análise manifesto comunista

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Mirela Berger – Karl Marx 1 1 Karl Marx – Introdução Geral e Análise da obra O Manifesto Comunista “Um espectro ronda a Europa – o espectro do comunismo” Karl Marx: 1818-1893 – Prússia, Thier. Muito contraditório, até por conta da extensão de sua obra: nem sempre disse as mesmas coisas. Difícil de definir seu campo: sociólogo, economista e as duas coisas juntas. Diversidade de períodos da própria obra: 1. Período de juventude: 1841 e 1847-1848. Principais obras: - Introdução á crítica da filosofia do direito de Hegel ; Ensaio sobre a questão judaica ; A sagrada família ; Miséria da filosofia ; A ideologia alemã (1845 – obra de ruptura com a primeira fase). 2. Sociologia economista: 1859 – Contribuição à crítica da economia política ; O Capital (1859 – primeiro volume); O manifesto comunista (1848); As lutas de classe na França (1848-1850); O 18 de brumário de Napoleão Bonaparte (1851- 1852). A análise que segue baseia-se predominantemente no Manifesto comunista , mas incorpora extratos de outras obras e tem como pano de fundo a abordagem de Raymond Aron. Questão central do Manifesto é a luta de classes. Mas eu sempre inicio pela questão do materialismo histórico dialético. Marx chama a tenção para a importância das condições materiais sobre a vida dos indivíduos. Para sobreviver, tanto homens quanto animais precisam assegurar suas condições de sobrevivência, precisam

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Análise do Manifesto Comunista

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  • Mirela Berger Karl Marx 1

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    Karl Marx Introduo Geral e Anlise da obra O Manifesto Comunista

    Um espectro ronda a Europa o espectro do comunismo

    Karl Marx: 1818-1893 Prssia, Thier. Muito contraditrio, at por conta da extenso de sua obra: nem sempre

    disse as mesmas coisas. Difcil de definir seu campo: socilogo, economista e as duas coisas

    juntas. Diversidade de perodos da prpria obra: 1. Perodo de juventude: 1841 e 1847-1848. Principais obras: - Introduo crtica da filosofia do direito de Hegel; Ensaio sobre a questo judaica; A sagrada famlia; Misria da filosofia; A ideologia alem (1845 obra de ruptura com a primeira fase).

    2. Sociologia economista: 1859 Contribuio crtica da economia poltica; O Capital (1859 primeiro volume); O manifesto comunista (1848); As lutas de classe na Frana (1848-1850); O 18 de brumrio de Napoleo Bonaparte (1851-1852).

    A anlise que segue baseia-se predominantemente no Manifesto comunista, mas incorpora extratos de outras obras e tem como pano de fundo a abordagem de Raymond Aron.

    Questo central do Manifesto a luta de classes. Mas eu sempre inicio pela questo do materialismo histrico

    dialtico.

    Marx chama a teno para a importncia das condies materiais sobre a vida dos indivduos. Para sobreviver, tanto homens quanto animais precisam assegurar suas condies de sobrevivncia, precisam

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    manipular a natureza e construir abrigos, bem como garantir a sobrevivncia alimentcia.

    Mas, na natureza, estes recursos esto igualmente ao acesso de todos, a sobrevivncia depende das habilidades dos mais fortes. J na sociedade, em especial, na sociedade capitalista, estes recursos encontram-se distribudos de maneira desigual, assim como o acesso aos meios de produo.

    Assim, na produo social da prpria vida os homens precisam entrar em relaes determinadas e independentes de sua vontade. A economia a base da sociedade em geral, a infraestrutura, enquanto que as relaes polticas, jurdicas e sociais so a superestrutura.

    A infraestutura condiciona a superestrutura A realidade determina a conscincia:

    Pg 135, linha 21. 22, 23, 24 e 25 da Crtica da economia poltica (1859)

    Na produo social da prpria vida, os homens contraem relaes determinadas, necessrias e independentes da sua vontade, relaes

    de produo estas que correspondem a uma etapa determinada de desenvolvimento das suas foras produtivas materiais.

    A totalidade destas relaes de produo forma a estrutura da sociedade, a base real sobre a qual se levanta uma superestrutura

    jurdica e poltica, e a qual correspondem formas sociais determinadas de conscincia. O modo de produo da vida material condiciona o processo em geral da vida social, poltica e espiritual

    Pg 136, linhas 1, 2 e 3, da Crtica da economia poltica (1859) No a conscincia dos homens que determina o seu ser, mas o contrrio, o seu ser social que determina sua conscincia

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    Questo da luta de classes: recordem-se que ela no aparece no Capital e s aparece implcita no prefcio da crtica da economia poltica: Em uma certa etapa de seu desenvolvimento, as foras produtivas materiais da sociedade entram em contradio com as relaes de produo existentes (...) De fromas de desenvolvimento das foras produtivas estas relaes se transformam em grilhes. Sobrevm ento uma poca de revoluo social.

    J no manifesto, a luta de classes a questo central: A histria de toda a sociedade at nossos dias a histria da luta de

    classes. Homem livre e escravo, patrcio e plebeu, baro e servo, mestre de ofcio e companheiro, numa palavra, opressores e oprimidos,

    se encontram sempre em constante oposio, travaram uma luta sem trgua, ora disfarada, ora aberta, que terminava sempre por uma transformao revolucionria de toda a sociedade, ou ento, pela

    runa das diversas classes em luta (26).

    De modo geral, para Marx, a sociedade capitalista tende a se polarizar em duas classes, burgueses e proletariados. claro que Marx percebe a existncia de outras classes sociais1, mas para ele, s estas duas tem potencial de mudana:

    A nossa poca, a poca da burguesia, simplificou os antagonismos de classe. A sociedade global divide-se, cada vez

    1 No livro As lutas de classe na Frana (1848-1850) ele distingue as seguintes classes: burguesia financeira, burguesia

    industrial, pequena burguesia, classe camponesa, classe proletariada e lupem proletariado. S que o problema que ele est tentando responder quais os grupos que tiveram influncia sobre acontecimentos polticos, em circunstncias histricas muito particulares. J no livro O dezoito de Brumrio de Napoleo Bonaparte (1851-1852) ele se pergunta se os camponeses podem ser considerados uma classe e a, ele faz a distino entre classe em si e classe para si: um grande nmero de pessoas no representa necessariamente uma classe social, mesmo que estas pessoas tenham a mesma atividade econmica, ou o mesmo gnero de vida. Na medida em que milhares de famlias camponesas vivem em condies econmicas que as separam umas das outras e opem o seu modo de vida, os seus interesses e a sua cultura aos das outras classes da sociedade, estes milhes constituem uma classe. Mas na medida em que existe entre os pequenos camponeses apenas uma ligao local e em que as similitudes de seus interesses no cria entre elas comunidade alguma, ligao nacional alguma, nem organizao poltica, eles no constituem uma classe. So, consequentemente, incapazes de fazer valer o seu interesse de classe em seu prprio nome. No podem representar-se, tm que ser representados (pg 403)

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    mais em dois campos hostis, em duas classes que se defrontam: a burguesia e o proletariado (26)

    Proletrios Capitalistas - fora de trabalho e a fora de trabalho dos seus filhos

    - Meios de produo: matria-prima/tecnologia/capital/fora de trabalho

    por isso que os homens so obrigados a entrar em relaes sociais independentes da sua vontade

    salrio Fora de trabalho S que estas duas classes, cada vez mais,

    estaro em profunda oposio

    Isto vem das prprias contradies do sistema capitalista: 1) Contradio entre foras e relaes de produo 2) Contradio entre o aumento da riqueza X misria

    crescente da maioria.

    1) Contradio entre foras e relaes de produo: As foras de produo (o que impulsiona o capitalismo: matrias primas, tecnologia, as instalaes) mudam muito rapidamente por causa da concorrncia, mas as relaes de produo (modo como a riqueza partilhada, as relaes de trabalho) mudam muito devagar:

    A burguesia no pode existir sem revolucionar constantemente os meios de produo e, por conseguinte, as relaes de produo, e com, elas, todas as relaes sociais. Ao contrrio, a conservao do antigo

    modo de produo constitua a primeira condio de existncia de todas as classes industriais anteriores (28, 29).

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    a concorrncia promove agitao:

    Suprimem-se todas as relaes fixas, cristalizadas (...) , todas as sociedades se tornam antiquadas antes mesmo de se consolidar. Tudo o

    que era slido se desmancha no ar, tudo o que era sagrado profanado, e por fim o homem obrigado a encarar com serenidade suas

    verdadeiras condies de vida e suas relaes com a espcie (28, 29)

    2) Contradio entre o aumento da riqueza X misria crescente da maioria.

    - Correlao entre lucro e explorao do proletrio: estas andam juntas, so indissociveis : Na mesma medida em que o capital se desenvolve, desenvolve-se tambm o proletariado, j que o capitalista precisa da fora de trabalho deste.

    - S que o que o trabalhador recebe na forma de salrio inferior durao efetiva do trabalho o salrio calculado em termos da sobrevivncia do trabalhador

    Esses trabalhadores que so obrigados a vender-se diariamente, so uma mercadoria, um artigo de comrcio,

    sujeitos, portanto, s vicissitudes da concorrncia, s flutuaes do mercado. Desse modo, o custo de produo de um operrio se reduz, quase completamente, aos meios de subsistncia de que ele necessita para manter a raa (32)

    - As tenses entre estas classes aumenta progressivamente. De incio, os proletrios esto alienados, j que mal tem tempo de dormir (jornadas de trabalho de mais de 14 hrs). Mas, medida em que a tenso aumenta, aos poucos ele vai se organizando como classe.

    - Base do capitalismo a busca do LUCRO. O lucro deve ser explicado pela conjugao de

    duas teorias: teoria do valor salrio + teoria da mais valia (O capital).

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    - Paralelamente a isso, a burguesia forja as armas de sua prpria destruio, pois

    A sociedade burguesa muito estreita para conter suas prprias riquezas (31)

    - Crises de super-produo. - Acontece ao capitalismo o mesmo que aconteceu ao feudalismo:

    Mas, numa dada poca dos meios de produo e troca, as condies sobre as quais a sociedade feudal produzia e

    trocava, as relaes feudais de propriedade mostravam-se incompatveis com as foras produtivas em pleno

    desenvolvimento. Transformaram-se em entraves e foram despedaadas

    Ocorre ante os nossos olhos um movimento semelhante. A moderna sociedade burguesa, com suas relaes de produo, de troca e de propriedade, assemelha-se ao FEITICEIRO que

    perdeu o controle dos poderes infernais que ps em movimento com suas palavras mgicas. H mais de uma

    dcada a histria da indstria e do comrcio , simplesmente, a histria da revolta das foras produtivas modernas contra as

    condies modernas de produo, contra as relaes de propriedade que condicionam a existncia da burguesia e o seu

    domnio (31)

    - Metfora do feiticeiro do filme Fantasia, de Walt Disney As armas com que a burguesia abateu o feudalismo voltam-se

    agora contra ela mesma. A burguesia, porm, no forjou apenas as armas que representam a sua morte; produziu tambm os homens

    que manejaro estas armas o operariado moderno- os proletrios (31)

    - Fases: conflito / luta de classes / Revoluo proletria. - O socialismo est em germe no prprio capitalismo.

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    - S possvel alterar as relaes de produo alterando-se o modo de produo Os conflitos da sociedade capitalista no podem ser resolvidos sem a extino do prprio sistema capitalista.

    - Estgios de desenvolvimento do proletariado: O proletariado passa por diferentes estgios de

    desenvolvimento. A partir de seu nascimento comea a luta contra a burguesia, No princpio, a luta assumida por

    trabalhadores individuais, depois, pelos operrios de uma mesma fbrica, a seguir, pelos operrios de um mesmo ramo da indstria, numa dada localidade, contra o burgus que o

    explora cotidianamente (34)

    Atacam no os condicionamentos burgueses da produo, mas os prprios meios de produo; destrem as mercadorias

    estrangeiras que lhe fazem concorrncia, quebram as mquinas, queimam as fbricas e procuram reconquistar a

    posio perdida com o feudalismo (34)

    - Mas nesta fase, eles constituem apenas uma massa dispersa. Com o desenvolvimento industrial, o proletariado no

    cresce somente em nmero, concentra-se em massas cada vez maiores, fortalece-se e toma conscincia disto. Os

    vrios interesses e as condies de existncia dos proletariados se igualam, medida em que a mquina

    aniquila todas as distines do trabalho, reduzindo todos os salrios a um nico nvel igualmente baixo (34)

    - Os trabalhadores formam unies: sindicatos contra os burgueses, a luta se transforma em motim. Mas eles s triunfam ocasionalmente:

    O verdadeiro resultado de suas lutas no o xito imediato, mas a reunio cada vez mais ampla dos

    trabalhadores (34).

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    Finalmente, nos perodos em que a luta se aproxima da hora decisiva, o processo de dissoluo da classe

    dominante e, de fato, de toda a sociedade, adquire um carter to violento que uma parte desta classe se desliga

    juntando-se classe revolucionria, aquela que tem o futuro em suas mos (35).

    De todas as classes que hoje se defrontam com a burguesia, apenas o proletariado uma classe realmente

    revolucionria (35).

    Todos os movimentos histricos precedentes foram movimentos minoritrios, ou em proveito de minorias. O

    movimento proletrio o movimento consciente e independente da imensa maioria, em proveito da maioria

    (36)

    proletariado cai no pauperismo. A burguesia incapaz de exercer o seu domnio porque no pode mais assegurar a existncia de seu escravo;

    O desenvolvimento da indstria moderna, portanto, abala a prpria base sobre a qual a burguesia

    assentou seu regime de produo e de apropriao. O que a burguesia produz principalmente so seus

    prprios coveiros. Sua queda e vitria do proletariado so igualmente inevitveis (37).

    Os comunistas no formam um partido parte, oposto aos outros partidos operrios.

    S se distinguem deste porque: a) nas lutas nacionais dos proletariados em todos os pases, os comunistas fazem valer os interesses comuns a todos; 2) representam os interesses do movimento em geral.

    As finalidades dos comunistas e dos proletrios so os mesmos: a) constituio dos proletrios em classe; b) derrubada da supremacia burguesa; c) conquista do poder poltico pelo proletariado.

  • Mirela Berger Karl Marx 9

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    As concluses tericas do comunismo so apenas a expresso geral das condies reais de uma luta de classes existente, de um movimento histrico que se desenvolve diante dos nossos olhos.

    Metas: Abolio da propriedade privada Abolio do modelo de indivduo burgus

    Abolio da famlia burguesa. Com a subida do proletrio ao poder, haveria uma mudana no ritmo da

    histria. Para Marx, o poder poltico nada mais do que a expresso dos

    conflitos sociais. O poder poltico o modo pelo qual a classe dominante, a classe exploradora, mantm seu domnio e sua explorao:

    Quando, no curso do desenvolvimento, desaparecerem todas as distines de classe, e toda a produo concentrar-se nas mos da associao de toda a nao, o poder pblico perder o seu carter

    poltico. O poder poltico propriamente dito o poder organizado de uma classe para oprimir a outra (46)

    Em lugar da antiga sociedade burguesa, com suas classes e antagonismos de classe, haver uma associao na qual o livre

    desenvolvimento de cada um a condio do livre desenvolvimento de todos (46)

    Proletrios de todo o mundo, uni-vos

  • Mirela Berger Karl Marx 10

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    O pensamento de Marx basicamente a interpretao do carter contraditrio da sociedade capitalista

    a explorao (e a luta de classes que dela resulta) inseparvel da

    estrutura fundamental do sistema capitalista o motor do desenvolvimento histrico

    demonstrar o carter antagnico do capitalismo leva a anunciar sua auto-destruio e, ao mesmo tempo, a incitar os homens a contribuir para a realizao deste destino j traado.

    A histria no faz nada, no possui nenhuma riqueza, ela no participa de nenhuma luta. Quem faz tudo isso, quem participa das

    lutas o homem, o homem real (A Sagrada Famlia)