análise simbólica do livro god of war numa perspectiva junguiana (bruno almeida)

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FACULDADE SUDOESTE PAULISTA Instituição Chaddad de Ensino S/C Ltda. PSICOLOGIA BRUNO RICARDO PEREIRA ALMEIDA ANÁLISE SIMBÓLICA DO LIVRO GOD OF WAR NUMA PERSPECTIVA JUNGUIANA AVARÉ-SP 2013

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analise a partir da psicologia junguiana sobre o livro God of War.

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  • FACULDADE SUDOESTE PAULISTA

    Instituio Chaddad de Ensino S/C Ltda.

    PSICOLOGIA

    BRUNO RICARDO PEREIRA ALMEIDA

    ANLISE SIMBLICA DO LIVRO GOD OF WAR NUMA

    PERSPECTIVA JUNGUIANA

    AVAR-SP

    2013

  • BRUNO RICARDO PEREIRA ALMEIDA

    ANLISE SIMBLICA DO LIVRO GOD OF WAR NUMA

    PERSPECTIVA JUNGUIANA

    Monografia apresentada ao curso de

    Psicologia, da Faculdade Sudoeste Paulista

    como requisito parcial para obteno do ttulo

    bacharel em Psicologia.

    Orientadora: Prof. Dra. Mrcia Gagliardi

    AVAR-SP

    2013

  • FACULDADE SUDOESTE PAULISTA FSP PSICOLOGIA

    FOLHA DE APROVAO DE MONOGRAFIA

    TTULO: ANLISE SIMBLICA DO LIVRO GOD OF WAR NUMA PERSPECTIVA JUNGUIANA

    AUTOR: BRUNO RICARDO PEREIRA ALMEIDA

    ORIENTADORA: PROF. DRA. MRCIA GAGLIARDI

    ________________________________________

    Prof Dra. Mrcia Gagliardi

    DATA DA APROVAO: _____/_____/______

    NOTA FINAL: __________________

  • DEDICATRIA

    A todos os fs de God of War

  • AGRADECIMENTOS

    Primeiramente agradeo aos meus pais e a minha irm pelo apoio, confiana e

    credibilidade depositados. Graas a vocs pude concluir esta etapa de minha vida.

    Agradeo especialmente a minha namorada Keroline que foi a base para a construo

    desta monografia. Por sua dedicao e compreenso ao entender meus anseios, minhas horas

    dedicadas a este trabalho e por sempre me apoiar e me motivar a escrever, o meu obrigado.

    Aos meus professores que ajudaram a expandir meus conhecimentos sobre a

    Psicologia principalmente minha orientadora Prof. Dra. Mrcia Gagliardi, pois quando

    ingressei na faculdade tive o fascnio de assistir suas aulas sobre o mestre Carl Gustav Jung e

    me apaixonar pela teoria.

    Aos professores: Rubens Pereira por sua demonstrao de fora, luta e prazer por ser

    docente; Edson Laino por suas conversas que motivaram a escrever sobre o tema; Tatiane

    Barbosa por suas dicas e sugestes na elaborao do projeto desse trabalho; David Polonio

    pela credibilidade depositada em mim para apresentao na semana acadmica; Jurandyr por

    seus feedbacks e dicas para apresentao; e todos que se dedicaram a compartilhar seus

    ensinamentos.

    Ao meu supervisor de estgio individual Joo Roberto Franco por suas inmeras dicas

    e sugestes para os atendimentos, sempre pontuando o quo complexo ser psiclogo e ao

    mesmo tempo me incentivando ser um.

    Aos meus pacientes dos estgios individual e grupal, com os quais aprendi muito.

    Aos meus colegas de estgio e de classe que foram de extrema importncia para

    motivao tanto do curso quanto da monografia.

    Aos meus amigos que foram fundamentais para meu crescimento tanto pessoal como

    intelectual por nossas inmeras conversas filosficas: Bruno Candiotta e Felipe de Souza.

  • Aos meus amigos que jogam videogame e me motivaram a escrever sobre o tema:

    Max Pereira, Victor Almeida, Giovane Freitas, Augusto Csar, Volney Morais e Tiago

    Prestes.

    Aos meus amigos de infncia com os quais passei muitas horas e foram

    compartilhadas jogando videogame: Rodrigo Oliveira, Rodrigo Bryan, Danilo Lima, Renato,

    Edson, Jos Nelo, Jlio Csar, Marcos Paulo, Tiago, Neto Barros.

  • EPGRAFE

    So os jogos que nos do algo para nos ocuparmos quando no h nada a ser feito. Por

    isso, costumamos cham-los de passatempos e os consideramos um frvolo tapa-buracos em

    nossas vidas. Mas eles so muito mais do que isso. So sinais do futuro. E cultiv-los com

    seriedade agora ser, talvez, nossa nica salvao.

    Bernard Suits (apud MCGONIGAL, 2012)

  • RESUMO

    A presente monografia fez um estudo da histria do God of War com base na Psicologia

    Analtica e como norteadora da histria, a jornada do heri ou monomito. Pretendeu-se

    investigar se o jogador de videogame se identifica com o arqutipo do heri. Para analisar o

    jogo, baseou-se no livro que deu origem ao God of War escrito por Robert Vardeman e

    Matthew Stover. O objetivo deste trabalho foi investigar, por meio da Psicologia Analtica, os

    contedos inconscientes tornando-se conscientes, em forma de smbolos, dos personagens

    atravs da jornada do heri de Campbell (1997), Vogler (2006) e Levy (2008). E como

    objetivo especfico a anlise dos contedos arquetpicos atravs do mtodo de amplificao.

    apresentada a leitura simblica de God of War e a relao do arqutipo do heri com a

    individuao no videogame. Foi possvel concluir que o jogador pode se identificar com o

    arqutipo do heri enquanto joga atravs do mtodo de amplificao, trazendo conscincia

    smbolos que emergem do inconsciente.

    Palavras-chave: Mitologia grega, Psicologia Analtica, God of War, Videogames, Monomito,

    Arqutipos.

  • ABSTRACT

    This monograph is a study of the history of the God of War based on analytical psychology

    and history as a guide the hero's journey or monomyth. Aims at investigating whether the

    video game player identifies with the hero archetype. To analyze the game, based on the book

    that gave birth to the God of War written by Matthew Stover and Robert Vardeman . The aim

    of this study was to investigate by means of Analytical Psychology unconscious contents

    becoming conscious in the form of symbols, characters through the hero's journey of

    Campbell (1997), Vogler (2006) and Levy (2008). And as a specific objective analysis of

    archetypal contents through the amplification method. It presented a symbolic reading of God

    of War and the relationship of the hero archetype in the game with individuation. It was

    concluded that the player can identify with the archetype of the hero while playing through

    amplification method, bringing to consciousness the unconscious symbols emerged.

    Keywords: Greek mythology, Analytical Psychology, God of War, Video Games, Monomyth,

    Archetypes.

  • LISTA DE QUADROS

    Quadro

    1. Resumo dos trs autores........................................................................................................24

    2. Estrutura da jornada do heri de Kratos - God of War.........................................................25

  • SUMRIO

    1. INTRODUO .................................................................................................................. 12

    2. DO JOGO AO LIVRO GOD OF WAR ............................................................................. 15

    3. DESENVOLVIMENTO ..................................................................................................... 17

    3.1 Psicologia Analtica .......................................................................................................... 17

    3.2 A jornada do heri ............................................................................................................ 21

    3.3 Mitologia Grega ................................................................................................................ 26

    4. LEITURA SIMBLICA DO LIVRO GOD OF WAR ................................................... 28

    5. ARQUTIPO DO HERI E INDIVIDUAO ............................................................. 39

    6. CONCLUSO ..................................................................................................................... 42

    REFERNCIAS ..................................................................................................................... 44

  • 12

    1. INTRODUO

    A movimentao financeira da indstria dos videogames superior do cinema.

    Sendo a terceira maior no mundo, perdendo apenas para a indstria blica e automobilstica.

    (SANTAELLA; FEITOZA, 2009). Nos ltimos anos os videogames tem sido objeto de

    estudo acadmico e tem crescido em diversas reas do conhecimento.

    Escolhemos o jogo God of War pela temtica mitolgica para responder o

    problema de pesquisa: O jogador o prprio heri do jogo? Por se tratar de uma questo

    metodolgica de transcrever o jogo optou-se por utilizar o livro para ter um material mais

    fidedigno e literrio da histria God of War ao invs do prprio jogo.

    Assim mudamos o problema de pesquisa para: O leitor prprio heri do livro?

    Pretende-se analisar a histria tendo como abordagem norteadora a Psicologia Analtica para

    a compreenso dos elementos que aparecem no mesmo.

    A aplicao da Psicologia Analtica pesquisa cientfica abre possibilidades de

    atuao profissional, que vo alm da prtica clnica, e constitui um desafio da

    prtica junguiana a ser enfrentado. A perspectiva simblica arquetpica como forma

    de compreenso da realidade nos habilita a investigar os fenmenos nos contextos

    individual e coletivo. (PENNA, 2004, p.71)

    Cita-se Jung (2011), o qual concebe que todos os homens, primitivos ou

    modernos, compartilham de um conhecimento arquetpico universal sendo um deles a

    mitologia. Segundo Hollis (1997) o mito a dramatizao de valores conscientes e

    inconscientes de um grupo ou indivduos (p. 16).

    Para esse autor, ler mitos uma forma de psicoterapia1 pessoal e cultural, uma vez

    que, ao faz-lo, colocamo-nos em contato com as experincias bsicas da vida por meio de

    imagens, que so vivenciadas de forma significativa, embora se situem alm da compreenso

    intelectual, ou seja, caminhamos para a individuao.

    Nas palavras de Jung (1975) Uso a palavra individuao para designar um

    processo atravs do qual um ser torna-se um individuum psicolgico, isto , uma unidade

    autnoma e indivisvel, uma totalidade. (p. 355).

    O objetivo deste trabalho investigar por meio da Psicologia Analtica os

    contedos inconscientes tornando-se conscientes, em forma de smbolos, dos personagens do

    livro baseado no jogo God of War atravs do monomito ou jornada do heri de Campbell

    1 Do grego psyche, alma e therapeuein, escutar.

  • 13

    (1997), Vogler (2006) e Levy (2008). Tendo como objetivos especficos: Leitura simblica

    dos contedos arquetpicos atravs do mtodo de amplificao. Para Jung (2011) "A maioria

    dos dados requer certa amplificao, isto , um esclarecimento, uma generalizao e uma

    aproximao de um conceito mais ou menos geral." (p.245). E para Ulson a amplificao

    um termo utilizado por Jung para designar o trabalho de encontrar outras imagens de

    significados semelhantes, a fim de aprofundar e ampliar seu contedo simblico. (1988, p.

    75).

    Neste trabalho utilizou-se de uma pesquisa qualitativa, que segundo Dezin e

    Lincoln (apud PENNA, 2007, p.80):

    [...] implica uma nfase em processos e significados que no so rigorosamente

    examinados ou medidos (se medidos), em termos de quantidade, intensidade ou

    frequncia. Pesquisadores qualitativos enfatizam a relao ntima entre o

    pesquisador e o que estudado, e os limites situacionais da investigao. Eles

    buscam respostas para questes que enfatizam como a experincia criada e

    significada.

    E Penna (2007, p.129) esclarece e cita que: [...] a dinmica do processo de

    pesquisa bastante complexa e seu desenvolvimento est sujeito a constantes revises e

    reformulaes em funo das ponderaes e descobertas feitas pelo pesquisador durante todo

    o processo..

    Na metodologia foi utilizada uma pesquisa qualitativa focada em tericos da

    psicologia analtica e estudiosos de mitologia tais como: Jung (1974, 1975, 1981, 1987,

    2008), Brando (1976, 1987), Alvarenga (1999, 2005, 2010), Franz (1985, 1990, 2003), entre

    outros.

    As bases de dados consultadas foram o Google acadmico, Scielo, Portal BVS e

    foram utilizadas as seguintes palavras-chaves: mitologia grega, videogames, games, jogos

    eletrnicos, psicologia junguiana, arqutipo e anlise simblica. Foram selecionados com

    combinao de no mnimo trs palavras-chaves, 45 documentos do ano de 2002 at 2012. No

    critrio de seleo prevaleceram os documentos que tivessem consonncia com o tema e

    objetivos nas questes de conceitos tericos e metodologia, resultando em duas dissertaes

    de mestrado e duas monografias.

    Foi encontrado apenas um artigo que faz referencia a Jung e videogame intitulado

    Os arqutipos e os Jogos de Vdeo Game (LEVY, 2008). Neste artigo foi realizado uma

    anlise geral dos arqutipos e videogames, sendo importante fonte norteadora para anlise de

    nosso trabalho.

  • 14

    O primeiro captulo traz uma breve histria dos videogames apresentando o

    surgimento do videogame, do Playstation e a franquia do jogo God of War. Por fim o

    resumo do livro God of War.

    No segundo captulo uma reviso dos principais conceitos da Psicologia Analtica

    utilizadas no decorrer do trabalho. Seguida de uma reviso bibliogrfica sobre mitologia grega

    explicando os principais conceitos e motivos para ter sido estudada. Por ltimo, a jornada do

    heri estudada por Joseph Campbell.

    No terceiro captulo apresentada a leitura simblica do livro God of War atravs

    da Psicologia Analtica, analisando de forma simblica, utilizando-se da tcnica de

    amplificao.

    O quarto captulo correlaciona o leitor de God of War com o arqutipo do heri

    atravs da jornada do heri.

    O presente trabalho espera contribuir para as futuras pesquisas de psicologia e em

    videogames.

  • 15

    2. DO JOGO AO LIVRO GOD OF WAR

    Na presente monografia, pretende-se fazer a anlise simblica junguiana da

    histria do livro do jogo de videogame2 God of War. Antes de falar sobre o livro God of War

    importante definir o conceito de game e investigar a histria dos videogames, especialmente

    a histria da empresa Sony criadora do console3 Playstation.

    Entretanto, embora o termo videogame se refira mais propriamente aos jogos

    exclusivos para consoles dedicados, acoplados a um monitor de vdeo, ele acabou

    por se firmar para designar genericamente quaisquer jogos desse tipo. Isso se deu

    porque todos eles tiveram a mesma origem: os jogos eletrnicos, um

    desenvolvimento comum e tambm porque utilizam o computador para produzir e

    processar em estruturas digitas. De todo modo, a expresso em portugus, mais

    apropriada e genrica para todos esses jogos seria jogos eletrnicos, mas

    amplamente chamados de games (SANTAELLA; FEITOZA, 2009, p. 10)

    Games se refere aos jogos construdos para suportes tecnolgicos eletrnicos ou

    computacionais. Os games so divididos em trs tipos de acordo com o suporte utilizado:

    jogos para consoles, que so construdos para consoles especficos de videogames, com a

    visualizao de monitores de televiso, como Playstation; jogos de computador, que so

    desenvolvidos para microcomputadores pessoais, conectados em rede ou no; jogos para

    arcade ou fliperama, so mquinas grandes integradas (console-monitor) em lugares pblicos

    (SANTAELLA; FEITOZA, 2009).

    Segundo Lima (2008), em 1958, no Laboratrio Nacional de Brookhaven, foi

    possvel realizar o primeiro esboo de um videogame, feito por um osciloscpio4 ligado a um

    computador analgico, criando-se o primeiro jogo, conhecido como Tennis for Two. Em

    1966, Ralph Baer recebeu a incumbncia de criar a melhor televiso de todo o mundo. A

    partir dessa proposta, imaginava-se uma televiso que fosse interativa, com jogos inclusos,

    mas a ideia no passou dessa fase. Anos mais tarde, em 1971, a Magnavox compra o projeto

    de Ralp Baer e comea a desenvolver o Odyssey, primeiro videogame para ser conectado

    televiso.

    O God of War foi criado para o console Playstation, avanaremos no tempo em

    que surge a marca:

    2 Videogame: so jogos digitais que receberam essa denominao por se tratar de jogos visualizados por meio de

    um dispositivo de varredura, como monitores ou TV. 3 Console: Aparelho eletrnico que executa os jogos eletrnicos.

    4 Osciloscpio: Aparelho de funcionamento parecido com o de um monitor de televiso, usado no estudo das

    oscilaes eltricas e de fenmenos que nelas se possam transformar, registrados, nesse caso, em uma tela

    fluorescente por meio da varredura dos feixes de eltrons e cujas representaes grficas variam com o tempo,

    gerando assim o movimento da imagem observada.

  • 16

    A quinta gerao [...] quem mais se destacou no mercado foi o PLAYSTATION da

    empresa Sony Corporation, aps ter separado da Nintendo por causa de um contrato

    mal sucedido, comeou a produzir seus prprios consoles com um novo tipo de

    tecnologia, os jogos no eram gravados em cartuchos, mas em CD, dando incio a

    uma nova utilidade para o console, o PLAYSTATION era capaz de funcionar como

    um aparelho de som, tocar CD's de msica atravs da televiso. A Sony entrou na

    competio porque encontrou um nicho no mercado que no estava bem preenchido,

    o de consumidores adultos. (PAYO, 2008, pg. 15)

    O jogo God of War foi lanado para o console Playstation 2:

    PLAYSTATION 2 (PS2) da Sony, lanado no ano 2000, veio no embalo do

    antecessor, se tornou o videogame mais vendido no mundo no dia 26/10/2007, o

    PS2 ultrapassou a marca de 120 milhes de unidades vendidas desde o lanamento.

    (PLAYSTATION 2, apud PAYO, 2008 pg. 15).

    A escolha do God of War5 foi feita pela quantidade de representao mtica e

    tambm pelo nmero de vendas do mesmo, nossa pesquisa feita pelo site VGChartz.com

    (2013)6 informava que franquia j vendeu mais de 20 milhes de cpias pelo mundo, sendo os

    seguintes jogos por ordem cronolgica: God of War (Playstation 2, 2005), God of War:

    Chains of Olympus (PSP e Playstation 3, 2006) God of War: Betrayal (Celular, 2007), God of

    War II (Playstation 2 e 3, 2007), God of War III (Playstation 3, 2010), God of War: Ghost of

    Sparta (PSP e Playstation 3, 2010) e God of War: Ascension (PlayStation 3, 2013). O jogo

    do gnero Hack and slash (ao-aventura) e single-player (jogo eletrnico para um jogador).

    Baseamos no livro que deu origem ao God of War escrito por Robert Vardeman e

    Matthew Stover, da Editora Leya, lanado em 2012 para analisar os contedos simblicos.

    Nele contada a histria do guerreiro mtico Kratos, um servo dos deuses do Olimpo, com a

    promessa de ser transformado em um guerreiro perfeito por Ares (Deus da Guerra). Kratos

    enganado por Ares e mata acidentalmente a sua famlia e segue amaldioado pela morte de

    seus entes queridos. Decidido a no servir mais a Ares, Kratos atormentado pela lembrana

    de seus atos e procura os outros deuses para fazer um trato e servi-los por dez anos. Ao final

    desse acordo, o guerreiro procura por Atena, que o livrar dos tormentos e o perdoar por

    todos os seus atos, mas com uma condio, que ele mate Ares. Kratos aceita a tarefa lutando

    com vrios monstros e superando diversos obstculos e desafios. Kratos consegue achar a

    Caixa de Pandora e destruir o deus Ares, e se torna o novo deus da guerra.

    5 Desenvolvida pela Santa Monica Studio e publicada em 2005 pela Sony Computer Entertainment.

    6 http://www.vgchartz.com/gamedb/?name=god+of+war acesso 10 mar 2013

    http://www.vgchartz.com/gamedb/?name=god+of+war

  • 17

    3. DESENVOLVIMENTO

    3.1 Psicologia Analtica

    O referencial terico deste trabalho a Psicologia Analtica, definida como um:

    [...] conjunto de conhecimentos (teoria) que procura investigar e explicar a estrutura e o

    funcionamento da psique e uma categoria de psicoterapia (prtica) formulada inicialmente

    pelo psiquiatra e psiclogo suo Carl Gustav Jung. (RAMOS, 2002, pg. 111).

    Segundo Silveira (1981) e Stein (2006) Carl Gustav Jung nasceu a 26 de julho de

    1875, em Kesswil, concluiu o curso de medicina na Universidade de Basilia, na sua em

    1900 e finaliza sua especializao em psiquiatra em 1905 no Hospital Psiquitrico Burgholzli.

    Neste Hospital Jung era assistente do psiquiatra Eugen Bleuler (1857-1939)

    conhecido por ser o idealizador do termo esquizofrenia. Bleuler promoveu Jung como seu

    substituto e chefe do departamento ambulatorial (STEVENS, 2012).

    Em 1907, Jung estabelece contato com Sigmund Freud. Algum tempo depois

    Freud nomeia Jung para ser o primeiro presidente da Associao Psicanaltica Internacional.

    Porm, em 1912, Jung rompe com Freud e passa por um perodo de crise que chamou de

    confronto com o inconsciente. No ano de 1913, Jung nomeia o seu trabalho de Psicologia

    Analtica (YABUSHITA, 2012).

    Jung morreu aos 86 anos de idade, em sua casa s margens do lago de Zurique,

    deixando uma vasta obra com importantes contribuies para o entendimento e compreenso

    da alma humana (ibidem, 2012, p. 14).

    Segundo Jung (2008) a mente humana possui traos dos estgios anteriores de sua

    evoluo, os contedos inconscientes exercem na psique uma forte influncia. Pode-se ignorar

    a sua existncia, mas, inconscientemente, reagimos a eles, assim como fazemos as formas

    simblicas por meio das quais se expressam. E quanto mais detalhadamente estuda as

    historias do simbolismo e seu papel na vida de diferentes culturas, mais damos conta de que

    h um sentido de recriao de smbolos.

    O inconsciente a poro da psique situada fora do conhecimento consciente,

    esses contedos so formados por memrias recalcadas e por material que nunca foram

    conscientes, como pensamentos, imagens e emoes (STEVENS, 2006). Sendo dividido em

    inconsciente coletivo e inconsciente pessoal:

    O inconsciente coletivo uma parte da psique que pode distinguir-se de um

    inconsciente pessoal pelo fato de que no deve sua existncia experincia pessoal,

  • 18

    no sendo, portanto, uma aquisio pessoal. Enquanto o inconsciente pessoal

    constitudo essencialmente de contedos que j foram conscientes e, no entanto,

    desapareceram na conscincia por terem sido esquecidos ou reprimidos, os

    contedos do inconsciente coletivo nunca estiveram na conscincia e portanto no

    foram adquiridos individualmente, mas devem sua existncia apenas

    hereditariedade. [...] O conceito de arqutipo, que constitui um correlato

    indispensvel da ideia do inconsciente coletivo, indica a existncia de determinadas

    formas na psique, que esto presentes em todo o tempo e em todo o lugar. (JUNG,

    2011, p.53).

    Jung define arqutipo como: contedos do inconsciente coletivo [...] (2011, pg.

    12). Kast (2010), Jacobi, (1995) e Silveira (1981) entendem arqutipo como sistemas

    psquicos neuronais, adquiridos filogeneticamente. A etimologia da palavra arque significa

    inicio, origem, causa e principio, representa tambm a posio de um lder, ou seja, de uma

    espcie dominante, e tipo significa batida e que produzido por ela, isto , forma bsica ou

    estrutura primaria. O arqutipo exige sempre interpretao nova, pois est em constante

    transformao, mas atenta que no se deve ter iluso que um arqutipo possa ser explicado,

    porque a melhor tentativa de explic-lo, apenas uma traduo para outra metfora.

    Outro conceito importante a ser destacado o de complexo. Hall (1998, p.18)

    explica que cada complexo um grupo de imagens relacionadas entre si, formadas em torno

    de um ncleo central de significado que, em sua essncia, arquetpico.

    Para Jacob (1995) cada complexo portador de significado, quando est fora do

    alcance da vontade do consciente, ele inconsciente. [...] podem manifestar todos os graus

    de autonomia (p.19).

    Young-Eisendrath e Dawson (2002) explicam que Jung foi o pai da teoria dos

    complexos, atravs de um experimento chamado teste de associao de palavras, em que as

    pessoas respondiam ao ser apresentada uma palavra de estmulo, Jung percebeu que

    determinadas distraes eram inconscientes e a pessoa no conseguia associar. Essas

    distraes eram chamadas de complexos de ideia de tom emocional ou simplesmente

    complexos (p.79). Isto :

    Por meio do Teste de Associao de Palavras, Jung havia demonstrado que os

    complexos, que ligam as razes pessoais e arquetpicas das representaes mentais,

    eram "carregados de afeto", ou seja, eram veculos para as muitas variedades de

    experincias emocionais que informavam a vida psicolgica do indivduo (p143).

    Portanto ao verificarmos que a matriz do complexo o arqutipo, importante

    destacar:

  • 19

    Embora todos os arqutipos possam ser considerados como sistemas dinmicos

    autnomos que podem ser relativamente independentes do restante da personalidade,

    alguns arqutipos evoluram tanto que merecem ser tratados como sistemas

    separados dentro da personalidade. Eles so a persona, a anima e o animus e a

    sombra (CAMPBELL; HALL; LINDZEY, 2000, p. 90).

    Conforme Jung (1975) e Hall (1998), a persona derivada da palavra grega para

    mscara, que comporta implicaes quanto s mscaras cmicas e trgicas do teatro grego

    clssico. um sistema de adaptao para se comunicar com o mundo, sua funo de

    relacionamento com o mundo coletivo exterior. Ou seja:

    Qualquer cultura fornece muitos papis sociais reconhecidos: pai, me, marido,

    esposa, mdico, sacerdote advogado, etc. Estes papis envolvem modos geralmente

    esperados e aceitveis de funcionamento numa cultura, incluindo at com

    frequncia, certos estilos de vesturio e de comportamento. O ego em

    desenvolvimento escolhe vrios papis, integrando-os mais ou menos na identidade

    do ego dominante (HALL, 1998, p. 23-34).

    Entretanto o arqutipo de sombra tambm tratado como sistema separado da

    personalidade: Na psicologia junguiana compreendemos por sombra aqueles aspectos de

    nossa personalidade que no esto de acordo com a nossa autoimagem um pouco idealizada.

    (KAST, 2010, p. 123). Isto :

    A parte inferior da personalidade. Soma de todos os elementos psquicos pessoais e

    coletivos que, incompatveis com a forma de vida conscientemente escolhida, no

    foram vividos e se unem ao inconsciente, formando uma personalidade parcial,

    relativamente autnoma, com tendncias opostas as do consciente. A sombra se

    comporta de maneira compensatria em relao a conscincia. Sua ao pode se

    tanto positiva como negativa. [...] A sombra personifica o que o individuo recusa

    conhecer ou admitir e que, no entanto, sempre se impe a ele, direta ou

    indiretamente., tais como traos inferiores do carter ou outras tendncias

    incompatveis (JUNG, 1975, p. 357).

    Jung (1975) define o arqutipo de anima como representao do feminino no

    homem e animus como representao do masculino na mulher.

    Segundo Hall (1998), as imagens anmicas de anima e animus tem funo de

    ampliar a conscincia, pois, [...] estimula o ego e o impele para modos de ser que ainda no

    foram integrados. (p.22).

  • 20

    importante destacar as divergncias de Jung e Freud: Jung amplia o conceito

    de libido, que passa a ser uma energia psquica geral e no apenas de carter sexual, como

    Freud a conceitua (SERBENA, 2013, p. 76). Stevens (2012) diferencia o simbolismo entre

    Freud e Jung, sendo que para o primeiro o smbolo seria uma representao figurativa de uma

    ideia, conflito ou algo inconsciente, ou seja, disfarava o verdadeiro significado da ideia que

    representa. J para Jung os smbolos eram entidades vivas que lutam para expressar algo

    previamente desconhecido, isto , ideias intuitivas que no momento da criao no poderia ser

    formulada de maneira melhor.

    Para Jung (1974), o smbolo tem a funo de equilbrio da psique como um todo,

    sendo criativo, pois pode conter um fundamento que unifica os opostos.

    Em termos da dinmica da psique, o smbolo, e por consequncia os processos

    simblicos relacionados ao mito, possibilitam a circulao de energia psquica

    atravs do meio externo, do consciente e do inconsciente atuando em um dinamismo

    integrador, estabelecendo conexes entre foras psquicas e objetos opostos e

    antagnicos. Deste modo, ele opera como uma funo transcendente, pois por seu

    intermdio ocorre uma transcendncia ou superao destas oposies e conflitos

    pela transformao dos seus contedos e da energia psquica que estava retida neles

    (SERBENA, 2013, p. 81).

    Franz (1990) e Silveira (1981) descrevem os tipos psicolgicos de Jung. Os dois

    tipos de atitude: extroverso e introverso so distinguidas atravs do movimento da libido

    (energia psquica) em relao ao objeto. Segundo Stevens (2012) o extrovertido est

    orientado principalmente para os eventos do mundo exterior, o introvertido preocupa-se

    basicamente com o mundo interior (p.101).

    Segundo Jung (2008) alm das atitudes extroverso e introverso, existem quatro

    tipos funcionais: A sensao (isto , a percepo sensorial) nos diz que alguma coisa existe;

    o pensamento mostra-nos o que esta coisa; o sentimento revela se ela agradvel ou no; e a

    intuio nos dir de onde vem e para onde vai (p.74, grifo do autor).

  • 21

    3.2 A jornada do heri

    Campbell reconhecido por seu profundo estudo dos mitos da humanidade,

    diferenciando-se dos outros pesquisadores por evidenciar os elementos comuns que revelam a

    unidade entre eles, mostrando, dessa forma, a importncia do inconsciente coletivo (LEVY,

    2008, p. 2).

    O heri um estruturante de conscincia, sendo uma emergncia contnua na vida

    do ser humano e assim, uma necessidade da psique. O heri tem uma meta, seu

    movimento paradoxal: extroverter, introverter, adquirir e incorporar, avanar e

    recuar, promovendo transformaes; [...] serve de veculo ao processo de

    individuao. Heri e faanha se fundem, gerando um nome prprio, traduo de

    sua natureza essencial (ALVARENGA apud SOUZA, 2009. p. 22).

    Para Jung (2008), o mito do heri o mais conhecido em todo o mundo,

    encontrado em diversas mitologias, variando em seus detalhes, mas estruturalmente muito

    semelhantes. Para Neumann:

    [...] o heri o precursor arquetpico da humanidade em geral. O seu destino o

    modelo que deve ser seguido e que, na humanidade, sempre o foi na verdade, com

    atrasos e intervalos, mas o suficiente para que os estgios do mito heroico faam

    parte dos constituintes do desenvolvimento da personalidade de cada indivduo

    (NEUMANN, 1990, p. 107).

    Campbell (1997) esquematiza a jornada do heri:

    A primeira tarefa do heri consiste em retirar-se da cena mundana dos efeitos

    secundrios e iniciar uma jornada pelas regies causais da psique, onde residem

    efetivamente as dificuldades, para torn-las claras, erradic-las em favor de si

    mesmo (isto , combater os demnios infantis de sua cultura local) e penetrar no

    domnio da experincia e da assimilao direta e sem distores, daquilo que C. G.

    Jung denominou imagens arquetpicas (CAMPBELL, 1997, p. 27).

    Depois de realizar a primeira tarefa, o heri deve retornar ao nosso meio,

    transfigurado e ensinar a lio de vida renovada que aprendeu (ibidem, p. 28).

    Por isso Campbell (1997) demonstra que cada heri adquire a face de sua cultura

    especfica, mas sua jornada sempre a mesma e cclica, vivendo sempre o mesmo mito,

    conceituando-o de monomito.

  • 22

    O percurso padro da aventura mitolgica do heri uma magnificao da

    frmula representada nos rituais de passagem: separao-iniciao-retorno que podem ser

    considerados a unidade nuclear do monomito (ibidem, p. 36).

    Composto por dezenove elementos o ciclo da jornada do heri e separados em trs

    estruturas, assim se configura: A primeira estrutura a partida ou separao composta pelo

    Mundo Cotidiano, Chamado Aventura, Recusa do Chamado, Ajuda Sobrenatural, Travessia

    do Primeiro Limiar, Barriga da Baleia. A segunda estrutura chamada de descida, iniciao

    ou penetrao. Composta pela Estrada de Provas, Encontro com a Deusa, A Mulher como

    Tentao, Sintonia com o Pai, Aptese, e A Grande Conquista. A terceira e ltima estrutura

    chamada de Retorno composta pela Recusa do Retorno, Voo Mgico, Resgate de Dentro,

    Travessia do Limiar, Retorno, Senhor de Dois Mundos e Liberdade de Viver.

    Campbell (1997) resume a jornada do heri da seguinte forma:

    O heri mitolgico, saindo de sua cabana ou castelo cotidianos, atrado, levado ou

    se dirige voluntariamente para o limiar da aventura. Ali, encontra uma presena

    sombria que guarda a passagem. O heri pode derrotar essa fora, assim como pode

    fazer um acordo com ela, e penetrar com vida no reino das trevas (batalha com o

    irmo, batalha com o drago; oferenda, encantamento); pode, da mesma maneira, ser

    morto pelo oponente e descer morto (desmembramento, crucifixo). Alm do limiar,

    ento, o heri inicia uma jornada por um mundo de foras desconhecidas e, no

    obstante, estranhamente ntimas, algumas das quais o ameaam fortemente (provas),

    ao passo que outras lhe oferecem uma ajuda mgica (auxiliares). Quando chega ao

    nadir da jornada mitolgica, o heri passa pela suprema provao e obtm sua

    recompensa. Seu triunfo pode ser representado pela unio sexual com a deusa-me

    (casamento sagrado), pelo reconhecimento por parte do pai-criador (sintonia com o

    pai), pela sua prpria divinizao (apoteose) ou, mais uma vez se as foras se

    tiverem mantido hostis a ele - , pelo roubo, por parte do heri, da bno que ele foi

    buscar (rapto da noiva, roubo do fogo); intrinsecamente, trata-se de uma expanso

    da conscincia e, por conseguinte, do ser (iluminao, transfigurao, libertao). O

    trabalho final o do retorno. Se as foras abenoaram o heri, ele agora retorna sob

    sua proteo (emissrio); se no for esse o caso, ele empreende uma fuga e

    perseguido (fuga de transformao, fuga de obstculos). No limiar de retorno, as

    foras transcendentais devem ficar para trs; o heri reemerge do reino do terror

    (retorno, ressurreio). A bno que ele traz consigo restaura o mundo (elixir). (p.

    241-242)

    J Vogler (2006) faz um ajuste do monomito de Campbell e cria uma estrutura

    para roteiristas americanos propondo uma nova tcnica de roteiro, observando desenhos

    animados dos estdios de Walt Disney criou:

    Ato I Partida: O Mundo Comum, Chamado Aventura, Recusa do Chamado,

    Encontro com o Mentor, Travessia do Primeiro Limiar.

  • 23

    Ato II Descida: Testes, Aliados, Inimigos; Aproximao da Caverna Oculta;

    Provao Suprema, Recompensa.

    Ato III Retorno: Caminho de Volta, Ressurreio, Retorno com o Elixir.

    Portanto, a linha da histria do monomito fica assim exemplificada: O heri sai de

    seu ambiente familiar e seguro para se aventurar num mundo estranho e hostil - feito, por

    exemplo, de labirintos, cidades estranhas, outras dimenses, entre outros. Enfrenta um

    conflito de vida ou morte com um antagonista poderoso; a certa altura, parece que ele no

    poder escapar destruio, mas o heri acaba por triunfar (LEVY, 2008).

    Nos videogames o primeiro ato mais longo, porque o jogador precisa conhecer

    os comandos do jogo, aprender e criar um vnculo com o personagem antes do aparecimento

    do problema que requer soluo.

    No segundo ato apresenta os obstculos para o jogador, compreende que existe

    uma srie de barreiras e nveis que o jogador precisa superar, gerando ento a estrutura da

    tenso dramtica na histria.

    A autora diferencia o jogo do cinema, pois no jogo no h limite de tempo, o

    jogador pode andar para onde quiser e gerando assim uma iluso de liberdade.

    Quando chega o terceiro ato, isto , o final do jogo, tem um significado para o

    jogador.

    Vogler (apud LEVY, 2008) seleciona seis personagens arquetpicos e suas

    funes no roteiro ou jogo. Sendo o primeiro o arqutipo do heri, cuja funo dramtica

    buscar a identificao do jogador e buscar a prpria superao do eu. O segundo seria do

    Vilo e tem a funo de desafiar o heri e ser o contedo de sombra. Mentor, sendo o terceiro

    arqutipo, tem como funo ensinar e pode representar o Si-mesmo. Quarto sendo o

    Guardio, que testar o heri e representa os complexos. O aliado como funo de trazer a

    integrao de anima, e por fim, o arqutipo de Trickster7 como funo de rever o status quo e

    funo psicolgica transcendente.

    Sendo assim, Levy (2008) apresenta um quadro com o resumo das estruturas da

    jornada do heri:

    7 O Trickster um personagem neutro que gosta de fazer travessuras, mas tambm pode causar danos severos

    atravs de suas brincadeiras. Estas podem impedir o Heri de progredir ao longo de sua jornada. Estes

    personagens podem ser ajudantes do Heri ou at mesmo um personagem Vilo. Este arqutipo carrega em si o

    desejo de mudana da realidade. A sua funo acordar o Heri para a realidade, denunciando a hipocrisia e as

    incoerncias. (LEVY, 2008, p.16)

  • 24

    Quadro 1 - Resumo dos trs autores

    Jornada do Escritor O Heri de Mil Faces As Tarefas do Heri no Jogo

    Ato I Partida, separao

    1. O Mundo Comum Mundo Cotidiano O heri apresentado em seu dia-a-

    dia.

    2. Chamado Aventura

    Chamado Aventura A rotina do heri quebrada por

    algo inesperado, inslito ou

    incomum. (surge o oponente

    frustrao)

    3. Recusa do

    Chamado

    Recusa do Chamado Heri no quer se envolver.

    4. Encontro com o Mentor

    Ajuda Sobrenatural O mentor pode ser tanto algum

    mais experiente, como uma

    situao que o force a tomar uma

    deciso.

    5. Travessia do Primeiro Limiar

    Travessia do Primeiro Limiar

    e

    Barriga da Baleia

    Heri decide ingressar num novo

    mundo. Sua deciso pode ser

    motivada por vrios fatores, entre

    eles algo que o obrigue, mesmo que

    no seja essa a sua opo.

    Ato II

    Descida, iniciao, penetrao.

    6. Testes, Aliados, Inimigos.

    Estrada de Provas No mundo especial fora do

    ambiente normal do heri em que

    passar por testes, receber ajuda

    (esperada ou inesperada) de aliados

    e ter que enfrentar os inimigos.

    7. Aproximao da Caverna Oculta

    Encontro com a Deusa

    A Mulher como Tentao

    Sintonia com o Pai

    O heri se aproxima do objetivo de

    sua misso, mas o nvel de tenso

    aumenta e tudo fica indefinido

    Inicio da confrontao.

    8. Provao Suprema

    Aptese Auge da crise continua a

    confrontao.

    9. Recompensa

    A Grande Conquista Passada a provao mxima, o

    heri conquista a recompensa.

    Ato III Retorno

    10. Caminho de Volta Recusa do Retorno

    Vo Mgico

    Aps ter conseguido seu objetivo,

    ele retorna ao mundo anterior.

    11. Ressurreio Resgate de Dentro

    Travessia do Limiar

    Retorno

    Senhor de Dois Mundos

    O heri pode ter que enfrentar uma

    trama secundria no totalmente

    resolvida anteriormente.

    12. Retorno com o Elixir Liberdade de Viver O heri volta ao seu mundo, mas

    transformado j no mais o

    mesmo.

    Fonte: LEVY (2008, p.5-7)

    No quadro a seguir apresentamos a estrutura do livro God of War na jornada do heri,

    resumindo das tarefas do heri Kratos:

  • 25

    Quadro 2 - Estrutura da jornada do heri de Kratos - God of War.

    As Tarefas do Heri no Jogo (LEVY,

    2008)

    As Tarefas do Heri no Jogo God of War

    O heri apresentado em seu dia-a-dia. Kratos, um guerreiro espartano, que tem a esposa e uma filha.

    A rotina do heri quebrada por algo

    inesperado, inslito ou incomum. (surge

    o oponente frustrao)

    Kratos e seu exrcito esto perdendo uma batalha.

    Heri no quer se envolver.

    Ao verificar que no consegue vencer pede ajuda a Ares. Ares

    aceita e faz vencer a guerra com a lmina do caos. Kratos ento

    vira servo de Ares e faz destruir tudo que aparecer em sua frente.

    At que Kratos possudo pela fora e poder, acaba matando sua

    prpria filha e esposa, deseja ento a vingana pela morte de sua

    famlia.

    O mentor pode ser tanto algum mais

    experiente, como uma situao que o

    force a tomar uma deciso.

    Atena guia Kratos para encontrar a Caixa de Pandora (nico

    objeto capaz de derrotar um deus).

    Heri decide ingressar num novo

    mundo. Sua deciso pode ser motivada

    por vrios fatores, entre eles algo que o

    obrigue, mesmo que no seja essa a sua

    opo.

    Kratos aceita a proposta de Atena que livrar seus pecados se ele

    matar Ares.

    No mundo especial fora do ambiente

    normal do heri em que passar por

    testes, receber ajuda (esperada ou

    inesperada) de aliados e ter que

    enfrentar os inimigos.

    Kratos luta com a Hidra, e com ajuda de Poseidon vence a

    batalha. Atena diz para achar a Orculo dentro da cidade de

    Atenas. Kratos encontra a deusa Afrodite, e ela auxilia. Depois

    encontra com Zeus que lhe entrega poder de controlar raios. Aps

    enfrentar Minotauros e Ciclopes e soldados de Ares, Kratos

    finalmente chega ao Templo do Orculo.

    O heri se aproxima do objetivo de sua

    misso, mas o nvel de tenso aumenta e

    tudo fica indefinido Inicio da

    confrontao.

    O Orculo guia Kratos para caminhar em direo ao deserto.

    Kratos passa trs dias escalando a montanha at chegar no gigante

    Cronos, que acima dele est o templo em que se encontra a caixa

    de pandora. Mata diversos monstros para encontrar a caixa de

    pandora. Porm, quando est levando a caixa para fora do templo,

    l de Atenas, os olhos atentos de Ares percebem o plano de

    Kratos. Ares arremessa uma estaca de pedra de Atenas e acerta

    em cheio Kratos no alto da montanha acima de Cronos, enquanto

    Kratos agoniza com a estaca perfurada em seu peito, as Harpias

    em ordem de Ares roubam a Caixa.

    Auge da crise continua a confrontao. Kratos vai parar no Trtaro, mas consegue agarra na perna de um

    homem e sobe at chegar onde no tinha mais onde subir, e o

    coveiro puxa Kratos com uma corda.

    Passada a provao mxima, o heri

    conquista a recompensa.

    Kratos vai ao encontro com Ares. Usa seus poderes de controlar

    os raios dado por Zeus e atinge a corrente que amarra a Caixa,

    fazendo-a cair na beira do mar.

    Aps ter conseguido seu objetivo, ele

    retorna ao mundo anterior.

    Caixa de Pandora aberta, a energia que flui dela faz Kratos se

    tornar to gigante quanto Ares. Ares no se assusta, pois mesmo

    Kratos sendo de seu tamanho ele ainda era apenas um mortal.

    O heri pode ter que enfrentar uma

    trama secundria no totalmente

    resolvida anteriormente.

    Os dois iniciam um combate final, porm quando Ares ferido e

    percebe que a vitria no ser to fcil, pretende destruir Kratos

    de outra forma - psicologicamente. Ares transporta Kratos para o

    momento em que ele iria entrar no templo, onde sua mulher e

    filha se escondiam do ataque que ele mesmo criara. Neste

    momento, Kratos tem que defender sua mulher e filha dos outros

    Kratos que surgem para mat-las.

    O heri volta ao seu mundo, mas

    transformado j no mais o mesmo.

    Kratos se torna o deus da guerra.

  • 26

    3.3 Mitologia Grega

    O termo grego mythos significa palavra, enredo, fala e tem relao com o conceito

    de expresso. Mas expresso do qu? O que o mito expressa , em ltima analise, a

    percepo que o humano tem das coisas, ou seja, a imposio de estruturas

    dramticas ao fluxo e ao caos da natureza. muito possvel que a natureza no tenha

    significado intrnseco; que simplesmente seja. Mas os humanos contm um processo

    psquico de natureza estruturante, como parte de sua constituio essencial, e

    aplicam-na ao caos. Ao coloc-lo em ordem, estabelece-se um relacionamento

    significativo com o mundo. Com sua substncia simblica, rtmica e metafrica, o

    mito cria uma ponte entre o desconhecido e o conhecedor, e ajuda o ser humano a

    colocar-se em alguma espcie de relao de significado com o mistrio (HOLLIS,

    1997, p. 11).

    Citiva (1973) explica que a palavra mitologia vem do grego mythos que significa

    fbula8, e logos, tratado.

    Alvarenga (2010) entende que o mito uma forma de explicar o mundo e o homem.

    Todas as culturas e civilizaes tm os seus mitos que falam da criao e estruturao do

    universo, da formao das sociedades, de como o mundo foi criado e os homens foram

    forjados de virtudes, males e pecados apareceram e se instauraram no mundo. Esse modo

    no lgico de entender as coisas traduzido pelo mito como uma forma primordial de

    explicar a realidade de ser e estar no mundo (p.41).

    Campbell (1997) observava que as mitologias tradicionais cumprem quatro funes. A

    primeira harmonizar a conscincia com as precondies de sua prpria existncia mediante

    uma das trs formas de participao: exteriorizando, interiorizando ou efetuando uma

    correo. A segunda funo interpretativa, apresentando uma imagem consistente da ordem

    do universo. A terceira funo dar validade e respaldo a uma ordem moral especfica, a

    ordem da sociedade da qual surgiu essa mitologia. E a quarta e ltima conduzir o individuo

    a vrios estgios e crises da vida, ajudando-o a compreender o desdobramento da vida com

    integridade.

    Portanto Gusdorf (apud BRANDO, 1986, p.34) acredita que [...] a conscincia

    mtica, embora reprimida, no est morta. O interesse pelo passado constitui-se aqui na

    preocupao com o atual.

    Brando (1986) salienta, nesta tentativa de conceituar o mito, que o mesmo no tem a

    conotao usual de fbula, lenda, inveno, fico, mas a acepo que lhe atribuam e ainda

    8 O conceito de fbula no nos deve induzir a crer que o mito seja uma fico caprichosa da imaginao. Dentro

    da narrativa mtica esconde-se um aspecto, um ncleo, que encerra uma verdade (CITIVA, 1973, p. 3).

  • 27

    atribuem as sociedades arcaicas e culturas primitivas, onde mito o relato de um

    acontecimento ocorrido no tempo primordial, mediante a interveno de entes sobrenaturais.

    Para Mircea Eliade (apud BRANDO, 1986, p. 36), Mito , pois, a narrativa de uma

    criao: conta-nos de que modo algo, que no era, comeou a ser.

    O mito expressa o mundo e a realidade humana, mas cuja essncia efetivamente

    uma representao coletiva, que chegou at ns atravs de vrias geraes. E, na

    medida em que pretende explicar o mundo e o homem, isto , a complexidade do

    real, o mito no pode ser lgico: ao revs, ilgico e irracional. Abre-se como uma

    janela a todos os ventos; presta-se a todas as interpretaes. Decifrar o mito , pois,

    decifrar-se (BRANDO, 1986, p.36).

    Os smbolos da mitologia no so fabricados; no podem ser ordenados, inventados

    ou permanentemente suprimidos. Esses smbolos so produes espontneas da psique e cada

    um deles traz em si, intacto, o poder criador de sua fonte (CAMPBELL, 1997, p. 15-16).

  • 28

    4. LEITURA SIMBLICA DO LIVRO GOD OF WAR

    A leitura simblica do jogo God of War foi feita do livro que deu origem ao jogo. O

    personagem principal um guerreiro espartano chamado Kratos. Na mitologia grega no

    existe esse personagem, porm existe Cratos que segundo Brando (1986, p.271) Palante

    uniu-se a Estge e nasceram Zelos (Cime), Nique (Vitria), Bia (Fora) e Cratos (Poder).

    Assim, podemos dizer que Kratos um heri com o poder.

    Ele j foi chamado de Fantasma de Esparta. Ele j foi chamado de Punho de Ares e

    de Campeo de Atena. Ele foi chamado de guerreiro. Um assassino. Um Monstro.

    (VARDEMAN, STOVER, 2012, p.7)

    No incio do livro, Kratos est atrs de uma embarcao, porm ao chegar perto do

    navio, aparece a cabea da Hidra9, que destri o barco de Kratos, a tripulao inteira morre e

    o guerreiro espartano tem que lutar com as Harpias10

    que o atacam enquanto tenta chegar

    prximo ao navio. Sobre esses elementos que aparecem necessrio explicar o simbolismo:

    As Harpias segundo Brando (1986, p.237) Simbolizam as paixes desregradas; as

    torturas obsedantes, carreadas pelos desejos e o remorso que se segue satisfao das

    mesmas.

    A Hidra, segundo Paul Diel (apud BRANDO, 1986), simboliza os vcios mltiplos,

    tanto sob forma de aspirao imaginativamente exaltada como de ambio banalmente ativa.

    Vivendo no pntano, a Hidra mais especificamente caracterizada como smbolo dos vcios

    banais. Enquanto o monstro vive, enquanto a vaidade no dominada, as cabeas,

    configurao dos vcios, renascem, mesmo que, por uma vitria passageira, se consiga cortar

    uma ou outra.

    Esses monstros se referem ao vcio de Kratos de ser sanguinrio e por ter prazer em

    matar para preencher a perda e culpa por ter mata-lo a esposa e a filha.

    Segundo Alvarenga (2010), Poseidon o senhor das guas subterrneas e dos mares.

    um deus apaixonado, fertilizador, intenso, intempestivo, irado e ciumento. Contm em seu

    reino criaturas monstruosas, assim como toda a exuberncia da vida aqutica. o soberano do

    grande inconsciente.

    9 HIDRA, em grego Hdra, da mesma raiz que dwr (hdor), gua. O snscrito tem udra-, "animal aqutico", o

    alemo, Otter, "vbora, lontra" (BRANDO, 1986, p. 244). 10

    HARPIA, em grego Arpuia (Hrpyia). [...] As Harpias significam, pois, literalmente, "as arrebatadoras". [...]

    Eram monstros horrveis: tinham o rosto de mulher velha, corpo de abutre, garras aduncas, seios pendentes.

    Pousavam nas iguarias dos banquetes e espalhavam um cheiro to infecto, que ningum mais podia comer

    (BRANDO, 1986, p. 236).

  • 29

    Uma pessoa regida por esse arqutipo ter a imensa tarefa de experimentar em si

    emoes intensas, profundas e confusionantes. No entanto, a possibilidade de conteno e o

    uso criativo dessas emoes tambm fazem parte do mesmo arqutipo (ALVARENGA,

    2010, p.104).

    Em vrias dessas histrias a fraqueza inicial do heri contrabalanada pelo

    aparecimento de poderosas figuras tutelares ou guardies que lhe permitem

    realizar as tarefas sobre-humanas que lhe seriam impossveis de executar sozinho.

    [...] Essas personagens divinas so na verdade, representaes simblicas da psique

    total, entidade maior e mais ampla que supre o ego da fora que lhe falta. Sua funo

    especfica lembra que atribuio essencial do mito heroico desenvolver no

    individuo a conscincia do ego o conhecimento de suas prprias foras e fraquezas

    de maneira a deix-lo preparado para as difceis tarefas que a vida lhe h de impor

    (JUNG, 2008, p.144).

    Simbolicamente, Poseidon faz com que Kratos entre em contato com suas emoes

    que estavam bloqueadas e reprimidas. Poseidon entrega a Kratos um fragmento de seu poder

    olmpico para auxili-lo a matar a criatura, chamada de Clera de Poseidon, dizendo:

    Voc sabe como minha raiva faz com que a terra trema, e minha fria gera

    tempestades em que nenhum navio pode sobreviver. Passe pelo arco onde v a

    imagem de meu rosto, e eu vou lhe conceder um poder alm de qualquer voc j

    conheceu, voc vai comandar um fragmento de minha clera (VARDEMAN,

    STOVER, 2012, p.52).

    Amplificando a anlise, o nmero trs simblico, na medida em que apresentado

    nos trs soldados de Ares, que atacam Kratos e as trs cabeas de Hidra que ele precisa matar.

    Segundo Chevalier e Gheerbrant (2008, p.899): O trs um nmero fundamental

    universalmente. Exprime uma ordem intelectual e espiritual, em Deus, no cosmo ou no

    homem. Podendo remeter a memria de Kratos sobre sua famlia constituda por trs

    membros: ele, a esposa e a filha.

    Como Kratos mata sua famlia por estar possudo pela fora e destruio que Ares o

    escravizou, podemos remeter ao mito de Hrcules. Civita (1973) diz que Hrcules possudo

    por um sbito furor enviado por Hera, o heri mata a mulher e seus filhos. Quando volta a si

    mesmo do ataque de fria, depara com o ato consumado (p.260). A trajetria de Kratos e

    Hrcules passa por um tema em comum, a vingana e purificao para se livrar do remorso o

    que atormenta.

    Nos doze trabalhos de Hrcules possvel perceber que existe peculiaridade com a

    jornada de Kratos, como por exemplo, o segundo trabalho de Hrcules que matar Hidra.

  • 30

    Hrcules seria o representante idealizado da fora combativa: o smbolo da vitria (e

    da dificuldade da vitria) da alma humana sobre as suas fraquezas (CHEVALIER;

    GHEERBRANT, 2008 p.486).

    Kratos, ao enfrentar Hidra, v o capito do navio sendo engolido por ela, porm o

    capito se agarra no anel de cartilagem de Hidra. Kratos estica os braos para baixo e o

    capito chora ao agradecer Kratos, mas Kratos diz - Eu no voltei por voc (p.63), e apenas

    pega a chave de ouro pendurada no pescoo do capito e o deixa cair dentro do estomago de

    Hidra.

    Esse lado desumano de Kratos nos remete ao lado sombrio do Self ou Si-mesmo que,

    segundo Jung (2008, p. 287) [...] representa um grande perigo, porque ele a maior fora da

    psique. [...] Um sintoma caracterstico desse estado a perda do senso de humor e dos

    contatos humanos.

    Fadiman (2002) explica que no primeiro estgio do processo de individuao, pode

    ocorrer um perigo com a identificao da persona. Quando algum se identifica com a

    persona, incapaz de aceitar erros ou fraquezas, ou seja, se identifica de uma forma que tende

    a reprimir caractersticas que no se ajustam em si mesmo e projeta no outro sua identidade.

    A identificao de Kratos, com sua persona de guerreiro espartano, acaba fazendo com

    que veja apenas um modo de agir: lutando agressivamente com todos ao seu redor.

    Os pensamentos de ter matado sua esposa e sua filha perturbam novamente Kratos e

    clama por Atena. Sendo ela a personificao de sua anima, Atena deusa da fecundidade

    minoica, da vitria e sabedoria. [...] simboliza mais que tudo, a criao psquica, a sntese por

    reflexo, a inteligncia socializada (ALVARENGA, 2010, p. 284).

    Ainda segunda a mesma autora:

    A deusa cumpre seu processo de individuao pelo encontro como masculino

    espiritualizado e aps integrar seus complexos sombrios. Faz uma busca reflexiva de

    si para consigo mesma, via logos, podendo ento, realizar a coniunctio com a

    sabedoria profunda do masculino e sua conscincia feminina. (p. 292)

    Segundo Franz (1985) s os heris que tem a anima a seu lado que tem possibilidade

    de sobreviver, pois nos momentos decisivos a anima que empreende a ao.

    Kratos clama por Atena dizendo que j serviu os deuses e gostaria de ser livrado de

    seu remorso. Atena pede pacincia e diz: Complete essa tarefa final e o passado que o

    consome ser esquecido. Tenha f, Kratos. Os deuses no esquecem aqueles que vm ao seu

    auxlio (VARDEMAN, STOVER, 2012, p.78).

  • 31

    importante descrever sobre o vilo Ares. Segundo Alvarenga (2010) Ares o deus

    que representa caractersticas pouco valorizadas na mitologia grega, pois seus atributos esto

    relacionados a agressividade, impulsividade e fora fsica.

    Brando (apud Alvarenga, 2010, p.163) sugere a hiptese de Ares no ser um deus,

    mas to-somente um demnio popular infiltrado na epopeia, sendo, por isso, desprezado pelas

    outras divindades.

    Segundo Meunier (1994, p. 63) Ares s se sentia bem em pleno massacre, do qual

    fazia nascer todos os horrores. Dotado de cega coragem e de furioso vigor, precipitava-se aos

    combates fazendo barulho e soltando gritos terrveis. Amando a luta em si mesma, pela

    alegria feroz de destruir, seu entusiasmo no conhecia nem amigos, nem inimigos, e seu furor

    no obedecia seno a brutalidade de seu instinto destruidor. Semeava morte por todos os

    lugares que passava.

    De acordo com Hall (2003) a sombra uma parte inconsciente da personalidade

    caracterizada por traos e atitudes, negativos ou positivos, que o Ego consciente tende a

    ignorar ou a rejeitar (p.219).

    Ares personificao da sombra de Kratos, por isso ele o vilo central e Kratos

    deseja vingana, isto , Ares remete ao contedo reprimido, negligenciado e hostil que Kratos

    no aceita como sendo de si mesmo.

    Conforme Hall e Nordby (2000), a sombra um arqutipo importante e valioso,

    porque tem a capacidade de reter e afirmar ideias ou imagens que podem vir ser vantajosas

    para o indivduo (p.41).

    Kratos desce at a parte inferior do barco para verificar o que teria naquela porta, ao

    abrir viu trs meninas to adorveis quanto quaisquer outras que ele j vira (VARDEMAN,

    STOVER, 2012, p.74).

    Quando abriu a porta ele havia liberado um feitio que faz aparecer mortos-vivos e

    violentamente matam as trs mulheres. Kratos mata todos os mortos-vivos e repara que havia

    outro quarto e usa sua habilidade Clera de Poseidon para abrir a porta. Kratos se espanta ao

    ver duas mulheres seminuas e belas.

    [...] portas sem chave lembra a velha representao egpcia do mundo subterrneo,

    um smbolo bem conhecido do inconsciente e de suas desconhecidas possibilidades.

    Mostra tambm que estamos abertos a outras influencias no lado da sombra do

    nosso inconsciente, e como elementos bizarros e estranhos podem ali penetrar

    (JUNG, 2008, p. 225).

  • 32

    Mesmo depois de beber vinho e dormir com duas mulheres gmeas chamadas Lora e

    Zora. Kratos amaldioou os deuses em seu corao. Se ao menos ele pudesse ser como os

    outros homens e perder-se inteiramente nos prazeres da carne (VARDEMAN, STOVER,

    2012, p.83).

    Atena diz a Zeus que Ares estava soberano em sua cidade (Atenas), Zeus decretou que

    nenhum deus deveria enfrentar outro. Sendo assim, Ares s podia ser derrotado por mos

    mortais, ou seja: Kratos. Kratos ento v a possibilidade de vingar de Ares, Atena pede para

    que ele v at sua cidade e que procure pelo Orculo de Atenas que informaria como derrotar

    Ares. Kratos abandona os mares onde a Hidra apodrecia, e parte em destino a cidade de

    Atenas.

    Chegando a cidade encontra com a legio de soldados de Ares e percebe um monstro

    trs vezes maior que Kratos. O Ciclope11

    simbolizando fora primitiva ou regressiva

    (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2008, p.238). O ciclope tenta matar Kratos, mas Kratos

    consegue cravar as espadas na cavidade ocular do ciclope.

    Em busca do Orculo, Kratos mata vrios inimigos que esto no caminho, e encontra

    com um velho que diz a direo para encontrar o Orculo, mas ao correr em direo para

    parte oriental da Acrpole tem que enfrentar com alguns Minotauros12

    podendo simbolizar o

    combate espiritual contra o recalque (ibidem, p.611).

    Em relao a esses monstros podemos analisar os complexos negativos de Kratos, que

    precisam ser dissolvidos e integrados a conscincia, remetendo ao seu ato de matar a prpria

    famlia.

    Chegando avenida que levava a Acrpole, Kratos se depara com uma estrada cheia

    de centauros e destri todos que tentavam bloquear seu caminho. Depois de lutar com

    inmeros mortos-vivos legionrios de Ares, encontra a deusa Afrodite e ela diz: Saudaes

    espartano. Eu gostaria de oferecer-lhe os meus agradecimentos pelo resgate dos meus

    discpulos. [...] Zora e Lora me falaram de seus talentos (VARDEMAN, STOVER, 2012,

    p.133). Kratos percebe que as gmeas so filhas de Afrodite. Quando Kratos foi falar,

    Afrodite silencia com seu dedo os lbios de Kratos e pede para realizar a tarefa de matar a

    Rainha das Grgonas13

    Medusa.

    11

    CICLOPE, em grego Kklwy (Kklops), "olho redondo", pois os Ciclopes eram concebidos como seres

    monstruosos com um olho s no meio da fronte. Demnios das tempestades, seu olho nico representa o

    relmpago [...] (BRANDO, 1986, p.204) 12

    Mino-tauro significa o touro de Minos. (BRANDO,1987, p. 160) 13

    GRGONA significa impetuoso, terrvel, apavorante. (BRANDO,1987, p. 238)

  • 33

    Para Alvarenga (2010), Afrodite uma deusa que veio para amar e espalhar seus

    encantos e beleza. Deusa da vida, do amor e fecundidade. A caracterstica da deusa do amor

    se assemelha, com a atitude humana, de captar o mundo pela sensao extrovertida e avaliar

    pelo sentimento introvertido (p. 194).

    Kratos derrota a Medusa e traz a cabea dela para Afrodite, ganhando a nova

    habilidade de petrificar seus oponentes.

    A medusa simbolizaria o principio desses impulsos: espiritual e evolutivo, mas

    pervertido em estagnao vaidosa. S se pode combater a culpabilidade originada da

    exaltao vaidosa dos desejos com um esforo no sentido de realizar a justa medida, a

    harmonia (CHEVALIER; GHEERBRANT, p.476).

    A morte da medusa remete ao ato sanguinrio de Kratos ter matado sua famlia. Nesse

    sentido, a medusa seria mais um obstculo, isto , mais uma provao de estar disposto a

    reconhecer o seu erro. Para Paul Diel (apud ibidem, p.476) a medusa simboliza a imagem do

    eu, que petrifica de horror ao invs de esclarecer na medida justa.

    Depois de uma longa caminhada at chegar ao Orculo, matando inimigos com a nova

    habilidade, surge uma nvoa e encontra com o Orculo que diz: No tema, Kratos. Eu sou o

    Orculo de Atenas, estou aqui para ajud-lo a derrotar Ares. Reveladas nas minhas

    adivinhaes esto segredos desconhecidos at mesmo dos deuses. Encontre meu templo a

    leste e vou mostra-lhe como matar um deus (VARDEMAN, STOVER, 2012, p.158).

    Ares destri grande parte da cidade, pisando em atenienses, soldados, e tudo que

    tivesse na frente. Kratos lutando contra mortos-vivos percebe uma mulher e uma criana no

    meio da batalha e tenta salv-las, mas so mortas por seus inimigos.

    Kratos continua sua luta com uma dzia de Minotauros, seguidos por seus ciclopes e

    meia centena de legionrios mortos-vivos, e atrs deles havia muito mais (ibidem, p.162).

    Kratos pede sabedoria a Zeus enquanto luta e Zeus decide falar com Kratos:

    - Kratos voc fica mais forte conforme sua jornada continua. Mas, se quer ter sucesso

    em sua busca, voc precisar de minha ajuda. [...] Eu trago a voc o poder do maior de todos

    os deuses, o Pai do Olimpo. Eu lhe concedo o poder de Zeus (ibidem, p. 177).

    Zeus soberano olmpico, emerge como divino permeado pela sabedoria, sua

    competncia expressa sua capacidade de conquistar, seduzir, mas no se deixando enganar.

    (ALVARENGA, 2010)

    Kratos ento utiliza o raio para conseguir matar seus inimigos e chegar at o Orculo.

    Ao conversar com o Orculo que ir contar o segredo de como matar um deus, capturado

    por uma Harpia e Kratos agora tem que resgatar o Orculo.

  • 34

    Ao sair do templo Kratos encontra com um coveiro cavando e pergunta por que ele

    cava apenas uma cova, e ele responde: -Voc, meu filho. [...] Tudo ser revelado no

    momento certo. E quando tudo parecer estar perdido, Kratos, eu vou estar l para ajudar

    (VARDEMAN, STOVER, 2012, p. 198).

    O coveiro diz a Kratos que as Harpias ficam nas alturas e Kratos segue para resgatar o

    Orculo. Depois de o resgatar conversam, at que o Orculo invade a mente de Kratos e

    pergunta por que Atena enviaria algum como ele. Kratos sente vontade de quebrar o pescoo

    do Orculo, mas ele viu que o Orculo no tinha medo dele. E explica a Kratos que somente

    com a Caixa de Pandora ser possvel matar Ares e diz a localizao da mesma.

    Ao abrir os portes, Kratos comea a buscar seu novo objetivo, a Caixa de Pandora.

    Segundo Chevalier e Gheerbrant (2008, p.681):

    Pandora simboliza a origem dos males da humanidade: eles vm atravs da mulher,

    segundo esse mito, e esta foi modelada sob as ordens de Zeus como um castigo pela

    desobedincia de Prometeu, que tinha roubado o fogo do cu para dar aos homens.

    Segundo a lenda de Pandora, o homem recebeu os benefcios do fogo, contra a

    vontade dos deuses, e os malefcios da mulher, contra a sua vontade. A mulher o

    preo do fogo. No h lugar para se reter mais que os smbolos includos na lenda:

    ela mostra a ambivalncia do fogo, que deu a humanidade um imenso poder, mas

    que pode voltar-se para desgraa bem com para sua felicidade, dependendo de o

    desejo dos homens ser bom ou perverso. E frequentemente a mulher que desvia o

    fogo no sentido da desgraa. O fogo simboliza tambm o amor, que todo ser humano

    deseja, mesmo que sofra em funo dele. O homem que arrebatou o fogo dos

    deuses, suportara a queimadura pelo fogo de seu desejo. Pandora simboliza o fogo

    dos desejos que causam a desgraa dos homens.

    Kratos faz o trajeto amaldioando os deuses, Atena diz para seguir o som das sereias e

    que ele encontrar o templo. Os pesadelos de Kratos quebram o feitio e fazem com que ele

    consiga derrotar todas elas.

    As sereias14

    [...] esboam as pulses escuras e primitivas do homem. Elas simbolizam

    a autodestruio do desejo [...] (ibidem, p.814)

    Kratos observa Cronos15

    e com um salto poderoso ele alcana a corrente e escala a

    montanha durante trs dias chegando ao topo com as mos sangrando e doloridas. Ao chegar

    ao topo encontra com um soldado e diz que foi o primeiro a entrar no templo e por isso virou

    14

    Monstros do mar, com cabea e tronco de mulher, e o resto do corpo igual a de um peixe. Elas seduziam os

    navegadores pela beleza de seus rosto e pela melodia de seus canto para em seguida, arrast-los para o mar e

    devor-los.(CHEVALIER; GHEERBRANT, 2008, p.814) 15

    CRONO, em grego Krnos, sem etimologia certa at o momento. Por um simples jogo de palavras, por uma

    espcie de homonmia forada, Crono foi identificado muitas vezes com o Tempo personificado, j que, em

    grego Khrnos o tempo. Se, na realidade, Krnos, Crono, nada tem a ver etimologicamente com Khrnos, o

    Tempo, semanticamente a identificao, de certa forma, vlida: Crono devora, ao mesmo tempo que

    gera.(BRANDO, 1986, p. 198)

  • 35

    um morto-vivo como punio por sua presuno. rtemis d uma nova habilidade a Kratos:

    Muito depende de sua habilidade. Voc aprendeu a usar as Lminas do Caos bem, mas elas

    sozinhas no vo lev-lo at o fim de sua jornada Eu ofereo-lhe a lmina que eu mesma

    utilizei para matar um Tit. Tome e use este dom para completar a sua busca (VARDEMAN,

    STOVER, 2012, p.238).

    Kratos com a lmina fria de rtemis derrota diversos inimigos, porm suas

    lembranas em relao ao seu passado so intensas e sua memria estava tomando conta dele.

    Por fim, encontra o tridente de Poseidon e agradece Zeus e Atena pelo presente.

    Com o tridente Kratos poderia ser nadador e seus pulmes estavam adaptados a

    respirar na gua.

    Niades divindades das guas claras, das fontes e das nascentes (BRANDO, 1986,

    p. 215) guiam Kratos e pedem para que remova a Caixa de Pandora e assim poderiam ser

    livres. E diz para Kratos ir sala no templo de Hades.

    As Niades geram e criam grandes heris. Vivem nas cavernas, nas grutas, lugares

    midos, [...] Alm do mais, grutas e cavernas so locais prprios para iniciao, em que se

    morre, para se renascer para uma vida nova (ibidem, p.215).

    Kratos chega ao templo e derrota algumas criaturas de Hades, andando atravs do

    tnel encontra com um gigante, Minotauro. Com uma armadura de ao, depois de muita luta,

    derrota o Minotauro e encontra com um templo em que esperava encontrar a Caixa de

    Pandora e tem memria de sua matana novamente, agora, porm, discutindo com Ares

    imaginrio. Esse Ares fantasmagrico era um inimigo que ele nunca poderia derrotar at que

    ele conquistasse a si mesmo (VARDEMAN; STOVER, 2012, p. 322).

    Kratos por fim, chega ao ultimo desafio para chegar at a Caixa de Pandora, e

    encontra com o arquiteto que construiu todas as armadilhas para chegar at a Caixa de

    Pandora. Diz que para prosseguir, Kratos teria que achar um homem para sacrificar, Kratos

    pensa e decide sacrificar o prprio arquiteto para conseguir a caixa de pandora. E finalmente

    estava l a Caixa de Pandora.

    Ao carregar a Caixa de Pandora, Ares percebe que Kratos est com a caixa e

    arremessa uma estaca de pedra de Atenas acertando Kratos no alto da montanha acima de

    Cronos. Enquanto Kratos agoniza com a estaca perfurada em seu peito, Kratos morre e as

    Harpias em ordem de Ares roubam a Caixa de Pandora.

    Kratos vai parar no Trtaro que segundo Brando (1987, p. 186) [...] o local mais

    profundo da terra.. Na simbologia, entretanto, o subterrneo o local das ricas jazidas, o

  • 36

    lugar das metamorfoses, das passagens da morte vida, da germinao (CHEVALIER;

    GHEERBRANT, 2008, p.505).

    Na descida ao Trtaro, Kratos tem morte simblica. Nesse sentido, ela tem um valor

    psicolgico: ela liberta das foras negativas e regressivas, ela desmaterializa e libera as forcas

    de ascenso do espirito (ibidem, p.621).

    do ponto de vista da morte que a anlise explora o fracasso, tendo sido criada

    como instrumento eletivo da psique na explorao do fracasso como soma de foras

    que se opem vida, isto , para indagar de Tanatos e de seus dominantes

    arqutipos correlatos, onde a vida est bloqueada, derrotada, falida e fracassada

    (HILLMAN, 1981, p.120).

    Se h uma ao que faa de algum um verdadeiro heri, no sentido mais construtivo

    justamente a descida em direo ao inslito reino das trevas e da morte. [...] pode nos

    transformar de maneira to fundamental como nenhuma outra experincia (MULLER, 1992,

    p.41).

    Kratos agarra a perna de um homem, que se segura em uma plataforma. Kratos sobe

    no corpo do homem. Esse homem era o capito do navio que Kratos deixou Hidra engolir.

    Assustado grita ao ver novamente Kratos o deixa cair e segue para tentar escapar do Trtaro.

    Ele sobe diversas plataformas e passa por vrios desafios, at chegar ao fim sem ter mais

    nenhuma plataforma para subir.

    A morte simblica, como rito de passagem, propicia transformaes traduzidas

    como flutuaes do estado da conscincia, que talvez se somem e, num determinado

    momento, essas flutuaes tornam-se to poderosas que impelem a psique a uma

    instabilidade que promove a instaurao de uma dimenso nova de conscincia.

    Podemos entender que a anteviso e a prpria vivencia de morte constitui-se como

    veculo de integrao simblica dos mais poderosos (ALVARENGA, 2005, p.104).

    Para Muller (1992) se o heri aceita essa morte, significa que tambm est dizendo

    sim ao Si-mesmo. Quando questiona sobre suas concepes exageradas e sentimentos de

    inferioridade e de culpa, o Heri adquire um novo ponto de vista que possibilita tornar-se uma

    instncia criativa. Ou seja:

    Evidencia-se ento que o temido caminho para baixo significa, na verdade, do ponto

    de vista do Eu, uma "descida" e uma morte, mas, ao mesmo tempo, tambm um

    caminho para cima. A descida proporciona uma elevao, ou seja, um

    aprofundamento da vida; o sofrimento da conscincia do Eu leva redeno do Si-

    mesmo, e o mergulho na esfera da morte plena, a um renascimento (MULLER,

    1992, p.43).

  • 37

    Ento um bloco de pedra preso por uma corda desce. Ele sobe na corda e acaba saindo

    na cova onde o homem velho estava cavando, na frente no templo do Orculo.

    O templo e a cidade estavam sendo destrudos por Ares, que percebe a presena de

    Kratos se surpreendendo de ter sado do Trtaro, e pergunta zombando a Zeus se ele seria a

    nica arma que o pai do Olimpo conseguiu para derrot-lo. Atena pede para Zeus ajudar mais

    uma vez Kratos e usa seus poderes atingindo a corrente que amarra a Caixa, fazendo-a cair na

    beira do mar.

    Sobre a Caixa de Pandora Alvarenga (2010) diz:

    Tem permanecido como o smbolo de tudo aquilo que no se deve abrir. [...] Essa

    caixa, no fundo da qual s a esperana permanece, o inconsciente com todas as

    suas possibilidades inesperadas, excessivas, destrutivas ou positivas, mas sempre

    irracionais quando deixadas entregues a si mesma (p.164).

    A Caixa de Pandora aberta e a energia que flui dela faz Kratos se tornar to gigante

    quanto Ares. A batalha comea, porm quando Ares ferido e percebe que a vitria no ser

    to fcil, pretende destruir Kratos de outra forma, utilizando seus pesadelos sobre a esposa e a

    filha. Ares faz Kratos ter alucinaes no momento em que ele iria entrar no templo, onde sua

    mulher e filha se escondiam do ataque. Kratos tem que defender sua mulher e filha dos outros

    Kratos (imaginrios, criados por Ares) que surgem para mat-las.

    Podemos dizer que primeiro Kratos tem que ter conscincia do seu contedo de

    sombra, do inconsciente pessoal, para somente ento conseguir lutar com Ares, a

    personificao da sombra coletiva.

    Aps derrotar todos os outros Kratos, ele volta batalha contra Ares. Os deuses

    mandam um ltimo presente para Kratos, lminas dos deuses e ele observa que h uma espada

    de pedra nas mos de uma esttua, ele a pega e mata Ares. Aps matar Ares, Kratos pede a

    Atena que livre sua mente das vises. Mas Atena responde:

    -Prometemos que seus pecados seriam perdoados, e assim ser. Mas ns nunca

    prometemos apagar seus pecados. Nenhum homem, nenhum deus, jamais poderia esquecer os

    atos terrveis que voc cometeu (VARDEMAN; STOVER, 2012, p.377).

    A individuao, no entanto, significa precisamente a realizao melhor e mais

    completa das qualidades coletivas do ser humano; a considerao adequada e no o

    esquecimento das peculiaridades individuais, o fator determinante de um melhor

    rendimento social (JUNG, 1987, p. 49).

  • 38

    Kratos compreende que sua nica sada a morte. Porm "[...] a conscincia s pode

    existir atravs do permanente reconhecimento e respeito do inconsciente: toda vida tem que

    passar por muitas mortes" (JUNG, 2011, p.102).

    Sobe at a montanha mais alta de toda a Grcia, o Monte Olimpo, o simbolismo da

    montanha mltiplo: prende-se altura e ao centro. Na medida em que ela alta, vertical,

    elevada, prxima do cu, ela participa do simbolismo da transcendncia (CHEVALIER;

    GHEERBRANT, 2008, p.616) e se joga l de cima caindo no mar, smbolo da dinmica da

    vida. Tudo sai do mar e tudo retorna a ele; lugar dos nascimentos, das transformaes e dos

    renascimentos (ibidem, p.621).

    Mas antes que ele morresse, os deuses do Olimpo o salvam e o levam para o alto da

    montanha novamente e afirmam que ningum que tinha feito tantas coisas boas como Kratos

    poderia morrer daquela forma, e como a vaga de deus da guerra estava livre, transformaram

    Kratos no novo deus da guerra.

    Quando seguimos o caminho da individuao, quando vivemos nossa vida, preciso

    tambm aceitar o erro, sem o qual a vida no ser completa: nada nos garante em

    nenhum instante que no possamos cair em erro ou em perigo mortal. Pensamos

    talvez que haja um caminho seguro; ora, esse seria o caminho dos mortos. Ento,

    nada mais acontece e em caso algum ocorre o que exato. Quem segue o caminho

    seguro est como que morto (JUNG, 1975, p.337).

    Atena lhe d suas Lminas de Atena aps Kratos ter perdido a Lminas do Caos na

    luta contra Ares. As duas espadas (Lmina do Caos) que Kratos carregava a principio fundida

    em seu corpo por Ares, representava conforme Chevalier e Gheerbrant (2008) o aspecto

    destruidor do lado negativo, passando agora para o aspecto de construtor, pois estabelece e

    mantm a paz e a justia. Kratos se torna o novo deus da guerra.

    O simbolismo do Self alm de ser representado pelos deuses que guiam Kratos em sua

    jornada tambm na histria presentado pelo nmero trs. Em diversas situaes o nmero

    trs (as trs cabeas da Hidra, os trs mortos-vivos que aparecem, os trs dias escalando nas

    costas de Cronos, as trs deusas que o guiam, entre outros.). Se apresenta O trs [...] um

    nmero perfeito [...], a expresso da totalidade, da concluso: nada lhe pode ser acrescentado

    (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2008, p.899).

  • 39

    5. ARQUTIPO DO HERI E INDIVIDUAO

    Segundo Winckel (1985), o Si mesmo ou Self a finalidade ideal da anlise junguiana,

    resultando da harmonia entre consciente e inconsciente, por isso, no pode ser atingido sem

    uma tomada de conscincia, isto , sem um conhecimento real dos contedos inconscientes.

    Isso supe um longo trabalho interior, durante o qual se verificaro vrias

    unificaes por integrao, isto , por aceitao consciente e viva das inmeras

    oposies que constituem nosso ser. Essas integraes sucessivas nos conduzem aos

    poucos ao si mesmo, fim e novo ponto de partida. Porque, chegando a unidade em

    ns, tornamo-nos capazes de entrar em contato com a unidade csmica e assim

    podemos chegar ao limar do espiritual. O si mesmo , de alguma forma, o arqutipo

    da unidade primordial (p. 35-36).

    Nesse sentido o leitor a constelao ativa do complexo do heri que comanda o

    espetculo da vida, causando fascnio no coletivo tanto quanto no pessoal, trazendo a

    possibilidade de transformao do todo, pessoal e coletivo (ALVARENGA, 1999, p. 50).

    Isto :

    [...] nos mitos e nos contos de fadas, o personagem principal somos ns mesmos e os

    demais personagens so nossos arqutipos. Estes descrevem simbolicamente a nossa

    histria interna, o nosso processo de individuao. Por se tratarem de temas comuns

    humanidade, tais como: a luta entre o bem e o mal, as origens, a morte, etc.,

    incluem o homem em sua dimenso universal, coletiva e do sentido a sua existncia

    pessoal (RAYNSFORD, apud GUIMARES, 2010, p. 11).

    O heri simboliza a unio das foras celestes e terrestres. Jung identifica o heri com o

    poder do esprito. A primeira vitria do heri a que ele conquista sobre si mesmo

    (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2008).

    Podemos estudar o heri enquanto:

    [...] uma figura arquetpica, a qual rene os atributos necessrios para superar de

    forma excepcional um problema de dimenso pica. Essa figura varia consoante a

    poca e marcado por uma projeo ambgua, representando, por um lado, a

    condio humana na sua complexidade psicolgica, social e tica, e, por outro lado,

    transcende essa condio, representando facetas e virtudes (como f, coragem e

    determinao) que o homem no consegue, mas que gostaria de atingir (GOMES;

    ANDRADE, 2009 p.145).

    As imagens simblicas so verdadeiros transformadores de energia psquica porque

    uma imagem simblica evoca a totalidade do arqutipo que ela reflete (YOUNG-

    EISENDRATH; DAWSON, 2002, p. 82). Nesse caso ao arqutipo do heri:

  • 40

    Uma vez que toda experincia individual tem um ncleo arquetpico, as questes de

    histria pessoal e padres arquetpicos esto sempre entrelaadas, muitas vezes

    precisando primeiro serem separadas para depois serem novamente vinculadas. Jung

    imaginou todo o processo como paralelo ao antigo tema mtico de iniciao do

    heri-sol que morre, atravessa o submundo e depois ressuscitado. Embora esse

    modelo de conscincia mostre considervel "tendenciosidade de gnero", o mito

    expressa diversos temas fundamentais que se confirmam: nascimento e morte como

    um processo psicolgico, o poder curativo da introverso criativa, a luta com a

    libido de carga regressiva, e a descida atravs da psique pessoal at os mananciais de

    energia psquica, a psique objetiva (p.76).

    Aquele que, em qualquer idade ou condio, est preparado para dar ateno e

    responder a este impulso espiritual e fundamentalmente humano, est preparado para o

    processo de individuao (YOUNG-EISENDRATH; DAWSON, 2002, p. 112).

    De acordo com Henderson (apud GUIMARES, 2010, p.134), a figura do heri o

    meio simblico pelo qual o ego vence a inrcia do inconsciente, liberando o homem do desejo

    regressivo. Isto :

    Podemos notar que a aventura do heri nada mais do que o processo de

    individuao, conceito central da teoria junguiana e que representa a prpria

    finalidade da vida; um processo de profundo autoconhecimento, no qual nos

    confrontamos com velhos medos e contedos que desconhecemos de ns prprios.

    Ao nos entregarmos a esse caminho nada racional, Jung considera que a vida

    parecer ser conduzida por uma sabedoria maior a qual denominou Self (Si -

    mesmo), o centro de cada um de ns. Individuar-se significa fazer o ego (a

    conscincia da superfcie) ir ao encontro desse centro. Representa separar-se da

    massa; do turbilho inconsciente e adquirir autonomia; tornando-se, assim, uma

    totalidade psicolgica, sem divises internas, atingindo a personalidade total e a

    realizao pessoal (GOMES; ANDRADE, 2009, p. 145).

    Hollis (1997) diz que a jornada do heri interna, sendo necessria para a

    transformao e a constituio de uma experincia de morte e renascimento. Quem a pessoa

    foi, como era seu mundo consciente, no existe mais. Tudo foi transformado (p.75).

    Segundo o mesmo autor:

    O motivo essencial e recorrente da busca do heri implica em uma viagem, da

    inconscincia at a conscientizao, das tenebrosas profundezas at as altitudes

    luminosas, da dependncia autossuficincia. Essa fora, essa energia configuradora

    (que o que constitui o arqutipo), busca destronar a dominao imposta pelo caos,

    as doces sedues da inconscincia, e atingir uma diferenciao ainda mais elevada

    (HOLLIS, 1997, p. 77).

    Como o jogo em anlise est relacionado temtica da mitologia grega, podemos

    dizer que:

  • 41

    A busca do heri ou da herona e o seu encontro com antagonistas mitolgicos pode

    ser resumido, em linguagem psicolgica, como o encontro do ego com os elementos

    formais tpicos e sempre recorrentes da psique. Para a pessoa que trabalha com o

    inconsciente, surgem os problemas de adaptao inicial aos mundos exterior e

    interior (tipos psicolgicos); o grupo coletivo continente (a persona); o conflito com

    a parte reprimida ou inaceitvel da personalidade da pessoa (a sombra); a

    necessidade de estabelecer um relacionamento com os elementos contra-sexuais

    secundrios da psique masculinos (anima) ou femininos (animus); e, finalmente,

    o encontro com o ncleo suprapessoal da personalidade total e do significado da

    vida da pessoa (o Self) (WHITMONT, 1995, p.122).

    Segundo Salles (1990), a individuao o caminho dos heris, o caminho dos

    rebeldes. E heri aquele que viola as proibies, [...] aquele que encontra uma via, uma

    soluo (p. 47).

    Para Franz O heri uma figura-modelo um ideal, um fator de direo ou ainda

    uma imagem criada pelo inconsciente a fim de superar certas dificuldades incomuns (2003,

    p. 122).

    Segundo a mesma autora o heri-smbolo possui uma certeza de que a coisa tem que

    ser feita, mesmo que todos ou ele mesmo morra. Existe no heri uma vocao de obedincia e

    uma suprema autoridade interior. Ou seja, o heri personifica o Self, o homem uno, a

    personalidade unificada com toda a sua fora.

    O heri o precursor arquetpico da humanidade em geral. O seu destino o modelo

    que deve ser seguido e que, na humanidade, sempre o foi na verdade, com atrasos

    e intervalos, mas o suficiente para que os estgios do mito herico faam parte dos

    constituintes do desenvolvimento da personalidade de cada indivduo (NEUMANN,

    apud LEVY, 2008, p.12).

  • 42

    6. CONCLUSO

    Atravs desta pesquisa produzimos um dilogo entre Psicologia Analtica e a

    Literatura, por meio da leitura simblica de base analtica do livro baseado no jogo God of

    War. Analisaram-se os contedos que aparecem na histria objetivando investigar a

    identificao do leitor com o heri da mesma e atravs desta anlise poder compreender os

    contedos inconscientes que emergem quando da prtica da leitura no leitor.

    Observamos que atravs da jornada do heri (monomito) foi possvel identificar a

    estrutura da histria e destacar que os videogames podem ser analisados de uma forma

    cientfica e profunda como objeto de pesquisas acadmicas. Podem ser analisados da mesma

    forma outras histrias de videogames populares tais como: The Legend of Zelda, Fable, Final

    Fantasy e Assassin's Creed. Esses jogos tm um padro comum com o monomito em que a

    principio o heri no se envolve com a temtica proposta pelo jogo, e no desenvolvimento do

    mesmo, mobilizados por contedos inconscientes, acabam aceitando o chamado e iniciam a

    jornada arquetpica.

    Percebemos tambm que o modelo de heri apresentado em God of War diferente

    dos modelos padres, pois mostra um heri cruel, sanguinrio e vingativo. Podemos inferir

    que esses contedos mobilizados esto relacionados sombra do leitor, que ao ler acaba

    vivenciando o arqutipo do heri e projetando sua sombra no personagem.

    O desenvolvimento humano visto pelo olhar da Psicologia Analtica um continuum

    de vivncias rumo individuao, o que significa a transformao de potencialidades latentes

    em manifestas.

    A histria de God of War esclarece o conceito junguiano quando atravs do heri

    Kratos que, tendo cometido um grande erro em sua vida, tinha que completar sua jornada

    (monomito), enfrentando monstros (complexos), batalhas (integrao de contedos),

    conquistando aliados (personificao de anima/animus), desenvolvendo novas habilidades,

    tendo que morrer para renascer e se tornar um novo Kratos.

    Podemos comparar o heri do jogo de videogame com aquilo que vivenciamos em

    nossas vidas, porque as vivncias possuem uma matriz comum. Aquilo que Jung denominou

    de arqutipos.

    Nossa mitologia atual aquela que encontramos nos filmes e seriados, na leitura de

    livros e no jogo de videogames. Projetamos nossos contedos internos na histria e nos

    identificamos com vrios heris, cada qual nos sensibilizando quando um contedo interno

    estabelece com o heri, uma ponte.

  • 43

    Um dado interessante sobre God of War que na fonte da letra o, est o smbolo

    mega () e a traduo do jogo para a lngua portuguesa Deus da Guerra, significando num

    primeiro momento a unilateralidade do fim, mas, para que exista o fim necessrio o

    principio, isto , a iniciao do leitor com o livro. Ao iniciar God of War, esse ato simboliza a