análise econômica e economia política

9

Upload: julia-capobiango

Post on 17-Jul-2015

99 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Análise econômica e economia política

5/14/2018 An lise econ mica e economia pol tica - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/analise-economica-e-economia-politica 1/9

ANALISE ECONOMICA E ECONOMIA POLiTICACarlos Lessa *

Introducao

Vamos abordar 0problema do ensino de economia. Nao tern muito sentido relacionar os

velhos problemas: falta de verbas, falta de professores, professores que nao tern tempo

integral, alunos que nao tern dedicacao exclusiva, etc. Vou tentar discutir com voces 0 tema

sob urn segundo angulo, 0problema substantivo de qual 0 conteudo possivel, ou qual dos

conteudos podem ser propostos a formacao do economista. E parece que nossa profissao

esta marcada por pelo menos dois seculos de urn debate que ate hoje nao se resolveu: qual eo objeto proprio de reflexao em economia.

Na verdade, existem dois objetos de possivel proposicao e cada urn desses objetos de

conhecimento apresenta implicacces com respeito ao angulo de abordagem e modo de tratar

os temas completamente distintas. A primeira vista, os dois objetos nao sao tao discrepantes

assim. Urn primeiro objeto com que todos os alunos do primeiro ana do curso de economia

tomam contato e dizer que a meta basica de reflexao do economista e estudar todos os

fenomenos relacionados com a escassez material; entao, 0 fato economico se caracterizaria

pela presenca de uma escassez relativa. Ar e agua nao sao problemas economicos porque

nao sao escassos; como tudo mais e escasso, tudo 0mais pertence ao terreno da economia.

Eles dizem que a escassez esta diretamente relacionada com outro conceito, que e 0

conceito de opcao. Entao, 0 estudo do economista e de como realizar opcoes segundo

criterios. Eu chamei isto de objeto numero urn, ou objeto de ana li se economica .

Agora, numa outra perspectiva se propoe como objeto proprio da reflexao do economista 0

estudo das leis sociais que regem os processos de producao e reparticao dos bens e services.

Dito de outra maneira, todas as sociedades organizadas, desde a neolitica inferior ate a

sociedade do seculo XX, de alguma maneira se organizaram para realizar os atos

necessaries para a producao e reparticao das coisas que sao produzidas e, 0 modo como

estas sociedades se organizaram para resolver 0problema da producao e reparticao, seria 0

que nos vamos chamar aqui de objeto numero dois de reflexao do economista, ou objeto da

economia po li ti ca .

Vou tentar trabalhar com essas duas definicoes com 0 proposito basico de mostrar que 0

matrimonio delas e , ate certo ponto, impossivel. Assim, na medida em que a formacao do

economista se orienta, ou 0 economista opta, pelo caminho da analise economica, isto

irnplica em uma determinada visao de mundo que nao e possivel integrar com a da segunda

rota, a economia politica. A evolucao do pensamento economico coloca a enfase ora num,

ora noutro objeto, e 0 fato de por enfase num ou noutro objeto reflete urn momento do

processo social que os sistema economicos e sociais estao atravessando .

• Economista; Aula Magna proferida no Departamento de Economia da Unicamp - Outubro, 1972.

Page 2: Análise econômica e economia política

5/14/2018 An lise econ mica e economia pol tica - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/analise-economica-e-economia-politica 2/9

A p rim e ira vista , pod e-se diz er qu e nao p arece q ue h aja ta nta discrepan cia en tre o s ob jeto s.

A fin al d e c on ta s, e verdad eiro qu e toda s as so cieda des organ izadas produ zem e repartemb en s, c omo e verdad eiro que em to da sociedad e o rga nizad a hie sc as se z d ele s. Enta o,

alguem poderia dizer que se tratam de duas m anifestacoes sim ultaneas, e a escolha de urn

ou outro objeto de reflexao nao deve gerar conclusoes diam etralm ente opostas ou, pelo

meno s, n ao compati ve is ,

Nao e a ssim , e ntre ta nto , em p rim eiro lu ga r p or c ara cte ris tic as n ota damente meto do lo gic as ,

R eparem bern: quando nos definim os que 0 obje to d o conhe cimento e de ana li se

econom ica, ou seja, estudo da escassez e da opcao, a urn alto nivel de abstracao a escassez

se m an ifesta num a socied ade d e co leto res prim itivo s, n os im pe rio s classicos, n a eco nomia

feud al, n o inicio d o capitalism o m ercan til, acom pan hou a revolucao ind ustrial, a ssistiu a

aparicao da sociedade capitalista num a etapa m adura, e tam bem esta presente num asociedade socialista. D ito de outra m aneira, a escassez e urn dado a p rime ir a v is ta a-

historico. E ntao, a co nstrucao teo ric a a partir desse co nceito perm itiria o u prop oria aeconomia 0 carater d e u rn a ciencia que em sua propo sicao prim eira se ria a-h isto rica . D ito

de ou tra fo rm a, a cien cia econ om ica p oderia se preten der un iversal e atem po ral. B asea da

num ob jeto de conh ecim ento inicial, 0 estudo do fenom eno da escassez, a econom ia

elab oraria urn sistem a de p rop osico es teoricas ap licav eis em q ualq uer so ciedad e d e

qualquer epoca, U rn ou outro tenno dessa equacao poderia se m odificar a partir de

a pro xim ac oe s d o mod ele a na litic o a situ acao co ncreta, m as os COlpOS te6 ricos seriam a-

hist6ricos.

A gora, quando se trabalha com 0 segu ndo ob jeto de con hecim en to, a econ om ia p olitica, eabsolutam ente evidente que toda e qualquer construcao nesse nivel sem pre dira respeito a

urn tem po historico definido, a um a determ inada form acao social. A s leis que regem a

pro duc ao e a rep articao numa econ om ia m edieval sao to talm en te diferentes daq uelas

presentes nurna econom ia socialista, e assim por diante. A s leis da econom ia politica tern

vigencia definida no espayo e no tem po. N a perspectiva da econom ia politica, a econom ia

nao p ode ria preten der con stru ir teo rias universais, abrang entes de to dos o s tem pos e tod os

o s luga re s.

Analise Econdmica

Uma segunda diferenca vern da exigencia do proprio objeto do conhecim ento. R eparembern: analise econom ica, O s senhores todos tern curso de analise econom ica - analise m icro-

econ om ica: an alise m icro e de pois aplicacoes especificas de con stru coes analitica s. Q ue

qu er dizer an alisar? A nalise qu im ica significa pe gar um a sub stancia e fracion a-la em seu s

e lemen to s con st itu in te s. Qu alq ue r p ro cediment o ana liti co e uma o pe ra ca o d e p artic ao :

tom a-se urn todo e parte-se para se obter um a colecao de partes.

Eu YOU usar urn exem plo para ilustrar um a operacao analitica, com um objeto de analise

aparentem ente m uito grosseiro - um a vaca. R eparem bern, nos nao vam os analisar a vaca

2

Page 3: Análise econômica e economia política

5/14/2018 An lise econ mica e economia pol tica - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/analise-economica-e-economia-politica 3/9

em geral, nos vamos tomar uma determinada vaca, nascida em data e lugar especificos.

Tomem esta vaca, por exemplo, a Madalena, e vamos analisa-la. Agora vamos coloca-la na

mao de dois analistas: 0primeiro analista e urn acougueiro. 0 que e que ele vai fazer com avaca? Vai mata-la. Retira a came de primeira, a carne de segunda, a came de terceira, retira

as visceras, 0 couro, etc., ou seja, desmembra aquele todo em uma cole cao de partes. Agora,

se essa mesma vaca tivesse de ser partida por outro analista, 0 professor da escola de

Veterinaria, 0 que ele faria? Ele vai utilizar a vaca para uma demonstracao de anatomia,

logo, mat a a vaca da mesma mane ira. Mas a partir dai, vai desmembra-la com criterios

distintos: primeiro, 0 sistema neuro-vegetative; depois, 0 subsistema circulatorio; etc. no

final, teria uma outra colecao de partes.

Em primeiro lugar, qual e 0 denominador comum dos dois analistas? Ambos assassinaram

·0 todo. Segundo dado comum as duas situacoes: e impossivel reconstruir Madalena a partir

das duas colecoes de partes. 0 que aconteceu? 0 primeiro analista,0

acougueiro, e0

segundo analista, 0 professor de anatomia, ao desmembrar a vaca obtiveram nao elementos,

mas partes, que sao os elementos sem as conexoes com as demais e com 0 todo. Mas 0 que

diferencia urn analista do outro e que 0primeiro tem criterios de particao que sao diferentes

do criterio de particao do segundo. Generalizando mais, poderiamos dizer que existem

in fin itas co lecoes de partes obtidas a partir de ur n todo - Madalena. Entao, toda analise

economics e uma operacao de particao, so que nao parte de um objeto fisico, mas sim de

ideias. Quais sao as ideias? Producao, equilibrio geral, sistema economico, e estas ideias, 0

analista em economia parte e obtem uma colecao de partes. So que, como neste caso, a

operacao de analise se da com urn objeto ideal, 0 que obtem sao conceitos. Mas os objetos

colocados sob a analise economica admitem da mesma manei ra inf in itos modos de particao.

Entao, primeira coisa importante: admite infinitos modos de particao. Dizer isso e dizer queexistem criterios implicitos ou explicitos por tras dos conjuntos de conceitos economicos.

A armadilha do Crlterio de Particao

Dependendo dos criterios escolhidos teremos uma determinada colecao de conceitos e,

dependendo dos conceitos que tomarmos, poderemos demonstrar qualquer coisa. Atraves

da analise economica, e possivel simultaneamente demonstrar A e nao-A, dependendo da

colecao de conceitos que nos escolhermos. Apenas para efeito de exemplificacao, vamos

ilustrar a primeira grande armadilha dos procedimentos analiticos, a armadilha do criterio

de particao.

Reparem bem, M uma tese bastante difundida que diz "nao e possivel compatibilizar 0

objetivo de maximo crescimento economico com 0objetivo de melhor justica social". Por

que? Porque se admite que 0 crescimento se da em funcao da taxa de investimento, esta efuncao da oferta de poupanca e se sup5e que os grupos de mais alta renda poupam mais que

os grupos de mais baixa renda, Para nao sacrificar a taxa de investimento, e necessario que

haja uma alta desigualdade na reparticao da renda. Melhor reparticao de renda, mais

reduzida a taxa de crescimento; mais alto 0 ritmo de crescimento, pior distribuicao da

renda. Esta e a tese A. Agora vem nao-A. Vamos supor 0 seguinte: os bens se classificam

3

Page 4: Análise econômica e economia política

5/14/2018 An lise econ mica e economia pol tica - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/analise-economica-e-economia-politica 4/9

em duraveis e nao-duraveis, Os primeiros sao acumulados, os segundos sao desfrutados,

Agora, uma geladeira e acumulada assim como urn trator, mas ha uma diferenca

fundamental entre a geladeira e 0 trator. Com a geladeira, a acumulacao e improdutiva,enquanto que com 0 trator e produtiva. Se nos tomamos a estrutura de consumo, as grupos

de baixas rendas consomem a totalidade de suas r enda s, po rem 0 grosse do seu consumo eformado de bens nao duraveis. Na medida em que subimos na escala de reparticao de renda,

os grupos superiores sao consumidores de bens duraveis, Dito de outra maneira, os grupos

que fazem acumulacao improdutiva sao os grupos de altas rendas. Quanto mais alta a renda,

mais que proporcional cresce a acumulacao improdutiva por estrato de renda. Se uma

economia tern uma determinada capacidade de producao, esta capacidade de producao pode

ter ou nao uso alternativo. Por exemplo, a capacidade de produzir alimentos nao teria uso

alternativo, ou produz alimentos ou entao nao pode ser desviada para a producao de bens

duraveis. Mas uma industria de automoveis pode produzir automoveis ou caminhoes, pode

produzir bens para uma acumulacao improdutiva ou produtiva. A industria da construcao

civil pode fazer mais urn edificio de apartamentos (acumulacao improdutiva) ou mais urn

edificio industrial (acumulacao produtiva). A industria de eletrodomesticos pode produzir

geladeiras ou instalacoes eletricas.

Se a economia pretende crescer a maior taxa possivel deve forcar a maxima acumulacao;

mas que acumulacao? Acumulacao produtiva. Quais sao os grupos que realizam

acumulacao improdutiva? Os grupos de alta renda. Entao, quanta mais anormal a reparticao

da renda, maior sera a acumulacao improdutiva, menor sera 0 crescimento. Demonstrado

nao-A,

Reparem bern, na primeira peca nos demonstramos que melhor justica era incompativel

com maior crescimento e na segunda, que maior justica e compativel com maior

crescimento. Dependendo de que? No prirneiro caso, nos trabalhamos com categorias

keynesianas - consumo e poupanca. Com isso se demonstrou a tese A. Trabalhando com

conceitos de acumulacao produtiva e acumulacao improdutiva se demonstra nao-A.

Houve um grego que disse 0 seguinte: me deem uma alavanca e urn ponto de apoio que eu

desloco 0mundo. Com a teoria economica acontece 0 seguinte: deem-me a possibilidade de

manter oculto meu criterio de particao que eu demonstro qualquer coisa.

Nivel de Abstraeao

o segundo problema que ocorre no procedimento analitico diz respeito ao chamado nivel

de abstracao. Vamos tentar simular que 0pessoal fez vestibular e optou por economia. Vao

ter a primeira aula de economia, bem animados porque finalmente vao travar contato com a

ciencia e a primeira aula e uma aula de motivacao. 0 mestre diz que a economia dispoe de

leis e que vai comecar apresentando aos alunos uma lei apenas a titulo de exemplo: a lei da

demanda, que diz que a quantidade demandada varia inversamente ao preco. Entao escreve

uma relacao proporcional no quadro, na qual a variavel dependente e a quantidadedemandada e a variavel independente e 0 prevo. Traca as curvas e eis que a turma trava

4

Page 5: Análise econômica e economia política

5/14/2018 An lise econ mica e economia pol tica - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/analise-economica-e-economia-politica 5/9

contato com a ciencia. Entao, esse mestre vai procurar trazer a turma ao processo de criacao

intelectual. Pergunta: voces concordam com essa relacao funcional? B e uma funcao fqualquer do prevO, e vamos supor que ele vai querer discutir a funcao demanda debicicletas, Ele diz que a demanda de bicicletas varia inversamente ao preco da bicicleta,

Pergunta se concordam com isso. Mas ai urn aluno levanta 0dedo e fala: a quantidade de

bicicletas nao depende tambem de preco de outras coisas? 0 mestre atento escreve uma

segunda relacao funcional, tendo como variavel dependente a quanti dade demandada e

como variavel independente 0preco das bicicletas e os das n-J outras coisas. Ele continua

fazendo perguntas a turma. Outro fala que depende da renda. Escreve uma terceira relacao

funcional. Ai, e urn festival: surgem mais variaveis independentes. A funcao demanda se

toma mais sofisticada a cada uma destas novas relacoes. Neste momento, 0mestre se

encontra nurn estado de exaltacao porque a turma e formada de genies, e os alunostremendamente gratificados por saberem nao so que a economia e ciencia, mas tambem que

estao contribuindo para fazer ciencia. Ai, urn espirito de porco levanta 0 dedo e conta urn

caso que ocorreu na sua cidade: urn velhinho, que e amigo da turma da praca, ganhou na

loteria esportiva e presenteou os garotos da praya com bicicletas, 0que aumentou a

demanda de bicicletas. Isto e uma variavel funcional; seria uma variavel aleatoriaintroduzida dentro do modelo. Reparem so: entre aquela esqualida funcao demanda,

definida sob condicoes ceteris paribus, ate a ultima, que incorporou uma variavel aleatoria,

o que aconteceu? 0 nivel da abstracao veio baixando a cada nova variavel introduzida na

relacao funcional. 0 mestre tentou se acercar do real, 0 que nunca aconteceu; caso

acontecesse, ele teria urna funcao demanda com infinitas variaveis,

Entao, deixando de lado 0problema do criterio da analise, ha urn segundo problema: todas

as construcoes analiticas estao a um determinado nivel de abstracao, e urn dado nivel de

abstracao nao pode ser operacionalizado num nivel diferente. Se operacionalizado em

niveis diferentes, conduz a desenfoques. A que nivel as construcoes analiticas podem ser

operacionalizadas? S o num mundo ideal, com as abstracoes que 0 economista faz. Dito de

outra maneira, as relacoes funcionais que nos podemos construir com a analise economica

so sao validas em relacao a urn universo ideal.

Como e que nos caminhamos na analise economica? Em primeiro lugar, fazemos abstracao

da historia; em segundo, fazemos abstracao das relacoes sociais; em terceiro lugar,

abstracao da estrutura de poder; depois, abstracao do espaco, que incomoda urn pouco.

Entao, eliminados espaco e tempo, comecamos a pensar. Mas eliminados por que?

Eliminados porque e um procedimento analitico e todo procedimento analitico e

necessariamente urn processo de particao.

A Logica Formal

o que esta por tras de toda Iogica utilizada pela analise economica, que e fundamentalmente

a logica formal? Reparem bern, como e que nos construimos 0 conhecimento em analise

economica? Em primeiro lugar, nos admitimos conceitos, e os conceitos tern 0 problema

que chamei a criteria de partidio, Em segundo lugar, quais sao as caracteristicas do

5

Page 6: Análise econômica e economia política

5/14/2018 An lise econ mica e economia pol tica - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/analise-economica-e-economia-politica 6/9

conceito? Este conceito tern uma serie de propriedades. A primeira e a chamada

propriedade tantologica, identidade do ser eonsigo mesmo. Isso foi a gloria de Parmenides

2.000 anos antes de Cristo, e fundamentahnente, quer dizer que0

conceito e igual a suadefinicao.

A e igual a A. Em segundo lugar, afirma-se em relacao ao coneeito que ele e ou nao e , naoexiste uma terceira possibilidade; e 0principio do terceiro excluido. Ao fazer isso, 0 que eque oeorre? Nos vamos substituindo run proeesso social vivo, cheio de interrelacoes, por

urna bateria de conceitos. Tendo isso, vamos teorizar. 0que e teorizar numa perspectiva de

analise economica? E estabelecer relacoes funcionais de comportamento pelo qual

determinada variavel tern 0 seu comportamento justificado por outra. Isto e, estabelecer

relacoes de causalidade entre variaveis economicas. Voce coloca que a variavel dependente

tem 0 seu comportamento como urn efeito da variavel independente. Quando voce encontra

urna articulacao deste ripo, voce diz que faz teoria.

Reparem bem, esta teoria esta toda construida a partir do principio de causalidade. Esse

principio e um dos mais tramposos enganos que existem, conduz a armadilhas tremendas. A

essa altura voces dido; se as construcoes analiticas tern tao graves limitacoes de carater

metodologico, por que sao utilizadas? Em primeiro lugar, porque ela e a logica da infancia(sic). Em toda construcao intelectual, a primeira coisa que nos fazemos e utilizarlinguagem. Toda e qualquer linguagem e construida de conceitos, ou seja, todo processo de

comunicacao e dependente num primeiro momenta de conceitos. Nesse sentido e urnprimeiro pas so indispensavel ao problema da especulacao. Mas e urn passo extremamente

limitado, porque toda construcao analitica esta vulneravel a estas e outras mazelas, Temos

poueo tempo, e na verdade diseutir as limitacoes da analise e tema que ocupa muitas horas,mas mesmo assim voces ja devem ter visto as limitacoes que tern 0procedimento analitico.

Entretanto, e necessariamente utilizado. Agora, se 0 economista receber apenas analise

economica e toda a sua formacao se repousar em transmissao e recepcao de construcoes

analiticas, ele vai, muito provavelrnente, ficar equipado com uma logica que desconhece as

dimensoes mais pertinentes e mais inerentes ao proprio fenomeno que ele se propoe a

enfrentar. ele vai ser detentor intelectual da maior arquitetura de logica formal que 0

homem construiu depois de Sao Tomas de Aquino. Mas essa imensa construcao intelectual

e uma construcao que elirnina as dimensoes mais significativas que presidem os processo

sociais, do qual 0 economico e um dos niveis sem duvida nenhuma (sic) dorninantes.

Economia Politica

E na perspectiva da economia politica, 0 que acontece? Quando a economia politica sepropoe a fazer urn estudo das leis sociais de producao e reparticao, ela de saida reconhece a

historicidade do seu campo de reflexao. Dizendo isso, ao mesmo tempo ela esta admitindo

que vai tratar com 0 objeto que e uma totalidade, mas que mais que uma totalidade, e umatotalidade em mutacao. Tern que enfrentar 0 fenomeno de explorar, apreender 0processo de

transformacao das coisas. 0unico instrumento logico disponivel para isso ate hoje e a

chamada dialetica.

6

Page 7: Análise econômica e economia política

5/14/2018 An lise econ mica e economia pol tica - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/analise-economica-e-economia-politica 7/9

Dito de outra forma, eleger 0 objeto da economia politica significa imediatamente, em

tennos metodologicos, ir it dialetica, Mas acontece que a dialetica entra ern confronto direto

com as hipoteses da logica formal, porque toda a logica formal estabelece uma ditadura deconceitos, que sao seres que tern precedencia a tudo mais. 0 movimento, em tennos de

logica formal, e explicado por uma primazia de seres que sao os conceitos articulados em

uma relacao funcional que explica as variacoes, Numa perspectiva dialetica, admite-se

exatamente 0 inverso. Primeiro, 0 dado maior e 0 existente em transformacoes e e este"existente em transformacoes" que, por uma codificacao tecnica, voce lanca mao de

detenninados conceitos para poder aborda-lo. Entretanto, pode-se dizer que pensar 0 todo

em todas suas implicacoes e evidentemente uma proposta megalomana, nao executada por

ninguern ate hoje, Pensar a totalidade em todas suas implicacoes e uma propostaimpossivel.

Entao, qual

e0 procedimento possivel para tentar chegar, corn todas as limitacoes, a esse

nivel? E fazer a operacao inversa da operacao de analise, que e a operacao da critica. A

palavra critica esta cheia de conotacoes defectivas. Criticar e usado como "falar mal de".Mas 0 sentido preciso da palavra critica e reconstruir as ligacoes que tern uma parte com 0

todo em que ela esta inserida; e a tentativa de, partindo de conceitos que sao entidades

mortas, tentar reconstituir as conexoes que esses conceitos mantem com os demais. E

sempre possivel, na formacao do economista, em paralelo it necessaria disciplina de analise

economica, realizar urn esforco de abertura critica. Agora, e evidente que e rnuitas vezesdificil e muitas vezes nao e feito, e na medida em que nao e feito surge sempre a tenenciade nossa parte de imaginar que deve existir algum outro conjunto do conhecimento,

articulado de uma outra forma, que seja 0 substituto ou que cubra as limitacoes que,

intuitivamente, voce sente no processo de transmissao analitica.

Comparaeao entre os Dois Metodos

Eu queria, antes de seguir nesse nivel, tentar ilustrar com urn exemplo elementar onde eque se poderia dar a diferenca entre um raciocinio analitico e de abertura critica, Vamos

falar do problema habitacional. 0 que e urn problema habitacional? Alguem diz assim: "0

problema habitacional consiste em 100.000 familias residentes em unidades residenciais

que nao tern a minima condicao de salubridade, iluminacao, conexao com service de agua,

etc." Reparem bern, aqui 0problema habitacional foi definido como urn problema de urn

deficit de unidades residenciais. N6s estamos dizendo que A e identico a A. E ainda vamos

propor um esforco explicativo, ainda a nivel analitico.

Qual e a explicacao do fenomeno? Existe deficit habitacional porque a populacao tem baixa

renda. entao 0problema habitacional passa a se 0problema da baixa renda de 100 . 000

familias. A e identico a A. Foi definido urn problema habitacional com uma presenca de

100.000 familias que nao tern nivel de renda para adquirir uma unidade residencial com

condicoes adequadas, Mas ai voce pode colocar: por que cern mil familias tern baixa renda?

Porque a capacidade produtiva do pais e reduzida. Entao, 0problema habitacional passa a

ser derruindo como identico ao conhecido problema da insuficiente capacidade produtiva

7

Page 8: Análise econômica e economia política

5/14/2018 An lise econ mica e economia pol tica - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/analise-economica-e-economia-politica 8/9

instalada na economia. Se quisessemos continuar poderiamos substituir definicoes e

provavelmente em algum momento 0circulo se fecharia. Vemos entao que A e a mesma

coisa que A.

Reparem bern: se, ao inves de fazer isto, colocassemos 0 problema da seguinte maneira:

"existe urn pais no qual 100.000 familias tern baixa renda, baixo nivel educacional,

alimentar e a capacidade produtiva e exigua, a produtividade do trabalho e baixa". Apergunta e a seguinte: por que esse pais oferece essas caracteristicas? S6 ha uma possivel

resposta: apresenta este conjunto de caracteristicas porque chegou a ser assim. Isto e, foi 0

seu passado que produziu esse presente. No momenta em que voce olha 0passado para

tentar explicar com a dinamica do passado uma configuracao do presente, voce esta

abandonando 0 terreno da analise economica e esta comecando a fazer uma invasao no

territ6rio da economia politica, ainda que essa invasao nao seja necessariamente feita pelo

caminho mais rigoroso. Voce esta estabelecendo a sinalizacao da advertencia critica

necessaria com respeito it explicacao analitica. E entao, para poder entender este conjunto

de caracteristicas vai ser necess:irio interrogar sobre a logica de evolucao anterior dessa

sociedade, que explica 0 seu presente. E a dinamica do seu processo de desenvolvimento

que vai explicar ou determinar a configuracao atual. E quando voce coloca essa pergunta na

explicacao da dinamica do desenvolvimento vai jogar elementos que em ultimos termos

vao dizer respeito it interpretacao da hist6ria. Essa interpretacao da historia vai colocar em

evidencia a existencia de grupos sociais, vai colocar em evidencia a presenca do pais dentro

de urn contexto mundial, vai colocar em evidencia a estrutura de poder, etc. Em ultimos

termos, a explicacao do fenomeno do deficit de cern mil unidades residenciais vai repousar

em todos os elementos que uma analise de economia politica aborda, A economia deixa de

ter aquela assepsia que a caracteriza enquanto analise economica, E evidente que quando se

colocam as coisas sob esse enfoque as respostas passam a ser totalmente distintas, porque

as respostas do primeiro enfoque tern caracteristicas muito ingenues.

Vejam so, existe 0problema habitacional definido como uma carencia de cem mil unidades

residenciais. Solucao: fazer mais casas. Ou entao, vamos sofisticar a resposta: estimular 0

desenvolvimento da capacidade produtiva de maneira a gerar incrementos de renda que

tornem possivel it populacao que nao dispoe de unidades habitacionais, adquiri-las, Agora,

se voces agregarem a essa proposicao uma hipotese sobre financiamento mais concreta,

sobre precos relativos, a coisa ganha caracteristica de uma proposta de politica econornica

fundada cientificamente. Na verdade, em ultimos termos, A e A.

Se voce procurar evocar 0 territorio da econornia politica, voce vai se perguntar quais saoos protagonistas sociais, qual a estrutura de poder e quais as relacoes que mantem entre si.

Em ultimos termos, temos de perguntar: e ou nao possivel superar esse deficit quantitativo

de cem mil unidades residenciais?

Agora, gostaria de chamar atencao sobre qual e 0 problema substantivo da formacao do

economista. E que a formacao do economista, baseada somente em profundos

conhecimentos de analise economica, causa uma frustracao. Se basicamente concebida na

perspectiva de analise economic a, ela sera uma formacao sobre a qual se tem aguda

8

Page 9: Análise econômica e economia política

5/14/2018 An lise econ mica e economia pol tica - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/analise-economica-e-economia-politica 9/9

consciencia de que "faltou coisas", que detenninados niveis estao sendo escamoteados, que

os enfoques nao estao dando a necessaria objetividade. Entao, muitas vezes, numa reacao

violenta, saltam para urn outro extremo e dizem0

seguinte: "tudo isto nao significa nada", epulam para 0 outro extremo: "vou pensar 0 todo". Impossivel. Qual eo problema do

processo de formacao? 0 problema do processo de formacao e como conseguir casar,dosificar dois componentes que nao sao compativeis do ponto de vista metodologico, e

adquirir treinamento suficiente para saber em que ponto estou pensando em tennos

analiticos e a partir de que momento Ii : necessario deixar de pensar nesses tennos. Nao epossivel nem deixar uma coisa de lade nem deixar outra. Didio voces que entretanto emuito raro que os curriculos contenham urn esforco de abertura critica para uma formacao

analitica. Por que? Por varias razoes, A explicacao mais elementar para esse fate e aseguinte: 0 individuo que recebe urna solida formacao em analise economica e que

incorpora a maior parte dos modelos disponiveis, tern condicoes para ser urn operador

dentro do sistema.

Eu yOU forcar um pouco a barra. Os problemas de maximizacao e otimizacao sao problemas

que podem ser resolvidos sem nenhuma (sic) referenda aos objetivos ultimos a que estao

servindo. E possivel formular, por exemplo, urn modele de pesquisa operacional para saber

como e possivel eliminar da maneira mais eficiente os judeus, nos fomos crematories de

Dachau. E perfeitamente possivel tratar isso como urn problema operacional, como tambem

e possivel estudar a maneira de distribuir recursos de modo a otimizar a mortalidade

infantil. A analise, exatamente por ser uma operacao parcial, nao se interroga em nenhum

momenta sobre implicacoes maiores, Entao, 0 operador pode ser extremamente eficiente

dentro de um sistema maior, Ele pode ter urn maximo de micro racionalidade sem por

nenhurn momento se interrogar sobre a macro racionalidade onde ele esta inserido. Mais

ainda, uma formacao que seja apenas analitica e uma formacao que tern um grande merito,

mas em nenhum mornento apresenta 0 sistema economico e social como uma realidade em

mutacao. Sempre apresenta urn sistema como urn parametro, apresenta 0 sistema como

dado; forcando urn pouco, como eterno.

Ja 0 esforco por abertura critic a no processo de formacao profissional e algo que sempre vaichamar atencao sobre a transitoriedade das formacoes sociais. Nesse sentido, 0 economista

com uma alta formacao, com uma abertura critica no seu processo de formacao analitica e ,pelo menos em potencia, urn individuo que pode nao acreditar que "0 rei esteja vestido". E

urn processo de formacao que tende a estimular urn tipo de visao supra-sistema, enquanto

que a analise economica, num primeiro nivel, fortalece as orientacoes intra-sistema.

Agora, toda e qualquer sociedade organizada sempre se apresenta, dentro do processo

educacional, como eterna, Nao deve surpreender que os cursos de economia procurem

selecionar temas que tentam demonstrar q eternidade dos sistema sociais. E isto significa

carregar trernendamente num nivel analitico e nao permitir aquelas aberturas criticas que

V a G vacinando, estimulando urn tipo de perspectiva que nao e a do operador intra-sistema

preocupado exclusivamente corn a maximizacao da micro racionalidade.

9