análise de metas curriculares de ciências naturais

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Apreciação Crítica das Propostas de Metas Curriculares de Ciências Naturais (em Discussão Pública até ao dia 25 de março de 2013) 25 de Março de 2013

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Análise crítica das versão pública das metas curriculares para Ciência Naturais (5.º, 6.º, 7.º e 8.º anos)25/03/2013

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Page 1: Análise de metas curriculares de Ciências Naturais

Apreciação Crítica das

Propostas de Metas Curriculares de

Ciências Naturais

(em Discussão Pública até ao dia 25 de março de 2013)

25 de Março de 2013

Page 2: Análise de metas curriculares de Ciências Naturais

– 1 –

Introdução

A versão para discussão pública do documento correspondente às Metas Curriculares para as Ciências

Naturais sugere-nos algumas críticas que se apresentam de seguida. Este documento de análise está

organizado em seis secções, correspondendo a cinco comentários gerais, orientados por questões

fundamentais para o ensino das ciências, e a uma análise específica. Inclui-se, ainda, um anexo com uma

análise mais detalhada dos conceitos de Geologia, dado o aprofundamento e ênfase que sofreram nesta

proposta, relativamente às orientações curriculares de 2002.

Comentário 1- Que visão para o ensino das ciências?

A revogação de toda a legislação e documentos curriculares enquadradores dos programas de ciências

deixou um vazio quanto à visão e grandes finalidades para o ensino das ciências, em Portugal. As

orientações curriculares para as Ciências Físicas e Naturais (ME-DEB, 2002) definem como grande finalidade

o desenvolvimento de competências específicas para a literacia científica, que visa proporcionar aos alunos

a possibilidade de:

Despertar a curiosidade acerca do mundo e criar um sentimento de admiração, entusiasmo e

interesse pela ciência.

• Adquirir uma compreensão geral e alargada das ideias importantes e das estruturas explicativas da

ciência, bem como dos procedimentos da investigação científica.

• Questionar o comportamento humano perante o mundo, bem como o impacto da ciência e da

tecnologia no nosso ambiente e na nossa cultura em geral.

Qualquer uma destas dimensões é fundamental. A primeira associada “à conquista” de valores humanos

para profissões ligadas à ciência, a segunda respeitante ao domínio científico propriamente dito (saberes e

procedimentos científicos) e a terceira relacionada com o questionamento e posicionamento crítico face ao

impacte da ciência e tecnologia no mundo.

É importante que os professores de ciências, quando ensinam, continuem a ter estas grandes metas da

educação científica, em perspetiva.

Transcorridos mais de 20 anos sobre a elaboração do programa de Ciências da Natureza de 2.º Ciclo e 10

anos sobre o de 3.º Ciclo, seria importante identificar não só as ideias científicas basilares, mas também as

áreas científicas críticas no mundo atual, que mais contribuem para o desenvolvimento económico e social,

com vista a atualizar os programas/metas curriculares, modernizando-os, de forma a contribuir para tornar

Portugal num país competitivo, nesta área.

Page 3: Análise de metas curriculares de Ciências Naturais

– 2 –

O relatório A Decade of Action: Sustaining Global Competitiveness: A Synthesis of Recommendations from

Business, Industry, and Governnment for a 21st-century Workforce (BSCS, 2007), por exemplo, identifica

como principais setores económicos, no domínio científico, as seguintes áreas:

- Ciências aeroespaciais

- Biotecnologia

- Energia

- Mitigação de catástrofes

- Saúde

- Informação e comunicação

- Nanotecnologia

- Farmacêutica

- Recursos

Logo desde os primeiros anos de escolaridade, os temas científicos explorados deveriam abrir caminho e

perspetivas aos alunos para estas importantes áreas. Contudo, não é isso o que se vê refletido na proposta

de metas curriculares de Ciências Naturais, onde os temas do 2.º e do 3.º ciclos (se bem que importantes e

nucleares) são uma mera transposição dos programas anteriores, sem qualquer tipo de atualização.

Comentário 2- A importância das práticas científicas e do raciocínio científico

A ciência não é apenas um corpo de conhecimentos. A ciência é uma forma de interpretar e explicar o

mundo, diferente da religião, da arte ou do senso comum. Por essa razão, a ciência é caracterizada por

formas de trabalhar (práticas científicas) e de pensar (raciocínio científico) características, que obedecem a

determinadas condições de validade. Mais do que um conjunto de conhecimento, a ciência é um modo de

pensar e fazer. Introduzir os alunos em práticas científicas e esquemas de raciocínio apropriados deverá,

pois, ser uma das principais finalidades da educação em ciência. É por isso que todos os relatórios e

recomendações internacionais para o ensino das ciências incluem as práticas científicas como centrais à

educação em ciência. Seguindo essas recomendações, todos os currículos escolares de ciência, a que

tivemos acesso, dão uma importância basilar a esta componente.

Por exemplo, as linhas orientadoras para os standards americanos (NRC, 2012), para além das ideias

científicas nucleares, estabelecem como principais práticas científicas, às quais os alunos devem ser

introduzidos, progressivamente:

- Formular questões e problemas científicos e tecnológicos

- Desenvolver e usar modelos

- Planear e implementar investigações

- Analisar e interpretar dados

Page 4: Análise de metas curriculares de Ciências Naturais

– 3 –

-Usar pensamento matemático e computacional

- Construir explicações científicas e desenhar soluções tecnológicas

- Desenvolver argumentos a partir de evidências

- Obter, avaliar e comunicar informação

E, ainda, um conjunto de “conceitos transversais” a todas as ciências e engenharias, que são:

- Padrões

- Causa-efeito

- Escala, proporção e quantidade

-Sistemas

-Energia e matéria

- Estrutura e função

- Estabilidade e mudança

Na mesma linha, mas adotando uma solução prática diferente, a proposta de programa de ciência do Reino

Unido (atualmente em consulta pública em www.education.gov.uk/nationalcurriculum) estabelece como

tema programático “Trabalhar cientificamente”, onde inclui, por exemplo, nos 5.º e 6.º anos:

- Planear investigações, nomeadamente usando o controlo de variáveis;

- Fazer medições com precisão e exatidão crescentes;

- Registar dados e resultados de complexidade crescentes, usando diferentes formatos de registo;

- Relatar resultados de investigações, nomeadamente através de explicações causais e conclusões;

- Apresentar relatórios de investigações na forma escrita e na forma oral;

- Continuar a desenvolver a capacidade de usar resultados de testes para fazer previsões e

desenvolver outros testes controlados.

Nenhum destes processos científicos é incluído, de forma clara e explícita, nas metas curriculares de

Ciências Naturais. Também, em nenhum momento, se refere a importância de encontrar “padrões” em

resultados, estabelecer relações “causa-efeito” ou trabalhar com “escalas, proporções e quantidades”. As

metas curriculares para as Ciências Naturais, em análise, praticamente não incluem ou não incluem de

todo, no texto, processos científicos tão importantes como “fazer medições”, “registar dados e resultados”,

“interpretar dados e resultados”, “construir e interpretar tabelas e gráficos”, “planear investigações”

“comunicar/relatar resultados”, “classificar entidades ou processos com base em critérios”, “construir

explicações científicas”, “argumentar com base em evidências científicas”, “Elaborar relatórios escritos”,

entre outros.

Excluir as práticas e o raciocínio científicos do currículo de ciências, reduzindo-o quase exclusivamente à

aquisição de um conjunto de factos e conceitos, representa um retrocesso inaceitável, por não ter em

Page 5: Análise de metas curriculares de Ciências Naturais

– 4 –

atenção o conhecimento resultante da investigação no domínio da educação, em particular da educação

em ciência e do desenvolvimento curricular que não pode, assim, contribuir para uma formação científica

moderna e produtiva.

Comentário 3- Seleção, sequenciação e grau de aprofundamento dos conceitos científicos

Não transparece uma progressão no que respeita à sequenciação e aprofundamento dos conceitos e ao

desenvolvimento de capacidades, entre o programa de Estudo do Meio do 1.º ciclo do ensino básico, as

metas curriculares dos 2.º e 3.º ciclos e os programas científicos do ensino secundário. Por exemplo, os

conceitos de Geologia do 7.º ano estão excessivamente aprofundados, repetindo-se no 10.º ano.

As recomendações internacionais para o ensino das ciências, que se fundamentam, não só, em estudos de

avaliação regulares do desempenho dos jovens em ciência, mas, também, em resultados atualizados de

investigação sobre como se aprende e se ensina ciência, apontam para a vantagem de se organizarem os

currículos de ciências em torno de um pequeno conjunto de ideias científicas nucleares. São disso exemplo,

o relatório Taking Science to School (NRC, 2007) e o já referido A Framework for K-12 Science Education

(NRC, 2012). Uma vez identificadas as ideias nucleares, os conceitos científicos devem ser cuidadosamente

selecionados de forma a convergirem para a compreensão dessas ideias nucleares pelos alunos, de forma

cada vez mais aprofundada, ao longo da escolaridade. A título ilustrativo, a tabela seguinte mostra as ideias

nucleares para a Biologia, Ciências da Terra e do Espaço e Física e Química, identificadas em NRC (2012).

Tabela 1- Ideias nucleares para Biologia, Ciências da Terra e do Espaço e Física e Química

Disciplinas Ideias científicas nucleares

Biologia

- Das moléculas ao organismo: estruturas e processos

- Ecossistemas

- Hereditariedade

- Evolução Biológica

Ciências da Terra e do Espaço

- O lugar da Terra no universo

- Sistemas terrestres

- Terra e atividade humana

Física e Química

- Matéria e suas interações

- Movimento e estabilidade: forças e interações

- Energia

- Ondas e suas aplicações

Page 6: Análise de metas curriculares de Ciências Naturais

– 5 –

A vantagem de se pensar o currículo em torno de ideias científicas chave, resulta no facto de se evitar uma

proliferação de objetivos e tópicos científicos pouco relevantes, por vezes desconectados, que pouco

contribuem para a formação dos alunos e que originam programas disciplinares demasiado extensos e

difíceis de cumprir pelos professores.

As metas curriculares de Ciências Naturais padecem de alguns destes problemas, senão vejamos:

- Extensa lista de descritores, particularmente em alguns anos de escolaridade, como sejam os 6.º e 7.º

anos, onde foram contabilizados 134 e 106 descritores, respetivamente. Já no 8.º ano figuram apenas 55

descritores.

- Não são explorados conceitos-base para a construção de ideias científicas nucleares. Por exemplo, apesar

de para tal haver oportunidade, não são introduzidos conceitos essenciais, ou alicerces, à construção da

ideia de “evolução biológica” (ainda que a compreensão mais aprofundada do conceito pudesse vir a

ocorrer apenas no ensino secundário). Na verdade, no 5.º ano, no domínio “diversidade de seres vivos e

suas interações com o meio” e no 7.º ano, no subdomínio “A Terra conta a sua história”, os alunos não

conseguem construir as ideias de “variabilidade dentro da mesma população”, “adaptação ao meio” e

“seleção natural”. A palavra “extinção” não é referida uma única vez. Este problema já existia, de alguma

forma, nas orientações curriculares anteriores, mas agudiza-se nesta proposta. O mesmo acontece, no 6.º

ano, onde os subdomínios sobre “transmissão de vida” surgem totalmente desligados dos conteúdos do 5.º

ano (diversidade e unidade de seres vivos), sendo que a palavra “hereditariedade” parece ser

cuidadosamente evitada, não sendo referida uma única vez.

Por outro lado, a menção à sexualidade, que implica a distinção entre sexo e sexualidade, não existe,

aparecendo a reprodução associada apenas a aspetos morfofisiológicos despidos de envolvimento

emocional, referenciados à propagação das espécies. A título de exemplo, privilegia-se “descrever o ciclo

menstrual” e “identificar no ciclo menstrual o período fértil” sem que haja qualquer referência à

contraceção. A imagem corporal, a privacidade e integridade corporal, características do desenvolvimento

humano, não têm qualquer expressão. Como também não têm as novas tecnologias de reprodução

medicamente assistida e a prevenção da infeção VIH/SIDA. Curiosamente, dá-se ênfase a rituais de

acasalamento (descritor 9.5), de que se excluem, muito possivelmente, os humanos. Seria importante

tornar explícita a distinção entre sexo, de grande relevância para a compreensão dos mecanismos da

evolução, e sexualidade, enquanto característica humana.

- Problemas de sequenciação de conteúdos e descontextualização. A “origem da vida” é uma das principais

interrogações do Ser humano. É difícil contar “A História da Terra” (subdomínio de 7.º ano), sem abordar a

origem da vida, existindo várias hipóteses científicas sobre como terá ocorrido. Contudo, a expressão

“origem da vida” surge apenas uma vez, e de forma descontextualizada, no descritor 2.4. “Relacionar a

origem da vida na Terra com as fontes hidrotermais”, em alusão a uma das várias hipóteses científicas

Page 7: Análise de metas curriculares de Ciências Naturais

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existentes sobre a origem da vida (e bastante recente, até), sem que nenhuma vez tenha sido mencionada

anteriormente.

- Conteúdos e objetivos irrelevantes, que pouco parecem contribuir para a formação científica dos alunos

ou para a edificação de ideias científicas nucleares, ou demasiado aprofundados para o nível etário, como é

o caso de muitos dos conteúdos relativos à Geologia de 7.º ano. Apontam-se a título meramente

ilustrativo:

- “5. Compreender os sistemas digestivos das aves e dos ruminantes” (que surge como subdomínio e não

como descritor)- 6.º ano.

- “8.3. Explicar a importância do estudo da expansão dos fundos oceânicos e do paleomagnetismo para a

compreensão da dinâmica interna da Terra.”- 7.º ano (Neste exemplo acresce a incorreção formal do

descritor, que coloca ao mesmo nível uma Teoria e um dos seus fundamentos).

- “14.5. Explicar a forma como os impactes ambientais, sociais e éticos das inovações científicas e

tecnológicas são geridos na região onde a escola se localiza- 8.º ano.

Todos estes exemplos são reveladores da ausência de uma teoria curricular que dê fundamento e suporte o

que se pretende que os alunos aprendam.

Comentário 4- A (aparente) autonomia do professor na seleção das estratégias de ensino

Sabe-se que os alunos possuem diferentes estilos de aprendizagem e os professores diferentes estilos de

ensino. Por essa razão, os currículos portugueses recentes não tinham como função obrigar os professores

a implementar determinadas estratégias de ensino, mas sim dar-lhes autonomia para as diversificarem e

adequarem às necessidades dos alunos.

Contudo, sabe-se, também, que envolver os alunos em diferentes situações de aprendizagem promove, de

forma diferencial, distintas aprendizagens. Por exemplo, solicitar ao aluno para copiar a definição de um

conceito, escrita no quadro, terá, certamente, uma função didática diferente de solicitar ao aluno a

resolução de um problema num estudo de caso, na qual tenha que usar esse conceito. Por essa razão, as

orientações curriculares anteriores apresentavam exemplos de experiências educativas conducentes ao

desenvolvimento de competências de natureza diversa.

As metas curriculares de Ciências Naturais, agora apresentadas, estabelecem que “Os diferentes

descritores estão redigidos de forma objetiva, rigorosa destinada ao professor, devendo este selecionar as

estratégias de ensino que lhe parecem mais adequadas à respetiva concretização”, contudo essa intenção

não é cumprida, por duas ordens de razões:

Page 8: Análise de metas curriculares de Ciências Naturais

– 7 –

1.º A seleção dos verbos de ação usados nos descritores remete para determinadas estratégias de ensino,

não sendo “neutra” ou desprovida de “ideologia”, quanto à filosofia de ensino. Esta será facilmente

compreendida pelos professores. Na verdade, a predominância de verbos como “definir” ou “apresentar

uma definição” (mencionados 15 vezes), “indicar” (mencionado 31 vezes) e “enumerar” ou “nomear”

(mencionados 14 vezes); em detrimento de verbos como “demonstrar”, “deduzir”, “argumentar”, “avaliar”

(que não são usados uma única vez) ou dos verbos “justificar” e “classificar” (usados uma vez), remete para

o uso francamente predominante de metodologias de ensino promotoras da memorização, se se atender a

taxonomias de objetivos de aprendizagem como a de Benjamim Bloom (Anderson & Krathwohl, 2001).

Ainda que a memória possa estar na base de todos os processos cognitivos mais complexos, como

defendem alguns psicólogos e neurobiólogos, deixar ficar a aprendizagem das ciências nesse tão baixo nível

de exigência cognitiva representa uma visão da educação científica pouco ambiciosa, limitante,

ultrapassada e redutora, certamente desajustada das exigências atuais.

2.º Vários descritores mencionam estratégias de ensino (e bem no nosso entender), tais como o trabalho

prático, laboratorial e experimental, atividades de campo e exercícios de inquérito científico. Contudo, a

ausência de enquadramento teórico quanto ao que consistem estas metodologias, deixa lugar a diferentes

interpretações por parte dos professores. Por exemplo, no descritor “6.3. Indicar as trocas gasosas,

ocorridas nas células, através de exercícios de inquérito científico”, o que têm os autores em mente,

quando referem “exercícios de inquérito científico”? Uma atividade em que “o aluno é colocado perante

uma situação que apresenta uma lacuna, lacuna essa que o aluno deve preencher” e na qual “os alunos não

realizam experiências” (Domingos et al, 1981, p. 167 e 168); ou o scientific inquiry, enquanto o conjunto

mais amplo de atividades através das quais os alunos desenvolvem a compreensão das ideias científicas e

metodologias de estudo do mundo natural, usadas pelos cientistas?

Por outro lado, por vezes, os descritores fazem alusão a atividades, de forma estranhamente específica e

vaga, em simultâneo (como se os autores tivessem uma atividade didática específica em mente, mas que

não podem revelar), tal como em “16.5. Reconhecer a importância dos modelos geológicos explicativos da

estrutura interna da Terra, com base em atividade laboratorial”. Sendo a estrutura interna da terra tão

difícil de estudar de forma direta, que atividade laboratorial servirá este propósito? Será que os autores

têm em mente a construção de um modelo do interior da Terra feito com plasticina ou outro material

moldável? Mas se for esse o caso, trata-se de uma atividade “laboratorial”?

Page 9: Análise de metas curriculares de Ciências Naturais

– 8 –

Comentário 5- A centralidade e a adequação do trabalho prático

Decorrente da importância dos procedimentos e do raciocínio científico, exposta no comentário 2, o

trabalho prático tem um lugar incontornável no ensino das ciências.

Por essa razão fizemos uma análise do número de trabalhos práticos que figuram nas metas curriculares de

Ciências Naturais, por ano de escolaridade, bem como dos temas sobre os quais recaem. Foi ainda

analisada a tipologia de trabalho prático. Nalgumas situações não foi possível classificar o trabalho prático,

tendo sido assinalado como “indeterminado”. O resultado dessa análise figura nas tabelas seguintes.

Tabela 2- Distribuição dos trabalhos práticos por tema e ano de escolaridade

Ano de escolaridade Tema Total

5.º Solo, rochas e água

Célula

7

6.º Sistemas do corpo

humano

Plantas

Microorganismos

10

7.º Célula

Rochas

História da Terra

17

8.º Ecossistemas 3

Tabela 3-Tipologia de trabalhos práticos (5.º-8.º anos)

Tipologia de trabalho prático N.º total

Ilustração 9

Observação 15

Investigação/Teste controlado 5

Indeterminado 8

Page 10: Análise de metas curriculares de Ciências Naturais

– 9 –

Da análise feita é possível concluir:

- Quase metade dos trabalhos práticos recai, inexplicavelmente, sobre o 7.º ano de escolaridade e

sobre temas de Geologia. No 8.º ano, cujos temas centrais são os ecossistemas e a sustentabilidade,

figuram apenas três trabalhos práticos.

- A grande maioria dos trabalhos práticos é do tipo ilustração ou observação.

- As investigações, durante as quais os alunos recolhem e analisam dados para responder a um

determinado problema (e que podem envolver controlo de variáveis), representam uma minoria dos

trabalhos práticos.

Os trabalhos práticos não possuem, todos, o mesmo valor formativo, pelo que devem surgir no currículo de

forma diversificada e equilibrada. Uma ilustração, de carácter essencialmente qualitativo, é desenhada pelo

professor para “dar a ver” aos alunos, fenómenos, propriedades ou conceitos. São atividades de carácter

eminentemente pedagógico, que não são usadas pelos cientistas quando desenvolvem as suas

investigações. Nas observações, os alunos podem desenvolver capacidades como o rigor, a busca do

detalhe ou de regularidades e padrões. Nas investigações (dependendo do grau de abertura imprimido pelo

professor), os alunos podem ser envolvidos na formulação de problemas científicos, no desenho de

procedimentos, na identificação e controlo de variáveis, na recolha, registo e análise de dados, na

construção de explicações, na argumentação. Num contexto deste tipo, os alunos aproximam-se do

trabalho desenvolvido pelos cientistas, confrontando-se com o mesmo tipo de dificuldades, raciocínio e

tomadas de decisão. Vários autores defendem que este é o tipo de trabalho prático mais exigente e

formativo, sob o ponto de vista da educação em ciência.

Não se compreende a ampla predominância de ilustrações e observações sobre as atividades do tipo

investigativo, quando todas as recomendações apontam em sentido contrário, sustentando que os alunos

devem ser envolvidos em atividades de pesquisa autêntica. No tema “ecossistemas”, por exemplo, haveria

oportunidade dos alunos, a partir de aulas de campo, procederem a levantamento de dados por

amostragem, quantificarem, estimarem, calcularem médias, relacionarem variáveis, construírem tabelas e

gráficos…

Algumas apreciações mais específicas

- Entre as duas designações possíveis - Ciências da Natureza e Ciências Naturais - para as metas

curriculares, escolheu-se a que pode levantar mais dúvidas de semântica. Sendo “Naturais” um adjetivo

que qualifica “Ciências” poderá entender-se que há outro tipo de ciências, por exemplo “artificiais”.

“Ciências da Natureza” seria mais adequado.

Page 11: Análise de metas curriculares de Ciências Naturais

– 10 –

- Há descritores que, tal como são redigidos, não concorrem para o objetivo geral. Por exemplo, de entre os

descritores para o objetivo “Compreender que o solo é um material terrestre de suporte de vida”, apenas o

descritor “Relacionar a conservação do solo com a sustentabilidade da agricultura”, concorre de forma mais

direta para o objetivo geral. Além de que, estaria mais corretamente formulado sob a forma “Relacionar a

conservação do solo com a sustentabilidade da vida”. Não se compreende esta limitação à agricultura.

- A preocupação com a “mensuração” dos descritores conduziu a exageros tais como “Descrever o

contributo de dois cientistas para a evolução do microscópio ótico”. Que dois cientistas? Porquê dois? Mais

correto seria “Descrever o contributo dos principais cientistas envolvidos na evolução do microscópio

ótico”. Já noutra situação refere-se: “Enumerar nomes de cientistas associados à deriva continental e à

teoria da tectónica de placas.” Aqui já parece que o importante é conhecer o nome dos cientistas, quando

o que é realmente importante é associar os nomes às suas ideias e contributos científicos.

- O descritor “Indicar três aspetos que permitem considerar a Terra uma “nave com vida”, sendo o que

“abre” as metas curriculares, levanta vários tipos de problemas. Desde logo, o problema dos “três aspetos”.

Porquê três? Todos têm igual valor? Quais são os mais relevantes?... Depois, a metáfora “nave com vida”.

Porquê uma nave? A Terra é um artefacto tecnológico? Quem a tripula? O ser humano? Compara-se,

frequentemente, a Terra a um grão de areia na vastidão do universo (para significar a sua insignificância),

sendo o ser humano apenas um dos milhares de seres vivos que o habitam. A ação do ser humano poderá

acelerar determinados fenómenos, como o aquecimento global, mas não é ele que “comanda o destino” do

planeta. As várias extinções em massa, que ocorreram periodicamente (antes de existir a espécie humana)

e dizimaram a grande maioria das formas de vida na Terra, são disso prova. O descritor poderia ser

reformulado para “Argumentar, apresentando razões, acerca da legitimidade da comparação do planeta

Terra a uma nave com vida”, mas este seria um objetivo para o 10.º ano e não para o 5.º ano.

- Não se compreende a relevância do descritor “4.2. Inferir a disponibilidade de água subterrânea a partir

do volume total de água existente à superfície da Terra”, quando o que seria mais formativo, sob o ponto

de vista da necessidade de preservação da qualidade da água seria “inferir a disponibilidade de água doce,

a partir do volume total de água no planeta”, já que esta representa apenas 3% do volume total de água no

planeta e desta quantidade, cerca de 69% não são utilizáveis pela humanidade, encontrando-se sob a

forma sólida, nos pólos.

- O que significa “5.6. Ilustrar a função da Estação de Tratamento de Águas e da Estação de Tratamento de

Águas Residuais, com base numa atividade de campo”? Fazer um esquema de uma ETA e de uma ETAR?

Page 12: Análise de metas curriculares de Ciências Naturais

– 11 –

- “6.1. Referir a função da atmosfera.” A atmosfera tem várias funções: proteção contra impactos de

meteoritos, regulação da temperatura global, filtração de determinados tipos de radiação, possibilita os

estados de tempo e a distribuição e regulação dos diferentes tipos de clima…

Síntese

Por todos os argumentos apresentados, as metas curriculares para as Ciências Naturais, para o 5º, 6º, 7º e

8º anos de escolaridade, posicionam-se numa visão de ciência e de ensino das ciências não consonante

com uma visão atualizada da educação em ciência, decorrente da investigação realizada neste domínio e de

recomendações internacionais a nível curricular. Assim, são grandes as possibilidades de contribuir para a

formação de alunos acríticos, memorizadores de produtos científicos acabados, incapazes, portanto, de

capacidades de raciocínio e de argumentação. Há, neste documento, uma ideia retrógrada do que se

pretende para o ensino das ciências hoje e, sob a capa de objetividade e rigor, apresentam-se formulações

dúbias, altamente subjetivas, por não revelarem qualquer sustentação teórica coerente quer no domínio

didático quer curricular e, por vezes, indiciadoras de erros científicos subjacentes (ver anexo com

comentários para os conteúdos de Geologia). O essencial e o acessório misturam-se, apresentando, por

vezes, descritores com um grau de complexidade desadequado ao nível etário a que correspondem. Por

estas razões, este documento parece-nos desatualizado, representa um retrocesso na Educação em

Ciência, podendo ter graves consequências no desempenho dos nossos alunos, quer a nível nacional quer

em situações de comparação internacional e não perspetivando a formação de cidadãos críticos e

reflexivos, exigência de uma sociedade em constante mudança, como a atual.

Referências

Anderson, L. W., & Krathwohl, D. R. (Eds.). (2001). A taxonomy for learning, teaching and assessing: A

revision of Bloom's Taxonomy of educational objectives: Complete edition, New York : Longman.

BSCS (Biological Sciences Curriculum Study) (2007). A Decade of Action: Sustaining Global Competitiveness:

A Synthesis of Recommendations from Business, Industry, and Governnment for a 21st-century

Workforce. Colorado Springs, CO: BSCS.

Domingos, A. M.; Pestana, I. e Galhardo, L. (1981). Uma forma de estruturar o ensino e a aprendizagem.

Lisboa: Livros Horizonte.

ME-DEB (Ministério da Educação-Direção de Educação Básica). (2001). C. Galvão (Coord.). Ciências Físicas e

Naturais: Orientações Curriculares-3.º Ciclo. Mem Martins: ME-DEB.

Page 13: Análise de metas curriculares de Ciências Naturais

– 12 –

NRC (National Research Council) (2007).Taking Science to Schools. Learning and Teaching Science in Grades

K-8. R. A., Duschl, H. A., Schweingruber, A. W. Shouse, (Eds.).Committee on Science Learning,

Kindergarten through Eighth Grade. Washington, DC: The National Academies Press.

NRC (National Research Council) (2012).A Framework for K-12 Science Education: Practices, Crosscutting

Concepts, and Core Ideas. Committee on a Conceptual Framework for New K-12 Science Education

Standards. Board on Science Education, Division of Behavioral and Social Sciences and Education.

Washington, DC: The National Academies Press.

§

Este documento é subscrito pelas seguintes pessoas:

Cecília Galvão

Professora Catedrática no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa

Isabel Martins

Professora Catedrática Aposentada do Departamento de Educação da Universidade de Aveiro

Ana Freire

Professora Auxiliar Aposentada do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa

Celina Tenreiro Vieira

Professora Auxiliar Convidada no Departamento de Educação da Universidade de Aveiro

Carla Kullberg

Professora Auxiliar no Departamento de Geologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa

Clara Vasconcelos

Professora Auxiliar com Agregação no Departamento de

Geociências, Ambiente e Ordenamento do Território da Universidade do Porto

Cláudia Faria

Investigadora Auxiliar no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa

Filomena Amador

Professora Auxiliar com Agregação na Secção de Ciências Aplicadas ao Ambiente e Sociedade

do Departamento de Ciências e Tecnologia da Universidade Aberta

Filomena Teixeira

Professora Coordenadora na Escola Superior de Educação de Coimbra

Page 14: Análise de metas curriculares de Ciências Naturais

– 13 –

Isabel Chagas

Professora Auxiliar no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa

Marília Cid

Professora Auxiliar no Departamento de Pedagogia e Educação da Universidade de Évora

Mónica Baptista

Professora Auxiliar no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa

Orlando Figueiredo

Professor do Grupo de Recrutamento 510 (Física e Química),

Colaborador na Unidade de Investigação e Desenvolvimento em Educação e Formação da Universidade de Lisboa

Paula Serra

Professora do Grupo de Recrutamento 520 (Biologia e Geologia),

Colaboradora na Unidade de Investigação e Desenvolvimento em Educação e Formação da Universidade de Lisboa

Paulo Almeida

Professor do Grupo de Recrutamento 520 (Biologia e Geologia),

Colaborador na Unidade de Investigação e Desenvolvimento em Educação e Formação da Universidade de Lisboa

Pedro Reis

Professor Associado no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa

Rui Vieira

Professor Auxiliar no Departamento de Educação da Universidade de Aveiro

Sofia Freire

Investigadora Auxiliar no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa

Page 15: Análise de metas curriculares de Ciências Naturais

– 14 –

ANEXO

COMENTÁRIOS (sobre GEOLOGIA) AO DOCUMENTO DAS METAS CURRICULARES DE CN –

ENSINO BÁSICO – 5º, 6º, 7º E 8º ANOS (VERSÃO PARA DISCUSSÃO PÚBLICA)

Descritor (pág.5):

4.1. Representar a distribuição da água no planeta (reservatórios, fluxos e águas subterrâneas), com recurso ao ciclo hidrológico.

Comentário:

Incorreto - as águas subterrâneas são um reservatório, logo, entre parêntesis devia constar apenas reservatórios e fluxos.

Descritor (pág.5):

4.2. Inferir a disponibilidade de água subterrânea a partir do volume total de água existente à superfície da Terra.

Comentário:

É uma estranha inferência... está dependente da pluviosidade e da permeabilidade superficial da litosfera, conceitos ainda não dominados; o que seria interessante era os alunos terem a oportunidade de aprender que dos cerca de 1,7% de água residente nos reservatórios subterrâneos, só cerca de metade é água doce (0,8%).

O que seria mesmo interessante era mostrar que os rios e lagos de água doce, à superfície dos continentes, representam um volume cerca de 50 vezes inferior ao das reservas subterrâneas de água doce.

Descritor (pág. 17):

1.3. Interpretar gráficos da evolução da atmosfera primitiva.

Comentário:

Porquê gráficos da evolução da atmosfera primitiva?

Claro que é importante os alunos saberem interpretar (e construir) gráficos mas os Geocientistas ainda hoje não estão de acordo sobre a constituição da atmosfera primitiva da Terra e sua evolução....

Descritor (pág. 17):

2.4. Relacionar a origem da vida na Terra com as fontes hidrotermais.

Comentário:

É muito recente e ainda muito especulativa a relação entre as fontes hidrotermais oceânicas e a origem da vida. Seria muito mais interessante apresentar diversas hipóteses e analisá-las para mostrar que há ainda muita incerteza no que respeita à dinâmica dos sistemas terrestres nos tempos primitivos da Terra (primeiros 2500 M.a.) e muita incerteza sobre a origem da Vida na Terra. Mas é assim que se constrói a Ciência.

Descritor (pág. 18):

4.1. Associar as intervenções do ser humano aos riscos geológicos.

Comentário:

Page 16: Análise de metas curriculares de Ciências Naturais

– 15 –

E porque não à sua Mitigação e à sua Prevenção?

Descritor (pág. 18):

4.2. Relacionar o ambiente geológico natural com a saúde e a ocorrência de doenças nas pessoas, animais e plantas que vivem nesse mesmo ambiente.

Comentário:

É a primeira vez que vejo afirmado que o ambiente geológico pode ser natural e artificial! Este descritor é incompreensível...

Descritor (pág. 18):

4.5. Referir três tipos de respostas tecnológicas a problemas de geologia ambiental.

Comentário:

Este descritor não faz sentido! O que é importante é compreender os problemas e adequar as soluções... e nem todas passam pelo uso de "respostas tecnológicas"!

Descritor (pág. 18):

5.1. Identificar paisagens vulcânicas e plutónicas através das suas principais características.

Comentário:

Forma inadequada de nomear as paisagens: deve referir-se paisagens de rochas vulcânicas e paisagens de rochas plutónicas... (também há paisagens de rochas vulcânicas antigas, em que o vulcanismo que lhes deu origem está extinto há muito tempo e onde não é possível reconhecer os respectivos aparelhos vulcânicos...)

Descritor (pág. 18):

5.2. Dar dois exemplos de paisagens magmáticas em território português.

Comentário:

Idem. Não há paisagens magmáticas (até porque o magma é um produto de transição, instável à superfície); há paisagens de rochas magmáticas.

Descritor (pág. 18):

5.3. Referir as principais características das paisagens metamórficas.

Comentário:

Deve referir-se "paisagens de rochas metamórficas".

Descritor (pág. 18):

5.5. Descrever as principais características das paisagens sedimentares.

Comentário:

Pelas mesmas razões, deve referir-se "paisagens de rochas sedimentares". A paisagem do ponto de vista geológico, constrói-se pela interação entre as rochas da litosfera que afloram em cada região e os processos de meteorização e erosão eficientes em cada região, integrando-se estes processos no ciclo de formação das rochas sedimentares. Por isso a designação das paisagens geológicas deve estar reportada à natureza das rochas aflorantes.

Page 17: Análise de metas curriculares de Ciências Naturais

– 16 –

Descritor (pág. 19):

8.1. Apresentar argumentos que apoiam e fragilizam a teoria da deriva continental.

Comentário:

Este descritor está mal situado no tempo: hoje não há argumentos que fragilizam esta teoria, demonstrada pela teoria da Expansão dos Fundos Oceânicos - 1968). O que deve ser mostrado aos alunos é que a hipótese colocada por Wegener em 1912 (embora o autor lhe tenha dado o nome de "Teoria da deriva continental") não conseguia explicar o movimento responsável por essa deriva... o que só veio a suceder na década de 60 do século passado, na sequência de extensivos estudos sobre os fundos oceânicos.

Descritor (pág. 19):

8.3. Explicar a importância do estudo da expansão dos fundos oceânicos e do paleomagnetismo para a compreensão da dinâmica interna da Terra.

Comentário:

Este descritor está incorreto pois coloca ao mesmo nível uma Teoria e um dos seus fundamentos, uma vez que o registo de observações sistemáticas das propriedades Paleomagnéticas das rochas basálticas da crosta oceânica se constituiu como um dos argumentos fundamentais de suporte à Teoria da Expansão dos Fundos oceânicos. O que devia ser referido era:

"... importância do estudo das rochas dos fundos oceânicos, sua constituição, variação de idade e registo paleomagnético para a compreensão..."

Descritor (pág. 19):

8.5. Enunciar as consequências da expansão e da destruição contínuas dos fundos oceânicos.

Comentário:

Descritor incorreto: não faz sentido "enunciar" as consequências destes processos!

O que faz sentido é verificar que a massa global do planeta Terra não se tem modificado ao longo do tempo geológico, nem o seu volume, o que implica, por um lado, um permanente ciclo de reciclagem das rochas dos fundos oceânicos e, por outro lado, a deriva continental.

Descritor (pág. 19):

8.7. Enumerar nomes de cientistas associados à deriva continental e à teoria da tectónica de placas.

Comentário:

Seria preferível a referência:"... cientistas associados à hipótese inicial de deriva continental e ...", embora a identificação de cientistas com contributos relevantes só faça sentido se forem simultaneamente associados aos respetivos contributos, o que não está incluído no verbo Enumerar.

Descritor (pág. 19):

8.8. Caracterizar placa tectónica e os respetivos tipos de limites.

Comentário:

Recomenda-se a designação "placa litosférica", que privilegia a associação à real constituição das placas (rochas da camada litosfera uma vez que estas placas são as porções em que está fragmentada a camada litosfera ) em vez de usar um qualificativo teórico de larga amplitude (tectónica).

Descritor (pág. 19):

8.9. Inferir a importância das correntes de convecção como motor da mobilidade das placas.

Comentário:

Page 18: Análise de metas curriculares de Ciências Naturais

– 17 –

Este descritor está incorreto. Modernamente está demonstrado (modelos físicos numéricos) que as correntes de convecção do manto astenosférico não proporcionam a energia necessária à deslocação das placas litosféricas!

O que é importante inferir é que o movimento de placas litosféricas constituídas por rochas sólidas, frias e rígidas só é possível porque elas estão suportadas por uma camada de rochas sólidas, mas quente e mecanicamente fraca, que permite fluência à escala do Tempo Geológico!

Descritor (pág. 19):

9.3. Utilizar os processos envolvidos na deformação das rochas, na explicação da formação de falhas e diáclases e da formação de dobras e cavalgamentos.

Comentário:

Este descritor não faz sentido para este nível de escolaridade. Necessitaria de um curso de mecânica das rochas...

Descritor (pág. 19):

9.4. Relacionar o tipo de movimentação de uma falha com o tipo de tensão que lhe deu origem.

Comentário:

Não faz sentido porque conduz a uma perspetiva muito redutora e incompleta das relações entre estruturas de rotura na litosfera e tensões associadas.

Descritor (pág. 19):

9.5. Identificar, em esquema ou imagem, as deformações de rochas.

Comentário:

Descritor mal formulado! A deformação das rochas só deve ser identificada perante e a partir das rochas que exibem deformação e reveste-se de enorme multiplicidade de estruturas, penetrativas a diferentes escalas de observação.

O que aqui se deve pretender é que os alunos identifiquem imagens de falhas e dobras afetando rochas sedimentares (observando o marcador “superfície de estratificação” exibindo geometrias diferentes das originais).

Descritor (pág. 19):

9.6. Relacionar a deformação das rochas com a formação de cadeias montanhosas.

Comentário:

Descritor incorreto! As rochas deformam-se em variados contextos geodinâmicos, de que as cadeias de montanhas são um exemplo, entre muitos.

Descritor (pág. 20):

10.5.Indicar a distribuição geográfica dos vulcões no planeta Terra.

Comentário:

Qual é o interesse desta "indicação", sem a relacionar com a localização das principais fronteiras de placas?

Descritor (pág. 20):

12.3. Distinguir diferentes tipos de metamorfismo, com base em imagens.

Comentário:

Page 19: Análise de metas curriculares de Ciências Naturais

– 18 –

Formulação incorreta! Os diferentes tipos de metamorfismo identificam-se exclusivamente depois da descrição e classificação das respetivas rochas metamórficas.

Descritor (pág. 20):

13.1.Descrever o ciclo das rochas.

Comentário:

Não tem qualquer interesse, se não permitir aos alunos relacionar as transformações entre os diferentes tipos de rochas com a mobilidade da litosfera e os diferentes ambientes geodinâmicos.

Descritor (pág. 20):

13.2.Enunciar os processos geológicos envolvidos no ciclo das rochas.

Comentário:

Ver comentário ao descritor anterior! "Descrever" e "Enunciar" são capacidades de muito baixo nível de exigência cognitiva... os alunos deste nível etário devem ser conduzidos ao estabelecimento de relações de causa-efeito para compreender os processos da Terra!

Descritor (pág. 21):

14.4.Defender que a exploração dos recursos litológicos deve ser feita de forma a garantir a sua sustentabilidade.

Comentário:

Má formulação! Pretende-se garantir a sustentabilidade da exploração (atividade económica, logo, sujeita a regras e a riscos) ou dos recursos litológicos(renovação natural da jazida)?

Descritor (pág. 21):

15.2. Nomear os instrumentos que registam as ondas sísmicas.

Comentário:

Não seria mais interessante associar o registo da passagem das ondas sísmicas à vibração das rochas?

Descritor (pág. 21):

15.5. Distinguir a Escala Modificada de Mercalli da Escala de Richter.

Comentário:

Para tal é necessário distinguir Intensidade de Magnitude...não será este um descritor a considerar?

Descritor (pág. 21):

15.6. Enumerar episódios sísmicos da história do território nacional, com base em pesquisa orientada.

Comentário:

Não se compreende o interesse do desenvolvimento de uma atividade de pesquisa orientada para … enumerar episódios sísmicos! Mas uma atividade deste tipo teria interesse para os alunos verificarem o nível de perigosidade sísmica do território nacional, incluindo o território continental, cujo padrão de atividade sísmica tem muitas ocorrências não correlacionáveis com a vizinhança próxima de fronteiras de placas litosféricas.

Descritor (pág. 21):

15.7. Relacionar a distribuição dos sismos e vulcões na Terra com a teoria da tectónica de placas.

Page 20: Análise de metas curriculares de Ciências Naturais

– 19 –

Comentário:

Mal formulado! A ocorrência de sismos e vulcões está relacionada com as diferentes fronteiras de placas litosféricas! É um facto! Não está relacionada com uma Teoria ...este erro é consequência de não se saber usar as relações de causa-efeito!

Descritor (pág. 21):

15.11.Reconhecer a importância da ciência e da tecnologia na previsão em sismologia.

Comentário:

Se até agora se falou sempre em Sismos, porquê introduzir uma nova expressão? Devia estar "... previsão sísmica" ou "... previsão da ocorrência de sismos".

Descritor (pág. 21):

16.4.Caraterizar, a partir de esquemas, os modelos geofísico e geoquímico da estrutura interna da Terra.

Comentário:

Uso redundante de qualificativos (pois geo_ ... é da Terra!).Os modelos são:

(1) baseado na composição das rochas - modelo químico;

(2) baseado nas propriedades mecânicas das rochas - modelo físico ou modelo mecânico.

É inadequado designá-los por modelos geoquímico e geofísico.

Descritor (pág. 22):

17.5. Explicar o conceito de tempo relativo, com base nos princípios do raciocínio geológico e com recurso a uma atividade prática.

Comentário:

Não tem qualquer relevância explorar o conceito de "tempo relativo"! O que é importante para os geólogos, que observam o registo geológico – as rochas – e procuram determinar a sua idade, é o "conceito de datação relativa" (o que é muito diferente!) pois com frequência a natureza da informação disponível não permite outro resultado.

Descritor (pág. 22):

17.6. Distinguir tempo relativo de tempo absoluto.

Comentário:

Este descritor é absurdo! Os alunos devem distinguir "datação relativa" de "datação numérica" (a designação de datação absoluta é antiquada, já não se usa!) e associar cada um dos tipos de datação à natureza da informação fornecida pelas rochas cuja idade se pretende determinar.

Descritor (pág. 22):

18.7.Explicar o contributo do estudo dos fósseis na reconstituição da história da Terra.

Comentário:

Descritor Incorreto! Os fósseis, usados na reconstituição da evolução da Vida na Terra, representam apenas os últimos 500 milhões de anos de um planeta que se formou há cerca de 4560 milhões de anos, ou seja, representam apenas 1/9 do tempo ou da história da Terra. Ignorar este facto expressa muito fraco conhecimento geológico!

Descritor (pág. 22):

18.8.Localizar os principais grupos de animais e plantas na Tabela Cronoestratigráfica.

Page 21: Análise de metas curriculares de Ciências Naturais

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Comentário:

Será que querem dizer: "Localizar o aparecimento dos principais grupos ..."?

Descritor (pág. 22):

18.9.Inferir as mudanças cíclicas dos subsistemas terrestres ao longo da história da Terra.

Comentário:

Inferir com base em quê? De que mudanças cíclicas de quais subsistemas terrestres se está a falar?