analise de biodiesel

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Estudo das Propriedades Físico-Químicas do Biodiesel Obtido a Partir do Óleo da Cutieira (Joannesia princeps Vell.) Santos, R. B. dos (PQ)*; Lacerda Jr, V. (PQ); Souza, T. S. (PG); Castro, E. V. R. (PQ) Departamento de Química, Universidade Federal do Espírito Santo - UFES, Av. Fernando Ferrari, 514, CEP: 29075-910, Vitória – ES - * [email protected] Resumo O biodiesel aparece como uma alternativa para substituição do óleo diesel em motores de ignição por compressão. Este pode ser obtido a partir dos óleos vegetais do tipo triglicerídeos, através de uma reação de transesterificação. A reação de transesterificação de lipídeos da Cutieira (Joannesia princeps Vell, pertencente à família Euphorbiaceae, encontrada na Mata Atlântica) com metanol e catalisador básico, promove a obtenção do biodiesel de forma eficiente com rendimento de 63% em massa. A composição do biodiesel foi determinada por CG-MS e indica a predominância dos ésteres metílicos: linoleato de metila 65,1% e oleato de metila 25,7% como constituintes majoritários. As propriedades físico-químicas do biodiesel da cutieira mostraram resultados bastante satisfatórios no que diz respeito à adequação as normas vigentes, o que sugere que a cutieira pode ser utilizada como possível matriz para a obtenção de biodiesel. Palavras chaves: biodiesel, ésteres metílicos, cutieira, propriedades físico-químicas. Introdução Os óleos vegetais aparecem como uma alternativa para substituição ao óleo diesel em motores de ignição por compressão [DUNN et al., 2002 e CANAKCI et al, 1999]. Foi constatado, porém, que a aplicação direta dos óleos vegetais nos motores é limitada por algumas propriedades físicas dos mesmos [ENCINAR et al., 1999], principalmente sua alta viscosidade e baixa volatilidade, que implicam em alguns problemas nos motores [MA e HANNA, 1999]. Assim, para reduzir a viscosidade dos óleos vegetais é efetuada a reação de transesterificação com etanol ou metanol [NASCIMENTO et al., 2001], promovendo a obtenção de um combustível, denominado biodiesel, cujas propriedades são similares às do óleo diesel [DORADO et al., 2004]. O biodiesel pode ser utilizado puro como combustível ou em mistura com o diesel de petróleo [RAMOS et al., 2003]. Sua utilização está associada à substituição de combustíveis fósseis em motores de ignição por compressão, sem haver a necessidade de nenhuma modificação no motor. Como combustível o biodiesel apresenta algumas vantagens sobre os combustíveis derivados do petróleo, tais como, praticamente isento de enxofre e de compostos aromáticos; maior ponto de fulgor; menor emissão de material particulado e maior biodegradabilidade, além de ser proveniente de fontes renováveis [DORADO et al., 2004]. A maior parte do biodiesel atualmente produzido no mundo deriva do óleo de soja, utilizando metanol e catalisador alcalino [SCHUCHARDT et al., 1998], porém, todos os óleos vegetais, enquadrados na categoria de óleos fixos ou triglicerídeos, podem ser transformados em biodiesel. Fatores como a geografia, o clima e a

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Page 1: Analise de Biodiesel

Estudo das Propriedades Físico-Químicas do Biodiesel Obtido a Partir do Óleo da Cutieira (Joannesia princeps Vell.)

Santos, R. B. dos (PQ)*; Lacerda Jr, V. (PQ); Souza, T. S. (PG); Castro, E. V. R. (PQ)

Departamento de Química, Universidade Federal do Espírito Santo - UFES, Av. Fernando Ferrari,

514, CEP: 29075-910, Vitória – ES - * [email protected]

Resumo O biodiesel aparece como uma alternativa para substituição do óleo diesel em motores de ignição por compressão. Este pode ser obtido a partir dos óleos vegetais do tipo triglicerídeos, através de uma reação de transesterificação. A reação de transesterificação de lipídeos da Cutieira (Joannesia princeps Vell, pertencente à família Euphorbiaceae, encontrada na Mata Atlântica) com metanol e catalisador básico, promove a obtenção do biodiesel de forma eficiente com rendimento de 63% em massa. A composição do biodiesel foi determinada por CG-MS e indica a predominância dos ésteres metílicos: linoleato de metila 65,1% e oleato de metila 25,7% como constituintes majoritários. As propriedades físico-químicas do biodiesel da cutieira mostraram resultados bastante satisfatórios no que diz respeito à adequação as normas vigentes, o que sugere que a cutieira pode ser utilizada como possível matriz para a obtenção de biodiesel. Palavras chaves: biodiesel, ésteres metílicos, cutieira, propriedades físico-químicas.

Introdução

Os óleos vegetais aparecem como uma alternativa para substituição ao óleo diesel em

motores de ignição por compressão [DUNN et al., 2002 e CANAKCI et al, 1999]. Foi

constatado, porém, que a aplicação direta dos óleos vegetais nos motores é limitada por

algumas propriedades físicas dos mesmos [ENCINAR et al., 1999], principalmente sua alta

viscosidade e baixa volatilidade, que implicam em alguns problemas nos motores [MA e

HANNA, 1999]. Assim, para reduzir a viscosidade dos óleos vegetais é efetuada a reação de

transesterificação com etanol ou metanol [NASCIMENTO et al., 2001], promovendo a

obtenção de um combustível, denominado biodiesel, cujas propriedades são similares às do

óleo diesel [DORADO et al., 2004]. O biodiesel pode ser utilizado puro como combustível ou

em mistura com o diesel de petróleo [RAMOS et al., 2003]. Sua utilização está associada à

substituição de combustíveis fósseis em motores de ignição por compressão, sem haver a

necessidade de nenhuma modificação no motor. Como combustível o biodiesel apresenta

algumas vantagens sobre os combustíveis derivados do petróleo, tais como, praticamente

isento de enxofre e de compostos aromáticos; maior ponto de fulgor; menor emissão de

material particulado e maior biodegradabilidade, além de ser proveniente de fontes

renováveis [DORADO et al., 2004]. A maior parte do biodiesel atualmente produzido no

mundo deriva do óleo de soja, utilizando metanol e catalisador alcalino [SCHUCHARDT et

al., 1998], porém, todos os óleos vegetais, enquadrados na categoria de óleos fixos ou

triglicerídeos, podem ser transformados em biodiesel. Fatores como a geografia, o clima e a

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economia determinam o óleo vegetal de maior interesse para a produção do biodiesel

[ENCINAR et al., 2002].

A cutieira (Joannesia princeps Vell), pertencente à família da Euforbiácea também

conhecida como purga-de-cavalo, fruta-de-cotia, coco-de-purga, fruta-de-arara, boleira,

ocorre no estado do Pará e, desde a Bahia até o Rio de Janeiro, nas formações florestais do

complexo Atlântico. É uma espécie nativa usada em reflorestamento, em função da

qualidade da madeira produzida e adaptabilidade da espécie as condições de cultivo. Sua

madeira é especial para o fabrico de palito de fósforo, celulose, tabuado para forros, etc

[LORENZI, 2002].

As sementes da cutieira possuem cerca de 37% de um óleo denso e amarelo, útil para

fins medicinais (como purgante), industriais (substituindo o óleo de linhaça para pintura)

[LORENZI, 2002]. Atualmente devido à grande procura por novas fontes de energias

renováveis e ecologicamente viáveis, seu óleo pode ser mais uma alternativa para a

produção de biodiesel que, segundo Salvador [2004] seu potencial de produção varia de 550

a 1500 kg de óleo não comestível por hectare.

O presente trabalho tem como objetivo a conversão dos lipídeos da cutieira em

ésteres metílicos (biodiesel), a determinação de sua composição e o estudo de suas

principais propriedades físico-químicas.

Parte Experimental

A determinação da composição do biodiesel da cutieira foi realizada por CG-MS num

cromatógrafo gasoso GC-17A (Shimadzu) acoplado ao espectrômetro de massa MS-

QP5050 (Shimadzu).

Método: * Coluna: DB-5ms 30 m, I. D. 0,25 mm e filme 0,25 μm. * Gás de arraste: N2. *

Temperatura do injetor: 250 ºC. *Temperatura de interface: 290 ºC.

A taxa de conversão dos triacilglicerídeos em ésteres métilicos foi determinada pela

análise de RMN 1H utilizando um espectrômetro Bruker Avance DRX 400 equipado com um

probe direto de 5 mm. Os espectros de 1H foram medidos a temperatura de 300 K, usando

10 mg.mL-1 em CDCl3 como solvente. Tetrametilsilano foi usado como referência interna. Os

experimentos foram realizados com as seqüências de pulsos padrão, sugerido pelo

fabricante do equipamento.

Para a determinação de algumas propriedades físico-químicas do biodiesel da cutieira

utilizaram-se os seguintes equipamentos. Para a determinação da densidade e da

viscosidade cinemática foi utilizado aparelho STABINGER 3000 (ANTON PAAR), calibrado a

temperaturas de 20 ºC e 40 ºC, respectivamente. O ponto de fulgor foi determinado no

equipamento FLASH POINT ANALYZER modelo HFP 360 (HERZOG). Na determinação de

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água e sedimentos (BSW) foi utilizado a centrífuga EXCELSA 3 modelo 280H. O teor de

enxofre foi determinado no ANTEK 9000. A determinação do índice de acidez foi feita pelo

método potenciométrico.

Extração dos Lipídios da Cutieira

O exocarpo das castanhas foi removido, as sementes foram cortadas em pequenos

pedaços e aquecidas em estufa a 60 ºC por 2 horas. Em um balão de fundo redondo de 500

mL, equipado com manta de aquecimento e condensador de refluxo foram adicionados 50 g

de castanha e 150 mL de clorofórmio. O sistema foi aquecido sob refluxo por 24 horas

[IKAN, 1991]. Depois de resfriada, a mistura foi filtrada e as castanhas lavadas com

clorofórmio (2x30 mL). A solução orgânica foi transferida para um balão de fundo redondo e

o solvente removido em evaporador rotatório operando sob vácuo.

Preparação do Biodiesel da Cutieira

A um balão de fundo redondo de 250 mL, equipado com banho de glicerina,

condensador de refluxo e agitador magnético, adicionou-se 30 g de óleo de cutieira, 8,5 mL

de metanol e 0,3 g de hidróxido de sódio. A mistura foi agitada por 30 minutos a uma

temperatura de 50 ºC, resfriada e transferida para um funil de separação, onde a fase

contendo os ésteres foi separada da fase contendo glicerol, metanol e resíduos de

catalisador. A fase do biodiesel foi neutralizada com solução metanólica de ácido cítrico 50%

e lavada com água quente (3x100 mL) até a neutralidade. Os ésteres foram secos com

sulfato de sódio anidro e após filtração determinou-se o rendimento. A reação foi

acompanhada por cromatografia de camada delgada, usando como eluente éter de petróleo,

éter etílico e ácido acético (85: 15: 1 v/v/v). A revelação foi feita com vapor do iodo

[TOMASEVIC et al., 2003].

Resultados e Discussões

Na extração dos triacilglicerídeos das sementes da cutieira, previamente secas em

estufa, utilizando-se clorofórmio sob refluxo obteve-se um rendimento otimizado de 42% em

massa, o que indica um excelente teor de triaglicerídeos [PARENTE, 2003].

Os lipídeos extraídos foram submetidos à reação de transesterificação e após

extração e purificação obteve-se o biodiesel em rendimento de 63% em massa. Observou-

se a formação de sabão o que provavelmente indica um alto teor de ácido graxo livre,

afetando dessa forma, o rendimento e o processo de extração [MA e HANNA,1999].

O biodiesel da cutieira foi submetido à análise de CG-MS e a composição relativa dos

principais ésteres foi determinada, comparando-se os tempos de retenção e os espectros de

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massa com os padrões existentes na biblioteca do equipamento. Os resultados estão

mostrados na Tabela 1.

Tabela 1. Principais ésteres presentes no biodiesel da cutieira.

Ésteres Metílicos Estrutura Percentual Palmitato de metila C 16:0 5,7 Estearato de metila C 18:0 2,8

Oleato de metila C 18:1 25,6 Linoleato de metila C 18:2 65,1

A análise do espectro de RMN 1H do biodiesel da cutieira confirmou a obtenção dos

ésteres metílicos pelo aparecimento do singleto referente aos hidrogênios da metoxila em

3,69 ppm. A presença de ésteres insaturados foi confirmada pela observação do multipleto

centrado em 5,38 ppm e atribuído aos hidrogênios vinílicos e também pelo tripleto em 2,77

ppm (J= 6,6 Hz), atribuído ao metileno duplamente alílico.

A taxa de conversão (C) dos triacilglicerídeos em biodiesel pode ser determinada

através da técnica de RMN 1H e utilizando a equação a seguir [MEHER et al., 2006].

C = 100. (2.AMe / ACH2)

Esta equação relaciona o percentual de conversão com a área de integração dos picos

do éster metílico (AMe), em 3,6 ppm, e do metíleno (ACH2), em 2,3 ppm.

Aplicando-se essa equação observou-se uma taxa de conversão de 95%

A Tabela 2 mostra algumas propriedades físico-químicas do biodiesel da cutieira que

foram determinadas, segundo as normas da ANP [Agência Nacional do Petróleo, 2003].

Tabela 2. Propriedades físico-químicas do biodiesel da cutieira comparado com as

especificações para o biodiesel no Brasil segundo a ANP.

MÉTODO PROPRIEDADE

LIMITE ASTM D RESULTADO

Massa específica a 20ºC (kg/m3) 0,860-0,900 1298 0,9168 Viscosidade Cinemática a 40°C (mm2/s) 1,9-6,0 445 3,1042

Água e sedimentos, máx. (% volume) 0,050 2709 < 0,05 Ponto de fulgor, mín. (°C) 100,0 93 110,0

Enxofre total max.(% massa) 0,05 2622 0,0016 Sódio + Potássio, max. (mg/kg) 10 6470 0,00167

Índice de acidez, máx. (mg KOH/g) 0,80 664 0,2830 Ponto de Fluidez, máx. (ºC) 28 97 -9,0

Conforme se pode observar, os resultados preliminares obtidos mostram que o

biodiesel do óleo da cutieira se enquadra as normas da ANP, o que o torna um atrativo

potencial para estudos posteriores.

Page 5: Analise de Biodiesel

Conclusão

A formação do biodiesel ocorreu de forma eficiente (conversão de 95%) com

rendimento em massa de 63% através de um processo simples e rápido. Através das

técnicas de CG-MS foi possível a identificação dos principais ésteres que compõem o

biodiesel da Joannesia princeps Vell., indicando a predominância do linoleato de metila:

65,1%.

Numa análise preliminar das propriedades físico-químicas do biodiesel de cutieira

foram observados resultados bastante satisfatórios e o atendimento aos padrões exigidos

pela ANP, porém há a necessidade de um conjunto maior de dados para confirmar uma

possível utilização deste biodiesel como combustível.

Agradecimento

PPGQUI-UFES, PRPPG-UFES, Labpetro, Prof. Dr. Gil Valdo José da Silva (FFCLRP-

USP), Laboratório Transpetro/Vitória

Referência Bibliográfica

ANP – Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, Portaria ANP 255, de 15 de setembro de 2003. Disponível em: <http://www.anp.gov.br/doc/legislacao/P255_ 2003.pdf> Acesso em: 09 de agosto de 2007. CANAKCI, M.; VAN GERPEN, J. Biodiesel production via acid catalysis. Transactions of the American Society of Agricultural Engineers, v. 42, n. 5, pp. 1203-1210, 1999. DORADO, M.P. et al. Optimization of alkali-catalyzed transesterification of Brassica carinata oil for biodiesel production. Energy & Fuels, v.18, n. 1, pp.77-83, 2004. DUNN, R.O. Effect of oxidation under accelerated conditions on fuel properties of methyl soyate (biodiesel). J. Am. Oil Chem. Soc, v. 79, n. 9, p. 915-920, 2002. ENCINAR, J.M. et al. Biodiesel fuels from vegetable oils: Transesterification of Cynara cardunculus L. oils with ethanol. Energy & Fuels, v.16, n. 2, p. 443-450, 2002. ENCINAR, J.M. et al. Preparation and properties of biodiesel from Cynara cardunculus L. oil. Ind. Eng. Chem. Res. v. 38, n. 8, p. 2927-2931, 1999. IKAN, R. Natural Products: a laboratory guide, Academic Press, Inc., 2 ed., p. 23-29, 1991. LORENZI, H. Árvores brasileiras: manual de identificação e cultivo de plantas arbóreas do Brasil. v.1, Nova Odessa, São Paulo - SP, Instituto Plantarum, p. 367, 2002. MA, F.; HANNA, M.A. Biodiesel production: a review. Bioresource Technology, v. 70, n. 1, p.1-15, 1999. MEHER, L.C.; SAGAR, D.V.; NAIK, S.N. Technical aspects of biodiesel production by transesterification - A review. Renewable & Sustainable Energy Reviews. v.10, n. 3, p. 248-268, 2006. NASCIMENTO, M.G.; COSTA NETO, P.R.; MAZZUCO, L.M. Biotransformação de óleos e gorduras. Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento. n.19, p. 28-31, 2001. PARENTE, E.J.S. Biodiesel: uma aventura tecnológica num país engraçado. Fortaleza-CE: Unigráfica, p. 66, 2003. RAMOS, L.P. et al. Biodiesel. Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento. n. 31, p. 28-37, 2003.

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