análise de textos, diversos

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Jornal de Debates Início > Índice Geral > Jornal de Debates + A | [imprim ir ] [enviar por email ] [link permanente ] OI na TV A língua rola solta Por Lilia Diniz em 25/5/2011 Desde a semana passada, a imprensa abre amplo espaço para a polêmica em torno do livro didático Por uma vida melhor, da professora Heloísa Ramos. Trechos como "nós pega os peixe", "os menino pega o peixe" entre outras expressões mostradas na publicação, que integra a coleção Viver, Aprender, da editora Global, foram intensamente discutidas pela mídia de todo o país em reportagens, colunas e artigos. A celeuma foi causada pela distinção que a autora estabelece no livro entre a norma culta e a linguagem falada. Em uma das passagens mais criticadas do capítulo "Falar é diferente de escrever", Heloísa Ramos diz: "Você pode estar se perguntando: ‘Mas eu posso falar ‘os livro?’. Claro que pode. Mas fique atento porque, dependendo da situação, você corre o risco de ser vítima de preconceito linguístico". Distribuída a mais de 480 mil alunos pelo Programa Nacional do Livro Didático para a Educação de Jovens e Adultos, a obra foi adotada por escolas públicas em todo o território nacional. Em meio ao barulho da mídia e ao debate levantado na comunidade acadêmica, a autora garante que obedece aos Parâmetros Curriculares Nacionais estabelecidos em 1997 pelo Ministério da Educação (MEC) para o ensino fundamental e para a educação de jovens adultos. E defende que o conceito de "correto e incorreto" no uso da língua portuguesa seja substituído por "adequado e inadequado". O MEC afirmou que não irá recolher os exemplares já fornecidos aos alunos mas, após os protestos, a autora disse que pode rever alguns trechos da publicação em uma

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OI na TV A lngua rola solta Por Lilia Diniz em 25/5/2011Desde a semana passada, a imprensa abre amplo espao para a polmica em torno do livro didtico Por uma vida melhor, da professora Helosa Ramos. Trechos como "ns pega os peixe", "os menino pega o peixe" entre outras expresses mostradas na publicao, que integra a coleo Viver, Aprender, da editora Global, foram intensamente discutidas pela mdia de todo o pas em reportagens, colunas e artigos. A celeuma foi causada pela distino que a autora estabelece no livro entre a norma culta e a linguagem falada. Em uma das passagens mais criticadas do captulo "Falar diferente de escrever", Helosa Ramos diz: "Voc pode estar se perguntando: Mas eu posso falar os livro? . Claro que pode. Mas fique atento porque, dependendo da situao, voc corre o risco de ser vtima de preconceito lingustico".

Distribuda a mais de 480 mil alunos pelo Programa Nacional do Livro Didtico para a Educao de Jovens e Adultos, a obra foi adotada por escolas pblicas em todo o territrio nacional. Em meio ao barulho da mdia e ao debate levantado na comunidade acadmica, a autora garante que obedece aos Parmetros Curriculares Nacionai s estabelecidos em 1997 pelo Ministrio da Educao (MEC) para o ensino fundamental e para a educao de jovens adultos. E defende que o conceito de "correto e incorreto" no uso da lngua portuguesa seja substitudo por "adequado e inadequado". O MEC afirmou que no ir recolher os exemplares j fornecidos aos alunos mas, aps os protestos, a autora disse que pode rever alguns trechos da publicao em uma nova edio. O Observatrio da Imprensa exibido ao vivo na tera-feira (24/05) pela TV Brasil analisou a cobertura da mdia no episdio. Para discutir este tema, Alberto Dines recebeu no estdio do Rio de Janeiro os professores Srgio Nogueira e Deonsio da Silva. Em Braslia, participou o tambm professor Marcos Bagno. Deonsio da Silva, colunista deste Observatrio, doutor em Letras pela Universidade de So Paulo, escreveu mais de 30 livros e assina colunas sobre Lngua Portuguesa na imprensa. pr-reitor de Cultura e Extenso da Universidade Estcio de S. Srgio Nogueira formado em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Assina a coluna "Dicas de Portugus" no portal G1, o boletim "Lngua Solta" na Rdio Bandeirantes de So Paulo, consultor de Lngua Portuguesa do Jornalismo do sistema Globo. Marcos Bagno professor do Instituto de Letras da Universidade de Braslia (UnB). Autor premiado, Bagno tem se dedicado produo de obras voltadas para a educao. Seus estudos no campo da Lingustica se concentram nas

questes da crtica ao ensino da lngua portuguesa nos moldes tradicionais. Norma culta e lngua falada Em editorial, Dines sublinhou que a lngua portuguesa falada no Brasil est cada vez mais distante da escrita. Para o jornalista, o debate em torno do livro salutar e deveria tornar-se constante, uma vez que "a prpria mdia tenta usar a norma culta quando escreve, porm mostra-se indulgente e at relapsa ao usar os meios eletrnicos". Dines ressaltou que, em Portugal a diferena entre a norma culta e a lngua falada nas ruas, mesmo entre as camadas mais populares "quase inexistente": "Isso nada tem a ver com o poeta Cames e o padre Vieira, que tambm so cultuados por aqui. que na escola ou no liceu portugus investe-se na correo do idioma, porque l a gramtica vista como ferramenta para tornar a comunicao mais efetiva. Esta a questo: "os livro" no fere apenas a concordncia, fere a compreenso". A reportagem exibida antes do debate ao vivo ouviu a opinio de especialistas no assunto. Para Maria do Pilar Lacerda, secretria de Educao Bsica do MEC, muitos jornalistas que criticaram enfaticamente a obra sequer leram a publicao. "Quando as pessoas comearam a ler o livro, comearam a entender que o livro no defende que se fale errado, mas explica que existe uma forma coloquial dali, daquela comunidade, daquela cultura, de se falar, e que existem outras formas". O livro, na avaliao da representante do MEC, conduz o aluno neste caso, um jovem ou um adulto a refletir sobre a sua forma de falar sem humilhar, discriminar ou excluir o estudante que cometa erros de portugus. A representante do MEC sinalizou que parte da mdia afirmou de forma equivocada que o MEC pretendia "que todos os brasileiros falem errado". "Eu posso dizer, como cidad, que este um jornalismo que no contribui para melhorar a informao das pessoas", avaliou a secretria. "Cinismo" social Helosa Ramos constatou que a mdia "estranhou" o trecho do livro onde afirma que a concordncia nominal e verbal nem sempre observada na sua totalidade na linguagem popular. "No dissemos, em nenhum momento, que para escrever assim [errado] na norma culta. Ns no estamos ensinando a escrever assim, estamos admitindo que, na fala, exista esta possibilidade, esta variante", assegurou a autora. O escritor e colunista Affonso Romano de SantAnna ponderou que todos cometem erros gramaticais, inclusive os jornalistas. Atualmente, na avaliao do escritor, h uma espcie de "cinismo" na sociedade: "Na cultura contempornea, a exceo virou a norma. A ruptura virou a norma. E isto, claro, acontece na gramtica tambm". Para SantAnna, o livro mostra as duas vertentes a falada e a escrita mas ensina, de fato, a norma culta. "Existe um sistema, uma ordem na sociedade. Todo este papo de que no h limite, no h ordem, no h fronteira, no h reg ras, um papo da moderna contemporaneidade que deixa as pessoas confusas", analisou. A imprensa, para Affonso Romano, amplificou opinies sem fundamento: "Eu voltei um pouco s fontes para ver o texto, o que tinha sido dito e, na verdade, so coisas que esto sendo ditas na lingustica

h muito tempo". Norma culta para todos Joo Ubaldo Ribeiro, autor consagrado e colunista do jornal O Globo, defendeu que se mostre ao usurio da norma "no-culta" que a lngua falada por ele tem tanta dignidade quanto qualquer outra, mas que o ensino da norma culta prevalea: "No apenas como privilgio de alguns, mas que a norma culta seja compreensvel, acessvel e utilizvel por todos os brasileiros, que continuaro a falar seus outros dialetos", disse Ubaldo. Para o advogado Srgio Bermudes, a linguagem de um livro didtico tem que ser correta. Embora a sociedade hoje no viva mais sob padres lingusticos rgidos, preciso manter o hbito de falar com correo. "Quanto mais correta a linguagem, mais ela traduzir o pensamento e efetivar a comunicao. Se ns comearmos a esparramar um linguajar diferente, ns teremos uma outra lngua", alertou Bermudes. Linguista e professor, funes diferentes O professor Evanildo Bechara, autor de uma das mais importantes gramticas adotadas no pas e integrante da Academia Brasileira de Letras (ABL), avaliou que o livro Por uma vida melhor ensina boas lies aos alunos, mas comete erro ao confundir a funo de linguista com a de professor: "O linguista estuda a lngua como a lngua funciona naquela regio, naquele meio social, naquele momento histrico. J o professor de portugus, no. O professor de portugus estuda a lngua na sua produo ou na sua norma culta". Bechara avaliou que a imprensa se ateve apenas a um aspecto da obra. "Foi apresentada a frase ns pega o peixe, que a professora declara linguisticamente correta e que uma frase correta porque aparece em um determinado momento. Mas em um livro didtico aquilo soou como se fosse a lio permanente, em lugar de a imprensa ter mostrado que aquilo foi um momento, por sinal, ao meu ver, um momento infeliz, na hora de escrever um captulo muito bem escrito sobre lngua padro", disse Bechara. bom falar de livro No debate no estdio, o professor e escritor Deonsio da Silva disse que acha "bonito" a mdia tratar de "livros e autores" porque, de maneira geral, os jornais promovem um "ocultamento" deste tema. Na avaliao de Deonsio, o professor que usa o j restrito espao da aula de Lngua Portuguesa para tratar de questes da Lingustica, disciplina que no pertence ao Ensino Mdio, presta um desservio ao povo brasileiro. Deonsio acredita que preciso democratizar a norma culta e no promover a incluso na lngua sem o esforo do aluno para aprender o correto: "A gente no se inclu na lngua culta sem estud-la. E est faltando muito no Brasil a relao bunda-cadeira-hora. Ns queremos facilitar, mas aprender difcil". A trajetria do escritor Machado de Assis (1839-1908), fundador da ABL, foi lembrada pelo professor como um exemplo de incluso na norma culta. De origem humilde, negro, gago e portador de epilepsia, Machado de Assis precisou se adaptar a rgidos padres gramaticais para ingressar na sociedade literata de sua poca. "Ele teve que aprender

aquela lngua que no era a dele. Ele era l do morro", sublinhou Deonsio. Machado de Assis "se apropriou" da norma que no conhecia e acabou por se converter em mestre daqueles que usavam a lngua culta para exclu-lo da sociedade. "Esta a verdadeira incluso: voc tirar o sujeito da ignorncia", declarou. Deonsio da Silva ressaltou que o professor de Lngua Portuguesa pago pelo Estado ou pela iniciativa privada para ensinar este disciplina aos que precisam aprend-la. O escarcu da mdia A atuao da imprensa neste episdio foi duramente criticada por Marcos Bagno. O professor da UnB chamou a ateno para a "leviandade gigantesca" da mdia e a "profunda ignorncia" jornalistas e fontes que tm comentado o teor deste livro didtico nos jornais. "As pessoas esto falando sem ter lido e sem saber o que acontece na educao brasileira h mais de 20 anos, quais so as diretrizes da nossa educao hoje em dia e, principalmente, o que ensinar Portugus hoje em dia. As pessoas esto ainda no sculo XIX, fazendo comentrios do sculo XVIII, enquanto a educao brasileira, o Ministrio da Educao e os livros didticos j esto no sculo XXI", censurou Bagno. A mdia, na avaliao de Bagno, age como se tivesse "descoberto a plvora", quando o tratamento da variao lingustica em sala de aula absolutamente corriqueiro. E todos os livros de Lngua Portuguesa disponveis hoje no mercado brasileiro apresentam pelo menos uma parte dedicada ao tema. "No surpresa para ningum, a no ser para uma mdia que profundamente ignorante e desinformada", disparou o professor. Risco de acomodao Srgio Nogueira defendeu que a luta contra o preconceito seja um dever de todo educador e explicou que diversos livros j trataram deste assunto, mas a obra Por uma vida melhor foi mais ousada. Na avaliao do professor, o livro louvvel ao ensinar que h preconceito lingustico na sociedade. No entanto, Nogueira tem o receio de que a diferena entre a lngua falada e a escrita possa ser mal aproveitada caso no haja um treinamento adequado dos professores. "Pode haver uma acomodao e este o temor que ns temos", alertou. Nogueira destacou que o ensino da lngua padro est sendo mostrado como um "pecado" por defensores deste livro e denunciou que os professores que ensinam a norma culta esto sendo ridicularizados. "No sei o porqu desta agressividade que muitas vezes existe contra aqueles que, de alguma forma, tentam manter esta lngua padro o mais prxima possvel da fala. bvio que ns temos variantes sociais, culturais, regionais. Todas so vlidas, todas merecem respeito. Agora, por que no ensinar a lngua padro?", questionou. Para Nogueira, a distncia entre a fala e a escrita no Brasil se mantm porque o ensino da Lngua Portuguesa nas escolas no satisfatrio. Uma convergncia possvel? Dines levou ao debate no estdio um dos temas tratados do editorial: a semelhana entre a lngua falada e a norma culta em Portugal. O jornalista comentou que, naquele pas, os diversos extratos da sociedade falam corretamente e lembrou que se "deliciava" ao ouvir o portugus correto dos motoristas de txi nos oito anos que viveu em Portugal. Dines

questionou se, no Brasil, a norma padronizada e codificada poderia se aproximar da linguagem falada. Marcos Bagno discordou e sublinhou que o portugus brasileiro culto e contemporneo diferente do falado do outro lado do Atlntico: "Em Portugal, se fala uma lngua diferente da nossa. A nossa s se chama portugus por razes histricas. Mas, 500 anos depois, o portugus brasileiro j diferente do portugus europeu". Dines contestou: na sua avaliao a lngua dos dois pases a mesma. E insistiu que h uma convergncia inquestionvel entre a norma culta e a lngua falada em Portugal que facilita a compreenso.

Poltica

O Terror anacrnico?Mino Carta 7 de maio de 2011 s 12:33h

A esperana dos amantes da paz repousa na juventude rabe, sequiosa por democracia. E se as suas demandas no forem atendidas ? Por Mino Carta. Foto: Chris Kleponis/AFP

O terrorismo no morre com Bin Laden, o prprio Barack Obama reconheceu no discurso do anncio da ao fulminante que entregou a Al o prncipe do terror. No prova de otimismo exagerado, contudo, admitir que o caminho da Al-Qaeda estreitouse. A comear pelo fato de que no h substituto altura para personagem to carismtica, feroz e determinada at a obsesso. Herdeiro natural poderia ser Ayman al-Zawahiri, mdico egpcio tido como idelogo do terrorismo islmico. Segundo fontes paquistanesas, sua investidura se seguiria a um perodo de comando exercido por parte do Conselho, chamado a reunir um grupo de notveis. Sabe-se, porm, que Zawahiri conta com opositores poderosos, acusam-no de falar muito, e sempre a favor de operaes extremadas, e realizar pouco. Outra figura cotada Abu Yahya Al-Libi, de origem lbia, 48 anos. Trata-se de um orador empolgado, tido como intelectual vocacionado para a poesia e, ao mesmo tempo, liderana dura, inclinada a misturar terror com insurreio. J foi capturado pelos americanos, e conseguiu evadir-se do crcere de Bagram, no Afeganisto, heri de uma fuga rocambolesca. Foi declarado morto mais de uma vez. Estaria vivo? Mistrio.

Terceira personagem focalizada pelos analistas europeus o im Anwar al-Awlaki, porta-voz da faco iemenita, singular por dispor de nacionalidade dupla, americana a segunda, pois nascido no Mxico, em Las Cruces, e expressar-se com fluncia em ingls. Mas, se difcil substituir Bin Laden, outro gnero de dificuldades se apresenta na rota da Al-Qaeda. As revoltas que abalam h meses o mundo rabe do Magreb ao Oriente Mdio levam s praas, dispostas a lutar, massas sequiosas de democracia e por ora claramente infensas ao terrorismo como instrumento de sua reivindicao. H bons motivos para acreditar que sobretudo a juventude rabe milita na frente oposta quela dos crentes do insanvel conflito entre Isl e Ocidente. Neste ponto tambm Barack- Obama insistiu no seu discurso de 3 de maio, para acentuar, com a devida veemncia, que os EUA no fazem guerra ao Isl. As inquietaes dos muulmanos, amide- vincadas por resultados violentos, so, de verdade, evento que precede a morte de Bin Laden. Mostram que, no mundo do prncipe do terrorismo, a sua pregao no comove as massas. E temos aqui mais um motivo de esperana em relao ao futuro prximo. Mesmo assim, uma pergunta cabe: caso as demandas das populaes forem frustradas, no seria inevitvel que os herdeiros de Bin Laden cuidassem de explorar a desiluso? Ou mesmo a raiva? A Al-Qaeda mantm a tradio de agir com notvel senso de oportunidade em reas agitadas. E a agitao de naes desatendidas por quem de incio parecia pronto a lhes dar ouvidos no hiptese arriscada demais. Egito e Tunsia a esto na espera, at agora v, da mudana que a maioria pretendia. Nem se fale da Sria e dos emirados onde a diplomacia ocidental finge-se de cega. A Lbia uma incgnita, a despeito de rejeio de Kaddafi Al-Qaeda: na Tripolitnia o ditador continua a contar com o apoio popular enquanto as tribos da Cirenaica tm seus motivos para constatar o lado pattico do apoio ocidental. O terrorismo anacrnico nos dias de hoje, h quem diga, mas a hipocrisia dos mais fortes no deixa por menos. Tanto um quanto outra funcionaram admiravelmente at ontem, mas agora do sinais de obsolescncia. Ainda assim, aquele habilita-se a ter mais durabilidade. Quanto hipocrisia, est sempre disposta a seguir adiante, basicamente inalterada, com a expresso impvida de Buster Keaton. Eis o perigo, porque, de certa forma, uma alimenta o outro. Como a desigualdade social pe a fermentar os ndices de criminalidade. H fortes evidncias de que o mundo atual j no suporta a retrica urdida para salvaguardar interesses estritamente materiais e estratgicos (petrleo em primeiro lugar) por trs de lies inflamadas de democracia. Por que o Ocidente se move em certas direes e no em outras, quando, a ser coerente, teria de agir em ambas? Nunca, talvez, certos aspectos do comportamento ocidental, americano especialmente, ficaram to evidentes. Que a morte de Bin Laden seja celebrada por fluvial euforia nos Estados Unidos, e tanto mais no ground zero, compreensvel. Que a operao cinematogrfica levada a cabo no Paquisto seja ovacionada em praas e caladas justifica-se, mesmo porque a vingana sentimento de fora imensa, apreciado at por Aristteles. Que fosse

inimaginvel prender Bin Laden para process-lo moda de Nuremberg est a interminveis lguas do bvio. O que choca o renovado ufanismo ianque. O nacionalismo exaltado deplorvel em qualquer latitude. Mesmo porque revela, antes do provincianismo, a insegurana. No desagradvel, muito pelo contrrio, que Barack Obama se fortalea nessa circunstncia na perspectiva das prximas eleies presidenciais contra o reacionarismo do Tea Party e quejandos republicanos. Falta, porm, bastante tempo para o pleito e CartaCapital supe que, na hora azada, a questo econmica, com seus reflexos no bolso dos cidados, ter mais peso do que qualquer outra sobre a deciso final da maioria dos eleitores. Obama, alis, e infelizmente, no desiste da retrica, e l vem ele com sua God Bless America. Tudo at o momento indica que Deus no tem maior interesse pelo ser criado sua imagem e semelhana, mas se houver a mais plida chance de sermos ouvidos por Ele, rogamos que abenoe o mundo todo, a viver, e o Altssimo sabe como ningum, em eterna turbulncia.

Mino Carta

Mino Carta diretor de redao de CartaCapital. Fundou as revistas Quatro Rodas, Veja e CartaCapital. Foi diretor de Redao das revistas Senhor e Isto. Criou a Edio de Esportes do jornal O Estado de S. Paulo, criou e dirigiu o Jornal da Tarde. [email protected]

31 Respostas para O Terror anacrnico?

y

Edison Carvalho disse: 7 de maio de 2011 s 21:37

Pode ser que no entendi bem, mas causou-me atenco a colocaco de Mino de que no se deveria esperar a captura de Bin laden e submet-lo a um Tribunal como aquele de Nuremnberg.!!!!! No propriamente por Nuremberg., mas pela colocaco que sugere que em certas ocasies.sic" deva prevalecer algo como olho por olho , dente por dente!!!!

y

Laura Ligab disse: 7 de maio de 2011 s 15:28

Carissimo Mino, embora apreenda (penso) a sua posiao sobre a dificuldade de se ter procedido a um Nuremberg (prender Bin Laden e lev-lo a julgamento con seus seguazes),

por todas as razoes bvias como voce disse, acho importante assinalar, spifferando dappertutto, che os USA perderam uma grande opportunidade de se mostrarem mais civilizados que os fundamentalistas e, com eles, o mundo todo, pois era a hora sublime para o dilogo planetrio: o que querem afinal o oriente e o ocidente e como a comunidade global passaria a tratar de assuntos aparentemente locais como aquilo que verdadeiramente sao: mundiais, collettivos. Agindo como agiram, s demonstraram a baixeza de asassinar um homem desarmado, che tinha motivos de sobra para odiar o american way of doing it. Vez mais, a demonstraao de fora bruta, de infantilismo primitivo o que, provavelmente, apenas alimentar a (aristotlica) vendetta. Um grande pecado.

y

terrorismo de estados unidos disse: 7 de maio de 2011 s 12:15

Codenvel o terrorismo do Osama.Porm, condenvel tambm o terrorismo de estado do Obama. Qualquer facnora merece julgamento antes da condenao.

y

George A.F. Gessrio disse: 7 de maio de 2011 s 12:14

Quanto a criao de novos Bins Ladens, s auferir pra quem a CIA est despejando dinheiro no momento no Oriente Mdio Os EUA financiaram, treinaram e doutrinaram radicais para lutar contra o inimigo externo, na poca a URSS, o que aconteceu que inimigo externo um conceito fluido, indeterminado, podendo encaixar vrios sujeitos, e foi o que aconteceu, vencida a URSS os EUA se encaixaram perfeitamente(principalmente por sua ao no EGITO) no conceito e passaram a ser o alvo do fortificado radicalismo de sua criatura: as organizaes terroriastas que exploram o Fundamentalismo Islmico.

y

Hildeberto Aquino disse: 7 de maio de 2011 s 11:38

Anacrnico tanto quanto so as guerras fomentadas pelos EUA e demais pases ricos; tanto quanto a inconsequncia de se gastar fortunas para explorao do espao quando se sabe que so mais de 200 bilhes de galxias e que nunca chegaremos a algo de concreto em benefcio da humanidade, no passando de um desperdcio enquanto a misria e doenas grassam na Terra descuidada em especial pela ganncia irrefletida das grandes potncias; tanto quanto a fome que persiste no mundo ceifando a vida de milhes de inocentes enquanto se gastam trilhes em odiosas guerras, maioria perdidas vergonhosamente pelos que ostentam maior poder blico nem sempre eficiente, mas que no se saciam. O

terror apenas a expresso fora dos limites racionais, mais estpida e inconsequente talvez, de se reclamar contra as injustias perpetuadas pelos senhores loucos que governam o mundo. [email protected]

y

Rgis Varo Filho disse: 7 de maio de 2011 s 10:42

O prmio Nobel da Paz e advogado Barack Obama prometera em seus discursos de campanha presidncia fechar a base militar de Guantnamo no prazo de um ano. Ela continua de p, firme e forte. E de fato cumprindo o seu papel, que ser um ponto sobre a terra em que no h leis e que o governo democrtico dos EUA autoriza o uso da tortura para a obteno de informaes de acusados que no possuem direito a defesa. Espero que a euforia proveniente da morte de Bin Laden no prolongue ainda mais a sobrevida de Guantnamo.

y

Augusto Jose Hoffmann disse: 7 de maio de 2011 s 8:30

A sua velha Olivetti um espanto, como o brilhantismo das suas anlises. Com iseno,insofismvel,vem apartada do velho complexo zileiro, o de vira-latas. O imprio se esvai, est quebrado mas no perde a pose. E com esses espetculo,acaba por bombar o j efervecente fundamentalismo islmico.Agora s tapar os ouvidos.

y

DARLAN disse: 7 de maio de 2011 s 0:55

Bom o meu conceito de democracia poder ser um tanto pr-historico,mas ate onde sei Democracia vem a ser a soberania de um povo e paticipao da maioria e no explorao de uns em cima de outros com argumentaes ilusrias com tendencias submissivas,ento a onda de exploses rabes vem a se tornar um grave problema pra o USA!!

y

Mauro Julio Vieira disse: 7 de maio de 2011 s 0:07

O nosso planeta tem bilhes de anos, se sabe, e, ns homens, alguns milhes. Animais como outro qualquer nunca deixaremos de ser selvagens. a natureza. Quando ainda no pensvavos e falvamos conhecamos o nosso semelhante.

Jogvamos limpo. Com o advento do pensamento , da fala, do funcionamento da nossa mente, vieram as mentiras, pois a mente, mente. Assim as palavras como instrumento de nossa mente levam a corrupo sentimentalizando os mais fracos com as ideologias e religies com suas mentiras de um mundo perfeito. Acreditar naquilo produzido pela prpria mente j no boa coisa, quanto mais em produtos da mente alheia. A verdade s se manifesta em nossos sentidos.

y

Giacinto Scelsi disse: 6 de maio de 2011 s 19:59

Prezados leitores, Generalizando, enquanto o Ocidente continuar com sua hipocrisia e seu prprio fundamentalismo (econmico?) haver povos revoltados agindo e as reclamaes, lamentaes e at comemoraes ocidentais continuaro a ser cenas patticas. Abraos!

y

Lenir Vicente disse: 6 de maio de 2011 s 18:57

Caramba Mino, parabns!Voc escreveu isso e ainda nem tinha ouvido o discurso que o Barack Osama Obama terminou h pouco de fazer no Kentanky para as foras especiais da marinha americana?Ele foi l condeconrar os heris que prenderam e mataram o Bin Laden.Os mocinhos no apareceram na fita, mas seu comandante em chefe fez um discurso arrumado para o resto da tropa.Todos vindos do Afeganisto.especialistas em trabalho noturno.Eu pensei estar ouvindo de novo o Bush depois que ele destruiu o Iraque, mas o republicano branco.Ento era mesmo o comandante em chefe Barack Osama Obama.O novo imperador do Universo.Foi um discurso deprimente para um Nobel da Paz.E eu que cheguei at a torcer para o primeiro presidente negro da histria americanaAgora vejo que ele preto por fora, mas branco por dentro.Os republicanos no precisam procurar um candidato para as prximas eleies para a presidncia dos EEUU.J tem um:Obama.O mundo que se cuide.Esse moo mandou um aviso.Mostrou que no liga mnima para a tal de Democracia.

y

Pedro mc disse: 6 de maio de 2011 s 18:01

Preocupa-me a parte do argumento que menciona Que fosse inimaginvel prender Bin Laden para process-lo moda de Nuremberg est a interminveis lguas do bvio. Que eu tenha aprendido quando ocorre um assassinato o que deve ser feito captura-lo e julga-lo, e no mat-lo a sangue frio pois assim nada separa o estado do criminoso. Em especial mat-lo a sangue frio em territrio estrangeiro sem o conhecimento e autorizao do pas em questo abre-se periogoso precedente. Parece uma verso moderna da justia da Babilnia antiga.

y

Bruno Vilela disse: 6 de maio de 2011 s 11:23

Quando vejo estas cenas dos norte americanos comemorando a morte do Bin Laden lembro muito dos rabes comemorando a morte de seus inimigos. Parece que assim como os terroristas rabes a populao norte americana (generalizando) possui o mesmo ideal, a mesma formao e moral, olho por olho dente por dente. Os Norte Americanos so loucos e terroristas, desrespeitam as leis internacionais como se no fosse nada. Isso sim muito grave, muito mais grave que qualquer atentado que j tenha ocorrido.

y

Mocrcio Ribeiro disse: 6 de maio de 2011 s 11:07

Meu cara mino, um prazer muito grande fazer parte dos leitores assduos de Carta Capital, e ao mesmo tempo, me sinto tranquilo tendo o Sr. frente de uma publicao to isenta e importante para a informao de qualidade no Brasil. assustador assistir a que nvel chegou o PIG para defender interesses sabe-se l de quem e pra quem. No entanto, vejo em Carta Capital um meio de comunicao de oposio de fato grande mdia, que sinceramente, cheira muito mal. Um grnade abrao. Mocrcio Ribeiro Belo Horizonte MG [email protected].

y

Homero Mattos Jr disse: 6 de maio de 2011 s 10:51

Prezado Mino, Gostaria, muito, de v-lo expandir o argumento Que fosse inimaginvel prender Bin Laden para process-lo moda de Nuremberg est a interminveis lguas do bvio. Por que? No existem os tribunais penais internacionais, criados para julgar crimes contra a Humanidade (Yugoslvia, Ruanda)? No constitui o ataque ao World Trade Center um crime contra a Humanidade?

De minha parte, creio que sim. Contudo, apreciaria muito saber sua opinio a respeito. At, talvez, para retificar a minha. Porquanto bvio me parace ser o ufanismo ianque, presente vigorosamente em todos os roteiros hollywoodianos desde o final da Primeira Guerra Mundial. Refiro-me cinematografia estadunidense a la John Wayne e seus Boinas Verdas. Cordialmente, Homero

FOLHA,

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ANOS

A Folha desdobrada (e algumas sensaes tericas)Por Eugnio Bucci em 22/2/2011

No, no a vida que "vem em ondas, como o mar", como gostou de versejar Vincius de Moraes em "O dia da criao". O presente que se expande em ondas, na direo do futuro e do passado, e se apossa do curso do tempo numa grande bolha unificadora. bem verdade que existe uma distoro gravitacional nas ondas do presente que avanam na direo dos dias que ainda no chegaram: elas se concentram e explodem nas rochas, escalando-as com seu apetite abrasivo de corroer o que vir. Mas, postas na direo do passado, elas so mais calmas: vo ressuscitando os mortos como no dia do Juzo Final , prometendo uma segunda chance aos injustiados, revirando a memria dos homens de reputao ilibada. Diante disso, a morte no o fim. A bolha do presente avana sobre ela, contra ela, e transforma o pretrito petrificado em tempo vivo, com o qual podemos outra vez conversar de igual para igual. A esse primeiro pargrafo, o Manual de Redao da Folha de S.Paulo, em algumas de suas encarnaes, chamaria de nariz de cera. "A que vem essa coisa?", perguntaria o leitor. "Aonde quer chegar esse redator?" Bem, antes que cheguemos aonde o texto aqui em questo pretende chegar, esclareamos algo mais sobre o nariz de cera. Depois de cuidar do nariz, falaremos ainda um pouco mais sobre o primeiro pargrafo que, providencialmente, vem a ser um nariz de cera. Disfuno lgica O nariz de cera um arremate de ponta cabea, uma vez que, em vez de vir no final, vem no incio. Ele poderia estar em qualquer pea narrativa, assim como o nariz de cera poderia estar em qualquer manequim (ou o nariz de silicone ou de matria sinttica, que poderia estar em qualquer paciente de cirurgia plstica). O nariz de cera no decorre da histria que se quer contar, mas vem de fora e se aboleta sobre a histria, como se fosse uma prtese implantada no organismo. Isto nariz de cera. O resto organismo. Agora, ocupemo-nos ainda um pouco do primeiro pargrafo deste texto, pargrafo que j vai longe e que, indo longe no eixo do espao, pertence ao passado na linha do tempo. Ainda que no seja um pargrafo totalmente assim, "de cera", ainda que no seja to rigorosamente exterior ao campo da histria que aqui ser contada, ele continua sendo nariz de cera. Mas, ao mesmo tempo, possvel dizer que ele no completamente nariz de cera. Isso porque ele no vem de fora, mas nasce de dentro da idia dessa histria; resulta do impacto que uma notcia da era

digital causou nas teias (de aranha) cerebrais deste pobre jornalista analgico. Eis o impacto: ao pr a sua coleo inteirinha na web, a Folha permitiu que todo o seu passado fosse engolfado pela bolha ciberntica do presente . Hoje, as pginas da Folha esto online, tanto faz se falamos da Folha de hoje ou de uma Folha de 1922. A manchete que informou sobre o golpe militar de 1964 est online. O fim do golpe militar de 1964 est online tambm. O computador da gente parece gritar "Extra! Extra! Tudo online ao mesmo tempo agora" (como era mesmo o nome daquele long play de um velho conjunto musical que animava bailes em pores da capital paulista?). Corta. Chega de divagao. Tento ordenar os elementos desta narrativa to insistentemente desordenada. A Folha de S.Paulo, que festeja seus noventa anos de existncia no dia 21 de fevereiro, caiu de corpo inteiro na era digital, como bem sabe o leitor deste Observatrio. A partir de agora, ao menos para os assinantes, todo o acervo est a um clique de distncia. Impressionante, claro. Impressionante, sobretudo, pelo pioneirismo. Uma vez mais, a Folha chega na frente dos demais. Inclusive ao seu prprio passado. No isso o que mais importa, contudo. O que mais importa que o modesto (embora falso) subscritor destas maldigitadas linhas, atordoado, no consegue entender o significado e as conseqncias deste anncio assaz impressionante. A tecnologia nos atira contra o futuro porque nos afoga no passado . Como mesmo? Pronto. Agora basta de tanta linearidade discursiva. Basta de texto com comeo, meio e fim. Passemos a outra disfuno lgica. Vamos especular sobre a imagem ao vivo e o que ela nos ensina sobre a sensao de tempo que temos nutrido nessa virada de sculo. S depois vamos retornar ao jornal onl ine, noventa anos de jornal online, que vm para embaralhar essa tal sensao de tempo. Apertem os cintos. Vamos para outra turbulncia narrativa. Matutinos e vespertinos Na tentativa de explicar aos seus alunos que a sensao da instantaneidade no passa disso mesmo, uma sensao pois dentro de toda instantaneidade h um lapso de tempo linear embutido, um lapso que no se percebe , um professor inventou uma figura hipottica. Pediu a seus alunos que imaginassem um espelho gigante colocado a um minuto-luz da Terra. Esse espelho seria cncavo, capaz de aumentar em propores impensveis as imagens que refletisse. Desse modo, a todo aquele que o mirasse, aqui da Terra, o espelho mostraria uma imagem desconcertante: o espectador veria a si mesmo... no passado. Exatamente a dois minutos no passado. Ento, o professor desafiava seus alunos a reduzir, aos poucos, essa distncia, trazendo o espelho para mais perto, mais perto, at que a distncia se reduzisse a um metro apenas. Assim, os alunos se davam conta de que, mesmo diante do espelho em que cada um se olha dentro do banheiro, o lapso de tempo est l. H um hiato na imagem que temos de ns mesmos. Temos a sensao de instantaneidade, mas entre o que vemos e o que ... um gro de tempo se passou. Com a imagem ao vivo da televiso acontece o mesmo. H sempre um atraso um delay, como dizem hoje os tcnicos do controle mestre nas emissoras entre a imagem que entra na cmera e a que chega ao telespectador. O "ao vivo" no

bem "ao vivo". O instantneo no precisamente instantneo. O ao vivo desfruta do status de instantneo no senso comum que governa a comunicao, mas ele guarda, dentro de si, aquele mesmo hiato imperceptvel. A gente v algo na TV e acredita que aquela imagem, por ser ao vivo, est acontecendo agora: isso porque o delay que a separa de ns to nfimo, to desprezvel, que no abre tempo histrico para aes humanas capazes de modificar o fato transmitido , ou para manipulaes ou edies. A imagem ao vivo nos passa a sensao de que vemos com fidelidade (embora no a vejamos com tanta fidelidade assim) uma cena que se desenrola muito longe de ns no espao e extremamente prximas de ns no tempo. Ao torna r o muito distante muito visvel, imagem ao vivo faz com que a TV parea uma janela aberta, cuja textura, cuja composio invisvel. Por isso, a gente olha para o aparelho de TV e no enxerga o aparelho, o transistor, a caixa de som, a tela... mas apenas a manifestao no Egito, a moa sorridente, o jogador de futebol. Milagrosamente ao vivo. O fenmeno se pe de tal maneira que, se algum construsse uma antena de TV a um ano luz da Terra e pudesse captar os sinais com alguma qualidade, veria, tambm ao vivo, as notcias que foram ao ar, aqui na Terra, um ano antes (dizem que os sinais de TV e rdio, ao menos em tese, trafegam numa velocidade bem prxima da luz). As notcias que esse telespectador distante no espao veria seriam notcias velhas, j revogadas aqui na Terra pelos fatos que as sucederam. Talvez, por estar to longe no espao, ele tivesse mais conscincia do lapso de tempo a separ-lo dos acontecimentos uma conscincia que os telespectadores que esto mais prximos no tm, ou julgam que no precisam ter, pois no faz diferena histrica. Mas aquele telespectador distante perceberia, com mais clareza, que a imagem que ele v, ainda que rigorosamente ao vivo, sempre uma imagem no passado. Ela talvez notasse que a sensao de instantaneidade no um fenmeno que poderamos chamar de fsico, mas uma reles conveno cultural. Hoje, neste incio de sculo 21, a sensao de que a imagem ao vivo perfeitamente instantnea nos basta. Ela no um problema terico. apenas uma soluo prtica. A velocidade com que fazemos circular a informao nos parece suficiente e dizemo-nos integrados, dizemos que estamos "ao vivo", que estamos "online", e tocamos adiante. Ns, no entanto, no notamos que tambm a noo que temos de "velocidade suficiente" cultural, histrica, socialmente construda. Houve um tempo, h no muito tempo, em que a instantaneidade era prescindvel, imagine s. As naes modernas passaram a constituir unidades espaciais e identitrias num ritmo de circulao de informaes bem mais lento. O padro de comunicao social que as constituiu foi o padro do jornal dirio, impresso. O ciclo de 24 horas que era o ciclo dos jornais dirios que reinaram, feitos de papel e tinta, entre o sculo 19 e o sculo 20 era um ciclo perfeito, mais do que suficiente. O intervalo que separava uma edio da edio seguinte, o intervalo de 24 horas, no era a eternidade que hoje nos parece ser. O que quer que acontecesse dentro desse intervalo seria consolidado na edio seguinte, de tal sorte que assim as decises econmicas e polticas eram adotadas e legitimadas. Entre matutinos e vespertinos intercalados, o ciclo de 24 horas era a velocidade suficiente. Agora, o ciclo de um segundo nos parece longo dem ais. Donde voltamos Folha desdobrada no tempo. Podem soltar os cintos. A digresso acabou.

Bolha de informao Veja voc, meu caro e improvvel leitor: com o acervo da Folha posto online, todas aquelas marcas do ciclo de 24 horas, que nos pareciam to razoveis e to velozes, agora cabem dentro de um nico toque dentro de um nico segundo. assim que o presente abocanha o passado e o faz (poder) reviver, se no como fato, ao menos como relato. Reescrevo o pargrafo acima com outras palavras (quase iguais): os jornais dirios da primeira metade do sculo 20, e mesmo da segunda metade, em grande medida, serviram para nos dar a marcao do tempo de nossas vidas: o tempo do poder, o tempo do mercado, o tempo dos melodramas (do folhetim s telenovelas, que costumavam ser dirias e o so, at hoje), o tempo do trabalho e do lazer, o tempo de dormir, o tempo de acordar. A cada dia, chegava at a casa dos assinantes um jornal. Ali estava o que precisvamos ler. Agora, de repente, chegam ao meu computador todas as edies da Folha dos 90 anos, de uma vez s. Uns so mais antigos que outros, eu sei, eles perfazem uma sequncia linear, mas agora todas esto a um clique dos meus olhos, todos pedem para ser lidos, como se no sei quantos caminhes despejassem no sei quantas toneladas de papel jornal na minha caixa de correio. De uma vez s. Aqueles jornais que tinham ido embrulhar peixe e forrar gaiola de passarinho, aqueles jornais que forravam a cama de Noel Rosa, que acendiam lareira em Campos do Jordo, todos aqueles jornais defuntos voltaram a viver. Os "jornais j lidos" que as aeromoas nos convidam a jogar fora depois da viagem de avio, aos milhares e milhares, convertem-se, de repente, em jornais no lidos, pedindo para ser lidos. Eles revivem. E no sei se isso bom. O passado no mais passado. Virou presente de novo. No sei bem como ser folhear o jornal de 30 anos atrs. Ainda no entrei no site do acervo da Folha. Tenho preguia. Tenho medo. E nem sei se ele j foi aberto de verdade. Escrevo antes de experiment-lo. O que sei, desde j, que folhear um jornal digital(izado) de 30 anos atrs no ser o mesmo que folhear um jornal fsico de 30 anos atrs. Um jornal fsico de, digamos, 15 de fevereiro de 1981 nos d a sensao de matria cansada, de papel quebradio, de documento raro, de antiguidade. O jornal digital, contrariamente, pode ser "manuseado" virtualmente como se tivesse sido publicado h poucos minutos, como outro 1994 ou de 1953. Ele no estraga. Ele no quebra. Ele no cheira a mofo. Talvez ele parea velho apenas pela diagramao e pelo palavreado. As fontes, as expresses, o desenho grfico, apenas por a sentiremos a idade que ele tem. No entanto, se abstrairmos esse dado "visual" e "textual" (um dado da moda, assim como o jeito de escrever as notcias), veremos que folhear na web um jornal antigo como folhear um jornal de hoje. Alis, quando consultamos edies do ano passado de qualquer jornal, disponveis em iPad, em celulares ou no notebook, adotamos o mesmo procedimento que temos para ler o jornal de hoje. A sensao incmoda. A internet nos permitiu receber online as notcias de antigamente como se fossem as notcias de hoje. assim que o presente se expande e engole o passado. Ao contrrio dos rituais que precisamos cumprir nas bibliotecas que guardam livros raros, de todos os cuidados de que temos de nos cercar para nos aproximar de um exemplar de jornal do incio do sculo 20, os bancos de dado virtuais no exigem a menor reverncia. Dispensam qualquer solenidade. Agora, a edio da Folha de 25 de maro de 1921 deixou de ser artigo valioso. No requer luvas de quem queira toc-la. No requer condies especiais para ser conservada. Voc vai poder passar por ela com desleixo, de pijama, vai bisbilhot-la assim como fua no contedo de

um site pornogrfico, como passeia pelas notcias de agora tarde. O passado fugiu dos cemitrios. Exumou -se. O noticirio da crise que culminou com o suicdio de Getlio Vargas est outra vez nas bancas (virtuais) de jornais (virtuais). Esses jornais, antes raridades que apenas podiam ser tocadas por pesquisadores, passaro a figurar no tempo presente das multides. A pesquisa histrica tende a se banalizar, a virar um passatempo de desocupados. Releituras originais e at mesmo brilhantes de noticirios antigos podero brotar de internautas curiosos. A simultaneidade dos relatos, algo de que tanto se fala, tanto que virou um lugar comum, vai se exponenciar vertiginosamente. Acho que vou ler de novo o "Jornal dos Jornais", a coluna que Alberto Dines fazia na Folha, entre julho de 1975 e julho de 1977. Fazia, no: faz. Essa coluna, agora, est a, ubqua, ininterrupta, est online. Na adolescncia, elas despertaram em mim a vontade de trabalhar na imprensa. Eu gostaria de rev-las, uma hora dessas. O que ser que elas me diro quando olharem para a minha cara? Ser que estamos parados no tempo, dentro de uma bolha de informao que vai inchando, inchando, sem sair do lugar?Comentrios (7)

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Ento Eugnio, sempre muito bom ver ou ler algo jornalstico de um profissional to nato como considero que voc . Felismente, jornalista apaixonado pelo segmento original como eu, diga-se de passagem, tem este blog para verificar, fora dos mbitoa acadmicos, olhares do jornalismo como voc acabou de nos mostrar com esse seu texto comparativo, profundamente analtico e sem fronteiras. Na minha graduao eu no me preocupava tanto com o fato de ter que levar para a sala de aula entrevistas sobre pautas de temas que estavam publicados nos jornais, muito pelo contrrio, eu fazia questo de dar o viis para temas que abordassem a profisso em s ou ento para temas analticos. Isso mesmo. Desses que do margem para "viagens" como essa que voc abordou nesse texto em anexo. isso mesmo, lembra do seu livro Sobre tica e Impresa quando voc abre no primeiro captulo, no primeiro "intecaptulo" ("CONFLITO E CONVIVNCIA"), so desses assuntos que a imprensa deveria poder se mirar para depois atuar dando ao pblico receptor suas mensagens. T bom, chega de alucinaes...

. A cada dia, chegava at a casa dos assinantes um jornal. Ali estava o que precisvamos ler. Uma bela frase, no...?

(20/02/1998) CARTA ABERTA AOS JORNALISTAS

Nivaldo Manzano foi at recentemente coordenador de macroeconomia, meio ambiente, polticas pblicas e cincia da Gazeta Mercantil. Ao deixar seu ltimo emprego, fez um balano de 32 anos de jornalismo exercido no Brasil e no exterior e percebeu que o tempo de permanncia em cada emprego cara sistematicamente. Embora no haja estatsticas sobre o assunto, Nivaldo supe que seu tempo mdio de permanncia em cada emprego seja inferior ao da categoria dos jornalistas. Estaria ficando mais instvel? Ou se trataria de uma manifestao individual do fenmeno mais amplo da precarizao dos empregos? Depois do exerccio de reflexo sobre o ferido, resolveu contemplar os autores da ferida e constatou que, reduo do intervalo entre suas demisses, correspondia uma diminuio da mdia de idade dos responsveis por elas. Apresenta no lcido ensaio abaixo concluses preliminares cujo lead o seguinte: "Estamos vivendo um Camboja em nossa vida profissional, desde o advento dos novos brbaros, que passaram a dar feies pavorosas ao exerccio do poder nas redaes." O texto de Manzano faz lembrar outro libelo, um discurso de Gabriel Garca Mrquez publicado neste OBSERVATRIO em outubro de 1996 (ver remisso abaixo). Mas h entre os dois uma singular diferena. Enquanto Garca Mrquez se dirige aos patres, na abertura de uma reunio da Sociedade Interamericana de Imprensa, Nivaldo Manzano, aps esclarecer que exerceu funes de chefia durante pelo menos metade de sua vida profissional, faz ver que prepostos esto exercendo nas reda es um tipo de mando selvagem que no lhes foi encomendando nem recomendado.

(Os Observadores.)

Os novos brbarosNivaldo T. Manzano

"Em vez de admirar os homens dotados, valentes ou justos, o tirano os teme: a multido pode quer-los em seu lugar. Quando o medo leva o tirano a eliminar gente dessa estirpe, a quem ir colocar a seu servio seno os criminosos, os canalhas e os servis?" "Depois de ter eliminado a todos os que temia, o tirano, longe de sossegar, redobra as precaues. A guerra que move contra os que oprime no cessa". Xenofonte, Da Tirania (palavras do tirano Hieron ao sbio Simnides)

ma pergunta freqente que ocorre a dois jornalistas que se cruzam : "Onde voc est?" (trabalhando). Com certeza ela no ocorre com igual freqncia a profissionais liberais de outras categorias que trabalham em equipe, como administradores ou engenheiros. Atesta esse fato a dana nervosa dos nomes nos expedientes das revistas e dos jornais.

Nos meus 32 anos de profisso, permaneci em mdia 20 meses em cada emprego, mdia que suponho esteja abaixo da da categoria. Assim ocorreu em parte por convites que recebi para trabalhar em outro lugar, em parte porque fui demitido. A primeira demisso ocorreu quinze anos depois de ter iniciado a vida profissional; a segunda, oito anos depois da primeira; a terceira, cinco anos depois da segunda; a quarta, um ano depois da terceira. Notei, assim, que o intervalo entre minhas demisses vinha se reduzindo, ao mesmo tempo em que caa a mdia de idade dos responsveis por elas. Estava a uma pauta a ser trabalhada. Estaria isso ocorrendo somente comigo ou seria eu um caso entre muitos? Qual a razo de tantas demisses, cada vez mais freqentes na vida de cada um? O interesse no assunto cresceu ainda mais quando me dei conta, a partir de meu caso, de que os motivos disciplinares constam em porcentagem to nfima que no mereceriam considerao. Sa a campo, e so minhas concluses preliminares que submeto agora apreciao de voc, colega. Para aprofundar o tema, seria necessrio que nossos sindicatos tabulassem as estatsticas de que dispem sobre o assunto, e somente ento e staramos seguros de que no tem furo na nossa matria. Enquanto o estudo definitivo no vem, vou fazendo aqui minhas elucubraes. Estamos vivendo um Camboja em nossa vida profissional, desde o advento dos novos brbaros, que passaram a dar feies pavorosas ao exerccio do poder nas redaes. No haveria por que deter-se no lado sombrio de nosso cotidiano - na verdade, mera extenso da violncia institucional que grassa por toda parte, abatendo gente ainda mais indefesa que ns. Ocorre que diferena de muitos, ns, jornalistas, nos consideramos por profisso e vocao um dos instrumentos das mudanas que apontam para um convvio melhor entre os homens. Sabemos, mais do que ningum, que o autoritarismo a mais pesada das poitas que nos retm prximos da selvageria. Mas como converter nossa f e esperana em tarefa, se nos golpeiam fundo na vontade, castram nosso moral, anulam nossas energias e comprometem a eficcia de nosso trabalho? A quem interessa e a quem beneficia o saldo do mando a bel-prazer? Aos nossos empregadores, em primeiro lugar, certamente que no. Embora sejam senhores absolutos da deciso de contratar e demitir, no pode passar pela cabea de ningum que estejam jogando dinheiro fora ao recrutar com o esmero de hoje os talentos que sua mquina ir moer amanh. A propsito, por muito tempo o debate foi bloqueado pelo maniquesmo. Por isso, retom-lo na direo aqui proposta pode sugerir que se pretende escamotear

o essencial, desviando-o para o conforto do oportunismo. Aos que assim pensam, respondo: pelo menos metade de minha vida profissional consumiu-se em funes de chefia - a servio dos patres, portanto. Nunca jamais me foi sequer de longe insinuado que perpetrasse as barbaridades que hoje presenciamos, algumas das quais relato aqui, apenas a ttulo de exemplo. Peo pacincia ao leitor, que l chegaremos. Ao longo da dcada de 90, ns, jornalistas, despejamos sobre os leitores os princpios que devem informar o "novo" conceito de capital humano. Divulgamos aos quatro ventos que, depois da era do msculo e da era da mquina, havamos chegado finalmente era propriamente humana do trabalho intelectual. Fomos ainda enfticos, apregoando que o futuro dos povos est na dependncia do reconhecimento de uma descoberta absolutamente indito na histria das relaes capital-trabalho: a cabea - desde a do peo da fbrica at do penltimo executivo no topo da hierarquia, j no pode ser considerada como mero suporte do capacete. Nos ltimos anos do sculo, estamos divulgando inovaes ainda mais surpreendentes, como a importncia de se zelar pelas emoes e afeies no mundo do trabalho, de modo a liberar a criatividade e extrair mais excedentes. Assim, j se comea a admitir no ambiente de trabalho a presena de ces - animais agora convertidos em amansadores de seus prprios donos. E no estranhar que amanh veremos o co puxado pela criana puxada pela bab puxada pela patroa - todos rumo ao escritrio, para o melhor desempenho profissional do "chefe de famlia". Por mais que se queira ver nisso tudo mera retrica das teorias da organizao, ainda assim ser preciso render-se evidncia de uma grande mudana: a retrica organizacional humaniza-se cada vez mais. Assim, ficam cada vez mais distantes os tempos em que Henry Ford e Alfred Sloan sonhavam com um rob que substitusse perfeio a fora muscular do operrio-camaro, cuja cabea no lhes interessava. Reduzido a fora mecnica, esse simulacro de gente, acionado por comandos de voz ou eltricos, ainda apresentava o inconveniente de portar uma cabea debaixo do capacete - um fator de dirupo na rgida estrutura hierrquica piramidal, concebida segundo o modo de funcionar da prpria mquina. Diferentemente do mundo da fbrica, a corporao jornalstica no passou pela primeira revoluo na organizao do trabalho nem pela ltima. Desde a inveno da imprensa at os dias de hoje, pouca coisa mudou na forma como estabelecemos nossa rotina de trabalho ou no modo como promovemos a interao entre os indivduos que dela participam. Ao contrrio do que ocorria na fbrica de Ford, no operamos como partes mecnicas, isoladas e inertes, sem interao. Se a cor do capacete devesse indicar o lugar que ocupamos na estrutura arborescente de Ford e Sloan, cada um de ns deles portaria uma coleo inteira - no importa a funo,

fazemos necessariamente de tudo um pouco e conjuntamente, de modo que a obra final sempre resultado de um esforo comum. Os vnculos funcionais que nos ligam uns aos outros no so apenas do tipo linear, como na fbrica de Ford. Podem estabelecer-se entre ns interdependncias tanto num mesmo nvel de ramificao quanto em nveis diferentes - e essas interdependncias assumem a forma de circuitos de retroalimentao, conceito que operamos sculos antes de Wiener valorizlo na Ciberntica. Assim, nas redaes o trabalho de A pode tornar possvel o aprimoramento do trabalho de B, e o trabalho de B, por sua vez, pode ser utilizado para melhorar o trabalho de A. E a melhoria de A tornar possvel o crescimento da eficcia de B, e assim por diante. Um por todos e todos por um o lema de nossa prtica mosqueteira que est por trs de cada matria, de cada ttulo, de cada manchete. E por que assim? Porque o mtodo de ataque e de resoluo de problemas nas redaes deve corresponder ao objeto com o qual lidamos. O objeto com que lidamos a histria do presente - e essa feita de liberdade. Ela se inventa. E para darmos conta da inveno - que no sabemos quando, onde, por que, por quem e como vai ocorrer - que a organizao de nosso trabalho s comparvel em flexibilidade, agilidade, leveza e improvisao s asas da imaginao. Tudo orientado para captar o novo, o singular. E estamos to seguros de nossa escolha que, mesmo que os fsicos nos quisessem demonstrar que a existncia do Universo uma improbabilidade estatstica, l estaramos ns, incrdulos, espera de que algo pudesse ocorrer, porque para ns uma improbabilidade ainda no uma impossibilidade. Sem o brilho dos poetas, estamos sempre enunciando algo como que pela primeira vez, ainda que na forma de rascunho. Sabendo que a notcia altera o contexto em que cai, obrigamo-nos a cada momento a recalibrar nossa percepo, de modo a no deixar escapar o evento que est por vir. Temos, assim, as habilidades requeridas da mais celebrada das profisses do futuro a perspiccia para identificar novos contextos. Mas verdade tambm que, como rascunhadores da histria do presente, no dispomos do saber categrico. Nossa pauta sempre resultado de um compromisso precrio entre o passado de ontem, que j no o mesmo, ante o que acaba de ocorrer, e o futuro que ainda no veio. desse fundo turvo e movedio que tiramos nossas certezas, saltando do que no mais para o que ainda no . E, assim, como os engajados na ao poltica, pagamos por nossas apostas. a essa organizao-modelo, feita para lidar com o impondervel, que faz da solidariedade objetiva condio de trabalho e aceno virtude, que os novos brbaros querem pr abaixo, reduzindo-nos a autmatos que Ford recusaria, tivesse ele o rob, pela impossibilidade de cortar-lhes a cabea.

Uma diretora de redao de uma revista de circulao nacional passa a exigir como critrio de seleo do pessoal o mapa astrolgico. Outro diretor exige que eu demita a secretria por causa da cor do batom, muito viva para seu gosto soberano. Um terceiro me recrimina por manter a porta aberta a todos os subordinados, mesmo sabendo que os problemas por eles trazidos sero resolvidos somente na instncia em que ocorreram e qual eles esto vinculados. Um editor, recm-chegado ao jornal, demite toda a equipe, contrata um bando de amigos bichos-grilos, e, vendo-se ento incapaz de editar, pede demisso vinte dias depois. No momento em que digito este texto, sem que ningum soubesse que pretendia faz-lo, sou interrompido pelo telefone que me faz saber da demisso de uma reprter, por se ter recusado a fornecer ao chefe imediato suas fontes. O primata que a demitiu tem dois meses de casa; a reprter, dez anos de excelentes servios prestados, na opinio unnime dos colegas. Do currculo do mesmo primata consta a deciso de ter demitido de forma igualmente sumria, sem consulta a ningum, outro reprter que (pediu, e depois) exigiu retificao na edio do dia seguinte de uma informao crucial que havia sido alterada na sua matria. Seria o caso de prosseguir em relatos de casos conhecidos de todos? Ausente durante cinco anos da grande imprensa, constato ao meu retorno como cresceu o imprio do arbtrio. Restringindo minhas observaes apenas ao que ocorre nas cinco maiores empresas de comunicao, verifico que no passa um dia sequer sem notcia de alguma demisso profundamente injusta e atrabiliria. As novas geraes precisam saber que nem sempre foi assim e que no deve ser assim. De minha infncia e adolescncia profissional lembro-me com saudade do ambiente nervosamente alegre e ruidoso das redaes, lideradas por gente que entendia a autoridade como um valor a conquistar junto aos liderados, razo por que no receavam mover-se entre nossas baias, como um mortal comum, eventualmente responsvel por um aporte superior de discernimento. Seria impensvel esperar de quaisquer de meus ex-chefes de ento que patrocinassem a demisso de quem se recusou, por aplicao no trabalho, a morder a isca do trote do boimate, ou que demitissem a redatora, impossibilitada de mudar o horrio de trabalho em menos de doze horas, como lhe foi exigido, por no ter ainda quem buscasse o filho na escola. Seria aquela sua intolerncia com a intolerncia manifestao de uma postura superior de carter? Hoje vejo insinuar-se nas grandes redaes um silncio tumular. Vejo as pessoas moverem-se cautelosamente pelos cantos, como que com medo de que o chefe as flagre no exerccio culposo de existir. O terror parece tornarse onipresente, ainda no ostensivo como um pelourinho na praa, mas j veladamente insidioso como um cncer da prstata.

"Vais conhecer o mundo", disse o pai do menino Raul Pompia porta do Ateneu. Li-o na adolescncia, para saber cedo na vida que no haveria por que esperar que em nossas redaes os sonhos devessem manter-se ao abrigo do risco de serem modos pela brutalidade. Mas, ao contrrio do que se passava no Ateneu, nossa vida c fora tem a ver com responsabilidades pblicas, como atesta a lei que rege nossa atividade. Como o flagelo espalha-se em ondas avassaladoras, comeo a recear pelo destino das novas geraes, sensveis igualmente brutalidade, mas desprovidas de nossas referncias passadas, e tendentes, como observo, a encarar como "natural" esse caminhar moralmente de ccoras. Assim, deixam que os chefes metam a mo em seus textos, s vezes suprimindo ou alterando contedos de importncia crucial, sem se dar conta de que ao reprter cabe responder tica e civilmente perante a fonte e o leitor. Da castrao moral infantilizao becia das equipe o passo apenas s, lgico, como o foi no fascismo. Assim, uma editora jovem alada subitamente condio de editora snior - digo, melhor, demiurgo - convoca editores e reprteres, alguns deles com mais de quinze anos de jornalismo, para ministrar-lhes durante uma hora, com despudor anedtico, lies transcendentais sobre como falar ao telefone com o entrevistado. Explica-se: ao tempo em que o mundo se debrua sobre nosso modelo de organizao, para dele colher o segredo das estruturas versteis, os novos brbaros, avanando sobre os escombros de nosso orgulho, fazem escola nas redaes - e so esses padres de mando desptico que passam a moldar o comportamento dos mais novos, do subchefe ao ltimo reprter ou paginador na escala hierrquica. Estaria a o comeo da explicao de uma das tendncias a que me propus investigar no incio? Conhecendo-lhe a matriz histrica, sabemos que o despotismo esterilizante de nossos dias no uma fatalidade. Trabalhei em organizaes jornalsticas exemplares, como a TV e Rdio Sucia e a BBC londrina. Ali, j no incio dos anos 70 tamanha era a preocupao com remover do ambiente de trabalho empecilhos que pudessem dificultar o exerccio da inteligncia, que se suprimiu, simplesmente, a figura do chefe. Nem por isso ruiu a hierarquia para instalar-se a anarquia. Criou-se em seu lugar a figura do lder de grupo de quem, por precauo, se retirou o poder de vida e de morte sobre os subordinados. O objetivo era remover da relao hierrquica a possibilidade de prevalecer na deciso das chefias elementos de fora, de uso inteiramente inadequado no caso. Subjacente a essa postura, que reconcilia a natureza de nossa atividade com a forma de organizao que lhe convm, est o entendimento de que a arma do argumento - e no o porrete - o instrumento por excelncia de nosso trabalho. brandindo o argumento, s vezes com veemncia como fazamos no passado, que se faz vir luz a manchete. E sempre em razo dos argumentos que se armam os qiproqus, tnico da criatividade que d

origem ao melhor lead, ao melhor ttulo, escolha da melhor foto, ao melhor texto final, que, embora assinado, traz as marcas da contribuio de cada um. (Diga-me, colega, haver profisso mais apaixonante que a nossa? No assim que o operrio alienado do produto de seu trabalho fantasiou seu paraso?) Esse o grande debate, que sem dio nem ressentimento precisamos ter coragem de levar s redaes e aos sindicatos da categoria. Quando se tiver removido o despotismo atual, as novas geraes podero ver com mais clareza que o jornalismo alimenta-se exclusivamente dessa substncia seminal, que o dissenso. Entre ns, os embates, longe de visar eliminao do contendor, so funcionais: seu objetivo produzir o mesmo efeito polifnico do choque entre metais e cordas na orquestra. , assim, com o propsito de restabelecer o princpio da dissonncia em nossa atividade, que convoco os colegas para uma cruzada cultural, que sabemos longa, e que nos conduza ao seguinte: 1 - suspenso das demisses sumrias, parte as questes disciplinares, assunto que no objeto de nossas consideraes; 2 - remoo da possibilidade do arbtrio, cassando-se o "direito" do chefe de decidir sobre o destino dos colegas sem consulta a ningum (na BBC so necessrias pelo menos trs pessoas para formalizar o processo e tomar a deciso); 3 - levar aos empregadores, mediante negociao com os sindicatos, uma proposta de adoo de uma poltica de pessoal ad hoc. Aprendemos com Tocqueville que o mais terrvel dos poderes o poder de mandar a bel-prazer. Assim concebido, ele , nas palavras do gnio, infinitamente perigoso. No pelo fato de mandar - mas pelo fato de que pode tomar conta da sociedade. No pelo fato de controlar - mas pelo fato de que pode privar os cidados de qualquer iniciativa poltica e, mais grave que tudo, porque pode priv-los do desejo de tomar iniciativas. Da a urgncia desta cruzada. Estou confiante na compreenso de nossos empregadores, a quem, como a ns, no interessa a asfixia de nossa criatividade e a ineficcia de nosso trabalho. Vejo como possvel restabelecerem-se as responsabilidades compartilhadas nos erros e nos acertos, o esprito de confiana, o princpio do dissenso e a paixo pelo trabalho, para melhor proveito de nossos leitores. Meu endereo: Rua Piau, 359, apto. 61. 01241-001, Higienpolis. So Paulo - SP. Fone: (011) 255 17 58.

Garca Mrquez ensina aos empresrios o que o jornalismo humanista

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OI NA A cobertura da tragdia na Regio Serrana Por Lilia Diniz em 3/3/2011

TV

O temporal que devastou inmeras localidades na regio serrana do Rio de Janeiro na madrugada do dia 12 de janeiro deixou cerca de 900 mortos, centenas de desaparecidos e mais de 29 mil desabrigados. O alto ndice pluviomtrico registrado nas primeiras horas da tempestade causou enchentes, deslizamentos de terra e elevao do leito dos rios. Um ms aps a tragdia, o Observatrio da Imprensa visitou as cidades mais atingidas pelas chuvas para mostrar como foi o trabalho da mdia regional nesta cobertura e debater os principais desafios do jornalismo fora dos grandes centros urbanos. A edio especial exibida na tera-feira (1/3) pela TV Brasil veiculou entrevistas com profissionais de imprensa, autoridades e moradores de Nova Friburgo, Terespolis, Petrpolis e Areal.

No editorial que abre o programa, Alberto Dines comentou que a grande imprensa, principalmente as redes de televiso, trouxe a tragdia para dentro das casas do Brasil inteiro. "Esta a sua funo, para isso dispem de fabulosos recursos financeiros, tcnicos e humanos. Pouco se falou sobre o papel desempenhado pela mdia local da regio serrana, os pequenos jornais comunitrios, as emissoras de rdio, as repetidoras de TV, os servios de alto-falantes, os sites, os blogs. Pouco se falou sobre o cidado reprter e o reprter-cidado que, com precrios celulares, webcams e tocados pela

intensa ligao com a sua terra e a sua gente, cumpriram o doloroso dever de relatar o que acontecia sem abater-se", avaliou. Dines comentou que o poder poltico deseja uma imprensa regional "inofensiva, atrelada e submissa aos seus interesses" e que os anunciantes locais no tm coragem para "bancar" um jornalismo independente. Em Nova Friburgo, as chuvas atingiram em cheio o centro da cidade, causando mortes e afetando drasticamente setores essenciais da economia. Com as ruas tomadas pela lama, o primeiro desafio da equipe da afiliada do SBT no interior do estado foi chegar redao, na Praa Getlio Vargas. Mesmo com as dificuldades de locomoo, as primeiras imagens gravadas em solo foram transmitidas por esta equipe. N elson Cunha, editor-chefe do canal, contou que, em funo da falta de energia eltrica e do colapso no sistema de telefonia, o mais difcil nas primeiras horas era ter a noo exata da situao. A estrutura da repetidora do SBT proporcional realidade pacata de Nova Friburgo. Por isso, os funcionrios precisaram se redobrar para cobrir a catstrofe. "A gente passou, de um dia para o outro, a ter que, praticamente, preencher toda a grade do jornal da emissora", disse Cunha. Conciliar o lado profissional com a triste realidade da tragdia que assolou a cidade foi um dos grandes desafios desta cobertura, na avaliao do editor. Com os ps na lama Prxima a um rio, a sede do canal a cabo Luau TV, no bairro de Olaria, ficou alagada. Voltada habitualmente para o entretenimento, a emissora passou a transmitir para a populao local as principais notcias sobre os transtornos causados pelas chuvas. "A informao de que realmente o que havia acontecido com a cidade era algo muito srio, muito grande, j se percebia nas primeiras horas da manh um nmero grande de helicpteros sobrevoando, o que no era normal. Por volta de 13 horas a energia foi restabelecida e o nosso telefone comeou a funcionar. Imediatamente o Daniel [tcnico do canal] pegou todos os equipamentos que ns tnhamos e levou pra parte de cima e l ns improvisamos um espao para passar as primeiras informaes daquilo que estava acontecendo", contou Walter Thuller, diretor da Luau TV. A apresentadora Bruna Verly relembrou que foi a p at a emissora, com lama at o joelho. Luzni Penna acredita que, como jornalista, est tendo uma responsabilidade social muito maior do que imaginava. A reprter Karime Leo, do SBT, voltou com a equipe do Observatrio ao local onde houve o maior desabamento no centro da cidade. Prdios e casas foram destrudos por toneladas de terra. Nove pessoas morreram, trs delas integrantes do Corpo de Bombeiros. "A impresso era de um cenrio de guerra, parecia que a gente estava em um filme de fico cientfica", relembrou. Uma me que, aos prantos, pedia a funcionrios do Instituto Mdico Legal (IML) de Nova Friburgo para limpar a lama do corpo do filho foi uma das cenas que mais marcaram a jornalista. "Ela falava: mas ele s tem seis anos, ele est sozinho l dentro. Acaba com qualquer um, n? No tem como voc no se emocionar. No tem como eu ainda no estar em estado de choque", disse Karime. Por ter um contato prximo com autoridades e moradores, as equipes locais cobriram os fatos com maior "conhecimento de causa", na avaliao da jornalista. Outro veculo de informao que sofreu as conseqncias das chuvas em Nova Friburgo foi A Voz da Serra. Os 170 mil habitantes da cidade ficaram seis dias sem o jornal mais antigo e importante da regio. Nos mais de 70 anos de hist do dirio, esta foi a ria primeira vez que deixou de circular. A redao e a grfica no foram atingidas pela enxurrada, mas as dificuldades na distribuio impediram que os exemplares chegassem

s bancas e aos assinantes. A maioria dos 30 funcionrios foi afetada pela forte chuva e no conseguiu trabalhar nos primeiros dias. O diretor do jornal, Larcio Ventura, explicou que os fotgrafos da publicao percorreram a cidade "de forma muito emprica", pois estavam sem telefone para a comunicao com os editores, para registrar as imagens da tragdia para as edies posteriores. A real dimenso da tragdia Em Terespolis, o temporal devastou dezenas de bairros, mas deixou o centro da cidade intacto. Sem luz e telefone e com ruas e estradas bloqueadas pela queda de barreiras, o trabalho da imprensa nas primeiras horas foi catico e a mdia local demorou a perceber a dimenso da tragdia. Andr Oliveira, da Rdio Terespolis, contou: "J sa com a minha cmera de fotografia a tira-colo, parei em alguns pontos onde tinha uma laminha, uma sujeirinha, achando que eu estava abafando, tirando foto daquilo tudo, falando vou levar para o jornal porque a chuva deu a maior sujeira. Quando eu cheguei emissora, ns estvamos sem luz tambm, sem energia eltrica tanto no estdio quanto nos transmissores e o colega que estava aqui falou olha, deu muito problema, muita gente morta, a cidade est acabando. E foi a que comeou a cair a ficha do que estava acontecendo". Ao longo do dia, a equipe contou com a parceria dos ouvintes para transmitir informaes sobre o estado em que se encontravam os bairros mais afastados do centro. O Grupo Dirio, que edita o jornal Dirio de Terespolis, sofreu com as informaes desencontradas nos primeiros momentos. "A gente no tinha idia que a coisa ia tomar aquela proporo, mas a gente sabia que alguma coisa ia acontecer ou que estava acontecendo. J nas primeiras horas da madrugada a gente recebeu telefonemas de pessoas nessas localidades que estavam numa situao muito difcil, como no distrito da Posse. Tinha gente dizendo que estava vendo coisas absurdas como ondas de 15 metros, no estava entendendo o que estava acontecendo, pedindo informaes, perguntando se eu sabia de alguma coisa. A eu fui unindo uma coisa com a outra. Nas primeiras horas a gente j estava mais ou menos pautado e, evidentemente, quando chegamos aos locais, vimos que a coisa era mesmo assustadora e que aquilo iria tomar propores inimaginveis", relembrou Anderson Duarte, diretor de jornalismo do grupo. Para muitos habitantes de localidades que ficaram isoladas, o rdio pilha foi a soluo para saber as notcias. "Voc no precisa de energia eltrica para ouvir rdio. Se voc tiver um radinho pilha voc vai ouvir por um determinado nmero de horas, enquanto a pilha durar. Isso serviu de informao no momento da tragdia para muita gente que estava isolada. As torres de telefonia no estavam funcionando. No havia energia eltrica, no havia nada, mas o radinho estava ligado", disse Andr Oliveira. "A estrutura de uma rdio pequena nos deixa longe dos helicpteros, nos deixa longe dos acessos aos bairros mais distantes. A que entrou a parceria dos ouvintes porque muito do que ns noticiamos foi trazido por eles", explicou o jornalista. Uma cobertura inesquecvel Claucio Misael, reprter da Rdio Terespolis, estava em frias na semana em que a catstrofe ocorreu, mas acabou sendo contagiado pela necessidade de registrar os fatos e ajudar a populao. Ao longo da BR 116, interditada pela queda de barreiras em diversos pontos, acompanhou resgates, relatos de dor e o desespero de pessoas que caminhavam

quilmetros na chuva em busca de notcias de parentes. Uma das entrevistas que emocionaram o jornalista foi a de uma me que perdera a filha de 15 anos levada pela fora das guas do rio que passava ao lado de sua casa. "Para um reprter, com certeza muito difcil, apesar de eu j ter visto muita coisa ruim. Por conta do meu trabalho de rua, a gente est in loco, acompanhando alguns casos, mas algo igual ao que eu acompanhei, nunca", afirmou Claucio. O resgate de D. Ilair, em So Jos do Vale do Rio Preto, comoveu o Brasil. O rio que corta a cidade invadiu as ruas rapidamente e deixou a dona de casa isolada em um terrao com seus cachorros. Poucos instantes antes da construo ser levada pela enxurrada, vizinhos jogaram uma corda e conseguiram salvar a vida de D.Ilair. As dramticas imagens registradas por uma equipe da InterTV, afiliada da TVGlobo, foram exibidas por telejornais de todo o pas. "Eu no acreditava que ia correr o mundo. Para mim, era uma imagem como outra qualquer. Uma imagem normal, do meu dia-a-dia", disse o reprtercinematogrfico Rogrio de Paula. O jornalista Bruno Micelli contou que, enquanto as imagens eram captadas, a equipe ajudava a orientar D.Ilair. No municpio de Petrpolis, o centro histrico e comercial no foi afetado pelo temporal, mas o Vale do Cuiab, no distrito de Itaipava, foi parcialmente destrudo. "Eu consegui contato com uma fonte na regio do Brejal que confirmou que havia duas vtimas fatais e a partir da eu entrei em contato com a redao do jornal e a gente foi para l. S que chegando na estrada do Gentio a gente ficou sabendo que na verdade a tragdia maior estaria no Vale do Cuiab. A gente ouvia as pessoas falando o Vale do Cuiab acabou, mas a gente queria saber o que aconteceu l. A ns fomos, passamos por uma localidade conhecida como Buraco do Sapo, que fica perto da estrada Petrpolis-Terespolis, e l vimos que pelo menos umas seis a oito pessoas estavam sendo retiradas e que o quadro era de destruio total. Indo para o Vale do Cuiab, a gente levou umas duas horas para chegar por causa da dificuldade de acesso, o quadro de destruio s aumentava", relembrou Jaqueline Costa, reprter da Tribuna de Petrpolis. Erros na grande imprensa Uma semana depois das fortes chuvas que atingiram a regio serrana, a Tribuna de Petrpolis publicou um editorial na primeira pgina criticando a grande imprensa. Para o jornal, a cobertura da mdia nacional foi leviana e pode prejudicar o turismo e o comrcio, vitais para a recuperao da cidade. "Eu fui a vrias reunies da Firjan [ Federao das Indstrias do Estado do Rio de Janeiro] e da prefeitura e havia um clamor muito grande em relao imprensa do Rio, a imprensa dita nacional, de outros estados. H televises que focaram muito que Petrpolis tinha acabado. O pessoal achava que em Petrpolis tinha gua dentro do Museu Imperial, quando nada disso aconteceu. As pessoas trocam bastante o nome dos lugares. O Vale do Cuiab, por exemplo. Ningum sabe direito onde fica", criticou Francisco de Orleans e Bragana, diretor do jornal. Para o diretor, as informaes sobre a tragdia, muitas vezes, ficavam truncadas. Com pouco tempo para checar as notcias em meio catstrofe, a imprensa acabou divulgando informaes erradas. Entre os equvocos, o caso do cachorro Caramelo ganhou repercusso. "Naquela srie de tmulos que foram cavados para as vtimas da tragdia, tinha um cachorrinho do lado de um desses tmulos, e por acaso o nico que estava coberto, ou seja, o nico que tinha algum enterrado. Foi publicado em quase todos os sites de notcias do Brasil, sites de notcias internacionais, que aquele cachorro

estaria ali h 3 dias velando a sua antiga dona que foi vtima no Caleme. Existiu realmente um cachorro que estava velando, ou estava prximo de onde a sua famlia de origem havia sido vitimada. Esse cachorro ficou perambulando pelo bairro do Caleme durante alguns dias. Na verdade o cachorrinho que estava do lado do tmulo l no cemitrio o cachorrinho do coveiro", explicou Anderson Duarte, do Grupo Dirio. Uma soluo simples e criativa salvou a vida de muitos habitantes da cidade de Areal, a 100 quilmetros do Rio de Janeiro. O prefeito foi informado das fortes chuvas que atingiram a regio na madrugada anterior e percebeu que em pouco tempo as guas dos rios Preto e Piabanha invadiriam as casas. Em menos de meia hora, o carro de som usado para os comunicados do dia a dia da prefeitura comeou a percorrer a cidade e alertar os moradores sobre o perigo da inundao. No havia chovido em Areal, mas ainda assim a populao ribeirinha levou a srio o aviso e procurou um local seguro. Dos cerca de 12 mil habitantes, nenhum morreu. No encerramento do programa Dines comentou: "A tragdia da regio serrana do Rio nos mostrou que o sistema miditico essencialmente pluralista, holista. A sociedade precisa tanto da agilidade e emoo dos pequenos veculos, capazes de antecipar e prevenir, como precisa das grandes empresas, capazes de repercutir e movimentar a esfera federal. Esta tragdia, se quisermos, pode nos levar a uma revalorizao da brava pequena imprensa".