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Curso Teoria e Prática do Design Instrucional Fevereiro de 200 7 © 2007 Régis Tractenberg. Todos os direitos reservados. www.livredocencia.com 1 Análise da tarefa de aprendizagem `Tarefa de aprendizagem´ é o nome dado ao objetivo geral da instrução quando traduzido em um comportamento observável . O Design Instrucional busca dessa forma um modo concreto de direcionar e avaliar a aprendizagem do aluno, por que a aprendizagem não pode ser observada diretamente, mas apenas constatada, ou inferida, a partir de comportamentos como o sucesso na resolução de um problema, a redação de um texto, o percentual de acertos em um teste etc. Para que seja possível fundamentar uma série de decisões que vêm mais adiante no processo de Design Instrucional, é preciso fazer três coisas com relação à tarefa de aprendizagem: 1. Redigi-la conforme o modelo ABCD, que destaca aquilo que os aprendizes serão capazes de fazer, sob quais circunstâncias e com quê critérios serão avaliados. 2. Mapeá-la quebrando-a em partes menores: objetivos específicos e pré-requisitos de aprendizagem. 3. Classificar seus objetivos e pré-requisitos conforme o tipo de aprendizagem que demandam. A esses três procedimentos dá-se o nome de ´análise da tarefa de aprendizagem´, que traz os seguintes benefícios à instrução: Torna objetiva a expectativa com relação ao desempenho dos aprendizes. Isso ajuda tanto ao designer instrucional no planejamento, quanto aos alunos em compreender o que se espera de seu rendimento; Identifica as características necessárias ao ambiente de aprendizagem; Estabelece formas adequadas de avaliação; Sugere métodos instrucionais, conforme o tipo de conhecimento envolvido; Aponta mídias apropriadas.

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Curso Teoria e Prática do Design Instrucional Fevereiro de 2007

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Análise da tarefa de aprendizagem

`Tarefa de aprendizagem´ é o nome dado ao objetivo geral da instrução quando

traduzido em um comportamento observável. O Design Instrucional busca dessa forma

um modo concreto de direcionar e avaliar a aprendizagem do alu no, por que a

aprendizagem não pode ser observada diretamente, mas apenas constatada, ou

inferida, a partir de comportamentos como o sucesso na resolução de um problema, a

redação de um texto, o percentual de acertos em um teste etc.

Para que seja possível fundamentar uma série de decisões que vêm mais adiante no

processo de Design Instrucional, é preciso fazer três coisas com relação à tarefa de

aprendizagem:

1. Redigi-la conforme o modelo ABCD, que destaca aquilo que os aprendizes serão

capazes de fazer, sob quais circunstâncias e com quê critérios serão avaliados.

2. Mapeá-la quebrando-a em partes menores: objetivos específicos e pré-requisitos

de aprendizagem.

3. Classificar seus objetivos e pré-requisitos conforme o tipo de aprendizagem que

demandam.

A esses três procedimentos dá-se o nome de ´análise da tarefa de aprendizagem ,

que traz os seguintes benefícios à instrução:

• Torna objetiva a expectativa com relação ao desempenho dos aprendizes. Isso

ajuda tanto ao designer instrucional no planejamento, quanto aos alunos em

compreender o que se espera de seu rendimento;

• Identifica as características necessárias ao ambiente de aprendizagem;

• Estabelece formas adequadas de avaliação;

• Sugere métodos instrucionais, conforme o tipo de conhecimento envolvido;

• Aponta mídias apropriadas.

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O modelo ABCD para formulação de objetivos de aprendizagem

Eis um exemplo impreciso de tarefa de aprendizagem:

´Os alunos devem saber consertar um carro´.

Embora seja válida como orientação geral, uma definição assim não permite o

desenvolvimento de uma solução.

A base para o desenvolvimento instrucional se dá através de ´objetivos de

aprendizagem , que são declarações de intenção onde se especifica o que os

aprendizes devem se tornar capazes de fazer, seja ao final da instrução, seja em

etapas intermediárias. Tais declarações possuem 4 caracterísiticas, conforme o modelo

ABCD de redação de objetivos de aprendizagem:

1. Audiência (Audience) - Deixa claro quem são os aprendizes;

2. Comportamento (Behavior) - Indica um comportamento observável que, se

realizado pelos aprendizes, fornece boa evidência de sua aprendizagem;

3. Condições (Conditions) - Descreve as condições sob as quais os aprendizes devem

desempenhar o comportamento observável;

4. Grau (Degree) - Especifica os critérios de avaliação do comportamento.

A partir desse modelo, vamos agora examinar nossa tarefa de aprendizagem

imprecisa: ´os alunos devem saber consertar um carro

Audiência – Quem são os alunos? Crianças? Adultos leigos? Mecânicos experientes?

Comportamento – O que significa ´saber consertar um carro´? Como podemos ter

certeza quando eles souberem? Que tipo de carro eles devem saber consertar? Que

tipo de defeito devem conseguir consertar?

Condições – Os aprendizes vão poder consultar manuais técnicos? Vão poder

consultar colegas? Podem usar ferramentas apropriadas ou precisam improvisar?

Grau – Em quanto tempo devem consertar o carro? Com quê percentual de sucesso?

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Vejamos a mesma tarefa traduzida em um objetivo instrucional conforme o modelo

ABCD:

´Os novos mecânicos contratados, dado um carro de fórmula 1 da Ferrari,

consertarão qualquer tipo de problema no pneu. Eles contarão com todas as

ferramentas necessárias mas não poderão consultar manuais técnicos nem deliberar

sobre como realizar os consertos. Devem ser capazes de efet ivar os reparos dentro de

20 segundos em 90% das tentativas´.

Legenda: Aprendiz – comportamento – condições - critério

Avaliação

Repare que o objetivo instrucional assim definido naturalmente sugere uma forma

adequada de avaliação dos aprendizes. Certamente uma prova de múltipla escolha

versando sobre os conhecimentos teóricos a respeito do conserto de pneus não poderia

evidenciar genuinamente o nível de competência desejado para os novos mecânicos.

No caso, uma boa forma de avaliá-los seria através de uma simulação de ´parada nos

boxes´ como nas corridas de fórmula 1.

Com isso definimos precisamente onde queremos chegar com nossa instrução. Agora

nos resta descobrir um modo de alcançar o objetivo.

É o momento de pensar nas competências (conhecimentos + habilidades + atitudes)

que os aprendizes precisam desenvolver para ter sucesso na realização da tarefa de

aprendizagem.

Será com base nas competências identificadas que selecionaremos os conteúdos e

experiências de aprendizagem que farão parte da instrução. Essa análise chama-se

´mapeamento da tarefa de aprendizagem´.

Mapeando a tarefa de aprendizagem

Tradicionalmente a escolha dos temas abordados em um curso ou material didático é

centrada apenas no próprio conteúdo e acontece da seguinte forma:

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1. Incluem-se os tópicos que sempre são ensinados quando se trata daquele assunto;

2. Com a experiência, os professores identificam os pontos onde os alunos sentem

dificuldade e procuram trazer para suas aulas as explicações necessárias;

3. Segue-se a estrutura do conteúdo: por exemplo, em um curso sobre liderança o

instrutor explica a classificação de cada tipo de líder conforme consta na literatura

da Psicologia. É muito comum retirar tal estrutura de materiais didáticos ou

documentos pré-existentes.

Embora tais procedimentos ofereçam uma boa orientação sobre o que deve e o que

não deve ser incluído na instrução, esse não é o ponto de partida dos designers

instrucionais. Isso se deve a dois motivos:

´Dead wood ou ´madeira morta´ - é o nome dado para a informação inútil, que

não é essencial ou que não ajuda o aprendiz a atingir a tarefa de aprendizagem.

Quando um especialista escreve, sem apoio, o conteúdo da instrução é comum que

inclua madeira morta, pois sua tendência é colocar no papel tudo que julga

interessante sobre um determinado tema. Contudo, muito do que ele sabe pode não

ser relevante.

Outro problema com a informação inútil é que ela tira a atenção do aprendiz daquilo

que é essencial, e pode confundi-lo, principalmente quando tem seu primeiro contato

com um determinado tópico de estudo.

A informação inútil também consome tempo que poderia ser aplicado a outros

assuntos ou experiências didáticas.

O segundo motivo pelo qual as abordagens tradicionais podem apresentar problemas é

que não examinam os pré-requisitos da tarefa de aprendizagem. Os pré-requisitos

são competências necessárias para realizar as etapas que levam ao cumprimento da

tarefa instrucional. Por exemplo: para se consertar um pneu é preciso, antes, saber

discriminar qual a ferramenta certa para cada tipo de reparo. Um especialista

freqüentemente deixa de incluir esse tipo de informação por que já está muito

familiarizado com sua área e não percebe que falta aos aprendizes tal conhecimento.

Para evitar a informação inútil e orientar a instrução no sentido de cobrir toda a

aprendizagem necessária, decompomos a tarefa de aprendizagem através do

mapeamento de suas etapas e pré-requisitos. Veja o exemplo a seguir:

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Para identificar os objetivos específicos / etapas que o aprendiz deve dominar a fim de

cumprir a tarefa de aprendizagem, devemos perguntar: ´Quais são as etapas físicas

ou mentais para se cumprir a tarefa?´. O gráfico abaixo ilustra esse

processo:

Tal desmembramento chama -se ´análise do processamento de informação´, pois a

tarefa de aprendizagem é examinada passo-a-passo em todos os procedimentos

(físicos ou mentais) que levam à sua realização. O exemplo acima é bastante

simplificado. Tarefas de aprendizagem complexas, que usualmente são o objeto dos

programas de educação ou treinamento, exigem com freqüência muitas etapas que se

traduzem em objetivos específicos.

Vamos descer agora mais um nível em nossa análise:

Os aprendizes vão consertar o

pneu de uma Ferrari

Isso exige saber como

diagnosticar defeitos

do pneu

Isso exige saber como

planejar os reparos

no pneu

Isso exige saber como

implementar os reparos

no pneu

Tarefa de aprendizagem

(objetivo geral da instrução)

Etapa ou Objetivo

específico 1

Etapa ou Objetivo

específico 2

Etapa ou Objetivo

específico 3 (etc.)

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Um tanto complicado não é?

Vamos colocar isso em nosso exemplo concreto. Vejamos a análise de pré-requisitos

para o objetivo específico ´saber como diagnosticar defeitos no pneu´:

Note que o objetivo específico ´diagnosticar defeitos´ foi desmembrado em três pré-

requisitos necessários à sua realização. Para diagnosticar defeitos é imprescindível

saber como um pneu funciona, quais são os defeitos possíveis e como diagnosticá-los.

Repare ainda que os pré-requisitos podem ter seus próprios pré-requisitos: ´conhecer

o funcionamento do pneu exige o conhecimento das partes do pneu. Pelo mesmo

Objetivo específico 1

Pré-requisito 1

Sub pré-requisito do pré-requisito 1

Sub pré -requisito 2 do pré-requisito 3

Sub pré -requisito 1 do pré-requisito 3

Pré-requisito 3

Pré-requisito 2

Isso exige saber como

diagnosticar defeitos no

pneu

Conhecer o funcionamento do

pneu

Conhecer a ´anatomia´ do pneu

Conhecer os procedimentos de

diagnóstico

Conhecer os instrumentos de

diagnóstico

Aplicar os procedimentos de

diagnóstico

Conhecer os defeitos de funcionamento

mais comuns

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motivo, nos cursos de Medicina, o estudo da Fisiologia sempre vem depois de

Anatomia, por que não é possível entender o funcionamento de um sistema sem

identificar suas partes.

A rigor, cada objetivo e pré-requisito deve ser desdobrado em unidades menores até o

nível já dominado pelos aprendizes. Por exemplo, o tópico ´anatomia do pneu´ poderia

ser subdividido em ´anatomia da câmara de ar´, ´anatomia da borracha de

rolamento´ etc. contudo, se os alunos já dominam esses assuntos (conforme

verificado durante a análise dos aprendizes), então não será necessário continuar

destrinchando o mapeamento em unidades menores, pois tudo que vem em níveis

mais elementares já é de seu conhecimento ou é irre levante.

Coleta de informações para realizar o mapeamento

Mas como determinar as etapas necessárias e os pré-requisitos relacionados a uma

tarefa de aprendizagem?

Quando você mesmo é o especialista isso é relativamente fácil, porém, no papel de

designer instrucional profissional nosso trabalho costuma ser o de ajudar a ´dar a luz´

a cursos e programas de capacitação que dependem do conhecimento de outras

pessoas. Os procedimentos a seguir auxiliam na identificação das etapas necessárias

ao mapeamento da tarefa de aprendizagem:

1. Se você conhece bem a tarefa, reveja mentalmente e anote as etapas necessárias

à sua realização;

2. Leia materiais sobre a tarefa. Isso fará com que você se familiarize com a

terminologia da área e ajudará a compreender as competências envolvidas em sua

execução. Aproveite e crie uma lista de perguntas para fazer a um especialista.

3. Transforme a tarefa de aprendizagem em uma pergunta: ´Se eu te pedisse para

consertar o pneu do meu carro, por onde você começaria?´, ´Quais seriam as

etapas do conserto?´, em quais momentos você precisa fazer decisões?´;

4. Peça a diferentes especialistas que realizem a tarefa de aprendizagem e observe-

os. Peça que falem em voz alta o que estão pensando enquanto resolvem a tarefa.

Anote, grave ou filme os especialistas enquanto realizam a tarefa. Peça a eles que

anotem passo-a-passo como a cumpriram;

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5. Reveja suas anotações, gravações ou vídeo e prepare uma nova rodada de

perguntas: ´como você sabe quando consertar um pneu?´, ´Em quê circunstâncias

você sabe que não será capaz de realizar o conserto?´, ´Você sempre segue os

mesmos procedimentos ou existem variações?´.

6. Reúna vários especialistas e apresente as etapas e pré-requisitos que você

identificou. Peça que cheguem a um consenso a respeito.

7. Identifique o roteiro mais simples para a solução da tarefa de aprendizagem (são

as etapas que não podem faltar em um curso básico).

8. Identifique os fatores, as alternativas e exceções que representam situações

complexas para a realização da tarefa instrucional (base para o desenvolvimento

de cursos avançados).

O estilo de mapeamento varia de acordo com a preferência de cada designer

instrucional. Eu costumo usar uma folha de papel grande, desenhando a lápis um

diagrama no estilo ´mapa conceitual´ com a tarefa no centro, os objetivos específicos

ao redor e em seguida os pré-requisitos. Uma vez que o mapeamento faz sentido e

encontra-se em uma boa organização, transfiro o mesmo para tabelas em um

documento do Word. Também gravo o áudio de todas as entrevistas com especialistas

para não deixar escapar algum detalhe.

Ao longo do desenvolvimento do projeto, a medida em que se compreende melhor

natureza da tarefa instrucional, pode ser necessário fazer modificações no

mapeamento.

Dependendo do conteúdo da instrução e do rigor com que precise ser desenvolvida, às

vezes é realmente necessário mapear os ´sub-pré-requisitos´. Pode ser necessário

também usar o modelo ABCD para redigir os objetivos específicos quando se buscam

níveis maiores de precisão. Por esses motivos, o DI costuma ser criticado como um

processo muito trabalhoso e demorado.

Entretanto, o nível de detalhamento necessário varia de acordo com o projeto. Quando

se planeja um currículo ou a ementa de um curso (nível macro da instrução), não é

necessário ser específico. Por outro lado, ao redigir um texto didático (nível micro), o

recurso de mapeamento permite considerar todos os tópicos que devem ou não ser

incluídos no material, sem excessos e sem deixar faltar elementos essenciais.

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Repare como o mapeamento ajuda nas decisões: digamos que dentre os aprendizes,

existam alunos que não conhecem a ´anatomia do pneu´.

Neste caso existiriam três opções:

1. Ampliar o escopo geral do curso para que atenda às necessidades dos alunos

iniciantes (e talvez com isso aborrecer os alunos adiantados que já estudaram o

pneu).

2. Criar um módulo de nivelamento para os alunos iniciantes para que possam

equiparar seus conhecimentos aos pré-requisitos de entrada no curso.

3. Aplicar um teste para selecionar quais candidatos possuem os pré-requisitos para

ingressar no curso de mecânica. Ou seja, nesse caso só poderiam fazer o curso

aqueles que dominam os pré-requisitos.

O Design Instrucional propõe ainda que os objetivos de aprendizagem sirvam

diretamente como guias para o desenvolvimento de itens de avaliação.

Tradicionalmente as avaliações são construídas com base nos materiais didáticos, e

isso gera por vezes ´desalinhamento´ com os objetivos iniciais.

Mas quando criamos os itens de avaliação com base nos objetivos, sejam no nível da

tarefa de aprendizagem, etapas/objetivos específicos ou pré-requisitos, sua

correspondência se mantém precisa. Assim, a construção da instrução vem depois da

elaboração da avaliação, e busca levar os aprendizes a alcançar cada objetivo.

Essa abordagem revela uma filosofia educacional contextualizada e pragmática que

aproxima a aprendizagem e as avaliações das circunstâncias reais em que serão

futuramente relevantes.

Classificação dos objetivos conforme seu tipo de aprendizagem

O terceiro passo da análise da tarefa consiste na classificação dos objetivos e pré-

requisitos de acordo com o tipo de aprendizagem que demandam. Aprender a apertar

um parafuso é bem diferente de aprender a redigir um texto científico. As

competências envolvidas são diferentes. Essa classificaç ão dos tipos de conhecimento

nos ajuda a selecionar as estratégias didáticas mais adequadas, segundo pesquisas da

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Psicologia, que é rica em modelos para compreender os diferentes tipos de cognição. A

seguir temos uma lista dos tipos de aprendizagem baseada na teoria de Gagné.

Habilidades psicomotoras

São movimentos musculares coordenados e precisos.

Exemplos

Andar, nadar, segurar uma colher, manejar palitos chineses, jogar tênis, jogar uma

bola num cesto, digitar etc.

Métodos didáticos indicados

Prática física repetida, podendo ser auxiliada por estratégias cognitivas. Por exemplo:

o atleta imagina seu movimento, faz o saque, e avalia o resultado frente ao

movimento que fez efetivamente.

Conhecimento declarativo ou fatual

São nomes, fatos, listas, definições, proposições e discurso organizado.

Exemplos

Lista dos estados brasileiros, datas históricas, ditados populares, informações

pontuais: ´o formulário B está na segunda gaveta´.

Métodos didáticos

Levar os aprendizes a organizar os conteúdos em estruturas signific ativas, fazer

classificações, completar listas, relacionar conhecimentos, estabelecer ligações, repetir,

ensaiar.

Discriminações

É a capacidade de identificar a semelhança ou diferença entre objetos, elementos ou

situações.

Exemplos

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O bebê que reconhece o rosto ou a voz da mãe, o menino que coloca formas

geométricas de brinquedo nos devidos encaixes, a recepcionista que identifica o idioma

falado por turistas, o cozinheiro que ´sente´ quanto tempero a mais é preciso colocar

na sopa etc.

Métodos didáticos

Ver conhecimento conceitual

Conhecimento conceitual

Um conceito é a representação através de um nome ou símbolo de um grupo de

elementos ou eventos agrupados conforme características compartilhadas. Os

elementos podem ser concretos ou abstratos.

Exemplos

Computador, mesa, sólido, bananeira, semana, amor.

Pré-requisitos

Para compreender um conceito é preciso conhecer alguns fatos relacionados ao mesmo

e saber fazer certas discriminações. Por exemplo: bananeira produz bananas (fato), e

isso, junto com diversos outros fatos que a caracterizam, a faz diferente de um

carvalho (discriminação). Ao dominar o conceito ´bananeira´ torna-se possível

classificar como bananeiras, todas as bananeiras encontradas pela vida, ou seja,

´bananeira´ é um conceito que pode categorizar vegetais com certas características.

Métodos didáticos

Atividades que levem o aprendiz a discriminar os atributos intrínsecos do conceito e

generalizar / induzir características de objetos particulares. Por exemplo: exemplos e

contra-exemplos, discussão sobre características essenciais e não essenciais,

manipulação e comparação entre objetos (no caso de conceitos concretos).

Princípios

Princípios são prescrições de relações entre dois ou mais conceitos. Geralmente são

descritos em termos de causa – efeito.

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Exemplos

Lei de Boyle na Física, em fotografia a relação entre intensidade da luz, velocidade de

exposição e sensibilidade do filme fotográfico, na Economia lei da oferta e procura, etc.

Pré-requisitos

Para compreender um princípio, é necessário, antes, conhecer os conceitos envolvidos.

Na Lei de Boyle: temperatura, pressão, volume, gás, líquido, sólido.

Métodos didáticos

Exemplos e contra -exemplos da aplicação do princípio, demonstração de variáveis,

formulação e teste de hipóteses, formulação formal do princípio, discussão entre

alunos, demonstração-explicação-experiência.

Procedimentos

São métodos pré-definidos para fazer algo ou lidar com uma situação.

Exemplos

Receitas de bolo, determinar a área de um polígono, imprimir etiquetas, localizar um

livro numa biblioteca, realizar uma ressuscitação cardiovascular.

Pré-requisitos

Pode ser necessário conhecer fatos e conceitos relacionados. Por exemplo: ao fazer um

bolo: o forno deve estar a 200 graus (fato), um bolo deve ficar fofo (conceito que

permite avaliar se a receita deu certo).

Métodos didáticos

Listar claramente os passos que devem ser seguidos, explicitar os pontos de decisão

do procedimento. O aluno deve de modo geral: a) reconhecer as situações em que o

procedimento se aplica, b) lembrar do procedimento, c) aplicá-lo, d) decidir em

momentos relevantes, e) se certificar de que o procedimento foi bem aplicado e os

resultados alcançados.

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Conhecimento para solução de problemas

Resolução de problemas é a habilidade de combinar fatos, conceitos, princípios,

procedimentos e estratégias cognitivas (seus pré-requisitos) de um modo único para

atender a um problema ainda desconhecido em um determinado contexto.

Exemplos

Planejar um experimento científico, fazer um diagnóstico, planejar uma aula, consertar

um micro (quando o defeito aparece pela primeira vez). Quando a situação é

conhecida e sabemos como resolvê-la, então estamos aplicando um procedimento.

Métodos didáticos

Levar o aprendiz a:

1. Representar e descrever bem o problema

2. Determinar se o prob lema é de tipo conhecido

3. Identificar os tipos de conhecimento necessários para chegar à solução

4. Decompor em sub-problemas

5. Planejar a solução do problema

6. Implementar a solução

7. Avaliar se a solução atingiu as metas

Atitude

É o estado mental que predispõe um indivíduo a agir de uma determinada maneira.

Possui aspectos cognitivos, afetivos e comportamentais.

Exemplos

Aversão por Matemática, gosto por esportes ou artes, atitude de cooperação com os

colegas, baixa motivação para os estudos, resistência a mudanças etc.

Métodos didáticos

Atividades vivenciais, grupos de discussão, uso de vídeos acompanhados de discussões

em grupo, uso de pessoas respeitadas ou admiradas pelos aprendizes. É preciso que a

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instrução seja clara a respeito das atitudes que deseja promover, e de que modo o

aprendiz será recompensado se adotá-las.

Estratégias cognitivas

São procedimentos, técnicas e habilidades que podem ser utilizadas para melhorar o

rendimento nos estudos (aprender a aprender) ou na organização pessoal.

Exemplos

Diferentes métodos de leitura (rápida, analítica), sistemática para resolução de

problemas, ensaios e experimentos, organização pessoal, técnicas para anotações, uso

de agenda, manejo da motivação pessoal etc.

Métodos didáticos

Técnicas de ensaios e repetições, técnicas de organização pessoal (manejo do tempo),

técnicas de automonitoramento e avaliação (metacognição) e estratégias afetivas

(manejo de ansiedade, foco de atenção).

Habilidades interpessoais (não fazem parte da teoria de Gagné)

Permitem nosso relacionamento com outras pessoas de modo apropriado e

significativo. Estão relacionadas à comunicação, cooperação, empatia, carisma,

liderança, persuasão, respeito etc.

Exemplos

Comunicação verbal e não verbal, dar e receber feedback, escuta ativa, assertividade,

administração de conflitos, negociação, liderança etc.

Métodos didáticos

Levar o aprendiz a se tornar sensível à perspectiva ´do outro´, torná-lo consciente de

suas próprias atitudes e maneiras de se relacionar, treinar habilidades através de

modelagem e modelação de comportamentos, simulações com dinâmicas de grupo,

jogos de teatro etc.

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Nem sempre é possível estabelecer uma classificação precisa para um determinado

tipo de aprendizagem, e muitas vezes um mesmo objetivo pode ser considerado como

pertencente a mais de uma categoria. Nossa classificação depende do modelo teórico

que utilizamos para descrever os tipos de inteligência ou atributos cognitivos.

Exemplos de outros modelos seriam a taxonomia de Bloom, também usada com

freqüência no design instrucional, ou mais recentemente a teoria das inteligências

múltiplas de Howard Gardner. Conforme as características do projeto, o designer

instrucional precisa pesquisar sobre os tipos de aprendizagem envolvidos, os modelos

que os descrevem apropriadamente e as estratégias didáticas sugeridas pela literatura

da área. O DI não se coloca como um substituto ao conhecimento especializado sobre

didática, mas serve como um quadro de referência e oferece certos princípios

fundamentais sobre aprendizagem e estratégias instrucionais.

Referências

Heinich, R., Molenda, M., & Russel, J.D. (1993). Instructional Media and the New

Technologies of Instruction (4th ed.). New York: Macmillan Publishing Company.

Romiszowski, A.J. (1999). Designing Instructional Systems: Decision making in course

planning and curriculum design. London: Kogan Page.

Smith, P.L., & Ragan, T.J. (1999). Instructional design. (2nd ed.). Toronto: John Wiley

& Sons.