas curriculares nos cursos populares é

necessária uma explanação sobre o que é o currículo. SILVA (2002) escreveu sobre as

teorias curriculares existentes ao longo do tempo. Na teoria tradicional, o currículo

pensa a escola como uma empresa comercial, O currículo é técnico e a educação, um

processo de assimilação, podendo chamar de educação bancária. Na década de 1960 são

desenvolvidas as teorias críticas que questionam a ordem vigente e as desigualdades e

injustiças produzidas por ela. Compreendendo que a escola é um aparelho ideológico do

Estado e o currículo serve para reproduzir as ideologias dominantes.

Na década de 1970, o movimento de reconceptualização critica o currículo como

sendo tecnocrático, e o currículo sempre legitima as estruturas, apresenta um

conhecimento como verdadeiro em detrimento de outros, o currículo tradicional está

distante da realidade dos discentes, o que educadores como Paulo Freire propõem é que

as experiências e vivências dos estudantes devem ser o ponto de partida dos temas

geradores.

Porém na década de 1980 Demerval Saviani faz criticas a essas teorias propondo

a pedagogia histórico-crítica. Segundo SAVIANI (2004) a pedagogia libertadora dá

maior destaque aos métodos do que aos conteúdos, e a aprendizagem dos

conhecimentos não deve ser esquecida, se o objetivo é uma luta politica as classes

subalternas ou populares precisam se apropriar dos instrumentos para conquistar sua

emancipação.

De acordo com SILVA (2002) a “nova sociologia da educação” também

influenciou os estudos curriculares, destacando a relação currículo e poder, o currículo é

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uma construção social. O autor cita Basil Bernstein, para ele há o currículo tipo coleção,

em que os campos do conhecimento são organizados de forma isolada e o currículo

integrado, em que se diminuem as distinções entre as áreas do conhecimento. Há ainda

o currículo oculto, aqueles aspectos presentes no cotidiano do trabalho docente, da

escola, que oficialmente não aparecem instituídos, mas influenciam os valores e

comportamentos dos discentes através da aprendizagem.

Na perspectiva das abordagens sobre diferença e identidade, o currículo

multiculturalista é uma possibilidade de inclusão dos grupos raciais e étnicos, é,

portanto um instrumento de luta política pela igualdade. A análise crítica divide o

currículo multiculturalista entre as concepções pós-estruturalista e materialista.

O fundamental é entender como as diferenças são produzidas através das

relações de desigualdade. Para lutar pela igualdade, é necessária uma modificação total

do currículo existente. Na perspectiva critica, o currículo lidaria com a questão da

diferença como sendo histórica e política, a identidade é uma relação dependente do

outro, não existe identidade sem está relacionada a significação e poder. Não se Pode

ver o currículo como algo inocente, desinteressado. Conforme ARROYO (2011)

“Movimentos que pressionam por currículos de formação e de educação básica mais afirmativos dessas identidades coletivas. Que pressionam, ainda, para que entrem no território do conhecimento legítimo as experiências e os saberes dessas ações coletivas, para que sejam reconhecidos sujeitos coletivos de memórias, história e culturas. Os movimentos sociais trazem indagações e disputas para o campo dos currículos e da docência” (ARROYO, 2011. Pg 11.)

ARROYO (2011) escreve que o currículo é um território em disputa. Ao mesmo

tempo em que ele é uma forma de governos, gestores, coordenadorias, etc. Tentarem ter

o controle do trabalho docente, ele também é um meio em que professores e alunos têm

a possibilidade de fugirem das imposições de “cima” e recriar o currículo na prática na

sala de aula, também através do currículo as identidades estão em processo de recriação

e recomposição, o ser professor está em disputa assim como o currículo.

“Persegue-nos a ideia de que esses dois movimentos, de um lado, reencontrar nossas identidades profissionais e de outro, tentar da conta das artes de

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conviver, educar, ensinar infâncias-adolescências tão quebradas pela desordem social, têm sido os dois movimentos que mais têm tencionado nosso trabalho nas salas de aula e nossas lutas como professor(a) e como coletivo docente. Inclusive que vêm tencionando as políticas publicas e as ações do Estado.” (ARROYO, 2011. pg10)

Na terceira e ultima parte do trabalho serão discutidos mais afundo os dilemas

políticos e os desafios pedagógicos presentes no movimento dos cursos populares

apresentado como exemplo embates presentes em dois cursos; o PVNC, objeto de

estudo dos trabalhos de SANTOS (2006), OLIVEIRA (2001) e NASCIMENTO (2000)

e ainda o Pré-universitário Millenium, projeto de extensão da Universidade Federal

Fluminense. Trabalharemos também tensionamentos da ciência geográfica, por ser a

ciência que praticamos e ela possui uma dimensão politica tão forte quanto os cursos

populares e assim como neles muitas vezes esse viés é negado, é então uma disciplina

fundamental para a busca pela emancipação que esses cursos visam.

METODOLOGIA E RESULTADOS

Essa pesquisa se encontra em processo de realização. Para se alcançar os

objetivos vem sendo feita uma análise de movimentos sociais de Educação Popular, de

onde veio à cena os movimentos de Pré-Vestibulares Populares. Além disso, a outra

parte da análise visa compreender como esses desafios e dilemas dos movimentos

refletem em mediações curriculares. E por fim, será verificado como essas mediações

afetam o professor de Geografia, como ele percebe o projeto do curso e como esses

embates aparecem na sua prática nesse movimento. A pesquisa se encontra no inicio da

fase de entrevistas com coordenadores e professores dos cursos estudos de caso.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARROYO, Miguel G. Currículo, território em disputa. Petrópolis: Vozes, 2011.

CALDART, Roseli Salete. Pedagogia do Movimento Sem Terra: escola é mais do

que escola. Petrópolis: Editora Vozes, 2000.

Page 11: André Tinoco de Vasconcelos

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