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Universidade do Estado do Rio de Janeiro Faculdade de Administrao e Finanas

Andr Luiz Villagelim Bizerra

Governana no setor pblico: a aderncia dos relatrios de gesto do Poder Executivo municipal aos princpios e padres de boas prticas de governana

Rio de Janeiro 2011

Andr Luiz Villagelim Bizerra

Governana no setor pblico: a aderncia dos relatrios de gesto do Poder Executivo municipal aos princpios e padres de boas prticas de governana

Dissertao apresentada, como requisito parcial para a obteno do ttulo de Mestre, ao Programa de Mestrado em Cincias Contbeis, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. rea de concentrao: Controle de Gesto.

Orientador: Prof. Dr. Francisco Jos dos Santos Alves

Rio de Janeiro 2011

CATALOGAO NA FONTE UERJ / REDE SIRIUS / BIBLIOTECA CCS/BB552 Bizerra, Andr Luiz Villagelim Governana no setor pblico: a aderncia dos relatrios de gesto do Poder Executivo aos princpios e padres de boas prticas de governana / Andr Luiz Villagelim Bizerra.- 2011 124 f. Orientador: Francisco Jos dos Santos Alves. Dissertao (Mestrado) - Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Faculdade de Administrao e Finanas. Bibliografia: f.119-124. 1. Administrao Pblica Teses. 2. Governana. I. Alves, Francisco Jos dos Santos. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Faculdade de Administrao e Finanas. III. Ttulo CDU 35

Autorizo, apenas para fins acadmicos e cientficos, a reproduo total ou parcial desta dissertao. ____________________________ Assinatura _________________ Data

Andr Luiz Villagelim Bizerra

Governana no setor pblico: a aderncia dos relatrios de gesto do Poder Executivo municipal aos princpios e padres de boas prticas de governana

Dissertao apresentada, como requisito parcial para a obteno do ttulo de Mestre, ao Programa de Mestrado em Cincias Contbeis, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. rea de concentrao: Controle de Gesto.

Aprovada em Banca Examinadora:

_____________________________ Prof. Dr. Francisco Jos dos Santos Alves (Orientador) Faculdade de Administrao e Finanas da UERJ

_______________________________ Prof. Dr. Simone Silva da Cunha Vieira Faculdade de Administrao e Finanas da UERJ

_____________________________ Prof. Dr. Marcelino Jos Jorge Fundao Oswaldo Cruz - FIOCRUZ

Rio de Janeiro 2011

DEDICATRIA

minha me Terezinha, pela dedicao e por todas as oraes que, tenho certeza, fez por mim. minha esposa Andra, que sempre esteve ao meu lado e compartilhou os momentos felizes e os no to felizes. s milhas filhas Milena e Mae, que souberam entender os momentos de minha ausncia para dedicao ao mestrado.

AGRADECIMENTOS

Fico feliz em chegar ao final desta etapa e poder deixar neste espao os agradecimentos queles que contriburam para que eu chegasse at este ponto. Agradeo, primeiramente, a Deus por ser o guia da minha vida e por fazer com que no final tudo d certo. minha famlia, me, esposa e filhas, que formam a base da minha vida. Aos meus familiares, primos, tios e tias, e aos familiares da minha esposa, que pelas relaes de amizade e afeto, no h como dizer que no fazem parte da minha prpria famlia. Aos amigos do trabalho, aos amigos que surgiram das relaes com outros amigos e aos amigos da bola, como costumamos chamar, que sempre me aguentaram e souberam entender a minha ausncia. Aos amigos de turma do mestrado que sempre me incentivaram e deram fora uns aos outros mutuamente. Aos amigos da secretaria do mestrado que sempre estiveram prontos a contribuir para o atendimento de qualquer necessidade. E, finalmente, a todos os professores do mestrado que sempre contriburam muito para o aprendizado. Em especial, deixo aqui o agradecimento ao prof. Waldir Ladeira, pelo conselho mais que oportuno para que eu mantivesse sempre o foco na minha dissertao, ao prof. Lino Martins, pelas importantes aulas e discusses em sala, ao prof. Frederico, pelas boas orientaes e material oferecido sobre governana, ao prof. Josir Simeone, pelas oportunidades que sempre ofereceu aos seus alunos e pelo valioso conselho de que devemos sempre buscar a felicidade naquilo que fazemos, e de forma mais reservada ao prof. Francisco Jos, por aceitar ser meu orientador, pelos questionamentos que sempre despertaram para uma reflexo mais profunda dos temas, e por contribuir de forma mais que decisiva para esta dissertao.

RESUMO BIZERRA, Andr Luiz Villagelim. Governana no setor pblico: a aderncia dos relatrios de gesto do Poder Executivo municipal aos princpios e padres de boas prticas de governana. 2011. 124f. Dissertao (Mestrado em Cincias Contbeis) Faculdade de Administrao e Finanas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011. A administrao pblica apresenta vrios problemas, que vo desde a ausncia de avaliaes quanto aos aspectos de eficincia, eficcia e efetividade na utilizao de recursos e das polticas pblicas adotadas, at a prtica perversa da corrupo em suas diversas formas. Grande parte destes problemas decorre da falta de mecanismos de controle e acompanhamento para saber se as aes promovidas pelos gestores pblicos esto de acordo com os objetivos da sociedade. Os problemas que decorrem desta relao de conflito de interesses entre aqueles que delegam a administrao de suas organizaes e aqueles que recebem esta delegao e administram, so chamados de problemas da relao entre principal e agente. No setor pblico pode-se considerar que agente o gestor pblico (recebe a delegao e administra) e principal o cidado ou a prpria sociedade (que delega). Estes conceitos tm origem na teoria da agncia. Esta teoria um dos fundamentos da governana, seja no setor privado ou no setor pblico. E a governana adota princpios como a transparncia e a accountability para propor prticas de controle e acompanhamento da administrao, a fim de evitar os problemas da relao agente e principal. Deste modo, a presente pesquisa tem por objetivo avaliar se os relatrios de gesto do Poder Executivo municipal so aderentes aos princpios e padres de boas prticas de governana para o setor pblico acerca da transparncia e da accountability na utilizao dos recursos, bem como dos resultados gerados em decorrncia das polticas pblicas adotadas. Para tanto, a metodologia utilizada neste trabalho foi a seguinte: atravs da pesquisa bibliogrfica, identificou-se na literatura quais os princpios e padres de boas prticas de governana para a administrao pblica, e criou-se um quadro-sntese para servir de base para avaliao dos relatrios de gesto quanto aos aspectos de transparncia e accountability; atravs da pesquisa documental foram selecionados os relatrios de gesto da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro a serem analisados, que foi a cidade escolhida para realizao da pesquisa pela proximidade com o autor e pela disponibilizao de diversos documentos em seu stio eletrnico; a seguir, pela anlise de contedo, fez-se a avaliao dos documentos utilizando-se o quadrosntese produzido. Os resultados da pesquisa demonstraram que os relatrios de gesto analisados possuem pouca aderncia aos princpios e padres de boa governana, evidenciando-se uma aderncia de apenas 37,71% em relao aos elementos estabelecidos no quadro-sntese. Assim, apontou claramente para o fato de que h pouca transparncia nos relatrios de gesto, fato este que prejudica a accountability na administrao pblica. Palavras-chave: Governana pblica. Transparncia. Accountability. Gesto Municipal.

ABSTRACTThe public administration has several problems, ranging from the lack of reviews on the aspects of efficiency, efficacy and effectiveness in use of resource and public policies adopted, to the evil practice of corruption in its different ways. Most of these problems derive from the lack of control mechanisms and monitoring to determine whether the actions taken by public managers are in line with the goals of society. The problems arising from that relationship conflict of interest between those who delegate the management of their businesses and those who receive this delegation and manage the business are called problems of the relationship between principal and agent. In the public sector can be considered that the agent is the public manager (receiving the delegation and administrate) and principal is the citizen or the society itself (delegating). These principles have their origin in the agency theory. This theory is a cornerstone of governance, whether in private or in public sector. And adopts governance principles such as transparency and accountability to propose control practices and monitor the administration in order to avoid the problems of agent and principal relationship. So, this research aims to evaluate whether the annual reports of the Local Administration are adherents to the principles and standards of good governance practices for public sector about transparency and accountability in resource utilization as well as the results generated from public policies adopted. For that, the methodology used in this study were as follows: through the literature search, was identified in the literature what were the principles and standards of good governance practices for public administration, and created a summary table to serve as a basis for evaluation of management reports, about the aspects of transparency and accountability; through documentary research were selected the annual reports of the Rio de Janeiro City to be analyzed, which was the city chosen for the research by its proximity with the author and by the availability of several documents in the web site; following, the content analysis was done to evaluate the documents using of the summary table prepared. The research results showed that the annual reports studied have little adherence to the principles and standards of good governance, demonstrating an adherence of only 37.71% compared to the elements set out in the summary table. Thus, there remained clear that there is little transparency in the management reports, a fact which affect the accountability in public administration.

Keywords: Public Governance. Transparency. Accountability. Local Management.

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Categorias de boas prticas para relatrios de gesto ...........................81 Tabela 2 - Categoria validaes externas ................................................................82 Tabela 3 - Categoria avaliao de desempenho ......................................................83 Tabela 4 - Categoria compreenso ..........................................................................84 Tabela 5 - Categoria controle ...................................................................................84 Tabela 6 - Categoria divulgao ...............................................................................85 Tabela 7 - Categoria governana .............................................................................86 Tabela 8 - Categoria padro contbil .......................................................................87 Tabela 9 - Categoria riscos ......................................................................................87 Tabela 10 - Categoria prazos .....................................................................................88 Tabela 11 - Arrecadao por capitais .........................................................................89 Tabela 12 - Populao por capitais ............................................................................90 Tabela 13 - Boas prticas para relatrios de gesto validaes externas ........ ....102 Tabela 14 - Boas prticas para relatrios de gesto - avaliao de desempenho .. 104 Tabela 15 - Boas prticas para relatrios de gesto - compreenso ...................... 106 Tabela 16 - Boas prticas para relatrios de gesto - controle ................................107 Tabela 17 - Boas prticas para relatrios de gesto - divulgao ............................108 Tabela 18 - Boas prticas para relatrios de gesto - governana ..........................110 Tabela 19 - Boas prticas para relatrios de gesto padro contbil ....................111 Tabela 20 - Boas prticas para relatrios de gesto - riscos....................................112 Tabela 21 - Boas prticas para relatrios de gesto - prazos ..................................113 Tabela 22 - Aderncia de relatrios de gesto s boas prticas de governana .....114

LISTA DE ILUSTRAES Figura 1 - Princpios fundamentais ...........................................................................67 Quadro 1 - Transparncia e relatrio de desempenho ...............................................70 Figura 2 - Elementos da governana .......................................................................71 Quadro 2 - Princpios de governana .........................................................................75 Quadro 3 - Dimenses da administrao pblica .......................................................76 Quadro 4 - Recomendaes sobre governana no setor pblico...............................76

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ANEEL CIPFA CGM CVM DAR DASP ECGI FMI Fundeb

Agncia Nacional de Energia Eltrica The Chartered Institute of Public Finance and Accountancy Controladoria Geral do Municpio Comisso de Valores Mobilirios Government Audit Policy Directorate Departamento Administrativo do Servio Pblico European Corporate Governance Institute Fundo Monetrio Internacional Fundo de Desenvolvimento da Educao Bsica e Valorizao dos Profissionais da Educao

Fundef

Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorizao do Magistrio

G2B G2C G2G IBCA IBGC IFAC IIA IMF IPSAS IPTU IRPF ISS ITBI LDO LOA LRF MARE NPM OCDE OECD

Governo para o mercado Governo para o cidado Governo para o governo Instituto Brasileiro de Conselheiros de Administrao Instituto Brasileiro de Governana Corporativa International Federation of Accountants Institute of Internal Auditors International Fund Monetary International Public Sector Accounting Standards Imposto Predial Territorial Urbano Imposto de Renda Pessoa Fsica Imposto Sobre Servios Imposto Sobre Transmisso de Bens Imveis Lei de Diretrizes Oramentrias Lei Oramentria Anual Lei de Responsabilidade Fiscal Ministrio da Administrao e Reforma do Estado New Public Management Organizao para Cooperao e Desenvolvimento Econmico Organization for Economic Co-operation and Development

OPM PPA RGF RREO STN TCMRJ TCU

Office for Public Management Plano Plurianual Relatrio de Gesto Fiscal Relatrio Resumido da Execuo Oramentria Secretaria do Tesouro Nacional Tribunal de Contas do Municpio do Rio de Janeiro Tribunal de Contas da Unio

SUMRIO

INTRODUO ..................................................................................... 1 1.1 1.1.1 1.1.2 1.1.3 1.2 1.2.1 1.2.2 1.2.3 1.2.4 1.2.4.1 1.2.4.2 1.3 1.3.1 1.3.1.1 REFERENCIAL TERICO .................................................................. Nova gesto pblica .......................................................................... Reformas da administrao pblica .................................................... New public management ..................................................................... IFAC e a viso da nova administrao pblica .................................... Governana corporativa e governana no setor pblico .............. Governana ......................................................................................... Relao principal x agente na gesto pblica ..................................... Governana na administrao pblica ................................................ Governana pblica, transparncia e accountability .......................... Governana e accountability ............................................................... Governana e transparncia ............................................................... Cdigos de Governana ................................................................... OCDE.................................................................................................... OECD best practices for budget transparency .....................................

13 19 21 22 26 30 32 32 38 42 45 45 47 56 57 57 58 60 61 63 66 70 72 74 77 77 78 79 81

1.3.1.2. OECD principles of corporate governance 1.3.1.3 1.3.1.4 1.3.2 1.3.3 1.3.4 1.3.5 1.3.6 2 2.1 2.2 2.3 2.4 Public sector modernization: open government ................................... OECD guidelines on corporate governance of State-owned enterprises .. Fundo Monetrio Internacional ... Office for Public Management and The Chartered Institute of Public Finance and Accountancy The Netherlands Ministry of Finance, Government Audit Policy Directorate ...... Institute of Internal Auditors . International Federation of Accountants ... METODOLOGIA ... Tipo e mtodo de pesquisa ............................................................... Coleta dos dados ................................................................................ Tratamento e anlise dos dados ....................................................... Construo do quadro-sntese de transparncia e accountability para relatrios de gesto do Poder Executivo municipal ..............

2.5 3 3.1 3.1.1 3.1.2 3.1.3 3.2 3.2.1 3.2.2 3.2.3 3.2.4 3.2.5 3.2.6 3.2.7 3.2.8 3.2.9 3.3

Limitaes ............................................................................................... RESULTADOS ......................................................................................... Apresentao dos dados ....................................................................... Relatrio de desempenho da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro frente Lei de Responsabilidade Fiscal - 3 Quadrimestre 2009 ............ Prestao de contas simplificada 2009 ................................................. Prestao de contas 2009 verso completa ......................................... Anlise dos dados e discusso dos resultados.................................. Validaes externas ................................................................................. Avaliao de desempenho ....................................................................... Compreenso ........................................................................................... Controle ....................................................................................................

88 89 89 91 92 96 102 102 103 105 107

Divulgao ................................................................................................ 107 Governana .............................................................................................. Padro contbil ........................................................................................ Riscos ....................................................................................................... Prazos ...................................................................................................... Resultado da pesquisa .......................................................................... CONCLUSO .......................................................................................... REFERNCIAS ........................................................................................ 110 111 112 113 114 114 119

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INTRODUO

H muito o Estado Brasileiro, atravs dos diversos e sucessivos governos, tenta aprimorar o modo de organizao e funcionamento de sua administrao pblica, a fim de tornar mais adequados os bens e servios que disponibiliza a sociedade nos diversos segmentos em que atua. Contudo, o constante processo de mudanas promovidas no setor pblico no exclusividade do Brasil. De fato, muitos pases buscam aprimorar sua mquina pblica, pois identificam que possuir uma administrao bem organizada fator primordial para o desenvolvimento e fortalecimento econmico e social do pas. Na Amrica Latina, isto pode ser comprovado pelas sucessivas reformas administrativas que ocorreram em diversos pases, cujo estimulo foi originado por organizaes internacionais (PREZ e HERNNDEZ, 2007). Um quadro de mudanas, incluindo o advento do Welfare State (Bem-Estar Social), do new deal, e das crises financeiras mundiais ocorridas nas dcadas de 1980 e 1990 contriburam de forma decisiva sobre o pensamento do papel do Estado na sociedade (MATIAS-PEREIRA, 2008). No Brasil, vrias reformas foram empreendidas desde os anos 1930 com o objetivo de melhorar a administrao pblica, realizando-se mudanas que correspondiam ao pensamento prprio da cada poca em que foram implantadas. Num primeiro momento, combater o patrimonialismo foi o principal objetivo. Em outro, flexibilizar a rigidez instalada na administrao foi o foco. E numa terceira reforma, seguindo a tendncia mundial das idias sobre a New Public Management (NPM), a implantao de um modelo gerencial pareceu ser a soluo. Contudo, entraves como a cultura burocrtica enraizada, a primazia da reforma fiscal sobre a gerencial e a existncia de interesses escusos demonstraram as dificuldades em se fazer uma eficaz reforma administrativa no Brasil. Deste modo, no foram gerados resultados suficientes para corrigir a totalidade dos problemas apresentados pelo setor pblico (BRESSER-PEREIRA, 2001b; ABRUCIO, 2007; REZENDE, 2009). Este resultado negativo das reformas fez com que as organizaes pblicas continuem sendo demandadas, ainda, e cada vez mais, por necessidades de maior transparncia e melhores resultados no desempenho de suas atividades. As entidades da administrao pblica so questionadas acerca de aspectos que dizem respeito quantidade e qualidade dos bens e servios pblicos que

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produzem e colocam disposio da sociedade, seja na esfera federal, estadual ou municipal. As prefeituras, talvez pela maior proximidade com o cidado, esto sempre a receber muitas demandas sociais. Estas entidades municipais tm a obrigao de atender as necessidades fundamentais do cidado, como educao bsica, sade, transporte pblico e saneamento dentre outras, estando, desta forma, no foco das cobranas feitas pela sociedade: como os recursos so gastos? Por que aplicar nesta funo e no em outra? A legislao observada? Quais as prioridades do governo? Como as escolhas por reas de gastos so feitas? Por que se demora tanto para atender as demandas sociais? Por que no se consegue atender plenamente? Estes questionamentos demonstram claramente a

necessidade por novos modelos de administrao para estas organizaes, de modo que se possa fazer uma reforma adequada de sua estrutura e do seu servio administrativo. Por outro lado, a constante onda mundial de exigncias e propostas de mudanas e melhorias para o setor pblico, em diversos pases do mundo (PREZ e HERNNDEZ, 2007), apresenta sempre novas possibilidades. E a globalizao faz com que novos pensamentos acerca de uma melhor administrao pblica sejam direcionados rapidamente para o ambiente nacional, como acontece hoje com a harmonizao das normas e controles contbeis brasileiros ao padro internacional. Esta convergncia, por exemplo, promove modificaes importantes na contabilidade governamental e no modo como o patrimnio e os resultados das organizaes pblicas so demonstrados. Em termos de gesto, seguindo ainda a linha do pensamento sobre a utilizao de ferramentas do setor privado no setor pblico, como na reforma gerencial (MATIAS-PEREIRA, 2008; FERRER, 2007; BRESSER-PEREIRA, 2001b), apresenta-se, atualmente, uma tendncia para adoo de prticas de governana corporativa no setor pblico. Porm, isto ocorre de modo mais forte no debate mundial e ainda de modo incipiente no mbito nacional (SLOMSKI, 2008). Sob esta perspectiva, a governana corporativa, inicialmente aplicada ao setor privado, trata de trazer para o setor pblico a possibilidade de dotar as entidades desta rea de um comportamento mais transparente e com maior responsabilizao na produo de resultados. A adoo de boas prticas permite maior eficincia e eficcia na consecuo das metas estabelecidas pelas instituies do governo (MATIAS-PEREIRA, 2010).

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Diversos guias de boas prticas podem ser encontrados em stios eletrnicos de instituies internacionais voltadas para o desenvolvimento do setor pblico, como a Organizao para Cooperao e Desenvolvimento Econmico (OCDE), a International Federation of Accountants (IFAC), o Institute of Internal Auditors (IIA) e o Fundo Monetrio Internacional (FMI) dentre outros. Estas prticas, estabelecidas pelos diversos guias de boa governana existentes, devem estar presentes nas atividades e em toda a estrutura das entidades governamentais. A aplicao dos princpios prprios de governana, quais sejam, transparncia, integridade e responsabilizao, devem fundamentar a prestao de servios ou produtos oferecidos sociedade pelo setor pblico (SLOMSKI, 2008). Desta forma, toda organizao governamental deve adotar mecanismos ou ferramentas gerenciais para bem direcionar suas aes para o alcance dos objetivos organizacionais e para garantir a transparncia e a accountability. O Poder Executivo municipal, considerando a importncia que desempenham no

oferecimento de bens e servios sociedade, devem, tambm, adotar tais prticas. As prefeituras so entidades, via de regra, com uma grande estrutura administrativa, com diversas secretarias estabelecidas para atender demandas especficas da sociedade local. Normalmente encontram-se secretarias de educao, de sade, de obras, de habitao, esporte e lazer, desenvolvimento econmico e, nos dias atuais, muito comum encontrar uma secretaria de meio ambiente. Alm dessas, ainda encontram-se secretarias voltadas para a regulao da economia local e da organizao do prprio Poder Executivo municipal, como as secretarias de fazenda, administrao, governo, a procuradoria e a controladoria, sendo este ltimo um rgo de controle da administrao, geralmente institudo com status de secretaria. O rgo de controladoria possui um papel chave dentro da organizao, pois busca direcionar suas aes para fazer com que a organizao venha a alcanar as suas metas estratgicas, seja no setor pblico ou no setor privado. Busca garantir o atendimento das normas legais s quais est sujeita a prefeitura. Geralmente, esse rgo tem a funo de demonstrar, atravs de relatrios de gesto, aspectos relacionados ao desempenho financeiro e no-financeiro da entidade, possuindo uma ntima relao com as boas prticas de governana (BERGAMINI JUNIOR, 2005; BIANCHI, 2005).

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Desta forma, os relatrios emitidos pelas prefeituras municipais, tanto pelo rgo de controladoria como por outros rgos inseridos na estrutura organizacional do Poder Executivo municipal, devem contribuir para que as aes administrativas e as decises tomadas no decorrer das suas atividades, seja sobre os recursos utilizados seja sobre os resultados gerados pelas polticas pblicas adotadas, tenham adequada transparncia e accountability, cujos temas so abordados nesta pesquisa.

Problema de pesquisa

Embora a temtica da governana no setor privado, de longa data, tenha ampla discusso acerca das boas prticas nas empresas, de modo que se valorizam os aspectos de transparncia e responsabilizao dos gestores frente aos interesses tanto dos investidores quanto dos stakeholders, na administrao pblica em mbito nacional, todavia, ainda h pouca discusso e poucos trabalhos publicados sobre governana (SLOMSKI, 2008). Pode-se verificar na literatura especfica que os problemas causados pela delegao de poderes na administrao de organizaes, numa relao entre agente e principal, resultam na demanda por maior transparncia na tomada de decises, tanto na rea privada como na rea pblica. Diversos cdigos de governana aplicados ao setor pblico apresentados por organizaes internacionais supranacionais, como o Banco Mundial, a International Federation of Accountants (IFAC) e outras, tratam a transparncia e a accountability como princpios basilares para a boa governana das organizaes que fazem parte da administrao pblica. Deste modo, percebe-se que a transparncia e a accountability so fundamentais para o controle social e desejveis para o entendimento das aes pblicas por parte dos cidados. E os relatrios de gesto devem favorecer a transparncia e a accontability em todas as entidades do setor pblico, inclusive nas prefeituras municipais. Sendo assim, o problema que norteia a presente pesquisa se h aderncia entre os relatrios de gesto apresentados pelo Poder Executivo

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municipal e os princpios e padres de boa governana para o setor pblico quanto transparncia e a accountability.

Objetivo geral

O objetivo geral desta pesquisa estabelecer quais as boas prticas de governana para os relatrios de gesto das entidades do setor pblico em termos de disponibilizao de informaes e, em seguida, avaliar em que medida os relatrios apresentados pelo Poder Executivo municipal so aderentes a estes princpios e padres quanto transparncia e accountability na utilizao dos recursos e resultados gerados pelas polticas pblicas.

Justificativa

H muito, a administrao pblica vem incorporando conceitos novos, muitos oriundos do ambiente privado, a fim de oferecer melhores servios aos cidados. A adoo dos princpios de boa governana na rea pblica um tema relativamente recente no Brasil e que ainda demanda muitos trabalhos. A presente pesquisa justifica-se pela importncia do desenvolvimento de estudos que busquem contribuir para elevar a eficcia e eficincia da oferta de bens e servios aos cidados, bem como quanto ao controle e ao entendimento das decises tomadas pelos gestores pblicos quanto utilizao dos recursos e resultados das polticas pblicas adotadas. Alm disso, este trabalho permite verificar em que medida os atuais relatrios apresentados no mbito no Poder Executivo municipal contribuem para a transparncia e accountability na administrao pblica. Segundo Slomski et al. (2008), poucos estudos so encontrados quanto governana no setor pblico, e aqueles que so encontrados tentam adaptar os princpios de governana do setor privado estabelecidos pelo Instituto Brasileiro de Governana Corporativa (IBGC).

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Assim, utilizar princpios de governana estabelecidos por organizaes voltadas para o setor pblico, como a IFAC, pode proporcionar o direcionamento adequado s entidades da administrao pblica.

Relevncia

A pesquisa relevante pela utilizao de cdigos de boas prticas especificamente direcionados ao setor pblico na avaliao dos relatrios de gesto do Poder Executivo municipal, ao invs de adaptar princpios e padres de governana estabelecidos para o setor privado. Outro fato relevante que o estudo permitir observar o distanciamento entre o que hoje se pratica em termos de governana pblica para os relatrios de gesto das prefeituras, quanto transparncia e accountability, e o padro estabelecido pela literatura, podendo ao final do trabalho sugerir novas orientaes no fornecimento de informaes.

Delimitao da pesquisa

Quanto aos cdigos de boas prticas de governana utilizados, a pesquisa est limitada queles obtidos nos stios eletrnicos de organizaes internacionais e aos dispositivos da legislao brasileira que buscam promover a transparncia e a accountability na administrao pblica nacional, principalmente a Lei de Responsabilidade Fiscal. Nesta pesquisa, limitou-se a investigar os princpios e prticas de boa governana relativas s informaes que devem constar nos relatrios de gesto, a fim de dar transparncia s aes promovidas pelos gestores pblicos e promover a accountability pelos resultados gerados. Assim, outros aspectos de governana na administrao pblica, como padro de comportamento, estrutura e processos organizacionais e controles, no foram pesquisados.

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A aplicao da pesquisa a dimenso de relatrios de gesto justifica-se pelo fato de que, pelo menos em tese, os relatrios correspondem ao resumo dos resultados financeiros e no-financeiros da administrao pblica, sendo capazes de promover o adequado controle social e a responsabilizao dos gestores quanto utilizao dos recursos e resultados das polticas adotadas. A pesquisa se restringiu a analisar os relatrios de gesto da Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro e outras informaes disponibilizadas na internet, no stio eletrnico da Controladoria Geral do Municpio, que o rgo responsvel por elaborar as prestaes de contas do Poder Executivo. No se buscou informaes nas pginas eletrnicas de outros rgos da administrao direta ou indireta do municpio, pois o objetivo do trabalho foi o de analisar os relatrios apresentados de forma consolidada pelo Poder Executivo, e no compartimentada, com informaes dispersas sobre aspectos especficos, como educao ou sade. Os relatrios analisados referem-se a um nico perodo, ou seja, so aqueles que apresentam as informaes e os resultados financeiros e no-financeiros do exerccio de 2009.

Estrutura da dissertao

Esta pesquisa apresenta-se estruturada da seguinte forma: alm da seo introdutria, h mais trs captulos: a reviso da literatura, a metodologia aplicada e os resultados da pesquisa. O primeiro captulo apresenta-se dividido em trs partes: a primeira apresenta as reformas administrativas brasileiras no setor governamental e o pensamento da nova gesto pblica pela ideologia da NPM; a segunda discorre sobre a governana e seu surgimento, apresenta a teoria da agncia e a relao agente versus principal na administrao pblica; e a terceira parte apresenta os cdigos de governana dirigidos para adoo de boas prticas no setor pblico. O segundo captulo trata da metodologia aplicada a presente pesquisa, apresentando os dados e informando como os mesmos foram coletados e analisados.

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No captulo trs, os resultados so apresentados e discutidos. Por fim, so feitas as consideraes finais, com as sugestes para futuras pesquisas.

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1. REFERENCIAL TERICO

Este referencial terico aborda as mudanas ocorridas no setor pblico para contextualizar o novo ambiente e o recente pensamento acerca das funes e do modelo desejvel para a moderna administrao pblica. Apresenta o

desenvolvimento da temtica da governana, tanto no setor privado como no pblico, e as bases que a originaram e fizeram resultar na sua discusso. Os princpios da governana so identificados e discutidos, dando-se nfase aos aspectos de transparncia e accountability no setor pblico. Apresenta, tambm, a importncia da participao de organizaes internacionais supranacionais e sua contribuio com os diversos cdigos de boas prticas de governana para o setor pblico.

1.1 Nova gesto pblica

A gesto da administrao pblica, no Brasil e no Mundo, constantemente questionada acerca do seu desempenho pelos resultados insatisfatrios

historicamente produzidos diante das crescentes necessidades sociais. Diversos foram os cenrios de governo: autoritrio, democrtico, de direita, de esquerda, militar e outros, em que a administrao pblica foi modificada e modernizada para atender, ou pelo menos tentar atender, as dificuldades e desafios que se lhe apresentaram. As reformas empreendidas nos ltimos anos ou dcadas buscaram melhorar a eficincia do governo, seguindo a filosofia de se fazer mais, com menos. Podemse elencar trs grandes motivos para explicar as reformas: a primeira se daria na Europa, com a necessidade de resolver a crise do modelo de Bem-Estar Social; a segunda no EUA, com a percepo que os servios pblicos estariam deteriorados e estariam causando perdas para o setor privado; e a terceira, nos pases em desenvolvimento, com a percepo de um necessrio ajuste fiscal e do fortalecimento das economias nacionais (FERRER, 2007).

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1.1.1 Reformas da administrao pblica

Muitas reformas, a fim de modernizar a administrao pblica nos pases da Amrica Latina, podem ser verificadas desde o incio do sculo XX (PREZ E HERNNDEZ, 2007) No Brasil, podem-se identificar trs importantes reformas administrativas: a reforma burocrtica de 1936, cujo marco foi a criao do Departamento Administrativo do Servio Pblico (DASP); a reforma de 1967, estabelecida pelo Decreto-Lei n 200; e a reforma pblica gerencial, iniciada em 1995 (BRESSERPEREIRA, 2001a; MATIAS-PEREIRA, 2008). Cada uma dessas reformas deu-se sobre um modelo de administrao do Estado: o modelo de administrao patrimonialista, que foi o objeto principal da reforma empreendida na dcada de 1930, com a reforma burocrtica; o modelo de administrao burocrtica, que foi objeto da reforma empreendida em 1967 e da reforma gerencial de 1995; e o modelo de administrao gerencial, estabelecido por esta ltima reforma (BRESSER-PEREIRA, 2001b). Antes da reforma burocrtica de 1936, estava instalada no pas a administrao patrimonialista, onde o patrimnio pblico e o privado eram confundidos, e em cujo perodo se dava pouca importncia s polticas pblicas e as organizaes religiosas eram as responsveis pela assistncia social (MATIASPEREIRA, 2008). Esta reforma burocrtica, iniciada nos anos 1930, com a chegada de Getlio Vargas presidncia do Brasil, veio para tentar dotar a administrao pblica de maior racionalidade, a fim de criar uma administrao profissional. Este modelo atribudo a Max Weber e possui a formalidade, a impessoalidade e o profissionalismo como suas trs principais caractersticas (SECCHI, 2009). Segundo Bresser Pereira (2001a), a reforma burocrtica, com seu lema racional-legal, instalou uma rigidez racionalista na administrao pblica. Esta rigidez foi o foco principal da reforma administrativa seguinte, a reforma de 1967, estabelecida a partir do Decreto-Lei n 200. Segundo este autor, esta reforma pode ser considerada como uma demonstrao de pensamento embrionrio para a reforma da administrao gerencial no Brasil. A reforma de 1967 buscou proporcionar maior flexibilidade administrao pblica com a criao de autarquias, fundaes e empresas governamentais (PACHECO, 1999). Em outras

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palavras, buscou a descentralizao como meio de romper com os entraves promovidos pela rigidez burocrtica instalada (MATIAS-PEREIRA, 2008). Contudo, ainda que a reforma de desburocratizao tenha buscado a flexibilizao da burocracia, o Estado no conseguiu responder aos desejos por um efetivo desempenho das suas atividades e pelo resultado eficaz de suas aes, considerando tanto o aspecto econmico quanto as garantias sociais. A burocracia, com seus mtodos de controle extremamente complexos no permitiu administrao ter a agilidade necessria ao atendimento adequado das demandas que se lhe apresentavam (BRESSER-PEREIRA, 2001a). Embora o pensamento de John Maynard Keynes seja bem anterior ao perodo da reforma gerencial ocorrida no Brasil, o seu pensamento serve de base para repensar o papel do Estado em termos da responsabilidade pelo modo de atuao e da utilizao de ferramentas de poltica econmica (MATIAS-PEREIRA, 2008). Na mesma linha, segundo Bresser Pereira (1999; 2001a), a reforma pblica gerencial surge como resposta a crise dos anos 1980 e a globalizao da economia, onde muda o papel do Estado, que passa a atuar como facilitador para o desenvolvimento de uma economia nacional competitiva. At 1929, o Estado era visto como necessrio apenas para assegurar o mnimo social (Estado mnimo), ou seja, atuando de acordo com a viso clssica. Aps a dcada de 1920, a partir da viso de Keynes, os gastos pblicos passaram a desempenhar um papel fundamental (FERRER, 2007). Fatores como a crise fiscal e a democratizao contriburam para repensar a forma de atuao do Estado (REZENDE, 2009). No Brasil, segundo Costa (2006), a crise econmica era causada pela crise fiscal do Estado, com o desvio das funes tpicas de Estado para o setor produtivo, pela contratao de funcionrios pblicos sob uma perspectiva burocrtica e pela ineficincia do modelo de gesto. A reforma gerencial surge com a proposta de repensar o modelo de gesto da administrao pblica, a fim de melhorar a capacidade de governar, com o oferecimento eficiente e eficaz de bens e servios sociedade, numa relao clara entre os modelos institucionais e o desempenho por resultado. (REZENDE, 2009). A reforma gerencial buscou a reduo do tamanho do Estado, a descentralizao e a desregulamentao. Contudo, ao promover a reforma no Brasil, adotou-se o termo Reforma Gerencial do Estado, orientado no s pelo downsizing, mas pela busca de um Estado democrtico e eficiente (BRESSER-PEREIRA, 2000).

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Segundo Rua (1997, p.143) os fundamentos das aes que visavam promover a reforma gerencial foram: O foco o cidado, e as atividades se orientam para a busca de resultados; O princpio da eficincia econmica cede espao ao princpio da flexibilidade; nfase na criatividade e busca da qualidade; Descentralizao, horizontalizao das estruturas e organizaes em rede; Valorizao do servidor, multiespecialidade e competio administrada; e Participao dos agentes sociais e controle dos resultados.

A reforma gerencial preconizada pelo Ministrio da Administrao e Reforma do Estado (MARE) tinha como fundamento uma reforma constitucional, com uma clara inteno de proporcionar apoio poltico s mudanas necessrias para transformao de um ambiente de gesto burocrtica para um ambiente de gesto gerencial. Alm dessa reforma fundamental, trs outros projetos foram importantes para a reforma gerencial: descentralizao dos servios sociais atravs das organizaes sociais, implementao das atividades exclusivas de Estado atravs das agncias autnomas, e profissionalizao do servidor (BRESSER-PEREIRA, 1997, p.37). Contudo, ainda que os objetivos da reforma gerencial fossem promover novos modelos institucionais orientados para resultados ao invs de processos, houve conflito entre a performance fiscal e a performance gerencial. Este conflito prejudicou os interesses pelo desempenho gerencial, uma vez que privilegiou decises voltadas para o controle fiscal, pois os atores sociais com poder de veto so motivados a se comportarem de modo que as suas aes estejam voltadas para decises que gerem ganhos polticos mais rapidamente, o que acontece principalmente em Estados que demandam uma necessidade maior por ajuste econmico (REZENDE, 2009).

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As reformas empreendidas nos anos 1990, incluindo-se a reforma gerencial, trataram com maior nfase do ajuste econmico. Foram reformas que buscaram responder, sobretudo, ao problema do esgotamento financeiro do Estado. Este tipo de reforma, segundo Costa (2006), incapaz de alterar as relaes entre o Estado e a Sociedade, no mudando o sentido de responsabilidade pblica. As experincias promovidas na administrao pblica demonstraram que as reformas gerenciais aplicadas no promoveram reduo da burocracia (REZENDE, 2009). Alguns fatores contriburam para inibir a mudana da administrao burocrtica para a gerencial, como a inrcia, os interesses escusos e a ideologia burocrtica enraizada na administrao pblica (BRESSER-PEREIRA, 2001b). No Brasil, os resultados foram poucos e no produziram a totalidade dos efeitos desejados. A sobreposio do interesse pelo ajuste fiscal contribuiu, sem dvida, para que a reforma gerencial promovida fosse considerada um projeto malogrado pelos escassos resultados observados (COSTA, 2006). Abrucio (2007, p.73) indica alguns fatores para o fracasso das reformas na era Fernando Henrique Cardoso, 1995 a 2002, promovidas pelo ento ministro da reforma do Estado, Bresser-Pereira: O legado Collor do desastroso desmantelamento do Estado, que fez com que as propostas iniciais de reforma de Fernando Henrique Cardoso fossem colocadas no mesmo caminho neoliberal e vistas com grande desconfiana; A falta de experincia em realizar reformas em um ambiente democrtico, pois as reformas at ento empreendidas se deram em ambiente autoritrio; Prevalncia da equipe econmica, ainda que sem uma

incompatibilidade natural entre reforma fiscal e gerencial, ocasionando uma subordinao da reforma gerencial sob a reforma fiscal.

A respeito deste ltimo aspecto, Abrucio (2007) argumenta que houve o impedimento de vrias inovaes administrativas, como a maior autonomia das agncias reguladoras, uma vez que pela prevalncia do aspecto econmico, existia o medo de se perder o controle dos gastos a serem promovidos por estes rgos. O autor afirma, ainda, que havia um temor por parte dos parlamentares na implantao

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de um modelo administrativo mais transparente e voltado ao desempenho, pois este modelo poderia diminuir a capacidade de influncia da classe poltica na gesto dos rgos pblicos. Segundo Ferrer (2007), diante do quadro econmico brasileiro, de restrio fiscal e desequilbrio, os gastos com a mquina pblica poderiam ser reduzidos pela reestruturao do governo. Seria necessria, desta forma, uma gesto focada na criao de um ambiente com incentivos eficincia e a incorporao de novas tecnologias aos processos, com a efetiva aplicao dos conceitos da New Public Management (NPM), como eficincia e eficcia na administrao pblica, cujo conceito geral de desempenho tende a ser transparente e favorecer a accountability, cujos temas esta pesquisa aborda.

1.1.2 New public management

Segundo Matias-Pereira (2008, p. 85), Woodrow Wilson foi um dos responsveis pela construo do pensamento sobre a New Public Management, com a introduo, h cento e vinte anos, de "aspectos de accountability democrtica". Conceitos importantes para a nova orientao da administrao pblica, no condizentes com o modelo burocrtico instalado, so aqueles prprios de sociedades democrticas: descentralizao, flexibilidade, incluso e controles sociais (REZENDE, 2009). Alguns valores essenciais podem ser verificados pelas reformas da administrao sob a teoria da NPM: responsiveness, transparency, innovativeness, and goal achievement orientations (VIGODA-GADOT; MEIRI, 2008), que se pode traduzir para: capacidade de resposta, transparncia, inovao e orientao para o alcance dos objetivos. A nfase desta nova concepo do pensamento acerca da administrao pblica est na responsabilizao por resultados gerados no desenvolvimento das atividades (HOOD, 1995). Segundo Hood (1995), A NPM surge no lugar de um modelo burocrtico, cujas bases eram: o distanciamento entre o setor pblico e o privado, onde o setor

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pblico teria mtodos prprios e especficos de tica, estrutura de carreira, recompensas e modo de se fazer negcios, e uma estrutura elaborada de regras para prevenir favoritismo e corrupo. A NPM traz uma concepo diferente sobre a responsabilidade pblica de prestar contas (public accounting), com padres distintos de confiana e desconfiana. Busca alterar as bases doutrinrias do modelo burocrtico, pois quer aproximar a gesto pblica da gesto do setor privado e mudar o foco dos procedimentos complexos para a responsabilizao em termos de resultado. Matias-Pereira (2010) relembra que a reforma da gesto pblica gerencial foi influenciada pelo movimento da New Public Management quanto transferncia de conhecimentos do setor privado para o setor pblico. Os objetivos da NPM, em diversos pases, esto associados melhora da administrao pblica atravs de iniciativas que podem fazer com que se repense, inclusive, quanto responsabilizao no s de gestores, mas tambm de servidores, pela prestao de bens e servios pblicos (BARBERIS, 1998). H sete dimenses que podem ser associadas ao modelo de administrao pblica sob a perspectiva da NPM (HOOD, 1995): Organizaes pblicas geridas de modo separado para cada produto do setor pblico; Incentivos competio entre organizaes do setor pblico e entre o setor pblico e o privado; Maior utilizao de prticas gerenciais do setor privado no setor pblico ao invs da utilizao de mecanismos do modelo burocrtico; Maior nfase na disciplina e na parcimnia na utilizao de recursos; atividades de pesquisa para encontrar alternativas de prestar servios pblicos menos custosos ao invs de dar nfase continuidade institucional; e manter servios pblicos estveis em termos de volume e desenvolvimento poltico; Um controle mais ativo de organizaes pblicas pela ampla visibilidade do gestor exercendo seu poder discricionrio;

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Padro de desempenho das organizaes do setor pblico mais explcito e mensurvel em termos de alcance, nvel e contedo dos servios oferecidos sociedade; Manter um equilbrio dentro das variaes da organizao pblica atravs de pagamentos por produo ao invs de remunerao por nvel, categoria ou escolaridade;

Pode-se observar que cada uma das sete dimenses citadas promove uma mudana substancial no modo como a administrao pblica se estabelecia sob a perspectiva burocrtica. Na primeira dimenso, h claramente o direcionamento para uma estrutura de setor pblico que venha a privilegiar o foco em bens e servios especficos a serem oferecidos ao cidado. A administrao pblica, com todas as demandas que tm, acaba por agigantar-se para atender a todas as questes que se lhe impe. Isto provoca perda do foco e dificuldade de se alcanar as metas e necessidades sociais desejadas. Estruturas menores e menos pesadas podem ser mais geis na produo de resultados. A competio controlada, conforme a segunda dimenso, busca fazer com que as entidades pblicas procurem continuamente a melhoria dos produtos ou servios que oferecem a sociedade, pois, como ocorre no setor privado, isto pode significar a manuteno ou no da prpria entidade ou de seus gestores. A utilizao de prticas gerenciais adotadas no setor privado busca, conforme se pode observar na terceira dimenso, promover no setor pblico a mudana do foco de processos para resultados. Utilizar os recursos pblicos com perspiccia e inteligncia, buscando novas formas de oferecer bens ou produtos pblicos sociedade, de modo mais eficiente e eficaz, em substituio da antiga viso que se preocupava com a manuteno de instituies pblicas, por vezes at sem o propsito de existir, do que trata a quarta dimenso. A quinta dimenso, com um controle mais ativo de organizaes pblicas pela ampla visibilidade das aes do gestor, que exerce poder discricionrio, busca dar maior transparncia e responsabilizao de suas aes. A sexta e a stima dimenses tratam da melhoria do desempenho das entidades governamentais, seja pela implementao de dispositivos que permitam

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verificar o desempenho pelo alcance das metas e do atendimento adequado s necessidades apresentadas pela sociedade, seja pela mudana na forma como se recompensa os servidores pblicos. A remunerao deve ser pautada pela capacidade que o agente pblico tem em produzir bens e servios adequados, sob a perspectiva daquele a quem a administrao pblica se direciona, ou seja, o cidado. E, no mais pela categoria funcional ou nvel de instruo. Ferrer (2007) divide em dois grupos as reformas realizadas no Brasil a partir da viso da NPM: prticas que visaram mudana na forma de gesto e prticas de incorporao de novas tecnologias da informao. No primeiro grupo, a autora insere modificaes que buscaram dar mais autonomia e flexibilidade s instituies pblicas: Descentralizao; Desconcentrao; Contratualizao;

Inclui, tambm, iniciativas que buscam incentivar a eficincia na prestao dos servios pblicos: Instituio de salrios variveis para o funcionalismo; Plano de carreiras; Quebra da estabilidade do servidor pblico;

No segundo grupo, a autora considera a implementao de governos eletrnicos a partir de trs modelos: Governo para o governo (G2G), com a utilizao de sistemas de comunicao informatizados e sistemas de controle; Governo para o mercado (G2B), com sistemas de compras e pagamentos de tributos; e Governo para o cidado (G2C), com implementao de sistemas como o Imposto de Renda Pessoa Fsica (IRPF) pela internet, pagamentos de tributos e prestao de servios tambm por meio da web.

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Embora os estudos sobre a NPM tenham dado muita nfase, desde os anos 1990, sobre vises comparativas entre as naes, com diversos casos de estudos bem sucedidos e outros no to bem sucedidos, alguns aspectos ainda so deixados de lado, como as questes culturais e pessoais e os valores adequados ao modo de pensar dos indivduos acerca das mudanas promovidas pela NPM no ambiente organizacional, como o clima e a cultura (VIGODA-GADOT; MEIRI, 2008). Segundo Vigoda-Gadot e Meiri (2008), uma das dificuldades em se implementar a NPM a falta de ateno aos valores individuais dos servidores pblicos no que diz respeito aos valores prprios oriundos da NPM, quais sejam, capacidade de resposta dada s necessidades do cidado, transparncia, inovao e orientao para o alcance dos objetivos. Ainda segundo estes autores, a falta de ajuste entre os valores individuais e aqueles estabelecidos pela organizao podem causar prejuzos para o alcance dos objetivos. Percebe-se, de modo geral, que h uma valorizao quanto aos aspectos de transparncia e accountability segundo o pensamento da New Public Management, e que, embora haja diversos estudos sobre o assunto, algumas reas ainda permanecem pouco exploradas. Embora esta dissertao aborde uma questo que seja muito debatida, qual seja a necessidade de maior transparncia na administrao pblica, pode contribuir, porm, para incorporar informaes aos relatrios de gesto dos rgos da administrao pblica que possibilitem o aumento do controle social e uma administrao mais transparente quanto ao desempenho, conforme estimulado pela ideologia da NPM.

1.1.3 IFAC e a viso da nova administrao pblica

A International Federation of Accountants (IFAC) uma organizao internacional, fundada em 1977, que conta atualmente com um corpo de associados de mais de 100 pases. A sua misso servir ao interesse pblico, fortalecer a profisso de contabilidade em todo o mundo e contribuir para o desenvolvimento de economias internacionais fortes, com a adeso a padres de alta qualidade profissional, atravs da convergncia internacional das normas, e tratar sobre

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questes de interesse pblico onde a percia da profisso mais relevante (IFAC, 2009). Atualmente, a IFAC responsvel pela emisso dos pronunciamentos de normas que formam o padro internacional de contabilidade conhecido como International Public Sector Accounting Standards (IPSAS). Estas normas

internacionais procuram oferecer um padro de alto nvel para a contabilidade governamental. Acredita-se que a convergncia do padro contbil nacional para o padro estabelecido pelas IPSAS, juntamente com a divulgao de conformidade com suas normas, conduzir a uma melhoria significativa na qualidade das informaes financeiras pelas entidades do setor pblico, que, por sua vez, poder conduzir a uma melhor avaliao nas decises de alocao de recursos, aumentando tambm a transparncia e a responsabilizao (IFAC, 2009). Percebe-se que esta possibilidade de melhor alocao de recursos e o aumento da transparncia e da responsabilizao corresponde aos ideais estabelecidos pela New Public Management (NPM). Importante ressaltar que esta convergncia contbil ao padro internacional tambm est ocorrendo na rea privada. Contudo, os enfoques so diferentes. Enquanto na rea privada h o interesse pelo estabelecimento de uma linguagem comum entre as empresas, na rea pblica a convergncia pode ser considerada como parte de uma reforma mais ampla, conhecida como New Public Management (NPM) (GALERA e BOLVAR, 2007). Ainda que no seja o foco deste trabalho, importante observar que a contabilidade desempenha uma funo importante para a sistemtica da mudana na administrao pblica, sendo considerada como elemento chave neste processo (HOOD, 1995). Historicamente, os pases Latino-Americanos tm recebido incentivos de organizaes supranacionais, como o Fundo Monetrio Internacional (FMI), o Banco Mundial e a Organizao para Cooperao e Desenvolvimento Econmico (OCDE), para melhorarem a sua administrao pblica e promoverem um desempenho mais eficiente e eficaz no desenvolvimento e controle de suas atividades pblicas, com o consequente desenvolvimento de suas economias (PREZ e HERNNDEZ, 2007). Assim, a contabilidade governamental de cada pas, ao incorporar na estrutura de seus relatrios e de suas normas os fundamentos do padro internacional emitido pelo IFAC, estaria promovendo a convergncia necessria, a

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fim

de

alcanar

melhores

informaes,

qualitativas

e

quantitativas,

nas

demonstraes contbeis.

1.2 Governana corporativa e governana no setor pblico

1.2.1 Governana

Embora o termo governana corporativa no seja to antigo, pois desde os anos 1950 j se discutia os conceitos ligados a este termo, foi a partir de 1992, com a edio do primeiro Cdigo das Melhores prticas da Cadbury Commission na Inglaterra, Cadbury Report, que surgiu a governana corporativa (SILVA, 2006). Andrade e Rossetti (2009) afirmam que importantes fatos na histria da governana corporativa foram: o ativismo pioneiro de Robert Monks, o relatrio de Cadbury e os princpios da OCDE. Robert Monks, empresrio e executivo, crtico sobre a forma como as companhias eram governadas, foi o responsvel pelos primeiros passos em direo aos valores corporativos de governana. O Cadbury Report foi resultado do trabalho de um comit estabelecido para elaborar um cdigo de melhores prticas de governana para o mercado britnico, constitudo por membros da Bolsa de Valores de Londres e do Instituto de Contadores Certificadores, com coordenao de Adrian Cadbury. Este cdigo serviu de base para outros cdigos de governana de diversos pases, como os do Canad, Frana, Estados Unidos e Austrlia (ANDRADE E ROSSETTI, 2009). Os princpios da OCDE so o marco mais recente e abordam a forte correlao entre o estgio de amadurecimento dos mercados de capitais e o desenvolvimento das economias nacionais, que pode ser obtido pela adoo de boas prticas de governana corporativa (SILVEIRA, 2010). No Brasil, um marco importante da governana corporativa foi a criao do Instituto Brasileiro de Conselheiros de Administrao (IBCA), em 1995, que, posteriormente, passou a chamar-se Instituto Brasileiro de Governana Corporativa (IBGC) (SILVA, 2006).

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Slomski et al (2008, p.8) definem governana corporativa como o sistema pelo qual as sociedades so dirigidas e monitoradas, em que, atravs de mecanismos especficos, gestores e proprietrios procuram assegurar o bom desempenho da empresa para aumento de sua riqueza. Governana corporativa, segundo Silva (2006, p.16) um conjunto de prticas que tem por finalidade otimizar o desempenho de uma companhia, protegendo investidores, empregados e credores, facilitando, assim, o acesso ao capital. Silveira (2010, p.3), considerando o ambiente das empresas com finalidade lucrativa, conceitua governana corporativa, como o "conjunto de mecanismos (internos ou externos, de incentivo ou de controle) que visa a fazer com que as decises sejam tomadas de forma a maximizar o valor de longo prazo do negcio e o retorno de todos os acionistas". O Instituto Brasileiro de Governana Corporativa IBGC (2009, p. 19), define esta prtica como sistema pelo qual as organizaes so dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre proprietrios, Conselho de Administrao, Diretoria e rgos de controle. Ainda segundo o IBGC (2009), recomendaes objetivas devem ser derivadas dos princpios das boas prticas de Governana Corporativa. Alguns valores so considerados no que diz respeito governana corporativa. Quatro so apresentados por Andrade e Rossetti (2009, p.140):Fairness senso de justia, com equidade no tratamento dos acionistas. Respeito aos direitos dos minoritrios, por participao equnime com a dos majoritrios, tanto no aumento da riqueza corporativa, quanto nos resultados das operaes, quanto ainda na presena ativa em assemblias gerais. Disclosure transparncia das informaes, especialmente das de alta relevncia, que impactam os negcios e que envolvem resultados, oportunidades e riscos. Accountability prestao responsvel de contas, fundamentada nas melhores prticas contbeis e de auditoria. Compliance Conformidade no cumprimento de normas reguladoras, expressas nos estatutos sociais, nos regimentos internos e nas instituies legais do pas.

Silveira (2010) verifica dois principais benefcios decorrentes da adoo de mecanismos de governana corporativa: um interno, que seria a melhora no processo de deciso da alta gesto; e outro externo, que seria a maior facilidade de

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captao de recursos com a consequente reduo do custo de capital. Alm disso, outros benefcios internos podem ser observados segundo este autor: Separao clara entre os papis desempenhados pelos acionistas, pelos executivos e pelos conselheiros; Processo decisrio bem definido de acordo com etapas; Aprimoramento dos mecanismos de avaliao de desempenho; Diminuio das probabilidades de ocorrncia de fraudes; e Maior transparncia.

A governana corporativa surge com o objetivo de tornar a organizao empresarial mais racional e tica (SILVA, 2006). Deve fornecer incentivos especficos para que os membros da organizao busquem os objetivos que representem os interesses da companhia (OECD, 2004). Alm do mais, problemas existentes na alta direo da companhia, como o conflito de interesse, as limitaes tcnicas e a tendncia natural de tomar decises erradas, justificam a necessidade de se estabelecerem-se mecanismos de governana (SILVEIRA, 2010). As proposies da governana corporativa esto fundamentadas, ainda, em aspectos micro e macroeconmicos: no aspecto micro esto a lgica financeira, os riscos assumidos, a gesto e os conflitos de agncia; e sob o aspecto macro, o fato de que a busca pela maximizao do lucro conduz ao mximo benefcio que pode ser gerado para toda a sociedade (ANDRADE e ROSSETTI, 2009). Segundo Slomski et al (2008), aspectos como reduo de riscos internos e externos, gerenciamento dos interesses, credibilidade junto aos investidores e sociedade so prprios da governana corporativa. O setor privado, em especial as grandes corporaes, o ambiente em que primeiramente se comea a tratar do assunto governana. A separao entre a propriedade e a gesto das empresas, principalmente as de grande porte, e a preocupao com os investidores constituiu a principal causa da ateno necessria boa gesto das empresas (ANDRADE E ROSSETTI, 2009). Andrade e Rossetti (2009) apresentam os modelos de governana corporativa ao redor do mundo, sendo encontrados e definidos pelos autores o modelo Anglo-

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Saxo, o modelo Alemo, o modelo do Japo e da sia emergente, o modelo LatinoEuropeu e o modelo Latino-Americano: O modelo Anglo-Saxo tem como fundamento a pulverizao do capital e a separao da gesto e da propriedade da companhia, com foco em coibir prticas de gesto contrrias aos interesses dos acionistas, sendo praticado nos Estados Unidos, Canad, Reino Unido e Austrlia; O modelo Alemo que, tendo em vista possuir como principal fonte de financiamento uma orientao bancria ao invs de busca de capital no mercado, faz com que os fatores internos tenham mais relevncia do que fatores externos, tendo em vista a estrutura societria. Alm disso, o sistema de governana caminha na direo de um sistema de mltiplos interesses; O modelo Japons possui algumas semelhanas com o modelo Alemo, sendo comum na literatura a denominao do modelo nipogermnico. As semelhanas encontram-se na importncia dos bancos na estrutura de capital; as diferenas esto na estrutura de propriedade, na constituio e na efetividade do conselho de administrao; O modelo Latino-Europeu difere dos modelos anglo-saxo e do nipogermnico pelas caractersticas da formao societria, com grandes corporaes familiares e de grupos e tambm de estatais, cujos conflitos de agncia mais comuns so a expropriao dos direitos dos minoritrios. Alm disso, a nfase de interesses mltiplos, embora ainda no estabelecida, est em transio; O modelo Latino-Americano fortemente influenciado pelos princpios de governana estabelecidos pela OCDE, cujas caractersticas identificadas na regio formam a base da governana corporativa: elevados nveis de concentrao patrimonial, mudanas de

responsabilidade do setor pblico para o privado via privatizaes, presena de grandes grupos financeiro-industriais, a

internacionalizao recente, a limitao de mercados de capitais,

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crescente presena de fundos de penso e de investimentos e tradio jurdica do cdigo civil francs.

Os princpios de governana: transparncia (disclosure), senso de justia (fairness), prestao de contas (accountability), cumprimento das leis (compliance) e a tica (ethics), segundo Slomski et al (2008), proporcionam ao investidor maior segurana e retorno, juntamente com a menor percepo do risco. Alm disso, para os autores, possuir maior transparncia significa que a empresa tende a elevar seu valor de mercado, pois a falta de informao faz aumentar o risco do negcio, fazendo com que investidores paguem valor menor sobre o que deveria ser o preo justo da empresa. Alguns fatores que contriburam para o desenvolvimento e fortalecimento do tema governana corporativa (SILVEIRA, 2010), so: O crescimento e maior ativismo dos investidores institucionais; A onda de aquisies hostis nos EUA nos anos 1980; A onda de privatizaes nos pases europeus e em desenvolvimento iniciada no Reino Unido, em 1980; A desregulamentao e integrao global dos mercados de capitais; A crise dos mercados emergentes no final do sculo XX; A srie de escndalos corporativos nos Estados Unidos e Europa; e A recente crise financeira global de 2008.

Segundo Andrade e Rossetti (2009, p.89), embora o ambiente externo dos negcios em crescente complexidade e mutao tambm deva ser considerado como fator motivador para o pensamento acerca da temtica governana corporativa, os conflitos de agncia constituem o ponto preponderante para o pensamento acerca do assunto:Tanto os derivados do oportunismo de gestores face disperso e ausncia dos acionistas, quanto os associveis a estruturas de propriedade acionria que ensejam a expropriao dos direitos de minoritrios por aes oportunistas de majoritrios so as razes fundamentais do despertar da governana corporativa.

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Com efeito, governana corporativa pode tambm ser entendida como um conjunto de regras que busca minimizar os problemas oriundos do conflito de agncia (MARQUES, 2007). Conflitos de agncia so aqueles caracterizados na teoria da agncia e constituem-se do comportamento oportunista dos gestores das empresas em relao aos scios ou investidores, ou dos scios majoritrios em relao aos minoritrios. Caracteriza-se pelo modo como aqueles que detm informaes privilegiadas sobre o negcio tendem a comportarem-se, sobrepondo,

oportunistamente, seus interesses aos interesses de outros (ANDRADE, ROSSETTI, 2009). Segundo Fontes Filho e Picolin (2008), o modelo de propriedade na maioria dos pases e, principalmente na Amrica Latina, no est na pulverizao das aes e, sim, na concentrao de aes nas mos de um grupo que pode ser familiar, investidores individuais ou o prprio governo. Estes grupos sobrepem seus interesses aos interesses dos scios minoritrios. Deste modo, o problema nesta regio no est na relao entre proprietrios e gestores, mas entre os acionistas majoritrios e os minoritrios. Esse conflito de agncia parte do entendimento de uma relao estabelecida como um contrato, sob o qual uma ou mais pessoas (principal) contratam outra (agente) para desempenhar algum servio em nome dos contratantes, envolvendo delegao de alguma autoridade de tomada de deciso para o agente (JENSEM a MECKLING, 1976). Assim, Jensem e Meckling (1976) afirmam que h boas razes para crer que o agente nem sempre agir no melhor interesse do principal e que este, alm de criar incentivos adequados a manter o agente em uma conduta que busquem os objetivos do principal, incorrer em um custo de controle para evitar atividades incongruentes do agente em relao aos seus objetivos. Segundo Bonazzi e Islam (2007), de acordo com a teoria da agncia, um mercado bem desenvolvido de controles corporativos considerado inexistente. A falta de controles leva a falhas de mercado, a riscos morais, assimetria de informaes e contratos incompletos dentre outros problemas. Para os autores, o monitoramento por parte do Conselho de Administrao, enquanto rgo participante do controle de governana corporativa contribui para melhorar o desempenho do gestor.

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Slomski (2005, p. 134) prope a criao do Conselho de Administrao para as organizaes do setor pblico em semelhana do papel exercido por este conselho no setor privado: entende-se que se faz necessria a criao do Conselho Municipal de Administrao; como diz o Cdigo das Melhores Prticas de Governana Corporativa.

1.2.2 Relao principal x agente na gesto pblica

O Estado tem um importante papel a desempenhar, no s no fornecimento de segurana material ou econmica e de garantias sociais, mas tambm de promotor do desenvolvimento social. Contudo, nada garante que a interveno estatal seja de fato eficiente, pois os funcionrios pblicos podem no possuir incentivos para engajarem-se no propsito dos objetivos do Estado que, em ltima anlise, seriam os mesmos da sociedade. Assim, a tarefa de reformar o Estado deve direcionar-se para a criao de uma estrutura instituticional que garanta uma boa interveno na sociedade e de incentivos para que os funcionrios pblicos estejam, de fato, engajados nos mesmos objetivos do Governo (PRZEWOSKI, 2001). Porm, existe o fato de que os governantes esto envolvidos no paradoxo do governo. Segundo Rua (1997), os governantes so eleitos para representar a sociedade em busca do bem-estar e de resolver problemas que deveriam ser tratados de modo universal, ou seja, para todos. Contudo, so atrados pelo poder, glria e riqueza e atuam de acordo com os interesses particulares de determinados grupos, ou ainda, para conseguir vantagens pessoais. Rua (1997) afirma, ainda, que nada demonstra que os burocratas sejam diferentes dos polticos e estejam isentos de sentirem-se seduzidos pela busca do poder, da glria e da riqueza e venha a ter uma conduta que no seja desviada para a busca de realizaes pessoais no lugar de tomada de decises que busquem o bem-estar coletivo. Segundo Jensen e Meckling (1976), o problema de relacionamento agenteprincipal bastante geral e existe em todas as organizaes e em todos os nveis de gesto, seja nas empresas, nas universidades, em empresas de mtuo, em cooperativas, autoridades governamentais e nas agncias pblicas, e at nos sindicatos.

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Slomski et al.(2008) afirma a existncia de fatores que demonstram claramente a existncia da relao de agente-principal no Estado e nas demais entidades da administrao pblica, quais sejam: O gestor pblico dispe de vrios comportamentos possveis a serem adotados; A ao do gestor pblico afeta ambas as partes, agente e principal; e As aes do agente dificilmente so observadas pelo principal, havendo, assim, assimetria de informao. Para Przeworski (2001), o grande desafio da relao agente-principal est em se estabelecer o qu o principal deve fazer para que o agente tome decises e atue de acordo com os objetivos da organizao (que so os objetivos prprios do principal), de modo que a segunda melhor opo das decises seja de acordo com os objetivos do agente e que lhe garantam beneficios satisfatrios. Alerta o autor que o agente possui informaes privilegiadas que o principal no possue e que, muitas vezes, o agente pode mesmo agir com decises que so tomadas sem o conhecimento do principal. Andrade e Rossetti (2009, p.554) apresentam as divergncias entre os interesses dos contribuintes e dos gestores sob a perspectiva da relao agenteprincipal no setor pblico: Interesses dos contribuintes: servios pblicos de excelncia, com qualidade e produtividade; mxima relao entre investimentos e custeio; eficcia na alocao de recursos; gesto eficiente com baixo custo de transao; transparncia e integridade das contas e auditoria rigorosa e independente; e carga tributria sob limite e controle, com benefcios sociais compatveis e efetivamente gerados e percebidos; Interesses dos gestores: servios pblicos sem avaliao, ausncia de avaliao de desempenho dos servidores e permanncia no emprego com inamovibilidade; elevao dos prprios benefcios com a consequente elevao dos dispndios de custeio; alocao clientelista de recursos; gigantismo e burocracia com altos custos de transao; corrupo endmica com prticas condenveis recorrentes; auditoria sob controle com nomeao interna dos juzes dos Tribunais de Contas

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com o consequente comprometimento da independncia; carga tributria permanentemente pressionada para cima e insensvel relao custo/ benefcio; Rua (1997, p.139) reconhece que a burocracia significou um real avano, contudo conclui que os controles burocrticos so "formalsticos" e no so suficientes para evitar condutas que se enquadrem no paradoxo do governo e, ainda, argumenta que a burocracia tem uma vantagem sobre a poltica no que diz respeito a sua manuteno no poder, pois a poltica constantemente avaliada pelas eleies, enquanto a burocracia pode manter-se no poder por sucessivos e diferentes governos. A autora apresenta alguns arranjos que tm sido utilizados para evitar estes problemas: Rotatividade dos cargos; Mecanismos de avaliao interna; Comisses internas de avaliao e fiscalizao; Descentralizao das decises e aes; Estabelecimento de instituies rivais que venham a competir pelo poder e cooperar quanto aos fins; Processos de treinamento, que incluam a disseminao de normas de comportamento compatveis com o interesse pblico; e A criao de mecanismos que tornem a burocracia dotada de responsiveness frente sociedade, sujeita ao controle social.

Przeworski (2001), por seu turno, apresenta algumas possibilidades para resoluo dos problemas da falta de incentivos, da falta de informao, do foco de que o agente valorizado aquele que segue regras (burocracia) ao invs de proporcionar resultados (desempenho): Formulao de contratos adequados: com salrios atraentes, plano de carreira e, at mesmo, punio com a perda do emprego; Triagem e seleo: contratao adequada com perfil desejado;

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Fiscalizao institucional: criao de estrutura que venha a coibir decises que venham a causar graves prejuzos imagem, ou mesmo s finanas da organizao; Criao de mltiplos principais e mltiplos agentes com objetivos dissonantes: um nico agente no pode ser o responsvel por tudo. Deve haver distribuio das funes, principal separao entre execuo e controle; Estabelecimento de competio: a competio benfica e incentiva ao melhor desempenho; Descentralizao: pela aproximao com a localidade do gasto, tendo, porm, que cuidar para que no haja aumento das disparidades entre regies.

Przeworski (2001) apresenta, ainda, alguns mecanismos institucionais para evitar os problemas da relao agente-principal, considerando que: A oposio desempenha um papel de agente, pois busca o poder. Porm, pode desempenhar um papel de fornecedor de informaes que minimizem a assimetria informacional; Os veculos de informao podem contribuir muito, pois podem atuar fornecendo dados sobre as condies gerais e no nos interesses particulares; Os demais poderes institucionais tambm contribuem para aumentar a accountability com sua atuao democrtica.

Andrade e Rossetti (2009), por sua vez, apresentam foras internas e externas de controle que podem contribuir para a soluo do problema de assimetria dos interesses dos cidados e dos gestores e para a governana no setor pblico: Por foras externas considera-se: o julgamento pblico pelo processo eleitoral; as mobilizaes coletivas possibilitadas pelas liberdades civis; organizao atuante de grupos de poder; e avaliao dos indicadores de desempenho econmico e no-econmico.

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Por foras internas considera-se: o poder das instituies internas expressas no direito constitucional; a separao de poderes; as restries da lei de responsabilidade fiscal; a atuao de faces polticas oposicionistas; as corregedorias e os Tribunais de Contas.

Contudo, os autores argumentam que alguns mecanismos podem ser utilizados pelos gestores para reduzir as foras de controle, como: co-optao das oposies com supostas composies para "governabilidade"; restries s liberdades civis e aos meios de comunicao; propaganda oficial como autopromoo; seleo, manipulao e sonegao de indicadores de desempenho; comprometimento do princpio da separao de poderes; e no limite, a construo de estruturas totalitrias de poder.

1.2.3 Governana na administrao pblica

Os desafios de eficincia e eficcia em um ambiente complexo e com crescente incerteza constituem importante tema de debate poltico e acadmico (RUA, 1997). A insatisfao com a modernizao promovida no setor pblico foi responsvel pelo surgimento do pensamento acerca da governana pblica (KISSLER, HEIDEMANN, 2006; SOUZA, SIQUEIRA, 2007). Exemplos de transformao na gesto pblica foram a reforma do Estado e o processo de ajuste fiscal, iniciando-se desta forma o Estado gerencial, que utiliza mecanismos de controle oriundos do setor privado, com foco na melhoria da gesto e na responsabilidade em prestar contas sociedade, reportando-se, assim, s boas prticas de governana corporativa (BORGONI et al, 2010). Segundo o estudo de Souza e Siqueira (2007), h evidncia de que o termo governana pblica uma evoluo do termo nova administrao pblica. E a adoo de prticas de boa governana no setor pblico est relacionada diretamente com a viso da nova gesto pblica que, segundo Marques (2007), vem obrigando sua introduo no ambiente universitrio de Portugal. Na Alemanha, a governana pblica surge pela insatisfao das condies de modernizao

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praticadas, sendo inspirada na New Public Management (KISSLER, HEIDMANN, 2006). No Brasil, tambm j tm ocorrido mudanas significativas na administrao pblica. Silva (2009) apresenta o novo enfoque da contabilidade governamental, que demonstra de modo inequvoco as mudanas na administrao das entidades deste setor sob a Nova Gesto Pblica, ou seja, com exigncias de maior transparncia e voltada para resultados. Contudo, antes de se falar em governana no setor pblico, h que se fazer a diferenciao entre o termo governabilidade e governana. A principal diferena, segundo Matias-Pereira (2008, p.67),Est na maneira como a legitimidade das aes dos governos entendida. No conceito de governabilidade, a legitimidade proveniente da capacidade do governo de representar os interesses de suas prprias instituies. Por sua vez, no conceito de governana, uma parcela de sua legitimidade advm do processo como ela se concretiza.

O termo governabilidade est ligado dimenso poltica do processo de governo, j o termo governana est ligado a prticas de gerenciamento despolitizadas. Contudo, os dois termos esto intimamente ligados, uma vez que toda a administrao pblica permeada pela poltica (RUA, 1997) O Banco Mundial, segundo Borges (2003), tem forte poltica voltada para influenciar a adoo de boas prticas pelos pases e conceitua o termo governana como a maneira pela qual o poder exercido na administrao dos recursos econmicos e sociais do pas, com vistas ao desenvolvimento (WORLD BANK, 1992, p. 1). Quatro princpios so apontados por Matias-Pereira (2008) para uma boa governana pblica: relaes ticas; conformidade; transparncia; e prestao responsvel de contas. Para Borgoni et al (2010), governana compreende: responsabilidade de prestar contas, transparncia, participao, relacionamento e eficincia. No setor pblico, considerando apenas as organizaes puramente pblicas prestadoras de bens e servios, excluindo-se, desta forma, as empresas de economia mista, a justificativa para adoo de boas prticas de governana no a atratividade de recursos por meio de investidores, mas sim o aumento da eficincia e eficcia (FONTES FILHO, PICOLIN, 2008).

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Segundo Matias-Pereira (2008), a governana est ligada a vises tericas que a relacionam com o aumento da eficincia e efetividade governamental, por um lado, e a democracia e ao poder emancipatrio, por outro. Pode-se tambm tratar a governana no setor pblico, em mbito local, com a necessidade de fortalecimento da cooperao com cidados, empresas e entidades sem fins lucrativos na conduo de suas aes (KISSLER, HEIDEMANN, 2006). Contudo, afirma Matias-Pereira (2008, p. 69) que h uma forte ligao do termo governana com o pensamento neoliberal "que visam a reduo do tamanho do Estado, bem como a comprovada incapacidade das instituies pblicas em lidarem adequadamente com os complexos e crescentes problemas urbanos". Muitos pases j passaram a adotar prticas consideradas de boa governana na administrao das entidades pblicas. No Reino Unido, o cdigo estabelecido pelo Tesouro Nacional para adoo de boas prticas de governana corporativa para os departamentos do governo central (UNITED KINGDOM, 2005, p. 3) define governana da seguinte forma:Governana corporativa a maneira pela qual as organizaes so dirigidas e controladas. Ela define a distribuio de direitos e responsabilidades entre os diferentes intervenientes e participantes da organizao, determina as regras e procedimentos para a tomada de decises sobre assuntos corporativos, incluindo o processo atravs do qual os objetivos da organizao so definidos, e fornece os meios para atingir esses objetivos e monitoramento do desempenho.

Na Holanda, o termo government governance, que poderia ser traduzido por governana governamental, foi utilizado pelo Government Audit Policy Directorate (DAR), do Ministrio das Finanas Holands, para designar a governana corporativa aplicada ao setor pblico, conforme trabalho apresentado na 9th Fee Public Sector Conference (THE NETHERLANDS, 2000). Segundo o estudo Holands, a governana governamental consiste em quatro elementos:

management, control, supervision e accountability, ou seja, gerenciamento, controle, superviso e prestao responsvel de contas e transparncia, embora este ltimo termo seja de difcil traduo. Pode-se concluir, ento, tendo em vista as definies anteriormente apresentadas, que governana pblica o conjunto de princpios bsicos e prticas que conduzem a administrao pblica ao alcance da eficincia, eficcia e efetividade nos seus resultados, atravs de um melhor gerenciamento dos seus

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processos e de suas atividades, promovendo a prestao de contas responsvel (accountability) por parte dos gestores e a transparncia de suas aes. Matias-Pereira (2010, p. 125) corrobora com este pensamento ao afirmar que:O novo paradigma da governana global no setor privado e pblico tem como referncia a necessidade de promover uma governana que torne mais efetiva as relaes entre os trs principais atores: setor pblico, setor privado e terceiro setor.

Alm disso, o autor informa que accountability e transparncia j so consideradas pelo Banco Mundial como dimenses para boa governana dos pases, desde 1992.

1.2.4 Governana pblica, transparncia e accountability

Transparncia e accountability so termos intimamente relacionados. A transparncia o meio pelo qual se pode gerar a accountability no setor pblico, pois no h como fazer com que haja responsabilizao por parte dos gestores quando no possvel ter conhecimento por meio de informaes claras sobre como os recursos foram utilizados e quais os resultados gerados em decorrncia das polticas pblicas adotadas. Portanto, necessrio saber exatamente sobre a possibilidade de se obter a transparncia na administrao pblica e em que medida desejvel. Importante saber, tambm, o que accountability e exatamente como usufruir da transparncia e do conhecimento das aes e seus resultados, para definir como se deve dar a responsabilizao dos gestores pblicos.

1.2.4.1 Governana e accountability

Accountability um conceito relacionado prestao de contas que o gestor pblico deve fazer sociedade. Economia de recursos pblicos, eficincia, honestidade, qualidade dos servios, modo como os servios so prestados, justia

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na distribuio de benefcios econmicos, sociais e polticos e grau de adequao dos resultados dos programas s necessidades, so aspectos diretamente relacionados a este conceito (CAMPOS, 1990). Segundo Matias-Pereira (2008), o conceito de governana corporativa est relacionado accountability e pode ser entendido como a responsabilidade de prestar contas. Pode-se traduzir o termo, ento, como responsabilizao pela gesto. Przeworski (2001) afirma que na relao entre cidado e polticos, a accountability acontece com o poltico agindo de forma a prever o julgamento futuro dos cidados nas eleies. Assim, o poltico age de forma a ter uma atuao que acredita que v ter um julgamento positivo por parte dos cidados. Contudo, ainda segundo o autor, alguns fatores so necessrios para promover a responsabilizao pela gesto no setor pblico: Os eleitores devem ter a possibilidade de saber a quem atribuir de fato a responsabilidade pela atuao do governo; Os eleitores devem ter a possibilidade de destituir do governo aqueles que tm um mau desempenho. Os polticos devem ser incentivados para desejarem a reeleio. Os eleitores devem possuir mecanismos para recompensarem ou punirem os gestores nos diferentes domnios, tendo em vista o resultado que produzem.

Campos (1990) afirma que o processo eleitoral no suficiente para salvaguardar o interesse pblico, e que deve haver sintonia dos partidos polticos e os cidados, com uma opinio pblica bem informada. O problema na rea pblica que aos cidados no basta apenas o resultado. Tem que ser verificado se o melhor resultado gerado para as circunstncias dadas. E a assimetria de informao entre os polticos e os cidados dificulta a accountability (PRZEWORSKI, 2001). Assim, a transparncia e o fornecimento de informao adequada nos relatrios de gesto so fundamentais para que se favorea a accountability, pois segundo Pinho e Sacramento (2009), embora j se tenha avanado muito na

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melhora, a administrao pblica ainda est muito longe de uma verdadeira cultura de responsabilidade da gesto.

1.2.4.2 Governana e transparncia

A transparncia um dos princpios de governana corporativa na rea do setor privado, conforme estabelecido pela OCDE (OECD, 2004), e tambm tido como princpio de governana no setor pblico (IFAC, 2001). O IFAC (2001) considera que a transparncia necessria para assegurar que stakeholders possam ter confiana na tomada de decises e aes das entidades do setor pblico, na gesto de suas atividades e nos indivduos que a gerenciam. Oliver (2004) considera que a transparncia envolve uma srie de questes, organizaes e temas de importncia crescente em todos os caminhos da vida. O autor acredita que a transparncia fundamental para o xito, seja na poltica, seja nos negcios ou na vida social, cultural e religiosa. Santos (2010, p. 20), ao analisar a eficcia, efetividade e transparncia na aplicao de recursos pblicos em educao em dois municpios do Rio de Janeiro considera que:transparncia dos resultados representa tornar de conhecimento pblico a forma de obteno de recursos, a aplicao desses recursos, conhecida como gasto ou investimento pblico e o que foi gerado pelas polticas pblicas adotadas pelo governo em prol do conjunto social que se destina atender.

Desta forma, percebe-se que a transparncia est ligada divulgao e demonstrao de dados e informaes que possibilitem a responsabilizao da gesto pelos resultados. Prado (2006) considera ser a transparncia fundamental para a accountability. A Transparncia, segundo Oliver (2004), possui trs principais elementos: um observador, algo disponvel para ser observado e um meio ou mtodo de observao. Para este autor, a transparncia pode ser definida como deixar que a verdade esteja disponvel para os outros, para que eles possam ver se assim o desejarem, caso considerem ter o tempo, meios e competncias para tal.

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A idia de transparncia a de que algo est acontecendo por trs de cortinas e uma vez que estas cortinas so removidas, tudo est em aberto e pode ser examinado (MEIJER, 2009). Meijer (2009), ao realizar estudo na rea educacional, considera trs perspectivas de transparncia que devem alinhar-se para maior confiabilidade: a pr-moderna, a moderna e a ps-moderna. A transparncia, sob a perspectiva pr-moderna, se d pela participao mais direta e sem o uso de computadores. Sob a perspectiva moderna, a transparncia se d por divulgaes de desempenho por meio de websites ou publicaes na mdia e est associada a um ambiente de distanciamento. Em uma perspectiva ps-moderna da transparncia, uma realidade separada criada pela reduo da realidade por nmeros, com indicadores disponibilizados pela Internet e outros meios. Segundo o autor, esta nova realidade no reduz a incerteza dos pais de alunos sobre o desempenho escolar, mas cria mais ambiguidade, pois os nmeros podem ou no estar de acordo com as percepes diretas que os pais tm da escola.

Para Oliver (2004), h uma mudana do modo como se v hoje a transparncia. Passa de uma transparncia antiga, para uma nova transparncia que implica em uma variedade de caractersticas diferentes: Uma inevitvel tendncia para maior transparncia ao invs de um menor nvel de transparncia; Um exame mais intenso por mais grupos e mais indivduos em todo o mundo; Demanda mais abrangente por novos tipos de informao; Consequncias mais duradouras por aes ou omisses; Requerimentos mais complexos de compilao, anlises e relatrios de informaes; Ateno mais proativa tanto do observador como do observado;

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Maior debate sobre quais informaes devem ser pblicas;

Na Constituio Federal, embora no se encontre a palavra transparncia, pode-se verificar que um dos princpios que rege a administrao pblica a publicidade:Art. 37. A administrao pblica direta e indireta de qualquer dos Poderes da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios obedecer aos princpios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficincia e, tambm, ao seguinte:...

O princpio da publicidade, que tem a funo de dar conhecimento para o pblico em geral, fator determinante para que os atos emanados pela administrao pblica venham a produzir efeitos (MORAES, 2005). O 1 deste artigo 37, ao tratar da publicidade dos atos, programas, obras, servios e campanhas promovidas pelos rgos pblicos, di