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ANARQUISMO SOCIAL

E ORGANIZAÇÃO

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Projeto de capaDanilo Carpigiani

RevisãoAlexandre Barbosa de Souza e Bruno Costa

Impressão e AcabamentoExpressão e Arte Editora

Faísca Publicações Libertárias

Rua Espártaco, 456 - V. Romana05045-000 São Paulo - SP

Tel. 11-3864-3242www.editorafaisca.net

[email protected]@riseup.net

Federação Anarquista do Rio de Janeiro (FARJ)

Caixa Postal 14576 CEP 22412-970Rio de Janeiro-RJ

www.farj.org

(C) CopyleftÉ livre, e inclusive incentivada,

a reprodução deste livro, para fins estritamentenão comerciais, desde que a fonte seja citada

e esta nota incluída.

2009

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ANARQUISMO SOCIAL

E ORGANIZAÇÃO

Federação Anarquista do Rio de Janeiro

FARJ

Documento aprovado no I Congresso,

realizado em 30-31 de agosto de 2008

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SUMÁRIO

O CONTEXTO DO CONGRESSO DE 2008E O DEBATE SOBRE ORGANIZAÇÃO 11

ANARQUISMO SOCIAL, LUTA DE CLASSESE RELAÇÕES CENTRO-PERIFERIA 17

ANARQUISMO NO BRASIL: PERDA E TENTATIVA DERETOMADA DO VETOR SOCIAL 29

A SOCIEDADE DE DOMINAÇÃO E EXPLORAÇÃO:CAPITALISMO E ESTADO 47

OBJETIVOS FINALISTAS:REVOLUÇÃO SOCIAL E SOCIALISMO LIBERTÁRIO 67

DA ORGANIZAÇÃO E DA FORÇA SOCIAL 95

OS MOVIMENTOS SOCIAIS E AORGANIZAÇÃO POPULAR 105

A ORGANIZAÇÃO ESPECÍFICA ANARQUISTA 127

A Organização anarquista 127

Trabalho e inserção social 156

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Produção e reprodução de teoria 170

Propaganda anarquista 176

Formação política, relaçõese gestão de recursos 182

As relações da organização específica anarquistacom os movimentos sociais 185

Necessidade de estratégia, táticae programa 197

ESPECIFISMO: ORGANIZAÇÃO ANARQUISTA,PERSPECTIVAS HISTÓRICAS E INFLUÊNCIAS 213

CONCLUSÃO E APONTAMENTOS 253

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O I Congressoda Federação Anarquista do Rio de Janeiro

presta homenagem aos companheiros:

Juan Perez Bouzas (1899-1958)

Destacado sapateiro anarquista de origem galega que,com invulgar talento e determinação, evidenciou

a necessidade do aprofundamento da luta.Em 2008, lembramos o cinqüentenário

de sua morte (05/09/1958).

Ideal Peres (1925-1995)

Que, com sensibilidade e ampla visão do horizontepolítico, garantiu a manutenção dos eixos sociais

do anarquismo e a conexão das gerações militantes.

Plínio Augusto Coêlho (1956- )

Incansável em dar substância aos nossos sonhos,ligá-los ao longo fio que nos prende aos que

nos precederam na ação silenciosaou turbulenta da revolução.

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Se vocês ficassem isolados, se cada um de vocês

fosse obrigado a agir por conta própria,

seriam sem dúvida impotentes; mas ao ficarem unidos

e organizarem suas próprias forças – por mais escassas

que elas possam ser no começo – exclusivamente

para a ação conjunta, orientados por um pensamento

e uma atitude comum, e pelo esforço para um objetivo

comum, vocês se tornarão invencíveis.

Mikhail Bakunin

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O CONTEXTO DO CONGRESSO DE 2008

E O DEBATE SOBRE ORGANIZAÇÃO

Para teorizar com eficácia é imprescindível atuar.

Federação Anarquista Uruguaia

O I Congresso da FARJ foi realizado com o principalobjetivo de aprofundar nossas reflexões sobre a questãoda organização e formalizá-las em um programa.

Desde 2003, o debate em torno da organização vemacontecendo dentro de nossa organização. Produzimosmateriais teóricos, apuramos nossas reflexões, extraímosensinamentos de erros e acertos de nossa prática políticae foi se tornando cada vez mais necessário aprofundar odebate e formalizá-lo, difundindo este conhecimento,tanto interna quanto externamente.

O trabalho prático de nossas duas frentes – deocupações e comunitária – foi absolutamente centralpara as reflexões teóricas que fizemos neste período. Elecontribuiu, inclusive, com a criação, no início de 2008,de nossa terceira frente – a frente agroecológica, cha-mada Anarquismo e Natureza.

Um ano atrás decidimos realizar, com a necessáriaprofundidade, o debate sobre organização, visando for-

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malizar as conclusões em um documento, que seria vali-dado no Congresso de 2008. Para isso, ainda em 2007,tomamos algumas ações para contribuir com o necessárioamadurecimento teórico que seria imprescindível paraeste caminho que pretendíamos trilhar:

- Ativação da Secretaria de Formação Política- Realização de Seminários Internos de Formação- Elaboração de Cadernos de Formação para Mili-

tantes

Estas ações buscaram dar a todos os militantes denossa organização a estrutura, o espaço e o suporte neces-sários para que este debate pudesse acontecer da ma-neira mais desejável possível. Tivemos um grande es-forço para ler, escrever, debater, retomar materiais jáescritos, aprofundar discussões, realizar esclarecimentos;enfim, realizar na plenitude este debate que julgávamostão necessário.

No entanto, não queríamos somente realizar umfórum de debates. Queríamos chegar a posições maisconclusivas, ou seja, aprofundar a linha política da orga-nização. Como um dos traços do nosso modelo organi-zacional é a unidade teórica e ideológica, queríamos tereste momento de aprofundamento de algumas questõesteóricas e ideológicas e, ao final, chegar a posições con-cretas, a serem defendidas e difundidas por toda a orga-nização.

Nestes cinco anos, sempre pensamos que para de-senvolver uma linha política deveríamos necessaria-mente pensar na influência mútua que há entre teoria eprática, já que as consideramos inseparáveis. Quando

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O CONTEXTO DO CONGRESSO DE 2008 E O DEBATE... 13

ambas interagem reciprocamente, e de maneira positiva,potencializam os resultados de todos os trabalhos daorganização. Com boa teoria se melhora a prática, comboa prática se melhora a teoria. Não há como se pensar aorganização anarquista somente com a teoria e sem aprática, ou mesmo desenvolvendo uma teoria e tentandofazer com que a prática se adapte completamente a ela.

Desde o início pensamos ser fundamental não cons-tituir uma organização que, distante das lutas, escre-vesse documentos e que depois fosse para a prática, como objetivo de adaptá-la à teoria. Da mesma forma, nuncanos pareceu possível conceber a organização anarquistasomente com a prática e sem teoria, ou mesmo assumindocomo teoria tudo o que acontece na prática. Buscamossempre um equilíbrio que, se por um lado, não tinha porobjetivo teorizar profundamente para começar a atuar,por outro, buscava fazer com que a atuação estivessealinhada com uma teoria, o que, em nosso entender,potencializa o resultado dos esforços militantes, semperdas de energia desnecessárias.

Neste debate que aconteceu nos últimos dois anos,e que está sendo formalizado neste documento, tivemosa preocupação de desenvolver uma teoria própria, quenão fosse simplesmente a repetição de outras teoriasdesenvolvidas em outros lugares e em outras épocas.Obviamente, toda esta nossa teoria está impregnada, doinício ao fim, de outras teorias e de autores que viverame atuaram em outros contextos. Seria impossível conce-ber uma teoria anarquista consistente sem a contribui-ção dos clássicos anarquistas, por exemplo. No entanto,fizemos questão de realizar uma longa reflexão do que –

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destas teorias e do pensamento destes autores – faz sen-tido em nosso contexto, ainda nos dias de hoje. Bus-camos criar conceitos próprios, visando dar um caráteroriginal à teoria que pretendíamos criar, e, nesta emprei-tada, julgamos ter tido muito sucesso, já que consegui-mos, a nosso ver, construir e formalizar uma teoria coe-rente, articulando teóricos clássicos, contemporâneos etambém nossas próprias concepções. Apesar disso, nãoacreditamos que esta é uma teoria definitiva. Muitosaspectos podem ser aprofundados, outros podem ser apri-morados, enfim... O mais importante é deixar claro quepensamos estar dando os primeiros passos nesse longocaminho que pretendemos trilhar.

Finalmente, tivemos a preocupação de construiresta discussão e toda a sua formalização de maneira co-letiva. Não nos bastava que um ou outro companheiroescrevesse toda a teoria da organização e que os outrossimplesmente observassem e seguissem suas posições. Foipor isso que buscamos, ao longo deste período, contem-plar todas as posições da organização e não só de um ououtro militante. Isto também, a nosso ver, acrescentacerto valor ao texto. Ele não surge da cabeça de um ououtro intelectual que pensa a política dissociado darealidade, mas, ao contrário, é o resultado de cinco anosde luta e organização do anarquismo em permanentecontato com as lutas de nosso tempo e buscando umatransformação social revolucionária rumo ao socialismolibertário. Em suma, é o resultado de cinco anos de atua-ção prática.

Com o propósito de contribuir com mais uma etapa,de formalizar teoricamente o que se acumulou em nossa

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O CONTEXTO DO CONGRESSO DE 2008 E O DEBATE... 15

curta história, realizamos o I Congresso, que ocorreujunto com a comemoração de cinco anos da FARJ, em30 e 31 de agosto de 2008, cujas principais reflexõesencontram-se registradas a seguir.

Ética, compromisso, liberdade!

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ANARQUISMO SOCIAL,

LUTA DE CLASSES

E RELAÇÕES CENTRO-PERIFERIA

[...] porque o anarquismo é uma ideologia

que se recusa a criar novos sistemas centrais

com novas áreas periféricas.

Rudolf de Jong

O anarquismo, para nós, é uma ideologia, sendoesta um conjunto de idéias, motivações, aspirações, va-lores, estrutura ou sistema de conceitos que possuemuma conexão direta com a ação – o que chamamos deprática política. A ideologia exige a formulação de obje-tivos finalistas (de longo prazo, das perspectivas de fu-turo), a interpretação da realidade em que se vive e umprognóstico, mais ou menos aproximado, sobre a transfor-mação desta realidade. A partir desta análise, a ideolo-gia não é um conjunto de idéias e valores abstratos,dissociados da prática, com um caráter puramente refle-xivo, mas, sim, um sistema de conceitos que existe, namedida em que é concebido junto à prática e está vol-tado a ela. Assim, a ideologia exige uma atuação volun-tarista e consciente com o objetivo de imprimir à socie-dade a transformação social desejada.

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ANARQUISMO SOCIAL E ORGANIZAÇÃO18

Entendemos o anarquismo como uma ideologia quefornece orientação para a ação no sentido de substituiro capitalismo, o Estado e suas instituições, pelo socia-lismo libertário – sistema baseado na autogestão e nofederalismo –, sem quaisquer pretensões científicas ouproféticas.

Como outras ideologias, o anarquismo possui histó-ria e contexto específicos. Ele não nasce de intelectuaisou pensadores alheios à prática, que buscam apenas areflexão abstrata. O anarquismo tem sua história desen-volvida no seio das grandes lutas de classe do séculoXIX, quando foi teorizado por Proudhon, e tomou corpoem meio à Associação Internacional dos Trabalhadores(AIT), com a atuação de Bakunin, Guillaume, Reclus eoutros que defendiam o socialismo revolucionário, emoposição ao socialismo reformista, legalista ou estatista.Esta tendência da AIT foi futuramente conhecida por“federalista” ou “antiautoritária” e teve sua continui-dade na militância de Kropotkin, Malatesta e outros.

Portanto, foi no seio da AIT que o anarquismotomou corpo, “na luta direta dos trabalhadores contra ocapitalismo, pelas necessidades dos trabalhadores, porsuas aspirações à liberdade e à igualdade, que vivemparticularmente nas massas de trabalhadores nas épocasmais heróicas”1. O trabalho de teorização do anarquismofoi realizado por pensadores e trabalhadores que estavamdiretamente envolvidos com as lutas sociais e que auxi-liaram a formalizar e difundir este sentimento que estavalatente naquilo que se chamou “movimento de massas”.Desta forma,

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o anarquismo na sua gênese, nas suas aspirações,em seus métodos de luta, não tem nenhum vín-culo com qualquer sistema filosófico. O anar-quismo nasceu da rebelião moral contra as in-justiças sociais. Quando apareceram homensque se sentiram sufocados pelo ambiente socialem que estavam forçados a viver, e cuja sensibili-dade se viu ofendida pela dor dos demais comose ela fosse a sua própria, e quando estes homensse convenceram de que boa parte da dor hu-mana não é conseqüência fatal de leis naturaisou sobrenaturais inexoráveis, mas deriva, poroutro lado, de feitos sociais dependentes da von-tade humana e elimináveis por obra do homem,abriu-se então a via que deveria conduzir aoanarquismo.2

Com o passar dos anos, o anarquismo desenvolveu-se teorica e praticamente. Por um lado, contribuiu demaneira ímpar com episódios de transformação social,conservando seu caráter ideológico, como, por exemplo,na Revolução Mexicana, na Revolução Russa, na Revo-lução Espanhola, ou mesmo em episódios brasileiros,como na Greve Geral de 1917 e na Insurreição de 1918.Por outro lado, em determinados contextos o anarquis-mo assumiu certas características que lhe retiraram estecaráter ideológico, transformando-o em um conceitoabstrato, que passou a constituir-se tão somente em umaforma de observação crítica da sociedade. Com o passardos anos, este modelo de anarquismo assumiu uma iden-tidade própria, encontrando referências na história e, aomesmo tempo, perdendo seu caráter de luta pela trans-

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ANARQUISMO SOCIAL E ORGANIZAÇÃO20

formação social. Isso se evidenciou, de maneira maisgritante, na segunda metade do século XX. Pensado apartir dessa perspectiva, o anarquismo deixa de ser umaferramenta aos explorados na sua luta pela emancipaçãoe funciona como um passatempo, uma curiosidade, umtema para debate intelectual, um nicho acadêmico, umaidentidade, um grupo de amigos etc. Para nós, esta visãoameaça fortemente o próprio sentido do anarquismo.

Essa desastrosa influência no anarquismo foi notadae criticada por diversos anarquistas, desde Malatesta,quando polemizou com os individualistas que eram con-tra a organização, passando por Luigi Fabbri, que reali-zou sua crítica das influências burguesas no anarquismoainda no início do século XX3, até Murray Bookchinque, em meados da década de 1990, apontou este fenô-meno e buscou advertir:

A menos que eu esteja gravemente errado –e eu espero estar – os objetivos sociais e revolu-cionários do anarquismo estão sofrendo um des-gaste de longo alcance a um ponto em que a pa-lavra anarquia tornar-se-á parte do vocabulárioelegante burguês do próximo século – desobe-diente, rebelde, despreocupado, mas deliciosa-mente inofensivo.4

Defendemos que o anarquismo retome o seu cará-ter original de ideologia, ou como definimos anterior-mente, de um “sistema de conceitos que possuem umaconexão direta com a ação, [...] de prática política”.Buscando retomar esta caráter ideológico do anarquis-mo e para nos diferenciar das demais correntes que estão

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ANARQUISMO SOCIAL, LUTA DE CLASSSES E RELAÇÕES... 21

no amplo campo no anarquismo contemporâneo, reivin-dicamos o anarquismo social, pois corroboramos as críti-cas de Malatesta, Fabbri e afirmamos a dicotomia identi-ficada por Bookchin, de que há hoje um anarquismo so-cial, voltado às lutas e com um objetivo de transforma-ção social, e um anarquismo de estilo de vida, que re-nunciou à proposta de transformação social e de envolvi-mento nas lutas sociais de nosso tempo.

Para nós, o anarquismo social é um modelo de anar-quismo que, como ideologia, busca ser o fermento dosmovimentos sociais e da organização popular, com o obje-tivo de superar o capitalismo, o Estado, e de construir osocialismo libertário – autogestionário e federalista. Paraisso, sustenta um retorno organizado dos anarquistas àluta de classes, com o objetivo de retomar o que chama-mos de vetor social do anarquismo. Acreditamos que éentre as classes exploradas – as maiores vítimas do capi-talismo – que o anarquismo tem condições de florescer.Se, como colocou Neno Vasco, devemos buscar jogar assementes do anarquismo no terreno mais fértil, este ter-reno é para nós a luta de classes, que se dá nas mobili-zações populares e nas lutas sociais. Buscando opor oanarquismo social ao anarquismo de estilo de vida,Bookchin afirmou que

o anarquismo social está radicalmente em desa-cordo com o anarquismo que é focado no estilode vida, a invocação neo-situacionista ao êxtasee a soberania do ego pequeno burguês que cadavez contrai-se mais. Os dois divergem completa-mente em seus princípios de definição – socia-lismo ou individualismo.5

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ANARQUISMO SOCIAL E ORGANIZAÇÃO22

Frank Mintz, outro militante e pensador contempo-râneo, ao comentar o título de seu livro AnarquismoSocial enfatizou: “este título deveria ser inútil, pois os doistermos estão implicitamente ligados. É do mesmo modoequivocado porque sugere que pode existir um anarquis-mo não-social, fora das lutas.”6 Desta maneira, entende-mos que o anarquismo social está necessariamente impli-cado na luta de classes.

Dentro de nossa visão do anarquismo social, como“ferramenta fundamental de suporte às lutas cotidia-nas”7, temos também a necessidade de elucidar nossadefinição de classe. Mesmo considerando a luta de clas-ses central e absolutamente relevante na sociedade dehoje, entendemos que os marxistas, ao elegerem o operá-rio fabril como sujeito único e histórico da revolução,desprezaram todas as outras categorias das classes explo-radas, enquanto sujeitos potencialmente revolucioná-rios. O conceito de classe trabalhadora dos autoritários,que se circunscreve somente à categoria dos trabalha-dores da indústria, não dá conta da realidade das rela-ções de dominação e exploração que ocorreram durantea história e nem mesmo das relações que ocorrem nasociedade presente, da mesma forma que não dá contada identificação dos sujeitos revolucionários de tempospassados e presentes.

A partir da necessidade de elucidação deste con-ceito de classe, incluímos dentro do conjunto das classesexploradas – que podem e devem contribuir com o pro-cesso de transformação social por meio da luta de classes– outras categorias que receberam, em grande medida,a atenção dos anarquistas durante a história. Esta defi-

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ANARQUISMO SOCIAL, LUTA DE CLASSSES E RELAÇÕES... 23

nição do conceito de classe não modifica a luta de clas-ses como terreno privilegiado da atuação do anarquismosocial, mas traz uma forma diferente de enxergar seuobjetivo: de transformação das relações centro-periferia,ou mais especificamente, de transformação das relaçõesde dominação das periferias pelos centros. Baseados naclassificação de Rudolf de Jong8 e na nossa própria erecente história de luta, conceituamos o conjunto dasclasses exploradas, a partir das relações centro-periferia.Desta maneira, fazem parte deste conjunto:

a. Culturas e sociedades completamente es-tranhas e distantes do centro, de maneira ne-nhuma “integradas”, e que são “selvagens” aosolhos do centro. Por exemplo, os índios do Ama-zonas.

b. Áreas periféricas relacionadas ao centro epertencendo a estruturas políticas e socioeconô-micas que tentam, ao mesmo tempo, manter suasidentidades. São dominadas pelo centro, amea-çadas em sua existência pela expansão econô-mica deste. Pelos padrões do centro são “atrasa-das” e subdesenvolvidas. Por exemplo, as comu-nidades indígenas do México e dos países an-dinos. Outros exemplos nesta categoria – talvezdevêssemos falar em um subgrupo b.1 – são pe-quenos produtores, trabalhadores especializadose camponeses ameaçados em sua existência eco-nômica e social pelo progresso do centro e queainda lutam por sua independência.

c. Classes econômicas ou mesmo sistemassocioeconômicos que costumavam pertencer aum centro, mas que voltaram a uma posição peri-

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férica após inovações tecnológicas e desenvolvi-mentos socioeconômicos no centro. Por exem-plo, o lumpemproletariado, trabalhadores infor-mais precarizados e o exército permanente depessoas desempregadas.

d. Classes sociais e grupos que fazem partede um centro num sentido econômico, mas quesão periféricos num sentido social, cultural e/oupolítico: as classes trabalhadoras, o proletariadoem sociedades industriais emergentes, as mu-lheres, os negros, os homossexuais.

e. Relações centro-periféricas de naturezapolítica, seja entre Estados ou dentro deles:relações coloniais ou imperialistas, relações ca-pital versus província etc. Tais relações no siste-ma capitalista desenvolvem-se paralelamente àsrelações econômicas mencionadas acima – ou,grupo e.1: dominação neocapitalista, coloniza-ção interna e exploração.

Aceitando esta classificação, e conscientes de suaslimitações, definimos o conjunto das classes exploradascomo as áreas periféricas que estão dominadas por umcentro. É importante ressaltar que não consideramosparte deste conjunto das classes exploradas indivíduosque estejam, em teoria, em áreas periféricas, mas que,na prática, estabeleçam relações de domínio sobre ou-tros, constituindo-se em novos centros. Daí a necessi-dade de todas as lutas das classes exploradas terem umaperspectiva revolucionária, para que não busquem, sim-plesmente, fazer com que partes das áreas periféricasconstituam-se em novos centros.

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A partir desta definição, há duas maneiras de sepensar a transformação social: uma, autoritária, utilizadahistoricamente pelos herdeiros do marxismo (revolucio-nários ou reformistas) e outra, libertária, utilizada pelosanarquistas.

Os autoritários, incluindo alguns que se dizemanarquistas, pensam no centro como um meio, e têm suapolítica orientada para ele. Para eles, o centro – sendoeste considerado o Estado, o partido, o exército, a posi-ção de direção – é instrumento para a emancipação dasociedade, e “a revolução significa em primeiro lugar atomada do centro e de sua estrutura de poder, ou acriação de um novo centro”9. A própria concepção declasse dos autoritários está baseada no centro, quandodefinem o proletariado industrial como sujeito histórico– o que está descrito na letra “d” da definição citadaacima – e excluem e marginalizam outras categorias dasclasses exploradas que estão na periferia, como, porexemplo, os camponeses.

Os libertários não pensam no centro como um meio,e lutam permanentemente contra ele, construindo seumodelo revolucionário e sua estratégia de luta em dire-ção a todas as periferias – explicitadas pelas letras quevão de “a” a “e” na definição acima. Ou seja, em suaatuação na luta de classes, o anarquismo considera comoelementos das classes exploradas comunidades tradicio-nais, camponeses, desempregados, subempregados, sem-tetos e outras categorias freqüentemente desconside-radas pelos autoritários. “A luta, dessa forma, seria enca-minhada por quem realmente [sente] os efeitos do sis-tema, e por conseguinte [precisa] urgentemente aboli-

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lo.”10 Na periferia, os anarquistas estimulam os movimen-tos sociais pela base e buscam construir a organizaçãopopular para, em solidariedade, combater a ordem exis-tente e criar uma nova sociedade que seja baseada naigualdade e na liberdade, e na qual as classes já nãofaçam mais sentido. Nessa luta, os anarquistas utilizam-se de meios que contêm dentro de si os germes da socie-dade futura.

A concepção anarquista das forças sociaispor trás da mudança social é muito mais geral[...] que a fórmula marxista. Diferentemente domarxismo, não concede um papel específico aoproletariado industrial. Nos escritos anarquistasencontramos todos os tipos de trabalhadores ede pobres, todos os oprimidos, todos aqueles quede algum modo pertencem a grupos ou áreas pe-riféricas e, portanto são fatores potenciais na lutarevolucionária pela mudança social.11

Com esta concepção das forças revolucionárias,afirmamos que “ao que tudo indica, é na periferia, nas‘margens’, que a revolução mantém acesa sua chama”12.Portanto, nossa conclusão é que o anarquismo deve estarem permanente contato com as periferias para a buscade seu projeto de transformação social.

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Notas:

1 Dielo Trouda. “Plataforma organizativa por una Unión Ge-

neral de Anarquistas”. Tradução ao espanhol revisada e cor-

rigida por Frank Mintz. Utilizaremos citações a partir dessa

tradução feita diretamente do russo, pois as versões a que

temos acesso, tanto em português, quanto espanhol, ambas

traduzidas do francês, possuem várias divergências em rela-

ção ao original russo. Apesar de o título do documento estar

aqui em espanhol, estamos nos referindo ao mesmo do-

cumento traduzido para o português como A Plataforma

Organizacional dos Comunistas Libertários.

2 Errico Malatesta. “Anarquismo y Anarquia”. Excerto de

Pensiero e Volontà, 16 de maio de 1925. In: Vernon Richards.

Malatesta: pensamiento y acción revolucionarios. Buenos Aires:

Anarres, 2007, p. 21.

3 Luigi Fabbri. Influencias Burguesas sobre el Anarquismo.

4 Murray Bookchin. Anarquismo Social ou Anarquismo de Estilo

de Vida: um abismo intransponível. São Paulo: Faísca/Hedra (no

prelo).

5 Ibidem.

6 Frank Mintz. Anarquismo Social. São Paulo: Imaginário/

Faísca/FARJ/CATL, 2006, p. 7.

7 FARJ. “A Propriedade é um Roubo”. In: Protesta! 4. Rio de

Janeiro/São Paulo: FARJ/CATL, 2007, p. 11.

8 Como o próprio autor afirma, esta classificação não visa

esgotar as relações e há categorias que se sobrepõem. O termo

“área”, ainda segundo o autor, refere-se mais a um conceito

social, do que um geográfico. Rudolf de Jong. “Algumas Ob-

servações sobre a Concepção Libertária de Mudança Social”.

In: Paulo Sérgio Pinheiro. O Estado Autoritário e Movimentos

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Populares. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980, pp. 305-353. A

classificação original está nas páginas 309 e 310 do livro. Este

texto foi reeditado em 2008 pela Faísca Publicações, em co-

edição com a FARJ, com o título de A Concepção Libertária da

Transformação Social Revolucionária.

9 Ibidem. p. 312.

10 FARJ. “Por um Novo Paradigma de Análise do Panorama

Internacional”. In: Protesta! 4!, p. 31.

11 Rudolf de Jong. Op. Cit. p. 324.

12 FARJ. “Por um Novo Paradigma...”. In: Protesta! 4!, p. 31.

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ANARQUISMO NO BRASIL:

PERDA E TENTATIVA DE RETOMADA

DO VETOR SOCIAL

Somos combatentes de uma grande guerra.

Todos os combatentes se “entendem” mutuamente

para combater, assumem “compromissos”,

sem os quais não pode haver unidade de ação.

Quem se “entende” com outros já não é senhor

da sua vontade integralmente, prendeu-a por alguns

fios ao acordo firmado. Se desfaz os fios, rompe

o acordo, se “desentende, desiste do combate comum”,

foge à luta, se furta aos companheiros.

José Oiticica

O anarquismo surgiu no Brasil, ainda no séculoXIX, como elemento desestabilizador da ordem, comalguma influência sobre as revoltas da época – como foio caso da Insurreição Praieira de 1848 –, sobre o meioartístico e cultural, e também com as experiências dascolônias agrícolas e experimentais do final do século,sendo a Colônia Cecília (1890-1894) a mais conhecidadestas experiências. Neste mesmo século há notícias degreves, jornais operários e das primeiras tentativas deorganização de núcleos de resistência de trabalhadores.

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O surgimento do que chamamos “vetor social doanarquismo” se deu a partir da década de 1890, sendoeste impulsionado por um crescimento da inserção socialdo anarquismo no meio sindical, que culminou na se-gunda década do século XX.

Chamamos de vetor social do anarquismo as mobili-zações populares que possuem significativa influência doanarquismo – principalmente no que diz respeito aosaspectos práticos –, independentemente dos setores emque ocorram. Essas mobilizações, fruto da luta de classes,não são anarquistas, já que se organizam em torno dequestões específicas de reivindicação. Por exemplo: emum sindicato, os trabalhadores lutam por melhores salá-rios; em um movimento de sem-teto, lutam por moradia;em um movimento de desempregados, lutam por tra-balho etc. No entanto, são espaços de inserção social doanarquismo que, por meio de sua influência, confere aosmovimentos práticas mais combativas e autônomas, coma utilização da ação direta, da democracia direta, obje-tivando a transformação social. As mobilizações consti-tuídas em vetor social do anarquismo são realizadas noseio dos movimentos sociais, considerados por nós comoespaços privilegiados para o trabalho social e o acúmulo,e não como uma massa a ser dirigida.

No Brasil, o vetor social do anarquismo começou ase desenvolver nos fins do século XIX com o crescimentoda malha urbana e da população nas cidades, e depois,com o crescimento industrial, que naturalmente faziacrescer também a exploração dos operários, vítimas dejornadas extenuantes, de condições insalubres de traba-lho, e de salários baixos em fábricas que, além disso,

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empregavam mão-de-obra infantil. Com o objetivo dedefender a classe dos trabalhadores desta condição pra-ticamente insuportável de exploração, surgiram diversasorganizações operárias, revoltas, greves e insurreições,que foram se tornando cada vez mais comuns.

O acirramento da luta de classes no Brasil passoupela greve dos cocheiros em 1900, pelo conjunto degreves de 1903 que teve seu ápice na greve generalizadainiciada pelos tecelões, pelas revoltas que culminaramna Revolta da Vacina em 1904. Em 1903 foi fundada aFederação das Associações de Classe no estado do Riode Janeiro, que seguia o modelo sindicalista revolucio-nário da CGT francesa, e que posteriormente foi trans-ferida para a capital, recebendo o nome de FederaçãoOperária Regional Brasileira (FORB) em 1906, algumtempo depois de uma visita de membros da FederaçãoOperária Regional Argentina (FORA) e de uma campa-nha de solidariedade aos trabalhadores russos.

Até 1904, podemos dizer que o anarquismo conse-guiu apresentar-se como uma ferramenta ideológica deluta e “foi, sem sombra de dúvidas, o sindicalismo revo-lucionário o responsável pelo primeiro vetor social conse-guido pelos anarquistas nos grandes centros brasileiros”1.Em 1905, em São Paulo, sapateiros, padeiros, marce-neiros e chapeleiros fundaram a Federação Operária deSão Paulo (FOSP) e, em 1906, surgiu a Federação Ope-rária do Rio de Janeiro (FORJ) que, proscrita, deu lugarem 1917 para a União Geral dos Trabalhadores (UGT),reagrupando os sindicatos de resistência. Em 1919 a UGTtransformou-se em Federação dos Trabalhadores do Riode Janeiro (FTRJ) e, em 1923 foi refundada a FORJ.

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Em abril de 1906, aconteceu, no Rio de Janeiro, oCongresso Operário Regional Brasileiro, que ficou pos-teriormente conhecido como o Primeiro Congresso Ope-rário Brasileiro, que recebeu delegados de vários estadosdo Brasil representando diversas categorias. O Congressoaprovou sua adesão ao sindicalismo revolucionário fran-cês, adotando a neutralidade sindical, o federalismo, adescentralização, o antimilitarismo, o antinacionalismo,a ação direta e a greve geral. Ocorreram o Segundo e oTerceiro Congressos, respectivamente em 1913 e 1920.Em 1908 foi fundada a Confederação Operária Brasileira(COB).

A escolha do sindicalismo revolucionário aconte-ceu pela eleição do campo econômico de mobilização epela interessante proposta do federalismo, que permitiaa autonomia do sindicato na federação e desta na confe-deração. Além disso, havia uma influência internacio-nal, de adoção deste modelo em outras partes do mundo.O meio de luta constituído em torno da mobilizaçãopelas questões de curto prazo servia como “ginásticarevolucionária”, que preparava o proletariado para arevolução social.

Esperavam os anarquistas que na ação con-

creta, na solidariedade, e na observação empí-

rica das contradições entre capital e trabalho,

evidenciada nos confrontos, estivesse a grande

lição a ser apreendida pelos trabalhadores. Essa

era a garantia, segundo eles, da aquisição de

princípios ideológicos, não pela pregação retó-

rica ou manuais, destituídos das experiências sen-

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síveis, mas pela prática da ação cotidiana e revo-

lucionária das massas.2

A primeira década do século XX contou com maisde uma centena de movimentos grevistas, que atuavam,principalmente, em torno da questão salarial. Durante aconjuntura dos anos 1917 a 1920, só no eixo RJ-SP ocor-reram mais de duas centenas de manifestações e parali-sações. Toda esta conjuntura de mobilização contou comampla influência dos anarquistas, que trataram de fazera sua propaganda dentro dos sindicatos, não os circuns-crevendo dentro da ideologia anarquista – os sindicatoseram de trabalhadores e não de trabalhadores anarquis-tas –, mas utilizando-o para a divulgação das suas idéias.

Toda esta expectativa depositada na revolução so-cial, que se tornava cada vez mais real desde meados dadécada de 1910, culminou em três relevantes mobili-zações. Primeiramente, em 1917, naquela que ficou co-nhecida como a Greve Geral de 1917, quando os tra-balhadores de São Paulo, em grande medida organizadosem torno do Comitê de Defesa Proletária, lutaram con-tra a carestia, realizando sabotagens e boicotando pro-dutos das indústrias Crespi, Matarazzo e Gamba. Entreas vitórias do movimento grevista, estão a jornada de oitohoras de trabalho e aumentos salariais conquistados porsetores do movimento. No ano de 1918 continuaram asmobilizações e, no Rio de Janeiro, ocorreu a InsurreiçãoAnarquista. Com greves acontecendo nas fábricas cario-cas e o Campo de São Cristóvão ocupado pelos trabalha-dores, os insurgentes queriam a tomada dos prédios dogoverno e o estabelecimento na cidade do primeiro so-

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viete do Rio de Janeiro. Finalmente, em 1919, a Uniãodos Operários em Construção Civil (UOCC) conseguiuo maior ganho de todos, conquistando as oito horas diá-rias de trabalho para toda a categoria. Além disso, forade Rio de Janeiro e São Paulo, ocorreram significativasmobilizações em outros estados do Brasil: Rio Grande doSul, Paraná, Santa Catarina, Minas Gerais, Pernam-buco, Alagoas, Paraíba, Bahia, Ceará, Pará e Amazonas.

Havia ainda um grande movimento cultural quetrabalhava junto com as mobilizações sindicais e quetinha muita importância: escolas racionalistas inspiradasnos princípios de Ferrer y Guardia, centros sociais, teatrooperário e outras iniciativas que foram fundamentaispara forjar uma cultura de classe, objeto de união nosmomentos de luta.

Houve, nesta conjuntura ascendente de luta, aformação de duas organizações políticas e ideologica-mente anarquistas, que visavam trabalhar com o movi-mento sindical. A primeira delas foi a Aliança Anar-quista do Rio de Janeiro, fundada em 1918 pela neces-sidade de uma organização anarquista para a atuaçãodentro do sindicalismo, e que foi importante para aInsurreição de 1918. No entanto, com a repressão ocor-rida, a Aliança foi desarticulada, voltando a se organizarno primeiro Partido Comunista, de inspiração libertária,fundado em 1919. Tanto a Aliança Anarquista, como oPartido Comunista, agrupavam membros de um setor doanarquismo, que se chamou “organizacionista” e queentendia necessária a distinção dos níveis de atuação –o nível político, ideologicamente anarquista, e o nívelsocial, das mobilizações sindicais. Estes militantes enten-

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diam como necessária a existência de organizações espe-cíficas anarquistas, para atuação junto ao sindicalismo.É importante destacarmos que já havia, neste momento,uma preocupação de anarquistas com a sua organizaçãoespecífica.

Podemos dizer que o vetor social do anarquismoesteve em uma curva ascendente até o início dos anos1920, quando a crise do anarquismo, paralela a do pró-prio sindicalismo, começou a se desenvolver, culminandona década de 1930 na sua desmobilização e na perdadeste vetor social. Para nós, a perda do vetor social doanarquismo é fruto de dois contextos de crise: um deconjuntura e outro do próprio anarquismo.

O contexto da conjuntura foi marcado, em primeirolugar, pela repressão, tanto ao sindicalismo, quanto aoanarquismo, o que se pode comprovar com a terceirareformulação da lei Adolfo Gordo, de 1921, que previa arepressão e deportação dos anarquistas, além das depor-tações de militantes para a colônia penal de Clevelân-dia, situada no atual estado do Amapá, entre 1924 e1926. Além disso, havia também um refluxo das lutassociais em todo o mundo e uma frustração com o resul-tado das lutas que vieram depois da Revolução Russa de1917. Foi significativo ainda o fim da Primeira Guerra ea recuperação das fábricas européias, que voltaram aexportar (inclusive para o Brasil) diminuindo o contin-gente operário nas cidades e o crescimento do PartidoComunista, fundado em 1922, que, a partir de 1924 co-meçou a disputar mais fortemente as organizações sindi-cais e aliar-se aos reformistas, propondo a participaçãoeleitoral como forma de expressão política. Finalmente,

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o atrelamento dos sindicatos ao Estado que foi sacra-mentado em 1930 e 1931 pelo governo Vargas, culmi-nando em 1932, quando os sindicatos foram obrigados,por lei, a terem a aprovação governamental e a seguiremas regras de funcionamento determinadas pelo Estado.

O contexto do anarquismo foi marcado, principal-mente, pela confusão entre os níveis de atuação. Paramuitos militantes, o sindicalismo, que era o vetor social,o meio de atuação que deveria conduzir a um fim –expressado pela revolução social e a constituição dosocialismo libertário – terminou tornando-se o própriofim. Este fenômeno já vinha sendo notado no anarquis-mo e foi tema de acirrado debate, já em 1907 no Con-gresso de Amsterdã, entre Malatesta e Monatte. Mo-natte, defensor do “sindicalismo puro”, enxergava grandesemelhança entre sindicalismo e anarquismo e defendiaque “o sindicalismo se basta a si mesmo”3. Malatesta,com uma posição diametralmente oposta, considerava osindicalismo “um campo particularmente propício paraa difusão da propaganda revolucionária e também comoum ponto de contato entre os anarquistas e as massas”4.Desta forma, Malatesta sustentava a necessidade de doisníveis de atuação: um político anarquista, e outro socialno âmbito do sindicato, que seria o meio de inserção.

As posições de Malatesta e Monatte resumem asposições dos anarquistas brasileiros. De um lado, partedos anarquistas defendia a necessidade da organizaçãoespecificamente anarquista, que deveria buscar inser-ção social nos sindicatos. De outro, anarquistas que ha-viam entendido a militância nos sindicatos como suaúnica tarefa, e assim “esqueceram-se de formar grupos

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específicos capazes de dar sustentação à prática revo-lucionária”5.

Nossa posição em relação aos acontecimentos so-ciais do início do século XX está alinhada com a posiçãode Malatesta, que foi retomada no Brasil por José Oiti-cica que, na época, atentou para o problema da falta deorganizações específicas anarquistas. Em 1923 ele jáalertava para o fato que os anarquistas vinham se dedi-cando completamente às atividades sindicais e renun-ciando as atividades ideológicas, confundindo o sindica-lismo, que era o meio de inserção, com o fim que sequeria chegar. Para ele, era fundamental a criação de“federações anárquicas fora dos sindicatos”6, tais como aAliança de 1918 e o Partido de 1919 que, apesar de seremgrupos ou federações deste tipo, infelizmente, foraminsuficientes para a tarefa que era necessário realizar.

Para Oiticica, como já parcialmente nos refe-

rimos, era importante naquele momento envidar

esforços na formação de grupos “fechados”, com

um programa definido de ação e compromissos

tacitamente assumidos pelos militantes7. A “cen-

tralização” das forças anárquicas, ainda segundo

ele, na luta contra a burguesia, não podia ser

confundida com a “descentralização” típica das

organizações libertárias. Reclamava então duas

medidas urgentes à eficiência da ação anarquista:

“seleção dos militantes e concentração de forças”. E

concluía: “só isso nos dará unidade de ação”.8

Entendemos que a falta de organizações anarquis-tas que pudessem dar suporte à luta de classes, realizada

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de forma mais notável naquele momento nos sindicatos,foi também grande responsável pela perda do vetor so-cial do anarquismo. Como as organizações ideológicasnão estavam sedimentadas, o contexto de crise do sindi-calismo terminou por se estender ao próprio anarquismo.Assim, uma crise do nível social condenou também onível político, já que não havia grande diferenciaçãoentre os dois naquele momento.

Para nós, é normal que o nível social, representadonaquele momento pelo sindicalismo, tenha fluxos e re-fluxos, momentos de ascendência e descendência, e aorganização específica anarquista serve justamente paraacumular os resultados das lutas e, algumas vezes, parabuscar outros espaços de trabalho, outros espaços deinserção. O problema é que, sem organizações anarquis-tas, quando o nível social – ou algum setor dele – entraem crise, os anarquistas não são capazes de encontrar umoutro espaço para a inserção social.

Uma vez perdido o vetor social, e sem organi-

zações específicas capazes de sustentar um em-

bate ideológico de mais longa duração, não foi

possível aos anarquistas encontrarem, de ime-

diato, outro espaço de inserção. [...] O prestígio

alcançado através da entrada nos sindicatos,

muito provavelmente, fez crer que a potenciali-

dade das associações de classe era inesgotável,

mesmo superior a variações da conjuntura.9

Assim, a crise no sindicalismo revolucionário tirouo vetor social dos anarquistas que passaram então a “se

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organizar em grupos de cultura e preservação de me-mória”10.

* * *

A FARJ reivindica-se continuadora da militânciade Ideal Peres e dos trabalhos que tiveram origem apartir de sua história de luta. Ideal Peres era filho deJuan Perez Bouzas (ou João Peres), um imigrante galego,anarquista e sapateiro, que teve importante participaçãono anarquismo brasileiro a partir do final da década de1910. Foi ativo militante da Aliança dos Artífices emCalçados e da Federação Operária de São Paulo (FOSP),tendo atuado com destaque em inúmeras greves, pique-tes e manifestações. Nos anos 1930 atuou também naLiga Anticlerical e, em 1934, teve participação decisivana Batalha da Sé – quando os anarquistas rechaçaramos integralistas (fascistas) sob rajadas de metralhadoras.No ano seguinte, os anarquistas participaram também daformação da Aliança Nacional Libertadora (ANL), umacoordenação que sustentava a luta antifascista, comba-tendo o imperialismo e o latifúndio.

Ideal Peres nasceu em 1925 e iniciou sua militâncianaquele contexto de crise, quando o vetor social do anar-quismo já havia sido perdido. Isso aconteceu em 1946,quando participou da Juventude Libertária do Rio deJaneiro; dos periódicos Ação Direta e Archote; da Uniãodos Anarquistas do Rio de Janeiro; de Congressos Anar-quistas que ocorreram no Brasil; e da União da Juven-tude Libertária Brasileira. Ideal Peres teve relevanteparticipação no Centro de Estudos Professor José Oiti-

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cica (CEPJO), local de uma série de cursos e palestras,tendo como “pano de fundo” o anarquismo, e que foifechado pela ditadura em 1969, quando Ideal foi presopor um mês no antigo Departamento de Ordem Políticae Social (DOPS), primeiro na Base Aérea do Galeão edepois no quartel da Polícia do Exército na Rua Barãode Mesquita, centro de tortura da ditadura militar.

Depois da prisão, Ideal organizou em sua casa, aindana década de 1970, um grupo de estudos que tinha comoobjetivo aproximar jovens interessados no anarquismopara, entre outras coisas, colocá-los em contato com an-tigos militantes e estabelecer vínculos com outros anar-quistas do Brasil. Esse grupo de estudos constituiria ogerme do Círculo de Estudos Libertários (CEL), conce-bido por Ideal e sua companheira Esther Redes. O CELfuncionou no Rio de Janeiro de 1985 a 1995, tendo pró-ximo (ou mesmo dentro) de si a formação de outros gru-pos como o Grupo Anarquista José Oiticica (GAJO), oGrupo Anarquista Ação Direta (GAAD), o ColetivoAnarquista Estudantil 9 de Julho (CAE-9), o grupo Mu-tirão; além de publicações como Libera...Amore Mio

(fundado em 1991 e que existe até hoje), a revista Uto-

pia (1988-1992) e o jornal Mutirão (1991). Além disso, oCEL promoveu eventos, campanhas e dezenas (senãocentenas) de palestras e debates.

Com a morte de Ideal Peres, em agosto de 1995, oCEL decidiu homenageá-lo modificando seu nome paraCírculo de Estudos Libertários Ideal Peres (CELIP). OCELIP deu continuidade ao trabalho do CEL, sendoresponsável por agregar a militância do Rio de Janeiro eprosseguir no aprimoramento teórico desta. Além disso,

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o CELIP seguiu com a publicação do Libera, fazendo pormeio dele relações com grupos de todo o país e tambémdo exterior. Trouxe importantes reflexões libertárias so-bre assuntos que estavam em pauta no Brasil e no mundodaquela época e serviu para a divulgação de textos enotícias de diversos grupos do país. As palestras e deba-tes continuaram agregando novos militantes, e as rela-ções que alguns militantes tiveram com a FederaçãoAnarquista Uruguaia (FAU) acabaram por influenciarsignificativamente o modelo de anarquismo que foi sedesenvolvendo dentro do CELIP. Este foi co-organizadordo Encontro Estadual de Estudantes Libertários do Riode Janeiro (ENELIB), em 1999; participou do EncontroInternacional de Cultura Libertária, em Florianópolis2000; e contribuiu com as atividades do Instituto deCultura e Ação Libertária de São Paulo (ICAL). Tam-bém retomou a luta com a categoria dos petroleiros,reatando laços entre anarquistas e sindicalistas do ramopetrolífero – laços esses que datavam de 1992/1993,quando juntos ocuparam o Edifício Sede da Petrobrás(EDISE), na primeira ocupação de um prédio “público”depois da ditadura militar. Em 2001, esta luta dos anar-quistas e petroleiros foi retomada, culminando, no anode 2003, no acampamento de mais de 10 dias de anar-quistas e petroleiros, que lutavam pela anistia dos com-panheiros demitidos politicamente. Além disso, o CELIPfez uma série de outras atividades.

Em 2002 iniciamos um grupo de estudos para veri-ficar a possibilidade de construção de uma organizaçãoanarquista no Rio de Janeiro e o resultado deste foi afundação da FARJ em 30 de agosto de 2003. Para nós,

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há uma ligação direta entre a militância de Ideal Peres,a constituição do CEL, seu funcionamento, a mudançade nome para o CELIP, e a posterior fundação da FARJ.

Quando falamos de busca do “vetor social do anar-quismo”, fazemos necessariamente uma referência aotrabalho iniciado por Ideal Peres que, ainda na décadade 1980, iniciou um trabalho com os movimentos sociais,com vistas a retirar o anarquismo no âmbito estritamentecultural ao qual vinha se reservando desde a crise dosanos 1930.

Ainda na primeira metade da década de

1980, Ideal e Esther [Redes] adentram um mo-

vimento social, como fundadores e membros da

Associação dos Moradores e Amigos do Leme

(AMALEME). Na década de 1980, no Rio de

Janeiro, surgia uma série de federações de asso-

ciações de bairro, favelas e comunidades, e Ideal

participou da AMALEME, tentando influenciá-

la a utilizar práticas autogestionárias e a de-

monstrar solidariedade à comunidade carente

do Morro do Chapéu Mangueira. Em 1984, Ideal

é eleito vice-presidente da associação e, em

1985, presidente. Sua atenção para as associa-

ções de bairro havia nascido por uma outra asso-

ciação, ALMA (Associação dos Moradores da

Lauro Muller e Adjacências), talvez a primeira

associação a demonstrar ímpetos combativos e

autogestionários, o que terminou por influenciar

outras associações.11

O estímulo de Ideal Peres e o próprio desenvol-vimento da militância no Rio de Janeiro apontaram para

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uma necessidade prática de trabalho e inserção socialdos anarquistas que se acentuou após os contatos quetivemos com a FAU em meados da década de 1990. Pormeio do Libera... e do contato com outros grupos noBrasil, auxiliamos a iniciativa da Construção AnarquistaBrasileira (CAB) de 1996, difundindo o documento “Lutae Organização” que buscava dar suporte para a criaçãode grupos orgânicos que defendessem a idéia do anar-quismo “especifista”. Podemos dizer que todo o anar-quismo especifista no Brasil tem influência da CAB e daprópria FAU, e conosco isso não é diferente.

Desde então, a idéia da inserção social e de reto-mada do vetor foi se tornando cada vez maior. A históriado Brasil e uma observação mais estratégica acerca darazão de ser do próprio anarquismo foram nos deixandocada vez mais convencidos que o especifismo era a formade organização anarquista mais adequada para os nossospropósitos. Para nós, o caminho para a retomada do vetorsocial passa, obrigatoriamente, por um anarquismo orga-nizado especificamente, que diferencie os níveis deatuação e que esteja presente na luta de classes. Noentanto, ao contrário do início do século XX, quando oterreno privilegiado da luta de classes era o dos sindi-catos, hoje consideramos que o sindicalismo pode ser ummeio de inserção, mas há outros muito mais importantesdo que ele. Conforme definimos anteriormente, há hojeuma classe de explorados muito ampla e que permite otrabalho e a inserção social dos anarquistas: desempre-gados, camponeses, sem-terras, sem tetos etc. Para nós,estar bem organizados no nível político (ideológico) nospermitirá encontrar o melhor caminho para trazer nova-

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mente este vetor social ao anarquismo, esteja ele ondeestiver.

Toda nossa reflexão atual tem por expectativa pen-sar um modelo estratégico de organização que nos pos-sibilite uma retomada do vetor social, de forma que issoaponte para nossos objetivos de superação do capita-lismo, do Estado e para a constituição do socialismolibertário. O que buscamos, neste contexto, é somenteum posto na luta, conforme enfatizamos em nossa fun-dação: “Aqui se apresenta a FARJ, sem pedir outra coisaque um posto de luta, para que não morram sonhos for-mosos e profundamente justos.”12

Notas:

1 Alexandre Samis. “Pavilhão Negro sobre Pátria Oliva”. In:

História do Movimento Operário Revolucionário. São Paulo:

Imaginário, 2004, p. 179.

2 Ibidem. p. 136.

3 Pierre Monate. “Em Defesa do Sindicalismo”. In: George

Woodcock. Grandes Escritos Anarquistas. Porto Alegre: LP&M,

1998, p. 206.

4 Errico Malatesta. “Sindicalismo: a Crítica de um Anar-

quista”. In: George Woodcock. Op. Cit. p. 207.

5 Alexandre Samis. “Anarquismo, ‘bolchevismo’ e a crise do

sindicalismo revolucionário”. (Ainda não publicado).6 José Oiticica em A Pátria, 22 de junho de 1923.

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7 José Oiticica, Fabio Luz e outros anarquistas radicados no

Rio de Janeiro faziam parte de um grupo específico de anar-

quistas chamado Os Emancipados.

8 Alexandre Samis. “Anarquismo, ‘bolchevismo’ e a crise do

sindicalismo revolucionário”.

9 Ibidem.

10 Idem. “Pavilhão Negro sobre Pátria Oliva”. In: História do

Movimento Operário Revolucionário, p. 181.

11 Felipe Corrêa. Anarquismo Social no Rio de Janeiro: breve

história da FARJ e de suas origens. Lisboa: CEL/Cadernos d’A

Batalha, 2008, p. 25.

12 FARJ. “Manifesto de Fundação”.

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A SOCIEDADE DE DOMINAÇÃO

E EXPLORAÇÃO: CAPITALISMO E ESTADO

A riqueza de uns é feita com a miséria dos outros.

Piotr Kropotkin

Para os que estão no poder, o inimigo é o povo.

Pierre-Joseph Proudhon

O capitalismo, como sistema, se desenvolveu desdeos fins da Idade Média e se estabeleceu nos séculosXVIII e XIX na Europa Ocidental. Constituiu-se comoum sistema econômico, político e social, baseando-se nasrelações entre duas classes antagônicas. De um lado, oque se chamou “burguesia” e que trataremos neste textocomo “capitalistas”, detentores da propriedade privadados meios de produção1, que contratam trabalhadorespor meio do trabalho assalariado. De outro, o que sechamou “proletariado”2, e que trataremos neste textocomo “trabalhadores” que, nada possuindo além de suaforça de trabalho, tiveram de vendê-la em troca de umsalário. Como enfatizamos anteriormente, o trabalhadorassalariado – objeto clássico de análise nas teses socialis-tas do século XIX –, para nós, constitui hoje somenteuma das categorias das classes exploradas.

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O objetivo dos capitalistas é a produção de merca-dorias para a obtenção de lucro. “A empresa [capitalista]não se preocupa com as necessidades da sociedade; seuúnico fim é aumentar os lucros do empresário”.3 Por meiodo trabalho assalariado, os capitalistas pagam o mínimopossível aos trabalhadores e usurpam-lhes todo o exce-dente de seu trabalho, o que recebe o nome de mais-valia. Isso acontece, pois, para aumentar seu lucro, oscapitalistas devem ter o menor custo, ou seja, gastar omínimo possível. Vendendo suas mercadorias pelo maiorpreço que o mercado pode pagar, ficam com esta dife-rença entre o que gastam e o que ganham – o lucro. Paraconter custos e, conseqüentemente, aumentar os lucros,os capitalistas possuem vários recursos, dentre eles, au-mentar a produtividade e baixar os custos de produção.Há várias maneiras de isso ser feito, dentre elas, imporum ritmo de trabalho maior aos trabalhadores e reduziros salários pagos a eles.

Esta relação entre capitalistas e trabalhadores geraa desigualdade social, um dos grandes males da socie-dade em que vivemos. Isso já havia sido constatado porProudhon, quando investigou o tema ainda no séculoXIX:

Afirmei então que todas as causas da desi-gualdade social se reduziam a três: 1º) a apro-priação gratuita das forças coletivas; 2º) a desi-gualdade nas trocas; 3º) o direito ao lucro ou àfortuna. E como esta tripla maneira de usurparos bens de outrem constitui, essencialmente, odomínio da propriedade, neguei a legitimidade

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da propriedade e proclamei a sua identidadecom o roubo.4

A propriedade privada, para nós, assim como cons-tatou Proudhon, é um roubo, visto que a partir do tra-balho assalariado, dá ao capitalista o excedente do tra-balho dos trabalhadores. Esta propriedade “após despojaro trabalhador pela usura, assassina-o lentamente peloesgotamento”5.

Além de ser um sistema que cria e mantém a desi-gualdade social, o capitalismo baseia-se na dominação econseqüente exploração. A dominação existe quandouma pessoa ou um grupo de pessoas utiliza-se “da forçasocial de outrem (do dominado), e, conseqüentemente,de seu tempo, para realizar seus objetivos (do domina-dor) – que não são os objetivos do agente subjugado”6.O sistema capitalista caracteriza-se pela utilização daforça de trabalho do trabalhador para o enriquecimentodos capitalistas, por isso é uma sistema dominador eexplorador, visto que “significa o poder e o direito deviver à custa da exploração do trabalho alheio, o direitode explorar o trabalho daqueles que não possuem pro-priedade ou capital e que, portanto, são forçados a ven-der sua força produtiva aos afortunados detentores deambos”7.

Esta relação entre capital e trabalho, ao se dar nomercado, não é similar para ambos os lados, visto que oscapitalistas vão ao mercado para a obtenção de lucro, aopasso que os trabalhadores o fazem pela necessidade dotrabalho, sem o qual correriam o risco de passar necessi-dades e não terem as mínimas condições de vida. É um

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“encontro entre uma iniciativa para o lucro e outra paraa fome, entre o senhor e o escravo”8.

Além disso, o desemprego faz com que, no momentoem que os capitalistas vão ao mercado, encontrem tra-balhadores em abundância, pois há mais oferta de traba-lhadores do que procura:

[...] os bairros pobres da cidade e as aldeias cir-cunvizinhas estão cheias de desgraçados, cujosfilhos choram diante do prato vazio. Por isso,ainda a fábrica não está concluída e já os traba-lhadores correm a pedir trabalho. São precisoscem e apresentam-se mil.9

Assim, aos capitalistas cabe impor as condições detrabalho. Aos trabalhadores cabe aceitá-las, visto que“são levados, por medo de se verem substituídos poroutros, a venderem-no pelo menor preço. [...] Uma vezque se encontra em estado de pobreza, o trabalhador éforçado a vender seu trabalho por quase nada e, porvender este produto por quase nada, ele afunda em umamiséria cada vez maior.”10

Sendo o capitalismo um sistema complexo, ele arti-cula diversas formas de produção e classes sociais. Oscamponeses, mesmo sendo parte de um processo produ-tivo que é pré-capitalista, estão sujeitos às exigências daconcorrência do mercado capitalista o que significa anecessidade de elementos fundamentais para a sua pro-dução que são vendidos no mercado capitalista. Na con-corrência, por dificuldades de produtividade e tecnolo-gia, têm desvantagem em relação às grandes empresas

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agroindustriais. Há também os camponeses que vendemsua força de trabalho, que podemos considerar traba-lhadores rurais, de um sistema capitalista tradicional. Oscamponeses também são, como tratamos, parte do con-junto das classes exploradas.

Fala-se ainda, que o sistema capitalista não seriadividido em duas grandes classes – a dos capitalistas edos trabalhadores –, mas, sim, três, sendo uma terceiraclasse, chamada de “classe dos gestores”, responsávelpelo controle de aspectos decisivos do capitalismo epersonalizando outro importante aspecto do capitalismo,que é o da divisão hierárquica do trabalho. Ao longo dahistória do capitalismo, esta classe vem fazendo, cada vezmais, parte da classe dos capitalistas, principalmentepelos interesses defendidos no processo de luta de clas-ses. Hoje, a figura do burguês tradicional, proprietário,é cada vez menos comum, sendo o controle das empresasrealizado pelos gestores e os proprietários sendo cada vezmais grupos multinacionais ou mesmos acionistas queninguém sabe quem são. Atualmente, na sua grandemaioria, a classe dos gestores faz parte do conjunto decapitalistas, ou o que poderíamos chamar de classe do-minante.

Há ainda outros atores no mercado capitalista,como os trabalhadores dos ramos do comércio e do ser-viço que dão vazão das mercadorias das empresas capi-talistas ou realizam trabalhos para elas. Ambos os ramosobedecem à lógica do capitalismo, em menor ou maiorescala, e também atuam dentro da concorrência do mer-cado, muitas vezes utilizando o trabalho assalariado,sustentando proprietários que gozam dos frutos desta

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injusta relação entre capital e trabalho e que possuemobjetivo de gerar lucro.

Como um sistema que reproduz a injustiça, o capi-talismo separa o trabalho manual e intelectual. Estaseparação é fruto da herança e também da educação,visto que há educação diferente para ricos e pobres.Sendo assim,

[...] enquanto houver dois ou vários graus deinstrução para as diferentes camadas da socie-dade, haverá necessariamente classes, quer dizer,privilégios econômicos e políticos para um pe-queno número de afortunados, e a escravidão ea miséria para a maioria.11

Durante sua história, o capitalismo evoluiu, en-volveu-se nas estruturas políticas dos países europeus dofinal do século XIX, gerando o Imperialismo e chegandoa sua atual etapa de expansão, que pode ser chamadade globalização econômica. Conforme análise do subco-mandante Marcos, do Exército Zapatista: “Já não é umpoder imperialista no sentido clássico do termo, daqueleque domina o resto do mundo, mas um novo poder extra-nacional.”12 Em termos gerais, a globalização econômicacaracteriza-se por uma integração, em escala mundial,dos processos de produção, distribuição e troca. A pro-dução é realizada em diversos países do mundo, as mer-cadorias são importadas e exportadas em enormes quan-tidades e a longas distâncias.

Estimulada desde os anos 1970 e 1980, a “globali-zação” generalizou-se no mundo, “baseando-se, do pon-

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to de vista ideológico, filosófico e teórico, na doutrinado neoliberalismo”13, que prega o livre mercado e o Es-tado mínimo. A idéia básica é que o capital procure aslocalidades com melhores condições para se reproduzir.Como necessariamente a produção necessita de mão-de-obra de trabalhadores, há uma migração das esferasprodutivas das empresas capitalistas para países cujo“custo de produção” é mais baixo, ou seja: países comfraca legislação trabalhista/ambiental, fraca organizaçãosindical, alto nível de desemprego etc. Em suma, em-presas buscam países/regiões em que a exploração possase dar sem intromissão do Estado, permitindo que pa-guem o quanto quiserem, que não sejam obrigados a darbenefícios aos trabalhadores, que os dispensem quandobem entenderem e que sempre haja muitos outros que-rendo as vagas, permitindo que os custos de produçãosejam cada vez menores; o trabalho precário é buscado eestimulado. Este sistema, se por um lado deixa desem-pregados nas áreas que possuem melhores condições, poroutro permite chantagens que fazem com que a preca-riedade seja aceita e ameaçam a organização dos traba-lhadores que são cada vez mais controlados e expulsospara a periferia, conforme descreve Chomsky:

Os conceitos de “eficiência” e “economia sau-dável”, prediletos dos ricos e privilegiados, nãotêm nada a oferecer aos crescentes setores dapopulação que não dão lucro e que são empur-rados para a pobreza e o desespero. Se não pu-derem ser confinados nas favelas, terão de sercontrolados de um outro modo qualquer.14

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O neoliberalismo – que estimula o livre fluxo docapital, mas não a livre circulação de pessoas e nem aequiparação das condições de trabalho – coloca em xe-que toda a condição de “bem-estar” que foi imposta aosEstados durante largas mobilizações que marcaram omundo nos séculos XIX e XX. O capitalismo vem bus-cando novos espaços, expandindo-se tanto interna,quanto externamente, criando novas empresas capita-listas com as privatizações e estimulando falsas necessi-dades, por meios como a publicidade, que não corres-pondem às verdadeiras demandas da sociedade. “As dou-trinas neoliberais, independentemente do que se pensedelas, debilitam a educação e a saúde, aumentam adesigualdade social e reduzem a parcela do trabalho nadistribuição de renda.”15

O capitalismo contemporâneo é também responsá-vel pela grande crise ecológica que hoje assola o mundo.Motivadas pela lógica do lucro, as empresas privadas sãoresponsáveis por transferir toda a hierarquia das classespara a relação entre as pessoas e o meio ambiente. Polui-ção, desmatamento, aquecimento global, destruição deespécies raras e desequilíbrio nas cadeias alimentares sãoapenas algumas das conseqüências desta relação.

As hierarquias, classes, sistemas de proprie-dade e instituições políticas que emergiram como domínio social foram transferidas conceitual-mente para a relação entre humanidade e natu-reza. Esta, também foi cada vez mais olhada comomero recurso, um objeto, uma matéria bruta a serexplorada tão implacavelmente como escravosnum latifúndio.16

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O Brasil, estando bastante integrado nesta lógicaglobalizada por razão das políticas adotadas por seus últi-mos governos, compartilha das conseqüências mundiaisdesta nova fase do capitalismo.

* * *

Consideramos o Estado o conjunto de poderes po-líticos de uma nação, que toma forma por meio de “ins-tituições políticas, legislativas, judiciárias, militares,financeiras etc.”17; e, assim sendo, o Estado é mais amploque o governo. O Estado, desde seu surgimento na An-tiguidade, passando pelo Egito dos faraós e pelo Estadoescravocrata-militar de Roma, sempre foi um instru-mento de perpetuação da desigualdade e um elementoliberticida, qualquer que fosse o modo de produção exis-tente. Esta instituição dominadora conheceu, no decor-rer da história, períodos de maior e menor força, sendonecessária atenção com suas especificidades de tempo elocal. O Estado como o observamos hoje (o Estado Mo-derno) possui suas origens a partir do século XVI.

Ainda na Idade Média, com o objetivo de destruira civilização das cidades, os bárbaros modernos acaba-ram por tornar escravos aqueles que outrora se organiza-vam com base na livre iniciativa e no livre entendi-mento. Nivelou-se toda a sociedade com base na sub-missão ao dono, declarando que a Igreja e o Estado se-riam os únicos laços entre os indivíduos, que somenteessas instituições teriam o direito de defender interessescomerciais, industriais, artísticos etc. O Estado consti-

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tuiu-se por meio do domínio, para falar em nome dasociedade, visto que julgava ser a própria sociedade.

O Estado veio caracterizando-se por um “jogo du-plo”, de prometer aos ricos proteger-lhes dos pobres, e deprometer aos pobres proteger-lhes dos ricos. Aos poucos,as cidades, que estavam morrendo pouco a pouco, víti-mas da autoridade, foram cedendo ao Estado que tam-bém desenvolveu seu papel de conquistador, passando aestabelecer guerras contra outros Estados, com objetivode expandir-se e conquistar novos territórios. O efeitodo Estado foi desastroso sobre as cidades e regiões rurais.O papel do Estado nas áreas urbanas, no período dosséculos XVI e XVII foi

aniquilar a independência das cidades, roubaras guildas18 ricas dos comerciantes e dos artistas,centralizar nas suas mãos o comércio externo dassociedades e arruiná-lo, apoderar-se de toda aadministração interna das guildas e submeter ocomércio interior, assim como a fabricação detodas as coisas, até nos seus mínimos detalhes, auma nuvem de funcionários, matando, por estaforma, a indústria e as artes; assenhorar-se dasmilícias locais e de toda a administração muni-cipal; esmagar, por meio de impostos, os fracosem benefício dos fortes, e arruinar os países comguerras.19

Depois da Revolução Industrial, surgiu a chamada“questão social”, que obrigou os Estados a desenvol-verem os planos assistenciais para minimizar os impactosdo capital sobre o trabalho. Aos fins do século XIX, sur-

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giu, como alternativa ao liberalismo, uma concepção deEstado mais interventor que, se por um lado buscava acriação de políticas de “bem-estar social”, por outroimplementava métodos de contenção do avanço das ini-ciativas socialistas, já bastante fortes naquele momento.

O Estado possui hoje dois objetivos fundamentais:o primeiro deles, garantir as condições de produção ereprodução do capitalismo, e o segundo, assegurar sualegitimidade e controle. Por este motivo, o Estado hoje éum forte pilar de sustentação do capitalismo.

O Estado extrapola o âmbito político e funcionacomo agente econômico do capitalismo, atuando paraevitar ou mesmo minimizar o papel de suas crises ou dasquedas em suas taxas de lucro. Isso pode acontecer devárias maneiras: concedendo empréstimos a setores cen-trais da economia, incentivando o desenvolvimento desetores da economia, perdoando dívidas, reformulandoo sistema de importação/exportação, subsidiando produ-tos, gerando receitas com a venda de produtos oriundosdas empresas estatais etc. Os planos assistenciais tam-bém têm um papel relevante, pois aumentam o poder deconsumo de setores da população, movimentando eaquecendo a economia capitalista. Também, o Estadocria leis que visam garantir a acumulação de longo prazodos capitalistas e fazer com que a sede por lucro doscapitalistas não coloque em risco o próprio sistema.

Com o decorrer do processo histórico, notou-se quenão há como um sistema se sustentar apenas baseado emrepressão. O Estado, que assim se sustentou por uns tan-tos anos, aos poucos foi se modificando, visando garantira legitimidade do capitalismo. Um Estado que defen-

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desse claramente a posição dos capitalistas poderia acir-rar a luta de classes e, portanto, nada melhor, do pontode vista capitalista, do que lhe dar um aspecto de neu-tralidade, fazendo com que parecesse um organismoindependente, ou mesmo autônomo, em relação à classedominante ou ao próprio capitalismo. Sempre com oobjetivo de esfriar a luta de classes, o Estado desenvolveumedidas em favor das classes exploradas, pois, com me-lhores condições de vida, a chance de radicalizaçõesseriam menores. Por outro lado, movimentos de traba-lhadores organizados foram capazes de impor ao Estadomedidas que lhes traziam benefícios, mesmo que emdetrimento dos capitalistas.

Assim como a democracia representativa, as me-didas que melhoraram as condições dos trabalhadoresfuncionam, para o Estado, sempre como uma ferramentaideológica de passar esta idéia de neutralidade, inde-pendência e autonomia. No entanto, devem servir delição ao mostrar que como o Estado tem a obrigação degarantir esta legitimidade, muitas vezes há espaço paraos trabalhadores organizados imporem medidas em seufavor, sendo necessário, portanto

[...] arrancar do governo e dos capitalistas todasas melhorias de ordem política e econômica quepodem tornar menos difíceis para nós as condi-ções da luta e aumentar o número daqueles quelutam conscientemente. É preciso, portanto,arrancá-las por meios que não impliquem o reco-nhecimento da ordem atual e que preparem ocaminho ao futuro.20

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Apesar disso, deve-se ter em mente que o Estado,como forte pilar do capitalismo, busca sustentá-lo e se ocapitalismo é um sistema de exploração e dominação, oEstado não poderia fazer outra coisa, senão sustentar arelação de classes que existe em seu seio. Desta forma, oEstado defende os capitalistas em detrimento do tra-balhador, que só possuindo “como riqueza seus braços,nada tem a esperar do Estado; encontra nele apenasuma organização feita para impedir a qualquer preço suaemancipação”21.

Qualquer tentativa de mudança no sistema levadaa cabo pelas classes exploradas é reprimida duramentepelo Estado. Quando a ideologia não funciona, vem arepressão e o controle. Como possui o monopólio do usoda violência na sociedade, sempre a coloca para fazercumprir as leis, e como as leis foram feitas para que osprivilégios da sociedade capitalista sejam mantidos, en-tão a repressão e controle do Estado vêm sempre com afinalidade de sustentar a “ordem”, ou seja, de manter osprivilégios do capitalismo e a classe dominante no do-mínio. Ao menor sinal das classes exploradas, que signi-fique uma ameaça, o Estado reprime brutalmente, sem-pre visando à continuidade do sistema, que possui aviolência como um de seus pilares centrais.

Ao contrário do que acreditaram (e ainda acre-ditam) os socialistas autoritários, o Estado não é umorganismo neutro, que pode funcionar a serviço doscapitalistas ou dos trabalhadores. Se os anarquistas tantoescreveram sobre o Estado é justamente porque a críticaao capitalismo era consenso entre libertários e autoritá-rios – a divergência era em torno do Estado. Os autori-

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tários sustentavam a tomada do Estado e a ditadura doproletariado como uma fase intermediária – que se cha-mou falsamente socialismo –, entre capitalismo e co-munismo. Este “socialismo” é uma forma de governo damaioria pela minoria, “tendo por efeito consolidar, diretae infalivelmente, os privilégios políticos e econômicos daminoria governante e a escravidão econômica e políticadas massas populares”22. Nós sustentamos que

[...] nenhum Estado, por mais democráticas quesejam as suas formas, mesmo a república políticamais vermelha, popular apenas no sentido destamentira conhecida sob o nome de representaçãodo povo, está em condições de dar a este o queele precisa, isto é, a livre organização de seus pró-prios interesses, de baixo para cima, sem nenhu-ma ingerência, tutela ou coerção de cima, porquetodo Estado, mesmo o mais republicano e maisdemocrático, mesmo pseudopopular [...] não éoutra coisa, em sua essência, senão o governodas massas de cima para baixo, com uma minoriaintelectual, e por isto mesmo privilegiada, di-zendo compreender melhor os verdadeiros inte-resses do povo, mais do que o próprio povo.23

A posição dos libertários, que reivindicamos hoje,é que para a construção do socialismo, o Estado deve serdestruído, juntamente com o capitalismo, por meio darevolução social. Isso, pois “quem diz Estado, diz neces-sariamente dominação e, em conseqüência, escravidão;um Estado sem escravidão, declarada ou disfarçada, éinconcebível; eis por que somos inimigos do Estado”24. O

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Estado julga compreender as necessidades do povo me-lhor do que o próprio povo e sustenta uma forma hierár-quica de gestão da sociedade, constituindo-se o meiopelo qual a classe nele presente exerce domínio sobre asoutras, daqueles que não fazem parte do Estado. Qual-quer Estado cria relação de dominação, exploração,violência, guerras, massacres e torturas, sob o pretextode proteger o “cidadão”, assim como subjuga

as províncias e cidades que compõem o Estadoque, como grupos naturais, deveriam gozar deplena e integral autonomia. [Estas,] serão, aocontrário, governadas e administradas não por simesmas, como convém às cidades e às provínciasassociadas, mas por autoridade central e comopopulações conquistadas.25

Assim como a concepção ditatorial de socialismo, ademocracia representativa sustenta que há possibilidadede mudança por meio do Estado. Ao delegarmos nossodireito de fazer política26 a uma classe de políticos queentra no Estado para nos representar, estamos conce-dendo um mandato sem qualquer controle a alguém quetoma as decisões por nós: há uma divisão inevitável entrea classe que faz a política e as classes que a segue. Emum primeiro momento, já podemos afirmar que a demo-cracia representativa aliena politicamente, visto quesepara o povo daqueles que fazem a política no lugar dopovo: vereadores, deputados, senadores, prefeitos, gover-nadores etc. Quanto mais os políticos se responsabilizampela política, menos o povo faz política e mais fica alie-nado e longe das tomadas de decisão. Isso, obviamente,

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condena o povo a uma posição de espectador e não de“senhor de si mesmo”, que é diretamente responsávelpela solução de suas questões, sendo, portanto, “a eman-cipação do proletariado [...] impossível em qualquerEstado que seja, e que a primeira condição desta eman-cipação é a destruição de todo Estado”27.

Os “políticos” representam a hierarquia e a separa-ção entre dirigentes e dirigidos, dentro e fora de seuspróprios partidos. Eleitos, os partidos políticos devemconseguir ter relevância numérica nas votações, e paratanto precisam eleger um número significativo de candi-datos. Os políticos são então tratados como uma merca-doria a ser vendida no “mercado eleitor”; para crescer,os partidos fazem qualquer coisa – desviam dinheiro,abandonam programas, fazem alianças com qualquer umetc. Os “políticos” não fazem política baseados nas vonta-des populares, mas tomam as decisões que favorecem opartido e seus próprios interesses, passando a gostar cadavez mais do poder. No fim das contas, os políticos e parti-dos querem conservar seus cargos e poderes, o que setorna um fim em si mesmo. A discussão das questõesimportantes da sociedade, que já é limitada – visto queo parlamento e o próprio Estado são pilares do capitalis-mo e, por isso, não permitem que suas raízes sejam modi-ficadas – nem mesmo é tocada, nunca é prioridade,sendo a democracia representativa conservadora, limi-tando inclusive os pequenos progressos que podem ocor-rer. Por este motivo, não devemos delegar a política a

pessoas sem nenhuma convicção, que viram acasaca entre liberais e conservadores, que se

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deixam influenciar por promessas, cargos, baju-lações ou pânico –, este pequeno grupo de nuli-dades, que, dando ou recusando seus votos, de-cide todas as questões do país. São eles quefazem as leis ou as engavetam. São eles que sus-tentam ou derrubam os ministérios e que mu-dam a direção política.28

Esta crítica do Estado não está ligada a uma ououtra forma de Estado, mas sim a todas as suas formas.Portanto, qualquer projeto de transformação social queaponte para a revolução social e o socialismo libertáriodeve ter como objetivo, o fim do capitalismo e tambémdo Estado. Ainda que sustentemos que o Estado é umdos mais fortes pilares do capitalismo, não acreditamosque com o fim do capitalismo, necessariamente, o Estadodeixaria de existir.

Hoje, sabemos que não devemos nos confundir nemcom o contexto do século XIX, que apontava para umadivergência sobre a questão do Estado entre os socia-listas – e por isso a grande ênfase nos escritos sobre otema –, ou com o contexto da Europa daquela época.Sabemos que as condições do Brasil são específicas e, sepodemos aplicar estas críticas ao Estado hoje, temos desaber que nossa realidade é particular e que os rumos daeconomia mundial tem tido profunda influência sobre aforma de Estado com a qual convivemos.

Enfim, uma coisa é certa: o capitalismo e o Estadosão, ainda hoje, os fundamentos de nossa sociedade dedominação e exploração, constituindo “para todos ospaíses do mundo civilizado, um único problema univer-

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sal”29. Portanto, ainda é nosso “ideal: a emancipaçãototal e definitiva [...] da exploração econômica e do jugodo Estado”30.

Notas:

1 Os meios de produção constituem-se dos meios de trabalhoe dos objetos de trabalho. Os meios de trabalho são os ins-trumentos de produção, como as máquinas, os equipamentos,as ferramentas, a tecnologia; as instalações, como os edifícios,armazéns, escritórios; as fontes de energia utilizadas na pro-dução, que podem ser elétricas, hidráulicas, nucleares, eóli-cas; e os meios de transporte. Os objetos de trabalho são oselementos sobre os quais ocorre o trabalho humano como asmatérias-primas minerais, vegetais e animais, a terra, dentreoutras.2 Proletário: aquele que nada possui exceto sua prole, ou seja,seus filhos.3 Piotr Kropotkin. “As Nossas Riquezas”. In: A Conquista do

Pão. Lisboa: Guimarães, 1975, p. 28.4 Pierre-Joseph Proudhon. “2eme. Memoire sur la Proprieté”. In:A Nova Sociedade. Porto: Rés Editorial, s/d, p. 35.5 Idem. O que é a Propriedade? São Paulo: Martins Fontes, 1988,p. 159.6 Fabio López López. Poder e Domínio: uma visão anarquista. Riode Janeiro: Achiamé, 2001, p. 83.7 Mikhail Bakunin. O Sistema Capitalista. São Paulo: Faísca,2007, p. 4.

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8 Ibidem. p. 14.9 Piotr Kropotkin. “A Expropriação”. In: A Conquista do Pão,p. 62.10 Mikhail Bakunin. O Sistema Capitalista, pp. 6-7.11 Idem. A Instrução Integral. São Paulo: Imaginário, 2003, p.69.12 Subcomandante Marcos. “Entrevista a Ignácio Ramonet”.In: Marcos: la dignidad rebelde. Chile: Aún Creemos en losSueños SA, 2001, p. 26.13 Ibidem. p. 27.14 Noam Chomsky. O Lucro ou as Pessoas. Rio de Janeiro:Bertrand Brasil, 2002, p. 136.15 Ibidem. p. 36.16 Murray Bookchin. “Um Manifesto Ecológico: o poder dedestruir, o poder de criar”. In: Letra Livre 31. Rio de Janeiro:Achiamé, 2001, p. 8.17 Errico Malatesta. A Anarquia. São Paulo: Imaginário, 2001,p. 15.18 Associações corporativas de artesãos, mercadores, artistasque existiam na Idade Média.19 Piotr Kropotkin. O Estado e seu Papel Histórico. São Paulo:Imaginário, 2000, p. 64.20 Errico Malatesta. “‘Idealismo’ e ‘Materialismo’”. In: Anar-

quistas, Socialistas e Comunistas. São Paulo: Cortez, 1989, p.141. Livro em processo de reedição pela Editora Scherzo.21 Piotr Kropotkin. “A Decomposição dos Estados”. In: Pala-

vras de um Revoltado. São Paulo: Imaginário, 2005, p. 30.22 Mikhail Bakunin. Estatismo e Anarquia. São Paulo: Imagi-nário, 2003, p. 169.

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23 Ibidem. p. 47.24 Ibidem. p. 212.25 Pierre-Joseph Proudhon. “Crítica às Constituições”. In:Proudhon. São Paulo: Ática, 1986, p. 87.26 O termo “política” aqui utilizado, e que será utilizado mui-tas outras vezes ao longo do texto, é entendido como: “deri-vado do adjetivo originado de pólis (politikós) que significatudo o que se refere a cidade, e conseqüentemente, o que éurbano, civil, público e até mesmo sociável e social”. Nor-berto Bobbio et alli. Dicionário de Política. Brasília: EditoraUNB, 1993, p. 954. Portanto, não entendemos política comoaquela realizada por meio da democracia representativa. “Fa-zer política”, neste caso, significa participar e decidir efetiva-mente sobre as questões da sociedade e, especialmente, na-quilo que nos afeta. Trabalhamos com a idéia que há políticafora da esfera eleitoral.27 Mikhail Bakunin. Estatismo e Anarquia, p. 74.28 Piotr Kropotkin. “O Governo Representativo”. In: Palavras

de um Revoltado, p. 154.29 Mikhail Bakunin. Estatismo e Anarquia, p. 73.30 Ibidem.

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OBJETIVOS FINALISTAS:

REVOLUÇÃO SOCIAL E SOCIALISMO

LIBERTÁRIO

Nós trazemos um mundo novo em nossos corações.Buenaventura Durruti

O projeto político e social do anarquismo é umasociedade livre e antiautoritária, que conserve a liberdade,

a igualdade e a solidariedade entre todos os seus membros.Nestor Makhno

Mas a revolução universal é a revolução social, é arevolução simultânea do povo dos campos e das cidades.

É isso que é preciso organizar, – porque sem umaorganização preparatória, os elementos

mais fortes são impotentes e nulos.Mikhail Bakunin

Tendo traçado um breve diagnóstico da atual so-ciedade de dominação e exploração, afirmamos doisobjetivos que entendemos por finalistas: a revoluçãosocial1 e o socialismo libertário. A revolução social tempor objetivo destruir a sociedade de exploração e do-minação. O socialismo libertário é o que dá o sentidoconstrutivo à revolução social. Juntos, a destruição –

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como conceito de negação – e a construção – como con-ceito de proposição – constituem a transformação social,possível e efetiva, proposta por nós. “Não há revoluçãosem destruição profunda e apaixonada, destruição salva-dora e fecunda, justo porque dela e, só por ela, criam-see nascem os novos mundos.”2 No entanto, só a destruiçãonão é suficiente, já que “ninguém pode querer destruirsem ter pelo menos uma remota imaginação, real oufalsa, da ordem de coisas que deveria, em sua opinião,substituir ao que existe atualmente”3.

A revolução social é um dos resultados possíveis daluta de classes e consiste na alteração violenta da ordemsocial estabelecida, sendo considerada por nós o únicomeio de se pôr fim à dominação e à exploração. Ela diferedas revoluções políticas dos jacobinos e leninistas porsustentar a alteração da “ordem”, não somente como umamudança política, por meio do Estado, trocando umaminoria dirigente por outra. Como enfatizamos anterior-mente, para nós, o Estado não é um meio de emancipa-ção das classes exploradas, nem que ele seja retirado dasmãos dos capitalistas, de maneira revolucionária, por umasuposta vanguarda que diz atuar em nome do proleta-riado. Uma revolução política como a Revolução Fran-cesa ou a Revolução Russa, que não acaba com o Estadopara produzir a igualdade em seu seio, torna-se uma revo-lução burguesa e termina “infalivelmente, numa nova ex-ploração, mais hipócrita e mais sábia, talvez, mas que nãodiminuirá a opressão do proletariado pela burguesia”4.

Diferentemente da revolução política, a revoluçãosocial é realizada pelo povo das cidades e do campo quelevam a luta de classes e sua correlação de forças com o

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capitalismo e o Estado ao limite, por meio da organizaçãopopular. A revolução social acontece quando a forçasocial desenvolvida no seio da organização popular émaior do que a do capitalismo e do Estado e, colocadaem prática, implanta estruturas que sustentam a auto-gestão e o federalismo, extinguindo a propriedade pri-vada e o Estado, trazendo à tona uma sociedade deigualdade e liberdade plenas. É a revolução social quetrará a emancipação popular, conforme diversas vezesafirmado por Bakunin:

É precisamente com este sistema antigo deorganização pela força que a revolução socialdeve acabar, devolvendo a plena liberdade àsmassas, aos grupos, às comunas, às associações,aos próprios indivíduos, e destruindo, de umavez por todas, a causa histórica de todas as vio-lências, o poderio e a própria existência do Esta-do [...]. [A revolução social é a] abolição detoda exploração e de toda opressão política, jurí-dica ou administrativa e governamental, até aabolição de todas as classes por meio do nivela-mento econômico de todas as riquezas [...].5

A revolução social é não é uma “grande noite”, emque, espontaneamente, o povo se insurge e produz umanova sociedade. É inegável que a luta de classes produzuma série de levantes ou até insurreições, aconteci-mentos espontâneos de muita relevância. No entanto, senão houver um intenso e duro trabalho prévio organiza-tivo, estes episódios passarão, algumas vezes até com ga-nhos para as classes exploradas, mas não conseguirão der-

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rubar o capitalismo e o Estado, nem dar corpo à novasociedade. A construção da organização popular desenvol-verá o espírito de luta e organização nas classes explo-radas, buscando o acúmulo de força social e incorpo-rando em seu seio os meios de luta em acordo com a socie-dade que desejamos construir. Desta maneira, não enten-demos a revolução social como simples evolução e nemcomo conseqüência obrigatória das contradições do capi-talismo, mas um episódio que marca a ruptura e é deter-minado pela vontade das classes exploradas organizadas.

Enfatizamos que neste processo revolucionário hánecessidade do uso da violência, pois não acreditamosque a expropriação dos capitalistas ou mesmo a destrui-ção do Estado possa ser feita sem que a classe dominantepromova a violência. Inclusive, o sistema em que vive-mos já é um sistema baseado na violência para sua manu-tenção, e sua exacerbação nos momentos revolucionáriossó justifica a utilização da violência por parte dos revolu-cionários, fundamentalmente como resposta à violênciasofrida no passado e no presente. “A violência só é justi-ficável quando é necessária para defender a si mesmo oudefender os outros contra a violência.”6 A classe domi-nante não aceitará as mudanças impostas a ela no mo-mento concretização da revolução social. Por isso é ne-cessário saber que, apesar de não sermos incentivadorese nem amantes da violência, ela será necessária para ogolpe que pretendemos desferir contra todo este sistemade dominação e exploração.

Sendo a revolução, pela força das coisas, umato violento, tende a desenvolver o espírito de

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violência ao invés de destruí-lo. Mas a revolu-ção, conduzida como a concebem os anarquistas,é a menos violenta possível; ela procura inter-romper toda violência tão logo cesse a necessi-dade de opor a força material à força material dogoverno e da burguesia. [...] O ideal dos anar-quistas é uma sociedade na qual o fator violên-cia terá desaparecido completamente e este idealserve para frear, corrigir e destruir este espíritode violência que a revolução, como ato mate-rial, teria a tendência a desenvolver.7

A ação violenta da revolução social, no mesmo mo-mento da expropriação dos capitalistas, deve destruirimediatamente o Estado, dando lugar às estruturas auto-geridas e federadas, experimentadas e vigentes dentroda organização popular. Portanto, a concepção autori-tária de “socialismo” como período intermediário, emque se estabelece uma ditadura dentro do Estado, nãoé, para nós, senão outro meio de continuar a exploraçãodo povo e deve ser rechaçada absolutamente, sob qual-quer circunstância.

Como a revolução social não deverá ser feita so-mente pelos anarquistas, é importante que estejamoscompletamente inseridos nos processos de luta de clas-ses, para poder dar à revolução o rumo do socialismolibertário. Isto porque as experiências das revoluções doséculo XX nos mostram que, caso isso não ocorra, osautoritários dizimarão as experiências emancipadoras,para ocuparem o Estado, acabando com a possibilidadede autogestão e federalismo, constituindo regimes maistirânicos do que os anteriores. Por este motivo, a revolu-

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ção é um risco, pois, se os anarquistas não estiveremsuficientemente inseridos para poder dar-lhe o rumo de-sejado, trabalharão para que outro regime de dominaçãoe exploração seja implantado. Uma cultura autogestio-nária e federalista já deve estar bem desenvolvida naslutas de classe para que o povo, no momento revolu-cionário, não se deixe oprimir por oportunistas autoritá-rios e isso se dará por meio de práticas classistas de auto-nomia, combatividade, ação direta e democracia direta.Quanto mais estes valores estiverem na organizaçãopopular, menor será a possibilidade de se constituíremnovas tiranias.

Por mais que rechacemos complemente a concep-ção de “socialismo” marxista, de ditadura no Estado, éinegável que haja um momento pós-revolucionário deadaptação, rumo ao socialismo libertário. Este momentopode ser ainda de muitos conflitos, e por isso deverácontar com as organizações específicas anarquistas quesó se fundirão às organizações sociais em um períodoposterior, de desenvolvimento pleno do socialismo liber-tário, quando a ameaça de contra-revolução tiver passa-do e o socialismo libertário estiver em funcionamentopleno.

Quando tratamos da nossa concepção de revoluçãosocial ou mesmo quando pensamos em uma possívelsociedade futura, queremos deixar claro que não esta-mos buscando determinar de antemão, de maneira abso-luta, como se dará o processo revolucionário ou mesmo osocialismo libertário. Sabemos que não há condições dese prever quando esta transformação acontecerá, e porisso, quaisquer reflexões devem considerar este caráter

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estratégico de projeção das possibilidades futuras,sempre a partir de possibilidades, de referências, e nãode certezas absolutas. As características do processorevolucionário dependerão de onde e quando ele se der.

Portanto, as reflexões aqui explicitadas sobre a re-volução social, e principalmente sobre o socialismo liber-tário não devem ser entendidas como fórmulas ou previ-sões do que necessariamente ocorrerá. Trabalhamos compossibilidades que contemplam nossas expectativas teó-ricas. No entanto, se não queremos ser muito afirmativospor um lado, por outro pensamos ser importante as dis-cussões sobre a sociedade futura e o possível funciona-mento do socialismo libertário. Neste ponto, acreditamosque as experiências revolucionárias práticas possuemmuito a nos ensinar.

Defender o socialismo libertário como proposta desociedade futura implica, para nós, em relacionar doisconceitos indissociáveis quando se trata de um projetopolítico. De um lado o socialismo, sistema baseado naigualdade econômica, política e social, e de outro aliberdade. Para nós, “o socialismo sem liberdade é aescravidão e a brutalidade”8, um sistema que se dege-nera em regimes autoritários, que bem conhecemos aolongo do século XX. Ao mesmo tempo, “a liberdade semo socialismo é o privilégio, a injustiça”9, uma forma decontinuar a dominação e a exploração em uma socie-dade de classes e de hierarquias autoritárias. Portanto,um projeto de sociedade futura que privilegie a igual-dade e a liberdade só pode ser, para nós, o socialismolibertário, que toma forma nas práticas de autogestão efederalismo.

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Apesar de serem termos surgidos em épocas dife-rentes10, autogestão e federalismo hoje estão necessa-riamente ligados e devem ser entendidos como conceitoscomplementares. A autogestão é uma forma de gestão,um modelo de organização, em que as decisões são toma-das pelos próprios trabalhadores, na medida em que sãoafetados por elas, seja a partir de seus locais de trabalhoou das comunidades onde vivem. O federalismo é ummétodo de articular estruturas autogestionárias, possibi-litando as tomadas de decisão em larga escala. Interpre-tações contemporâneas da autogestão e do federalismoseparam a primeira como sistema econômico e o segundocomo sistema político do socialismo libertário. Nós nãoentendemos desta maneira a separação entre o econô-mico e o político, quando se trata de autogestão e fede-ralismo.

A sociedade autogestionária e federalista do socia-lismo libertário tem como um de seus objetivos a desalie-nação e o fim das relações de dominação e exploraçãodo trabalho. A crítica realizada hoje ao trabalho, inclu-sive por libertários, é para nós uma crítica ao trabalhodentro do capitalismo e não uma crítica ao trabalhoenquanto tal. No socialismo libertário, o trabalho livredeve ser um dos meios da libertação dos trabalhadoresque, com a autogestão, trarão de volta a si mesmos ariqueza que lhes é usurpada pela propriedade privadacapitalista. Desta forma, a socialização do trabalho, dosprodutos do trabalho, dos meios de produção, das formas,ritmos e tempos de trabalho, contribuirão para a criaçãode um modelo de trabalho como “ação inteligente doshomens em sociedade com o fim preconcebido de satis-

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fação pessoal”11. Na nova sociedade todos que possuemcondições deverão trabalhar, não havendo mais desem-prego, e o trabalho poderá ser executado de acordo coma habilidade e a disposição pessoal. As pessoas não serãomais obrigadas a aceitar qualquer coisa pela ameaça depassar necessidades e não terem as mínimas condiçõesde vida. Às crianças, aos velhos e àqueles impossibili-tados de trabalhar estará assegurada uma vida digna,sem privações com todas suas necessidades supridas.Para as tarefas mais enfadonhas ou entendidas comodesagradáveis, em alguns casos, se poderá realizar rodí-zios ou alternâncias. Mesmo no caso da realização daprodução, onde for preciso alguma coordenação de es-pecialistas, será necessário também o rodízio na funçãoe o empenho na formação de outros trabalhadores comidêntica capacitação para as tarefas mais complexas.

No socialismo libertário, não será mais possível terpoder ou maior remuneração por motivo de ser proprie-tário de um ou mais meios de produção. Isto porque apropriedade privada deverá ter sido abolida, dando lugarà propriedade coletiva dos meios de produção, que podeser pensada de duas maneiras: 1.) ninguém efetivamenteserá proprietário e os meios de produção pertencerão àcoletividade como um todo, ou 2.) todos os membros dacoletividade serão donos de uma porção dos meios deprodução, exatamente nas mesmas proporções que osoutros. “Sendo os meios de produção obra coletiva dahumanidade, têm que voltar à coletividade humana deonde saíram.”12 Em um sistema de propriedade coletiva,os direitos, as responsabilidades, os salários e a riquezanão têm mais relação com a propriedade privada, e a

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antiga relação de classes, baseada na propriedade pri-vada também deve desaparecer. O socialismo libertárioé, portanto, uma sociedade sem classes. A classe domi-nante não existirá mais e todo o sistema de desigual-dade, dominação e exploração terá desaparecido.

Nas cidades, há diferentes tipos de trabalhadores.Primeiramente, há aqueles que desenvolvem atividadescom ferramentas simples, com quase sem nenhuma divi-são do trabalho, em que a produção pode ser realizada,muitas vezes, por um trabalhador somente. Para este tipode trabalhador, o trabalho coletivo não é uma necessi-dade, mas é desejável, visto que poupa tempo e força detrabalho, além de fazer com que um trabalhador se apri-more com as habilidades dos outros. Depois, há outrostrabalhadores, que realizam suas atividades coletiva-mente com máquinas e ferramentas relativamente sim-ples, em pequenas empresas ou fábricas. Finalmente,uma terceira categoria de trabalhadores de grandes em-presas e indústrias, em que a divisão do trabalho é enor-me, estruturas em que se produz em larga escala, comtecnologia de ponta e grandes investimentos materiais.Para estas últimas duas categorias, o trabalho coletivo éabsolutamente necessário pela própria natureza do tra-balho, já que toda a tecnologia, maquinário e ferra-mental devem ser coletivos. Desta forma,

toda oficina, toda fábrica, irá, conseqüente-mente, organizar-se em uma associação de tra-balhadores, que será livre para organizar-se daforma que achar melhor, contanto que os direitosindividuais estejam garantidos e os princípios da

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igualdade e da justiça sejam colocados em prá-tica. [...] Em qualquer lugar que uma indústriaprecise de equipamento complexo e trabalhocoletivo, a propriedade coletiva também deve sercoletiva.13

Nos campos, pode haver duas situações: a dos cam-poneses que trabalhavam em grandes propriedades, quedeverão ser coletivizadas, da mesma forma que nas gran-des empresas e indústrias; e os camponeses que preferi-rão ter seu próprio pedaço de terra e cultivá-la eles mes-mos. Nesta economia mista,

[...] o principal propósito da revolução foi atin-gido: a terra tornou-se propriedade daqueles quenela trabalham e os camponeses não trabalhammais para o lucro de um explorador que vive deseu sofrimento. Com esta grande vitória obtida,o resto é de importância secundária. Os campo-neses podem, se desejarem, dividir a terra emparcelas individuais e dar uma porção para cadafamília. Ou ainda, eles podem, ao invés disso,instituir a propriedade comum e o cultivo coope-rativo da terra.14

É importante mencionar que não consideramos apropriedade estatal como coletiva. Para nós, a proprie-dade coletiva é autogerida pelo povo, e não gerida peloEstado, que quando centraliza a propriedade – no casoda URSS, por exemplo – não faz mais do que se tornarum Estado-patrão, que continua a explorar os trabalha-dores. Mas no caso da permanência da propriedade indi-

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vidual do camponês, portanto aquele que trabalha aprópria terra, seria mais adequado entender essa situa-ção não como propriedade, mas como posse. Assim, apropriedade seria sempre coletiva e a posse individual.Posse, pois o valor da terra seria de uso e não de troca. Ea relação com a mesma se daria na medida da neces-sidade do produtor e não mais do mercado. Tal situaçãoaltera tudo, sendo necessário assim elaborar uma novacategoria.

Ainda há uma questão fundamental que deve com-plementar o fim da propriedade privada rumo à igual-dade que é o fim da herança, com o objetivo de impedirqualquer tipo de acumulação que tenha conseqüênciassobre o ponto de partida no início da vida. Assim, averdadeira igualdade será um objetivo, já que

enquanto a herança existir, haverá desigual-dade econômica hereditária, não a desigual-dade natural dos indivíduos, mas a artificial dasclasses, e que esta se traduzirá necessariamentesempre pela desigualdade hereditária do desen-volvimento e da cultura das inteligências e con-tinuará a ser a fonte da consagração de todas asdesigualdades políticas e sociais.15

A economia do socialismo libertário é conduzidapor trabalhadores e consumidores. Os trabalhadores criamo produto social e os consumidores aproveitam-no. Nes-tas duas funções, mediadas pela distribuição, o povo éresponsável pela vida econômica e política, devendodecidir o que produzir, e os consumidores o que consu-mir. As estruturas locais do socialismo libertário em que

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trabalhadores e consumidores se organizam são os conse-lhos de trabalhadores e os conselhos de consumidores.

Conselhos são corpos sociais, veículos por meio dosquais o povo manifesta suas preferências econômicas epolíticas e exerce a autogestão e o federalismo. Neles sãodeterminadas e executadas as atividades econômicas epolíticas cotidianas.

Cada local de trabalho poderá ser gerido por umconselho de trabalhadores, em que todos os trabalha-dores têm os mesmos direitos, as mesmas responsabili-dades e decidem sua gestão em igualdade, já que nãohá hierarquia. Em caso de necessidade, podem ser for-mados conselhos menores, por equipes, unidades, pe-quenas divisões ou mesmo conselhos maiores para gran-des divisões, locais de trabalho ou indústrias. Nestesconselhos, os trabalhadores e demais envolvidos no pro-cesso de produção tomam todas as decisões.

Os consumidores podem se organizar nos conselhosde consumidores, que se dão dentro das comunidades.Assim, os indivíduos estão organizados nas famílias, estasno grupo de vizinhos, estes nos quarteirões, bairros, eassim por diante. Estes conselhos seriam responsáveis porapontar para os produtores, o que gostariam de consumir,já que entendemos que é a demanda que deve nortear aprodução, e não o contrário.

O conselho de trabalhadores organiza a produção eo conselho de conselho de consumidores organiza o con-sumo. Obviamente, esta exposição pretende didatizar arealidade e os problemas que possivelmente irão mobili-zar a futura sociedade autogestionária, mas, uma vezque, nesse novo contexto, os consumidores serão tam-

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bém os próprios trabalhadores, a tarefa dos conselhos sedará com maior facilidade, visto que o lucro não serámais o imperativo nas relações de produção.

No socialismo libertário, os conselhos de trabalha-dores podem ainda não ter extinguido a separação entreo trabalho manual e intelectual, e isso deverá ser feito oquanto antes. O argumento que defende que tanto otrabalho manual como o intelectual são importantes, eque, por isso, deveriam ser igualmente reconhecidos eremunerados, não é verdadeiro. Muitas tarefas, funda-mentalmente as que envolvem trabalho manual, sãocompletamente desagradáveis, duras e alienantes, e nãoé justo que trabalhadores estejam inteiramente envol-vidos com elas, enquanto outros se dedicam a desenvol-ver tarefas agradáveis, prazerosas, estimulantes e inte-lectuais. Se isso acontecer, certamente o sistema declasses estará recriado, não mais baseado na propriedadeprivada, mas em uma classe de intelectuais que coman-darão, e uma outra de trabalhadores manuais que exe-cutarão os comandos.

Buscando acabar com esta separação, os conselhosde trabalhadores poderão ter um conjunto balanceadode tarefas para cada trabalhador, que seria equivalentepara todos. Assim, cada trabalhador seria responsávelpor algumas tarefas agradáveis e estimulantes, que en-volvem trabalho intelectual, e outras mais duras e alie-nantes, que envolvem trabalho manual. Não se trata detodos fazerem tudo ao mesmo tempo, mas sim de todosdesenvolverem um conjunto de tarefas que, se compa-rados, tenham o mesmo nível de trabalho intelectual emanual. Na prática, este processo funcionaria, por exem-

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plo, com um trabalhador que desenvolve em uma escolaa tarefa de professor por algum tempo e também a defaxineiro. Ou alguém que trabalha em pesquisa na in-dústria, parte do tempo, e outra parte, auxiliando em umtrabalho manual da produção. Uma outra pessoa poderiatrabalhar todo o tempo em um trabalho que envolvealgumas atividades manuais e outras intelectuais.

Obviamente que o esquema está simplificado, masa idéia é que todos os trabalhadores de cada conselho te-nham o mesmo nível de trabalho manual e intelectual, apartir de uma relação do tempo que dedicam à execuçãodas tarefas e do nível destas tarefas (de trabalho manuale intelectual). É importante que os conselhos tambémtenham, entre eles, níveis equivalentes de trabalho ma-nual e intelectual, de maneira que um trabalhador deum conselho tenha um conjunto balanceado de tarefassemelhante ao de um outro. Se eventualmente, em umdeterminado conselho, só existem tarefas manuais, entãoo trabalhador deve trabalhar em mais de um conselho.

Ou seja, tanto internamente nos conselhos comoentre os conselhos, deve-se buscar um nível equivalentede trabalho manual e intelectual, no conjunto realizadopor cada trabalhador, que podem ter uma, duas ou mui-tas outras tarefas. Isso obviamente significaria uma quedana produtividade, mas veremos adiante que outros ele-mentos da sociedade futura proporcionarão condiçõespara isso.

O objetivo não é eliminar a divisão do tra-balho, mas assegurar que as pessoas devem terresponsabilidade por uma sensata seqüência de

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tarefas, na maioria do tempo, para a qualtenham sido treinadas adequadamente e queninguém desfrute de vantagens constantes, emtermos de efeitos de capacitação de seutrabalho. [...] Todos possuem um conjunto detarefas que, juntas, compõem seu emprego, deforma que todas as implicações de todo oconjunto de tarefas estejam na média, comotodas as implicações para a capacitação de todosos outros trabalhos. [...] Todo trabalhador temum emprego. Todo emprego tem muitas tarefas.As tarefas são ajustadas aos trabalhadores evice-versa.16

O objetivo na remuneração do socialismo libertárioé que ela se guie pelo princípio comunista “de cada umsegundo suas possibilidades, a cada um segundo suasnecessidades”. No entanto, entendemos que para a con-cretização deste princípio, o socialismo libertário já deveestar em pleno funcionamento, com uma produção emabundância. Até que isso seja possível, a remuneraçãopode ser feita sobre o trabalho, ou o esforço – sendo esteentendido como sacrifício pessoal para o benefício co-letivo. A remuneração pelo trabalho ou pelo esforçosignificaria que todos que possuem um conjunto balan-ceado de tarefas receberiam a mesma coisa e poderiamescolher como gastar. Uns prefeririam adquirir uma coisaou outra, outros prefeririam investir em lazer, tempolivre, trabalho menos estressante etc. Um modelo que seaproximaria mais do clássico coletivismo, defendido pe-los federalistas que atuavam na AIT do século XIX.

Para nós, portanto, seria o caso de funcionar o cole-

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tivismo, valendo a máxima “de cada um segundo suaspossibilidades, a cada um segundo seu trabalho”, e, nomomento em que fosse possível, aplicar o princípio co-munista dando “a cada um segundo suas necessidades”.Na realidade isso “se torna uma questão secundária,uma vez que o problema da propriedade foi resolvido eque não há mais capitalistas que se apropriam do tra-balho das massas”17.

O mercado estaria suprimido e em seu lugar secolocaria o sistema de planificação autogestionária, coma definição de preços sendo feita entre os conselhos detrabalhadores e consumidores, juntamente com suasfederações e instâncias que facilitariam esta interação.Este modelo de planificação diverge da forma autoritáriaque os Estados planificaram a economia nos países “so-cialistas”. Ele possibilitaria aos próprios trabalhadores econsumidores decidirem completamente sobre a distri-buição, acabando com o problema da concorrência.

Para que tudo isso funcione, acreditamos ser fun-damental o papel desempenhado pela tecnologia. Dife-rente de algumas tendências libertárias que acreditamque tecnologia tem, em si, o germe da dominação, nóspensamos que sem ela não há possibilidade de o socia-lismo libertário se desenvolver. Com o advento da tec-nologia e sendo ela empregada em favor do trabalho, enão do capital, certamente haverá um ganho de pro-dutividade e conseqüentemente uma redução significa-tiva de tempo de trabalho das pessoas, que poderãoutilizar este tempo para outras atividades. Estas tecnolo-gias podem, também, ser consideradas como “as apli-cações maravilhosas da ciência na produção, [...] que

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têm por missão emancipar o trabalhador, aliviando otrabalho humano [e constituindo] um progresso do qualse orgulha com justa razão o homem civilizado”18. Obvia-mente, entendemos que há boas e más tecnologias, eque, por isso, a sociedade necessita

não rejeitar em grande escala as tecnologiasavançadas, mas sim peneirá-las, necessita real-mente de um maior desenvolvimento da tecno-logia [em acordo] com os princípios ecológicos,o que contribuirá para uma nova harmonizaçãoda sociedade e do mundo natural.19

Esta preocupação em utilizar uma tecnologia queesteja em acordo com o meio ambiente deve ser consi-derada em todas as esferas da sociedade futura, aten-dendo as exigências de uma ecologia social.

Defender esta consciência ecológica não significaque os seres humanos estarão coagidos por um sistemade leis naturais, pois o homem é parte da natureza e,como tal, não deve estar submetido a ela. Obviamenteque também não sustentamos que a relação de domi-nação entre seres humanos e natureza deva continuar.Ao contrário, ela deve cessar o quanto antes e dar lugara uma relação igualitária entre seres humanos e natu-reza.

A consciência ecológica deve ser desenvolvidadesde o momento das lutas que precedem a ruptura re-volucionária, e na própria sociedade futura, tendo comofundamento as relações de apoio mútuo teorizadas porKropotkin. Este desenvolvimento pode ter como princi-

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pal referência a premissa de que nós, seres humanos,somos parte integrante da natureza, “que toma cons-ciência sobre si própria”, tal como colocou Reclus.

Os seres humanos se diferem dos demais elementosnaturais, e das demais espécies, por estabelecerem rela-ções sociais com tudo aquilo que os rodeia, por possuíremuma capacidade de pensar sobre si mesmos, de fazer teo-rias sobre a realidade, e com estas aptidões, conseguiremmodificar drasticamente o cenário ambiental que se en-contra ao seu entorno. Desta forma, o sistema capitalista,pela própria razão de seu funcionamento, faz com que oscapitalistas explorem recursos naturais de forma queestes não consigam se regenerar em seu ritmo natural.Na sociedade futura, isso não poderá mais acontecer. Odesenvolvimento dos seres humanos levado a cabo pelosocialismo libertário deve dar muita importância às rela-ções de apoio mútuo entre as espécies e a natureza.

É relevante ressaltarmos que nossas propostas eco-lógicas discordam radicalmente do “conservacionismo”e do “primitivismo”. Do primeiro, pois este significa amanutenção da sociedade de classes e a completa mer-cantilização da natureza. Do segundo, por considerar-mos a proposta “anticivilização” um completo absurdo,buscando um retorno romântico a um passado remotoou, pior ainda, um tipo de suicídio de toda humanidadee a negação de todas as nossas contribuições para a ma-nutenção e o bem-estar da natureza.

Acreditamos que uma sociedade que respeite com-pletamente os princípios da ecologia social só será possí-vel no momento em que o capitalismo e o Estado dêemlugar ao socialismo libertário. Portanto, com o socialismo

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libertário, esperamos harmonizar novamente sociedadee meio ambiente, considerando que “se não formos capa-zes de fundamentar uma sociedade ecológica é, alémdas desastrosas conseqüências que daí resultarão, anossa legitimidade moral que ficará em jogo”20.

Com o emprego da tecnologia em favor dos traba-lhadores e seu advento; com o fim da exploração capita-lista e os frutos do trabalho vindo completamente paraos trabalhadores; com o emprego pleno em funciona-mento; os trabalhadores terão mais tempo que poderá sergasto de três maneiras. Primeiro, com a perda natural deprodutividade que o conjunto balanceado de tarefasoferecerá, visto que “desespecializará” um pouco o tra-balho. Segundo, com as decisões políticas, que exigirãotempo para as discussões e deliberações que deverão serfeitas no trabalho e na comunidade sob autogestão.Finalmente, cada um poderá utilizar o tempo restante –e pensamos que com estas mudanças o tempo de des-canso será muito maior do que o de hoje – cada umpoderá escolher o que fazer: descanso, lazer, educação,cultura etc.

As decisões na autogestão não devem obedecer aum modelo específico. Os conselhos de trabalhadores ede consumidores podem escolher a melhor forma de apli-cação da democracia direta, sendo fundamental as dis-cussões e deliberações horizontais, a clara exposição deidéias e as discussões das questões apresentadas. Clara-mente, o consenso não deverá ser utilizado na maioriadas decisões, visto que é muito pouco eficiente – princi-palmente se pensarmos as decisões em larga escala –,além de darem grande poder a agentes isolados que po-

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dem barrar o consenso ou ter muito impacto sobre umadecisão em que são minoria. As questões podem serdecididas por voto, após o devido debate, podendo variarse quem vence é quem possui 50% + 1 dos votos, ou sequem vence é quem possui 2/3 dos votos, e assim pordiante. Devemos ter em mente que o processo de tomadade decisão é um meio e não um fim em si mesmo e,portanto, temos também de nos preocupar com a agili-dade neste processo.

No sistema de decisões, a autogestão e o federa-lismo implicam a democracia direta com participação detodos, as decisões coletivas, a delegação com mandatoimperativo, a rotatividade e a revogabilidade de funções,o acesso às informações e o poder de decisão igualitários.Tanto conselhos de trabalhadores quanto de consumi-dores teriam a autogestão como forma de gestão e to-mada de decisões, tanto nos ambientes de trabalho comonas comunidades. O federalismo articularia tanto o tra-balho quanto as comunidades, permitindo que as deci-sões fossem tomadas em larga escala. “Federação, dolatim foedus, genitivo foederis, quer dizer pacto, contrato,tratado, convenção, aliança”21, em que aqueles que es-tão organizados “obrigam-se recíproca e igualmente unsem relação aos outros para um ou mais objetos particu-lares, cuja carga incumbe especial e exclusivamente aosdelegados da federação”22.

A articulação no federalismo permitiria a tomadade decisões em larga escala, das menores instânciasautogeridas, até as mais amplas. No ambiente de traba-lho, o federalismo articularia unidades, pequenas divi-sões, grandes divisões, locais de trabalho ou mesmo in-

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dústrias inteiras. Nas comunidades, o federalismo arti-cularia famílias, vizinhos, quarteirões, bairros, cidades,regiões ou mesmo países. Esta articulação seria feitapelos delegados que se articulariam e discutiriam asposições deliberadas nos conselhos, delegados estes quepossuiriam mandatos imperativos, ou seja,representariam as posições coletivas dos conselhos e nãoas suas próprias, como ocorre na democraciarepresentativa. Alem disso, os mandatos dos delegadosnão seriam fixos e seriam revogáveis a qualquermomento. Já que “o sistema federativo é o oposto dahierarquia ou centralização administrativa egovernamental”23, entendemos que ele seria responsávelpela estrutura que substituiria o Estado e por meio daqual, junto com os conselhos autogeridos, se realizaria apolítica no socialismo libertário. Os conselhos, comoassociações voluntárias,

tomariam uma extensão ainda maior, com o obje-tivo de substituir o Estado e todas as suas fun-ções. El[e]s representariam uma rede entrelaçada,composta de uma variedade infinita de grupos efederações de todos os tamanhos e níveis, locais,regionais, nacionais e internacionais, temporá-ri[o]s, ou mais ou menos permanentes – paratodos os possíveis propósitos: produção, consumoe troca, comunicações, sistemas sanitários, educa-ção, proteção mútua, defesa da região, e assimpor diante; e, de outro lado, para a satisfação deum número de necessidades, cada vez mais cres-centes, científicas, artísticas, literárias e sociais.24

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Desta maneira, sairiam o Estado e a democraciarepresentativa e tomariam seu lugar a autogestão e ofederalismo; e a política tomaria seu correto lugar, que éno seio do povo, não havendo mais a separação entreaqueles que fazem a política e aqueles que não fazem,visto que no socialismo libertário seriam os próprios mem-bros da sociedade que realizariam cotidianamente a po-lítica.

A consciência deve acompanhar o ritmo de cresci-mento das lutas e ser estimulada por processos pedagó-gicos sempre que possível. Apesar de não acreditarmosque para se fazer a revolução social todo o povo deveráestar educado, reconhecemos que no momento da revo-lução social, quanto maior o grau de consciência dopovo, melhor. Progressivamente, a sociedade deve desen-volver sua cultura no sentido libertário e isso não deveacontecer somente no momento da revolução social eapós ela; mas já no momento da luta, da construção e dodesenvolvimento da organização popular. É inegável quea ideologia, já transformada em cultura, que o capita-lismo introduziu no imaginário popular, terá de ir se des-fazendo aos poucos e isso se dará por um longo processode educação popular. Posições como preconceitos degênero, de raça, o patriarcado, o individualismo etc.deverão ser combatidas o máximo possível, tanto nosprocessos de luta, quando no momento da revoluçãosocial ou mesmo depois. No socialismo libertário enten-demos que a autogestão e o federalismo, na prática,deverão contribuir com este processo. Além disso, deve-se investir muito em atividades de educação e culturapara toda a sociedade, estimulando “a instrução [que]

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deve ser igual em todos os graus para todos; por conse-guinte deve ser integral”25, proporcionando conheci-mento teórico e prático, para crianças e adultos de am-bos os sexos.

Desta forma, entendemos que o sistema de domina-ção e exploração do capitalismo e do Estado terá aca-bado – ninguém mais acumulará poder graças à forçasocial obtida pela alienação de outras pessoas – e o novosistema se sustentará sobre os pilares da igualdade econô-mica, política e social e da liberdade. Uma igualdadeque se dará com o estabelecimento da propriedade cole-tiva, dos conselhos autogeridos, dos conjuntos balancea-dos de tarefas, das remunerações igualitárias, das planifi-cações autogestionárias, das decisões coletivas, e da lutaconstante contra os preconceitos e discriminações. Umaliberdade tanto em relação ao sistema de dominação eexploração, quanto em relação ao que se pretende atin-gir. Uma liberdade que seja coletiva, considerando cadaum livre, na medida em que todos os outros forem livres,“a liberdade que consiste no pleno desenvolvimento detodas as potências materiais, intelectuais e morais quese encontram em estado de faculdades latentes em cadaum”26. O socialismo libertário trará um luxo ignorado portodos: “o luxo da humanidade, a felicidade do plenodesenvolvimento e liberdade de cada um na igualdadede todos”27.

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Notas:

1 Estamos trabalhando com o conceito clássico de revolução

social, desenvolvido por Bakunin, que a considera uma

transformação dos aspectos econômicos, políticos e sociais

da sociedade. Quando a distinguimos da revolução política,

buscamos, da mesma maneira, uma diferenciação clássica, que

trata a revolução política como uma transformação que se dá

somente em nível “político”, por meio do Estado.

2 Mikhail Bakunin. Estatismo e Anarquia, p. 52.

3 Idem. “Protesta de la Alianza”. In: Frank Mintz (org.). Ba-

kunin: crítica y acción. Buenos Aires: Anarres, 2006, p. 33.

4 Idem. “Cartas a un francés”. In: Frank Mintz (org.). Bakunin:

crítica y acción, p. 22.

5 Idem. “La Comuna de Paris y la Noción del Estado” e “Esta-

tismo e Anarquía”. In: Frank Mintz (org.). Bakunin: crítica y

acción, pp. 22-23. Há tradução dos dois textos ao português,

feitas por Plínio A. Coêlho. A de Estatismo e Anarquia, na

publicação já citada, e a de “A Comuna de Paris e a Noção de

Estado”, no recém-publicado: Mikhail Bakunin. O Princípio

do Estado e Outros Ensaios. São Paulo: Hedra, 2008.

6 Errico Malatesta. “A Violência e a Revolução”. In: Anar-

quistas, Socialistas e Comunistas, p. 40.

7 Idem. “Uma Vez Mais Sobre Anarquismo e Comunismo”. In:

Anarquistas Socialistas e Comunistas, p. 70.

8 Mikhail Bakunin. Federalismo, Socialismo e Antiteologismo.

São Paulo: Cortez, 1988, p. 38.

9 Ibidem.

10 O termo “federalismo” é usado pelos anarquistas desde

Proudhon, que formalizou suas teorias acerca do assunto em

Do Princípio Federativo de 1863, e outros livros. O federalismo

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marcou os socialistas libertários do século XIX, principal-

mente aqueles que atuaram na AIT. Não confundir este fede-

ralismo libertário com o federalismo estatista. O termo

“autogestão” surgiu somente um século depois, na década de

1960, para substituir outros como autogoverno, auto-admi-

nistração, autonomia etc. Hoje, os dois têm significados dife-

rentes, possuindo um sentido complementar em economia e

política.

11 Pierre-Joseph Proudhon. De la création de l’ordre dans l’hu-

manité. In: A Nova Sociedade, p. 26.

12 Piotr Kropotkin. “As Nossas Riquezas”. In: A Conquista do

Pão, p. 30.

13 James Guillaume. “Ideas on Social Organization”. In: Da-

niel Guérin. No Gods, No Masters. San Francisco: AK Press,

1998, p. 213.

14 Ibidem. p. 210.

15 Mikhail Bakunin. Federalismo, Socialismo e Antiteologismo, p.

37.

16 Michael Albert. PARECON. London: Verso, 2003, pp.

104-106. Para a discussão de complexo balanceado de tarefas,

ver, neste livro, pp. 103-111.

17 James Guillaume. Op. Cit. p. 211.

18 Mikhail Bakunin. Federalismo, Socialismo e Antiteologismo, p.

18.

19 Murray Bookchin. “Um Manifesto Ecológico: o poder de

destruir, o poder de criar”. In: Letra Livre 31, p. 8.

20 Idem. Sociobiologia ou Ecologia Social? Rio de Janeiro: Achia-

mé, s/d, p. 71.

21 Pierre-Joseph Proudhon. Do Princípio Federativo. São Paulo:

Imaginário, 2001, p. 90.

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22 Ibidem.

23 Ibidem. p. 91.

24 Piotr Kropotkin. “Anarchism”. In: The Encyclopaedia Bri-

tannica.

25 Mikhail Bakunin. A Instrução Integral, p. 78.

26 Idem. “A Comuna de Paris e a Noção de Estado”. In: O

Princípio do Estado e Outros Ensaios, pp. 114-115.

27 Idem. “Moral Revolucionária”. In: Conceito de Liberdade.

Porto: Rés Editorial, s/d, p. 203.

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DA ORGANIZAÇÃO

E DA FORÇA SOCIAL

[...] dez, vinte ou trinta homens, entendendo-se bem,

estando bem organizados, e que saibam para

onde vão e o que querem, arrastarão facilmente

cem, duzentos ou até mais.

Mikhail Bakunin

Tratamos anteriormente daquilo que entendemoscomo a organização do capitalismo e do Estado, bus-cando mapear “onde estamos”, e a organização do so-cialismo libertário, tentando especificar “onde queremoschegar”. Para completar a discussão de organização, seránecessário aprofundar um pouco sobre os movimentossociais e a organização popular e também sobre a organi-zação específica anarquista, dois níveis diferentes deatuação que buscarão responder “como pensamos sair deonde estamos e chegar onde queremos”, completando oselementos imprescindíveis para esta nossa estratégiapermanente. Como bem resumiu Malatesta “[...] a orga-nização em geral, como o princípio e condição da vidasocial, hoje, e na sociedade futura; a organização dopartido anarquista e a organização das forças popu-lares”1.

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Para nós, a transformação social que pretendemospassa, necessariamente, pela construção da organizaçãopopular, pelo aumento progressivo de sua força social, atéo momento em que seja possível derrubar o capitalismoe o Estado com a revolução social e abrir caminho aosocialismo libertário. Além disso, defendemos que aorganização popular deve possuir um desenvolvimentoparalelo da organização específica anarquista, que de-verá influenciá-la, dando a ela o caráter desejado. Maisà frente, aprofundaremos as discussões sobre cada umadelas e sobre a interação de uma com a outra. No mo-mento, o que é essencial é assumirmos que não há comopensar nesta transformação necessária sem organizaçãoe crescimento progressivo de força social.

Entendemos a sociedade de hoje como resultado deuma relação de forças, ou mesmo, um conflito perma-nente – que toma forma na luta de classes – entre ocapitalismo, o Estado e outras diversas forças políticas,sendo que os primeiros estão fortalecidos, ou seja, conse-guem ter maior força social que as segundas e, logo,estabelecer o poder. Neste sentido, o capitalismo e oEstado exercem opressão sobre as outras forças políticasque constituem resistência a eles.

Esta resistência pode se dar de diferentes maneiras,umas constituindo forças políticas, maiores ou menorese outras não constituindo forças políticas. “A resistênciapode ser passiva (quando o agente não tem qualqueração contra o poder que o reprime) ou ativa (quando opoder sofre retaliações por parte dos subjugados), isolada(tem um caráter individual) ou articulada (força cole-tiva).”2 A resistência passiva não constitui força política

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e a resistência isolada possui pouca força social. Por-tanto, para atingir nossos objetivos, defendemos a resis-tência ativa e articulada, que busca na organização opermanente aumento de força social. Para a construçãodesta resistência, é necessário se aliar com aqueles queestão de acordo com a nossa proposta de transformaçãosocial.

Se quisermos nos mexer, se quisermos fazer

alguma coisa a mais do que aquilo que o isola-

mento permite a cada um de nós, deveremos

saber com quais dos ditos camaradas podemos

estar de acordo, e com quais estamos em desa-

cordo. Isto é especialmente necessário quando

falamos de ação, de movimento, de métodos com

os quais é preciso trabalhar com muitas mãos

para conseguirmos obter alguns resultados que

caminhem em nossa direção.3

O que podemos chamar hoje de “ordem”, ou status-quo, é a organização do capitalismo e do Estado, quepode ou não encarar outras forças políticas que lhe ofe-reçam ameaça. Estar desorganizados, mal organizados ouisolados, significa não constituir uma resistência ade-quada ao capitalismo e ao Estado e, por conseqüência,não conseguir aumentar significativamente a força so-cial da organização que deve ter como objetivo substituí-los pelo socialismo libertário. Podemos dizer que “quemnão se organiza, quem não procura a cooperação dosoutros e não oferece a sua, em condições de recipro-cidade e solidariedade, põe-se necessariamente em es-tado de inferioridade e permanece uma engrenagem in-

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consciente no mecanismo social que outros acionam aseu modo, e em sua vantagem”4. A desorganização, a máorganização e o isolamento, na realidade, terminam porsustentar o capitalismo e o Estado, visto que não possi-bilitam a constituição da força social necessária. Ao nãose tomar parte, de maneira adequada, na relação deforças ou conflito permanente da sociedade, acaba-sereproduzindo a “ordem”. Por isso “se não buscamos aassociação e a organização bem articuladas, acabamospor não conseguir exercer qualquer influência nas lutase conseqüentemente na sociedade de hoje”5. Assim,

aqueles que não possuem ou meios ou a cons-

ciência bastante desenvolvidas para organizar-se

livremente com aqueles que possuem interesses

e sentimentos em comum, sofrem a organização

construída por outros indivíduos, geralmente

constituídos em classe ou grupo dirigente com o

fim de explorar, para seu próprio benefício o tra-

balho dos demais. E a opressão milenar da massa

por parte de um pequeno número de privilegia-

dos tem sido sempre conseqüência da incapaci-

dade da maior parte dos indivíduos para coloca-

rem-se em acordo e organizar-se com os outros

trabalhadores para a produção, o desfrute e a

eventual defesa contra aqueles que querem ex-

plorá-los ou oprimi-los. [...] Permanecer isolado,

atuando ou querendo atuar cada um por sua

conta, sem se entender com os outros, sem se

preparar, sem unir em um feixe potente as débeis

forças dos indivíduos, significa condenar-se à

impotência, desperdiçar a própria energia em

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pequenos atos sem eficácia e rapidamente per-

der a fé no objetivo e cair na completa inação.6

A desorganização e a má organização se reprodu-zem no nível social – dos movimentos sociais, em que sedeveria constituir e desenvolver a organização popular– com a dificuldade de acúmulo de força social, fazendocom que o espontaneísmo natural deste nível não con-siga levar a cabo o conjunto das transformações sociaisdesejadas. No nível político – do anarquismo, em que sedeveria desenvolver a organização específica anarquista– com a dificuldade de influenciar o nível social a possuirformas e meios adequados. O isolamento e o indivi-dualismo fazem com que nem existam, da maneira dese-jável, os níveis político e social, não articulando nemorganização popular, nem organização anarquista. Alémdisso, desorganização, má organização e isolamento sãofatores impeditivos para a constituição do socialismolibertário, já que acreditamos que ele só poderá ser cons-truído com muita organização.

Organização significa a coordenação de forças ou“a associação com um objetivo comum e com as formas eos meios necessários para atingir este objetivo”7. Assim,devemos pensar em formas e meios para a organizaçãopopular, de maneira que esta possa superar o capitalismoe o Estado, e, por meio da revolução social, construir osocialismo libertário – seu objetivo. Ao mesmo tempo,devemos pensar em formas e meios para a organizaçãoespecífica anarquista, de maneira que esta possa cons-truir a organização popular e influenciá-la, dando a elao caráter desejado, e chegar ao socialismo libertário por

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meio da revolução social – seu objetivo. Em seguidatrataremos com mais detalhes destes dois níveis de orga-nização. Primeiramente, trataremos do nível social, emque atuam os movimentos sociais e no qual devemosbuscar a construção da organização popular. Depois, donível político, de desenvolvimento da organização espe-cífica anarquista.

Ao falarmos de força social, é importante defini-rmos o que entendemos por este termo. Consideramosque todo indivíduo, como agente social que é, possuinaturalmente uma força social que é a energia que podeser aplicada para alcançar seus objetivos. Esta força variade uma pessoa para outra e mesmo nas mesmas pessoasdurante um período de tempo. Para atingir os objetivos,freqüentemente os indivíduos utilizam-se de instrumen-tos que podem ampliar sua força social. Muitas coisaspodem ser utilizadas para se aumentar a força social taiscomo: armamentos, informações, treinamentos, técnicasadequadas, otimização de recursos, persuasão, máquinasetc. No entanto, o instrumento mais importante para issoé a organização, que pode se dar de maneira autoritária,por meio do domínio, ou de maneira libertária, por meioda livre associação.

Em uma organização autoritária, a força social dediversos agentes (por exemplo no Estado com um exér-cito, ou em uma empresa com o trabalho assalariado) éalienada, colocando-os em situação de domínio perantea organização (nestes casos o Estado e o patrão) e fa-zendo com que contribuam para um objetivo alheio,diferente dos seus. É exatamente assim que se constituihoje a força social do sistema vigente, ou seja, por meio

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da alienação de diversos agentes que contribuem comos objetivos do capitalismo, que não são os mesmos queos seus. Em uma organização libertária, é a livre-asso-ciação, ou a organização antiautoritária, que produz oaumento de força social – estando ela sempre associadacom outros instrumentos.

A organização que se dá por meio da livre associa-ção é imprescindível para nosso projeto de transforma-ção social, pois quando indivíduos atuam em conjunto,sua força social não é a simples soma das forças indivi-duais e sim muito mais do que isso. Vejamos o exemplode Proudhon para explicar o assunto. “Duzentos traba-lhadores puseram de pé, em algumas horas, sobre a base,o obelisco de Luxor; alguém supõe que um só homem,em duzentos dias, teria chegado a consegui-lo?.”8 Cer-tamente não, isso porque há uma “força imensa queresulta da união e da harmonia dos trabalhadores, daconvergência e da simultaneidade dos seus esforços”9.No exemplo acima, a organização dos trabalhadores deua eles uma força coletiva, possibilitando um resultadomaior do que a simples soma dos resultados individuais.Assim, podemos concluir que para poder levar a cabonosso projeto de transformação social, é fundamental aassociação, pois é por meio dela, e somente por meiodela, que poderemos acumular a força social necessáriapara derrubar o capitalismo e o Estado.

No entanto, para o necessário ganho permanentede força social que deve ocorrer nesta forma antiauto-ritária de organização, tanto no nível da organizaçãopopular, quanto no nível da organização anarquista,reconhecemos ser fundamental

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[...] certa disciplina, não automática, mas volun-

tária e refletida, estando perfeitamente em acordo

com a liberdade dos indivíduos, foi e será neces-

sária, sempre que muitos indivíduos, livremente

unidos, empreendam um trabalho ou uma ação

coletiva qualquer. Esta disciplina não é mais do

que a concordância voluntária e refletida de

todos os esforços individuais para um fim comum.

No momento da ação, no meio da luta, os papéis

dividem-se naturalmente, de acordo com as apti-

dões de cada um, apreciadas e julgadas por toda

a coletividade: uns dirigem e ordenam, outros

executam ordens. Mas nenhuma função se petri-

fica, nem se fixa e não fica irrevogavelmente

ligada a qualquer pessoa. Os níveis e a promo-

ção hierárquica não existem, de modo que o

comandante de ontem pode ser o subalterno de

hoje. Ninguém se eleva acima dos demais, ou se

se eleva, é somente para cair no instante seguin-

te, como as ondas do mar, voltando sempre ao ní-

vel saudável da igualdade.10

Obviamente que esta disciplina não deve “seguir omodelo autoritário, tanto de opressão dos membros [...],quanto pela forma [das] cobranças, que [...] tambémdevem considerar o respeito e a ética. [...] É uma grandepreocupação diferenciarmos a autodisciplina que aquipregamos da disciplina militar, exploratória e opressoraem sua essência e que, de nosso ponto de vista, nãosegue rumos diferentes do que os outros autoritarismosque bem conhecemos.”11 Para diferenciar a disciplina,muito pregada pelos autoritários desta disciplina que

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defendemos, escolhemos utilizar o termo autodisciplina,afirmando que “a autodisciplina é o motor da organiza-ção autogestionária”12, sendo para nós, juntamente como comprometimento e a responsabilidade, imprescindívelpara a construção de uma organização antiautoritáriaque tenha por objetivo aumentar sua força social. Estaautodisciplina, a nosso ver, é menor na organização popu-lar e maior na organização específica anarquista, va-riando de acordo com o contexto. Em períodos de maiorturbulência social, aumenta a necessidade desta auto-disciplina. Em momentos de refluxo, ela pode ser menor.

Para nós, como enfatizamos, o objetivo da organiza-ção popular, enquanto forma de resistência ativa e arti-culada, é, aumentando progressivamente sua força so-cial, “superar o capitalismo e o Estado, e, por meio darevolução social, construir o socialismo libertário”. Esteaumento de força social pode ser conseguido com diver-sos instrumentos, mas principalmente a organização dasclasses exploradas com o maior número de pessoas possí-vel e bom nível de organização – o que implica neces-sariamente autodisciplina, comprometimento e respon-sabilidade. Além disso, como também já definimos, oobjetivo da organização específica anarquista é “cons-truir a organização popular e influenciá-la, dando a elao caráter desejado, e chegar ao socialismo libertário pormeio da revolução social”. Para isso, a organização espe-cífica deve constituir-se como uma organização de mi-noria ativa anarquista, com alto grau de autodisciplina,comprometimento e responsabilidade. Pensada destamaneira, “a organização, longe de criar a autoridade, éo único remédio contra ela e o único meio para que cada

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um de nós habitue-se a tomar parte ativa e conscienteno trabalho coletivo”13.

Notas:

1 Errico Malatesta. “A Organização I”. In: Escritos Revolu-

cionários. São Paulo, Imaginário, 2000, p. 49. Partido anar-

quista para Malatesta é a mesma coisa que organização espe-

cífica anarquista.2 Fabio López López. Poder e Domínio: uma visão anarquista, p.

75.3 Luigi Fabbri. “A Organização Anarquista”. In: Anarco-Co-

munismo Italiano. São Paulo, Luta Libertária, s/d, p. 109.4 Errico Malatesta. “A Organização das Massas Operárias Con-

tra o Governo e os Patrões”. In: Escritos Revolucionários, p. 39.5 FARJ. “A Propriedade é um Roubo”. In: Protesta! 4, p. 7.6 Errico Malatesta. “La Organización”. Excerto de Pensiero e

Volontà, 16 de maio de 1925. In: Vernon Richards. Op. Cit.

pp. 83-85.7 Idem. “A Organização I”. In: Escritos Revolucionários, p. 51.8 Pierre-Joseph Proudhon. “1ere. Mémoire sur la Propriété”.

In: A Nova Sociedade, p. 35.9 Ibidem.10 Mikhail Bakunin. “Táctica e Disciplina do Partido Revolu-

cionário”. In: Conceito de Liberdade, pp. 198-199.11 FARJ. “Reflexões Sobre o Comprometimento, a Respon-

sabilidade e a Autodisciplina”.12 Ibidem.13 Errico Malatesta. “A Organização II”. In: Escritos Revolu-

cionários, p. 59.

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OS MOVIMENTOS SOCIAIS E

A ORGANIZAÇÃO POPULAR

É o próprio povo, são os famintos,são os deserdados os que têm de abolir a miséria.

Ricardo Flores Magón

Organizar as forças do povo para realizartal revolução [social], é o único fim

daqueles que desejam sinceramente a liberdade.Mikhail Bakunin

Favorecer as organizações populares de todos os tiposé a conseqüência lógica de nossas idéias fundamentais e,assim, deveria fazer parte integrante de nosso programa.

Errico Malatesta

Mencionamos, algumas vezes, anteriormente, a or-ganização popular e nossa expectativa em relação a ela.Já definimos que seu objetivo é “superar o capitalismo eo Estado, e, por meio da revolução social, construir osocialismo libertário”, e por isso a entendemos comoverdadeira protagonista no processo de transformaçãosocial. Também mencionamos que o nível em que sedesenvolvem os movimentos sociais e no qual se devebuscar a construção e o aumento de força social da orga-

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nização popular é o que chamamos de nível social. Nestemomento, buscaremos discutir os movimentos sociais,suas desejáveis características e formas de atuação, alémde como eles podem contribuir na construção no desen-volvimento da organização popular.

Ao tratarmos deste nível social, devemos pensar naspossibilidades do povo, que deve ser o grande agente datransformação social proposta por nós. É inegável que háuma força social latente nas classes exploradas, masentendemos que é somente por meio da organização queesta força pode sair do campo das possibilidades e tornar-se uma força social real. A questão se coloca, então, daseguinte maneira:

É verdade que há [no povo] uma grande forçaelementar, uma força sem dúvida nenhuma su-perior à do governo, e à das classes dirigentestomadas em conjunto; mas sem organização umaforça elementar não é uma força real. É nestaincontestável vantagem da força organizada so-bre a força elementar do povo que se baseia aforça do Estado. Por isso, o problema não é saberse eles [o povo] se podem sublevar, mas se sãocapazes de construir uma organização que lhesdê os meios de chegar a um fim vitorioso – nãopor uma vitória fortuita, mas por um triunfo pro-longado e derradeiro.1

A partir da organização e de sua aplicação no cam-po prático, esta força cresce exponencialmente, ofere-cendo a possibilidade real de combate ao capitalismo eao Estado. Isso porque “temos conosco a justiça, o di-

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reito, mas nossa força ainda não é suficiente”2. Comofalamos anteriormente, será o aumento permanente daforça social da organização das classes exploradas quepoderá proporcionar a transformação social desejada.

Para a construção de uma organização que nos dêos meios de chegar aos fins desejados – revolução sociale socialismo libertário – consolidando a vitória, defen-demos um modelo de criação e desenvolvimento do quechamamos organização popular.

Primeiramente, justificamos a organização confor-me já definimos anteriormente, sendo ela a “coordena-ção de forças ou ‘a associação com um objetivo comum ecom as formas e os meios necessários para atingir esteobjetivo’”. Já falamos também que a organização multi-plica a força social do povo e é somente por meio delaque podemos oferecer uma oposição capaz de derrubar ocapitalismo e o Estado. Este modelo de organização quereivindicamos é fruto da livre associação dos membrosdas classes exploradas.

Pela associação, eles [os trabalhadores] ins-truem-se, informam-se mutuamente, e põem fim,por seus próprios esforços, a essa fatal ignorânciaque é uma das principais causas de sua escravi-dão. Pela associação, eles aprendem a ajudar-se,conhecer-se, apoiar-se um no outro, e acabarãopor criar uma força mais formidável do que aquelade todos os capitalistas burgueses e de todos ospoderes políticos reunidos.3

Em segundo lugar, justificamos esta organizaçãocomo sendo popular, dando a ela um caráter classista.

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Ou seja, neste modelo de organização deve estar mobi-lizado todo o conjunto das classes exploradas, tambémconforme definido anteriormente. É uma prioridade,portanto, o envolvimento de todos os setores que sofremde maneira mais dura os impactos do capitalismo.Quando a organização possui um caráter classista issoestimula e dá forças à luta de classes. Desta maneira, aorganização popular é construída de baixo para cima, da“periferia para o centro” e fora dos centros de poder doatual sistema.

A organização popular é constituída por meio davontade de luta do povo. Assim, ela não é fruto de ummovimento espontâneo, mesmo sabendo que muitas ex-pressões da luta de classes surgem espontaneamente. Elaé necessária também por não acreditarmos – diferentedo que defenderam muitos socialistas no século XIX –que a sociedade capitalista caminha para seu próprio fim,ou que o socialismo é o resultado de uma evolução na-tural do capitalismo. Já nos parece bastante claro quedevemos pensar em um modelo de organização comoferramenta de luta, pois, de outra forma, o capitalismo eo Estado não deixarão de existir.

Entendemos a organização popular como resultadode um processo de convergência de diversas organiza-ções sociais e diferentes movimentos populares, que sãofruto da luta de classes. Por este motivo, acreditamos quedevemos favorecer todos os tipos de organizações e mo-vimentos desse tipo, entendendo este apoio como con-seqüência de nossas idéias mais fundamentais. Estasorganizações e movimentos foram chamados no passadode “movimentos de massas”, mas a vertente autoritária

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do socialismo acabou dando uma conotação ao termo“massa” de “massa de manobra”, de um movimento semconsciência que deveria ser dirigido e guiado por umavanguarda, que estaria organizada em um partido verti-calizado. Ou seja, os autoritários trataram os movimen-tos de massas a partir de uma perspectiva hierárquica,buscando dominá-los.

Consideramos imprescindível a participação sociale popular no processo de transformação social. Os movi-mentos de massa podem ser chamados de organizaçõessociais, movimentos populares, mas também de movi-mentos sociais, termo que utilizaremos daqui para frente.

Um movimento social é uma associação de pessoase/ou de entidades que possuem interesses comuns nadefesa ou na promoção de determinados objetivos frenteà sociedade. Estes movimentos podem estar nos maisdiferentes lugares da sociedade e ter as mais diferentesbandeiras de luta, que mostram as necessidades daque-les que estão em torno do movimento, uma causa emcomum. Como vimos, a sociedade de hoje proporciona àmaior parcela da sociedade uma situação de sofrimentoe de privações e isso serve, muitas vezes, como fator deassociação, que dá corpo às organizações de defesa dosinteresses do povo.

Por meio das organizações fundadas para adefesa de seus interesses, os trabalhadores adqui-rem a consciência da opressão em que se encon-tram e do antagonismo que os divide dos patrões[ou da classe dominante] começam a desejaruma vida melhor, habituam-se à luta coletiva e

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à solidariedade e podem chegar a conquistaraquelas melhorias que são compatíveis com apersistência do regime capitalista e estatal.4

Os movimentos sociais são fruto de um tripé com-posto pela necessidade, vontade e organização. Estetripé motiva a criação de diversos movimentos sociais portodo mundo; e no Brasil, isso não é diferente. Há aquimovimentos de sem-terra, sem-teto, desempregados,comunitários, pela qualidade e melhor preço dos trans-portes. Há movimentos de catadores de lixo reciclável,indígenas, estudantis, de direitos humanos, sindicais,feministas, negros, gays, de conselhos populares, artís-ticos, culturais, ambientalistas, entre tantos outros. Estesmovimentos têm em comum o fato de surgirem a partirda dominação e da exploração da sociedade em quevivemos, sendo, muitos deles, fruto da luta de classes.

No entanto, não são muitos os movimentos sociaisque buscam construir a organização popular ou mesmocombater o capitalismo e o Estado. Muitos deles estãoimbuídos de características e valores da sociedade capi-talista e, mais do que isso, muitas vezes estão propagandoestas características e estes valores. A maior parte dessesmovimentos, que poderíamos chamar reformistas, acre-dita que há solução para suas questões dentro do capi-talismo. Ou seja, o fim de grande parte destes movi-mentos é a obtenção dos ganhos de curto prazo, dentrodo capitalismo, e nada mais. Além disso, na maioria doscasos, os movimentos sociais não estão devidamentearticulados entre si e realizam cada um a sua luta, semarticulação entre elas. Portanto, não apontam nem para

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um início de construção da organização popular. Issomostra que, apesar de haver uma série de movimentossociais, o fato é que as características e formas de atua-ção destes movimentos não estão, na sua grande maioria,em acordo com aquilo que pensamos ser apropriado. Osmeios que vêm escolhendo não conduzem aos fins defen-didos por nós.

Os movimentos sociais que defendemos, e que pen-samos estarem contribuindo com nosso projeto político,possuem certas características e formas de atuação.

Eles são os mais fortes possível, com o maior númerode pessoas e boa organização, estando voltados para aluta que elegeram como prioritária. Então, um movi-mento de sem-terra deve abarcar todos aqueles queestão dispostos a lutar pela terra, um movimento de sem-teto deve abarcar todos os que estão dispostos a lutarpela moradia e assim por diante. Assim, acreditamos queos movimentos sociais não devem caber e encerrar-sedentro de uma ideologia, seja ela qual for. Não acredi-tamos em movimentos sociais anarquistas, marxistas,social-democratas ou de qualquer outra ideologia espe-cífica. Portanto, nos movimentos sociais que nos dispomosa criar ou a desenvolver devem “caber” pessoas das maisdiferentes ideologias. Para nós, um movimento socialanarquista, ou de qualquer outra ideologia, só tenderiaa cindir a classe dos explorados, ou mesmo aqueles queestão interessados em lutar por uma determinada causa.Ou seja, é a necessidade, e não a ideologia, a força quedeve impulsionar a criação e o desenvolvimento dos mo-vimentos sociais. Assim “nenhuma teoria filosófica oupolítica deve entrar, como fundamento essencial, e como

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condição oficial obrigatória no programa [...]. Mas issonão implica que não possam e não devam ser livrementediscutidas [...] todas as questões políticas e filosóficas.”5

Apesar de acreditamos que os movimentos sociaisnão devem caber dentro do anarquismo, pensamos queo anarquismo deve ser, o máximo possível, difundidodentro dos movimentos sociais. Mais à frente, discuti-remos como isso deve ser feito e com que objetivo. Porora, basta dizer que os movimentos sociais que defen-demos não são e nem devem ser anarquistas, mas sim,terreno fértil ao anarquismo.

Da mesma forma pensamos ser a questão da religião.Apesar de, no nível político, termos posições anticleri-cais, pensamos que no nível social não se deve insistircom esta questão, impedindo de lutar os membros dasclasses exploradas que tenham crenças religiosas. Nasclasses exploradas, muitos possuem crenças religiosas ehá como trabalhar esta questão dentro dos movimentos,sem impedir estas pessoas de lutar. Há muitos gruposreligiosos progressistas nos movimentos sociais, que fa-zem parte do amplo campo da esquerda e com os quaishá possibilidade de trabalho. Os movimentos sociais “de-vem buscar uma base comum, uma série de princípiossimples sobre os quais todos os trabalhadores, quaisquerque sejam [suas opções políticas e religiosas], sendo aomenos trabalhadores sérios, ou seja, homens duramenteexplorados e sofridos, estão e devem estar de acordo”6.

Outra característica importante aos movimentossociais é a autonomia, que se dá fundamentalmente narelação com o Estado, os partidos políticos, os sindicatosburocratizados, a Igreja, entre outros. Os movimentos

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sociais têm de tomar decisões e agir por conta própria,tratando de seus próprios assuntos, independente de or-ganismos que exerçam, ou busquem exercer, domíniosobre eles. Portanto, aqueles que desejam chefiar, man-dar ou fazer com que os movimentos sociais sirvam aosseus próprios fins não devem ter influência sobre eles, jáque não lutam pelo bem coletivo dos movimentos, masutilizam a máxima de que servir a si mesmo é a melhorforma de servir aos outros.

Os movimentos sociais não devem estar ligados apolíticos ou a qualquer setor do Estado, pois sabemos queestes, quando se aproximam querendo ajudar, na imensamaioria dos casos estão procurando “base” para seusinteresses político-partidários, ou visando acalmar osmovimentos, estabelecendo interlocuções deles com ainstitucionalidade do Estado. Conhecendo bem a con-cepção autoritária dos partidos, sabemos que seu inte-resse é sempre aparelhar os movimentos sociais, sejamestes partidos reformistas ou revolucionários. No pri-meiro caso, participam das eleições, e vêem nos movi-mentos sociais uma fonte de votos. No segundo, pro-curam um “movimento de massa” que sirva de base, paraa vanguarda que desejam ser. Neste caso, os partidospolíticos querem chefiar e mandar nos movimentos so-ciais, achando-se superiores a eles, e julgando ser osiluminados que trarão consciência às classes exploradas.Muitas vezes seus membros são intelectuais que queremsaber, melhor do que o próprio povo, o que é melhor paraele. Outros organismos que buscam aparelhar, como sin-dicatos burocráticos e Igrejas, também não ajudam osmovimentos sociais.

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Toda essa gente deve ser afastada do movi-mento social, pois não defendem os interesses domovimento social, mas seus próprios interesses.O movimento social não precisa de chefes, dedirigentes ou de gente que queira usá-lo. O mo-vimento social precisa de gente que queira apoiá-lo e lutar junto com ele, mas não lutar por ele,no seu lugar. Lugar que é legitimado pela ne-cessidade de sobrevivência e pela dignidade quepossuem as causas que promovem a verdadeirasolidariedade.7

O que os movimentos sociais precisam é de pessoasque querem apoiá-lo, independente de suas origens declasse, por considerarem justa sua luta. Não há qualquerproblema em pessoas que apóiam os movimentos sociaisnão estarem nas condições exatas dos outros militantes.Assim, consideramos justo que pessoas empregadasapóiem a luta dos trabalhadores desempregados, quepessoas que possuem moradia apóiem a luta dos sem-teto,e assim por diante. Mesmo os membros oriundos dasclasses médias podem, e inclusive devem, se são pessoaséticas, aproximar-se dos setores mais explorados do povoe oferecer seu apoio. Esta solidariedade deve ser semprebem recebida, já que é importante para os movimentossociais. Um dever ético, como colocou Kropotkin, aoincitar a luta dos membros das classes médias ao lado dopovo. Dizia ele:

[...] vós todos que possuís conhecimentos, talen-tos, se tendes coração, vinde, pois, vós e vossoscompanheiros, colocá-los a serviço daqueles que

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mais precisam. E sabei que se vierdes, não comosenhores, mas como camaradas de luta; não paragovernar, mas para inspirar-vos em um novo meio;menos para ensinar do que para conceber as aspi-rações das massas, adivinhá-las e formulá-las, edepois trabalhar, sem descanso, continuamente,[...] para fazê-los entrar na vida – sabei que en-tão, mas só então, vivereis uma vida completa.8

Esta candidatura de apoio aos movimentos sociaisdeve estar condicionada às atitudes daqueles que pre-tendem atuar nesta situação. Tanto os apoios, quanto osmilitantes que são organicamente legitimados, devemdemonstrar que estão muito mais dispostos a ouvir doque a falar. Eles devem se inteirar da situação e dascircunstâncias daqueles que formam os movimentos so-ciais e lutar ombro a ombro, crescer com eles e não de-finir de maneira autoritária e vertical seus caminhos eformas. Neste caso, o apoio ou militante verá que o maisrelevante será contrastar sua ideologia com a realidadedo grupo e não tentar reduzir o movimento social às suascertezas ideológicas.

Além disso, quando falamos de autonomia devemoster em mente que a autonomia, para nós, não significaausência de luta ideológica ou mesmo ausência de orga-nização. Quando se estimula a “não-ideologia”, o espon-taneísmo freqüente, quando se renuncia o projeto e oprograma revolucionários – muitas vezes chamando issode autonomia – abrimos espaço e deixamos um terrenolivre para a classe dominante, os burocratas e os auto-ritários que ocuparão estes espaços.

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Outra característica importante dos movimentossociais é sua combatividade. Ao reivindicarmos quedevem ser combativos, queremos dizer que os movimen-tos sociais devem estabelecer suas conquistas impondosua força social e não depender de favores ou boas açõesde quaisquer setores da sociedade, incluindo o Estado.A combatividade também se caracteriza por uma posturade defesa da luta de classes fora do Estado. Como en-tendemos o Estado como um forte pilar de sustentaçãodo capitalismo, não acreditamos que os movimentossociais possam exercer sua política dentro dele, sem queisso signifique uma forma de legitimar o capitalismo. Aaproximação que os Estados fazem dos movimentos so-ciais são sempre uma forma de cooptá-los, de fazer umcerto “pacto social”, que visa acalmar os ânimos da lutade classes e tem como objetivo garantir a legitimidadedo sistema. Independente de os movimentos sociais se-rem mais ou menos violentos, o fato é que eles devemsempre manter-se combativos, confrontando o capita-lismo e o próprio Estado.

Defendemos, também, a ação direta, como forma deação política que se opõe à democracia representativa.Os movimentos sociais não devem ter por objetivo aconfiança em políticos que atuam dentro do Estado, paraque representem seus interesses. Sabemos que a má-quina do sistema representativo transforma a todos quenela entram, não permitindo – mesmo aos bem inten-cionados – que os políticos eleitos realizem ações em proldas classes exploradas. Mesmo os políticos “de esquerda”confundem os meios com os fins e mais confundem doque esclarecem os movimentos sociais, não sendo, por-

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tanto, o meio mais correto para sua emancipação. Aação direta acontece quando o próprio movimento social

em reação constante contra o meio atual, nadaespera dos homens, das potências ou das forçasexteriores a ele, mas [...] cria suas próprias con-dições de luta e retira de si mesmo seus meiosde ação. [...] Portanto, a ação direta é a clara epura concreção do espírito de revolta: mate-rializa a luta de classes que ela faz passar docampo da teoria e da abstração ao campo da prá-tica e da realização. Em conseqüência, a açãodireta é a luta de classes vivida no dia-a-dia, é oassalto permanente contra o capitalismo.9

Desta maneira, os movimentos sociais não confiamsua ação aos políticos, mas a realizam por conta própria,colocando em prática o mote da AIT, de que “a eman-cipação dos trabalhadores será obra dos próprios traba-lhadores”. A luta por esta emancipação deve ser feita demaneira estratégica, tornando a ação direta mais oumenos violenta, conforme as circunstâncias pedirem.Quando ela precisar ser violenta, deve sempre ser enten-dida como resposta, como autodefesa em relação aosistema de dominação e exploração em que vivemos.

A ação direta é a forma de fazer política dos movi-mentos sociais, sendo que

afirmamos que a política, no sentido que a de-fendemos, não tem sentido partidário, mas simsentido de gestão daquilo que é público, de to-dos. A política que é feita pelo povo, devida-

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mente organizado, decidindo efetivamente so-bre tudo o que lhe diz respeito. A política quedefendemos é aquela que se coloca hoje comouma luta dos trabalhadores, organizada de baixopara cima, contra a exploração e a opressão deque somos vítimas. É nas mobilizações sociaisque enxergamos alguma perspectiva de mu-dança política significativa na sociedade.10

Neste caso, os movimentos sociais não lutam parater poder no Estado ou em suas instâncias institucionaisde poder. Eles estão sempre organizados fora do Estado,defendendo a devolução do poder político ao povo.Assim, acreditamos que o problema não é quem ocupa oEstado, mas o próprio Estado.

É somente desta maneira que entendemos o con-ceito de poder popular, defendido por outros grupos eorganizações. Se por poder popular entendemos a cres-cente força social das organizações das classes explora-das, que estão inseridas em uma disputa permanentecom o capitalismo e com o Estado, então estamos deacordo. No entanto, há aqueles que defendem o poderpopular como a sustentação de vanguardas descoladasda base, hierarquia, partidos autoritários, reivindicaçõesdo Estado e burocracias de vários tipos. Quando poderpopular significa este segundo modelo, então estamos emcompleto desacordo.

Além da ação direta, como forma de fazer a polí-tica, os movimentos sociais, na forma como os enten-demos, têm a necessidade, caso se proponham agentesde uma significativa transformação social, de utilizar a

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democracia direta como método de tomada de decisões.A democracia direta acontece nos movimentos sociaisquando todos os que neles estão envolvidos participamefetivamente do processo de tomada de decisões. Com autilização deste método, as decisões são tomadas demaneira igualitária (todos possuem a mesma voz e o mes-mo poder de voto) em assembléias horizontais, onde osassuntos são discutidos e deliberados. Não há pessoas ougrupos que discutem os assuntos e que deliberam foradas assembléias; não há hierarquia ou chefes que man-dam em outras pessoas que obedecem.

A democracia direta exercida neste modelo pode-se comparar ao funcionamento do socialismo libertárioque explicamos anteriormente. Ou seja, os movimentossociais se coordenam internamente pelos princípios daautogestão e se articulam, nos casos de necessidade, pelofederalismo. É importante ressaltarmos que atuandodesta forma, estamos incorporando em nossos meios deluta, posições defendidas para os fins que desejamosatingir, confirmando a máxima de que “os fins estão nosmeios”. As próprias lideranças e funções assumidas sãotemporárias, rotativas e revogáveis.

Neste modelo de movimento social, há uma impor-tância para a conduta militante com ética e responsa-bilidade. A ética, que norteia uma conduta militantecorreta, está embasada em princípios que se opõem aocapitalismo e ao Estado e que sustentam a cooperação, asolidariedade e o apoio mútuo. Ela ainda norteia o com-portamento militante que atua sem prejuízos para comos outros, que estimula o apoio, não permitindo as pos-turas que visam a cisão ou a disputa interna desleal. A

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responsabilidade, princípio que se opõe aos valores docapitalismo, estimula que os militantes dos movimentossociais tenham iniciativa, que assumam responsabili-dades e as cumpram – isso evitará que poucos fiquemsobrecarregados com as muitas tarefas –, que tenhamatitudes condizentes com o espírito de luta e que con-tribuam da melhor forma com os movimentos sociais.

A solidariedade e o apoio mútuo também são prin-cípios que devem ser estimulados nos movimentos so-ciais. Em oposição ao individualismo do capitalismo, aunião das classes exploradas para combate ao capitalismoe ao Estado deve ser estimulada. Ao sair do isolamento ebuscar associar-se, juntando-se a outras pessoas quequerem construir um mundo mais justo e igualitário, aspessoas constroem a solidariedade de classe. Esta se dána associação de uma pessoa com outra para formar ummovimento social ou mesmo de um movimento socialcom outro, na busca da construção da organização po-pular e da superação do capitalismo e do Estado. Nestecaso, os limites do Estado não devem ser reconhecidos,pois os movimentos sociais têm de se solidarizar pelosinteresses de classe, e não dos interesses nacionais.Quando são pautados pelos interesses de classe, os mo-vimentos sociais são internacionalistas.

Também, os movimentos sociais constituem um es-paço privilegiado para o desenvolvimento de cultura eeducação popular. É a cultura, como forma de ser e deviver das classes exploradas, que dará corpo à educaçãopopular. Todos que estão mobilizados desenvolvem seuaprendizado e as novas formas, manifestações, lingua-gens, experiências e vivências traduzem o espírito da

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luta. Como não há um saber acabado, é o processo detroca entre os militantes que permite esta educação, emque não há um professor e um aluno; todos são pro-fessores e alunos. Todos aprendem e todos ensinam.Assim se dá a construção de uma educação que respeitaa cultura popular e capacita os militantes a partir dosdiálogos, dos debates, das trocas de experiências. Nesteprocesso, é possível contrapor os valores do capitalismoque são transmitidos, todos os dias, pelos meios de comu-nicação, pelas escolas e outras vias de reprodução.

Além disso, a própria “ginástica revolucionária”proporcionada pelas experiências de luta, ao mesmo tem-po em que trará conquistas de curto prazo, será responsá-vel por auxiliar este processo de educação, contribuindocom as experiências práticas de busca da liberdade, pormeio da própria liberdade.

As conquistas de curto prazo, chamadas reformas,quando conquistadas pelos movimentos sociais, servirãocomo maneiras de diminuir o sofrimento daqueles quelutam e ao mesmo tempo os ensinará as lições da organi-zação e da luta. Entendemos, assim, que “tomaremos ouconquistaremos as eventuais reformas no mesmo espíritodaquele que arranca pouco a pouco do inimigo o terrenoque ele ocupa, para avançar cada vez mais”11. E julgamosque ao lutar pelas reformas, os movimentos sociais nãose tornam reformistas – que são aqueles que entendemas reformas como um fim. Mesmo com a luta pelas refor-mas, eles podem sustentar uma prática revolucionária, eser contra o reformismo, visto que “se somos contra oreformismo, não é porque as melhorias parciais não nosinteressam, mas porque acreditamos que o reformismo é

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um obstáculo não somente à revolução, mas até mesmoàs reformas”12.

Esta afirmação abre espaço para uma outra caracte-rística que julgamos fundamental nos movimentos so-ciais: a perspectiva revolucionária de longo prazo. Nestecaso, a idéia é que os movimentos sociais, além de teremsuas bandeiras específicas (terra, moradia, trabalho etc.)possam ter como objetivos a revolução e a construção deuma nova sociedade. Entendemos que as lutas de curtoe médio prazo são complementares com esta perspectivade longo prazo e não excludentes. Com a perspectiva delongo prazo, os movimentos têm maior poder de con-quista, visto que quanto mais longínquo os objetivos,maiores são as conquistas, não sendo as primeiras con-quistas o fim da luta. Muitos movimentos sociais que nãopossuem perspectiva de longo prazo, ao terem suas rei-vindicações atendidas (terra para os sem-terra, moradiapara os sem-teto, trabalho para os desempregados etc.)acham que isso é o fim da linha. Para nós, este é somenteo primeiro passo e, mesmo que conquistado, deve esti-mular outras lutas e mobilizações em torno de outrosproblemas que acometem nossa sociedade. É esta pers-pectiva que também proporciona uma visão crítica dosmovimentos sociais em relação ao capitalismo e ao Es-tado, deixando-os alertas para as tentativas de conci-liação de classe e cooptação. Esta perspectiva tambémestimula a solidariedade e o apoio mútuo, visto que asclasses exploradas não se vêem mais fragmentadas, mascomo parte de um todo que luta por uma nova socie-dade. Assim, os movimentos sociais defendem uma pers-pectiva de longo prazo que é revolucionária,

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no sentido que quer substituir uma sociedadefundada na iniqüidade, na exploração da imensamaioria dos homens por uma minoria opressiva,no privilégio, no ócio, e em uma autoridade pro-tetora de todas essas belas coisas, por uma socie-dade fundada nessa justiça igual para todos e naliberdade de todos. [...] Quer, em resumo, umaorganização econômica, política e social, na qualtodo ser humano, sem prejuízos para suas par-ticularidades naturais e individuais, encontrauma igual possibilidade de desenvolver-se, ins-truir-se, pensar, trabalhar, agir e desfrutar a vidacomo homem.13

Um outro ponto importante que deve ser mencio-nado é o fato de os movimentos sociais serem, muitasvezes, fruto de ações e mobilizações espontâneas dasclasses exploradas. Este fato para nós é natural e en-tendemos sempre ter de conviver com ele. Em situaçõesextremas, setores da população se revoltarão ou se mo-bilizarão por diversos motivos: para denunciar uma injus-tiça, para responder a um ataque do sistema, para conse-guir o que comer, um lugar para morar etc. Se por umlado defendemos a organização, acreditamos, por outro,que devemos sempre apoiar estes momentos de mobiliza-ção popular espontânea. Os objetivos organizacionaisdevem ir se dando no meio da luta. Não devemos, por-tanto, questionar o espontaneísmo quando ele assimacontece, mas sim, implicados nas lutas, tentar catalizaras forças para que se chegue ao grau necessário de orga-nização. A interação desta dinâmica própria dos mo-vimentos sociais, que naturalmente contém grande grau

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de espontaneidade, com os contextos sociais que variam(repressão, legislação, mudanças de forças políticas emjogo etc.) fará com que os movimentos sociais tenham,naturalmente, fluxos e refluxos. Haverá momentos emque as circunstâncias proporcionarão uma realidade delutas mais radicalizadas e permanentes. Em outras, pro-porcionarão contextos de dificuldade para articulação,desmotivação, medo etc. Ou seja, é natural que existamcontextos de fluxos e refluxos.

Em certas épocas, que são geralmente asprecursoras dos grandes acontecimentos histó-ricos, dos grandes triunfos da humanidade, tudoparece avançar num passo acelerado, tudo res-pira força: as inteligências, os corações, as vonta-des, tudo vai em uníssono, tudo parece ir à con-quista de novos horizontes. Então, estabelece-seem toda a sociedade, como uma corrente elé-trica que une os indivíduos mais afastados nummesmo sentimento e as inteligências mais díspa-res num mesmo pensamento que imprime a todosa mesma vontade. [...] Mas há outras épocassombrias, desesperantes, fatais, onde tudo respiraa decadência, a prostração e a morte, e que ma-nifestam um verdadeiro eclipse da consciênciapública e privada. São os refluxos que seguesempre as grandes catástrofes históricas.14

Pensamos ser nossa obrigação avaliar corretamenteo contexto e atuar de maneira conforme. Nos momentosem que o contexto apontar um fluxo, devemos atacar,atuando com toda a força e proporcionando toda a orga-

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nização necessária. Nos momentos em que o contextoapontar um refluxo, devemos saber conviver com os pro-blemas, “manter a chama acesa”, e aguardar os momen-tos certos para voltar a nos mobilizar.

Enfim, nossa concepção é que devemos romper oisolamento dos indivíduos criando e estimulando o de-senvolvimento dos movimentos sociais com as caracte-rísticas aqui colocadas. Esta é uma primeira etapa denossa estratégia permanente. Depois disso, em uma se-gunda etapa, entendemos ser necessária a articulaçãode vários movimentos sociais para a constituição do queestamos chamando em todo o texto de organização po-pular, sendo ela a confluência dos movimentos sociaisem combate permanente ao capitalismo e ao Estado.

Buscando aumentar permanentemente a força so-cial da organização popular e com sua radicalização,entendemos ser possível chegar à revolução social e assimconstituir o socialismo libertário. Neste processo detransformação social, entendemos que as classes explo-radas possuem um papel imprescindível; “esta massa, [...]sem a forte ajuda da qual o triunfo da revolução nuncaserá possível”15.

Notas:

1 Mikhail Bakunin. “Necessidades da Organização”. In: Con-

ceito de Liberdade, p. 136.

2 Idem. A Dupla Greve de Genebra. São Paulo: Imaginário/Faís-

ca, 2007, p. 94.

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3 Ibidem. p. 90.4 Errico Malatesta. “Los Anarquistas y los MovimientosObreros”. Excerto de Il Risveglio 1-15 out. 1927. In: VernonRichards. Op. Cit. p. 111.5 Mikhail Bakunin. “Unidade e Programa das Forças Revo-lucionárias...”. In: Conceito de Liberdade, p. 163.6 Idem. “La Política de la Internacional”. In: In: Frank Mintz(org.). Bakunin: crítica y acción, p. 85. Apesar de ser um críticoferoz das questões clericais, Bakunin sustentava que mesmoos trabalhadores religiosos deveriam integrar o movimentooperário. Pensamos, como ele, que a religião não deve dividiros movimentos sociais. Sobre a crítica de Bakunin a Deus e àreligião ver: Mikhail Bakunin. Deus e o Estado. São Paulo:Imaginário, 2000 e Mikhail Bakunin. Federalismo, Socialismo eAntiteologismo.7 Univ. Popular / MTD - RJ. Capitalismo, Anticapitalismo eOrganização Popular. Rio de Janeiro: UP/MTD-RJ (no prelo).8 Piotr Kropotkin. “Aos Jovens”. In: Palavras de um Revoltado,p. 67.9 Emile Pouget. L’Action Directe.10 FARJ. “A Política não é para os Políticos”. In: Libera 136.Rio de Janeiro, 2006.11 Errico Malatesta. “Anarquismo e Reforma”. In: Anarquistas,Socialistas e Comunistas, p. 146.12 Idem. “Quanto Pior Estiver, Melhor Será”. In: Anarquistas,Socialistas e Comunistas, p. 67.13 Mikhail Bakunin. A Dupla Greve de Genebra, pp. 92-93.14 Idem. “Algumas Condições da Revolução”. In: Conceito deLiberdade, pp. 128-129.15 Idem. “Educação Militante”. In: Conceito de Liberdade, p.147.

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A ORGANIZAÇÃO ESPECÍFICA

ANARQUISTA

Se [ao revolucionário] falta a idéia diretriz de sua ação,

não será outra coisa senão um barco sem bússola.

Ricardo Flores Magón

Uma organização anarquista deve fundar-se,

na minha opinião, sobre a plena autonomia,

sobre a plena independência, e, portanto,

a plena responsabilidade dos indivíduos e dos grupos;

o livre acordo entre os que crêem ser útil unir-se para

cooperar com um fim comum; o dever moral

de manter os compromissos aceitos e não fazer

nada que contradiga o programa aceito.

Errico Malatesta

A ORGANIZAÇÃO ANARQUISTA

Durante esse texto, tratamos algumas vezes da orga-nização específica anarquista e de nossa expectativa emrelação a ela. Como definimos anteriormente, seu obje-tivo é “construir a organização popular e influenciá-la,dando a ela o caráter desejado, e chegar ao socialismolibertário por meio da revolução social”. Colocamos, ainda,que a entendemos como o nível político de atuação.

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A organização específica anarquista é o agrupa-mento de indivíduos anarquistas que, por meio de suaspróprias vontades e do livre acordo, trabalham juntoscom objetivos bem determinados. Para isso, ela se utilizadas formas e meios necessários para que estes objetivossejam atingidos, ou para que, pelo menos, que se ca-minhe em direção a eles. Assim, podemos considerar aorganização anarquista como “[...] o conjunto dos indi-víduos que têm um objetivo em comum e se esforçampara alcançá-lo, é natural que se entendam, unam suasforças, compartilhem o trabalho e tomem todas as me-didas adequadas para desempenhar esta tarefa”1. Pormeio da organização anarquista, os anarquistas arti-culam-se no nível político e ideológico, para colocar emprática uma política revolucionária, e conceber os meios– a maneira de se trabalhar – que deverão apontar paraos objetivos finalistas: a revolução social e o socialismolibertário. Esta prática política, que busca os objetivosfinalistas, deve ser realizada

criando uma organização que possa cumprir astarefas do anarquismo, não somente no momentode preparar a revolução social, mas igualmentedepois. Tal organização deve reunir todas as forçasrevolucionárias do anarquismo, e se preocuparimediatamente com a preparação das massas paraa revolução social e com a luta pela realizaçãoda sociedade anarquista.2

Esta organização é fundamentada em acordos fra-ternais, tanto para seu funcionamento interno, quantopara sua atuação externa, não havendo em seu seio rela-

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ções de dominação, exploração ou mesmo alienação, oque a constitui uma organização libertária. A função daorganização específica anarquista é coordenar, convergire aumentar permanentemente a força social das ativi-dades militantes anarquistas, constituindo uma ferra-menta de luta sólida e consistente, que é um meio fun-damental para a busca dos objetivos finalistas. Portanto,

[...] é preciso unir-se e organizar-se: primeiropara discutir, depois para reunir os meios para arevolução, e finalmente, para formar um todoorgânico que, armado com seus meios e fortale-cido por sua união possa, quando soar o mo-mento histórico, varrer do mundo todas as aber-rações e todas as tiranias [...]. A organização éum meio de se diferenciar, de se precisar umprograma de idéias e de métodos estabelecidos,um tipo de bandeira de reunião para se partir aocombate sabendo-se com quem se pode contare tendo-se consciência da força que se podedispor.3

Para constituir esta ferramenta de combate sólida econsistente, é imprescindível que a organização anar-quista possua, bem determinadas, as linhas política eestratégica-tática – que se dão por meio da unidadeteórica e ideológica, e da unidade estratégica e tática.Esta organização de linhas bem definidas, articula osanarquistas no nível político e ideológico, e desenvolvesua prática política no nível social – o que a caracterizauma organização de minoria ativa, visto que o nível so-cial é sempre muito maior que o nível político. Esta

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prática política toma corpo quando a organização anar-quista de minoria ativa realiza o trabalho social em meioà luta de classes, buscando a inserção social, que tomacorpo a partir do momento que a organização anarquistaconsegue influenciar os movimentos sociais com os quaistrabalha. Devidamente organizados como minoria ativa,os anarquistas constituem uma força social muito maiorna realização do trabalho social e têm maiores chancesde possuir inserção social. Além do trabalho e da inserçãosocial, a organização específica anarquista realiza outrasatividades: a produção e a reprodução de teoria, a pro-paganda anarquista, a formação política, a concepção ea aplicação de estratégia, as relações políticas e sociais ea gestão de recursos. Então, podemos dizer que as ativi-dades da organização específica anarquista são:

- Trabalho e Inserção Social- Produção e Reprodução de Teoria- Propaganda Anarquista- Formação Política- Concepção e Aplicação de Estratégia- Relações Políticas e Sociais- Gestão de Recursos

Estas atividades podem ser realizadas de maneiramais ou menos pública, sempre levando em conta o con-texto social em que se atua. Dizemos mais ou menos pú-blica, pois acreditamos que “se deve fazer publicamenteo que convém que todos saibam e secretamente o queconvém ser oculto”4. Em momentos de menor repressão,a organização anarquista atua publicamente, realizandoa maior propaganda possível, e buscando atrair o maior

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número de pessoas. Em momentos de maior repressão, se,“por exemplo, um governo nos proibisse de falar, imprimir,nos reunir, nos associar, e não tivéssemos a força necessá-ria para nos rebelar abertamente, trataríamos de falar,imprimir, nos reunir e nos associar de forma clandestina”5.

Nesta atuação, que varia conforme o contexto so-cial, a organização específica anarquista deve sempredefender os interesses das classes exploradas, isso porquea entendemos como uma expressão política desses inte-resses. Para nós, as idéias do anarquismo

[...] não são senão a mais pura e a mais fiel ex-pressão dos instintos populares. Se elas não cor-respondem a estes instintos, são falsas; e na me-dida em que são falsas, serão rejeitadas pelopovo. Mas se estas idéias são uma expressão ho-nesta dos instintos, se representam o verdadeiropensamento do povo, depressa penetrarão noespírito das multidões revoltadas; e desde queestas idéias encontrem o caminho do espíritopopular, avançarão rapidamente para a sua plenarealização.6

A organização específica anarquista, entendidacomo expressão política dos interesses das classes explo-radas, não atua em seu nome e nunca se coloca sobreelas. Ela não substitui a organização das classes explora-das, mas proporciona aos anarquistas a chance de secolocar a serviço delas.

Nesta prática política de colocar-se a serviço dasclasses exploradas, a organização anarquista é guiada poruma Carta de Princípios. Os princípios são as proposições

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éticas e as noções, ambas inegociáveis, que norteiamtoda a prática política, constituindo modelos para a açãoanarquista. “O pressuposto da coerência com estes mes-mos princípios é que determina a autenticidade ideoló-gica perante o anarquismo.”7 Em nosso caso, a Carta dePrincípios de 20038 define nove princípios: liberdade;ética e valores; federalismo; autogestão; internaciona-lismo; ação direta; classismo; prática política e inserçãosocial; apoio mútuo.

Em primeiro lugar, reivindicamos o princípio daliberdade, afirmando que “a luta pela liberdade antecedea anarquia”. Assim como pensava Bakunin, sustentamosque “a liberdade individual [...] só pode encontrar suaexpressão maior na liberdade coletiva”, sendo que re-chaçamos, portanto, as propostas individualistas de anar-quismo. A busca do socialismo libertário é, assim, a in-cessante luta pela liberdade. Outro princípio absolu-tamente central para nós é o de ética e valores que nosfaz basear toda nossa prática na ética anarquista, que éum “compromisso militante inegociável”. Por meio daética, entre outras coisas, defendemos a coerência entremeios e fins e o respeito mútuo.

Reivindicamos o federalismo e a autogestão comoprincípios de organização não-hierárquica e descen-tralizada, sustentados pelo apoio mútuo e pela livre asso-ciação, assumindo a premissa da AIT, de que todos têmdireitos e deveres. Além disso, são estes princípios quenortearão a gestão da sociedade futura em todos os ní-veis: gestão econômica, política e social, realizada pelospróprios trabalhadores. Enfatizando a necessidade de aslutas serem autogeridas, afirmamos que “ainda que con-

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vivendo com o ultrapassado sistema atual, [a autogestão]potencializa as transformações que apontam para umasociedade igualitária”.

Ao reivindicar o internacionalismo, destacamos ocaráter internacional das lutas e a necessidade de nosassociarmos pelas afinidades de classe e não das na-cionalidades. Um explorado de um país deve ver em umexplorado de outro, um companheiro de luta, e não uminimigo. O internacionalismo opõe-se ao nacionalismoe à exaltação do Estado, já que estes constituem umsentimento de superioridade sobre os demais países epovos, e reforçam o etnocentrismo e o preconceito –primeiros passos para a xenofobia. Todos, independentede sua nacionalidade, são iguais e devem ser livres.

A ação direta é colocada como um princípio pautadona horizontalidade e que estimula o protagonismo dostrabalhadores, opondo-se à democracia representativa,que, como já especificamos, aliena politicamente. Aação direta coloca o povo à frente de suas próprias de-cisões e ações, “ligando trabalhadores e oprimidos aocentro da ação política”.

Além disso, escolhemos nos pautar no classismo, nosdefinindo como uma organização de trabalhadores quedefendem os explorados, e combatem pela extinção dasociedade de classes e pela criação de uma sociedade emque não existam mais senhores e escravos. Por isso, reco-nhecemos e damos prioridade à luta de classes. Para nós,há uma necessidade central de se combater de frente osmales do capitalismo, e para isso é imprescindível a lutaao lado dos explorados, onde as conseqüências da socie-dade de classes tornam-se mais claras e evidentes.

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O princípio de prática política e inserção social reforçaa idéia de que é somente junto das classes exploradasque o anarquismo tem condições de florescer. Portanto,a organização anarquista deve buscar relacionar-se comtodas as manifestações das lutas populares, indepen-dente de onde elas estejam acontecendo. Afirmamosque a interação da organização anarquista com qual-quer manifestação “nos campos social, cultural, do cam-pesinato, sindical, estudantil, comunitário, ecológicoetc., desde que inserida no contexto das lutas pela liber-dade”, contempla a concretização deste princípio.

Como último princípio colocado na Carta, o apoio

mútuo incentiva a solidariedade nas lutas, estimulandoa manutenção de relações fraternas com todos os quetrabalham verdadeiramente por um mundo justo e igua-litário. Ele incentiva a solidariedade efetiva entre osexplorados.

No momento em que realiza o trabalho social, aorganização específica anarquista busca influenciar pro-positivamente os movimentos sociais e, ao mesmo tempo,afastar deles a influência negativa de indivíduos e gruposque, ao invés de defender os interesses do povo, esti-mulando que ele seja protagonista de sua própria eman-cipação, utilizam-no para a realização de outros obje-tivos. Sabemos que políticos, partidos, sindicatos, e mes-mo outras organizações e indivíduos autoritários – comoa Igreja, o tráfico de drogas etc. – constituem obstáculospara a construção da organização popular, visto que pene-tram nos movimentos sociais, na imensa maioria dos casos,buscando usufruir do número de pessoas que lá está pre-sente para: buscar apoio em eleições, constituir base para

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projetos autoritários de poder, obter dinheiro, conquistarfiéis, abrir novos mercados etc. Organizações e indiví-duos autoritários não querem apoiar os movimentos sociais,mas sim utilizá-los para realizar seus (das organizações edos indivíduos autoritários) próprios objetivos, que nãocondizem com os objetivos dos militantes dos movimen-tos sociais – ou seja, os autoritários buscam estabeleceruma relação de domínio sobre os movimentos sociais.

Qualquer anarquista que já tenha militado ou mes-mo visto como funciona o trabalho nos movimentos so-ciais sabe que, se não há uma organização consistente,capaz de dar a força necessária aos anarquistas na per-manente disputa de espaço político, os autoritários tor-nam-se hegemônicos e o trabalho dos anarquistas écompletamente perdido. Os anarquistas, ao não consti-tuírem a força social necessária, de duas uma: ou serãousados pelos autoritários como tarefeiros (vulgo “buchas”),na realização de seus projetos autoritários de poder, ouserão simplesmente afastados. No primeiro caso, falamosdos anarquistas não-organizados especificamente quevão a reboque dos acontecimentos. Ao não estarem or-ganizados, não exercem a influência necessária por te-rem pouca força social. Enquanto não incomodam muito,são permitidos nos movimentos sociais. No segundo caso,falamos de anarquistas isolados que começam a exercercerta influência, ou, no entender autoritário, começama incomodar. Neste caso, são expulsos, afastados ou difa-mados. São literalmente “atropelados” pelos autoritários.Sem a organização necessária, não conseguem se manternos movimentos sociais e muito menos exercer a influên-cia desejada.

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Isso acontece, pois quando não há a devida organi-zação dos anarquistas, é possível que se estabeleçamorganizações autoritárias, ou menos libertárias. Ao tra-tarmos da permanente disputa de espaço político, nãoestamos falando que os anarquistas devem lutar peladireção, chefia, ou qualquer posição de privilégio nosmovimentos sociais. Falamos, ao contrário, da luta in-terna que se dá quando queremos influenciar os movi-mentos sociais a utilizarem as práticas libertárias.

Acreditamos que nunca, em lugar nenhum, há vá-cuo político. Portanto, a partir do momento em que faze-mos prevalecer nossas posições, isso significa, necessaria-mente, uma diminuição de influência dos autoritários evice-versa. Por exemplo: ao ver que alguns anarquistaslutam para que um movimento utilize a ação direta e ademocracia direta, políticos e partidos aparelhistas serãocontra e, a não ser que haja uma organização forte dosanarquistas, com inserção social, e capaz de lutar porestas posições, as posições autoritárias terão grandeschances de prosperar. Ao estarmos devidamente orga-nizados como anarquistas, não vamos a reboque dosacontecimentos, conseguimos marcar as nossas posiçõese exercer nossa influência nos movimentos sociais, pas-sando a ter verdadeira inserção. É por meio da orga-nização específica anarquista que conseguimos estardevidamente organizados para o trabalho que queremosdesenvolver nos mais diversos movimentos sociais.

A organização anarquista deve ser a conti-nuação de nossos esforços e da nossa propagan-da; ela deve ser a conselheira libertária que nos

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guia em nossa ação de combate cotidiano. Pode-mos nos basear em seu programa para difundir anossa ação em outros campos, em todas as orga-nizações especiais de luta particulares nas quaispossamos penetrar e levar nossa atividade e ação:por exemplo, nos sindicatos, nas sociedades anti-militaristas, nos agrupamentos anti-religiosos eanticlericais etc. Nossa organização especialpode servir igualmente como um terreno para aconcentração anarquista (não de centralização!),como um campo de acordo, de entendimento ede solidariedade a mais completa possível entrenós. Quanto mais estivermos unidos, menor seráo perigo de que sejamos arrastados nas incoerên-cias ou, que desviemos nosso ímpeto de luta parabatalhas e escaramuças onde, outros que não es-tão de forma alguma de acordo conosco, pode-riam cortar-nos as mãos.9

Assim, a organização anarquista, além de ser res-ponsável por sua prática política nos diversos campos,serve para aumentar a força social dos anarquistas dentrodeles. Dentre as diversas forças presentes nestes espaços,os anarquistas devem se destacar e conseguir concretizarsuas posições.

Esta prática política em diversos campos exige quea organização anarquista divida-se em frentes, que sãoos agrupamentos internos que levam a cabo o trabalhosocial. Geralmente, as organizações que trabalham comesta metodologia, sugerem que se desenvolvam três fren-tes básicas: sindical, comunitária e estudantil. Diferen-temente, acreditamos que as frentes devem se dividir,

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não a partir destes espaços se inserção pré-estipulados,mas sim com base nos trabalhos práticos da organização.Em nosso entender, não deve haver a obrigação de sedesenvolver trabalhos nestas três frentes e, além disso, épossível que haja outros espaços interessantes que exijamfrentes dedicadas.

Cada organização deve buscar os espaços mais pro-pícios para o desenvolvimento de seu trabalho social e, apartir desta necessidade prática, formar suas frentes.Assim, se houver trabalho no meio estudantil, pode ha-ver uma frente estudantil. Se houver trabalho sindical,pode haver uma frente sindical. No entanto, se outrostrabalhos se desenvolverem, por exemplo, com os movi-mentos rurais, ou com os movimentos urbanos etc., asfrentes devem acompanhar esta divisão. Ou seja, aoinvés de ter somente uma frente comunitária que tra-balha com os movimentos sociais rurais e urbanos, pode-se criar uma frente de movimentos rurais e uma outrafrente de movimentos urbanos. Neste sentido, defen-demos um modelo de frentes dinâmicas, que dão contada divisão interna da organização específica anarquista,para a realização prática dos trabalhos sociais, da melhormaneira possível.

As frentes são responsáveis, em seu respectivo es-paço de trabalho, pela criação e desenvolvimento demovimentos sociais e também por garantir que os anar-quistas ocupem espaço político – espaço este que está empermanente disputa – e exerçam a devida influêncianestes movimentos.

No caso de nossa organização, iniciamos os traba-lhos sociais divididos em duas frentes. A “frente comu-

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nitária”, que agrega os trabalhos de gestão da BibliotecaSocial Fábio Luz (BSFL), do Centro de Cultura Socialdo Rio de Janeiro (CCS-RJ) e seus trabalhos comuni-tários, do Núcleo de Pesquisa Marques da Costa (NPMC)e do Círculo de Estudos Libertários Ideal Peres (CELIP).A outra era a “frente de ocupações” que estava envol-vida com as ocupações urbanas e a Frente Internaciona-lista dos Sem-Teto (FIST). Com a mudança na conjun-tura, deixamos a FIST, continuamos com o trabalho comas ocupações e passamos a nuclear alguns ocupantes, emuitos outros desempregados, no Movimento dos Traba-lhadores Desempregados (MTD). Este movimento passoua ter grande relevância nesta frente. Assim, a “frente deocupações” passou a se chamar “frente de movimentossociais urbanos”. Da mesma forma, por julgarmos neces-sário, constituímos uma terceira frente: a “frente agro-ecológica” (Anarquismo e Natureza), a partir de tra-balhos práticos em movimentos sociais rurais, de ecolo-gia e agricultura, que começaram a ser desenvolvidospela organização. Desta maneira, sustentamos que asfrentes se adaptem ao contexto prático de trabalho. Ilus-tremos como isso funciona na prática.

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Sendo OEA a organização específica anarquista(dividida nas frentes A, B e C) e MS os movimentossociais, a OEA se divide internamente nas frentes queatuam, cada uma, em um determinado MS ou setor deMS. Neste caso, supondo-se que a OEA trabalhe comtrês MS, ou com três setores de MS, ela se divide para otrabalho em três frentes. A frente A trabalha com o MSA ou com o setor A de determinados MS. A frente Btrabalha com o MS B ou com o setor B de determinadosMS, e assim por diante. Dando exemplos práticos: aOEA pode estar dividida em frente sindical (A), frentecomunitária (B) e frente estudantil (C) e cada umadelas atuará em um MS. A frente A atuará no movi-mento sindical, a frente B no comunitário e a C no estu-dantil. No nosso caso, hoje nossa OEA está dividida emtrês frentes: movimentos sociais urbanos (A), comuni-tária (B) e agroecológica (Anarquismo e Natureza) (C).Cada uma delas tem trabalho em um ou mais movimen-tos sociais. A frente A no movimento sem-teto e noMTD, a frente B no movimento comunitário e a frenteC nos movimentos rurais, de ecologia e agricultura.

Além desta divisão interna em frentes, que fun-ciona para o trabalho social, a organização específicaanarquista utiliza, tanto para seu funcionamento internoquanto externo, a lógica do que chamamos “círculosconcêntricos” – fortemente inspirada no modelo organi-zacional bakuninista. O principal motivo de adotarmosesta lógica de funcionamento é porque, para nós, a orga-nização anarquista precisa prever diferentes instânciasde atuação. Estas diferentes instâncias devem potencia-lizar seu trabalho permitindo, ao mesmo tempo, reunir

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militantes preparados e com alto grau de compromisso, eaproximar pessoas simpáticas à teoria ou prática da orga-nização – que podem ser mais ou menos preparadas, maisou menos compromissadas. Em suma, os círculos concên-tricos buscam resolver um importante paradoxo: a orga-nização anarquista precisa ser fechada o suficiente parater militantes preparados, compromissados e alinhadospoliticamente; e aberta o suficiente para aproximar no-vos militantes.

Grande parte dos problemas que acontece nas or-ganizações anarquistas se dá por elas não funcionarempela lógica dos círculos concêntricos e por não preveremestas diversas instâncias de atuação. Uma pessoa que sediz anarquista e que se interessa pelos trabalhos da orga-nização, apesar de não conhecer em profundidade alinha política deve estar na organização? Um leigo, inte-ressado nas idéias anarquistas deve estar na organização?Como se relacionar com “libertários” – no conceito maisamplo do termo – que não se dizem anarquistas? Elesdevem estar na organização? E os membros mais velhos,que já desenvolveram trabalhos importantes, mas quehoje querem estar próximos, mas não se dedicam àsatividades permanentes da organização? E aqueles quesó podem dedicar um raro tempo para a militância? Asquestões são muitas. Outros problemas acontecem porhaver dúvidas na realização do trabalho social. A orga-nização deve se apresentar como uma organização anar-quista nos movimentos sociais? No trabalho social, elapode fazer alianças com outros indivíduos, grupos e orga-nizações que não são anarquistas? Neste caso, quais sãoos pontos em comum para se defender? Como realizar o

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trabalho social em um campo com pessoas de ideologiasdiferentes, mantendo a identidade anarquista? Comofazer para o anarquismo não perder sua identidade quandoem contato com os movimentos sociais? Neste pontotambém há muitas questões.

Os círculos concêntricos têm por objetivo propor-cionar um lugar claro para cada um dos militantes esimpatizantes da organização. Além disso, buscam faci-litar e potencializar o trabalho social da organizaçãoanarquista; e finalmente, estabelecer um fluxo para acaptação de novos militantes.

Na prática, a lógica dos círculos concêntricos seestabelece da forma seguinte. Dentro da organizaçãoespecífica anarquista só estão anarquistas que, em maiorou menor medida, podem elaborar, reproduzir e aplicar alinha política da organização, internamente, nas frentese atividades públicas. Também em maior ou menor me-dida, os militantes devem poder auxiliar na elaboração dalinha estratégica-tática da organização, assim como tercapacidade plena de reproduzi-la e aplicá-la. Na organi-zação, os militantes assumem funções internas – sejamelas executivas, deliberativas ou extraordinárias – e tam-bém externas, no que diz respeito ao trabalho social. Asfunções assumidas pelos militantes dentro da organiza-ção obedecem à autogestão e ao federalismo, ou seja, àsdecisões horizontais, em que todos os militantes têm omesmo poder de voz, de voto, e que, em casos específicos,há a delegação com mandato imperativo. As funções aserem realizadas pelos delegados devem ser muito bemdefinidas, para que eles “não possam agir em nome daassociação a não ser quando seus membros lhes tenham

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explicitamente autorizado; eles devem executar somenteaquilo que os associados decidiram e não ditar aos associa-dos o rumo a seguir”10. Além disso, as funções devembuscar uma certa rotatividade, que terá por objetivo ha-bilitar a todos e evitar posições ou funções cristalizadas.

A organização específica anarquista pode ter somenteum círculo de militantes, estando todos eles na mesmainstância, ou ter mais de um círculo, sendo os critériosdefinidos coletivamente e podendo ser, por exemplo, otempo em que a pessoa está na organização ou sua condi-ção de elaboração das linhas política ou estratégica-tática. Assim, os militantes mais novos ou com menoscondições de elaboração das linhas podem estar em umcírculo mais externo (distante) e os militantes mais ex-perientes, com mais condições de elaboração das linhasem outro mais interno (próximo). Não há hierarquiaentre os círculos, mas a idéia é que quanto mais “paradentro”, ou quanto mais próximo, está o militante, maiscondições ele tem de formular, compreender, reproduzire aplicar as linhas da organização. Quando mais “paradentro” está o militante, maior é o seu nível de compro-misso e mais ele delibera. Quanto mais ele se oferecepara a organização, mais ele é cobrado por ela. São osmilitantes que decidem este seu nível de compromissoe, baseado nesta escolha, eles participam ou não dasinstâncias de deliberação. Assim, os militantes escolhemo quanto querem se comprometer e, quanto mais eles secomprometerem, mais eles decidirão. Quanto menos elesse comprometerem, menos eles decidirão.

Isso não significa que a posição dos mais compro-metidos vale mais do que a dos menos comprometidos.

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Significa que eles participarão de instâncias decisóriasdiferentes. Por exemplo: os mais comprometidos partici-parão com voz e voto dos Congressos, que definirão aslinhas política e estratégica da organização; os menoscomprometidos não participarão dos Congressos, ou par-ticiparão somente como ouvintes, e participarão dasassembléias mensais onde as táticas e aplicações práticasdas linhas são definidas.

Assim, dentro da organização específica anarquistapode haver um ou mais círculos, que devem ser sempredefinidos pelo nível de compromisso dos militantes. Emcaso de haver mais de um nível, isso deve estar claropara todos, e os critérios para mudança de nível dispo-nível para os militantes. É, portanto, o militante queescolhe onde ele quer estar.

O próximo círculo, mais externo e distante do nú-cleo da organização anarquista, já não faz parte da orga-nização, mas possui uma importância fundamental: o ní-vel dos militantes de apoio. Esta instância busca agrupartodas as pessoas que possuem afinidades ideológicas coma organização anarquista. Os militantes de apoio sãoresponsáveis por auxiliar a organização em seus trabalhospráticos, como por exemplo: na edição de panfletos, pe-riódicos ou livros; na divulgação de material de propa-ganda; no auxílio no trabalho de produção de teoria oude análises de conjuntura; na realização de atividadespráticas para o trabalho social: atividades comunitárias,auxílio nos trabalhos de formação, atividades de logís-tica, auxílio na organização dos trabalhos etc. Esta ins-tância de apoio é onde as pessoas que possuem afinida-des com a organização anarquista e seus trabalhos têm

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contatos com outros militantes, podem aprofundar o co-nhecimento sobre a linha política da organização, co-nhecer melhor as atividades realizadas, aprofundar suavisão do anarquismo etc.

Portanto, a instância de apoio possui a importantefunção de auxiliar a organização anarquista a colocarem prática as suas atividades, buscando aproximar osinteressados. Esta aproximação tem como objetivo futuroque alguns destes militantes de apoio tornem-se mili-tantes da organização. A organização específica anar-quista aproxima o maior número possível de militantesde apoio e, no trabalho prático, identifica aqueles quese interessam em entrar na organização e que possuemum perfil adequado para a militância. A proposta deentrada na organização pode ser feita dos militantes daorganização para os militantes de apoio e vice-versa.Mesmo sendo cada militante que escolhe nível de com-promisso que quer ter com a organização e onde querestar, o objetivo da organização anarquista é sempre tero maior número de militantes nos círculos mais internos,com maior nível de compromisso.

Vamos dar um exemplo prático: suponhamos queuma organização tenha deliberado trabalhar, interna-mente, com dois níveis de compromisso – ou dois círcu-los. Quando os militantes são novos, ingressam em umnível de “militante” e quando se passam seis meses e omilitante está preparado e comprometido, ele passa aonível de “militante pleno”. Vamos supor também queesta organização resolva ter um nível de militantes deapoio. O objetivo da organização será aproximar o maiornúmero possível de militantes de apoio e, com base na

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afinidade de cada um com a organização, passá-los aonível de militante e, depois de seis meses, estando prepa-rados, ao nível de militante pleno. Ilustremos como issopode funcionar na prática.

Sendo AP o nível de militantes de apoio, M demilitantes e MP de militantes plenos, o objetivo é ofluxo apontado pela flecha cinza. Passar de AP para Me de M para MP. Quem tiver interesse, segue este fluxoe quem não tiver, fica onde achar melhor. Por exemplo,se uma pessoa quer dar auxílios esporádicos, e não maisdo que isso, pode querer ficar sempre em AP. A questãoaqui é que toda vontade de trabalho de pessoas afinsdeve ser aproveitada pela organização. Não é porqueuma pessoa tem pouco tempo, ou porque prefere ajudarde vez em quando que ela deve ficar afastada. Dentrode uma organização específica anarquista, deve haverlugar para todos os que querem contribuir. “O critériode seleção que nunca falha são os feitos. A aptidão e aeficácia do militante são medidas, fundamentalmente,

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pelo entusiasmo e a aplicação com que desempenha suastarefas.”11

A lógica dos círculos concêntricos exige que cadamilitante e a própria organização tenham muito bemdefinidos os direitos e deveres de cada um dos níveis decompromisso. Isso porque não é justo que alguém tomedecisões sobre aquilo que não vai cumprir. Um militantede apoio, que freqüenta as atividades uma vez por mês efaz contribuições esporádicas, por exemplo, não podedeliberar sobre regras ou atividades que terão de sercumpridas ou realizadas diariamente, visto que ele es-tará deliberando algo muito mais para os outros militan-tes do que para si mesmo.

É uma prática muito comum em grupos libertários,pessoas que possuem contribuições esporádicas decidi-rem sobre questões que quem acaba cumprindo ou rea-lizando são os membros com contribuições mais perma-nentes. É muito fácil para um militante que aparece devez em quando querer definir, por exemplo, a linha po-lítica da organização, já que não é ele que terá de seguiresta linha na grande maioria do tempo.

Estas são formas desproporcionais de tomada de de-cisão em que uns acabam deliberando algo para queoutros realizem. No modelo dos círculos concêntricos,buscamos um sistema de direitos e deveres de forma quecada um tome decisões dentro daquilo que poderá edeverá cumprir depois. Assim, é normal que os militan-tes de apoio deliberem somente sobre aquilo que elesmesmos poderão realizar. Da mesma forma, é normal queos militantes da organização deliberem sobre aquilo queirão realizar. Desta maneira, tornamos proporcionais as

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deliberações e seus cumprimentos e isso implica que aorganização tenha critérios claros de entrada, definindobem quem faz e quem não faz parte dela, e em que nívelde compromisso estão os militantes.

Um importante critério de entrada é que todos osmilitantes que entrarem na organização devem concor-dar com sua linha política. Para isso, a organização anar-quista deve possuir material teórico que explicite estalinha – de maneira menos aprofundada para quem aindanão é membro da organização e de maneira mais apro-fundada para militantes. Quando alguém se interessapelo trabalho da organização anarquista, mostrandointeresse de aproximação, deve-se colocar esta pessoacomo militante de apoio, passando a dar a ele o acom-panhamento necessário. Como militante de apoio, de-pois de conhecer a linha política de maneira um poucomais aprofundada, e de possuir afinidades com os tra-balhos práticos da organização, a pessoa pode mostrarinteresse em ingressar na organização ou a organizaçãopode manifestar seu interesse para que este militante deapoio seja um militante. Em ambos os casos, o militantede apoio deve receber acompanhamento permanente daorganização anarquista, que lhe passará material teóricoque aprofunde sua linha política. Um ou mais militantesque conheçam bem esta linha discutirão, debaterão dú-vidas, farão esclarecimentos. Havendo acordo do mili-tante de apoio com a linha política da organização, ehavendo acordo de ambas as partes, o militante integraa organização. É importante que em um período inicialcada novo militante tenha um acompanhamento de umoutro antigo, que o orientará e preparará para o trabalho.

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De qualquer forma, a organização anarquista deve sem-pre preocupar-se com a formação e o acompanhamentodos militantes de apoio e militantes, de forma que issopossa permitir-lhes mudar de nível de compromisso, seassim quiserem.

Esta mesma lógica dos círculos concêntricos fun-ciona para o trabalho social. Por meio dela, a organizaçãoanarquista se articula para realizar o trabalho social damaneira mais adequada e efetiva. Como vimos, interna-mente a organização anarquista se divide em frentes,para a realização do trabalho prático. Para esta realiza-ção, há organizações que preferem estabelecer relaçõesdiretas com os movimentos sociais. Há outras que prefe-rem apresentar-se por uma organização social interme-diária, que podemos chamar de agrupamento de ten-dência.

Participar da tendência supõe aceitar um con-junto de definições que podem ser compartilha-das por companheiros de diversas origens ideoló-gicas, mas que compartilham certas exclusões (ados reformistas, por exemplo) imprescindíveis, sese procura obter um mínimo de verdadeira coe-rência operacional. [...] Os agrupamentos detendência coordenados entre si e enraizados nossetores mais combativos do povo [...] são um ní-vel superior ao anterior [o nível de massas].12

O agrupamento de tendência coloca-se então entreos movimentos sociais e a organização específica anar-quista, reunindo militantes de ideologias distintas quepossuem afinidades em relação a algumas questões práticas.

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Como enfatizamos, há organizações anarquistas pre-ferem apresentar-se diretamente nos movimentos so-ciais, sem a necessidade dos agrupamentos de tendên-cias, e outras preferem apresentar-se por meio deles. Emambos os casos há pontos positivos e negativos e cadaorganização deve definir a melhor forma atuar. Como ospontos de vista que defendemos nos movimentos sociaissão muito mais práticos do que teóricos, pode ser inte-ressante trabalhar com um agrupamento de tendência,agregando nele pessoas que concordam com algumas outodas as posições que defendemos nos movimentos so-ciais (força, classismo, autonomia, combatividade, açãodireta, democracia direta e perspectiva revolucionária)e que nos ajudarão aumentar a força social na defesadestas posições.

Da mesma forma que no esquema acima, a idéia éque a organização específica anarquista busque inserçãoneste nível intermediário (agrupamento de tendência)e, por meio dele, apresente-se, realize seu trabalho nosmovimentos sociais buscando inserção social. Ilustremosnovamente como isso funciona na prática.

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Sendo OEA a organização específica anarquista,AT o agrupamento de tendência e MS o movimentosocial, haverá dois fluxos.

O primeiro, da influência da OEA, que buscará sedar no AT e deste no MS. Vejamos alguns exemplospráticos. A organização anarquista que desejar atuar emum sindicato poderá compor uma tendência com outrosmilitantes do movimento sindical que defendam algu-mas bandeiras específicas (perspectiva revolucionária,ação direta etc.) e por meio desta tendência, influenciaro movimento sindical, ou o sindicato em que se atua. Ouentão, a organização anarquista deseja trabalhar com omovimento sem-terra e para isso, reúne no agrupamentode tendência pessoas que defendem posições semelhan-tes no movimento social (autonomia, democracia diretaetc.). Por meio deste agrupamento de tendência, a orga-nização específica anarquista atua no movimento sem-terra e, assim, busca influenciá-lo.

Esta forma de organização objetiva resolver um pro-blema muito comum que encontramos na militância.Quando, por exemplo, conhecemos militantes muitodedicados, revolucionários, que defendem a autogestão,autonomia, democracia de base, democracia direta, etc.e deixamos de atuar com eles por não serem anarquistas.Estes militantes podem atuar com os anarquistas nosagrupamentos de tendência e defender juntos suas po-sições nos movimentos sociais.

O segundo fluxo que está no desenho mostra oobjetivo do fluxo de militantes. Ou seja, neste esquemade atuação, o objetivo é levar as pessoas do movimentosocial que tenham afinidades práticas com os anarquis-

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tas para dentro dos agrupamentos de tendência e dentrodele, aproximar da organização anarquista aqueles quepossuem afinidades ideológicas. Da mesma forma que noesquema anterior, se um militante possui grandes afini-dades práticas com os anarquistas, mas não é anarquista,ele deve ser membro da tendência e será fundamentalpara a realização do trabalho social. Se ele possui afini-dades ideológicas, poderá se aproximar ou mesmo inte-grar a organização.

O objetivo da organização anarquista não é trans-formar todos os militantes em anarquistas, mas sabertrabalhar com cada um dos militantes, da maneira maisadequada. Havendo interesses mútuos (do movimentosocial para a tendência ou da tendência para a organi-zação anarquista) os militantes podem modificar suasposições nos círculos. Não havendo, cada um atua ondeachar mais pertinente.

O processo decisório utilizado na organização espe-cífica anarquista é a tentativa de consenso, utilizando avotação quando o consenso não for possível. Diferentede parte das organizações e grupos libertários, acredita-mos que o consenso não deve ser obrigatório. Comomencionamos anteriormente, além de o consenso seruma forma de tomada de decisões muito pouco efi-ciente, tornando-se inviável quanto mais aumenta onúmero de pessoas envolvidas nas decisões, ele possui ograve problema de dar grande poder a agentes isolados.Em uma organização de 20 militantes, um poderia blo-quear o consenso, ou mesmo, se 19 estivessem favoráveisa uma posição e 1 a outra, teria de haver um “meio ter-mo” que consideraria de maneira muito desproporcional

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o único dissidente. Para dar a devida eficiência ao pro-cesso decisório e não conferir muito poder a agentesisolados, escolhemos este modelo de decisão de tenta-tiva de consenso e, quando não for possível, voto. “Se forno próprio seio da organização que o desacordo surgir,que a divisão entre maioria e minoria aparecer por ques-tões secundárias, sobre modalidades práticas ou sobrecasos especiais [...], então poderá ocorrer com maior oumenor facilidade que a minoria se incline a fazer con-forme a maioria.”13 No caso de votação, todos os mili-tantes da organização, mesmo aqueles que forem votovencido, têm obrigação de seguir a posição que venceu.Este processo decisório é utilizado para o estabeleci-mento da unidade teórica e ideológica e também para aunidade estratégica e tática. Voltaremos a elas mais afrente. Neste momento basta enfatizar que para a lutaque queremos travar, temos de por fim à dispersão e àdesorganização e “a forma de superar isso é criar umaorganização que [... se baseie] sobre a base de posiçõestáticas e teóricas específicas, e que nos leve a um firmeentendimento de como estas se devem aplicar na prá-tica”14.

É importante colocar, também, que os militantesdevem ter bom-senso na hora das deliberações por voto.Deve-se observar com cuidado as posições dos militantesque estão mais próximos das questões que são votadas,pois estas posições são mais importantes do que as da-queles que não estão próximos, apesar de elas terem omesmo peso na votação. Quando acontece uma votação,pode ser simples para militantes não envolvidos com aquestão que está sendo votada determinar aquilo que

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outros terão de fazer. Situações deste tipo exigem cui-dado, devendo ser evitadas aquelas em que todos osmembros que forem realizar o que foi deliberado percama votação e sejam obrigados a aplicar o que foi deter-minado por outros.

Ainda em relação às decisões, no momento em queelas estejam sendo tomadas “deve haver um grande es-paço para todas as discussões e todos os pontos de vistadevem ser analisados com todo o cuidado”15. Após adeliberação, se dividem “as responsabilidades, ficando osmembros formalmente responsáveis por sua execução”,já que “a organização não faz nada por si só”. Então,“todas as atividades que se deliberar e que forem deresponsabilidade da organização terão, de um jeito ou deoutro, de ser executadas pelos seus membros” e, para estaexecução, há a “necessidade de se dividir as atividadesentre os militantes, buscando sempre um modelo quedistribua bem essas atividades e que fuja da concen-tração de tarefas sobre os membros mais ativos ou capa-zes”. “A partir do momento em que um militante assumeuma ou mais tarefas para com a organização, ele tem aobrigação de realizá-la e uma grande responsabilidadeperante o grupo [...]. É a relação de compromisso que omilitante assume com a organização.”

Além disso, acreditamos ser relevante, mais umavez, reafirmarmos que “a autodisciplina é o motor daorganização autogestionária” sendo isso também válidopara a organização específica anarquista. Assim, “cadaum que assume uma responsabilidade deve ter disci-plina o suficiente para executá-la. Da mesma forma,quando a organização determina uma linha a seguir ou

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algo a se realizar, é a disciplina individual que fará comque aquilo que se deliberou coletivamente se realize.”Pontuemos:

nós também pedimos disciplina, porque, sem en-tendimento, sem coordenação de esforços decada um para uma ação comum e simultânea, avitória não é materialmente possível. Mas a dis-ciplina não deve ser uma disciplina servil, umadevoção cega aos chefes, uma obediência àqueleque sempre diz para não se mexer. A disciplinarevolucionária é a coerência com as idéias acei-tas, a fidelidade aos compromissos assumidos, ése sentir obrigado a partilhar o trabalho e osriscos com os companheiros de luta.16

“Acreditamos que para que a nossa luta tenha fru-tos promissores, é fundamental que cada um dos militan-tes da organização tenha alto grau de comprometi-mento, responsabilidade e autodisciplina.”17 “É a von-tade e o compromisso militante que farão com que cami-nhemos dia após dia, para o desenvolvimento das ativi-dades da organização e para que possamos superar osobstáculos e preparar terreno para nossos objetivos delongo prazo.”18 Enfim, devemos saber que “a responsa-bilidade e a disciplina organizacionais não devem horro-rizar: elas são companheiras de viagem da prática doanarquismo social”19.

Esta posição coloca uma relação de co-responsa-bilidade entre o militante e a organização, sendo que aorganização anarquista “será responsável pela atividaderevolucionária e política de cada membro, do mesmo

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modo que cada membro será responsável pela atividaderevolucionária e política”20 da organização anarquista.

TRABALHO E INSERÇÃO SOCIAL

O trabalho social e a inserção social são as ativi-dades mais importantes da organização específica anar-quista.

Como já tratamos, vivemos em uma sociedade quecoloca em campos opostos a classe dominante e as clas-ses exploradas. Recordemos também que nossa luta épelo estabelecimento de uma sociedade sem classes, osocialismo libertário. E que a forma de se chegar a estanova sociedade, em nosso entender, é por meio da lutados movimentos sociais, de sua conformação em orga-nização popular e da revolução social. Para tanto, todoeste processo deve se dar no seio das classes exploradas,que são as verdadeiras protagonistas da transformaçãosocial que reivindicamos.

Assim, se a luta do anarquismo aponta para os obje-tivos finalistas de revolução social e socialismo libertário,e se entendemos serem as classes exploradas as prota-gonistas da transformação rumo a estes objetivos, não háoutro caminho ao anarquismo senão buscar uma formade interação com estas classes. Por este motivo,

o anarquismo não pode continuar aprisionadonos limites de um pensamento marginal e reivin-dicado unicamente por uns poucos grupelhos, emsuas ações isoladas. Sua influência natural sobrea mentalidade dos grupos humanos em luta é mais

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do que evidente. Para que esta influência sejaassimilada de modo consciente, ele deve, dora-vante, se munir de novos meios e iniciar desdejá o caminho das práticas sociais.21

Na luta de classes, as classes exploradas estão sem-pre em conflito com a classe dominante. Este conflitopode se manifestar de maneira mais ou menos espontâ-nea, mais ou menos organizada. O fato é que as contra-dições do capitalismo geram uma série de manifestaçõesdas classes exploradas e nós consideramos ser este omelhor terreno para plantar as sementes do anarquismo.Neno Vasco, ao falar da sementeira, utilizava uma metá-fora para dizer que os anarquistas deveriam plantar assuas sementes nos terrenos mais férteis. Como já enfati-zamos, para nós, este terreno é o campo da luta de classes.

Já que pretendemos plantar nossas sementes noseio da luta de classes, e já que entendemos serem asclasses exploradas as protagonistas do processo de trans-formação social, estamos assumindo que para o anar-quismo chegar aos seus objetivos finalistas, as classesexploradas são imprescindíveis. Quando explicitamoseste ponto de vista, não estamos idolatrando essas classesou mesmo assumindo que tudo o que fazem é semprecerto, mas estamos enfatizando que sua participação noprocesso de transformação social é absolutamente cen-tral. Portanto, nós anarquistas, “devemos sempre estarcom o povo”22.

A forma de a organização específica anarquista bus-car interação com as classes exploradas é por meio doque chamamos trabalho social. O trabalho social é a

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atividade que a organização anarquista realiza em meioà luta de classes, fazendo o anarquismo interagir com asclasses exploradas. O trabalho social dá ao nível políticodo anarquismo, um nível social, um corpo sem o qual oanarquismo é estéril. Por meio do trabalho social o anar-quismo consegue realizar sua função de ser o fermentodas lutas de nosso tempo. O trabalho social da organiza-ção anarquista se dá de duas maneiras: 1.) Com o traba-lho permanente com movimentos sociais já existentes e2.) Com a criação de novos movimentos sociais.

Desde nossa fundação, pensamos ser os movimentossociais terreno privilegiado para nossa atuação, conformecolocado em nossa Carta de Princípios, quando afir-mamos: “a FARJ propõe-se a trabalhar – desde já e semintermediações – no sentido de interferir nas diversasrealidades que compõem o universo dos movimentossociais”23. Conforme tratamos anteriormente, entende-mos os movimentos sociais como resultado de “um tripécomposto pela necessidade, vontade e organização”.Assim, os anarquistas organizados devem buscar estimu-lar a vontade e a organização para uma mobilização quese baseie fundamentalmente na necessidade das classesexploradas. Estas, na maioria dos casos, estão desmobili-zadas por “não terem o sentimento do seu direito, nem afé na sua força; e como nem têm este sentimento, nemesta fé, [...] continuam a ser, durante séculos, escravosimpotentes”24. Neste processo de mobilização, devemosestimular este sentimento e esta fé. A partir de então, aquestão da necessidade torna-se central, pois é por meiodela que se dá a mobilização. Poucos são aqueles queestão dispostos a lutar por uma idéia que só trará resulta-

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dos de longo prazo. Por isso, para mobilizar o povo, deve-mos, antes de tudo, tratar das questões e dos problemasconcretos que o afligem e que estão próximos a ele. Paraconquistar sua confiança e a adesão

[...] é preciso começar por falar-lhe, não dosmales gerais de todo o proletariado internacio-nal, nem das causas gerais que lhe dão nascen-ça, mas dos seus males particulares, cotidianos,privados. É preciso falar-lhe de sua profissão e dascondições do seu trabalho, precisamente na lo-calidade em que habita; da duração e da grandeextensão do seu trabalho cotidiano, da insufi-ciência de seu salário, da maldade do seu patrão,da carestia dos víveres e da sua impossibilidadede nutrir e de instruir convenientemente suafamília. E propondo-lhes meios para combater osseus males e para melhorar a sua posição, não épreciso falar-lhe logo dos objetivos gerais e re-volucionários. [...] Primeiramente só é precisopropor-lhes objetivos que seu bom senso naturale sua experiência cotidiana não possam ignorara utilidade, nem repeli-los.25

Desta mesma forma, no processo de mobilização,pode-se colocar a questão de as pessoas não possuíremempregos, de não possuírem um lugar para morar etc. Porisso, a função da organização anarquista é explicitar asnecessidades e mobilizar em torno delas. Seja na criaçãode movimentos sociais ou no trabalho com movimentosjá existentes, a idéia central é sempre mobilizar em tornoda necessidade.

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Os movimentos sociais são as instâncias em que sedá a mobilização das classes exploradas e, portanto, sãoesses movimentos que fazem com que elas tenham umaprática política. Sua prática política desenvolve-se pormeio de “toda atividade que tenha por objeto a relação[de confronto] dos explorados e oprimidos com os orga-nismos do poder político, o Estado, o governo e suasdistintas expressões”26 além de outros organismos de sus-tentação do sistema capitalista. A prática política buscacolocar o povo em combate contra as forças do sistemaque o oprime e, portanto, incita o enfrentamento a estasforças, “a defesa e a ampliação das liberdades públicas eindividuais, a capacidade de propostas que correspon-dam ao interesse geral da população ou a aspectos par-ciais do mesmo”. A prática política também pode ser “ainsurreição como instância de questionamento violentoa uma situação que queremos mudar [... e também] aspropostas que, recolhendo as reivindicações popularesenfrentam os organismos de poder, apresentam soluçõesa questões gerais e concretas e obrigam aqueles organis-mos de poder a adotá-las e torná-las válidas para o con-junto da sociedade”.

Por meio de sua prática política, os movimentos so-ciais devem impor todas suas conquistas às forças docapitalismo e do Estado. O povo deve exigir, impor erealizar, ele mesmo, todas as melhorias, conquistas, liber-dades desejadas, conforme for sentindo necessidade, pormeio da organização e da vontade. Estas reivindicaçõesdevem ser permanentes e aumentar progressivamente,exigindo cada vez mais, e buscando completa emanci-pação das classes exploradas.

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Quaisquer que sejam os resultados práticosda luta pelas melhorias imediatas, sua principalutilidade reside na própria luta. É por ela que ostrabalhadores aprendem a defender seus interes-ses de classe, compreendem que os patrões e osgovernos têm interesses opostos aos seus, e quenão podem melhorar suas condições, e aindamenos se emancipar, senão unindo-se entre si etornando-se mais fortes. [...] Se conseguiremobter o que desejam, viverão melhor. Ganharãomais, trabalharão menos, terão mais tempo e forçapara refletir sobre as coisas que os interessam; eeles sentirão de repente desejos e necessidadesmaiores. Se não obtiverem êxito, serão levados aestudar as causas de seu fracasso e a reconhecera necessidade de maior união, maior energia; ecompreenderão, enfim, que para vencer, segurae definitivamente, é preciso destruir o capita-lismo.27

A prática política dos movimentos sociais traduzidanas lutas pelas conquistas de curto prazo traz o sentidopedagógico de ganho de consciência aos militantes, emcaso de vitórias ou mesmo de derrotas.

Da mesma maneira funciona a prática política daorganização específica anarquista. Afirmamos anterior-mente que entendemos o anarquismo como uma ideo-logia e, neste caso, “um conjunto de idéias, motivações,aspirações, valores, estrutura ou sistema de conceitos,que possuem uma conexão direta com a ação – o quechamamos de prática política”. O trabalho social é aprincipal parte da prática política da organização anar-

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quista que, neste caso, interage com as classes explo-radas organizadas nos movimentos sociais, retirando oanarquismo dos pequenos círculos e semeando ampla-mente suas idéias no seio da luta de classes.

Apesar disso, para nós, mais do que simplesmenteinteragir com os movimentos sociais, o trabalho social daorganização específica anarquista deve buscar influen-ciá-los na prática, fazendo com que tenham determi-nadas características de funcionamento. Chamamos deinserção social o processo de influência dos movimentossociais a partir da prática anarquista. Assim, a orga-nização anarquista possui trabalho social quando cria oudesenvolve trabalho com movimentos sociais e possuiinserção social quando consegue influenciar os movi-mentos com as práticas anarquistas.

A inserção social não tem por objetivo “ideologizar”os movimentos sociais, transformando-os em movimen-tos sociais anarquistas. Diferentemente, ela busca dar aeles algumas características determinadas, de forma quepossam caminhar para a construção e desenvolvimentoda organização popular, e apontar para a revolução sociale o socialismo libertário. Busca fazer os movimentos so-ciais irem o mais longe possível.

Não queremos “esperar que as massas setornem anarquistas” para fazer a revolução; tantomais de que estamos convencidos de que elasnunca se o tornarão se inicialmente não derru-barmos, pela violência, as instituições que asmantêm em escravidão. Como precisamos do con-curso das massas para constituir uma força ma-

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terial suficiente, e para alcançar o nosso obje-tivo específico que é a mudança radical do orga-nismo social graças à ação direta das massas, de-vemos nos aproximar delas, aceitá-las como elassão e, como parte das massas, fazê-las ir o maislonge possível. Isso se quisermos, evidentemente,trabalhar de fato para realizar, na prática, nossosideais, e não nos contentar em pregar no deserto,para a simples satisfação de nosso orgulho inte-lectual.28

Recordemos que defendemos a posição que é aideologia que deve estar dentro dos movimentos sociaise não os movimentos sociais que devem estar dentro daideologia. A organização específica anarquista interagecom os movimentos sociais buscando influenciá-los a teras formas mais libertárias e igualitárias possíveis.29 Apesarde tratarmos o anarquismo e os movimentos sociais comoníveis de atuação diferentes, acreditamos que há umarelação de influência mútua entre os dois. Esta relação,complementar e dialética, faz com que o anarquismoinfluencie os movimentos sociais, e que os movimentossociais influenciem o anarquismo. Quando tratamos dainserção social, estamos falando da influência do anar-quismo nos movimentos sociais. Nesta relação, apesar desustentarmos uma separação entre os níveis político (daorganização anarquista) e social (dos movimentos so-ciais), não acreditamos que há hierarquia nem domíniodo nível político para o nível social. Não acreditamostambém que o nível político lute pelo social ou à frentedele, mas sim com ele, sendo esta, uma relação ética. Emsua atuação como minoria ativa, a organização especí-

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fica anarquista luta com as classes exploradas e não porelas ou à frente delas, visto que “não queremos eman-cipar o povo, queremos que o povo se emancipe”30. Dis-cutiremos à frente, com um pouco mais de detalhes, estarelação entre a organização específica anarquista e osmovimentos sociais.

Ao tratarmos da inserção social como a influênciaque a organização específica anarquista exerce nos mo-vimentos sociais, entendemos ser importante detalharum pouco mais, o que entendemos por “influenciar”.Influenciar, para nós, significa causar modificações sobreuma pessoa ou um grupo de pessoas, por meio de per-suasão, dos conselhos, dos exemplos, das orientações,inspirações e práticas. Antes de tudo, consideramos quena própria sociedade há, a todo tempo, uma multipli-cidade de influências entre os diferentes agentes queinfluenciam e são influenciados. Podemos mesmo dizerque “renunciar a exercer influência sobre outros signifi-ca renunciar à ação social, ou inclusive à expressão dospróprios pensamentos e sentimentos, o que [...] é tenderà inexistência”31. Mesmo a partir de uma perspectivaantiautoritária, esta influência é inevitável e saudável.

Na natureza, como na sociedade humana,que em si mesma não é outra coisa que natureza,todo ser humano está submetido à condição su-prema de intervir da maneira mais positiva sobrea vida dos outros – intervindo de maneira tãopoderosa quanto permite a natureza particularde cada indivíduo. Rechaçar esta influênciarecíproca significa conjurar a morte no plenosentido da palavra. E quando pedimos liberdade

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para as massas não pretendemos ter abolido ainfluência natural exercida sobre elas por qual-quer indivíduo ou grupo de indivíduos.32

No trabalho prático, esta influência deve se dar apartir das características que buscamos dar aos movi-mentos sociais. Anteriormente, quando tratamos dosmovimentos sociais e da organização popular, detalha-mos mais estas características. Portanto, não nos ocupa-remos neste momento, novamente, de detalhar todaselas. Apenas pontuaremos, mais uma vez e de maneirabreve, quais são as características que devemos sustentarnos movimentos sociais. São elas: força, classismo, com-batividade, autonomia, ação direta, democracia diretae perspectiva revolucionária.

Os movimentos sociais devem ser fortes, sem caberdentro de uma ideologia, já que impor a causa do anar-quismo aos movimentos sociais “não seria outra coisasenão uma ausência completa de pensamento, de obje-tivo e de conduta comum, e [...] deveria conduzir, neces-sariamente, a uma impotência comum”33. Devem serclassistas e possuir corte de classe, o que significa buscarparticipação ampla das classes exploradas e sustentar aluta de classes; devem ser combativos, estabelecendosuas conquistas por meio da imposição de sua força so-cial; devem ser autônomos em relação ao Estado, aospartidos políticos, aos sindicatos burocratizados, à Igreja,entre outros organismos burocráticos e/ou autoritários,tomando suas decisões e agindo por conta própria.

Além disso, devem utilizar a ação direta como for-ma de ação política, em oposição à democracia repre-

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sentativa. “Fundamentalmente se trata de fazer prevale-cer o protagonismo das organizações populares, brigandopela menor mediação possível e assegurando que a me-diação necessária não implique no surgimento de cen-tros de decisão separados dos interessados”34. Os movi-mentos sociais devem, ainda, utilizar a democracia diretacomo método de tomada de decisões, o que se dá nasassembléias horizontais em que todos os militantes deci-dem efetivamente, de maneira igualitária. A democra-cia direta não dá espaço a “nenhum gênero de privilé-gios, sejam estes econômicos, sociais ou políticos; [... econstitui] uma institucionalidade onde a revogabilidadedos membros está imediatamente assegurada e onde,portanto, não há espaço à habitual irresponsabilidadepolítica que caracteriza a democracia representativa”35.Finalmente, a perspectiva revolucionária, que “deve serintroduzida e desenvolvida nele[s] por um trabalhoconstante dos revolucionários que atuam fora e dentrode seu seio, mas não pode ser a manifestação natural enormal de sua função”36.

A inserção social da organização específica anar-quista nos movimentos sociais que se dá pela influência,deve apontar, em um segundo momento para a conexãodas lutas e a criação da organização popular, buscandopermanentemente aumentar sua força social.

Para a realização do trabalho e da inserção social aorganização anarquista deve atentar para algumas ques-tões.

A mobilização deve acontecer, principalmente, pelaprática, pois é em meio à luta que o povo nota que podeconquistar mais e mais. Muito mais do que falar, deve-

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mos ensinar pelo fazer, pelo exemplo, que é “melhor doque pelas explicações verbais que [o trabalhador] recebedos seus camaradas, depressa reconhece todas as coisaspela sua própria experiência pessoal doravante insepa-rável e solidária com a do outros membros”37. É muitorelevante considerarmos que o processo de mobilizaçãoe de influência passa, além dos aspectos objetivos daluta, pelos aspectos subjetivos. Nossa prática vem mos-trando que para se mobilizar e influenciar os movimen-tos sociais é muito importante utilizar, não só os aspectosracionais e objetivos, mas também aspectos emocionaise subjetivos, sendo eles os laços afetivos e amizades ourelacionamentos que naturalmente vão sendo construí-dos no seio das lutas. É também relevante identificar aspessoas dos bairros, das comunidades, dos movimentos,dos sindicatos etc. que possuem influência sobre os de-mais (lideranças locais oriundas das bases e legitimadaspor elas) e focar nelas os esforços. Estas pessoas são muitoimportantes para auxiliar na mobilização das bases, parapotencializar a influência anarquista, ou ainda, paraintegrar os agrupamentos de tendência. Feita desta ma-neira, a mobilização termina funcionando como umacerta “conversão”, sendo importante observar que

[...] só se pode converter os que sentem neces-sidade de ser convertidos, os que já trazem nosseus instintos ou nas misérias da sua posiçãoquer exterior, quer interior, tudo o que quiseremdar-lhes; nunca converterão os que não sentemnecessidade de nenhuma mudança, nem mesmoos que, desejando sair de uma posição da qual

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estão descontentes, são impelidos, pela naturezados seus hábitos morais, intelectuais e sociais, aprocurar uma posição em um mundo que não éo das vossas idéias.38

Neste processo de mobilização, a organização espe-cífica anarquista deve sempre, independente de qual-quer coisa, atuar com ética, tratando de não quererestabelecer relações de hierarquia ou de domínio comos movimentos sociais; de dizer a verdade e nunca enga-nar o povo e sempre sustentar a solidariedade e o apoiomútuo em relação aos outros militantes. Da mesma ma-neira, deve ter uma postura propositiva, buscando cons-truir e fazer os movimentos caminharem para frente enão só ficar apresentando posições críticas.

Mesmo quando as posições da organização anar-quista não forem majoritárias, elas devem ser eviden-ciadas, deixando claros os pontos de vista que defende.Quando em contato com movimentos hierarquizados, aorganização anarquista deve sempre ter em mente que oque interessa a ela é sempre a base dos movimentos so-ciais. Portanto, para qualquer tipo de trabalho, a organi-zação deve sempre se aproximar, não dos dirigentes edaqueles que detém as estruturas de poder dos movi-mentos sociais, mas sim dos militantes de base, que ge-ralmente são oprimidos pela direção e que constituem aperiferia, e não o centro dos movimentos.

Outra questão que deve ser observada é que osmilitantes da organização específica anarquista devemconhecer bem o ambiente em que estão atuando, pos-suindo presença constante nos movimentos sociais em

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que se propõem a realizar trabalho social. O conhe-cimento do “terreno” em que se atua é fundamental parasaber quais são as forças políticas em jogo, quem são ospossíveis aliados, quem são os adversários, onde estão asforças, as fraquezas, as oportunidades, e os riscos. Apresença constante é importante para que os militantesanarquistas estejam completamente integrados com osoutros militantes dos movimentos sociais, que tenhamreconhecimento, legitimidade, que sejam ouvidos, quesejam queridos, que sejam pessoas bem-vindas.

Em um esquema estratégico, podemos entenderque a organização específica anarquista deve realizar otrabalho social, já que “como anarquistas e como traba-lhadores, devemos incitá-los e encorajá-los [os trabalha-dores] à luta e lutar com eles”39. Incitando e encora-jando o povo, devemos buscar a inserção social, e con-seguir que os movimentos sociais trabalhem da formamais libertária e igualitária possível. Com inserção socialnos movimentos sociais, devemos conectar as lutas econstruir a organização popular. Assim, conseguiremosestimular seu permanente aumento de força social epreparar as classes exploradas para a revolução social, jáque “nosso objetivo é preparar o povo, moral e material-mente, para esta expropriação necessária; é tentar erenovar a tentativa, tantas vezes quanto a agitação revo-lucionária nos der a ocasião para fazê-lo, até o triunfodefinitivo”40, com o estabelecimento do socialismo liber-tário. Podemos dizer, então, que a função da organizaçãoespecífica anarquista no trabalho e inserção social é sero “motor das lutas sociais. Um motor que nem as substi-tui e nem as representa”41. Julgamos poder constituir este

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motor “participando combativamente no dia a dia delutas dos movimentos populares em atividade, em umprimeiro momento, no Brasil, na América Latina e, emespecial, no Rio de Janeiro.”42

PRODUÇÃO E REPRODUÇÃO DE TEORIA

Outra importante atividade da organização espe-cífica anarquista é a produção e a reprodução de teoria.Entendemos a teoria como “[um] conjunto de conceitoscoerentemente articulados entre si [...], um instrumento,uma ferramenta, [que] serve para fazer um trabalho,serve para produzir o conhecimento que necessitamosproduzir”43. A teoria é fundamental tanto para a con-cepção de estratégia, como para a propaganda que aorganização realiza. A estratégia busca aumentar a efi-ciência da atuação da organização anarquista ao passoque a propaganda é importantíssima no sentido de pro-mover as idéias anarquistas.

Assim, entendemos este conjunto de conceitos coe-rentemente articulados – a teoria – como uma ferra-menta imprescindível para a prática, para a realização deum trabalho concreto. Portanto, “se não nos serve paraproduzir novos conhecimentos úteis para a prática po-lítica, a teoria não serve para nada”44.

Ao ser produzida no seio da organização específicaanarquista, a teoria formaliza conceitos, visando fazercom que a organização: 1.) compreenda a realidade emque está atuando, 2.) trate de realizar um prognósticodos objetivos do processo de transformação social e 3.)

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defina as ações que serão realizadas para colocar emprática este processo. Chamamos este esquema de estra-tégia, e trataremos dele a seguir com maiores detalhes.

Ao buscar compreender a realidade em que seatua, a teoria ordena informações e dados, formaliza oentendimento do momento histórico em que se atua e adefinição das características econômicas, políticas, so-ciais. Ou seja, realiza o diagnóstico completo da reali-dade em que a organização específica anarquista atua.Neste caso é importante, além de leituras gerais, se pen-sar regionalmente onde se atua, pois, caso isso não forfeito, corre-se o risco de aplicar uma metodologia equi-vocada ao processo de transformação social (a “impor-tação” de teorias prontas de outras épocas e outros con-textos). No entanto, para nós a teoria não se encerra aí.É por meio dela que a organização anarquista faz umprognóstico dos objetivos que a transformação social quepretende imprimir ao sistema capitalista. A concepçãodo socialismo libertário e do processo revolucionário detransformação, só podem ser pensada, hoje, a partir deuma perspectiva teórica, já que na prática não estamosvivendo em um momento revolucionário.

Assim, a teoria organiza os conceitos que definema transformação para a sociedade futura e esta própriasociedade, que são os objetivos finalistas da organizaçãoespecífica anarquista. A teoria também define como aorganização anarquista deve atuar dentro da realidadeem que se encontra para chegar aos seus objetivos fina-listas. Desta maneira, toda reflexão que fazemos hojesobre o processo completo de transformação social quepretendemos imprimir à sociedade é uma reflexão teó-

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rica, já que, apesar de estar sendo colocado em prática,não acontece de maneira completa, mas parcialmente,com o desenvolvimento das etapas que dizem respeito aoinício do processo. Outras etapas estão reservadas aofuturo e, hoje, também só podem ser pensadas de ma-neira teórica.

A teoria também é muito importante no processo depropaganda, já que, para a promoção das idéias anar-quistas é necessário articular conceitos coerentemente.Apesar de a propaganda se dar – de maneira mais ampla– na prática, a teoria também tem nela papel bastanterelevante. Quando a teoria é utilizada para a propa-ganda, ela formaliza o passado, com o estudo e a repro-dução de teorias anarquistas, que têm por objetivo apro-fundar o nível ideológico e fazer a ideologia anarquistamais conhecida. Pode também se dar em relação aopresente e ao futuro com a divulgação teórica de ma-teriais que expliquem nossas críticas da sociedade pre-sente, nossa concepção de sociedade futura e de pro-cesso de transformação social. É importante também quea produção de teoria vise atualizar aspectos ideológicosobsoletos ou que busquem adaptar a ideologia a reali-dades particulares e específicas. Todo este processo depropaganda teórica é fundamental para agregar pessoasem torno da nossa causa. Quando mais teoria se produzire se difundir, mais fácil será a penetração do anarquismoem toda a sociedade.

Entendemos que a teoria é fundamental para a prá-tica. Quando trabalhamos com conceitos corretos e bemarticulados, a prática é muito mais eficiente. “Se não hálinha [teórica] clara e concreta, não há prática política

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eficaz”45 e a vontade política da organização possui umsério risco de se diluir.

Apesar disso, não acreditamos que para atuar aorganização anarquista precise, antes de mais nada, teruma teoria desenvolvida e aprofundada. Aliás, há orga-nizações que acreditam que o grande problema do anar-quismo está na resolução, quase que matematicamente,da teoria anarquista. Para nós, apesar de defendemoscom ênfase que a teoria é muito importante para umaprática eficiente, não acreditamos que uma teoria pro-duzida sem contato concreto e prolongado com a práticapossa dar quaisquer frutos promissores. A teoria promo-vida por intelectuais afastados das lutas ou com poucotrabalho social – intelectuais estes que julgam ter enten-dido a teoria mais do que os outros e encontrado res-postas definitivas para as questões teóricas – tem poucautilidade, pois, é na prática que verificamos se a teoriaserve para alguma coisa; prática esta que necessaria-mente contribui com a teoria. Não acreditamos, comomuito destes intelectuais, que apenas com uma teoria,teremos, obrigatoriamente, uma prática eficiente. Seessa teoria não for construída com um amplo e perma-nente contato com a prática, a chance de ela ter poucautilidade é enorme.

Quando iniciamos a introdução deste texto com aepígrafe “para teorizar com eficácia é imprescindívelatuar”46 estávamos nos referindo justamente à idéia deque para a produção teórica coerente e eficiente, não háoutra forma senão produzi-la, também, a partir das expe-riências práticas. Neste caso, não é sempre a teoria quedetermina a prática. Acreditamos que teoria e prática

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são complementares e que a partir da teoria se pratica,mas a partir da prática também se teoriza. Se conse-guimos teorizar hoje sobre nossa ideologia, é porqueestamos colocando-a “à prova” em nossa prática coti-diana e verificando o que funciona, o que não funciona,o que está atualizado, o que necessita de atualização.Sabemos que, muitas vezes, “na prática, a teoria e outra”e isso vale acima de tudo para o anarquismo. Não é tudoo que se produziu ou se produz teoricamente no anar-quismo que serve para a prática que pretendemos. Issotambém vale para aspectos que são menos ideológicos,como análises de conjuntura, avaliação das forças polí-ticas em jogo etc. que podem ser teorias até interes-santes, mas que se não encontrarem coerência na prá-tica, não nos servirão de nada.

O importante valor que conferimos à prática dáabsoluta importância ao processo de trabalho e inserçãosocial. Ele coloca a ideologia anarquista à prova, propor-cionando à organização anarquista pensar melhor suaspossibilidades, horizontes, ser muito mais pragmática,atuar com os pés no chão e conviver com a vida como elaé, e não como gostaríamos que fosse. Por este motivo, otrabalho e a inserção social possibilitam realizar com melhorprecisão toda a produção teórica da organização anarquista.

A partir desta relação de teoria e prática, entende-mos o caminhar teórico da organização específica anar-quista como uma constante forma de teorizar, praticar,avaliar a teoria e se necessário reformulá-la, teorizar,praticar, e assim por diante.

Muitas organizações anarquistas definem a teoriasomente como a compreensão da realidade em que se

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está atuando. Desta forma, separam a teoria da ideo-logia, sendo a primeira este “conjunto de conceitos coe-rentemente articulados entre si” que serviria somentepara a elaboração de respostas para o que chamamos de“primeira questão da estratégia”, ou seja, “onde esta-mos”. Neste sentido, a teoria se resumiria a buscar umentendimento profundo da realidade em que se atua.Nisso estamos de acordo. No entanto, acreditamos, comoespecificamos acima, que a teoria também serve pararesponder a segunda e a terceira questão da estratégia,ou seja, “onde queremos chegar”; e “como pensamos sairde onde estamos e chegar onde queremos”.

Assim, neste esquema estratégico, a teoria não seresume à primeira questão, mas busca responder tambéma segunda e a terceira questão. Além disso, esta teoriaimplicada na estratégia necessariamente possui elemen-tos ideológicos e, portanto, neste caso, a teoria e a ideo-logia, apesar de conceitos distintos, não podem ser cla-ramente separados. A teoria necessariamente carregaaspectos ideológicos e a ideologia necessariamente car-rega aspectos teóricos. Há, portanto, um vínculo estreitoentre uma e outra.

A partir desta compreensão de relação entre teoriae ideologia, pensamos que a organização específica anar-quista deve trabalhar com o que chamamos unidade teó-

rica e ideológica. Esta unidade se dá por meio do processodecisório da organização anarquista e tem por objetivodeterminar uma linha política (teórica e ideológica)clara que deve, obrigatoriamente, nortear todas as ativi-dades e ações da organização, que “tanto em seu con-junto como nos detalhes, deve estar em concordância

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exata e constante”47 com a linha definida pela organi-zação. Não acreditamos que seja possível trabalhar commúltiplas concepções teóricas e ideológicas, sem que issosignifique conflitos permanentes e práticas sem eficiên-cia. A falta desta linha política teórica e ideológica con-duz a uma falta de articulação ou mesmo a uma arti-culação conflituosa no conjunto de conceitos, cujo re-sultado é uma prática equivocada, confusa e/ou inefi-ciente.

Com esta linha política bem definida, todos sabemcomo atuar e, no caso de haver problemas práticos, seconhece bem a linha que deverá ser revista. Quando alinha teórica e ideológica não está bem definida e há umproblema, há dificuldades para saber o que deve serrevisto. É, portanto, a clareza desta linha que permitiráque a organização se aprofunde teoricamente.

PROPAGANDA ANARQUISTA

A organização específica anarquista também sededica à propaganda anarquista. “A propaganda não é enão pode ser, senão a repetição contínua, incansável, dosprincípios que devem servir-nos de guia na conduta quedevemos seguir nas diferentes circunstâncias da vida.”48

Assim, entendemos a propaganda como a disseminaçãodas idéias do anarquismo, e, portanto, uma atividadefundamental da organização anarquista. Seu objetivo éfazer o anarquismo ser conhecido e atrair pessoas paranossa causa. A propaganda é uma das atividades daorganização anarquista e não a única atividade. Ela

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deve ser realizada constantemente e de maneira orga-nizada.

“A propaganda da organização deve ser feita inin-terruptamente, bem como a propaganda de todos os ou-tros postulados do ideal anarquista”.49 Para ter força, apropaganda precisa ser realizada constantemente. Umapropaganda que é feita de vez em quando, não é sufi-ciente para fazer o anarquismo conhecido e muito menospara aproximar pessoas. Portanto, a primeira afirmaçãoque fazemos é que a propaganda deve ser contínua.

Além disso, a propaganda não deve ser feita demaneira isolada, visto que, como toda atividade não-coordenada, não possui a força desejada. Como vimos, aorganização – entendida como a coordenação de forçaspara a realização de um objetivo – multiplica os resul-tados do trabalho individual, e isto também vale para apropaganda. Quando estamos organizados, o resultadode nosso trabalho de propaganda – seja esta propagandateórica ou prática – é multiplicado, e atinge resultadosbem superiores à simples soma dos esforços individuais.Portanto, a segunda afirmação que fazemos é que a pro-paganda deve ser feita de maneira organizada, pois issomultiplica seus resultados.

A propaganda isolada, casual, que se faz mui-tas vezes para acalmar a própria consciência oucomo simples alívio da paixão pela discussão,serve pouco ou nada. Nas condições de incons-ciência e de miséria em que se encontram asmassas, com tantas forças que as opõem, tal pro-paganda se esquece antes que seus esforços pos-

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sam se acumular e terem resultados férteis. Oterreno é muito ingrato para que sementes lan-çadas ao acaso possam germinar e enraizar-se.50

Defendemos que a organização específica anar-quista utilize todos os meios que estiver a sua volta paraa realização desta propaganda constante e organizada.Primeiramente, no que diz respeito ao âmbito teórico,educacional e/ou cultural com a realização de cursos,palestras, debates, conferências, grupos de estudo, pá-ginas na internet, e-mail, teatro, boletins, jornais, re-vistas, livros, vídeos, músicas, bibliotecas, atos públicos,programas de rádio, programas de televisão, escolas liber-tárias etc. Damos muito valor a toda esta propaganda epensamos que ela é fundamental para atrair pessoas efazer com que conheçam as críticas e também as pro-postas construtivas do anarquismo. Assim, é possíveldesenvolver nas pessoas valores antiautoritários, estimu-lar suas consciências, fazer com que enxerguem a explo-ração e a dominação de maneira mais crítica, que vejamalternativas de luta e de organização. Estas pessoas po-dem se aproximar, buscar aprofundar seu conhecimento,envolver-se nas discussões e também organizar-se para aação.

Este tipo de propaganda, quando realizado emgrande escala, é fundamental, pois funciona como um“lubrificante” social que, aos poucos, modifica a culturaem que vivemos e faz com que a introdução das idéias epráticas anarquistas na sociedade seja mais fácil. Estetrabalho massivo de propaganda transforma, aos poucos,a consciência das pessoas e faz com que a ideologia do

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capitalismo, que já é transmitida em forma de cultura,seja mais questionada e até menos reproduzida. Comoentendemos a consciência como uma capacidade que aspessoas possuem de conhecer valores e princípios éticose de aplicá-los, acreditamos ser esta atividade de pro-paganda bastante relevante para o ganho permanente deconsciência.

Em um primeiro momento para afastar preconceitose a cultura capitalista; depois, para fazer com que aspessoas passem a ver o autoritarismo de maneira crítica.Finalmente, para levar parte destas pessoas para a lutacontra este autoritarismo. Entendemos que qualquerprocesso de transformação social de objetivos finalistascomo os que propomos, dependerá de uma aceitação, ouno mínimo da “não-rejeição”, de setores amplos da po-pulação. E a propaganda, neste sentido teórico, edu-cacional e/ou cultural, contribuirá significativamentecom isso. Assim, “a propaganda determinada pelos anar-quistas organizadores é também uma forma de mani-festação para preparar a sociedade futura: trata-se deuma colaboração com a finalidade de constituir um jeitode influenciar o meio ambiente e de modificar as suascondições”51. No entanto, devemos entender os limitesdesta propaganda.

A propaganda que diz respeito a este âmbito teó-rico, educacional e/ou cultural tem como principal obje-tivo aumentar o nível de consciência. Portanto, visatransformar as idéias das pessoas. E este é o motivo deenxergarmos neste modelo de propaganda sérios limites.Este ganho de consciência não significa, de maneiraalguma, que a exploração e a dominação da sociedade

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capitalista tenderão a diminuir. Não significa tambémque, necessariamente, as pessoas irão se organizar paralutar. Hoje, os grandes meios de comunicação e mesmoo crescimento das cidades, a fragmentação comunitária,dentre outros fatores, dificultam muito a propaganda emescala massiva e devemos lembrar que, mesmo quandonão havia estas dificuldades, e quando a propagandaanarquista era muito forte – com centros de culturafuncionando permanentemente, jornais com tiragensaltíssimas e periodicidade diária – a transformação socialnão foi garantida. No limite, podemos considerar que,ainda com todas as dificuldades que existem para reali-zarmos uma propaganda “de massa”, o ganho de cons-ciência não significa obrigatoriamente organização e lutae nem o fim, ou mesmo a diminuição, da exploração e dadominação. Poderíamos dizer que, em uma situação hi-potética, em que todos estão conscientes, ainda assim,continuaríamos a ser explorados e dominados. Portanto,

[...] nem os escritores, nem os filósofos, nem assuas obras, nem enfim os jornais socialistas, cons-tituem ainda o socialismo vivo e forte. Este últi-mo só encontra existência real no instinto revo-lucionário esclarecido, na vontade coletiva e naorganização [...] – e quando este instinto, estavontade e esta organização faltam, os melhoreslivros do mundo não são senão teorias no vazio esonhos impotentes.52

Por este motivo justificamos que, além da propa-ganda que se dá no âmbito teórico, educacional e/oucultural, devemos sustentar também, e principalmente,

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uma propaganda que se dá na luta e na organização, ouseja, uma propaganda no trabalho social, com vista àinserção social.

Ao se dar no âmbito da luta de classes e dos movi-mentos sociais, o trabalho de propaganda anarquista tempor objetivo mobilizar, organizar e influenciar os movi-mentos sociais com a prática anarquista. Recordemos,insistentemente, que a influência dos movimentos peloanarquismo significa buscar que tenham as característi-cas que defendemos: força, classismo, combatividade,autonomia, ação direta, democracia direta e perspectivarevolucionária. Para conseguir esta influência, a organi-zação específica anarquista realiza sua propaganda, en-faticamente, por meio das palavras, e principalmente doexemplo53.

Entendemos todo o processo de trabalho e inserçãosocial que tratamos anteriormente como o principal tra-balho de propaganda que a organização anarquista devedesenvolver. Na luta, enquanto minoria ativa, os anar-quistas criam movimentos sociais, integram movimentosjá existentes e buscam influenciá-los o quanto for pos-sível, sempre pelo exemplo, a funcionarem da forma maislibertária e igualitária possível. Este trabalho se trata,portanto,

de educar para a liberdade, de elevar a cons-ciência da sua [do trabalhador] própria força eda sua capacidade a homens habituados à obe-diência e à passividade. É necessário, portanto,proceder de maneira que o povo atue por si mes-mo ou pelo menos que ele creia fazê-lo por ins-

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tinto e inspiração própria, ainda que, na reali-dade, a coisa lhe tenha sido sugerida.54

Desta forma, a propaganda anarquista serve paratodo o processo de trabalho dos anarquistas enquantominoria ativa no seio dos movimentos sociais e na própriacriação da organização popular.

Quando fazemos propaganda anarquista, devemospensar, necessariamente, no campo mais propício paraisso. Entendemos que a melhor propaganda é aquela querealizamos em meio aos movimentos sociais que dão for-ma à luta de classes. Desta maneira, buscando as con-quistas de curto prazo, trabalhando em meio ao povoorganizado pela necessidade, entendemos poder plantaras sementes do nosso anarquismo por meio da propa-ganda, e conduzir a sociedade a um processo revolucio-nário que abra caminho ao socialismo libertário. Nãoque outras alternativas não nos sirvam, mas esta reflexãode “onde e para quem fazer propaganda” deve sempre serfeita.

FORMAÇÃO POLÍTICA,RELAÇÕES E GESTÃO DE RECURSOS

Finalmente, trataremos um pouco sobre outras ati-vidades da organização especifica anarquista: formaçãopolítica, relações e gestão de recursos.

A formação política é fundamental para o funcio-namento da organização anarquista. No nível político,da organização específica anarquista, a formação possui

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como principal objetivo aumentar o conhecimento e aprofundidade teórica e ideológica dos militantes daorganização. Ela também dá suporte aos novos militantespara que as diferenças de nível de formação entre osmenos e os mais formados sejam as menores possíveis epara que o alto nível de discussão dentro da organizaçãonão seja prejudicado por estas diferenças. Em termosgerais, a formação política promove o desenvolvimentoteórico e ideológico da organização e garante a unidade.Para os militantes de apoio da organização específicaanarquista, a formação política oferece as bases teóricase ideológicas para que sua linha política seja compre-endida.

A formação política do nível político aprofunda asproblemáticas históricas, atuais e futuras, da mesmaforma que o conhecimento sobre outras correntes ideoló-gicas e movimentos sociais. Ela é promovida de váriasmaneiras: pelos cursos e cadernos de formação de mili-tantes, pelos seminários de formação, pela autoformaçãoque os militantes fazem por conta própria, entre outras.

No nível social, dos movimentos sociais, a organiza-ção anarquista também trabalha com a formação políticano sentido de promover o desenvolvimento da teoria eda ideologia. Esta formação serve, em um primeiro mo-mento, para mobilizar as pessoas. Depois, para formarmilitantes de base e dar o suporte necessário para queestes possam se desenvolver teoricamente e, se possível,integrar os agrupamentos de tendência. Finalmente, aformação política busca desenvolver os militantes queatuam no agrupamento de tendência e, havendo afini-dades ideológicas, integrá-los na organização anarquista.

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Esta formação política no nível social é fundamentalpara politizar os militantes. Para que os movimentossociais tenham as características desejadas e para queapontem para a construção da organização popular, éfundamental que se politize os militantes o máximo pos-sível, e nisso, a formação política tem destacado papel.

Praticamente, esta formação política do nível socialtambém pode se dar de várias maneiras: com o apro-fundamento de problemáticas históricas, atuais e futurase com o conhecimento do anarquismo e de movimentossociais; com cursos e cadernos de formação sociais; compalestras e debates; entre outras.

A formação política possui grande importância emtodo o movimento pretendido para a militância dentroda lógica dos círculos concêntricos apresentada ante-riormente, tanto no nível político, quanto no nível social.

As relações da organização específica anarquistatambém são fundamentais e dividem-se, da mesma for-ma, nos níveis político e social.

No nível político, a organização anarquista busca serelacionar com organizações, grupos e indivíduos de to-das as localidades, de maneira que isso possa contribuircom sua atuação. As relações podem ser mais ou menosorgânicas, mais ou menos formais. De qualquer maneira,é importante possuir interlocutores e visar organizaçõesconfederais mais amplas, que agrupem diversas organiza-ções anarquistas. No nível social, busca conhecer e serelacionar com movimentos sociais, vincular-se mais oumenos a eles, ou ainda ter contato com outros organis-mos como universidades, conselhos, fundações, ONGs,organismos de direitos humanos, ecológicos etc.

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A gestão de recursos da organização específica anar-quista é feita por meio dos projetos de auto-sustentação,que acontecem com a arrecadação de fundos dos pró-prios militantes, de outras pessoas ou mesmo por meio deiniciativas como cooperativas etc. e que são fundamen-tais para sustentar a organização anarquista e todas assuas atividades. Mesmo sendo contra a lógica do capi-talismo, enquanto vivermos dentro dele teremos de con-seguir arrecadar e gerir fundos para a realização denossas atividades. Estes fundos são importantes: para arealização dos trabalhos sociais (transporte dos militantesetc.); para a compra de livros; para a impressão de ma-terial de propaganda (panfletos, jornais, livros, vídeosetc.); para estruturas da organização (manutenção deespaços etc.); para viagens e outras atividades.

AS RELAÇÕES DA ORGANIZAÇÃOESPECÍFICA ANARQUISTA

COM OS MOVIMENTOS SOCIAIS

Tratamos, até aqui, por várias vezes, da separaçãoentre os níveis político e social de atuação. Pretendemosexpor, com um pouco mais de detalhes, o que enten-demos por cada um destes níveis, as forças e fraquezasde cada um deles e, principalmente, a forma que en-tendemos poder relacionar um e outro.

Para nós, o nível social é o âmbito em que se desen-volvem os movimentos sociais e no qual deve se buscar aconstrução e aumento de força social da organização po-pular. Ele tem como atores privilegiados os movimentos

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sociais, mas não está resumido a eles. Neste nível, quandotratamos dos movimentos sociais, já enfatizamos que elesnão devem caber dentro de uma ideologia, mas devemser formados em torno da necessidade; uma causa comume concreta. Eles devem estar organizados em torno de ques-tões pragmáticas e concretas que busquem, em caso devitórias, melhorar as condições de vida das classes explo-radas. Os movimentos sociais podem estar organizadospara lutar pela questão da terra, por moradia, por traba-lho, para defender os trabalhadores dos patrões, parareivindicar melhorias na comunidade, para defendermuitas outras questões. Dentro desses movimentos devemestar todos aqueles que têm interesse na luta por estas ques-tões e que poderão se beneficiar, caso a luta seja vitoriosa.

Como vimos, quanto mais esses movimentos sociaisestiverem organizados e possuírem estas característicasdesejadas (força, classismo, combatividade, autonomia,ação direta, democracia direta e perspectiva revolucio-nária), mais eles terão condições de construir a organi-zação popular e aumentar permanentemente sua forçasocial. Entendemos que é somente com a convergênciados diversos movimentos sociais na construção da orga-nização popular que teremos condições de superar o ca-pitalismo e o Estado, e construir o socialismo libertáriopor meio da revolução social. Ou seja, o nível social é onível mais importante para a transformação social quepretendemos imprimir à sociedade e, sem ele, qualquermudança que se pense não poderá ter resultados outrossenão a criação de uma nova classe de exploradores.Portanto, o nível social é o grande protagonista no pro-cesso de transformação social.

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Apesar disso, como vimos, algumas característicassão inerentes a este nível social, o que acaba complicandoeste processo de transformação social (movimentos so-ciais –> organização popular –> revolução social –>socialismo libertário). Primeiramente, pois as diversasforças políticas que interagem com os movimentos so-ciais, e os próprios movimentos sociais, muitas vezes fa-zem com que eles não tenham as características dese-jadas para que este processo de transformação aconteça.

As dificuldades que surgem a partir das forças auto-ritárias que atuam nos movimentos sociais são muitas: háorganizações que buscam ideologizar os movimentos,fazendo com que sejam fracos; há organizações que ten-tam aparelhá-los, fazendo-os funcionar para seus pró-prios fins (que são diferentes dos fins dos movimentos);há movimentos que não buscam o envolvimento dasclasses exploradas e acabam se tornando uma “van-guarda” descolada das bases; há movimentos que fun-cionam somente com a ajuda dos governos e dos capi-talistas; há movimentos completamente atrelados a polí-ticos, partidos, e outros agrupamentos autoritários; hámovimentos que querem eleger candidatos e só partici-par politicamente por meio da democracia represen-tativa; há movimentos que sustentam uma relação hie-rárquica em que a direção decide e a base somenteobedece; há movimentos reformistas; há movimentosisolados que não querem se conectar com outros; há mo-vimentos que não produzem teoria e análise de conjun-tura; dentre muitas outras.

Outras dificuldades surgem pelo próprio funciona-mento dos movimentos sociais. Como eles estão sempre

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organizados em torno de lutas de curto prazo, há um riscomuito grande de seu objetivo último terminar sendo asimples vitória nessas lutas. Quando isso acontece,muitos movimentos sociais passam a ser movimentosreformistas – ou seja, movimentos cujo fim é um ajusteou uma conquista dentro do sistema capitalista. Estaslutas de curto prazo, na maioria das vezes, distanciam osmovimentos sociais da luta revolucionária. Além disso,como na maioria dos casos estes movimentos são for-mados de maneira espontânea, há, inegavelmente, umadificuldade de organização para levar a cabo qualquerluta de longo prazo. “Por isso, o espontaneísmo, as mobi-lizações espontâneas de massas, reflexo de um acúmulode problemas sem solução que logo ‘estouram’, se nãoforem canalizados e instrumentalizados adequadamente,dificilmente transcendem ao plano político em termos demodificar as relações de poder.”55 Como vimos, os movi-mentos sociais ainda estão muito sujeitos a variações deconjuntura, e elas, por vezes, são responsáveis pela des-mobilização. Estes processos de refluxo fazem, também,muitas vezes, com que se perca o acúmulo e o apren-dizado nas lutas.

Ou seja, se por um lado o nível social deve ser ogrande protagonista da transformação social, por outroele possui sérios limites para que isso aconteça. Enten-demos que esta transformação será o resultado de umcomplemento deste nível social, feito pelo nível político.

O nível político é o âmbito em que se desenvolve aorganização específica anarquista. Diferente do nívelsocial, o nível político é um nível ideológico; um nívelanarquista. “O problema do poder, decisivo em uma

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transformação social profunda, só pode ser resolvido anível político, através da luta política. E esta requer umaforma específica de organização: a organização políticarevolucionária.”56

Este nível político deve, necessariamente, interagircom o nível social, pois entendemos que sem o nívelsocial, o nível político é incapaz de realizar a transfor-mação social desejada. Assim, o nível político tem abso-luta necessidade do nível social, que, como falamos, é oprotagonista da transformação social.

Não é possível uma insurreição, nem umprocesso de luta prolongada estando de costasou distantes das massas. A predisposição espon-tânea dessas, que é função da organização polí-tica canalizar em termos de organização e desen-volver ideologicamente, tem sempre um papelabsolutamente principal. Não se pode realizaruma revolução à margem ou apesar da gente. Emenos construir um novo sistema social sem aadesão inicial pelo menos de um setor bastanteamplo do povo.57

A organização específica anarquista tem por obje-tivo colocar em prática uma política revolucionária queconcebe os meios de se chegar aos objetivos finalistas(revolução social e socialismo libertário), sempre comuma atuação baseada na estratégia. Para isso, organiza-se como minoria ativa coordenando as atividades mili-tantes ideológicas que funcionam como fermento para aslutas do nível social. A principal atividade realizada poreste nível político é o trabalho social que acontece

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quando o nível político interage com o nível social. Nestecontato, o nível político busca influenciar o nível socialo quanto for possível, fazendo-o funcionar da maneiramais libertária e igualitária possível. Vimos que isso podeacontecer diretamente entre a organização anarquista eos movimentos sociais, ou pelos agrupamentos de ten-dência. A partir do momento que o nível político con-segue isso – ainda que parcialmente – dizemos que elepossui inserção social. É somente por meio desta inserçãosocial que entendemos ser possível construir a organi-zação popular e, aumentando sua força social, chegaraos objetivos finalistas. Portanto, para nós, assim como onível político tem necessidade do nível social, o nívelsocial também tem necessidade do nível político.

Daí a necessidade de uma atividade ideoló-gica de esclarecimento (e de dispor dos elemen-tos necessários a ela) que não é contraditória,mas complementar a outros níveis de luta (eco-nômico, militar etc.). Por atividade ideológicanão entendemos, obviamente, a pregação inte-lectual, “educacionista”, que se remete mais oumenos exclusivamente à difusão de “teoria” re-volucionária, ainda que, esclareçamos, esta tam-bém possui sua importância. Atividade ideoló-gica é algo mais que a mera difusão de conhe-cimentos teóricos. Os fatos, a própria práticapolítica, são ingredientes, elementos decisivosda integração de um nível de consciência revo-lucionária. [...] Um resultado ideológico essen-cial firma-se em demonstrar diante do povo umaperspectiva de vitória, um caminho de esperan-

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ça, de confiança na possibilidade de uma trans-formação profunda, revolucionária. [...] E estafunção “demonstrativa” [...] é função de umaminoria politicamente organizada, com um nívelideológico, de consciência que não pode ser ge-rada na prática espontânea das massas. Um nívelque supõe a superação do espontaneísmo.58

Assim, entendemos que os níveis político e socialsão complementares. Isto porque o nível político, nesteprocesso de influência que se dá quando acontece ainserção social, busca dar ao nível social as caracterís-ticas desejadas, que muitas vezes lhes faltam – algumasdelas pelas influências de forças políticas autoritárias eoutras pelo próprio funcionamento deste nível social.

Nesta interação com o nível social, o nível políticodeve: lutar para que os movimentos não sejam ideolo-gizados; para afastar a influência negativa de todos osautoritários impedindo que usem os movimentos sociaispara seus próprios fins; envolver o máximo possível asclasses exploradas no processo de luta e fazendo com queelas sejam as verdadeiras protagonistas da transformaçãosocial; fazer com que os movimentos não vivam de ajudase favores da classe dominante, mas que imponham suasconquistas pela força; fazer com que os movimentos nãoestejam vinculados a políticos, partidos, e outros agrupa-mentos autoritários; que não busquem a eleição de re-presentantes no sistema parlamentar, mas que façam suaprópria política; para que todos dos movimentos possamdiscutir e deliberar todas as questões, da maneira maisdemocrática possível; para que não haja hierarquia; para

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que os movimentos utilizem as conquistas de curto prazopara construir um projeto revolucionário de longo prazo;para que os movimentos sociais se conectem e construama organização popular; para que auxiliem na elaboraçãoe na produção de teoria e das análises de conjunturanecessárias; para que o espontaneísmo seja transformadoem organização; para que, nos casos de refluxo, o acú-mulo e o aprendizado nas lutas não se percam.

O nível social tem como característica os fortesfluxos e refluxos, pois variam mais que o nível político,em relação à conjuntura. Assim, uma importante funçãonível político é garantir a continuidade da ideologia e oacúmulo das lutas nos momentos de refluxos (ou mesmode fluxos) do nível social. Isso porque “a organizaçãopolítica [anarquista] é também o âmbito em que se vaiacumulando a experiência de luta popular, tanto emnível nacional como internacional. Uma instância queimpede que se dilua o saber que os explorados e osoprimidos vão adquirindo com o tempo.”59 Nos momen-tos de fluxo dos movimentos sociais, o papel da organi-zação específica anarquista é impulsioná-los. Nos mo-mentos de refluxo, seu papel é “manter a chama acesa”,ou seja, aguardar e preparar as novas oportunidades deagir.

O anarquismo não aspira à conquista do po-der político, à ditadura. Sua principal aspiraçãoé ajudar as massas a tomar a via autêntica darevolução social e a construção do socialismo.Mas não basta que as massas tomem o caminhoda revolução social. Também é necessário man-ter esta orientação da revolução e de seus obje-

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tivos: a supressão da sociedade capitalista emnome da sociedade dos trabalhadores livres.60

Desta forma, o processo de influência do nível polí-tico para o nível social busca garantir que ele possua ascaracterísticas desejadas. Nos casos de elas já existirem,então o nível político somente acompanha, em caso deelas não existirem, ele luta para que elas existam.

Quando definimos o nível político como a organi-zação específica anarquista de minoria ativa, estamosbuscando um significado oposto ao da organização auto-ritária de vanguarda. Os autoritários, ao também pro-porem uma diferenciação entre os níveis político e social,acreditam que o nível político possui uma relação dehierarquia e domínio em relação ao nível social. Assim,a hierarquia e o domínio de dentro do seu nível político(dos partidos autoritários) se reproduzem em suas rela-ções com o nível social. Da mesma maneira, os autoritá-rios entendem a reprodução da consciência, que fun-ciona com hierarquia e domínio dentro do nível político,e que no seu entender, deve ser levada do nível políticopara o nível social, dos “conscientes” para os “incons-cientes”. Assim funciona a relação de hierarquia e do-mínio do nível político para com o nível social. A relaçãonão é de mão dupla, do político para o social, e vice-versa, mas sim, uma relação de mão única, somente dopolítico para o social – que termina sendo uma correiade transmissão das idéias do político. A idéia autoritária,que sustenta a vanguarda como um facho de luz que temo objetivo de iluminar o caminho do povo, é um exemplodisso. O nível social, na escuridão, dependeria da luz do

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nível político. Sabemos, por diversos exemplos históricos,que nesta relação em que o nível político luta pelo social,o nível político obtém posições de privilégio.

Porém, nós anarquistas não podemos eman-cipar o povo, queremos que o povo se emancipe.Não acreditamos no bem que vem do alto e seimpõe pela força; queremos que o novo modo devida social surja das vísceras do povo, que cor-responda ao grau de desenvolvimento alcançadopelos homens e que possa progredir na medidaem que eles progridem. A nós importa, portanto,que todos os interesses e todas as opiniões en-contrem em uma organização consciente a possi-bilidade de fazer-se valer e de influir sobre avida coletiva em proporção a sua importância.61

A relação entre os níveis político e social implica,necessariamente, para qualquer organização específicaanarquista, uma discussão séria sobre a questão da ética.Assumimos desde o início: “a FARJ respeitará os firmespreceitos éticos que a sustentam, promovendo o de-senvolvimento de uma cultura política que se baseie norespeito à pluralidade de perspectivas e à afinidade deobjetivos”62.

É por meio da ética, e somente por meio dela, que aorganização anarquista não atua como um partido auto-ritário (mesmo que revolucionário). A ética do anar-quismo, diferente de todas as outras ideologias, sustentauma posição única de relação entre os níveis político esocial. Por este motivo, a ética é absolutamente centrala qualquer organização anarquista que queira realizar

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trabalho com os movimentos sociais. Diferentemente daorganização de vanguarda, o nível político organizadocomo minoria ativa, que atua com ética, não possui rela-ção de hierarquia e nem de domínio em relação ao nívelsocial. Para nós, como enfatizamos, os níveis político esocial são complementares e possuem uma relação dialé-tica. Neste caso, o nível político complementa o nívelsocial, assim como o nível social complementa o político.

Ao contrário do que propõem os autoritários, a éticada horizontalidade que funciona dentro da organizaçãoespecífica anarquista se reproduz em sua relação com osmovimentos sociais. Quando em contato com o nível so-cial, a organização específica anarquista atua com éticae não busca posições de privilégio, não impõe sua von-tade, não domina, não engana, não aliena, não se julgasuperior, não luta pelos movimentos sociais ou à frentedeles. Luta com os movimentos sociais, não avançandonem um passo sequer além do que eles pretendem dar.

Entendemos que a partir desta perspectiva ética denível político, não existe fogo que não seja aceso cole-tivamente; não há como ir à frente, iluminando o cami-nho do povo, enquanto o próprio povo vem atrás na es-curidão. O objetivo da minoria ativa é, com ética, esti-mular, estar junto ombro a ombro, prestar solidariedadequando ela é necessária e solicitada. Por isso, diferente-mente da vanguarda, a minoria ativa é legítima.

A candidatura individual de apoio ao movi-mento social deve estar condicionada às atitudesdos que nessa situação pretendem atuar. O apoio,ou mesmo militante organicamente legitimado,

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deve demonstrar que está disposto a ouvir muitomais do que falar. Deve se inteirar das circuns-tâncias em que vivem os membros naturais quecompõem o movimento social específico no qualestá atuando. Como parte de um todo, ou seja,de uma organização, deve crescer com ela e não,de forma autoritária e vertical, definir seus ca-minhos e sua forma. É importante lembrar queum processo de construção coletivo é sempre e,antes de tudo, um processo de autoformação.Com o tempo, se seguidos os devidos códigos dogrupo, e só dele, o apoio ou militante perceberáque o mais importante é contrastar sua ideologiacom a realidade do grupo e não tentar reduzir omovimento social às suas certezas ideológicas.63

Isso não significa que defendemos um certo tipo de“basismo”, que entende ser correto tudo aquilo que de-fendem os movimentos sociais. Sabemos que estes movi-mentos, na maioria das vezes, possuem característicasdiferentes das desejadas por nós, e o que é pior: de tem-pos em tempos dão guinadas à direita, e sustentam posi-ções capitalistas ou mesmo ditatoriais, como foi o casodo fascismo. Portanto, se por um lado não acreditamosque devemos estar à frente dos movimentos sociais, tam-bém não acreditamos que devemos estar atrás deles, se-guindo todas as suas vontades. Queremos estar em posi-ção de igualdade e, ao vermos que se distanciam das po-sições que julgamos ser as mais corretas para o preten-dido projeto de transformação social, lutarmos interna-mente e buscarmos influenciá-los a terem as caracterís-ticas já explicitadas.

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Não é que acreditamos que as massas têmsempre razão ou que queiramos sempre segui-lasem seus humores mutáveis. Temos um programa,um ideal a fazer triunfar, e é por isso que nos dis-tinguimos da massa e somos homens de partido.Queremos agir sobre ela, impeli-la ao caminhoque acreditamos ser o melhor; mas como nossoobjetivo é libertar e não dominar, queremos ha-bituá-la à livre iniciativa e à livre ação.64

Além disso, ao contrário dos autoritários, para nós,o nível social influencia e deve sempre influenciar o nívelpolítico. Ou seja, o nível político, ao confrontar suaideologia com a prática do nível social também terácontribuições importantíssimas e que devem ser acres-centadas à organização anarquista. Só entendemos serpossível o nível político conceber uma teoria revolu-cionária consistente, a partir do momento que tem con-tato com a prática no nível social. Assim, defendemosque esta via de mão dupla entre o político e o social temtambém muito a acrescentar ao nível político.

Pensamos que esta divisão entre os níveis político esocial será necessária até o momento em que a revolu-ção social estiver consolidada e assegurada, estando osocialismo libertário em funcionamento. Neste momento,o nível político deve fundir-se no nível social.

NECESSIDADE DE ESTRATÉGIA,TÁTICA E PROGRAMA

É imprescindível que a organização específica anar-quista trabalhe com estratégia. Podemos definir estraté-

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gia, a partir da formulação de respostas para três ques-tões: 1.) Onde estamos? 2.) Onde queremos chegar? 3.)Como pensamos sair de onde estamos e chegar ondequeremos? A estratégia é, então, a formulação teórica deum diagnóstico da presente situação, a concepção dasituação em que se deseja chegar e de um conjunto deações que terão por objetivo transformar a presente situa-ção, fazendo-a chegar na situação desejada. Podemos,ainda, dizer que “entendemos a estratégia como umconjunto de elementos reunidos de maneira sistemáticae coerente que aponta para grandes objetivos de tipofinalista. [... e] une os objetivos finalistas com a reali-dade histórica específica”65.

Conceber nossa estratégia de transformação socialé o que estamos tentando realizar neste texto. Primei-ramente, refletindo sobre a primeira questão, e ma-peando o capitalismo e o Estado, que dão corpo à socie-dade de dominação e exploração, depois, refletindosobre a segunda questão, tratando de conceber nossosobjetivos finalistas de revolução social e socialismo liber-tário. Finalmente, refletindo sobre a terceira questão epropondo uma transformação social que se dê a partirdos movimentos sociais, constituídos em organizaçãopopular, em interação permanente com a organizaçãoespecífica anarquista. Tudo isso, considerando priorita-riamente os interesses das classes exploradas. Assim, portrás da concepção de todo este material teórico, está umraciocínio estratégico. Neste caso, a estratégia foi usadapara conceber uma proposta de transformação social daatual sociedade, buscando conduzi-la ao socialismo li-bertário, o que podemos chamar de estratégia perma-

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nente, uma estratégia muito ampla que dá conta denossos objetivos de longo prazo.

A estratégia também pode ser concebida de manei-ras menos amplas, e até mesmo restritas. Qualquer açãoque a organização específica anarquista, ou mesmo osmilitantes, pretenda levar a cabo, pode ser concebida demaneira estratégica. Uma frente da organização anar-quista, por exemplo, pode conceber seu trabalho “respon-dendo” assim às três questões colocadas anteriormente:1.) Hoje não temos inserção no movimento comunitáriode um determinado bairro que está crescendo muito ejulgamos que lá pode ser desenvolvido um bom trabalho.2.) Desejamos, em um ano, poder estar realizando umtrabalho social regular com alguma inserção. 3.) Paraisso, trataremos de realizar a aproximação deste movi-mento, conhecê-lo mais de perto, começar uma práticapermanente de trabalho social, buscando inserção social.

Da mesma forma, um militante pode, por exemplo,fazer uma proposta de autoformação política, tambémrespondendo às três questões. 1.) Tenho deficiências emuma determinada questão teórica e creio que isso estáprejudicando minha militância. 2.) Gostaria, em seismeses, de resolver este problema, pois creio que isso vaime dar mais possibilidades na militância. 3.) Vou realizarisso, primeiramente, conversando com os companheirosmais experientes da minha organização e pedindo umaorientação de onde eu posso encontrar material sobre oassunto, depois vou ler todo o material e propor umdebate com outros companheiros, finalmente, formaliza-rei minhas idéias em um texto e apresentarei à organiza-ção para os companheiros darem suas opiniões.

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Em resumo, tudo na organização, do mais complexoao mais simples, pode e deve ser realizado de maneiraestratégica.

Na organização específica anarquista, a questão deelaboração de estratégia é tratada da maneira seguinte.Deve haver sempre um amplo debate sobre a estratégia,incluindo as três questões listadas acima. A organizaçãoanarquista deve buscar realizar um diagnóstico da reali-dade dentro da qual ela atua, fixar os objetivos finalistasde longo prazo, e o mais importante que é determinar osdiversos períodos e ciclos de luta, cada um com seusrespectivos objetivos. Essa linha “macro” (de diagnós-tico, objetivos de médio e longo prazo) é chamada deestratégia e os grandes objetivos, os objetivos estraté-gicos. A estratégia, em seguida, é detalhada em umalinha mais “micro”, ou seja, tática, que determina osobjetivos de curto prazo e as ações que são colocadas emprática por militantes ou grupos de militantes que visamatingir os objetivos táticos de curto prazo. Obviamente,o alcance dos objetivos táticos deve contribuir com aaproximação, ou mesmo com o alcance, dos objetivosestratégicos.

Quando esta linha estratégica-tática da organiza-ção está estabelecida, um plano de ação é determinadoe cada militante tem uma função bem definida e obje-tivos claros a serem atingidos. É interessante que seestabeleçam prazos para as realizações das ações, comaferimentos dos resultados nos finais de cada período ouciclo. Estes aferimentos são feitos por avaliações de comocaminharam as atividades, se elas rumaram para ondeestávamos imaginando, se erramos em alguma coisa. Em

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resumo: vemos se estamos caminhando rumo aos objeti-vos estabelecidos, ou se estamos nos distanciando deles.Se for o primeiro caso, corrigimos os erros, fazemos ajus-tes e prosseguimos no mesmo caminho. Se for o segundo,mudamos as ações táticas e eventualmente a estratégia,fazendo o mesmo processo novamente dentro de algumtempo. É este processo de caminhar, avaliar, prosseguir,reavaliar etc. que faz a organização caminhar com estra-tégia e prosseguir corretamente na luta. Assim,

[...] a estratégia proporciona somente lineamen-tos gerais para um período. É a tática que aencarna na realidade concreta, atual, o que atraduz em feitos. As opções táticas, à medidaque respondem a problemas mais precisos, con-cretos e imediatos, podem ser mais variadas, maisflexíveis. Todavia, não podem estar em contradi-ção com a estratégia. Uma concepção estraté-gica-tática adequada tem de levar em conta,como dissemos, a situação real e o período parao qual se prevê.66

A estratégia deve ser a mesma, enquanto o diag-nóstico da realidade em que se atuar e os objetivos foremos mesmos. “Se a situação geral experimentou mudançasmuito importantes, isso alteraria as condições dentro dasquais tem de trabalhar a organização e esta, se queratuar com eficácia, teria que revisar sua estratégia paraadaptá-la à nova situação.”67 Da mesma forma funcio-nam os objetivos. Se os objetivos se modificam, porexemplo, em uma situação pós-revolucionária, a estraté-gia pode ser modificada. Disso decorre a importância

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tanto da compreensão da situação atual em que vivemos,e também do estabelecimento de objetivos precisos eclaros, componentes imprescindíveis na elaboração daestratégia, já que “em política não existe nenhuma prá-tica honesta e útil possível sem uma teoria e um objetivoclaramente determinados”68. Estabelecidos o diagnósticoda presente sociedade que pretendemos transformar e “ofim a que se deseja chegar, por vontade ou por neces-sidade, o grande problema da vida consiste em encontraro meio que, segundo as circunstâncias, conduza commaior segurança e de modo mais econômico ao fim pré-fixado”69.

A linha estratégica é formalizada em um programa,que norteia todas as ações da organização e de seusmilitantes. “Nunca se deve renunciar ao programa so-cialista revolucionário, claramente estabelecido, tantopela forma como pela substância.”70 Entendemos, por-tanto, que

a estratégia deve ganhar vida em um programade ação que estabeleça pautas gerais para umperíodo ou etapa. Um programa deve ter suasraízes nas realidades dos diferentes níveis denossa sociedade. Nossa estratégia não está emcondições de avançar, de se desenvolver, se nãotem um contato fluente com problemas concre-tos existentes nas distintas conjunturas que com-põem uma etapa de ação.71

Ou seja, para que a linha estratégica seja estabe-lecida e formalizada no programa, é imprescindível ocontato com a prática, que possibilita uma teorização

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com conhecimento. Este contato permitirá também odesdobramento tático correto da estratégia. O programa

[...] constitui a plataforma comum a todos osmilitantes na organização anarquista. Sem estaplataforma, a única cooperação que poderia ha-ver estaria baseada em desejos sentimentais, va-gos e confusos, e não haveria uma real unidadede perspectivas. [...] O programa não é um con-junto de aspectos secundários que agrupam (oufreqüentemente, que não dividem) as pessoasque pensam de maneira semelhante, mas sim umcorpo de análises e propostas que só é adotadopor aqueles que crêem nele e que decidem difun-dir este trabalho e transformá-lo em realidade.72

Por meio do programa, a organização específicaanarquista faz conhecer a sua proposta estratégica detransformação social. Ao mesmo tempo em que ele servepara nortear a ação dos militantes da organização, eleserve para marcar as posições da organização para outraspessoas que não fazem parte dela, tornando público esteconjunto de análises e propostas.

O conjunto de estratégia, tática e programa dá àorganização uma forma de atuação planejada por meioda qual é possível conseguir os melhores resultados. Oplanejamento é imprescindível para qualquer organiza-ção anarquista.

A concepção estratégica da organização específicaanarquista possui, inevitavelmente, um componenteideológico. A ideologia

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constitui um motor essencial da ação política eum componente inevitável de toda estratégia.Toda prática política supõe motivos determina-dos e um sentido que só se fazem claramentediscerníveis na medida em que se explicitam eorganizam como ideologia.73

No entanto, não devemos confundir ideologia eestratégia. Em relação à ideologia, a estratégia é muitomais flexível, já que varia de acordo com o contextosocial, a conjuntura. Portanto, a ideologia anarquistapode possuir estratégias distintas, já que cada organi-zação atua em contextos e conjunturas completamentediferentes. Quando falamos de tática, isso é uma ver-dade ainda maior. Como a composição social de cadalocalidade é distinta, assim como as forças políticas, asposições do governo, das forças da reação etc. é naturalque em cada contexto e conjuntura se apliquem táticasdiferentes para a prática política do anarquismo. Porexemplo: há locais e contextos em que vale a pena con-siderar o sindicalismo como um espaço de trabalho so-cial, há outros que não, e assim por diante.

Afirmamos anteriormente que a organização espe-cífica anarquista deve trabalhar com unidade estratégica

e tática, que se dá pelo processo decisório já descrito, quebusca o consenso e em caso de ele não ser possível optapelo voto, vencendo a maioria. Neste caso, todos os mi-ltantes da organização são obrigados a seguir a posiçãovencedora. Como em qualquer outro processo de de-cisão, as questões são bem colocadas, debatidas, e hátentativa de conciliação dos diferentes pontos de vista.

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Não sendo possível esta conciliação, a organização devesintetizar as principais propostas e votar. Assim, a organi-zação decide, por consenso ou por voto, as respostas paraas três questões da estratégia. Formula a linha estraté-gica-tática e todos caminham no mesmo sentido. Perio-dicamente avalia esta linha, podendo reformulá-la.

Ressaltemos que todas as decisões são tomadas co-letivamente, sem nenhum tipo de imposição. No en-tanto, com prioridades e responsabilidades estabeleci-das, cada militante não pode fazer aquilo que acharmelhor, por conta própria. Cada um tem obrigação, pe-rante a organização, de realizar aquilo que se compro-meteu e aquilo que foi definido como prioritário. Obvia-mente que, como enfatizamos, devemos sempre tentarconciliar as atividades que cada um gosta de fazer, comas responsabilidades estabelecidas pela organização, masnem sempre temos de fazer só aquilo que gostamos.

O modelo de organização específica anarquista im-plica que os militantes devem fazer coisas que não gos-tam muito ou deixar de fazer algumas coisas que gostam.Isso, para fazer com que a organização caminhe comestratégia. Caminhar com estratégia faz da organizaçãoanarquista uma organização coerente e efetiva; umaorganização voltada para a militância séria, compromis-sada, em que os militantes fazem aquilo que estabele-ceram como prioridade e trabalham nas tarefas que con-tribuem da maneira mais efetiva possível para a consoli-dação de seus objetivos estratégicos. A prática relati-vamente comum de muitos grupos e organizações anar-quistas de ir realizando diferentes ações, à torto e àdireta, entendendo que elas estão contribuindo com um

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todo comum, não é aceita. Ao contrário deste modelo, aprática com estratégia

se trata de não ir fazendo o que saia, nem estimarisoladamente cada coisa que aparece, nem desa-nimar porque o avanço não é imediatamente vi-sível. Se trata de fixar objetivos e avançar rumoa eles. De escolher ação e estabelecer priorida-des em função desses objetivos. Isso implica,claramente, que haverá atividades que não rea-lizaremos, fatos nos quais não estaremos. Elespodem ser importantes e até espetaculares, masnão contam se não se encaixam nos propósitospara a etapa de nosso programa. Em outros casos,estaremos em minoria absoluta ou com grandescomplicações, em atividades que condizem comnossos objetivos. Escolher o que mais gostamosou o que nos traz menos complicações não é umapolítica correta.74

Voltando ao caso de votação para o estabelecimentode estratégia, é importante colocar que quem está deli-berando é a organização e não um indivíduo ou outro,portanto, quando uma questão estratégica é resolvidapor meio de votação, independente do voto de cada um,todos os militantes da organização possuem a obrigaçãode seguir a posição determinada coletivamente. Esta éuma posição marcante no modelo de organização quedefendemos, pois as posições tiradas coletivamente nãosão recomendações, mas sim parte de uma linha estraté-gica que deve, necessariamente, ser seguida por todos.

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Para nós, “organização significa coordenação de forçascom um objetivo comum, e obrigação de não promoverações contrárias a este objetivo”75. Devemos enfatizarque a liberdade de se unir a uma organização é igual àliberdade de se desligar de uma, e, no caso de umaindividualidade ou minoria se sentir frequentementedesprezada pelas decisões da maioria, possui toda a liber-dade de cindir. É importante frisar que as decisões estra-tégicas, mesmo que tomadas por meio de votação, sãodecisões coletivas e não disputas individuais dentro daorganização.

Em termos estratégicos, esta unidade permitirá quetodos na organização remem o barco no mesmo sentido epossam multiplicar os resultados das forças militantes.Assim, todos têm uma leitura semelhante de onde esta-mos, de onde queremos chegar e de como caminhar deum ponto a outro.

Notas:

1 Errico Malatesta. “A Organização II”. In: Escritos Revolucio-

nários, p. 55.

2 Nestor Makhno. “Nossa Organização”. In: Anarquia e Orga-

nização. São Paulo, Luta Libertária, s/d, p. 31.

3 Luigi Fabbri. “A Organização Anarquista”. In: Anarco-

Comunismo Italiano, pp. 107, 110-111.

4 Errico Malatesta. “La Propaganda Anarquista”. Excerto de

Pensiero e Vountà, 19 de janeiro de 1925. In: Vernon Richards.

Op. Cit. p. 171.

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5 Ibidem. p. 172.

6 Mikhail Bakunin. “Mobilização do Proletariado”. In: Con-

ceito de Liberdade, p. 134.

7 FARJ. “Carta de Princípios”.

8 Ibidem. As aspas dos próximos sete parágrafos referem-se a

este documento.

9 Luigi Fabbri. “A Organização Anarquista”. In: Anarco-

Comunismo Italiano, p. 116.

10 Ibidem. p. 124.

11 Juan Mechoso. Acción Directa Anarquista: una historia de

FAU. Montevideo: Recortes, s/d, p. 199. As citações do livro

de Mechoso referem-se a documentos da Federação Anar-

quista Uruguaia (FAU).

12 Ibidem. pp. 190; 192.

13 Luigi Fabbri. “A Organização Anarquista”. In: Anarco-

Comunismo Italiano, p. 121.

14 Dielo Trouda. “El Problema de la Organización y la Noción

de Síntesis”.

15 FARJ. “Reflexões Sobre o Comprometimento...”. As aspas

não identificadas deste e do próximo parágrafo referem-se a

este artigo.

16 Errico Malatesta. “Ação e Disciplina”. In: Anarquistas,

Socialistas e Comunistas, p. 24.

17 FARJ. “Reflexões Sobre o Comprometimento...”

18 Ibidem.

19 Nestor Makhno. “Sobre a Disciplina Revolucionária”. In:

Anarquia e Organização, p. 34.

20 Dielo Trouda. “Plataforma organizativa por una Unión

General de Anarquistas”.

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21 Nestor Makhno. “Nossa Organização”. In: Anarquia e Or-

ganização, p. 32.22 Errico Malatesta. “Programa Anarquista”. In: Escritos Re-

volucionários, p. 23.

23 FARJ. “Carta de Princípios”.24 Mikhail Bakunin. “Algumas Condições da Revolução”. In:

Conceito de Liberdade, p. 127.

25 Idem. “Educação Militante”. In: Conceito de Liberdade, pp.

145-146.26 FAU. “Declaración de Principios”. As aspas deste parágrafo

são deste mesmo documento.

27 Errico Malatesta. “Programa Anarquista”. In: Escritos Re-

volucionários, p. 18.

28 Idem. “A Propósito de Revolução”. In: Anarquistas, Socia-

listas e Comunistas, p. 55.

29 Em “Em Torno de Nosso Anarquismo”, Malatesta enfatiza:

“Provocar, tanto quanto nos seja possível, o movimento, nele

participando com todas as nossas forças, imprimindo-lhe o

caráter mais libertário e mais igualitário que seja; apoiar

todas as forças progressivas; defender o que é melhor quando

não se puder obter o máximo, mas conservar sempre bem

claro nosso caráter de anarquistas”. [grifos nossos] Ver Es-

critos Revolucionários, p. 80.30 Errico Malatesta. “A Organização das Massas Operárias...”.

In: Escritos Revolucionários, p. 40.

31 Mikhail Bakunin. “Libertad e Igualdad”. In: G. P. Maximoff

(org.). Escritos de Filosofia Política vol. II. Madrid: Alianza Edi-

torial, 1990, p. 9.32 Ibidem.33 Idem. “Táctica e Disciplina do Partido Revolucionário”. In:

Conceito de Liberdade, p. 192.

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34 FAU. “Declaración de Principios”.

35 Ibidem.

36 Errico Malatesta. “Los Anarquistas y los Movimientos

Obreros”. Excerto de Umanità Nova, 6 de abril de 1922. In:

Vernon Richards. Op. Cit. p. 114.

37 Mikhail Bakunin. “Educação Militante”. In: Conceito de

Liberdade, p. 146.

38 Ibidem. “Operários, Camponeses, Burgueses e Intelectuais”.

In: Conceito de Liberdade, p. 110.

39 Errico Malatesta. “Programa Anarquista”. In: Escritos Re-

volucionários, p. 18.

40 Ibidem. p. 17.

41 FAU. “Declaración de Principios”.

42 FARJ. “Carta de Princípios”.

43 FAU. Huerta Grande: a Importância da Teoria.

44 Ibidem.

45 Ibidem.

46 Ibidem.

47 Dielo Trouda. “Plataforma organizativa por una Unión

General de Anarquistas”.

48 Errico Malatesta. “Programa Anarquista”. In: Escritos Re-

volucionários, p. 7.

49 Luigi Fabbri. “A Organização Anarquista”. In: Anarco-

Comunismo Italiano, p. 97.

50 Errico Malatesta. “La Propaganda Anarquista”. Excerto de

L’Agitazione, 22 de setembro de 1901. In: Vernon Richards.

Op. Cit. p. 172.

51 Luigi Fabbri. “A Organização Anarquista”. In: Anarco-

Comunismo Italiano, pp. 115-116.

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52 Mikhail Bakunin. “Algumas Condições da Revolução”. In:Conceito de Liberdade, p. 130.53 No Regulamento da Seção da Aliança da Democracia So-cialista de Genebra, redigido por Bakunin, ele recomenda:“Não se pode tornar seu membro sem ter aceitado, sincera ecompletamente, todos os seus princípios. Os membros anti-gos são obrigados e os membros recentes têm de prometerfazer à sua volta, segundo suas possibilidades, a mais ativapropaganda, tanto pelo seu exemplo, como pelas suas pa-lavras” [grifos nossos]. Ver Conceito de Liberdade, p. 201.54 Errico Malatesta. “La Propaganda Anarquista”. Excerto deL’Adunata dei Refrattari, 26 de dezembro de 1931. In: VernonRichards. Op. Cit. p. 170.55 Juan Mechoso. Op. Cit. p. 194.56 Ibidem.57 Ibidem. p. 195.58 Ibidem.59 FAU. “Declaración de Principios”.60 Dielo Trouda. “Plataforma organizativa por una UniónGeneral de Anarquistas”.61 Errico Malatesta. “La Organización”. Excerto de L’Agita-zione, 18 de junho de 1897. In: Vernon Richards. Op. Cit. p.89.62 FARJ. “Carta de Princípios”.63 UP / MTD - RJ. Op. Cit.64 Errico Malatesta. “Enfim! O que é a ‘Ditadura do Pro-letariado’”. In: Anarquistas, Socialistas e Comunistas, p. 87.65 FAU. Resoluciones Sobre el Tema Estrategia.66 Juan Mechoso. Op. Cit. p. 196.

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67 Ibidem.

68 Mikhail Bakunin. “Programa Revolucionário e Programa

Liberal”. In: Conceito de Liberdade, p. 188.

69 Errico Malatesta. “Los Fines y los Medios”. Excerto de L’En

Dehors, 17 de agosto de 1892. In: Vernon Richards. Op. Cit. p.

69.

70 Mikhail Bakunin. “Programa Revolucionário e Programa

Liberal”. In: Conceito de Liberdade, p. 188.

71 FAU. Resoluciones Sobre el Tema Estrategia.

72 George Fontenis. “Manifiesto Comunista Libertário”.

73 Juan Mechoso. Op. Cit. p. 197.

74 FAU. Resoluciones Sobre el Tema Estrategia.

75 Errico Malatesta. “A Organização II”. In: Escritos Revolu-

cionários, pp. 59-60.

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ESPECIFISMO: ORGANIZAÇÃO

ANARQUISTA, PERSPECTIVAS

HISTÓRICAS E INFLUÊNCIAS

A ausência de organização visível, normal e aceita

por cada um de seus membros torna possível

o estabelecimento de organizações arbitrárias,

menos libertárias.

Luigi Fabbri

Desde que o termo “especifismo” chegou ao Brasil,ainda em meados da década de 1990, houve uma sériede polêmicas ou mesmo de confusões em torno dele.Houve, e infelizmente ainda há, pessoas que dizem queo especifismo não é anarquismo, acusam as organizaçõesespecifistas de serem partidos políticos, dentre outrosabsurdos. Quando reivindicamos a FARJ como umaorganização anarquista especifista, estamos buscando,mais do que qualquer outra coisa, situar dentro da dis-cussão sobre organização anarquista, quais são as posi-ções que defendemos.

O termo especifismo foi criado pela FederaçãoAnarquista Uruguaia (FAU) e, por ele, nos referimos auma concepção de organização anarquista que possuidois eixos fundamentais: organização e trabalho/inserção

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social. Estes dois eixos estão baseados nos conceitosclássicos do anarquismo de atuação diferenciada nosníveis político e social (conceito bakuninista) e de orga-nização específica anarquista (conceito malatestiano).Portanto, o termo especifismo, apesar de ter sido con-cebido recentemente, refere-se às práticas organizacio-nais anarquistas que existem desde o século XIX. Alémdesses dois eixos, há uma série de outras questões orga-nizacionais que são definidas dentro do especifismo eque buscaremos desenvolver em seguida. Portanto, asduas principais referências clássicas do especifismo sãoBakunin e Malatesta. Isso não significa que desconsi-deremos outros importantes teóricos como Proudhon eKropotkin – utilizamos neste texto muitas referênciasteóricas deles – mas acreditamos que, para a discussãode organização anarquista, Bakunin e Malatesta pos-suem propostas mais adequadas para nossa atuação.

Nos próximos parágrafos, pretendemos retomar demaneira breve algumas discussões que fizemos ao longodeste texto, e principalmente deste último capítulo, si-tuá-las e compará-las com outras posições existentesdentro do anarquismo. Acreditamos que mais do queafirmar as posições que defendemos – o que fizemos atéaqui – cabe realizarmos algumas críticas fraternais aoutras concepções de organização (ou de desorganiza-ção) presentes no anarquismo e comparar, com base emalguns pontos escolhidos, nossa concepção com outras.

Talvez o melhor contraponto com o modelo de or-ganização especifista, seja o que chamamos de modelode síntese, ou sintetismo. Este modelo foi formalizadoteoricamente em dois documentos homônimos, chama-

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ESPECIFISMO: ORGANIZAÇÃO ANARQUISTA, PERSPECTIVAS... 215

dos “A Síntese Anarquista”, um de Sebastièn Faure eoutro de Volin. Histórica e mundialmente, foi a Plata-

forma do Dielo Trouda que estabeleceu este contra-ponto. Pretendemos retomar parte deste debate sobreorganização anarquista, apesar de, na nossa concepção,o especifismo ser mais amplo que o plataformismo – aindaque possua sua significativa influência.

A síntese defende um modelo de organização anar-quista em que estejam todos os anarquistas (anarco-comunistas, anarco-sindicalistas, anarco-individualistasetc.) e, portanto, apresenta muitas das característicasque criticaremos a seguir. Sabemos que várias destascaracterísticas não estão necessariamente ligadas aomodelo sintetista de organização. No entanto, é inegá-vel que muitas delas se reproduzam em organizaçõesdeste tipo, principalmente por influência do individua-lismo, mas não somente dele. Reconhecemos que dentrode organizações sintetistas também há militantes sériose compromissados com o anarquismo social e, portanto,não queremos que as críticas pareçam generalizadas.Apesar de nunca questionarmos se estas organizaçõessão anarquistas (para nós, todas elas são), elas, na maio-ria dos casos, não convergem com nossa maneira depensar a organização anarquista.

Antes de tudo, quando tratamos neste texto da“organização específica anarquista”, a partir desta pers-pectiva especifista, não estamos falando de qualquerorganização de anarquista. Há diversas organizaçõesanarquistas que não são especifistas. Portanto, o espe-cifismo implica em muito mais do que se defender aorganização anarquista.

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Tratemos das diferenças entre o especifismo e ou-tras formas de organização anarquista.

A primeira diferença está na forma de entender opróprio anarquismo. Como pontuamos no início destetexto, entendemos o anarquismo como uma ideologia,ou seja, um “um conjunto de idéias, motivações, aspira-ções, valores, estrutura ou sistema de conceitos, quepossuem uma conexão direta com a ação – o que cha-mamos de prática política”. Neste caso, buscamos dife-renciar esta compreensão de anarquismo de uma outra,puramente abstrata e teórica, que estimula somente olivre pensar, sem necessariamente conceber um modelode transformação social. O anarquismo pensado somentea partir deste modelo de observação crítica da vida,oferece uma liberdade estética e de possibilidades infi-nitas. No entanto, se assim for concebido, não oferecepossibilidades reais de transformação social, visto quenão é colocado em prática, em ação. Não possui a práticapolítica que busca os objetivos finalistas.

O especifismo defende um anarquismo que, comoideologia, busque conceber um modelo de atuação quetransforme a sociedade de hoje no socialismo libertáriopor meio da revolução social. Este processo, necessa-riamente, passa pela organização das classes exploradasem organização popular e exige a utilização da violência,entendida fundamentalmente como resposta à violênciado atual sistema. Outras correntes anarquistas são con-tra a violência e acreditam que a transformação socialpode se dar de outras maneiras.

Outra diferença está em torno da própria questãoda organização. Para nós, a organização é uma questão

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absolutamente central ao tratarmos de anarquismo. Semela, acreditamos ser impossível conceber qualquer pro-jeto político sério e que tenha por objetivo chegar àrevolução social e ao socialismo libertário.

Há correntes anarquistas sustentam posições “anti-organização”, ou mesmo espontaneístas, e acreditam quequalquer forma de organização é autoritária ou avessaao anarquismo. Para estas correntes, a formação de umamesa para coordenar uma assembléia é autoritária, aformação de um grupo para trabalhar nos movimentossociais é autoritária. Enfim, para estes anarquistas, aslutas devem se dar de maneira espontânea, os ganhos,caso vierem, deverão vir de maneira espontânea, a cone-xão entre lutas deve ser espontânea e o mesmo o capi-talismo e o Estado, se forem derrubados, será por umamobilização espontânea. Talvez, ainda, depois de umaeventual revolução social, as coisas evoluirão por suaprópria conta, entrando nos eixos sem maiores esforços.Estes anarquistas acreditam que a organização prévianão é necessária, outros pensam que ela nem mesmo édesejável.

Alguns indivíduos anarquistas que defendem estespontos de vista e que se dispõem a realizar trabalhosocial, não conseguem lidar com as forças autoritárias e,sem a devida organização, terminam sendo tarefeiros e“buchas” para projetos autoritários ou saem frustradospor não conseguirem espaço nos movimentos sociais.

Pontuamos anteriormente que concebemos a orga-nização específica anarquista como uma organização deminoria ativa. Assim, ela é uma organização de anar-quistas que se agrupam no nível político e ideológico e

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que realizam sua principal atividade no nível social, queé mais amplo, buscando ser o fermento das lutas. Nomodelo especifista, há obrigatoriamente esta diferen-ciação entre os níveis político e social de atuação.

Diferentemente, há anarquistas que concebem aorganização anarquista como um amplo agrupamentoque federa todos aqueles que se intitulam anarquistas,servindo como um espaço de convergência para a reali-zação de ações com completa autonomia. No anarquis-mo, de maneira ampla, também esta divisão entre osníveis político e social não é aceita por todas as corren-tes, que compreendem a organização anarquista de ma-neira difusa, podendo ser ela um movimento social, umaorganização, um grupo de afinidades, um grupo de es-tudos, uma comunidade, uma cooperativa etc.

Mesmo o conceito de anarco-sindicalismo, em di-versos momentos, buscou suprimir esta diferença deatuação entre níveis, misturando a ideologia anarquistacom o sindicalismo. Estas e outras tentativas de ideo-logizar os movimentos sociais, no nosso entender, enfra-quecem tanto os movimentos sociais – que não fun-cionam mais em torno de questões concretas como terra,moradia, emprego etc. –, quanto o próprio anarquismo,já que não permitem o aprofundamento das discussõesideológicas, que são feitas em meio ao movimento social.Enfraquece também, pois o objetivo destes anarquistasde tornar todos os militantes dos movimentos sociaisanarquistas é impossível, a não ser que se reduzam eenfraqueçam significativamente os movimentos. Destaforma, ou mesmo por ver que é natural encontrar pessoasde ideologias diferentes nos movimentos sociais que

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nunca serão anarquistas, estes anarquistas se frustram,e muitas vezes se afastam das lutas. Como conseqüênciadisso, fazem, frequentemente, o anarquismo fechar-seem si mesmo.

A organização anarquista de minoria ativa é muitasvezes entendida, por outras correntes do anarquismo,como similar à organização autoritária de vanguarda.Como fizemos questão de pontuar, quando concebemosesta separação entre os níveis político e social, não que-remos dizer com isso que queremos estar à frente dos mo-vimentos sociais e nem que o nível político possui qual-quer hierarquia ou domínio em relação ao nível social.

Há também uma diferença em relação ao espaçoprivilegiado para a prática do anarquismo. Nós espe-cifistas acreditamos que este espaço é a luta de classes.Antes de tudo, já consideramos que não vivemos apenasem uma sociedade, mas em uma sociedade de classes.Independente da forma que pensemos a diferença destasclasses, nos parece impossível negar que a dominação ea exploração aconteçam em níveis diferentes em nossasociedade e que o fator econômico tem grande influên-cia sobre isso. Para nós, o anarquismo nasceu no seio dopovo e é lá que ele deve estar, tomando uma posiçãoclara em favor das classes exploradas que estão em con-flito permanente na luta de classes. Portanto, quandodiscutimos “onde jogar as sementes do anarquismo”,para nós é claro que deve ser no seio da luta de classes;nos espaços em que as contradições do capitalismo sãomais evidentes.

Há anarquistas que não sustentam este viés clas-sista do anarquismo e, o que é pior, há aqueles que o

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acusam de ser assistencialista, ou de querer “fazer apolo-gia dos pobres”. Negando a luta de classes, a maioriadesses anarquistas acredita que como a definição clás-sica de classes de burguês e proletário não dá conta dasociedade de hoje, então se poderia dizer que não exis-tem mais classes; ou que este seria um conceito ana-crônico. Discordamos radicalmente destas posições eacreditamos que, independente de como formos definiras classes – se daremos mais ou menos ênfase ao carátereconômico etc. – é inegável que existam contextos ecircunstâncias em que as pessoas sofrem mais os efeitosdo capitalismo. E é nestes contextos e nestas circuns-tâncias que queremos priorizar o nosso trabalho.

Quando buscamos aplicar o anarquismo à luta declasses, reivindicamos o que chamamos de trabalho so-cial, e que definimos anteriormente como “a atividadeque a organização anarquista realiza em meio à luta declasses, fazendo o anarquismo interagir com as classesexploradas”. Como também dissemos, para nós, esta deveser a principal atividade da organização específica anar-quista. Por meio do trabalho social, defendemos que aorganização anarquista deva buscar a inserção social,“processo de influência dos movimentos sociais a partirda prática anarquista”.

Há anarquistas que não defendem este trabalhocom vistas à inserção social. Parte não acredita que issoseja prioridade, e outra parte, o que é mais complicado,acredita que é autoritário. Para os anarquistas que pen-sam que trabalho/inserção social não são prioritários,parece que outras atividades teriam mais efetividade nodesenvolvimento do anarquismo – por mais que geral-

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mente isso não seja dito. Apesar de, pelo menos apa-rentemente, não haver uma formulação estratégica, oque acontece na prática é que estes anarquistas pro-curam trabalhar com a propaganda, muito restrita àspublicações, aos eventos, à cultura. Como já enfatizamos,esta propaganda também é central para nós, mas não ésuficiente se for feita sem respaldo de trabalho/inserçãosocial. Com este respaldo, a propaganda é muito maisefetiva. Portanto, a propaganda, no especifismo, deve serrealizada por estes dois vieses: educacional/cultural e deluta com os movimentos sociais.

Os anarquistas que não acreditam que trabalho/inserção social não são e nem devem ser prioridade, pre-ferem trabalhar em outros meios, longe da luta de clas-ses, longe dos movimentos sociais, longe das pessoas deideologias diferentes. Alguns dizem que como são mem-bros da sociedade, já possuem inserção social. Muitasvezes, terminam sectários, conseguindo conviver apenascom seus pares, e “guetificando” o anarquismo. Isso ex-plica o sectarismo de parte dos anarquistas, que acon-tece em proporção muito menor com as organizaçõesespecifistas.

Muito mais complicada que a posição acima, é aposição defendida por anarquistas que são contra o tra-balho e a inserção social; posição bastante comum nomeio libertário. Esses anarquistas acreditam que comomuitas vezes não são pobres, como muitas vezes não es-tão em movimentos sociais (não são sem-terra, por exem-plo), que é autoritário trabalhar com a comunidade ca-rente ou mesmo com os movimentos sociais, já que “sãode fora dessa realidade”. Para eles, é autoritário uma

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pessoa que tem onde morar apoiar a luta dos sem-teto; éautoritário freqüentar um movimento comunitário semser da comunidade; é autoritário apoiar o trabalho doscatadores de lixo se você não é um deles. Para estesanarquistas, só há legitimidade em se trabalhar commovimentos populares se você é um “popular” e se vocêfaz parte da realidade do movimento. Como geralmenteesses anarquistas não estão nessas condições, não seaproximam de movimentos sociais e nem da luta de clas-ses. Terminam por fazer de seu anarquismo um “movi-mento em si mesmo”, que se caracteriza por ser essen-cialmente de classe média e de intelectuais, por nãobuscar contato com as lutas sociais e populares, por nãoestar em contato com pessoas de ideologia diferentes.Aliás, este anarquismo de classe média e intelectual,quando não busca trabalho e inserção social, terminanecessariamente em um de dois caminhos. Ou aban-dona a proposta de transformação social, ou constitui-seem um agrupamento que luta pelo povo, e não com opovo – assumindo a posição de vanguarda e não de mi-noria ativa.

O trabalho social, para estes militantes, é muitasvezes comparado ao “entrismo” da esquerda autoritária,pessoas que entram nos movimentos para fazê-los fun-cionar em seu próprio favor. Na maioria das vezes, defen-dem um espontaneísmo de que “vir de fora”, “colocar oanarquismo dentro dos movimentos sociais”, é autoritá-rio. Segundo eles, as idéias deveriam surgir esponta-neamente. Acusam a discussão, a persuasão, o conven-cimento, a troca, a influência, externos aos movimentossociais e, por isso, autoritários.

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Dessa posição contrária ao trabalho e à inserçãosocial, nós especifistas também discordamos radical-mente. Como explicamos, para nós o anarquismo nãodeve ser fechado em si mesmo, e nem se afastar dosmovimentos sociais e das pessoas de ideologias dife-rentes. Ele deve servir como ferramenta, como fermento,como motor das lutas de nosso tempo. Para isso, o anar-quismo, ao invés de esconder-se deve confrontar-se coma realidade e buscar transformá-la. Para esta transfor-mação, de nada adianta “pregarmos para os converti-dos”; temos, necessariamente, que interagir com não-anarquistas.

Já que entendemos que a classe não se define apartir da origem, mas sim a partir da posição que sedefende na luta, acreditamos que apoiar movimentossociais, auxiliar mobilizações e organizações diferentesda realidade que se está incluído é uma obrigação éticade qualquer militante comprometido com o fim da so-ciedade de classes. Finalmente, acreditamos que o tra-balho social traz a prática necessária ao anarquismo, quetem uma contribuição imensa na formulação da linhateórica e ideológica da organização. Esta atividade é,para nós, importantíssima em nossa formulação teórica,pois faz com que teorizemos tendo conhecimento da rea-lidade e da aplicação prática do anarquismo nas lutas.Grupos e organizações que não possuem trabalho socialtendem a radicalizar um discurso que não possui res-paldo na prática. Quando isso acontece, a tendência éque exista um discurso ultra-radical e revolucionário –muitas vezes acusando outros de reformistas etc. –, masque não sai da teoria.

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Como vimos, no especifismo há unidade teórica eideológica, um alinhamento em relação aos aspectos teó-ricos e ideológicos do anarquismo. Esta linha política éconstruída coletivamente e todos na organização têmobrigação de segui-la. Por considerarmos o anarquismoalgo muito amplo, com posições muito variadas ou mes-mo contraditórias, nos parece necessário que, entre to-das estas posições, devemos extrair uma linha teórica eideológica a ser defendida e desenvolvida pela organiza-ção. Como enfatizamos, esta linha deve, necessariamente,ter vínculo com a prática, já que acreditamos que “parateorizar com eficácia é imprescindível atuar”.

Para anarquistas que não defendem esta unidade,a organização anarquista poderia trabalhar com diversaslinhas teóricas e ideológicas. Cada anarquista ou grupode anarquistas pode ter a sua interpretação do anar-quismo e sua própria teoria. Isso é motivo de diversosconflitos e cisões em organizações com esta concepção.Como não há acordo nas questões de saída, são fre-qüentes as brigas, pois alguns acham que os anarquistasdevem realizar trabalho com movimentos sociais, outrosacham isso autoritário e “coisa de marxista”, algunsacham que a função do anarquismo é realçar o ego dosindivíduos, outros são radicalmente contra, e assim pordiante. Para nós, não há como ter uma prática efetiva oumesmo constituir-se em uma organização, sem que hajaacordo em algumas “questões de saída”. Nas organi-zações que não trabalham com unidade teórica e ideo-lógica, não há aprofundamento neste sentido, visto quecom tantos problemas nas questões mais simples, as maiscomplexas não chegam nem a ser discutidas. Bakunin

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estava certo quando afirmou que “quem muito abraça,pouco aperta”1. É importante

que se compreenda que a divisão que existeneste ponto entre os anarquistas é muito maisprofunda do que o que normalmente se acredita,e que supõe igualmente uma inconciliável dis-cordância teórica. Digo isto para responder aosmeus bons amigos, favoráveis a um acordo a qual-quer preço, que afirmam: “Não criemos proble-mas de método! A idéia é uma só e a meta é amesma; permaneçamos pois unidos sem nos ras-garmos por um pequeno desacordo sobre a tá-tica”. Eu, ao contrário, dei-me conta há muitotempo atrás, que nos dilaceramos justamenteporque estamos muito próximos, por que estamosartificialmente próximos. Sob o verniz aparenteda comunidade de três ou quatro idéias – abo-lição do Estado, abolição da propriedade priva-da, revolução, antiparlamentarismo – existe umadiferença enorme na concepção de cada umadestas afirmações teóricas. A diferença é de talmonta que nos impede de tomarmos o mesmocaminho sem querelarmo-nos e sem neutralizarreciprocamente o nosso trabalho ou, se assimquisermos, permanecer em paz, sem renunciar-mos àquilo que acreditamos ser verdadeiro. Re-pito: não existe apenas uma diferença de mé-todo, mas sim uma grande diferença de idéias.2

Além da unidade teórica e ideológica, os especi-fistas defendem a unidade estratégica e tática. Atuarcom estratégia, como vimos, implica em realizar um

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planejamento de todas as ações práticas que forem reali-zadas pela organização, buscando verificar de onde sequer sair, onde se quer chegar e como. O anarquismo quetrabalha com unidade estratégica e tática faz do planeja-mento e do alinhamento na atuação prática um fortepilar organizacional. Isso, porque acreditamos que a faltade estratégia dispersa os esforços, fazendo com que mui-tos deles sejam perdidos. Defendemos um modelo emque se discute coletivamente um caminho a seguir, ejunto com este caminho, temos prioridades estabelecidase responsabilidades atribuídas aos militantes. As prio-ridades e responsabilidades significam que cada um nãovai poder fazer o que lhe passar pela cabeça, quandoquiser. Cada um vai ter obrigação, perante a organização,de realizar aquilo que se comprometeu e aquilo que foidefinido como prioritário. Obviamente que se buscaráconciliar as atividades que cada um gosta de fazer, comas responsabilidades estabelecidas pela organização, masnem sempre temos de fazer só aquilo que gostamos defazer. Um modelo especifista implica em termos de fazercoisas que não gostamos muito ou deixarmos de fazeralgumas coisas que gostamos muito. Isso, para fazer comque a organização caminhe com estratégia, com todosremando o barco no mesmo sentido.

Criticamos com ênfase as organizações que não tra-balham com estratégia. Para nós, não há como trabalharem uma organização em que cada militante ou grupo fazaquilo que achar melhor, ou simplesmente aquilo quegosta de fazer, acreditando estar contribuindo com umtodo comum. Geralmente, quando se agrupa anarquistasde todos os tipos em uma organização, sem que haja

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afinidades estratégicas, não há qualquer acordo sobrecomo atuar. Ou seja, não é possível estabelecer umaforma de caminhar, e há somente um acordo: que ascoisas devem ir caminhando.

Como pensar uma organização em que se buscaconciliar um grupo que acredita que deve atuar comoorganização específica no movimento social, com umgrupo que acha que a prioridade deve ser a convivênciaentre amigos, a terapia de grupo ou mesmo a exaltaçãodo papel do indivíduo, considerando autoritário (oumesmo marxista ou assistencialista) o trabalho com mo-vimento sociais? Há duas maneiras de se trabalhar essasdiferenças: ou se discute as questões, e se vive entrebrigas e desgastes, que consomem grande parte do tem-po, ou simplesmente não se toca nas questões. A maioriadas organizações deste tipo opta pela segunda forma.

A fim de estabelecer uma certa coordenaçãona ação, coordenação necessária, creio eu, entrepessoas que tendem para o mesmo objetivo, im-põem-se determinadas condições: um certo nú-mero de regras ligando cada um a todos, deter-minados pactos e acordos renovados frequente-mente – se falta tudo isto, se cada um trabalhacomo lhe apetece, as pessoas mais sérias encon-trar-se-ão elas próprias numa situação em que osesforços de uns serão neutralizados pelos dos ou-tros. Disto resultará a desarmonia e não a harmo-nia e a confiança serena para a qual nós tendemos.3

A unidade teórica e ideológica e a unidade estra-tégia e tática são atingidas por meio do processo decisó-

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rio coletivo, adotado pelas organizações especifistas queé a tentativa de consenso e se este não for possível, avotação, vencendo a maioria. Como também enfatiza-mos, neste caso, toda organização adota a decisão ven-cedora. Diferentemente, há organizações que trabalhamsomente com o consenso, permitindo, muitas vezes, queuma ou outra pessoa tenha influência exacerbada em umprocesso decisório que envolve um número muito maiorde pessoas. Buscando o consenso a qualquer custo, ecom o medo de rachar, essas organizações permitem queuma ou outra pessoa consiga ter um peso despropor-cional nas decisões, somente para se conseguir o con-senso. Outras vezes, se gasta horas com discussões depouca importância somente para se buscar o consenso.Temos em mente que o processo decisório é um meio enão um fim em si mesmo.

A obrigação de todos seguirem um mesmo caminho– que é regra no especifismo – é o compromisso que aorganização possui com a estratégia, pois, se cada vezque uma decisão tomada não agradar parte dos mili-tantes, e esta parte se recusar à realização do trabalho,será impossível a organização caminhar. Em caso de vo-tação, é importante termos em mente que, em uma vez,alguns ganharão a votação e trabalharão na sua pro-posta, em outra vez, perderão e trabalharão na propostados outros companheiros. Com esta forma de tomada dedecisão, se dá mais importância para as deliberaçõescoletivas do que para os pontos de vista individuais.

Há diferença, ainda, em pontos centrais que favo-recem a organização especifista: o comprometimento, aresponsabilidade e a autodisciplina dos militantes com a

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organização. No modelo especifista, há alto nível destecompromisso militante. Assim, é imprescindível que osmilitantes assumam compromissos frente à organizaçãoe os cumpram. O compromisso militante imprime umaligação entre militante e organização, que é uma relaçãomútua, em que a organização é responsável pelo mili-tante, assim como o militante é responsável pela organi-zação. Assim como a organização deve satisfação aomilitante, o militante deve satisfação à organização.

A falta de comprometimento, responsabilidade eautodisciplina constitui um grande problema em muitosgrupos e organizações anarquistas. É muito comum aspessoas se aproximarem e participarem mais ou menosdas atividades, fazendo somente aquilo que têm inte-resse, muitas vezes participando de decisões, assumindocompromissos e não os cumprindo ou, simplesmente, nãoassumindo compromissos. Há muitas organizações quesão complacentes com a falta de compromisso militante.É inegável que, por este motivo, essas organizações sejammais “legais” de se fazer parte, no entanto, são muitopouco efetivas do ponto de vista militante. Como paranós a militância é algo necessário na luta por uma so-ciedade livre e igualitária, não acreditamos que ela serásempre “legal”. Se tivermos de optar entre um modelode militância mais efetivo e outro mais “legal”, devemosoptar pela efetividade.

Para o trabalho com compromisso militante, o espe-cifismo sustenta uma organização com níveis de compro-misso. Como explicamos, defendemos a lógica dos círcu-los concêntricos em que todos os militantes possuem umespaço bem definido na organização, espaço este que é

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determinado pelo nível de compromisso que o militantequer assumir. Quanto mais ele quiser se comprometer,mais dentro da organização ele estará e maior será o seupoder de deliberação. Portanto, tanto no nível políticoquanto no nível social, há critérios bem definidos deentrada desde as instâncias de apoio ou agrupamentosde tendência até a organização específica anarquista. Sóestão dentro da organização específica anarquistas, mili-tantes com afinidade ideológica com a organização.

Ao contrário do modelo especifista, há outras orga-nizações cujo único critério para entrada de militantes ésua definição como anarquistas, independente de queconcepção de anarquismo eles tenham. Algumas pessoasparticipam um pouco da organização, outras são maiscomprometidas; uns assumem mais responsabilidades doque outros e todos possuem o mesmo poder de delibe-ração. Por isso, muitos deliberam sobre atividades que nãovão realizar, ou seja, determinam o que os outros vão fa-zer. Quando uma organização permite que alguém deli-bere algo e não assuma responsabilidades, ou que assumaresponsabilidades e não as cumpra, ela permite um auto-ritarismo daqueles que vão deliberar e jogar trabalho nascostas de outros companheiros. Enfim, neste outro mo-delo, cada um se envolve da forma que acha melhor,aparece quando acha que deve, e não há muita cobrançasobre a questão do compromisso militante. Muitos, aoserem cobrados, julgam-se vítimas do autoritarismo.Como explicamos, para nós, este modelo de organização,além de sobrecarregar os militantes mais responsáveis,acaba por permitir esta discrepância de pessoas que nãodeliberam e trabalham na mesma proporção.

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Portanto, não querermos ser este grande “guarda-chuva” que abarca todos os tipos de anarquistas. Estasamplas (in)definições, aparentemente agregam mais anar-quistas na organização, no entanto, acreditamos que nãodevemos optar pelo critério da quantidade, mas sim daqualidade de militantes.

Não há dúvida que se evitarmos precisarbem o nosso verdadeiro caráter, o número denossos aderentes poderá tornar-se maior. [...] Éevidente, por outro lado, que se nós proclama-mos alto os nossos princípios, o número dos nos-sos aderentes será menor, mas pelo menos serãoaderentes sérios, com os quais poderemos contar.4

Diferença relevante também se dá em torno daquestão do individualismo anarquista. O especifismosignifica uma recusa absoluta e completa do individua-lismo anarquista. Por este motivo, diverge de outrasorganizações que aceitam trabalhar com os individualis-tas. Para nós, há dois tipos de individualistas no anar-quismo. Um tipo, que era mais comum no passado, depessoas que preferem trabalhar sozinhas, mas que têm emmente o mesmo projeto que nós. Nestas pessoas, só temosa criticar o fato de que, estando desorganizadas, nãoconseguem potencializar os resultados de seu trabalho.Um outro tipo, mais em evidência nos dias de hoje, re-nunciou ao projeto socialista. Baseados na crítica anar-quista do Estado, possuem pouca crítica ao capitalismo,e nenhuma atuação no sentido de transformar social-mente a realidade em que vivemos. Colocando-se nacondição de simples observadores críticos da sociedade,

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constroem um anarquismo a partir de referências e pen-sadores secundários, simplesmente em torno da crítica.Não possuem qualquer projeto de sociedade e muitomenos uma atuação coerente que aponte para esta novasociedade. Poderíamos nos perguntar:

o que então nos resta do individualismo anar-quista? A negação da luta de classes, a negaçãodo princípio de uma organização anarquista, cujafinalidade seja a sociedade livre de trabalhado-res iguais: e mais ainda, a charlatanice vazia,estimulando os trabalhadores infelizes com suaexistência, a tomar parte recorrendo a soluçõespessoais, supostamente abertas a eles enquantoindivíduos libertados.5

Assim, exacerbam o papel da liberdade individual,que, apartada da liberdade coletiva, torna-se mera-mente um gozo egoísta, para o deleite de alguns poucosque podem, por seus privilégios dentro do capitalismo,permitir-se isso. Na realidade, a liberdade individual sópode existir na liberdade coletiva, pois a escravidão deoutros limita a liberdade de cada um, e a liberdade indi-vidual plena só pode se realizar no momento em que,coletivamente, todos forem livres. Concordamos comBakunin quando colocou:

Só posso considerar-me e sentir-me livre napresença e em relação a outros homens. [...] Sósou verdadeiramente livre quando todos os sereshumanos que me cercam, homens e mulheres, sãoigualmente livres. A liberdade do outro, longe de

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ser um limite ou a negação da minha liberdade,é, ao contrário, sua condição necessária e sua con-firmação. Apenas a liberdade dos outros me tornaverdadeiramente livre, de forma que, quantomais numerosos forem os homens livres que mecercam, e mais extensa e ampla for sua liber-dade, maior e mais profunda se tornará a minhaliberdade. Ao contrário, é a escravidão dos ho-mens que põe uma barreira na minha liberdade.[...] Minha liberdade pessoal assim confirmadapela liberdade de todos se estende ao infinito.6

Para nós, é impossível buscar uma liberdade indivi-dual em uma sociedade como a nossa, em que milhõesnão têm acesso às mais básicas necessidades de um serhumano. Não há como se pensar em um anarquismopuramente individual, como uma forma de se colocar nomundo, de ter um estilo de vida diferente. Para os indivi-dualistas, na grande maioria dos casos, ser anarquistasignifica ser artista, boêmio, defender a liberdade sexualde ter relacionamentos abertos ou com mais de um(a)companheiro(a), usar roupas diferentes, ter um corte decabelo radical, ter comportamentos extravagantes, co-mer comidas diferentes, definir-se pessoalmente, reali-zar-se pessoalmente, ser contra a revolução(?!), ser con-tra o socialismo(?!), possuir um discurso sem pé nemcabeça – gozando da liberdade de estética – enfim, tor-nar-se apolítico. Discordamos radicalmente desta posi-ção e acreditamos que as influências neste sentido sãofunestas ao anarquismo, afastando militantes sérios ecomprometidos. Finalmente, concordamos com Mala-testa quando enfatizou:

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É verdade, gostaríamos de poder estar, todosnós, de acordo, e reunir em um único feixe pode-roso todas as forças do anarquismo. Mas nãoacreditamos na solidez das organizações feitas àforça de concessões e de restrições, onde não háentre os membros simpatia e concordância real.É melhor estarmos desunidos que mal unidos.7

Para nós, escolher o modelo mais adequado de orga-nização anarquista é fundamental para que tenhamos osmeios mais adequados e coerentes com os fins que bus-camos atingir. Se defendemos o especifismo, que é umaforma de organização anarquista, é porque acreditamosque ele é hoje mais adequado para o trabalho que pre-tendemos realizar. Entendemos que há anarquistas quenão concordam com o especifismo e não achamos quesão menos anarquistas por isso. Só exigimos respeito pornossa escolha, assim como nós respeitamos aqueles quefizeram outras escolhas.

* * *

Trataremos à seguir, brevemente, da perspectivahistórica e das influências do especifismo. Como vimos,o termo especifismo foi desenvolvido pela FAU e só che-gou ao Brasil nos fins do século XX. Apesar disso, estetermo, mais do que criar uma nova concepção de orga-nização anarquista, buscou agrupar uma série de concep-ções organizacionais anarquistas já existentes, que toma-ram corpo desde o século XIX. O especifismo da FAUreivindica influências de Bakunin e Malatesta, da luta

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classista do anarco-sindicalismo, do anarquismo expro-priador; tudo isso, dentro de um contexto latino-ameri-cano. Tentaremos expor, nos próximos parágrafos, a partirde uma concepção própria, como entendemos a expe-riência histórica do especifismo: as principais experiên-cias passadas, em termos de organização anarquista, quehoje nos influenciam.

A primeira referência histórica do especifismo éBakunin, a partir das concepções organizacionais queconstituíram a atuação dos libertários no seio da Asso-ciação Internacional dos Trabalhadores (AIT), e quederam corpo ao anarquismo.

A AIT foi articulada a partir de visitas dos repre-sentantes de associações operárias francesas à Inglaterra,onde contataram líderes sindicais ingleses e exiladosalemães – entre estes últimos, Karl Marx. Politicamente,a composição da AIT surgiu heterogênea: marxistas, blan-quistas, republicanos, trade-unionistas e federalistas prou-dhonianos. Os marxistas acabaram por formar no ComitêCentral uma maioria na tomada de decisões, aliando-secom membros de outras correntes e assumindo o con-trole deste órgão. Tal situação perdurou mesmo após asubstituição do Comitê Central pelo Conselho Geral, noCongresso de Genebra de 1866. Vê-se por aí, que osassociados anarquistas, sejam inspirados por Proudhon,sejam seguidores de Bakunin, não possuíam força nocentro executivo da associação. Eram mais influentespor meio das bases, manifestando isto nos congressos.

Desenvolveram-se duas tendências no seio da AIT:uma centralista e uma federalista. Entre os centralistasautoritários se sobressaíram os comunistas, teorica e poli-

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ticamente orientados por Marx, os quais contavam coma AIT como instrumento para levar o proletariado aopoder político. Projetavam constituir um Estado operárioaparelhado, para a transformação da sociedade capita-lista em comunista, atravessando um período intermediá-rio de reorganização, a ser empreendida necessaria-mente sob uma ditadura. Entre os federalistas libertários,colocaram-se os anarquistas, que defendiam a revoluçãosocial com abolição imediata de todas as instâncias deautoridade e a formação de uma nova sociedade baseadana organização livre e federativa dos trabalhadores, deacordo com suas ocupações, problemas e interesses.

Esta divergência básica se fez presente desde o co-meço, e mostrou-se bem visível já no Congresso de Ge-nebra, primeira reunião plenária da Internacional. Con-tra os autoritários, foram os mutualistas proudhonianosque conduziram o debate, apoiados por coletivistas quejá pertenciam à AIT, antes que Bakunin tivesse se filiadoa ela. Nos congressos de Lausanne (1867) e Bruxelas(1868), o coletivismo veio conquistando espaço em rela-ção ao mutualismo, sendo que na Basiléia (1869) os co-letivistas compareceram predominando fortemente, en-tre os avessos à autoridade, e fortalecidos pela presençade Bakunin. Já no campo concorrente, Marx, evitandose comprometer pessoalmente nos congressos, fazia suasintervenções por meio de programas, informes, circularese propostas do Conselho. Na Basiléia, Bakunin apre-sentou uma proposta contra o direito de herança. Marxlhe opôs; porém, a proposta foi aprovada.

Ainda no contexto da AIT, Bakunin constituiu aAliança da Democracia Socialista, juntamente com outros

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militantes anarquistas, que seria aceita como seção da AITem meados em 1869. Entendemos a Aliança como umaorganização específica anarquista (nível político) queatuava dentro da AIT (nível social). A Aliança era umaorganização de minoria ativa composta pelos “membrosmais seguros, mais dedicados, mais inteligentes e maisenérgicos, numa palavra, pelos mais íntimos”8. Ela foi con-formada para atuar secretamente, visando tratar dos assun-tos que não se podia tratar publicamente e para atuarcomo agente catalizador do movimento operário. AAliança definiu a relação entre os níveis político e social:

A Aliança é o complemento necessário daInternacional... – Mas a Internacional e a Alian-ça, tendendo para o mesmo objetivo final, perse-guem ao mesmo tempo objetivos diferentes. Umatem por missão reunir as massas operárias, osmilhões de trabalhadores, através das diferençasdas nações e dos países, através das fronteiras detodos os Estados, num só corpo imenso e com-pacto; a outra, a Aliança, tem por missão de daràs massas uma direção verdadeiramente revolu-cionária. Os programas de uma e de outra, semserem nada opostos, são diferentes pelo grau deseu desenvolvimento respectivo. O da Interna-cinal, se o tomarmos a sério, também em germe,mas só em germe, todo o programa da Aliança.O programa da Aliança é a explicação última doprograma da Internacional.9

A prática da Aliança dentro da AIT fez com que atendência autoritária buscasse isolar e desqualificar aprática dos libertários. Após o Congresso da Basiléia, os

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ataques ao grupo coletivista se intensificam. Marx diri-giu em 1870 duas comunicações privadas do ConselhoGeral às seções da AIT, com críticas severas às posturasbakuninistas. Com isto, preparava o clima para a Con-ferência de Londres do ano seguinte, durante a qual ogrupo marxista tentou impor a doutrina da conquista dopoder estatal, e para o Congresso de Haia de 1872. Nestaplenária, pediu a expulsão de Bakunin da AIT, o queobteve. Em 1874, a Internacional estava extinta.

A segunda referência histórica do especifismo éMalatesta, militante que chegou a fazer parte da Alian-ça bakuninista e que foi um representante da correnteorganicista do anarco-comunismo. Passada a tradiçãocoletivista do anarquismo da época de Bakunin – quedefendia, na sociedade futura, uma distribuição a cadaum de acordo com seu trabalho – nasce a corrente anarco-comunista – que defende, a partir de então, uma distri-buição a cada um de acordo com suas necessidades.Malatesta caracterizou-se por defender, dentro destacorrente, posições contrárias ao evolucionismo e ao cien-tificismo, presentes em grande parte do movimento so-cialista. Para Malatesta, o futuro não estaria necessa-riamente determinado e só poderia ser modificado a par-tir da vontade, de uma intervenção voluntarista nosacontecimentos para proporcionar a desejada transfor-mação social.

Crítico ferrenho do individualismo, Malatesta de-fendia um anarquismo completamente baseado na orga-nização, um anarquismo que poderíamos chamar de “or-ganicista”, e que, assim como o anarquismo de Bakunin,sustentava uma atuação distinta nos níveis político e

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social. No nível político, Malatesta desenvolveu sua con-cepção de organização específica anarquista, à qual deuo nome de partido anarquista10: “entendemos por partidoanarquista o conjunto daqueles que querem contribuirpara realizar a anarquia, e que, por conseqüência, pre-cisam fixar um objetivo a alcançar e um caminho a per-correr”11. Esta organização deveria atuar nos chamados“movimentos de massa” da época e influenciá-las o má-ximo possível e os sindicatos foram o campo privilegiadoescolhido para atuação dos anarquistas. Malatesta pon-tuou muito bem as diferenças entre o nível político doanarquismo e do nível social, que constituía, na época,seu espaço de inserção – o sindicalismo:

Na minha opinião, o movimento operário nãoé mais do que um meio – embora não há dúvidade que é o melhor meio de que dispomos. Maseu me recuso a aceitar esse meio como um fim[...]. Os sindicalistas, por outro lado, têm umacerta propensão a transformar os meios em fins ea considerar as partes como sendo o todo. E, dessemodo, para alguns dos nossos, o sindicalismocomeça a se transformar numa nova doutrinaque ameaça a própria existência do anarquismo.[...] Lamentei, no passado, que os camaradas seisolassem do movimento operário. Lamento hojeque, caindo no extremo oposto, muitos entre nósse deixem tragar pelo mesmo movimento. Umavez mais, a organização da classe operária, a greve,a ação direta, o boicote, a sabotagem e a própriainsurreição armada são apenas os meios; a anar-quia é o fim.12

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Defendendo o anarquismo que busca a transfor-mação social a partir da vontade, Malatesta acreditava,assim como nós acreditamos hoje, que a organizaçãoespecífica anarquista deveria atuar no seio da luta declasses, em meio aos movimentos sociais e, com eles,chegar à revolução social e ao socialismo libertário – oqual ele chamava de anarquia. Para tanto, Malatestabuscou criar tanto organizações específicas anarquistas,como foi o caso do Partido Socialista RevolucionárioAnárquico Italiano e da União Anarquista Italiana; etambém organizações que atuassem no nível social, comonos casos da União Sindical Italiana (USI), da Aliançado Trabalho, e de sindicatos na Argentina. As posiçõesde Malatesta foram bastante difundidas por Luigi Fabbri,outro anarco-comunista italiano, que também possuisignificativa contribuição ao especifismo.

Experiência importante para o especifismo, emnossa concepção, foi também a do magonismo, na faseda radicalização do Partido Liberal Mexicano (PLM).Ricardo Flores Magón, seu mais ativo militante, integrouem 1901 o PLM, que havia sido fundado um ano antes.Durante a ditadura de Porfírio Diaz, tanto o PLM quantoo periódico Regeneración foram grandes opositores doregime. A partir da segunda metade da década de 1900,o PLM se radicaliza, tornando seu discurso mais comba-tivo e criando uma tensão interna no partido, o queafasta os elementos menos radicais. O PLM não con-corria às eleições e servia somente como um espaço dearticulação política e horizontal dos revolucionários li-bertários da época, sem objetivos de tomar o Estado eestabelecer uma ditadura, mas para colocar um fim ao

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governo de Diaz, estabelecendo o comunismo libertárioem seguida. O PLM tornou-se clandestino e organizouem todo o México mais de 40 grupos de resistência arma-da e também contou com membros indígenas, conheci-dos por sua luta pelos direitos das comunidades e contraa propriedade capitalista. Após a radicalização, Fran-cisco Madero estabeleceu uma discordância de que osmeios pacíficos para tirar Diaz do poder estariam esgo-tados.

A fraude eleitoral de 1910 comandada por Diaz,daria início à explosão da Revolução Mexicana. Com aprisão de Madero, seu adversário nas eleições, conseguiureeleger-se novamente. Exilado em San Antonio, noTexas, Madero redige o Plano de San Luís, convocandoum levante armado, além de declarar nulas as eleiçõesde 1910, rechaçando a eleição de Diaz e instituindo-secomo presidente provisório. Muitos rebeldes atenderamao chamado revolucionário, entre eles Emiliano Zapata,que tinha um importante papel na organização dos indí-genas da região de Morelos, e Pancho Villa, um ex-ladrãode gado e assaltante de bancos, muito reconhecido peloshumildes das regiões de Durango e Chihuahua. Estavamunidos, em uma frente anti-reeleicionista, que dava acada grupo relativo grau de autonomia e independência.Já em 1911 e em meio à Revolução e com apoio do sin-dicato norte-americano International Workers of theWorld (IWW), os anarquistas, que tinham à frente Ma-gón, ocupam a região da Baixa Califórnia, tomando ci-dades de importância como Mexicali. Ao fim do mês dejaneiro, constituem a República Socialista da Baixa Ca-lifórnia, a primeira república socialista do mundo. Os

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magonistas tiveram ainda vitórias em cidades como NovoLeón, Chihuahua, Sonora, Guadalupe e Casas Grandes;espaços esses que seriam perdidos após a repressão oca-sionada pelo governo de Madero.

As revoltas organizadas por Zapata em Morelos e oPlan de Ayala constituíram-se como instrumentos deluta dos camponeses pela revolução, sempre inspiradospelo lema Terra e Liberdade, entoado pela primeira vezpor Praxédis Guerrero e disseminado pelos magonistas.Fruto desta importante relação entre zapatistas e mago-nistas foi o convite de Zapata para que Magón levasseRegeneración para Morelos.

Depois disso, o México afundou-se em um períodode guerra civil e tentou estabelecer uma Convenção, jános fins de 1914. Os fatos que se deram em seqüência,como a tentativa de tomada da Cidade do México porVilla e Zapata, a convocação da Assembléia Consti-tuinte por Carranza, que depois seria eleito presidente eassassinado; e os conflitos que se seguiram no país, aca-baram constituindo o pano de fundo da decadência doperíodo revolucionário no país.

Outra referência histórica importante para o espe-cifismo é a participação anarquista na Revolução Russa.No início de 1917, diversos regimentos se amotinaramem São Petersburgo, surgiu um governo provisório acla-mado pelo parlamento e renasceram os sovietes de 1905.A palavra de ordem “todo poder aos sovietes” estava emevidência. No campo, no sul da Ucrânia, os camponesesde Guliai Polie, aldeia que desde a revolução de 1905possuía forte organização anarquista, fundaram a Uniãodos Camponeses, que decidiu lutar pela revolução social

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independentemente do governo, buscando a autogestãodos meios de produção. Em Petrogrado reivindicou-se ocontrole operário nas fábricas e marinheiros de Krons-tadt, portando bandeiras vermelhas e negras, marcharamsobre a cidade com o objetivo de instituir uma repúblicasoviética e autogestionária. Em outubro, soldados anar-quistas e bolchevistas, agindo de comum acordo, conse-guiram tomar o Palácio de Inverno e surgiu, a partir deentão, um divisor de águas entre os elementos revolu-cionários autoritários e os libertários. Os primeiros apo-derando-se do aparelho de Estado e caminhando para aditadura do partido (bolchevista) único dirigido por umcomitê central todo poderoso e os segundos para o comu-nismo libertário e autogestionário, na forma dos conse-lhos de sovietes de operários, camponeses e do povo emarmas.

Progressivamente, os bolcheviques passaram a ne-gar, suprimir, impedir e finalmente proibir a difusão dasidéias e práticas libertárias. Já a partir de 1918, os bol-cheviques se posicionaram contra o controle operáriodas fábricas, estimulando a disciplina cega dos operáriosao partido, e aos poucos foram consolidando a proibiçãoda oposição ao partido. Militarizaram o trabalho, expul-saram os responsáveis eleitos nos sovietes, obrigaram estesa submeter-se ao poder central do partido e proibiram asgreves.

Na luta contra o Exército Branco, o exército insur-recional de Makhno, na Ucrânia, se aliou aos bolchevi-ques por mais de uma vez. Ao derrotar a ameaça branca,o exército makhnovista foi atacado e perseguido peloExército Vermelho, obrigando os sobreviventes a se refu-

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giarem em outros países. Foi o fim do processo de sociali-zação autogestionário na Ucrânia, revertido repressiva-mente pelos bolchevistas a favor de maneiras estatizantese totalitárias de organização e controle social sob umanova classe dirigente. Os marinheiros de Kronstadt –que exigiam que os delegados dos sovietes voltassem aser escolhidos por eleição; liberdade para os anarquistase outros grupos de esquerda; que voltassem a se reunirsindicatos e organizações camponesas; a libertação depresos políticos; a abolição dos oficiais políticos; a mesmaalimentação para todos – são mortos pelos bolcheviques.

Apesar desta revolução proletária e libertária tersido usurpada e dominada pelos bolchevistas, a partir desua tomada do aparelho de Estado, aos anarquistascoube pecar por omissão na questão da organização. Estareflexão foi formalizada anos depois, por imigrantes rus-sos que estavam na Europa, em um documento chamadoPlataforma Organizacional dos Comunistas Libertários.Makhno, Arshinov e outros formalizaram neste documentosuas reflexões sobre a organização anarquista, a partirdas experiências da Revolução Russa. Este documentotrouxe importantes reflexões sobre a importância do en-volvimento dos anarquistas na luta de classes, a neces-sidade de uma revolução social violenta que derrube ocapitalismo e o Estado e que constitua o comunismolibertário. Há, também, uma relevante contribuição so-bre a questão da transição do capitalismo ao comunismolibertário e sobre a defesa da revolução. A Plataforma

defende uma organização anarquista, em nível político,que atue em meio aos movimentos sociais, um nívelsocial, e enfatiza a função de minoria ativa da organi-

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zação anarquista. Além disso, traz importantes contri-buições sobre o modelo de organização do nível políticodos anarquistas. Por estas questões, é um importantedocumento e possui bastante influência no especifismo.

Apesar disso, não entendemos que especifismo é amesma coisa que plataformismo. Como estamos tentan-do mostrar ao longo deste texto, para nós, o especifismoé muito mais amplo que o plataformismo e tem as suasbases teóricas nas concepções organizacionais de Ba-kunin e Malatesta. A Plataforma, para nós, reivindicaestes autores e traz novas contribuições e, portanto, deveser considerada como uma contribuição ao especifismo,mas não a contribuição mais importante. Outro fato a serlevado em conta é que a Plataforma foi redigida sobreuma experiência de atuação militar dos anarquistas, emmeio a um processo revolucionário e não deve ser des-locada deste contexto. Entendemos que esta forma deorganização, tal como expressa na Plataforma, não deveser aplicada em todos os seus pormenores em situaçõesnão-revolucionárias. Ela é mais uma contribuição para adiscussão da atuação militar anarquista do que um do-cumento para discutir a organização anarquista em todosos diferentes contextos.

Assim como a Revolução Russa, também considera-mos referência a Revolução Espanhola de 1936. Duranteaqueles anos, uma revolução social foi efetivamente le-vada a cabo. Uma revolução sob fogo cruzado que pre-tendia atingir todos os setores, das injustas estruturas eco-nômicas até o cotidiano da população; das decrépitas no-ções de hierarquia até as históricas desigualdades entrehomens e mulheres. E isso tudo foi obra dos anarquistas.

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As influências do anarquismo chegaram na Espa-nha por Giuseppe Fanelli, aliancista e militante muitopróximo de Bakunin. Fundada em 1910, a ConfederaciónNacional del Trabajo (CNT) foi a maior expressão doanarco-sindicalismo na Espanha e viveu, até a décadade 1920 entre momentos de fluxo e refluxo com a cons-tante repressão, da qual foi vítima. Fundada em 1927, aFederación Anarquista Ibérica (FAI) era uma organiza-ção clandestina voltada para a atividade revolucionáriaque, dentre seus objetivos, buscava opor-se às correntesreformistas na CNT. A ação logrou êxito, e os anarquistasrevolucionários obtiveram a hegemonia na CNT.

Em 1936, a Frente Popular (reunindo os partidos deesquerda) tinha a possibilidade de vencer nas urnas. Osanarquistas da CNT acabaram apoiando taticamente aFrente, pois isso significaria a libertação dos companhei-ros presos. Com o aval da CNT, foi possível a vitória daFrente Popular. Porém, os fascistas não aceitaram a der-rota. Em 18 de julho de 1936, irrompe o movimento gol-pista dos falangistas, entre os quais se destacou Fran-cisco Franco. Assim teve início a explosão revolucionáriaque jogaria o país em três anos de guerra civil. Numaprimeira fase (de julho de 1936 ao início de 1937), osanarquistas estão entre os grupos de maior destaque. Aação dos militantes em áreas como a Catalunha foiexemplar. As estruturas republicanas passaram para asorganizações populares, num intenso e bem-sucedidoprocesso de coletivização. Fábricas foram ocupadas emedidas sociais imediatas postas em prática, tais como:igualdade de salários entre homens e mulheres, serviçomédico gratuito, salário permanente em caso de enfer-

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midade, diminuição da jornada de trabalho e aumentodos pagamentos. Foram coletivizados serviços de meta-lurgia, indústria madeireira, transportes, alimentação,saúde, imprensa, espetáculos e propriedades rurais. Paracombater as forças fascistas, estabeleceram-se milíciasque avançaram em algumas frentes, com destaque paraa coluna liderada por Buenaventura Durruti.

Numa segunda fase (de 1937 a 1939), o avanço dacontra-revolução foi devastador. Os falangistas contaramcom apoio maciço de Hitler e Mussolini. A resistênciaestava mal armada e numericamente inferior. As Bri-gadas Internacionais, formadas para deter o avançonazi-fascista, possuíam poucos combatentes. Para com-pletar, nenhuma ajuda das nações liberais (França eInglaterra), que mais uma vez lavaram as mãos. O “apoio”da URSS se mostrou um verdadeiro “presente de grego”.No interior da luta contra o fascismo, paralelamente sedesenrolava a caça – promovida pelos stalinistas – aosanarquistas e aos heterodoxos do Partido Operário deUnificação Marxista (POUM). Os avanços obtidos pelaCNT/FAI foram destruídos pelos que buscavam restabe-lecer as bases do Estado (setores moderados da Repú-blica, comunistas e socialistas). Os comunistas começa-ram a ganhar posições-chave no governo. Os anarquistastiveram de ceder mais uma vez diante das circunstânciasdesfavoráveis: alguns membros da CNT acabaram parti-cipando do governo.

No Brasil, podemos dizer que, uma vez que a cor-rente especifista não foi de fato realizada em sua pleni-tude, nossas referências ideológicas se prendem a algu-mas iniciativas do passado e outras que julgamos signa-

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tárias da mesma corrente na história mais recente dopaís. Entendemos que desde os primeiros anos do séculoXX, anarquistas vinculados ao “organizacionismo”, emparticular seguidores de Malatesta, esforçaram-se a fimde organizar um número possível de companheiros comvistas a formar uma organização com estratégias e táticascomuns, baseada em acordos tácitos e de claro entendi-mento do grupo.

Foram esses mesmos os responsáveis pela realizaçãodo Primeiro Congresso Operário Brasileiro, em 1906, epelas iniciativas de mais fôlego do anarquismo nacional.Tais anarquistas prepararam as condições que permiti-riam a plena inserção de anarquistas em sindicatos, navida social, com a formação de escolas e de grupos tea-trais, além de uma razoável produção escrita. Foi tam-bém, e em grande medida, a corrente “organizacionista”que acabou por auxiliar na preparação da InsurreiçãoAnarquista de 1918, na criação da Aliança Anarquistado Rio de Janeiro, na formação do Partido ComunistaBrasileiro, de feição libertária, em 1919, e nos eventosque distinguiram os anarquistas dos bolcheviques, nosanos de 1920.

Nesta primeira fase destacam-se os nomes de NenoVasco, José Oiticica, Domingos Passos, Juan Peres Bou-zas, Astrojildo Pereira (até 1920) e Fábio Luz. Posterior-mente, após um adormecimento do anarquismo socialpor quase duas décadas, ressurge parte da tradição orga-nizacionista no jornal Ação Direta e, com a consumaçãodo golpe militar de 1964, perderíamos novamente a nossaprincipal força nesse campo, representada em Ideal Perese nos estudantes do Movimento Estudantil Libertário.

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Finalmente, outra influência latina do especifismoque defendemos é a Federação Anarquista Uruguaia(FAU), formada em 1956 a partir de influências da lutaclassista e anarco-sindicalista, pelos modelos organiza-cionais de Bakunin e Malatesta, e pelo anarquismo ex-propriador da região do Rio da Prata. Buscando desen-volver um anarquismo voltado aos problemas latinos, aFAU realizou, desde sua criação, um trabalho em di-versas frentes. Participou das atividades da central sin-dical Convenção Nacional de Trabalhadores (CNT),que sustentava um modelo não burocrático, com demo-cracia interna e de tendência classista. Foram criadosgrêmios de ação direta dentro da chamada TendênciaCombativa. Com sua ilegalidade sendo decretada em1967, a FAU passou à clandestinidade.

Mesmo neste período de clandestinidade, commuita repressão e prisão de militantes, a FAU conseguiumanter sua atividade sindical na CNT, no movimentoestudantil, na luta contra o colaboracionismo do PC. Fezcircular sua publicação Cartas da FAU. Em 1968 foi fun-dada a Resistência Obrera Estudantil (ROE), entidadede massas da organização, que partiu para o uma estra-tégia de confronto, com ocupações de fábricas com parti-cipação estudantil e de sindicalistas em passeatas estu-dantis. Paralelamente à organização de massas, a FAUdesenvolveu ao final da década de 1960 a organizaçãode seu “braço armado”, a Organização Popular Revolu-cionária – 33 (OPR-33), que desenvolveu uma série deações de sabotagem, expropriação econômica, seqüestrode políticos e/ou patrões particularmente detestados pelopovo, apoio armado a greves e ocupações de locais de

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trabalho etc. A FAU abandonou o foquismo como para-digma de luta armada, evitando a militarização e pos-suindo inserção social em meio à população. Com a dita-dura de 1973, a FAU direcionou seus esforços a umagreve geral que paralisou o país por quase um mês. De-senvolveu trabalhos clandestinos e teve vários militantespresos, torturados e mortos. Com a abertura política,rearticulou-se e desenvolveu um trabalho com o para-digma especifista que defendemos hoje, com três frentesde inserção: sindical, estudantil e comunitária.

Em suma, nossa concepção das referências histó-ricas do especifismo não é dogmática. Possuímos influên-cias amplas que se iniciam com as concepções de Ba-kunin e dos aliancistas na AIT, passam pelas concepçõesde Malatesta e suas experiências práticas nos níveis po-lítico e social, assim como pelas experiências de Magóne do PLM no seio da Revolução Mexicana. Também nosinfluenciam as experiências dos anarquistas na Revolu-ção Russa, com destaque à makhnovitchina na Ucrâniae às reflexões organizacionais realizadas pelos russos noexílio, assim como as experiências dos anarquistas naRevolução Espanhola em torno da CNT-FAI. No Brasil,temos influências do “organizacionismo” anarquista,com destaque às experiências da Aliança Anarquista doRio de Janeiro de 1918 e o Partido Comunista (libertário)de 1919. Finalmente, as influências da FAU, tanto desua luta contra a ditadura, como em sua atuação emfrentes, com sindicatos, movimentos comunitários e es-tudantis. Todo este conjunto de concepções e experiên-cias contribui hoje com nossa concepção de especifismo.Atualmente o especifismo é defendido por diversas orga-

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nizações latino-americanas e desenvolve-se na prática,mesmo que sem utilizar este nome, em outros lugares domundo.

Notas:

1 Mikhail Bakunin. “Programa Revolucionário e Programa

Liberal”. In: Conceito de Liberdade, p. 189.

2 Luigi Fabbri. “A Organização Anarquista”. In: Anarco-Co-

munismo Italiano, pp. 104-105.

3 Mikhail Bakunin. “Táctica e Disciplina do Partido Revolu-

cionário”. In: Conceito de Liberdade, pp. 197-198.

4 Idem. “Programa Revolucionário e Programa Liberal”. In:

Conceito de Liberdade, pp. 188-189.

5 Dielo Trouda. “El Problema de la Organización y la Noción

de Síntesis”.

6 Mikhail Bakunin. Império Knuto-Germânico. Citado em

Daniel Guérin (org.). Textos Anarquistas (trechos de Ni Dieu,

Ni Maître). Porto Alegre: LP&M, 2002, pp. 47-48.

7 Errico Malatesta. “A Organização II”. In: Escritos Revolu-

cionários, p. 62.

8 Mikhail Bakunin. “Educação Militante”. In: Conceito de

Liberdade, p. 154.

9 Ibidem. pp. 151-152.

10 Não confundir o termo partido utilizado aqui com os parti-

dos que concorrem às eleições ou que buscam tomar o Estado

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por meio da revolução. Como já enfatizamos, “partido anar-

quista” para Malatesta é a mesma coisa que organização espe-

cífica anarquista.

11 Errico Malatesta. “A Organização II”. In: Escritos Revolu-

cionários, p. 56.

12 Idem. “Sindicalismo: a crítica de um anarquista”. In: George

Woodcock. Op. Cit. pp. 208; 212.

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CONCLUSÃO E APONTAMENTOS

Ao trabalho companheiros! A tarefa é grande.

Ao trabalho, todos!

Errico Malatesta

O I Congresso cumpriu completamente seus obje-tivos, realizando-se em clima de grande solidariedadeentre os militantes. Proporcionou o devido espaço parareflexões, comentários, debates e conclusões. As avalia-ções de todos os militantes foram bastante positivas.

Foi ressaltada a importância de haver uma geraçãode militantes mais velhos e experientes na organização,que foram (e são) fundamentais para que o conheci-mento militante das gerações anteriores não se perdessee para a formação e orientação da nova geração. À “ve-lha guarda” o Congresso prestou toda homenagem. À“nova guarda”, o Congresso também saudou, visto quevem auxiliando colocar em prática o que os mais velhossempre defenderam. Os militantes da organização queestão na luta desde os anos 1970, 1980, e 1990 ressalta-ram a importância deste momento, que pontua a conti-nuidade de uma militância que, para nós, tem iníciodesde Juan Perez Bouzas, passa por toda a história de lutade Ideal Peres, pelo Círculo de Estudos Libertários (CEL),que depois se transformou em Círculo de Estudos Liber-

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tários Ideal Peres (CELIP), e que, em 2003, constituiu-se na FARJ. Julgamos estar colocando em prática asaspirações dos diversos personagens desta história, aosquais acreditamos estar dando a devida continuidade.

Neste momento, o objetivo é continuar na buscapelo vetor social do anarquismo. Colocar o anarquismoem contato com os movimentos sociais, buscar a criaçãoda organização popular. Isso estamos tentando fazer pormeio de nossas três frentes.

A frente de movimentos sociais urbanos (nossa an-tiga frente de ocupações) vem realizando um trabalhopermanente com as ocupações urbanas do Rio de Janeirodesde 2003, e dando continuidade às experiências quetivemos com o movimento sem-teto ainda na década de1990. Esta frente encampa também, neste momento, areconstrução do Movimento de Trabalhadores Desem-pregados do Rio de Janeiro (MTD), que luta pelo tra-balho em todo o país, e existe no Rio de Janeiro desde2001. O MTD retoma sua força agora se rearticulando enucleando pessoas das comunidades carentes para aluta. Além disso, esta frente possui relações com o Movi-mento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), parao qual vem oferecendo, em São Paulo e no Rio de Ja-neiro, cursos de formação política. A frente está próximae realiza atividades, também, com outras entidades emovimentos sociais como Assembléia Popular (RJ) e aFrente Internacionalista dos Sem-Teto (FIST).

A frente comunitária é responsável pela gestão doCentro Cultura Social do Rio de Janeiro (CCS-RJ), umespaço social aberto, que mantemos na zona norte dacidade e que agrega uma série de atividades comuni-

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tárias de reciclagem de lixo, reforço escolar e cursinhopré-vestibular para a comunidade carente do Morro dosMacacos, oficinas de teatro, eventos culturais, comemo-rações e reuniões de diversos tipos. Esta frente é tambémé responsável pela gestão da Biblioteca Social Fábio Luz(BSFL), que existe desde 2001 e, no âmbito da qualfunciona o Núcleo de Pesquisa Marques da Costa (NPMC)que, fundado em 2004, tem o objetivo de produzir teoriapara a organização, além de pesquisar a história do anar-quismo no Rio de Janeiro. Além disso, a frente comuni-tária administra o CELIP, espaço público da FARJ quetem o objetivo de realizar palestras e debates para aproxi-mar novos interessados em anarquismo.

A frente agroecológica, chamada Anarquismo eNatureza, atua em movimentos sociais rurais e agrupa-mentos que trabalham com agricultura e ecologia social.Ela possui contatos e trabalho com o MST, a Via Cam-pesina e espaços como a Cooperativa Floreal e o Núcleode Alimentação e Saúde Germinal. Realiza oficinas pe-dagógicas em ocupações, escolas e comunidades pobres.Tudo isso, com o objetivo de resgatar a agricultura, aagroecologia, a ecologia social, a ecoalfabetização e aeconomia solidária. Busca envolver em suas atividadestrabalhadores, militantes dos movimentos sociais e estu-dantes.

Para atender a uma demanda importante, encabe-çamos um projeto “transversal”, no qual se inseriramtodas as frentes, que se chama Universidade Popular(RJ). Tal proposta desdobrou-se, de fato, em uma ini-ciativa de educação popular anticapitalista, voltada paraa transformação da sociedade, tendo como tática a for-

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mação política no seio dos movimentos sociais. Outrostrabalhos “transversais” também vêm sendo realizadoscomo a edição do periódico Libera; da revista Protesta!

(juntamente com os companheiros de São Paulo do Co-letivo Anarquista Terra Livre); e livros como O Anar-

quismo Social de Frank Mintz, O Anarquismo Hoje daUnião Regional Rhone-Alpes e Ricardo Flores Magón deDiego Abad de Santillán. Finalmente há trabalhos in-ternos de formação política, relações, gestão de recursos,entre outros.

Há trabalho sendo realizado, e muito trabalho porrealizar. E, realmente, como outrora dizia Malatesta, atarefa é grande. Saber que há muita coisa a ser feita econhecer a grandiosidade de nosso projeto de transfor-mação social, muito ao invés de nos desmotivar, vemsendo um combustível cada vez maior que nos motiva enos leva, dia após dia, a esta tarefa que é tão urgenterealizar.

Esperamos que esta breve contribuição teórica possaauxiliar na construção de um anarquismo militante, nasmais diversas localidades.

Pelo anarquismo social!

Pela retomada do vetor social do anarquismo!

Revolução social e socialismo libertário!

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