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ANALISE DA EFICÁCIA DAS NORMAS DE TRÂNSITO ATINENTES AO

MOTORISTA ALCOOLIZADO

Victor Pina Bastos1

Thales Duarte Souza Lucena2

Orientador: Rafael Mario Iorio Filho3

Resumo: O presente trabalho tem como escopo analisar a eficácia jurídica e social das leis de trânsito que coíbem a direção alcoolizada no trânsito das cidades e estradas. Para tanto buscou-se uma análise da evolução histórica das leis referente ao tema. Usou, ainda, a análise de estudos estrangeiros bem como os altos e baixos da atuação policial no Brasil que tem como foco fiscalizar o cumprimento da Lei. Tais critérios demonstraram que o legislador brasileiro fez durante os anos de implementação e aperfeiçoamento da “Lei Seca” um “jogo” legislativo de tentativa e erro, culminando em uma maior eficácia jurídica, mas ainda se está construindo uma eficácia social sobre o tema. Palavras-chaves: eficácia jurídica; Lei Seca; eficácia social; CTB; cidade Abstract: This paper aims to analyze the legal and social effectiveness of traffic laws that restrain driving drunk direction in cities and roads. For this, an analysis was made of the historical evolution of the laws related to the subject. It also used an analysis of foreign studies as well as ups and downs of the Brazilian police update that focuses on monitoring compliance with the Law. These criteria demonstrate that during the years of implementation and improvement of the "Dry Law" legislative "play" of trial and error, culminating in greater legal effectiveness, but is still building a social efficacy on the topic. Keywords: legal effectiveness; Dry Law; social efficiency; NTC; City

1. Introdução

Alguns autores afirmam que o direito, enquanto norma, existe para

regular as relações humanas. De fato, esse é um de seus escopos, inclusive da

1 Mestrando em Direito pela Universidade Estácio de Sá/RJ; Especialista em Direito Público Universidade Candido Mendes/RJ; Tabelião. Contato: [email protected]. 2 Mestrando em Direito pela Universidade Estácio de Sá /RJ; Especialista em Direito Público Pontificia Universidade Católica/MG; Advogado. Contato: [email protected] 3 Doutor em Direito pela Universidade Gama Filho. Pós-Doutorado em Direito pela Centrei de Estudos de Cultura Contemporânea, CEDEC, Brasil. Professor PPGD-UNESA/RJ.

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norma positiva. Este tema é conhecido como o princípio da eficácia. A norma

existe para promover o bem social e, na medida em que vemos este bem

sendo realizado, concluímos também pela concretização do principio da

eficácia. Autores como Miguel Reale (1996, p.135) afirmam que para uma

norma existir é preciso um mínimo de eficácia, revelando, sem entrar no mérito

desta questão, a importância do princípio.

Para alcançar essa eficácia, é necessária a eficácia jurídica, que diz

respeito à aplicabilidade ou executabilidade da norma como possibilidade

jurídica, bem como a eficácia social, relacionada ao fato de a norma ser

aplicada e seguida nos casos concretos.

O Código de Trânsito Brasileiro (CTB) também tem, como objetivo

regular, com eficácia, as relações humanas decorrentes do trânsito. Usando

um veículo ou não, o usuário da via pública tem suas atividades reguladas pelo

CTB.

O auge do conflito entre as pessoas no trânsito é, sem dúvida, o

acidente, onde, pela própria definição da palavra, há prejuízo. Estes prejuízos

podem ser materiais ou pessoais, variando de acordo com o tipo e gravidade

do acidente.

Sabemos que a norma tem a capacidade de alterar o comportamento

do cidadão e até mesmo a cultura da sociedade. Este efeito pode ser ainda

potencializado por uma fiscalização eficaz. Surge, então, o interesse em

analisar os impactos das leis de trânsito no comportamento e cultura dos

usuários da via pública.

Pesquisas apontam que parte significativa dos acidentes são causados

por motoristas alcoolizados. Sendo assim, neste trabalho trataremos sobre os

artigos 165, 276, 277, 296 IX e 306 do CTB, que dizem respeito ao condutor

alcoolizado. Tais artigos foram alterados recentemente pela Lei 12.760 de 20

de dezembro de 2012. A legislação que trata do assunto também foi modificada

em 2006 pela Lei 11.275 e em 2008 pela Lei 11.705.

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2. Histórico da legislação sobre motorista alcoolizado.

2.1. Redação Original do CTB

A Lei 9.503/1997, Código de Trânsito Brasileiro, em sua redação

original, já previa sanções administrativas para o motorista alcoolizado,

sanções estas aplicadas pelo poder executivo através de seus agentes. O CTB

também previu sanções criminais para o mesmo tipo de conduta em seu

capítulo sobre crimes de trânsito. Vejamos o texto original:

Sanções administrativas:

Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool, em nível superior a seis decigramas por litro de sangue, ou de qualquer substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica. Infração - gravíssima; Penalidade - multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir; Medida administrativa - retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação. Art. 263. A cassação do documento de habilitação dar-se-á: II - no caso de reincidência, no prazo de doze meses, das infrações previstas no inciso III do art. 162 e nos arts. 163, 164, 165, 173, 174 e 175; Art. 276. A concentração de seis decigramas de álcool por litro de sangue comprova que o condutor se acha impedido de dirigir veículo automotor. Sanções criminais: Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem:

Observamos que, para aplicação das sanções administrativas, era

necessária a comprovação de uma concentração de álcool acima de seis

decigramas por litro de sangue. No entanto, para caracterização do crime, a

concentração de álcool era indiferente, bastando que o motorista se envolvesse

em qualquer acidente de trânsito.

2.2. Lei 11.275 de 2006

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A lei 11.275 de 2006 faz algumas alterações relevantes na legislação,

principalmente nas sanções administrativas.

Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica

Art. 277. Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado. § 1o Medida correspondente aplica-se no caso de suspeita de uso de substância entorpecente, tóxica ou de efeitos análogos. § 2o No caso de recusa do condutor à realização dos testes, exames e da perícia previstos no caput deste artigo, a infração poderá ser caracterizada mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas pelo agente de trânsito acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor, resultantes do consumo de álcool ou entorpecentes, apresentados pelo condutor

Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor: Penas - detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. Parágrafo único. No homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor, a pena é aumentada de um terço à metade, se o agente:

V - estiver sob a influência de álcool ou substância tóxica ou

entorpecente de efeitos análogos.

Neste momento, o art. 165 torna-se mais rigoroso ao não tolerar

qualquer concentração de álcool. Contudo, nenhuma alteração é feita no art.

276 e a lei torna-se ambígua, pois ora a concentração é relevante, ora

irrelevante.

Quanto há conduta criminosa, a pena recebe um aumento que vai de um terço

à metade para o homicídio cometido pelo motorista alcoolizado, sendo

irrelevante a concentração de álcool.

2.3. Lei 11.705 de 2008 - “Lei Seca”.

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A Lei 11.705 de 2008, popularmente conhecida como “Lei Seca”

corrige a ambiguidade referente às sanções administrativas e altera a

tipificação do crime.

Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: Infração - gravíssima; Penalidade - multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses; Medida Administrativa - retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação. Art. 276. Qualquer concentração de álcool por litro de sangue sujeita o condutor às penalidades previstas no art. 165 deste Código. Parágrafo único. Órgão do Poder Executivo federal disciplinará as margens de tolerância para casos específicos. Art. 277. Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado. § 2o A infração prevista no art. 165 deste Código poderá ser caracterizada pelo agente de trânsito mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas, acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor § 3o Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo. Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:

Corrigido o equivoco no CTB, qualquer concentração de álcool era

punível através de multa e medidas administrativas. Destacam-se os

parágrafos 2º e 3º do art. 277, onde a embriaguez pode ser caracterizada pelo

próprio agente de trânsito, caso o condutor apresente notórios sinais de

embriaguez, e a aplicação das mesmas sanções no caso de recusa aos testes

de alcoolemia.

Quanto à sanção criminal torna-se indiferente a ocorrência do acidente,

bastando apenas a constatação da concentração acima de seis decigramas de

álcool por litro de sangue.

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Conclui-se, portanto, que, para a aplicação das medidas e penalidades

administrativas, bastava o condutor apresentar sinais de embriaguez ou se

recusar a fazer testes de alcoolemia. De modo diverso, para constatação da

conduta criminosa era imperiosa a realização do teste de alcoolemia, pois era

preciso aferir a concentração estipulada pela lei. Neste período, os condutores

invocavam a garantia de que não eram obrigados a produzir prova contra si

mesmos para evitar a sanção criminal. Tal afirmativa está de acordo com o

disposto no Art. 8, inciso II, alínea “g” do Pacto de São José da Costa Rica4, do

qual o Brasil tornou-se signatário em 06 de novembro de 1992.

Equivocadamente criou-se um mito de que o condutor alcoolizado

estava blindado pelo Pacto de São José da Costa Rica. Ledo engano, o

condutor alcoolizado poderia se esquivar da sanção criminal recusando-se a

realizar os testes de alcoolemia, mas ao tomar tal atitude, automaticamente,

com base no Art. 277 §2º e §3º, seriam aplicadas as sanções administrativas

do Art. 165.

Apesar de inovar e trazer a tolerância zero para o condutor alcoolizado,

diante de tais circunstâncias, a chamada “Lei Seca” entrou em descrédito no

país. A fiscalização nas vias públicas se desmotivou, pois, apesar de flagrem

motoristas embriagados, pensava-se haver impedimento para a tomada de

qualquer medida.

3. ANALISE DA ATUAL LEGISLAÇÃO

Em 20 de dezembro de 2012, a Lei 12.760 alterou os artigos citados

anteriormente, compondo a redação atual do CTB.

Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:

4 Art 8 – Garantias Judiciais II. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: g) direito de não ser obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada; e

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Infração - gravíssima; Penalidade - multa (dez vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses. Medida administrativa - recolhimento do documento de habilitação e retenção do veículo, observado o disposto no § 4o do art. 270 da Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997 - do Código de Trânsito Brasileiro. Parágrafo único. Aplica-se em dobro a multa prevista no caput em caso de reincidência no período de até 12 (doze) meses. Art. 276. Qualquer concentração de álcool por litro de sangue ou por litro de ar alveolar sujeita o condutor às penalidades previstas no art. 165. Parágrafo único. O Contran disciplinará as margens de tolerância quando a infração for apurada por meio de aparelho de medição, observada a legislação metrológica.

Art. 277. O condutor de veículo automotor envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito poderá ser submetido a teste, exame clínico, perícia ou outro procedimento que, por meios técnicos ou científicos, na forma disciplinada pelo Contran, permita certificar influência de álcool ou outra substância psicoativa que determine dependência. § 2º A infração prevista no art. 165 também poderá ser caracterizada mediante imagem, vídeo, constatação de sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora ou produção de quaisquer outras provas em direito admitidas. § 3º Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo

Art. 306. Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência: Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor § 1º As condutas previstas no caput serão constatadas por: I - concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar; ou II - sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora.

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§ 2º A verificação do disposto neste artigo poderá ser obtida mediante teste de alcoolemia, exame clínico, perícia, vídeo, prova testemunhal ou outros meios de prova em direito admitidos, observado o direito à contraprova. § 3º O Contran disporá sobre a equivalência entre os distintos testes de alcoolemia para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo.

Quanto às sanções administrativas, a maior alteração foi no valor da

multa, que dobrou, podendo dobrar novamente caso haja reincidência no prazo

12 meses. A previsão do Art. 263 de cassação da Carteira Nacional de

Habilitação (CNH) permanece inalterada desde a promulgação do CTB.

Continua não sendo tolerado qualquer teor alcoólico, além de a prova poder ser

realizada pelo agente de trânsito, agora também por meio de vídeo e

testemunhas. A recusa em realizar o teste de alcoolemia continua acarretando

a mesma sanção aplicada a quem dirige alcoolizado.

No que tange à sanção criminal, a tipificação do crime se dá pela

alteração da capacidade psicomotora decorrente da ingestão de bebida

alcoólica ou qualquer outra substância psicoativa. De acordo com o §1º e §2º

do Art. 306, essa alteração pode ser constatada por testes que indiquem uma

concentração maior que seis decigramas de álcool por litro de sangue, ou pelo

próprio agente de trânsito através de vídeo, testemunha e demais meios de

provas admitidos em direito.

Conclui-se que, com a nova redação do CTB, o condutor alcoolizado

terá dificuldades para esquivar-se das sanções criminais e administrativas em

possível fiscalização. De outro lado, o condutor não alcoolizado continua

protegido, tendo sempre a opção de realizar os testes de alcoolemia a fim de

comprovar sua inocência. O condutor que ingeriu pequenas quantidades de

álcool (concentração menor de 0,6 g/l de álcool por litro de sangue), quando

submetido a um teste de alcoolemia, não incorre no crime, apesar de arcar com

as penalidades e medidas administrativas.

Podemos resumir as alterações, desde a redação do CTB até a lei

12.760/2012, através do quadro abaixo:

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Norma Sanção Administrativa Sanção Criminal

CTB –

Redação

Original

Dirigir sob a influência de álcool,

em nível superior a 0,6 dg/l de

sangue.

Infração gravíssima

Multa

Cassação da CNH em caso de

reincidência em um ano

Se envolver em acidente sob a

influência de álcool em qualquer

concentração.

Lei 11.275

de 2006

Dirigir sob a influência de álcool

Ambiguidade quanto à

concentração de álcool permitida.

Infração gravíssima

Multa

Cassação da CNH em caso de

reincidência em um ano

Se envolver em acidente sob a

influência de álcool em qualquer

concentração.

Em caso de homicídio culposo no

trânsito praticado por motorista

alcoolizado aumento da pena em

um terço a metade.

Lei 11.705

de 2008

Dirigir sob a influência de álcool

(qualquer concentração).

Infração gravíssima

Suspensão do direito de dirigir

por 12 meses

Multa

Dirigir sob a influência de álcool,

em nível superior a 0,6 dg/l de

sangue.

Lei 12.760

de 2012

Dirigir sob a influência de álcool

(qualquer concentração).

Infração gravíssima

Suspensão do direito de dirigir

por 12 meses

Multa

Multa em dobro, no caso de

reincidência, no prazo de 12

meses

Conduzir veículo automotor com

capacidade psicomotora alterada

em razão da influência de álcool.

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4. EFICÁCIA DA NORMA

Alguns autores classificam a eficácia da norma em dois grupos:

eficácia jurídica e eficácia social. A eficácia jurídica diz respeito à capacidade

da norma de produzir os resultados para a qual foi proposta. É o potencial da

norma para produzir os efeitos, a aplicabilidade ou executoriedade da norma. A

análise da eficácia jurídica é feita em abstrato, pois o que é estudado é o seu

potencial, e não a aplicação em concreto de determinada norma.

Já a eficácia social se refere ao real alcance da norma na sociedade.

Trata-se dos reais resultados produzidos, a realização do Direito. O estudo da

eficácia social ou efetividade, como também é chamada, resulta da observação

da interação da sociedade com a norma. É um estudo objetivo e concreto do

impacto da norma. Segundo Miguel Reale (1996, p.136), a efetividade decorre

dos efeitos que uma regra opera através de seu cumprimento .

A efetividade ou eficácia social está intimamente ligada à eficácia

jurídica, pois depende da capacidade da norma de produzir efeitos,

isoladamente ou concomitantemente com outras regras. Sem eficácia jurídica

não haverá efetividade.

4.1. Eficácia Jurídica da Lei Seca

Após estudar cada mudança da lei sobre o motorista alcoolizado desde

o CTB, percebemos uma gradativa evolução da eficácia jurídica.

Paulatinamente, a norma se tornou mais capaz de coibir o comportamento

inseguro de dirigir alcoolizado e assim atingir o seu principal fim, que é evitar

acidentes, preservando a saúde e a vida.

Observamos que a legislação atual, com as alterações trazidas pela lei

12.760/2012, traz eficácia jurídica ao CTB referente aos artigos que dispõem

sobre o motorista alcoolizado. Tanto as sanções administrativas quanto

criminais, agora podem ser aplicadas sem maiores embaraços, principalmente

pela fiscalização nas ruas.

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A análise da eficácia jurídica da legislação é exposta através do quadro

abaixo:

Norma Eficácia Jurídica da Sanção

Administrativa

Eficácia Jurídica da Sanção

Criminal

CTB –

Redação

Original

Bastando o motorista se

recusar a realizar os testes de

alcoolemia, era impossível a

aplicação da norma.

Bastando o motorista se recusar

a realizar os testes de alcoolemia,

era impossível a aplicação da

norma.

Alguns testes eram realizados

sem o conhecimento do motorista

acidentado, quando este era

atendido no hospital.

Lei 11.275

de 2006

Bastando o motorista se

recusar a realizar os testes de

alcoolemia, era impossível a

aplicação da norma.

Ademais, a ambiguidade

quanto à concentração de álcool

permitida dificultava a aplicação.

Aplicável caso o motorista

apresentasse notórios sinais de

embriaguez.

Bastando o motorista se recusar

a realizar os testes de alcoolemia,

era impossível a aplicação da

norma.

Alguns testes eram realizados

sem o conhecimento do motorista

acidentado, quando este era

atendido no hospital.

Lei 11.705

de 2008

Perfeitamente aplicável, pois a

recusa em se submeter aos

testes de alcoolemia resulta nas

mesmas sanções do motorista

em que o teste apresenta um

resultado positivo.

Bastando o motorista se recusar

a realizar os testes de alcoolemia,

era impossível a aplicação da

sanção criminal.

Lei 12.760

de 2012

Perfeitamente aplicável, pois a

recusa em se submeter aos

testes de alcoolemia resulta nas

mesmas sanções do motorista

em que o teste apresenta um

Aplicável através de testes de

alcoolemia, exame clínico, prova

em vídeo, testemunha ou qualquer

meio de prova admitido em direito.

A aplicação da norma tornou-se

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4.2. Efetividade da Lei Seca

Para constatação ou não da efetividade, é preciso analisar casos

concretos, mais precisamente laudos e estatísticas de acidentes de trânsito. Ao

longo da pesquisa realizada, coletamos dados relevantes para o trabalho. São

informações descritivas, uma vez que, para obtermos dados conclusivos sobre

o impacto da Lei Seca, seria necessário um maior período de tempo analisado.

Quatro meses de vigência da lei não são suficientes para produzir estatísticas

confiáveis do ponto de vista cientifico.

Foi constatado pelo Instituto Médico Legal (IML) de Belo Horizonte que

63% das vítimas fatais de acidentes de trânsito apresentavam resultado

positivo para qualquer concentração de álcool no organismo. Estes percentuais

se repetem em pesquisas de diversos IML, como em São Paulo e Rio de

janeiro. A vítima do acidente, ainda que alcoolizada, pode não ser

necessariamente o responsável pelo acidente, como é o caso de um pedestre

embriagado que é atropelado por um motorista sóbrio. Apesar desta

informação não ser conclusiva, podemos retirar dela deduções valiosas.

É notório que 63% da população não se encontra alcoolizada

rotineiramente, mas observou-se que 63% das vítimas fatais de acidentes de

trânsito estavam alcoolizadas. Sendo assim, podemos deduzir que o consumo

de bebida alcoólica guarda alguma relação com o acidente de trânsito. Apesar

de não conseguimos mensurar essa relação, sabemos que ela existe.

Agrava ainda essa estatística o fato de muitas vítimas fatais serem

encaminhadas ao IML após receberem tratamento em hospitais. Mesmo

estando alcoolizadas no momento do acidente, por passarem dias em

resultado positivo.

A constatação do consumo de

álcool pode ser feita através de

prova testemunhal, vídeo,

sinais de embriaguez ou

qualquer meio de prova admitido

em direito.

mais viável, pois é analisada a

capacidade psicomotora do

condutor. São dispensáveis

exames técnicos e científicos.

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tratamento num hospital, obviamente ao chegar ao IML, obtêm resultado

negativo para o teste de alcoolemia.

Curiosamente, 64% dos óbitos por causas não naturais violentas, como

assassinatos, demais acidentes, entre outros, também apresentam resultado

positivo no teste de alcoolemia. Vemos que o uso de bebida alcoólica também

tem relação com outros comportamentos nocivos à sociedade.

Segundo uma pesquisa realizada nos Estados Unidos da America

divulgada pelo CISA (Centro de Informações Sobre Saúde e Álcool), entre

todos os acidentes de carro que tenham envolvido o uso de álcool, ocorridos no

ano de 2002 no país, 4% resultaram em morte e 42% em ferimentos graves.

Dos acidentes de carro que não envolveram o uso de álcool, 0,6% resultaram

em morte e 31% em ferimentos graves. E ainda, jovens com alcoolemia até 0,2

g/L tem 1,5 vezes a mais de chances de sofrer acidentes com vítimas fatais. A

partir de 0,2 g/L, esse risco aumenta para 2,5 vezes, para todas as faixas

etárias. Com 0,5 g/L, esse risco aumenta para 6 vezes a mais em comparação

ao condutor sóbrio. Vemos que o álcool, além de aumentar as chances de o

acidente ocorrer, aumenta as chances de ele ser mais grave.

Infelizmente, no Brasil não são produzidos dados capazes de apontar o

consumo de bebida alcoólica como o causador do acidente. Seria necessário

um esforço conjunto de diversas instituições como o Instituto de Criminalística

da Policia Civil, que aponta o causador do acidente, o IML (Polícia Civil),

realizando testes de alcoolemia nas vítimas e envolvidos nos acidentes,

agentes de fiscalização (Policia Militar, Guarda Municipal e afins), realizando

testes de alcoolemia com os envolvidos no acidente in loco, e os principais

hospitais no atendimento de urgência e emergência, realizando testes de

alcoolemia nas vitimas de acidentes. Neste cenário, conseguiríamos associar o

consumo de bebida alcoólica como causa de acidentes de trânsito.

CONCLUSÃO

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A legislação sobre o motorista alcoolizado vem sofrendo diversas

alterações antes e depois do CTB. Estudamos neste trabalho as alterações

desde o CTB no ano de 1997 até os dias de hoje. Para um tema tão específico,

foram várias mudanças em um curto espaço de tempo.

Observamos também que a legislação avançou em busca de uma

melhor eficácia jurídica. Foram alterações graduais e constantes ao longo dos

anos. Hoje, diferentemente, temos regras capazes de coibir um comportamento

extremamente prejudicial à sociedade: beber e dirigir.

Infelizmente, não é possível mensurar ainda a efetividade destas leis,

pois não dispomos de informações suficientes para concluir ou não pela sua

efetividade. Existe um sentimento de que beber e dirigir ainda é um

comportamento recorrente para os motoristas brasileiros, tendo em vista as

notícias e os preocupantes índices de acidentes. Cabe agora à fiscalização

usufruir dos instrumentos que a lei proporcionou e fazer um bom trabalho, mas,

principalmente, cabe à sociedade entender a importância de não incorrer neste

comportamento demasiadamente perigoso e prejudicial à nossa sociedade.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Código de Trânsito (1997). Código de Trânsito Brasileiro. Diário

Oficial da União, Brasília, 23 set. 1997. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9503.htm>. Acesso em 03 abr. 2013

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Acesso em: 03 abr. 2013.

BRASIL. Lei n. 12.760, de 20 de dezembro de 2012. Altera a Lei no 9.503, de

23 de setembro de 1997, que institui o Código de Trânsito Brasileiro . Diário

oficial da União, Brasília, 20 dez. 2012.

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BRASIL. Lei n. 11.705, de 19 de junho de 2008. Altera a Lei no 9.503, de 23 de

setembro de 1997, que ‘institui o Código de Trânsito Brasileiro’, e a Lei

no 9.294, de 15 de julho de 1996, que dispõe sobre as restrições ao uso e à

propaganda de produtos fumígeros, bebidas alcoólicas, medicamentos,

terapias e defensivos agrícolas, nos termos do § 4o do art. 220 da Constituição

Federal, para inibir o consumo de bebida alcoólica por condutor de veículo

automotor, e dá outras providências. Diário oficial da União, Brasília, 19 jun.

2008.

BRASIL. Lei n. 11.275, de 07 de fevereiro de 2006. Altera a redação dos arts.

165, 277 e 302 da Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997, que institui o

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