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191 RBRH - Revista Brasileira de Recursos Hídricos Volume 2 n.2 Jul/Dez 1997, 191-206 ANÁLISE DO ROMPIMENTO HIPOTÉTICO DA BARRAGEM DE ERNESTINA Walter Collischonn, Carlos E. M. Tucci Instituto de Pesquisas Hidráulicas – UFRGS Av. Bento Gonçalves, 9500 – Caixa Postal 15029 91501-970 Porto Alegre, RS RESUMO O rompimento de uma barragem é um evento que pode ocorrer devido a diferentes causas. A avaliação dos seus potenciais impactos é um processo preventivo que faz parte das ações de planejamento da Defesa Civil. Essa análise deve buscar definir as possíveis conseqüências do rompimento hipotético da barragem e medidas preventivas para mitigar as potenciais conseqüências. Nesse estudo é simulado o rompimento da Barragem de Ernestina no rio Jacuí no Rio Grande do Sul. Os cenários foram estabelecidos através da análise de sensibilidade dos principais parâmetros do modelo. O modelo DAMBRK foi utilizado para simular o escoamento resultante do rompimento num trecho de 200 km a jusante de Ernestina, no rio Jacuí até as barragens de Passo Real e Maia Filho, no mesmo rio. O impacto resultante foi analisado utilizando geoprocessamento para a determinação da extensão das áreas inundadas e a população atingida. Os resultados da análise de sensibilidade mostraram que os resultados do modelo são particularmente sensíveis aos parâmetros relacionados ao volume armazenado no reservatório. No mais severo cenário analisado a enchente devida ao rompimento de Ernestina deve atingir diretamente uma população de centenas de pessoas. ANÁLISE DE ROMPIMENTO A possibilidade de rompimento de uma barragem é uma fonte de risco potencial para a população, bem como para os aproveitamentos hídricos do vale a jusante. Quando ocorre a ruptura de uma barragem as vazões e os níveis resultantes podem ser muito superiores às máximas naturais no trecho a jusante do reservatório, atingindo populações que se consideram a salvo das cheias e bens materiais diversos. Em rios com vários reservatórios em cascata, o rompimento de uma barragem de montante pode resultar no colapso de todo o sistema, por rompimento sucessivo, no que se chama “efeito dominó”, ou rompimento em cascata. As conseqüências do rompimento de qualquer barragem devem ser analisadas com o objetivo de determinar regras operacionais de reservatórios, planos de evacuação da população e critérios para a ocupação das áreas que podem ser atingidas. Para barragens em fase de projeto deve-se considerar a possibilidade de rompimento, e seus prejuízos. Para barragens já existentes é necessário planejar medidas para mitigar os efeitos de um eventual rompimento. As informações necessárias para uma avaliação das conseqüências do rompimento de uma barragem são: áreas inundadas, cotas máximas e velocidades máximas em cada ponto, tempo de chegada da onda e o hidrograma de cheia. A definição das áreas inundadas e das cotas e velocidades máximas é fundamental para a estimativa dos prejuízos materiais. O tempo de chegada da onda é necessário para a formulação de planos de evacuação da população. O hidrograma de cheia é importante quando se avalia o efeito da cheia sobre os reservatórios de jusante. Como ferramentas de análise para obter estas informações têm sido utilizados principalmente os modelos matemáticos (Cunge et al., 1980). Esses modelos são, em geral, compostos por dois módulos principais: formação da brecha e propagação do hidrograma. A brecha é a abertura formada

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RBRH - Revista Brasileira de Recursos Hídricos Volume 2 n.2 Jul/Dez 1997, 191-206

ANÁLISE DO ROMPIMENTO HIPOTÉTICO DA BARRAGEM DE ERNESTINA

Walter Collischonn, Carlos E. M. TucciInstituto de Pesquisas Hidráulicas – UFRGS

Av. Bento Gonçalves, 9500 – Caixa Postal 1502991501-970 Porto Alegre, RS

RESUMO

O rompimento de uma barragem é umevento que pode ocorrer devido a diferentescausas. A avaliação dos seus potenciaisimpactos é um processo preventivo que fazparte das ações de planejamento da DefesaCivil. Essa análise deve buscar definir aspossíveis conseqüências do rompimentohipotético da barragem e medidas preventivaspara mitigar as potenciais conseqüências.Nesse estudo é simulado o rompimento daBarragem de Ernestina no rio Jacuí no RioGrande do Sul.

Os cenários foram estabelecidosatravés da análise de sensibilidade dosprincipais parâmetros do modelo. O modeloDAMBRK foi ut i l izado para simular oescoamento resultante do rompimento numtrecho de 200 km a jusante de Ernestina, norio Jacuí até as barragens de Passo Real eMaia Fi lho, no mesmo rio. O impactoresultante foi anal isado ut i l izandogeoprocessamento para a determinação daextensão das áreas inundadas e a populaçãoatingida.

Os resultados da anál ise desensibilidade mostraram que os resultados domodelo são particularmente sensíveis aosparâmetros relacionados ao volumearmazenado no reservatório. No mais severocenário analisado a enchente devida aorompimento de Ernestina deve at ingirdiretamente uma população de centenas depessoas.

ANÁLISE DE ROMPIMENTO

A possibilidade de rompimento de umabarragem é uma fonte de risco potencial paraa população, bem como para osaproveitamentos hídricos do vale a jusante.

Quando ocorre a ruptura de uma barragem asvazões e os níveis resultantes podem sermuito superiores às máximas naturais notrecho a jusante do reservatório, atingindopopulações que se consideram a salvo dascheias e bens materiais diversos.

Em rios com vários reservatórios emcascata, o rompimento de uma barragem demontante pode resultar no colapso de todo osistema, por rompimento sucessivo, no que sechama “efeito dominó”, ou rompimento emcascata.

As conseqüências do rompimento dequalquer barragem devem ser analisadas como objetivo de determinar regras operacionaisde reservatórios, planos de evacuação dapopulação e critérios para a ocupação dasáreas que podem ser at ingidas. Parabarragens em fase de projeto deve-seconsiderar a possibilidade de rompimento, eseus prejuízos. Para barragens já existentes énecessário planejar medidas para mitigar osefeitos de um eventual rompimento.

As informações necessárias para umaavaliação das conseqüências do rompimentode uma barragem são: áreas inundadas, cotasmáximas e velocidades máximas em cadaponto, tempo de chegada da onda e ohidrograma de cheia. A definição das áreasinundadas e das cotas e velocidades máximasé fundamental para a estimativa dos prejuízosmateriais. O tempo de chegada da onda énecessário para a formulação de planos deevacuação da população. O hidrograma decheia é importante quando se avalia o efeitoda cheia sobre os reservatórios de jusante.

Como ferramentas de análise paraobter estas informações têm sido utilizadosprincipalmente os modelos matemáticos(Cunge et al., 1980). Esses modelos são, emgeral, compostos por dois módulos principais:formação da brecha e propagação dohidrograma. A brecha é a abertura formada

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pela falha da barragem, pela qual a água doreservatório passa, podendo alargá-la eaprofundá-la. A mecânica da formação dafalha inicial e da brecha não é bemcompreendida tanto em barragens deconcreto como de terra.

A formação da brecha tem sidosimulada pelos seguintes métodos (Almeida eFranco, 1994):

1. Hidrograma de ruptura estimado: É ométodo mais simples, em que umhidrograma de ruptura é obtido a partirde estimativas de vazão de pico, tempode esvaziamento e volume doreservatório.

2. Evolução pré-determinada da brecha:É um método bastante popular paratodos os tipos de barragens. Umabrecha de forma pré-determinadacresce de acordo com parâmetros detempo de formação e dimensõesmáximas.

3. Evolução por erosão simplificada:Especialmente utilizado em barragensde terra este método considera aerosão do material da barragem poralguma expressão de descarga sólidae os aspectos hidráulicos de formasimpl i f icada, em geral por umaequação de vertedor de soleiraespessa.

4. Evolução por erosão completa: Estemétodo combina as equaçõeshidrodinâmicas completas comequações de descarga sólida.

Os modelos de formação de brechaque incorporam conceitos de erosão etransporte de material sólido necessitam umagrande quantidade de dados sobre o materialda barragem e o hidrograma calculado é tãosensível à incerteza que existe nestes dados,que a utilização destes modelos pode não sejustificar frente a um modelo de formação debrecha mais simples. Além disso, os conceitosde erosão e transporte não se aplicam àbarragens de concreto. Os métodos maissimples, como o de evolução pré-determinadada brecha ainda são os mais adotados.

Mais importante que as equaçõesutilizadas no cálculo da vazão através da

brecha é a consideração dos efeitoshidrodinâmicos no interior do reservatório. Orompimento da barragem gera uma ondapositiva para jusante da barragem e uma ondanegativa que se propaga para montante nointerior do reservatório. Quando o rompimentoé gradual, o efeito desta onda é pequeno, e oreservatório se comporta como se houvesseuma grande abertura de comportas. Amodelação deste processo é importanteporque a vazão através da brecha depende donível da água. Em processos de formação debrecha lentos, um modelo de propagação emreservatório do tipo hidrológico pode serutilizado, mas se o rompimento for muitorápido ou instantâneo, a declividade da linhada água ao longo do reservatório vai exigir autilização de um modelo hidrodinâmico (Fread,1977). Desprezar a onda negativa poderesultar num pico de vazão de rupturasuperestimado em relação ao real.

A propagação do hidrograma érealizada com metodologia semelhante àutilizada para propagação de cheias normaisem rios, porém as cheias devidas aorompimento de barragens são, em geral,maiores e de crescimento mais rápido do queas cheias naturais.

A maior parte dos modelosdesenvolvidos para análise de rompimento debarragens utilizam as equações de SaintVenant resolvidas pelo método de diferençasfinitas (Reiter, 1992).

O escoamento a jusante da barragempode, dependendo das características dohidrograma de ruptura, da topografia e dascondições iniciais do rio, desenvolver umafrente de onda bastante abrupta. Existindosuficiente energia, a frente de onda podetornar-se cada vez mais abrupta, rompendo-see formando um forte ressalto móvel,denominado onda de choque. A onda dechoque é caracterizada pela descontinuidadedas variáveis profundidade e vazão e pelainaplicabilidade local das equações de Saint-Venant. Uma das hipóteses adotadas naobtenção das equações de Saint-Venant, ouseja, a de que as acelerações verticais sãodesprezíveis, não é atendida neste caso(Basco, 1989, Cunge et al., 1980). A soluçãonumérica do escoamento encontrada na

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literatura apresenta três métodos para tratar ochoque:

1. ajuste do choque – a descontinuidade éconsiderada uma condição de contornoque separa o trecho em doissubtrechos em que são válidas asequações de Saint-Venant. Ondeocorre o choque os dois subtrechossão unidos pelas equações deRankine-Hugoniot (Cunge et al., 1980).A necessidade de localizar o choque acada passo de cálculo e os choquessecundários que surgem, se ageometria do rio é irregular, torna estemétodo trabalhoso;

2. método de pseudo viscosidade – éintroduzido um termo dissipativo nasequações de Saint-Venant parasuavizar as descontinuidades, de modoa espalhar o choque sobre uma regiãomaior, que é também a desvantagemdeste método (Yevjevich, 1975);

3. método baseado nas soluções fracasdas equações de Saint-Venant –conhecido na literatura como shockcapturing ou through computation, nãorealiza nenhum tratamento especialpara considerar o choque, uti l izaesquemas numéricos do tipo difusivopara controlar a formação do choque, enecessariamente deve usar asequações de Saint-Venant na formaconservativa (Cunge et al., 1980). Estemétodo pode apresentar problemas deconvergência, de amortecimento ouoscilação exagerada da frente abrupta;mesmo assim tem sido o mais utilizadona prática (Almeida e Franco, 1994).

Na simulação do rompimento debarragem e suas conseqüências em valesreais, a descrição detalhada do choque e ummétodo mais correto de sua simulação são,em geral, desnecessários, considerando ocaráter local deste fenômeno (Petrascheck eSydler, 1984). Os métodos conhecidos naliteratura como through computation sãosuficientes para os objetivos propostos e bemmenos sujeitos a instabilidades ocasionadaspelas irregularidades geométricas do vale.

O desenvolvimento atual de modelospara representar o escoamento de cheias derompimento de barragens busca melhorrepresentar os processos bidimensionais queocorrem nos vales de inundação inicialmentenão submersos, incorporar o transporte sólidode material da barragem e do leito e daerosão do vale a jusante e melhorar arepresentação de escoamentos mistossupercríticos e subcríticos (Almeida e Franco,1994).

A calibração do modelo é difícil devidoa falta de registros de situações semelhantesde magnitude de cheia no mesmo rio. Osmodelos matemáticos podem apresentarproblemas de instabilidade e de falta deprecisão nos resultados (Almeida e Franco,1994).

Os resultados dos modelosmatemáticos estão sujeitos às incertezas nadeterminação dos parâmetros e dependemdas hipóteses admitidas na formulação domesmo. Uma discussão a respeito dasincertezas envolvidas quando se utilizammodelos matemáticos na anál ise derompimento é parte deste trabalho.

O MODELO DAMBRK

O modelo DAMBRK (Fread, 1991), foidesenvolvido especialmente para simularcheias devidas ao rompimento de barragens.Embora não seja um modelo de últ imageração, sua utilização em vários países(McMahon, 1981, Fernández et al., 1991 eTrieste, 1992), bem como testes comparativosrealizados por Wurbs (1987), lhe conferemuma boa confiabilidade.

O modelo DAMBRK é utilizado paragerar um hidrograma de ruptura a partir deuma brecha de formação pré-determinada emuma barragem e propagar este hidrograma aolongo do rio e vale a jusante. As equaçõesque o modelo utiliza para propagação são asequações unidimensionais completas deSaint-Venant, acopladas a equações deescoamento rapidamente variado,representando o escoamento por brechas embarragens e aterros, na forma de condiçõesde contorno internas. O sistema de equações

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é discretizado util izando um método dediferenças f ini tas de quatro pontos. Oescoamento pode ser supercrít ico ousubcrítico, ou uma combinação dos doisvariando no tempo e no espaço. O fluido podeapresentar propriedades newtonianas (água)ou não-newtonianas (água muito carregada desedimentos). O hidrograma a ser propagadopode ser especificado como condição decontorno ou calculado pelo modelo a partir dedados sobre a brecha e o reservatório. Apossível presença de barragens, pontes,afluentes, sinuosidade, diques e efeitos demaré ou efeitos de jusante pode serconsiderada durante a propagação da cheia.Os principais resultados do modelo são perfisda cheia, tempo de chegada das ondas decheia em diferentes seções e hidrogramas emseções pré-determinadas.

A descrição completa do modelo éencontrada em Fread (1991). Neste trabalhosão descri tos apenas alguns aspectosfundamentais das metodologias que o modeloutiliza para a formação da brecha e para apropagação do hidrograma, incluindo astécnicas de solução das equações ealgoritmos específicos para as condições decontorno internas e para regime deescoamento misto.

Formação da brecha

No modelo DAMBRK a brecha édeterminada por três parâmetros básicosrepresentando o tempo (finito) de formação, alargura final da base da brecha e a forma.Esta caracterização paramétrica da brecha éuti l izada por razões de simplicidade,generalidade e pela incerteza que cerca o realmecanismo de falha e formação.

O parâmetro de forma z identifica adeclividade do lado da brecha, e o parâmetrob identifica a largura máxima da base dabrecha, como pode ser visto na Figura 1.Formas retangulares, tr iangulares outrapezoidais podem ser definidas porcombinações dos parâmetros z e b.

O modelo admite que a brecha inicianum ponto e cresce, linearmente ou não, como tempo, até que a largura da base da brecha

seja igual a largura máxima da baseespecificada e a altura da base da brecha sejaigual a uma altura previamente especificadahbm.

A altura da base da brecha é calculadacomo uma função do tempo t de acordo com aEquação (1).

s e 0 < t b ≤ τ ; o n d e h b é a a l t u r ainstantânea da base da brecha, hd é a alturaoriginal da barragem, hbm é a altura final dabase da brecha, que é normalmente, porémnão necessariamente, a altura da base doreservatório ou do canal a jusante, tb é otempo desde o início da formação da brecha,τ é o tempo total de formação da brecha, e ρ éo parâmetro que determina o grau de não-linearidade da relação com o tempo. A largurainstantânea bi da base da brecha é dada pelaEquação (2).

se 0 < tb ≤ τ.

A vazão que passa pela brecha emcada instante é determinada por uma equaçãode vazão para vertedor de soleira espessa,conforme descr i to ad iante no texto(Equação 13).

Figura 1. Vista da barragem e da brecha emformação.

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Propagação do hidrograma

As equações de Saint-Venant,expressas na forma conservativa e comtermos adicionais para os efeitos deexpansão/contração, sinuosidade do canal efluidos não-Newtonianos, consistem de umaequação de conservação de massa:

e uma equação de conservação de momento:

onde Q é a vazão, h é a altitude da superfícieda água (não é a profundidade), A é a áreaativa da seção transversal, A0 é a área inativa(área de armazenamento lateral onde avelocidade é desprezível), sc e sm sãocoeficientes de sinuosidade, conformeDeLong (1989), que variam com h, x é adistância longitudinal ao longo do canal, t é otempo, q é a vazão afluente lateral pordistância ao longo do canal (pode sernegativa), β é o coeficiente de Boussinesq,que corrige a distribuição não uniforme davelocidade (Cunge et al., 1980), g é aaceleração devida à gravidade, Sf é o termode perda de carga por atrito, Se é o termo deperda de carga localizada por expansão oucontração, Si é o termo de perda de cargaassociado à dissipação interna para fluidosnão-Newtonianos, como água com cargasexcessivas de sedimentos, e L’ é acontribuição de momento da vazão afluentelateral.

O termo Sf da Equação (4), que é otermo da perda de energia devida ao atritocom os contornos do canal, pode ser obtidopor dois métodos diferentes como mostra aEquação (5). Ambos tem sua origem naequação de Chezy, modificada por Manning,para escoamento em regime permanenteuniforme.

O primeiro método considera a seçãotransversal como única nas suascaracterísticas de área A, raio hidráulico R erugosidade n. O segundo método consideraas características n, R e A separadamentepara o canal, a área inundada a esquerda e aárea inundada a direita do canal. No segundométodo, chamado método da seção compostaou da condutância hidráulica, as condutânciasde cada parte do canal são calculadasseparadamente pelas Equações (6) a (8) eentão são combinadas pela Equação (9) paraobter a condutância total do canal.

onde os subíndices I, c e r significam área deinundação esquerda, canal e área deinundação direita, respectivamente. Oscoeficientes de sinuosidade sc e sm, nasEquações (3), (4) e (7) representam o efeitoda diferença entre a distância ao longo docanal sinuoso e ao longo do vale, em geralmais retilíneo.

A pr incipal vantagem do uso dométodo da condutância é que não ocorrem osproblemas de convergência na transição entrecalha menor e calha maior do canal,normalmente presentes quando se calcula Sf

considerando a seção única. A derivadadB/dh que é necessária na solução dasequações de Saint-Venant não é bem definidana transição entre a calha menor e a calhamaior, principalmente se a diferença delargura B for grande para uma diferença denível h pequena. A condutância total do canal,embora varie com o nível, apresenta um

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Qi = Qs +Qb (11)

Qi = Qi+1 (10)

comportamento melhor, isto é, a variaçãodK/dh é mais suave na vizinhança destatransição.

A solução das equações é obtidautilizando um esquema de diferenças finitasde “quatro pontos ponderado” apresentadopor Preissmann em 1961. A substituição doesquema de diferenças nas equaçõesdiferenciais resulta em equações analíticasnão-lineares. Estas equações, aplicadas acada um dos N-1 sub-trechos entre as seçõesde cálculo, e somadas às condições decontorno, resultam em um sistema de 2.Nequações e de 2.N incógnitas a cada intervalode tempo. O sistema é resolvido utilizando ométodo iterativo de Newton-Raphson.

Ao longo de um rio ou canal podemexistir estruturas como pontes e barragens oulocais como quedas d’água, em que asequações de Saint-Venant não são aplicáveis.Para estes pontos podem ser usadasequações empíricas que descrevem relaçõescota - descarga, como as equações devertedores. O modelo DAMBRK permite incluirpontos singulares deste tipo mediante aintrodução de condições de contorno internas.As condições de contorno internas sãopequenos trechos (valores de ∆∆∆∆∆x entre zero ea dimensão real da estrutura representada)em que as equações de Saint-Venant sãosubstituídas por duas equações, sendo umadelas a equação da conservação de massacom armazenamento desprezível, isto é:

onde Qi é a vazão a montante e Qi+1 é a vazãoa jusante da condição de contorno interna. Aoutra é uma equação que depende do tipo deestrutura ou ponto singular que está sendorepresentado, porém pode ser caracterizadada seguinte forma:

em que Qs representa a vazão que passanormalmente pela estrutura, por exemplo avazão turbinada para uma barragem, ou avazão que passa sob uma ponte, e Qb

representa a vazão que ocorre se a estrutura

romper. Isto permite simular o avanço de umaonda de cheia pelo vale e por barragens erestrições impostas por pontes, onde tantobarragens como pontes e aterros podemromper, atingindo-se determinadas condiçõesextremas de vazão ou elevação do nível daágua, previamente especificadas para cadauma das estruturas.

Uma barragem pode ser consideradauma condição de contorno interna, definidapor um trecho curto entre as seções i e i+1,onde o escoamento é descrito pelas Equações(10) e (11).

Para uma barragem o termo Qs daEquação (11) é calculado a part ir daexpressão:

onde ksp é um fator de correção paraafogamento, cs é um coeficiente de descargapara o vertedor sem comportas, hs é a alturada crista do vertedor, cg é o coeficiente dedescarga para o vertedor com comportas, Ag éa área de fluxo da comporta, hg é a elevaçãoda linha central da comporta ou a altura daágua a jusante se esta lhe for superior, kd éum fator de correção para afogamento, cd é ocoeficiente de descarga para escoamento porsobre a barragem, Ld é o comprimento dabarragem menos o comprimento do vertedor,Ls é o comprimento do vertedor, hd é a alturada barragem, e Qt é a vazão turbinada, quepode variar com o tempo independentementeda altura da água no reservatório.

A vazão de ruptura da barragem Qb

pode ser calculada pela expressão:

onde cv é um fator de correção para avelocidade de aproximação, bi é a largurainstantânea da base da brecha descrita pela

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Equação (2), h é a altura da superfície daágua acima da barragem, hb é a altura dabase da brecha dependente do temposegundo a Equação (1), z representa adeclividade da lateral da brecha (z unidadeshorizontais para uma vertical), e ks é o fatorde correção para afogamento.

Pontes e cachoeiras também podemser consideradas como condições de contornointernas, para as quais são ut i l izadasequações semelhantes às apresentadas parabarragens.

Outra situação em que as equações deSaint-Venant não podem ser aplicadas são astransições de escoamento subcrítico parasupercrít ico e vice-versa. Para simularescoamentos que se alternam entresupercrítico e subcrítico, tanto no espaçocomo no tempo, o modelo subdivide o trechototal em sub-trechos completamentesubcríticos ou completamente supercríticos.Os pontos de transição, onde as equações deSaint-Venant não são válidas, são tratadoscomo condições de controle internas,caracterizadas por equações de escoamentoem regime crítico.

O algoritmo de escoamento misto temdois componentes principais. O primeiro paraobter as condições iniciais de vazão eprofundidade e o segundo que funcionadurante a simulação.

As condições iniciais são obtidas porum método similar ao descrito em Molinas eYang (1985).

Durante a simulação o número deFroude é usado para testar o escoamento emcada seção transversal do modelo paraagrupar seções subcríticas e supercríticas nossubtrechos separados por condições decontorno internas. Seções contíguas cujonúmero de Froude é inferior a 0,95 sãoagrupadas em subtrechos subcríticos eseções contíguas cujo número de Froude ésuperior a 1,05 são agrupadas em subtrechossupercríticos. As seções de número de Froudeentre 0,95 e 1,05 são consideradas seções deescoamento crítico. Seções críticas isoladasentre subtrechos completamente supercríticossão consideradas supercríticas, enquantoseções críticas isoladas entre subtrechos

completamente subcríticos são consideradassubcríticas. A separação em subtrechossubcríticos e supercríticos e feita a cadaintervalo de tempo e a solução é obtida emcada intervalo de tempo para cada subtrechoseparadamente, iniciando do subtrecho mais amontante e seguindo de subtrecho emsubtrecho até o contorno de jusante.

Um ressalto hidráulico ocorre entre aúltima seção de um subtrecho supercrítico e aprimeira seção do subtrecho supercríticoadjacente. O ressalto não é tratado com umaequação específica. O possível movimentopara montante ou para jusante de um ressaltohidráulico é testado antes de avançar aotempo de simulação seguinte.

É possível simular o escoamento noprimeiro reservatório de montante com doismétodos distintos: o método hidrológico e ométodo hidrodinâmico. No método hidrológicoa linha da água no interior do reservatório éconsiderada horizontal e apenas uma curvacota-área é necessária como dado de entrada.No método hidrodinâmico é necessárioconhecer as seções transversais no interior doreservatório e estimar um coeficiente derugosidade para estas seções.

Sensibilidade dos parâmetros domodelo DAMBRK

A simulação de cheias devido aorompimento de barragens está sujeita a umgrande número de fontes de incerteza. Mesmoa tentativa de reproduzir eventos observados,para os quais é conhecida a evoluçãotemporal da brecha, apresenta errossignif icat ivos (Fread, 1981). Quando aevolução da brecha não é conhecida a priori,que é a si tuação típica de anál ise, osresultados tendem a ser ainda piores.

Como os resultados da análise estãoint imamente l igados às hipóteses econsiderações admitidas, convém que antesde real izar a anál ise de rompimento asensibilidade do modelo seja testada. Aanálise de sensibilidade deve considerar osprincipais parâmetros, e a sua validade érestrita à situação analisada, isto é, não épossível generalizar os resultados de uma

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Análise do Rompimento Hipotético da Barragem de Ernestina

Ernestina Passo Maia Real Filho

análise para outros casos, de característicasdiversas do estudado.

Os principais fatores que podemcausar erros na simulação de cheias devidoao rompimento de barragens são:

1. causa do rompimento e formação dabrecha;

2. geometria das seções do rio;3. coeficientes de rugosidade;4. material recolhido pela cheia;5. perdas de volume;6. erosão e depósito;7. representação matemática das áreas

inundáveis e do reservatório;8. regime de escoamento.

Dos fatores citados acima, poucospodem ter sua importância para os resultadosdo modelo avaliada de forma razoável. Nestetrabalho a importância da formação da brechaé avaliada através da sensibilidade dosresultados aos parâmetros τ , tempo deformação da brecha e b, largura máxima dabase da brecha. A sensibi l idade dosresultados à rugosidade do leito foi avaliadaatravés da variação do coeficiente n deManning. A sensibi l idade aos erros nageometria das seções do rio foi avaliada pelavariação na largura média do rio e do vale. Asensibilidade às condições iniciais de vazãono rio a jusante da barragem e as condiçõesiniciais de nível no reservatório também foramaval iadas. A condição inicial nível doreservatório reproduz também o volume totaldo reservatório e, de certa forma, a altura dabarragem.

A representação matemáticahidrodinâmica ou hidrológica do reservatóriotambém pode alterar os resultados do modelo.Uma comparação entre os métodos para ocaso estudado também é apresentada.

APLICAÇÃO

A barragem de Ernestina

O rio Jacuí é o que possui o maiornúmero de aproveitamentos hidrelétricos noEstado do RS. As Usinas de Ernestina, PassoReal, Jacuí e Itaúba, todas da CEEE, somam

780 MW de potência instalada. A usina deDona Francisca deve vir a se somar a estesistema com mais 128 MW de potênciainstalada. A Figura 2 apresenta um perfillongitudinal de parte do rio, no trecho entreErnestina e Maia Filho.

A Usina de Ernestina é o primeiroaproveitamento hidrelétrico do Rio Jacuí acontar de sua nascente e está localizada nomunicípio de Ernestina, próximo a PassoFundo. A barragem foi construída entre 1950e 1954 e entrou em operação em 1957. Abarragem foi construída em concretoprotendido e consiste essencialmente de ummuro levemente arqueado (raio de curvaturade 300 metros), de seção muito f ina,profundamente engastada na rocha do leito dorio.

As principais característ icas dasbarragens de Ernestina, Passo Real e MaiaFilho são apresentadas na Tabela 1. Oreservatório de Ernestina é pequeno sob todosos aspectos se comparado ao de Passo Real.

Magna Engenharia, (1991) analisou asegurança da barragem, para verificar: (i) a

Figura 2. Perfil longitudinal do rio Jacuí entreErnestina e Maia Filho.

Volume hm³Altura mÁrea reservatório km²Área da bacia km²Vazão de projeto m³/s

2581140

1044635

367247

22679206250

31,020,05,3

8220,07850,0

Tabela 1. Características dos aproveitamentos.

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ocorrênc ia de v ibrações na barragemdurante o vertimento pelo extravasor decheias; (ii) erosão localizada junto ao pé dovertedor e; (ii i) a ocorrência recente devazões, superior à de projeto.

Embora a erosão ao pé do vertedornão tenha sido confirmada e as vibrações domuro da barragem terem sido previstas já noprojeto, a ocorrência de vazões superiores àde projeto pode motivar preocupação.

Nos dias 26 e 27 de maio de 1992,chuvas intensas e de grande duraçãoocorreram na região da bacia contribuinte aoreservatório de Ernestina, superando avazão de projeto em vár ias pequenascentrais hidrelétricas de bacias vizinhas. Naprópria Barragem de Ernestina a cheia foiexcepcional e a água chegou a atingir ajanela do porão da usina, a jusante dabarragem (CEEE, 1992) . Em us inasmenores da mesma região houve problemasde erosão, acúmulo de detritos e inundaçãoda casa de máquinas, com risco de vidapara os operadores.

As barragens da região afetadas pelacheia de maio de 92 foram construídasantes da década de 60, com um curtoperíodo de dados de vazão para adeterminação da vazão de projeto. Abarragem de Ernest ina fo i const ruídadurante a década de 50, sendo que no localforam observados dados de vazão a partirde 1941. O número de anos de dadosobservados é pequeno, se comparado aotempo de recorrência associado aos eventosdas chuvas e cheias excepcionais de maiode 1992 (Chevalier e Dhein, 1993), daordem de centenas de anos (chuvas) edezenas de anos (vazões). As cinco maioresvazões máximas ocorridas no rio Jacuí(posto Espumoso - DNAEE 85080001),ocorreram a partir da década de 80. Adécada de 40, período util izado para adeterminação da vazão de projeto, foimarcada apenas pela cheia de 1941, quepode não ter sido registrada no postotemporário cuja série de dados foi utilizadapara o dimensionamento do vertedor deErnestina.

Impactos potenciais do rompimento

O vale do Rio Jacuí, a jusante deErnestina, não é ocupado por grandes centrosurbanos. A região é essencialmente agrícola,com moradias esparsas, pequenos povoadose apenas uma cidade situada diretamente àsmargens do rio (Figura 3). Existem áreasutilizadas para a agricultura que podem sofrerprejuízos variáveis conforme a época do ano eo estágio da cultura. O sistema de transportespode ser profundamente afetado, caso a cheiaresultante de um rompimento venha a destruiras diversas pontes que cruzam o rio no trechoentre Ernestina e Passo Real.

Existe uma população de 30 milhabitantes no vale do r io Jacuí, entreErnestina e Passo Real. Cerca de 10 mildestes estão na cidade de Espumoso-RS,situada próxima ao r io. Cinco pontesrodoviárias cruzam o rio neste trecho e pelomenos uma delas é importante a nível daregião sul do Brasil. A área de lavoura éutilizada para as culturas de soja e milho.

O rompimento de uma das barragenssituadas mais a montante, num sistema comoo apresentado na Figura 2, pode representar

Figura 3. Localização dos reservatórios e de locaisde possível impacto da cheia.

200

Análise do Rompimento Hipotético da Barragem de Ernestina

um grande risco para todo o sistema ajusante. A ocorrência de rompimentos emcascata deve ser investigada.

Os dados de topografia do vale e delocalização de residências na área rural, numtrecho de aproximadamente 100 km, obtidosdas cartas da Divisão de Levantamento doExército, na escala 1:50.000, foramdigitalizados. Para facilitar a análise das áreasinundadas e diminuir a necessidade dememória do computador o vale foi dividido emtrechos, numa espécie de mosaico, em que asinformações de topografia foram interpoladaspara a geração de modelos numéricos doterrenos (MNTs). O esquema de digitalizaçãoé apresentado na Figura 4.

RESULTADOS

Análise de sensibilidade do modelo

Neste trabalho foi realizada umaanálise de sensibilidade do modelo DAMBRKa alguns parâmetros que contribuem para aincerteza com relação aos resultados. Aanálise realizada não é exaustiva, cadaparâmetro foi considerado isoladamente e asfaixas de variação consideradas não forammuito amplas. Os parâmetros escolhidos paraanálise foram:

1. Rugosidade (n de Manning);2. Tempo de formação da brecha;3. Largura da brecha;

4. Nível inicial da água no reservatório;5. Vazão inicial no rio;6. Largura média do rio.

A aval iação de sensibi l idade foirealizada considerando a topografia do vale doRio Jacuí, a jusante de Ernestina, e ascaracterísticas do reservatório e da barragemde Ernestina. O vale foi descrito por 83 seçõestransversais, incluindo áreas dearmazenamento.

Os resultados foram destacados paraalgumas seções em todo o trecho. As seçõesescolhidas são as seguintes:

1. 0 km a jusante da barragem;2. 10 km a jusante da barragem;3. 45 km a jusante da barragem;4. 84,5 km a jusante da barragem.

Três variáveis foram consideradas paraa avaliação:

1. Vazão máxima;2. Profundidade máxima de cheia;3. Tempo da vazão máxima.

As Figuras 5 a 7 apresentam osresultados de sensibilidade da vazão máxima,profundidade e tempo de pico em função dosparâmetros escolhidos em uma seção a 84,5km da barragem.

Esses resultados mostram que o nívelinicial no reservatório, a largura máxima dabrecha e o coeficiente de rugosidade deManning são os parâmetros aos quais a vazãomáxima é mais sensível. A sensibilidade daprofundidade máxima à largura média do riotambém é importante, embora a influênciadeva ser local, devido ao aumento nacondutância hidráulica da seção. Já o tempode pico é sensível às variações do coeficientede rugosidade de Manning.

Outros resultados, obtidos para seçõesmais próximas da barragem, mostram que asensibilidade das variáveis se altera com adistância, dependendo do parâmetro(Collischonn, 1997). De maneira qualitativa épossível resumir as alterações dasensibilidade das variáveis com a distânciapela Tabela 2.

A Tabela 2 mostra que a sensibilidadeao tempo de formação da brecha diminui com

Figura 4. Trechos de digitalização.

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a distância da barragem. A importância desteresultado é que quando o objetivo da análisese refere à inundação em locais maispróximos da barragem este parâmetro deveser determinado com mais cuidado.

A importância do método de simulaçãodo reservatório, hidrológico ou hidrodinâmico,foi avaliada considerando o caso de Ernestinapara os tempos de formação da brecha de 1hora e de 6 minutos. Os resultados de vazãomáxima foram avaliados em quatro seçõestransversais até a distância de 85 km. ATabela 3 apresenta estes resultados para otempo de formação de 1 hora e a Tabela 4para o tempo de formação de 6 minutos.

Os resultados mostram que a diferençaentre os dois métodos de simulação deescoamento no interior do reservatório éimportante apenas nas seções próximas àbarragem. O forte amortecimento dohidrograma diminui as diferenças. A partir da

Figura 5. Sensibilidade da vazão máxima aosparâmetros testados, a 84,5 km da barragem.

Figura 6. Sensibilidade da pronfundidade máxima aosparâmetros testados, a 84,5 km da barragem.

Figura 7. Sensibilidade do tempo de pico aosparâmetros testados, a 84,5 km da barragem.

Tabela 2. Alterações da sensibilidade das variáveiscom a distância a partir da barragem.

rugosidade doleitotempo deformação dabrechalargura máximada brechanível inicial noreservatório

aumenta

diminui

dimunui

igual

diminui

diminui

diminui

igual

aumenta

diminui

igual

igual

Parâmetro Vazão Profundidade Tempo

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Análise do Rompimento Hipotético da Barragem de Ernestina

473 m 470,5 m

distância de 10 km a jusante da barragem asdiferenças são insignificantes.

Estes resultados são válidos para abarragem de Ernestina, cujo reservatório élargo e não muito longo. Em reservatóriosmais longos e de menor largura é provávelque a diferença entre os dois métodos desimulação seja mais pronunciada.

Conseqüências do rompimentohipotético de Ernestina

As conseqüências do rompimentohipotético da barragem de Ernestina foramavaliadas em duas etapas. Na primeira etapaforam uti l izados dois cenários para aestimativa da inundação no trecho entreErnestina e Passo Real. Na segunda etapaforam definidos três cenários para a análisedas conseqüências sobre os aproveitamentosde jusante.

Os dois cenários de análise da primeiraetapa consideraram que o rompimento ocorria

durante uma cheia que atingia o reservatório.As diferenças entre os dois cenários foram denível inicial no reservatório e largura dabrecha. Os outros parâmetros não foramalterados por se apresentarem menosimportantes na análise de sensibilidade. Asdiferenças dos dois cenários estão descritasna Tabela 5.

Foram uti l izadas 86 seçõestransversais para definir o vale desde o iníciodo reservatório até cerca de 107 km a jusanteda barragem, onde a curva chave éconhecida. Um esquema do modelo éapresentado na Figura 8.

Os hidrogramas da cheia derompimento, para os cenários 1 e 2 sãoapresentados nas Figuras 9 e 10. Em todo otrecho simulado a vazão máxima é váriasvezes maior que a máxima histórica.

Tabela 3. Diferenças entre a simulaçãohidrodinâmica e hidrológica do reservatório na vazãomáxima em locais a jusante da barragem - tempo deformação da brecha: 1 hora.

Tabela 4. Diferenças entre a simulaçãohidrodinâmica e hidrológica do reservatório na vazãomáxima em locais a jusante da barragem - tempo deformação da brecha: 6 minutos.

+ 4,8 % 0 %- 1,5 %- 1,3 %

7836594946523515

7480594447243564

0 km10 km45 km85 km

+ 6,0 % 0 %- 1,6 %- 1,4 %

8233596046513511

7763595747253562

0 km10 km45 km85 km

Tabela 5. Cenários de avaliação da inundação notrecho entre Ernestina e Passo Real.

150 base 400 topo Cenário 1 132 base 132 topo Cenário 2

Largura da brecha (m) Nível inicial no reservatório

Figura 8. Esquema da simulação para estimativa dainundação do vale.

Local Vazão comsimulaçãohidrológica

(m³/s)

Vazão comsimulação

hidrodinâmica(m³/s)

Erro relativo àsimulação

hidrodinâmica

Local Vazão comsimulaçãohidrológica

(m³/s)

Vazão comsimulação

hidrodinâmica(m³/s)

Erro relativo àsimulação

hidrodinâmica

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A área inundada foi est imadasobrepondo as cotas máximas de cheia aomodelo numérico do terreno em todos ostrechos digitalizados apresentados na Figura4. Para o trecho 2 a área inundada para osdois cenários, sobreposta ao nível deinformação de localização das residências daárea rural é apresentada na Figura 11.Considerando a população rural de todos ostrechos e a população urbana de Espumosoesta metodologia permitiu estimar em cercade 230 o número de residências atingidas pelacheia no cenário 1 e cerca de 90 o número deresidências no cenário 2. Estes númeroscorrespondem, respectivamente, a 800 e 350pessoas, considerando os dados médios dehabitantes por residência da região.

Da mesma forma as informações decobertura vegetal, obtidas a partir de imagensde sensoriamento remoto e combinadas coma área inundada, permitiram estimar a áreatotal de lavoura atingida para cada cenário.Cerca de 600 hectares no cenário 1 e 475hectares no cenário 2 são atingidos.

Todas as pontes do trecho entreErnestina e Passo Real, consideradas comocondições de contorno internas no modelo,foram atingidas, com exceção da maisafastada da barragem no cenário 2 (número 5,Figura 3).

Os cenários para a análise do impactodo rompimento da barragem de Ernestinasobre as barragens de jusante são diferentesdaqueles utilizados para analisar os impactossobre a cidade de Espumoso e sobre o valedo rio Jacuí. Três cenários de análise forampropostos.

Foram uti l izadas 90 seçõestransversais para definir o vale desde o iníciodo reservatório até a barragem de Maia Filho,200 km a jusante de Ernestina. Um esquemado modelo é apresentado na Figura 12.

O primeiro cenário de análise estuda oimpacto do rompimento da barragem deErnestina ocorrendo de forma isolada, masem uma condição severa. Além disso o nível

Figura 9. Propagação do hidrograma da cheia derompimento para o cenário 1.

Figura 10. Propagação do hidrograma da cheia derompimento para o cenário 2.

Figura 11. Área e residências atingidas no trecho 2do vale do rio Jacuí.

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Análise do Rompimento Hipotético da Barragem de Ernestina

de água no reservatório de Passo Real émantido constante a 327 m.

O segundo cenário é semelhante aoanterior, porém o nível em Passo Real podese alterar. Desta forma a capacidade deamortecimento de cheias de Passo Real éconsiderada.

O terceiro cenário é semelhante aosegundo, porém uma grande enchente naturalocorre simultaneamente ao rompimento dabarragem de Ernestina.

Considerando o cenário 1, ohidrograma devido ao rompimento dabarragem de Ernestina que at inge oreservatório de Passo Real é inferior, emtodos os aspectos, ao hidrograma utilizadopara o dimensionamento do vertedor dabarragem de Passo Real, que corresponde àcheia máxima provável. A Figura 13 apresentaos dois hidrogramas.

No cenário 2, para o qual a capacidadede amortecimento do reservatório de PassoReal é considerada, a alteração no nível daágua no reservatório é pequena, mesmo

utilizando apenas uma fração da capacidadedo vertedor de cheias. A cheia devida aorompimento de Ernestina, se este rompimentoocorrer de forma isolada, não deve colocar emrisco a segurança do reservatório de PassoReal.

O cenário 3 mostra que a importânciarelativa da cheia devido ao rompimento dabarragem de Ernestina é pequena quandoocorre simultaneamente à cheia máximaprovável. Neste caso o rompimento deErnestina apenas intensifica um pouco umasituação que já se apresenta preocupante emPasso Real.

CONCLUSÕES

A análise de sensibilidade do modeloaos seis parâmetros escolhidos mostrou que onível inicial da água no reservatório e otamanho da brecha são os parâmetros maisimportantes. A rugosidade do leito do riotambém contr ibui para as variaçõessignificativas nos resultados, principalmentedo tempo de propagação da cheia.

Para locais mais próximos dabarragem a incerteza na determinação do

Figura 12. Esquema da simulação para estimativados efeitos sobre os aproveitamentos de jusante.

Figura 13. Hidrograma de cheia máxima provável ehidrograma de rompimento da barragem deErnestina afluente ao reservatório de Passo Real.

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tempo de formação da brecha tambémcontribui para as variações nos resultados.

Não existe diferença significativa,exceto na proximidade da barragem, entre asvazões máximas obtidas quando se utiliza ométodo hidrológico e quando se utiliza ométodo hidrodinâmico para a simulação doescoamento no interior do reservatório.

As possíveis conseqüências dorompimento da barragem de Ernestinaincluem a destruição de até 5 pontes e ainundação de até 230 residências no vale. Apopulação diretamente atingida chega a 800habitantes, dos quais algumas dezenas comtempo insuficiente para alerta e fuga.

O reservatório de Passo Real, pela suagrande capacidade de amortecimento, deveabsorver completamente a cheia devida aorompimento de Ernestina, protegendo tambémo reservatório de Maia Filho e todas osaproveitamentos a jusante.

Os resultados da anál ise desensibilidade apresentada aqui são válidospara o caso específico de Ernestina, e nãopodem ser estendidos a outros casos decaracterísticas diversas.

AGRADECIMENTOS

O autor agradece ao CNPq, fornecedor dabolsa de mestrado que permitiu a realizaçãodeste trabalho, e a CEEE (CompanhiaEstadual de Energia Elétr ica) pelofornecimento dos dados.

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Analysis of the Ernestina DamHypothetical Failure

ABSTRACT

Dam failures occur due to severalcauses. Estimating its potential consequencesis part of a Civil Defense planning program.

The dam break analysis should definethe possible consequences of a failure andsupport decision making about actions toreduce these consequences. This papershows the dam break analysis results for theErnestina dam on Jacuí river in Rio Grande doSul.

Failure scenarios were defined by asensibility analysis of the model to its mainparameters. The DAMBRK model was used tosimulate the flood along a 200 km reach of theJacuí river, to Passo Real and Maia Filhodams. The inundated area was defined using ageographical information system.

The sensibility analysis showed that themodel results are most sensitive to thereservoir volume. The worst scenariosimulated for Ernestina would damage thehouses of hundreds of people.