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Análise espaço-temporal da pluma de sedimento causada pelos garimpos de ouro no Rio Tapajós: Uma abordagem óptica e de imagens de satélites 2010-2015*: Tese de Doutorado de Felipe de Lucia Lobo (bolsista CNPq) defendida na University of Victoria (Canadá) sob orientação da Dra. Maycira Costa em parceria com o INPE, representado pela Dra. Evlyn Novo. Email para contato: [email protected] Introdução A região do rio Tapajós vem se sendo alvo da exploração de ouro desde os anos 50. Motivadas pela alta do ouro e pelo incentivo governamental de ocupação e exploração dos minérios, as atividades se intensificaram nos anos 80 com consequências para o meio ambiente e populações locais ainda desconhecidas. A contaminação pelo mercúrio, usado na extração do ouro, chamou a atenção internacional, pelos efeitos danosos à cadeia trófica e consumidores de peixes (população ribeirinha e os próprios garimpeiros). Desde então inúmeros trabalhos avaliaram os índices de poluição por mercúrio, mas poucos se ativeram à degradação e poluição aquática pela introdução de sedimentos oriundos margens dos rios. Por ano toneladas de sedimento foram e ainda são despejados na rede de drenagem do rio Tapajós com consequências para o sistema aquático ainda são desconhecidas. Dessa forma, o principal objetivo desta Tese foi investigar a distribuição espacial e temporal da pluma de sedimento causada pela atividade garimpeira usando técnicas de sensoriamento remoto, e ainda, investigar possíveis impactos na produção primária de fitoplâncton devidos a redução de luz causada pela introdução de sedimento nos rios. Objetivos específicos: 1) Quantificar as mudanças no campo de luz dentro da água causadas pela introdução de sedimento oriundos de garimpos de ouro baseados em medidas ópticas e de qualidade da água (Sólidos em Suspensão, TSS) nos principais tributários do rio Tapajós. 2) Quantificar a concentração de TSS nos mesmos tributários a partir de imagens históricas do sistema de satélites Landsat com o intuito de estender as informações do objetivo 1 para o período entre 1973 e 2013. 3) Mapear a distribuição dos garimpos na região utilizando o mesmo conjunto de imagens do objetivo 2, e examinar o papel do avanço da atividade garimpeira na mudança da qualidade da água considerando as características geográficas como tipo de solo, proximidade à rede de drenagem. Figura 1: Esquema ilustrativo da pressuposição que motivou esse estudo. A introdução de sedimento nos rios pela atividade garimpeira reduz a penetração de luz na água, que por sua vez, pode atuar como fator limitante à produção primária de fitoplâncton (Objetivo 1). Figura 2: Área de estudo na região do rio Tapajós localizada no oeste do estado do Pará. Quatro subbacias sujeitas a diferentes intensidades de mineração foram analisadas: Crepori, Novo e Tocantinzinho (impactadas) e Jamanxim (nãoimpactada). Área de Estudo Base de dados Para atingir os objetivos específicos, duas campanhas de campo foram efetuadas (uma na estação cheia e outra na estação seca) para coletar informações in situ sobre qualidade da água (TSS, CHla ), radiometria e dados ópticos inerentes aos corpos d`água sujeitos à mineração de ouro. Além disso, um conjunto de imagens de satélite Landsat foi calibrado para se recuperar informações sobre a qualidade da água, mais especificamente, concentração de TSS: Objetivo Específico Base de dados Objetivo 1: Campo de luz dentro da água Trabalho de campo (estação cheia e seca) - Propriedades ópticas - Biogeoquímica Objetivo 2: Imagens de satélite e turbidez da água Trabalho de campo (estação cheia e seca) - Propriedades ópticas - Biogeoquímica Imagens de satélite histórica (1973 2012) Objetivo 3: Área de garimpo e turbidez da água Fotos aéreas: Mapeamento de garimpos em 2012 e validação Imagens de satellite para cobertura do solo Dados secundários de bases de dados federais * Pesquisa financiada pelo CNPq (bolsa de Doutorado, 237930/20129). Suporte financeiro da FAPESP (processo n. 2011/235948) para as campanhas de campo. Suporte da UVic (University of Victoria) e do NSERC (Canadá) para as análises de laboratório. Suporte logístico do ICMBioItaituba nas campanhas de campo.

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Page 1: Análise espaço-temporal da pluma de sedimento causada ... · Análise espaço-temporal da pluma de sedimento ... incentivo! governamental! de! ocupação e! exploração dos!

Análise espaço-temporal da pluma de sedimento causada pelos garimpos de ouro no Rio Tapajós:

Uma abordagem óptica e de imagens de satélites 2010-2015*: Tese de Doutorado de Felipe de Lucia Lobo (bolsista CNPq) defendida na University of Victoria (Canadá) sob orientação da

Dra. Maycira Costa em parceria com o INPE, representado pela Dra. Evlyn Novo. Email para contato: [email protected]

Introdução    A  região  do  rio  Tapajós  vem  se  sendo  alvo  da  exploração  de  ouro  desde  os  anos  50.  Motivadas  pela  alta  do  ouro  e    pelo  incentivo   governamental   de   ocupação   e   exploração   dos  minérios,   as   atividades   se   intensificaram   nos   anos   80   com  consequências   para   o   meio   ambiente   e   populações   locais  ainda   desconhecidas.   A   contaminação  pelo  mercúrio,   usado  na  extração  do  ouro,   chamou  a  atenção   internacional,  pelos  efeitos   danosos   à   cadeia   trófica   e   consumidores   de   peixes  (população   ribeirinha   e   os   próprios   garimpeiros).   Desde  então   inúmeros   trabalhos   avaliaram   os   índices   de   poluição  por   mercúrio,   mas   poucos   se   ativeram   à   degradação   e  poluição   aquática   pela   introdução   de   sedimentos   oriundos  margens   dos   rios.   Por   ano   toneladas   de   sedimento   foram  e  ainda   são   despejados   na   rede   de   drenagem   do   rio   Tapajós  com   consequências   para   o   sistema   aquático   ainda   são  desconhecidas.  Dessa  forma,  o  principal  objetivo  desta  Tese  foi   investigar  a  distribuição   espacial   e   temporal   da   pluma   de   sedimento  causada   pela   atividade   garimpeira   usando   técnicas   de  sensoriamento   remoto,   e   ainda,   investigar   possíveis  impactos   na   produção   primária   de   fitoplâncton   devidos   a  redução   de   luz   causada   pela   introdução   de   sedimento   nos  rios.    Objetivos  específicos:    1)  Quantificar  as  mudanças  no  campo  de  luz  dentro  da  água  causadas     pela   introdução   de   sedimento   oriundos   de  garimpos   de   ouro   baseados   em   medidas   ópticas   e   de  qualidade   da   água   (Sólidos   em   Suspensão,   TSS)   nos  principais  tributários  do  rio  Tapajós.    2)  Quantificar  a  concentração  de  TSS  nos  mesmos  tributários  a   partir   de   imagens   históricas   do   sistema   de   satélites  Landsat   com   o   intuito   de   estender   as   informações   do  objetivo  1  para  o  período  entre  1973  e  2013.    3)  Mapear  a  distribuição  dos  garimpos  na  região  utilizando  o  mesmo   conjunto   de   imagens     do   objetivo   2,   e   examinar   o  papel   do   avanço   da   atividade   garimpeira   na   mudança   da  qualidade   da   água     considerando   as   características  geográficas   como   tipo   de   solo,   proximidade   à   rede   de  drenagem.  

Figura   1:   Esquema   ilustrativo   da   pressuposição   que  motivou   esse  estudo.   A   introdução   de   sedimento   nos   rios   pela   atividade  garimpeira   reduz   a   penetração   de   luz   na   água,   que   por   sua   vez,  pode   atuar   como   fator   limitante   à   produção   primária   de  fitoplâncton  (Objetivo  1).  

Figura  2:  Área  de  estudo  na  região  do  rio  Tapajós   localizada  no  oeste  do  estado   do   Pará.   Quatro   sub-­‐bacias   sujeitas   a   diferentes   intensidades   de  mineração  foram  analisadas:  Crepori,  Novo  e  Tocantinzinho  (impactadas)  e  Jamanxim  (não-­‐impactada).    

Área  de  Estudo  

Base  de  dados    Para  atingir  os  objetivos  específicos,  duas   campanhas  de  campo  foram  efetuadas  (uma  na  estação  cheia  e  outra  na  estação  seca)  para   coletar   informações   in   situ   sobre   qualidade   da   água   (TSS,  CHl-­‐a  ),  radiometria  e  dados  ópticos  inerentes  aos  corpos  d`água  sujeitos   à   mineração   de   ouro.   Além   disso,   um   conjunto   de  imagens   de   satélite   Landsat   foi   calibrado   para   se   recuperar  informações   sobre   a   qualidade   da   água,   mais   especificamente,  concentração  de  TSS:  Objetivo  Específico   Base  de  dados  

 Objetivo  1:  Campo  de  luz  dentro  da  água  

 

• Trabalho  de  campo                                                                                                  (estação  cheia  e  seca)  - Propriedades  ópticas  - Biogeoquímica  

 Objetivo  2:  Imagens  de  satélite  e  turbidez  da  

água    

• Trabalho  de  campo                                                                                                  (estação  cheia  e  seca)  - Propriedades  ópticas  - Biogeoquímica  

• Imagens  de  satélite  histórica  (1973-­‐2012)  

 Objetivo  3:  Área  de  garimpo  e  turbidez  da  

água    

• Fotos  aéreas:  Mapeamento  de  garimpos  em  2012  e  validação  

• Imagens  de  satellite  para  cobertura  do  solo  

• Dados  secundários  de  bases  de  dados  federais    

 *  Pesquisa  financiada  pelo  CNPq  (bolsa  de  Doutorado,  237930/2012-­‐9).  Suporte  financeiro  da  FAPESP  (processo  n.  2011/23594-­‐8)  para  as  campanhas  de  campo.  Suporte  da  UVic  (University  of  Victoria)  e  do  NSERC  (Canadá)  para  as  análises  de  laboratório.  Suporte  logístico  do  ICMBio-­‐Itaituba  nas  campanhas  de  campo.      

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3.  Mapeamento  dos  garimpos  e  concentração  de  TSS  O   mesmo   conjunto   de   imagens   Landsat   utilizado   para   a  estimativa  de  TSS  na  água  foi  utilizado  para  o  mapeamento  da  área   total   de  garimpos   nas  quatro   sub-­‐bacias   citadas  (Jamanxim,  Novo,   Crepori   e  Tocantins)   em   5  datas   distintas:  1973,   1984,  1993,   2001,   e  2012.  

Em   geral,     a  

expansão   dos  garimpos   na  região   está  altamente  relacionada  com  os  ciclos  do  ouro.  Durante  o  início  da  primeira  corrida  ao  ouro,  em  1973,  um  total  de  16  km2  foi  quantificado.  Uma  grande  expansão  foi  observada  entre  1984  e   1993,   quando   a   área   total   de   garimpos   nas   sub-­‐bacias  analisadas   alcançou   66   e   161   km2,   respectivamente.   Nos   10  anos   seguintes,   pouca   expansão   foi   observada   devido  principalmente  à  crise  na  extração  do  ouro  condicionada  pela  baixa  do  ouro  no  mercado.  Recentemente,  com  a  elevação  do  preço  do  ouro,  uma  nova  corrida  tem  se  observado.  Os  valores  em  2001  (177  km2)  aumentaram  para  261  km2.    

Considerando   que   o   despejo   de   sedimento   derivado   do  garimpo  aos  rios  depende  não  só  da  produção  do  ouro  em  si,  mas   também  das   técnicas  de  mineração,   proximidade   à   rede  de   drenagem,   e   fatores   sócioeconomicos,     pudemos   definir  basicamente  quatro  períodos  do  ciclo  do  ouro  na  região  com  consequências   diretas   à   qualidade   da   água   nos   principais  tributários:    

• 1958  –  1977:  Início  das  atividades  garimpeiras,  técnicas  manuais  pouco  eficientes,  baixo  impacto  nas  águas.  

• 1978  –  1993:    Expansão  e  intensificação  dos  garimpos  devido  à  alta  do  ouro,  mecanização  da  lavra,e  impacto  direto  na  qualidade  da  água  com  altas  concentrações  de  TSS.  

• 1994  –  2003:  Período  de  recessão  dos  garimpos  pela  queda  do  preço  do  ouro,  recuperação  da  qualidade  da  água  com  redução  nos  valores  de  TSS.  

• 2004  até  hoje:  Recuperação  das  atividades  garimpeiras  motivada  pela  alta  do  ouro,  alta  mecanização.  (semi  industrial)  e  aumento  da  concentração  de  TSS.  

 

 

Resultados  &  Conclusões    1.  Redução  da  zona  eufótica  Como   resultado   da   avaliação   do   campo   de   luz   em   tributários  com   diferentes   intensidades   de   atividade   garimpeira,  

observamos   que   os  rios   apresentaram  concentrações   de  TSS   variando   entre  0,3  e  111,3  mg/L.  A  introdução   de   TSS  na   água   causa   a  redução   na  penetração   da   luz.  Em   corpos   d`água  sem   o   rejeito   de  sedimento   a   zona  eufótica   (coluna   de  água   em  que  há   luz  suficiente   para   a  produção   primária)  foi   de   6,2   m.   Essa  zona   eufótica   é  

drasticamente  reduzida   para   1,2m   em   tributários   com   mais   de   100   mg/l.   O  efeito   dessa   redução   da   luz   na   composição   fitoplanctônica   não  foi   verificado,   devido   a   alguns   motivos   como   ausência   de  amostras   suficientes   e     reduzida  produção  primária   em  rios  de  alta  vazão  (minerados  e  não-­‐minerados).  Além  disso,  observou-­‐se   que   com   o   aumento   de   TSS   a   luz   disponível   se   concentra  principalmente   na   região   espectral   do   vermelho.   Já   em   águas  mais   limpas   há   uma   distribuição   da   luz   mais   homogênea   ao  longo  do  espectro  eletromagnético.    2.  Variação  sazonal  e  interanual  de  TSS  As   concentrações   de   TSS   foram   comparadas   em   4   sub-­‐bacias  sendo   uma   (Jamanxim)   sujeita   a   pouca   atividade   garimpeira,   e  três   sub-­‐bacias   (Crepori,   Novo   e   Tocantins)   altamente  garimpadas.    

De  acordo  com  os  dados  de  campo  e  das  imagens  de  satélite,  oberva-­‐se  que  durante  a  estação  seca  (set)  os  níveis  de  TSS  são  maiores  do  que  os  valores  da  estação  cheia   (abr)  para   todas  as  amostras   sujeitas   aos   rejeitos   dos   garimpos.   Isso   pode   ser  atribuído   ao   aumento   da   atividade   garimpeira   durante   a   fase  seca   por   maior   facilidade   de   acesso,   combinado   com   o   menor  volume  de  água  em  comparação  ao  período  de  cheia.    

Além   disso,   observa-­‐se   que   as   concentrações   de   TSS   eram  baixas  (~5.5  mg/l)  nos  anos  1970.  Entretanto,  elevados  valores  de  TSS     (>  250  mg/l)   foram  estimados  entre  1988  e  1994.  Nos  anos   seguintes,   houve   uma  diminuição   da   pluma  de   sedimento  no   rio   Tapajós.     A   partir   de   2005,   altos   valores   de   TSS   foram  estimados  nos  rios  (~110  mg/l).    

Publicações  LOBO,   FELIPE   L.   ;   COSTA,   MAYCIRA   P.F.   ;   NOVO,   EVLYN   M.L.M.   .  Time-­‐series   analysis   of   Landsat-­‐MSS/TM/OLI   images   over  Amazonian   waters   impacted   by   gold   mining   activities.   Remote  Sensing  of  Environment,  v.  157,  p.  170-­‐184,  2014.  

Figura   3:   Profundidade   (Zm)   em   que   a   luz  atinge  1%  da   luz   incidente   (Eo  1%)   ao   longo  do   espectro   eletromagnético   para   classes   de  TSS  variando  de  0  a  110  mg/l.      

Figura  6:  Gráfico  com  variação  de  TSS  (eixo  esquerdo)  em  dois  tributários   (Crepori   e   Tocantins),   produção   e   preço   do   ouro  (eixo  direito  )    em  função  do  tempo.    

Figura   5:   Quantificação   das   áreas   de  garimpos   em   4   sub-­‐bacias   emntre   1973   e  2012.    

Figura  4:  Estimativa  de  TSS  ao  longo  do  Rio  Tapajós  em  1973,  1984,  1993,  2001,  e  2012.