anÁlise da disponibilidade e demanda para o sistema de abastecimento de Água de salvador frente a...

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SAMARA FERNANDA DA SILVA ANÁLISE DA DISPONIBILIDADE E DEMANDA PARA O SISTEMA DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA DE SALVADOR FRENTE A CENÁRIO DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS Salvador, BA 2012 UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA ESCOLA POLITÉCNICA

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ANÁLISE DA DISPONIBILIDADE E DEMANDA PARA O SISTEMA DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA DE SALVADOR FRENTE A CENÁRIO DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS

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  • SAMARA FERNANDA DA SILVA

    ANLISE DA DISPONIBILIDADE E DEMANDA PARA O SISTEMA DE ABASTECIMENTO DE GUA DE SALVADOR

    FRENTE A CENRIO DE MUDANAS CLIMTICAS

    Salvador, BA 2012

    UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA ESCOLA POLITCNICA

  • SAMARA FERNANDA DA SILVA

    ANLISE DA DISPONIBILIDADE E DEMANDA PARA O SISTEMA DE ABASTECIMENTO DE GUA DE SALVADOR

    FRENTE A CENRIO DE MUDANAS CLIMTICAS

    Dissertao apresentada a Escola Politcnica da Universidade Federal da Bahia como requisito parcial para a obteno do ttulo de Mestre em Meio Ambiente, guas e Saneamento Orientador: Prof. Dr. Lafayette Luz Co-orientador: Prof. Dr. Fernando Genz (Rajendra)

    Salvador, BA 2012

  • S586 Silva, Samara Fernanda da

    Anlise da disponibilidade e demanda para o sistema de abastecimento de gua de Salvador frente a cenrio de mudanas climticas/ Samara Fernanda da Silva. Salvador, 2012.

    150 f. : il. color.

    Orientador: Prof. Dr. Lafayette Luz Co-orientador: Prof. Dr. Fernando Genz

    Dissertao (mestrado) Universidade Federal da Bahia. Escola Politcnica, 2012.

    1.Problemas ambientais- mudanas climticas. 2. Disponibilidade hdrica. 3. Bacia do rio Paraguau 4. Sistema de abastecimento de gua - Salvador I Luz, Lafayette. II.Universidade Federal da Bahia. II. Ttulo.

    CDD363.7

  • DEDICATRIA

    A minha linda e amada famlia. Meu

    refgio, minha motivao e fortaleza.

  • EPGRAFE

    A vida a arte de extrair concluses

    suficientes de premissas insuficientes.

    (Samuel Butler)

  • AGRADECIMENTOS

    Agradeo aos Profs. Lafayette Luz e Fernando Genz (Rajendra), meus orientadores, pela competncia, seriedade, ateno, motivao e conhecimentos transmitidos.

    Aos Profs. da Universidade Federal do Recncavo da Bahia, Paulo Serrano e Andrea Fontes, pelas excelentes e imprescindveis contribuies.

    Aos meus queridos professores Mrcia Marinho, Viviana Zanta, Magda Beretta, Luciano Matos, Severino Filho e Luiz Roberto Santos Moraes pelos incentivos e conhecimentos transmitidos.

    Ao Programa de Ps-Graduao em Meio Ambiente, guas e Saneamento (MAASA-UFBA).

    Aos profs. Eduardo Cohim, Asher Kiperstok e Karla Esquerre por me apresentar ao universo da pesquisa cientfica.

    Aos meus amigos, pelo carinho, por compreender minha ausncia e por levantar minha auto-estima mesmo quando eu estava desesperada com as pendncias da dissertao. Agradecimento aos amigos do MAASA, especialmente a Katita, Mai e Gabi; da AMA SENAI/CETIND; Gabriel, Carol, Teu, Tncia, Simone Tosta, Alade Saldanha, Emlia, Thiago Ramos, Toni, Mai Macedo, Nino, Nando, Flvia e Maria do Socorro.

    minha vizinha e amiga Kelly dos Anjos pela solidariedade e motivao.

    Ao Grupo de Recursos Hdricos (GRH-UFBA), a CERB, ao INEMA e a Votorantim Energia pela liberao dos dados necessrios.

    Ao Laboratrio de Sistemas de Suporte a Decises em Engenharia Ambiental e de Recursos Hdricos- LABSID, especialmente a Alexandre Roberto, pelos constantes esclarecimentos.

    Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (CAPES), por ter propiciado a bolsa para realizao do mestrado.

    minha querida prof. Patrcia Borja pelo carinho, incentivo, motivao e ensinamentos.

    Ermenice Rocha, minha gratido pelo apoio essencial na minha vida. A Ana Luiza e Joo Lucas pelo amor, alegrias e amizade.

    s minhas primas, especialmente, Thas, Mara, Sara e Cntia. Aos meus tios, avs, cunhada, sobrinhos e afilhados, pelas alegrias e divertimentos nos nossos raros encontros familiares.

    Aos meus pais, Ado e Orleide, irmos Pollyanna, Tarclio, Danielle e Amauri - que compreenderam minha ausncia devido dissertao.

    Por fim, a Deus, pelo mundo repleto de oportunidades, pelas possibilidades a mim concedidas, por me iluminar e guiar.

  • AUTORIZAO

    Autorizo a reproduo e/ou divulgao total ou parcial da presente obra, por

    qualquer meio convencional ou eletrnico, desde que citada a fonte.

    Nome do Autor: Samara Fernanda da Silva

    Assinatura do autor: ______________________________________________

    Instituio: Universidade Federal da Bahia

    Local: Salvador, Ba

    Endereo: Rua Aristides Novis, 02 - 4 andar, Federao - Salvador-BA - CEP.

    40210-630

    E-mail: [email protected]

  • RESUMO

    O aquecimento global vem promovendo mudanas climticas, alteraes na

    frequncia e distribuio das chuvas e, consequentemente, nas vazes fluviais.

    Assim, esta dissertao objetivou avaliar a disponibilidade de gua do

    reservatrio da barragem de Pedra do Cavalo, para suprimento da demanda

    futura do sistema de abastecimento da cidade de Salvador, considerando os

    usos das guas na bacia e possveis mudanas climticas. Este reservatrio

    est localizado na bacia do rio Paraguau, totalmente inserida no Estado da

    Bahia. Foram considerados doze cenrios, sendo estes compostos por um

    arranjo de duas projees de disponibilidade sem e sob efeitos das

    mudanas climticas (cenrio A1B) e seis diferentes projees de demanda

    do sistema de abastecimento de gua de Salvador. As simulaes foram

    realizadas no modelo de rede de fluxo AcquaNet. Em relao aos efeitos das

    mudanas climticas sobre a disponibilidade hdrica, considerando o cenrio

    A1B para o perodo de 2011 a 2040, observou-se a uma reduo significativa

    da vazo mdia mensal afluente a Pedra do Cavalo e um pequeno aumento da

    taxa de evaporao, reduzindo a disponibilidade hdrica. Em conseqncia,

    houve uma diminuio nos ndices de confiabilidade, elasticidade,

    vulnerabilidade e sustentabilidade do atendimento demanda de Salvador e

    aos demais usurios das guas da bacia, incluindo a reduo do potencial de

    gerao de energia eltrica. Na anlise de desempenho do sistema, observou-

    se que as projees de demanda tiveram pequena influncia quando

    comparadas reduo na disponibilidade hdrica decorrente das mudanas

    climticas.

    Palavras-Chave: mudanas climticas, disponibilidade hdrica, bacia do rio

    Paraguau, sistema de abastecimento de gua, Salvador.

  • ABSTRACT

    Global warming has been promoting climate change, alterations in frequency

    and distribution of rainfall and, consequently, in river discharges. This

    dissertation aimed to evaluate the water availability of the Pedra do Cavalo

    reservoir to supply predicted demand of the water supply system of Salvador

    city, also considering the uses of water in the river basin and possible climate

    change. Pedra do Cavalo Dam is located in the Paraguau river, which basin is

    fully inserted in the State of Bahia. Twelve scenarios were considered, which

    were defined by an arrangement of two estimates of water availability without

    and under the effects of climate change (scenario A1B) and six different

    projections of water demand by the Salvador water supply system. The

    simulations were performed using the AcquaNet network flow model. About the

    effects of climate change on water availability, considering the scenario A1B for

    the 2011-2040 period, results showed a significant reduction in the mean

    annual streamflow annual discharge inflow at Pedra do Cavalo reservoir and a

    small increase in the evaporation rate, reducing the water availability. As a

    result, there was a decrease in reliability, resilience, vulnerability and

    sustainability indices to meeting the demand of Salvador and the other users of

    water in the basin. This included a reduction of the potential for hydropower

    generation. It was observed that the demand projections had a small influence

    on the system performance when compared to the reduction in water availability

    due to climate change.

    Keywords: climate change, water availability, Paraguau river basin, water

    supply system, Salvador.

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1: Projees das emisses de gases para os dos cenrios futuros elaborados pelo IPCC

    ....................................................................................................................................................... 9

    Figura 2: Diferena entre a mdia aritmtica das vazes dos 12 modelos do IPCC aplicados

    para o perodo 2041-2060 em relao normal climatolgica em percentual do perodo de

    1900-1970 para o cenrio A1B ................................................................................................... 17

    Figura 3: Representao de uma rede de fluxo com arcos e ns .............................................. 30

    Figura 4: Histrico do Consumo Mdio Anual de Cidades Brasileiras ....................................... 35

    Figura 5: Histrico das Perdas na Rede de Distribuio de Sistemas de Abastecimento de gua

    Capitais Brasileiras ................................................................................................................... 40

    Figura 6: Localizao da bacia do rio Paraguau ....................................................................... 47

    Figura 7: Fluxograma Atual do Sistema de Abastecimento de gua de Salvador ..................... 52

    Figura 8: Fluxograma Proposto para 2030 para o Sistema de Abastecimento de gua de

    Salvador ...................................................................................................................................... 55

    Figura 9: Desenho da Pesquisa .................................................................................................. 59

    Figura 10: Rede de Fluxo da Bacia do rio Paraguau ................................................................ 65

    Figura 11: Durao e volumes de dficit em perodo de falhas .................................................. 79

    Figura 12: Comportamento dos ndices de desempenho ........................................................... 81

    Figura 13: Vazes mensais afluentes aos reservatrios de Baranas, Casa Branca, Apertado e

    Bandeira de Melo ........................................................................................................................ 84

    Figura 14: Vazes mensais afluentes aos reservatrios de Frana, So Jos do Jacupe e

    Pedra do Cavalo .......................................................................................................................... 85

    Figura 15: Efeito das mudanas do clima nas vazes afluentes aos reservatrios da bacia do

    rio Paraguau, cenrio A1B 2011-2040 ................................................................................... 86

    Figura 16: Efeitos das mudanas climticas sob as vazes afluentes aos reservatrios da bacia

    do rio Paraguau, cenrio A1B, perodo de 2011 2040 ........................................................... 88

    Figura 17: Mdia das vazes mximas e mnimas mensais afluentes ao reservatrio de Pedra

    do Cavalo .................................................................................................................................... 88

    Figura 18: Cenrios de projeo de demanda do Sistema de Abastecimento de gua de

    Salvador ...................................................................................................................................... 97

    Figura 19: Redues, em relao projeo de demanda 11, da demanda por gua do

    Sistema de Abastecimento de Salvador e demanda industrial atendida pelo reservatrio Pedra

    do Cavalo .................................................................................................................................... 98

  • Figura 20: ndices de confiabilidade referentes s demandas dos reservatrios a montante de

    Pedra do Cavalo ........................................................................................................................ 101

    Figura 21: Elasticidade global (2011 2040) reservatrio de Pedra do Cavalo ................... 104

    Figura 22: Vulnerabilidade global (2011 2040) reservatrio de Pedra do Cavalo .............. 105

    Figura 23: Sustentabilidade global (2011 2040) reservatrio de Pedra do Cavalo ............ 106

    Figura 24: Potncia gerada (2011 2040) em Pedra do Cavalo a partir dos cenrios propostos

    ................................................................................................................................................... 107

    Figura 25: Confiabilidade por dcada Pedra do Cavalo ........................................................ 108

    Figura 26: Sustentabilidade sem efeitos das mudanas climticas do perodo de 2011-2021

    reservatrio Pedra do Cavalo .................................................................................................... 110

    Figura 27: Elasticidade por dcadas reservatrio Pedra do Cavalo sob efeitos das

    mudanas climticas ................................................................................................................. 111

    Figura 28: Vulnerabilidade por dcadas reservatrio Pedra do Cavalo sob efeitos das

    mudanas climticas ................................................................................................................. 111

    Figura 29: Sustentabilidade por dcadas reservatrio Pedra do Cavalo sob efeitos das

    mudanas climticas ................................................................................................................. 112

    LISTA DE QUADROS

    Quadro 1: Contribuies dos Relatrios publicados pelo IPCC ................................................... 6

    Quadro 2: Descrio dos Cenrios Futuros Elaborados pelo IPCC ............................................. 8

    Quadro 3: Sub-rede da REDE CLIMA ........................................................................................ 11

    Quadro 4: Previses climticas para as regies do Brasil Cenrio A2 IPCC para a segunda

    metade do sculo XXI ................................................................................................................. 11

    Quadro 5: Previses climticas para as regies do Brasil Cenrio A2 IPCC para a segunda

    metade do sculo XXI ................................................................................................................. 18

    Quadro 6: Perdas fsicas por subsistema: origem e magnitude ................................................. 39

    Quadro 7: Perdas aparentes no sistema de abastecimento de gua: origem e magnitude ....... 42

    Quadro 8: Mtodos de Planejamento de Sistemas de Abastecimento de gua considerando s

    Mudanas Climticas .................................................................................................................. 44

    Quadro 9: Nomenclatura do fluxograma da rede de fluxo da rea da bacia do rio Paraguau . 66

    Quadro 10: Estaes climatolgicas utilizadas para determinao da evaporao dos

    reservatrios ................................................................................................................................ 68

  • Quadro 11: Cenrios considerados para avaliao das demandas de gua para a bacia do rio

    Paraguau ................................................................................................................................... 78

    Quadro 12: Classificao dos ndices de performance .............................................................. 82

    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1: Balano hdrico histrico do sistema de distribuio de gua de Salvador ................ 53

    Tabela 2: ndice de perdas do sistema de distribuio de gua de Salvador perodo de 1995 a

    2007 ............................................................................................................................................. 53

    Tabela 3: Restries operacionais dos reservatrios da bacia do rio Paraguau ...................... 67

    Tabela 4: Esquema de prioridades ............................................................................................. 75

    Tabela 5: Desvio padro e coeficiente de variao das vazes mdias mensais afluentes aos

    reservatrios da bacia do rio Paraguau .................................................................................... 87

    Tabela 6: Vazes de referncia (Q90 em nvel mensal) sem e sob efeito das mudanas

    climticas ..................................................................................................................................... 89

    Tabela 7: Evaporao mdia mensal sem e sob efeito das mudanas climticas (cenrio A1B)

    nos reservatrios da bacia do rio Paraguau .............................................................................. 91

    Tabela 8: Mdias das variveis que definem a evaporao ....................................................... 92

    Tabela 9: Vazes mdias mensais regularizadas, sem efeitos das mudanas climticas,

    associadas s garantias 1961-1990 ........................................................................................ 94

    Tabela 10: Vazes remanescentes 1961-1990 ....................................................................... 95

    Tabela 11: Relao entre a reduo das demandas projetadas em relao ao cenrio 11 e a

    demanda industrial [L.s-1

    (%)] .................................................................................................. 99

    Tabela 12: Confiabilidade global (2011 2040) reservatrio de Pedra do Cavalo ............... 103

    Tabela 13: Elasticidade sem efeitos das mudanas climticas do perodo de 2011-2021

    reservatrio Pedra do Cavalo .................................................................................................... 109

    LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    ANA Agncia Nacional das guas

    AOGCMs Modelos Globais Acoplados Oceano-Atmosfera

    CEPTEC Centro de Previso de Tempo e Estudos Climticos

    CERB Companhia de Engenharia Ambiental da Bahia

    EMBASA Empresa Baiana de guas e Saneamento

  • GCM Modelos Globais Atmosfricos

    GRH Grupo de Recursos Hdricos da Universidade Federal da Bahia

    GT Grupo de Trabalho

    ING Instituto de Gesto das guas e Clima da Bahia

    INPE Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais

    IPCC Intergovernmental Panel for Climate Change

    IPH Instituto de Pesquisas Hidralicas da Universidade Federal do Rio Grande do

    Sul

    MCT Ministerio da Cincia e Tecnologia

    MGB Modelo Hidrolgico de Grandes Bacias

    MMA Ministrio do Meio Ambiente

    OMM Organizao Meteorolgica Mundial

    ONU Organizao das Naes Unidas

    P+L Produo mais Limpa

    PNCDA Programa Nacional de Combate ao Desperdcio de gua

    PNUMA Programa das Naes Unidas para o Meio Ambiente

    RCM Modelo de Clima Regional

    RPGA Regio de Planejamento e Gesto das guas

    REDE CLIMA Rede Brasileira de Pesquisas sobre Mudanas Climticas Globais

    RMS Regio Metropolitana de Salvador

    SAD Sistema de Apoio a Deciso

    SEDUR Secretaria de Desenvolvimento Urbano da Bahia

    SETIN Secretaria Municipal dos Transportes e Infraestrutura de Salvador

    SNIS Sistema Nacional de Informaes sobre Saneamento

    SRES Special Report on Emissions Scenarios

  • SUMRIO

    1 INTRODUO ..................................................................................................................... 1

    2 OBJETIVOS ......................................................................................................................... 4

    2.1 Objetivo Geral ............................................................................................... 4

    2.2 Objetivos Especficos .................................................................................... 4

    3 IMPACTOS DAS MUDANAS CLIMTICAS NOS RECURSOS HDRICOS .................... 5

    3.1 Estudos e Cenrios das Mudanas Climticas .............................................. 5

    3.2 Impactos das Mudanas Climticas nas guas ........................................... 13

    4 GESTO DAS GUAS ...................................................................................................... 21

    4.1 Sustentabilidade Hdrica .............................................................................. 22

    4.2 Gesto dos Recursos Hdricos no Brasil ..................................................... 25

    4.3 Anlise de Sistemas de Recursos Hdricos ................................................. 26

    4.4 Sistemas de Abastecimento de gua e a Gesto da Demanda ................... 32

    4.4.1 As Perdas dos Sistemas de Abastecimento ..................................................... 37

    4.4.1.1 Perdas Fsicas ............................................................................................. 38

    4.4.1.2 Perdas Aparentes ........................................................................................ 40

    4.4.2 Planejamento dos Sistemas de Abastecimento de gua ................................. 42

    5 BACIA DO RIO PARAGUAU .......................................................................................... 46

    6 SISTEMA DE ABASTECIMENTO DE GUA DE SALVADOR ........................................ 50

    7 METODOLOGIA ................................................................................................................. 57

    7.1 Obteno das Sries de Dados ................................................................... 60

    7.2 Definies Estruturais do Modelo de Rede de Fluxo ................................... 62

    7.2.1.1 Restries Operacionais dos Reservatrios ............................................... 67

    7.2.1.2 Evaporao nos Reservatrios ................................................................... 68

    7.2.1.3 Definio das Demandas ............................................................................ 69

    7.2.1.3.1 Projees das Demandas do Sistema de Salvador

    Incorporando o Controle de Perdas ............................................................. 73

    7.2.1.4 Definio das Prioridades............................................................................ 74

    7.3 Avaliao da Capacidade de Regularizao do Sistema ............................. 75

  • 7.4 Simulao do sistema Modelo de Rede de Fluxo ..................................... 76

    7.4.1 Perodo de Simulao ....................................................................................... 76

    7.4.2 Definio de Critrios e Elaborao dos Cenrios ........................................... 76

    7.4.3 Avaliao dos Resultados ................................................................................. 78

    8 RESULTADOS ................................................................................................................... 83

    8.1 Alteraes na Disponibilidade ..................................................................... 83

    8.1.1 Avaliao das Vazes Afluentes ....................................................................... 83

    8.1.2 Avaliao das Taxas de Evaporao ................................................................ 90

    8.2 Capacidade de Regularizao do Sistema .................................................. 93

    8.3 Projees das Demandas de Salvador ........................................................ 95

    8.4 Avaliao dos Cenrios ............................................................................... 99

    8.4.1 Confiabilidade a montante de Pedra do Cavalo .......................................... 100

    8.4.2 Avaliao global Pedra do Cavalo ............................................................... 102

    8.4.3 Avaliao por dcada Pedra do Cavalo ....................................................... 108

    9 CONCLUSO ................................................................................................................... 113

    10 REFERNCIAS ................................................................................................................ 122

    APNDICE A DEMANDAS, POR RESERVATRIOS, DA BACIA DO RIO PARAGUAU 131

    ANEXO A CURVAS COTA X REA X VOLUME ................................................................. 133

  • 1

    1 INTRODUO

    Um dos impactos mais importantes sobre a sociedade do futuro em relao s

    mudanas climticas sero as alteraes na disponibilidade de gua, pois isto

    implicar em modificaes nos aspectos do bem-estar, da produtividade

    agrcola e uso de energia, do abastecimento de gua humano e industrial, dos

    ecossistemas aquticos e do manejo da fauna (XU, 1999). Assim, caber aos

    usurios dos recursos hdricos reavaliarem suas demandas considerando os

    efeitos potenciais das mudanas climticas.

    As vazes fluviais superficiais, em geral, so caracterizadas com base nas

    estatsticas das sries observadas de precipitao na bacia hidrogrfica e das

    vazes medidas nos rios, admitindo, que tais sries so estacionrias.

    Entretanto, Meller (2006) afirma que a variabilidade climtica, as mudanas

    climticas ou as modificaes das tipologias de uso e ocupao do solo na

    bacia hidrogrfica afetam naturalmente destas sries.

    A forma de gerenciar as guas dever ser revista, pois h uma previso de

    vulnerabilidade dos mananciais s mudanas climticas, o que causar

    modificaes na disponibilidade de gua (IPCC, 2007b) e, tambm, espera-se

    que as tais mudanas alterem a freqncia, a intensidade e a durao dos

    eventos extremos em muitas regies (CHRISTENSEN et al., 2007).

    Os cenrios projetados pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanas

    Climticas (IPCC - Intergovernmental Panel for Climate Change), tanto os mais

    otimistas quanto os pessimistas, prevem diminuio na disponibilidade hdrica

    no nordeste brasileiro com aumento da durao do perodo de estiagem (IPCC,

    2008).

    Estudo aponta uma reduo de 73% das vazes mdias do rio Paraguau

    (GENZ et al., 2011). Esta previso foi simulada considerando o cenrio A2 do

    IPCC para o perodo de 2070 a 2100. Isto ocorrendo, alterar o quadro de

    alocao de gua, bem como comprometer o abastecimento de Salvador,

    visto que o reservatrio de Pedra do Cavalo, localizado neste manancial,

    contribui atualmente com cerca de 60% do fornecimento de gua desta cidade.

  • 2

    Entretanto, mesmo diante da possibilidade de reduo da disponibilidade

    hdrica da bacia do rio Paraguau, o plano municipal de saneamento bsico de

    Salvador, em fase de elaborao, continua sendo planejado desconsiderando o

    fenmeno das mudanas climticas e apresenta somente a reduo de perdas

    como alternativa de gesto da demanda (SETIN, 2010).

    De acordo com SETIN (2010) o aumento das demandas de gua da Regio

    Metropolitana de Salvador (RMS) ser atendido pela Barragem de Santa

    Helena, localizado no rio Jacupe, por meio da reverso de vazes para o

    reservatrio de Joanes II. Entretanto, um estudo conduzido por Genz et al.,

    (2010) sinaliza maiores impactos de reduo de disponibilidade hdricas dos

    mananciais da bacia do Recncavo Norte e, portanto, do rio Jacupe onde est

    localizado o reservatrio de Santa Helena.

    Os modelos climticos apresentam cenrios de reduo da precipitao e,

    consequentemente, das vazes dos rios que so aproveitados para o

    atedimento do abastecimento de gua de Salvador. Deste modo, necessrio

    incluir no planejamento do sistema de abastecimento de gua a incerteza das

    projees das mudanas climticas de modo a buscar o equilbrio entre

    disponibilidade e demanda.

    Nesse contexto, duas questes devem ser consideradas no planejamento dos

    sistemas de abastecimento de gua de Salvador: h previso de reduo da

    disponibilidade hdrica e, desta forma, faz-se necessrio reduzir a presso

    sobre os recursos hdricos de modo a melhorar a eficincia das utilizaes das

    guas existentes (GLEICK, 2010).

    Diante do exposto, esta dissertao visa realizar uma avaliao entre a

    disponibilidade hdrica futura do reservatrio de Pedra do Cavalo para o

    atendimento demanda do sistema de abastecimento de Salvador por meio de

    projees da demanda e de disponibilidade hdrica considerando cenrio de

    mudanas climticas.

    Este trabalho se justifica mediante a possibilidade de falhas no atendimento de

    gua para o abastecimento de Salvador, intensificao de conflitos pelo uso

    das guas e pela inexistncia de estudos de avaliao dos impactos no

    abastecimento devido s mudanas climticas.

  • 3

    Assim, esta dissertao pretende responder as seguintes perguntas:

    As alteraes das vazes afluentes ao reservatrio de Pedra do Cavalo

    decorrentes das mudanas climticas sero significativas em relao ao

    atendimento da demanda do sistema de abastecimento de Salvador em

    curto prazo (2012-2040)?

    Em que grau, aes visando reduo da demanda do sistema de

    abastecimento de Salvador sero suficientes para manter o equilbrio

    com a disponibilidade hdrica decorrente das mudanas climticas?

    Assim, as hipteses desta dissertao so:

    Haver reduo da disponibilidade hdrica da bacia do rio Paraguau em

    conseqncia das mudanas climticas;

    A reduo da disponibilidade hdrica do reservatrio de Pedra do Cavalo

    comprometer o abastecimento de gua de Salvador; e,

    Medidas de reduo da demanda, tais como reduo de perdas e do

    consumo, sero determinantes no equilbrio entre disponibilidade versus

    demanda hdrica.

    Espera-se que os resultados desse trabalho possam colaborar no

    gerenciamento das guas da bacia do rio Paraguau, bem como contribuir na

    elaborao dos planos de gesto de bacia e do saneamento com intuito de

    adotar medidas preventivas e mitigadoras relativas s questes abordadas.

  • 4

    2 OBJETIVOS

    2.1 Objetivo Geral

    Este trabalho tem como objetivo geral avaliar a disponibilidade de gua do

    reservatrio de Pedra do Cavalo, para suprimento da demanda futura do

    sistema de abastecimento de Salvador, considerando os usos das guas na

    bacia e possveis mudanas climticas.

    2.2 Objetivos Especficos

    A partir do objetivo geral, tm-se como objetivos especficos:

    Avaliar a disponibilidade hdrica do reservatrio de Pedra do Cavalo

    sem e com efeito das mudanas climticas;

    Definir critrios para elaborao dos cenrios;

    Elaborar projees da demanda para o abastecimento de gua de

    Salvador;

    Avaliar por meio de indicadores de performance (confiabilidade,

    resilincia, vulnerabilidade e sustentabilidade) o desempenho do

    reservatrio de Pedra do Cavalo no suprimento da demanda do

    sistema de abastecimento de Salvador.

  • 5

    3 IMPACTOS DAS MUDANAS CLIMTICAS NOS RECURSOS

    HDRICOS

    O objetivo desse captulo apresentar sucintamente os estudos e cenrios das

    mudanas do clima e, principalmente, estudos dos impactos destas mudanas

    na disponibilidade das guas superficiais. Esta dissertao no tem como

    objetivo aprofundar a discusso das causas e origem das mudanas climticas,

    mas sim, partir do princpio desta expectativa e discutir suas consequncias na

    disponibilidade hdrica, em especial, para o abastecimento humano.

    3.1 Estudos e Cenrios das Mudanas Climticas

    Os estudos das possveis alteraes do clima iniciaram aps a identificao do

    aumento da temperatura mdia da superfcie da Terra. Em 1988, a

    Organizao das Naes Unidas (ONU), por meio da Organizao

    Meteorolgica Mundial (OMM) e do Programa das Naes Unidas para o Meio

    Ambiente (PNUMA), criou o Painel Intergovernamental sobre as Mudanas do

    Clima IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change).

    O IPCC uma rede internacional de especialistas, encarregada de estudar,

    apoiar e divulgar trabalhos cientficos nas avaliaes do clima e os cenrios de

    mudanas climticas para o futuro, seus impactos e nveis de adaptao ao

    aquecimento, bem como buscar alternativas econmicas sustentveis para

    proteger o clima do planeta, visando prover as bases cientficas necessrias

    para a tomada de deciso pelos Estados.

    O IPCC possui trs grupos de trabalho: o GT1 - As Bases Cientficas, em que

    se avaliam os aspectos cientficos do sistema climtico e das mudanas

    climticas; GT2 - Impactos, Adaptaes e Vulnerabilidades, que aborda a

    vulnerabilidade socioeconmica e dos sistemas naturais, as consequncias

    negativas e positivas e a possibilidade de adaptao a estas mudanas; e o

    GT3 Mitigao, que analisa as possibilidades de limites das emisses de

    gases efeito estufa e a mitigao das alteraes climticas.

    Esse painel composto por pesquisadores das reas de climatologia,

    meteorologia, hidrometeorologia, biologia e cincias afins, os quais se renem

  • 6

    constantemente. Este painel publicou quatro relatrios, sendo o primeiro em

    1990, o segundo 1996, o terceiro em 2001 e o ltimo em 2007. O Quadro 1

    apresenta os impactos/relevncia dos quatro relatrios do IPCC.

    Quadro 1: Contribuies dos Relatrios publicados pelo IPCC

    Relatrio Ano de Publicao Relevncia

    Primeiro Relatrio Cientfico (FAR)

    1990

    Foi a base cientfica para os trabalhos realizados na Conveno sobre Mudanas Climticas das Naes Unidas em 1992 no Rio de Janeiro.

    Segundo Relatrio Cientfico (SAR)

    1996

    Forneceu as bases para as negociaes-chaves que levaram adoo do Protocolo de Kyoto, em 1997

    Terceiro Relatrio Cientfico (TAR)

    2001

    Concluiu que as recentes mudanas climticas j esto afetando os sistemas fsicos (clima, recursos hdricos) e biolgicos (ecossistemas, sade, humana, cidades).

    Quarto Relatrio Cientfico (AR4)

    2007

    Confirma que o Planeta est aquecendo e que este aquecimento e a elevao do nvel do mar continuaro por muitos sculos, mesmo se as concentraes dos gases de efeito estufa fosse estabilizadas.

    Segundo Marengo et al. (2003 b), os processos que envolvem a circulao

    geral da atmosfera no podem ser determinados de forma completa, uma vez

    que so extremamente complexos e possuem comportamentos caticos.

    Os modelos climticos (GCMs e AOGCMs, denominados respectivamente

    Modelos Globais Atmosfricos e Modelos Globais Acoplados Oceano-

    Atmosfera) so ferramentas utilizadas para realizar as projees do clima no

    futuro. Estas projees so determinadas considerando diferentes nveis de

    emisses dos gases de efeito estufa e aerossis ou cenrios (SRES Special

    Report on Emissions Scenarios), numa combinao coerente e consistente de

    hipteses sobre forantes controladoras, tais como: demografia,

    desenvolvimento socioeconmico e mudana na tecnologia, assim como suas

    interaes (IPCC 2001), mas, segundo Marengo et al. (2011), sem a incluso

    explcita de polticas de redues das emisses.

    Em geral, h poucas instituies onde so executados os modelos climticos

    globais, pois os mesmos demandam enormes recursos computacionais. O

  • 7

    Centro de Distribuio de Dados do IPCC (DDC/IPCC) disponibiliza os

    relatrios publicados pelo painel e os cenrios climticos, resultado das

    projees de 23 modelos dos principais centros de modelagem do clima no

    mundo. Dentre as instituies e os respectivos modelos acoplados oceano-

    atmosfera utilizados nas simulaes do IPCC, tem-se:

    Center for Climate Studies and Research CCSR/National Institute for

    Environmental Studies NIES, do Japo (CCSR/NIES).

    Canadian Center for Climate Modeling and Analysis, do Canad

    (CCCMA);

    Australias Commonwealth Scientific and Industrial Research

    Organization, da Austrlia (CSIRO-Mk2);

    National Oceanic and Atmospheric Administration NOAA-Geophysical

    Fluids Dynamic Laboratory, dos Estados Unidos (GFDL-CM2);

    Hadley Centre for Climate Prediction and Research, da Inglaterra

    (HadCM3).

    Os AOGCMs podem oferecer informaes de grande utilidade sobre mudanas

    de clima em escala continental, entretanto, devido a efeitos orogrficos e

    eventos extremos do clima, no representam bem as mudanas no clima local,

    tais como as tempestades ou frentes e chuvas, sendo para isto necessrio

    regionalizar os cenrios climticos usando modelos regionais (downscaling

    dinmico) ou funes estatsticas (downscaling emprico ou estatstico)

    (MARENGO, 2007). Os modelos regionais so de resoluo mais alta,

    alimentado nas fronteiras pelas condies produzidas pelo modelo global

    (SILVA, 2005).

    Existe um grau de incerteza do futuro cenrio climtico do planeta e em

    particular no Brasil, devido principalmente s diferenas observadas nas sadas

    dos diferentes modelos usados nas projees climticas (MARENGO, 2007).

    Marengo et al. (2011) dividem estas incertezas em quatros categorias:

    incertezas das emisses, das concentraes de gases de efeito estufa, da

    variabilidade natural do tempo e clima e da modelagem, as quais fazem parte

    de qualquer projeo de mudanas climticas.

  • 8

    Em 1996 o IPCC utilizou os cenrios IS92 que foram elaborados com base nas

    futuras emisses de gases de efeito estufa e aerossis e da proporo de

    emisses remanescentes na atmosfera (IPCC 2001).

    A partir de 2000, o IPCC elaborou novos cenrios de emisses, sendo estes

    fundamentados numa interao de desenvolvimento tecnolgico, social,

    demogrfico e de nveis de gases de efeito estufa (IPCC 2001). Assim, foram

    definidos pelo IPCC quatro conjuntos de cenrios denominados famlias: A1,

    A2, B1 e B2, onde a famlia A1 se compe de trs grupos (A1F1, A1B e A1T).

    O detalhamento dos cenrios elaborados em 2000 encontra-se no Quadro 2.

    Quadro 2: Descrio dos Cenrios Futuros Elaborados pelo IPCC

    Cenrios do IPCC

    Descrio do mundo futuro

    A1

    A globalizao dominante. Neste cenrio o crescimento econmico rpido e o crescimento populacional pequeno com um desenvolvimento rpido de tecnologias mais eficientes. Os temas subjacentes principais so: a convergncia econmica e cultural, com uma reduo significativa em diferenas regionais e renda per capita. Neste mundo, os indivduos procuram riqueza pessoal em lugar da qualidade ambiental. H trs cenrios: A1B (cenrio de estabilizao), A1F (mximo uso de combustvel fssil) e A1T (mnimo de uso de combustvel fssil).

    A2

    Muito heterogneo onde a regionalizao dominante. Existiria um fortalecimento de identidades culturais regionais, com nfase em valores da famlia e tradies locais. Outras caractersticas so: um crescimento populacional alto, menos preocupao em relao ao desenvolvimento econmico rpido.

    B1

    Rpida mudana na estrutura econmica mundial, onde ocorre uma introduo de tecnologias limpas. A nfase est em solues globais, sustentabilidade ambiental e social e inclui esforos combinados para o desenvolvimento de tecnologias rpidas.

    B2 nfase est em solues locais, sustentabilidade econmica, social e ambiental. A mudana tecnolgica mais diversa com forte nfase nas iniciativas comunitrias e inovao social, em lugar de solues globais.

    Fonte: IPCC (2001)

    Na Figura 1 so apresentadas as projees das concentraes dos gases de

    efeito estufa (SO2, CO2, N2O e CH4) para os diversos cenrios elaborados

    pelo IPCC.

  • 9

    Fonte: IPCC (2001)

    Figura 1: Projees das emisses de gases para os dos cenrios futuros elaborados pelo IPCC

    Segundo o Relatrio do IPCC (2007), para as prximas duas dcadas, projeta-

    se um aquecimento mdio anual de cerca de 0,2 C por dcada e, mesmo que

    as concentraes de todos os gases de efeito estufa e aerossis se

    mantivessem constantes nos nveis do ano 2000, haveria um aquecimento

    adicional de cerca de 0,1 C por dcada. A projeo mais otimista d conta de

    que o aumento de temperatura projetada seria de 1,8 C at 2100, o que

    requereria uma reduo de 70% nas emisses dos gases at 2050 (IPCC,

    2007 c).

    Segundo Marengo (2007) cerca de 75% das emisses do Brasil provm dos

    desmatamentos (2/3 na Floresta Amaznica e 1/3 no Cerrado), queimadas e

    mudanas no uso da terra. Este percentual equivale a cerca de 4% do total

    mundial de emisses de gases. Algumas projees dos modelos climticos tm

    mostrado que nas prximas dcadas, existe risco de uma mudana abrupta e

    Ano Ano

  • 10

    irreversvel em parte ou em toda a Amaznia, com consequentes impactos

    climticos nas regies vizinhas e no mundo todo (MARENGO et al., 2011).

    A partir de 2009 os ministrios do Meio Ambiente (MMA) e da Cincia e

    Tecnologia (MCT) instituram o Painel Brasileiro sobre Mudanas do Clima

    (IPCC Brasileiro). Nos mesmos moldes do IPCC da ONU, o painel brasileiro

    busca compilar, analisar e divulgar a produo cientfica brasileira a respeito

    dos mais diferentes aspectos das alteraes do clima no pas, cabendo a Rede

    Brasileira de Pesquisas sobre Mudanas Climticas Globais (REDE CLIMA) a

    gerao dos relatrios, estes tambm similares queles do IPCC da ONU.

    Essa rede foi criada pelo MCT, por meio da Portaria n 728/2007, sendo um

    dos instrumentos para a atuao da Poltica Nacional de Mudana do Clima

    PNMC (Lei n 12.187/09). A REDE CLIMA tem como objetivos, dentre outros,

    gerar e disseminar conhecimentos e tecnologias para que o Brasil possa

    responder aos desafios representados pelas causas e efeitos das mudanas

    climticas globais; produzir dados e informaes necessrias ao apoio da

    diplomacia brasileira nas negociaes sobre o regime internacional de

    mudanas do clima e, realizar estudos sobre os impactos das mudanas

    climticas globais e regionais no Brasil, com nfase nas vulnerabilidades do

    Pas s mudanas climticas (REDE CLIMA, 2009).

    A REDE CLIMA composta por sub-redes temticas (Quadro 3), dentre estas,

    as de recursos hdricos e modelagem climtica. A primeira objetiva avaliar os

    impactos das mudanas climticas sobre os recursos hdricos, enquanto a

    segunda desenvolve e utiliza modelos numricos do sistema climtico global

    para projetar as mudanas climticas em escalas global e regional,

    disponibilizar e facilitar o uso de modelos climticos e seus componentes para

    a comunidade cientfica nacional.

    A sub-rede de modelagem climtica responsvel por desenvolver o Modelo

    Brasileiro do Sistema Climtico Global, cuja coordenao institucional compete

    ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). O Centro de Previso de

    Tempo e Estudos Climticos (CPTEC/INPE) instalou o modelo regional de

    circulao geral atmosfrica - modelo ETA, sendo este adaptado do modelo

    global HadCM3 do Met Office Hadley Centre (MOHC).

  • 11

    Quadro 3: Sub-rede da REDE CLIMA

    REDE CLIMA

    Sub Redes Instituio coordenadora

    Biodiversidade e Ecossistemas

    Museu Paranaense Emlio Goeldi (MPEG PA)

    Recursos Hdricos Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)

    Desenvolvimento Regional Universidade de Braslia (UnB)

    Cidade Universidade de Campinas (Unicamp)

    Energias Renovveis Instituto Alberto Luiz Coimbra de Ps-graduao e Pesquisa

    de Engenharia Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

    Agricultura Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria (Embrapa

    Campinas)

    Sade Fundao Oswaldo Cruz (Fiocruz)

    Economia das Mudanas Climticas

    Universidade de So Paulo (USP)

    Modelagem Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE So Jos

    dos Campos/Cachoeira Paulista)

    Zonas Costeiras Fundao Universidade Federal do Rio Grande (FURG RS)

    Fonte: REDE CLIMA (2009)

    No Brasil, devido aos esforos computacionais exigidos e aos custos

    associados, os cenrios futuros esto sendo projetados em fatias de tempo

    (time slices) de 30 anos cada um (2010-2040, 2041-2070, 2071-2100).

    No Quadro 4 so apresentadas as previses de temperaturas previstas para as

    regies brasileiras para o cenrio A2 do IPCC.

    Quadro 4: Previses climticas para as regies do Brasil Cenrio A2 IPCC para a segunda metade do sculo XXI

    Regio Previso

    Norte

    4-8 C mais quente e 15-20% mais seco e atraso da estao chuvosa. Pode afetar a biodiversidade Amaznica e a floresta, nveis dos rios mais baixos, reduo do transporte de umidade para sudeste e sul do Brasil afetando chuvas nestas regies, mais incndios florestais. Impactos no transporte fluvial,na sade da populao, e na gerao de energia hidroeltrica.

    Nordeste

    2- 4 C mais quente e 15-20% mais seco. Alta evaporao que pode afetar nveis de audes. Pode afetar biodiversidade na caatinga. Impactos na agricultura de subsistncia e na sade da populao. rea mais afetada seria o Semi-rido.

    Sul

    2-4 C mais quente, 5-10% mais chuvoso ainda que a umidade que vem da Amaznia seja menor. Altas evaporaes devido a altas temperaturas podem afetar o balano hdrico. Extremos de chuva, enchentes e temperaturas mais intensos. Impactos na agricultura e na sade da populao, e na gerao de energia hidroeltrica.

    Sudeste 3-6 C mais quente, os extremos de chuva, enchentes e temperaturas podem ser mais intensos. Impactos na agricultura e na sade da populao, e na gerao de energia hidroeltrica

    Centro Oeste

    3-6 C mais quente, no tem certeza sobre mudanas na chuva. Pode afetar biodiversidade do cerrado e Pantanal. Impactos na agricultura e na sade da populao.

    Fonte: Barbieri et al. (200-)

  • 12

    Dentre os possveis impactos das mudanas climticas na Amaznia devido s

    emisses tem-se: o aumento da frequncia de incndios, a perda de

    biodiversidade, reduo da precipitao devido reduo da

    evapotranspirao e intensificao dos fenmenos El Nios e dos extremos de

    secas e enchentes, alterao da distribuio das chuvas e da disponibilidade

    hdrica no Brasil (MARENGO & SOARES, 2003).

    O INPE e o Met Office Hadley Centre (MOHC) do Reino Unido uniram seus

    conhecimentos sobre modelagem climtica e o clima do Brasil a fim de

    entender quais sero as condies climticas no Brasil no futuro e como o

    desmatamento da Amaznia pode afetar o clima local e o regional (MARENGO

    et al., 2011). As projees determinadas neste estudo foram para o cenrio

    A1B. Estes centros observaram grandes redues percentuais nas

    precipitaes pluviomtricas e de elevaes das temperaturas do ar na

    Amaznia, com mudanas mais acentuadas depois de 2040, com impactos na

    formao de precipitaes em regies distantes da prpria Amaznia.

    Para a regio semi-rida do nordeste a previso de ambiente semelhante a

    um deserto: mais seco, menos precipitao, solos mais pobres, menor

    diversidade biolgica e alguns lugares inabitveis (BARBIERI et al., 200-). Para

    estes autores as consequncias sociais e econmicas das mudanas

    climticas da regio nordeste do Brasil para 2050 so:

    Reduo mdia de 11,4% do Produto Interno Bruto (PIB) e diminuio

    das terras frteis;

    Diminuio da renda e do consumo das famlias;

    Encolhimento das terras cultivveis;

    Maior suscetibilidade ocorrncia de esquistossomose na Bahia;

    Vulnerabilidade a doenas e mais gastos na sade;

    Migrao em alta a partir de 2035 das reas mais carentes para os

    grandes centros urbanos do Nordeste e de outras regies.

    Ao avaliar as temperaturas no Estado da Bahia para os cenrios A2 e B2 do

    IPCC entre 2070 e 2100 utilizando modelo regional HadRM3P, Genz et al.

    (2011) observaram o maior aumento no noroeste e norte (cerca de 5 C para o

  • 13

    A2 e 4 C para o B2) do Estado, enquanto no litoral os aumentos ficaram entre

    2 e 3,5 C para o A2 e entre 1,5 e 2,5 C para o B2.

    3.2 Impactos das Mudanas Climticas nas guas

    Em relao aos recursos hdricos, uma das variveis mais importantes so os

    cenrios futuros de precipitao e, por conseguinte, de vazes dos rios.

    Entretanto, as alteraes climticas modificam no somente as vazes, mas

    tambm os condicionantes naturais que do sustentabilidade ao meio natural

    como a fauna e flora (TUCCI, 2002).

    A avaliao da reduo das vazes dos rios em cenrios de mudanas

    climticas realizada por meio do acoplamento de modelos atmosfricos com

    os modelos hidrolgicos, existindo duas metodologias para isto: on-line, na qual

    h interao simultnea dos processos atmosfera-superfcie, verticalmente e

    horizontalmente, e off - line, no qual o modelo atmosfrico fornece dados para

    serem utilizados como entrada no modelo hidrolgico (SILVA, 2005).

    Silva (2005) e Silva et al. (2007) citam as principais limitaes dos modelos

    globais, em relao s aplicaes em recursos hdricos: a) a discretizao

    retrata somente os processos atmosfricos de macroescala na superfcie da

    terra; b) muitos processos so representados com fortes limitaes no modelo,

    tais como os processos hidrolgicos, por exemplo, que variam na microescala;

    c) o custo e o tempo de processamento para uma discretizao mais detalhada

    destes modelos so extremamente elevados; e d) diferenas entre as escalas

    de tempo e espao dos modelos atmosfricos e hidrolgicos.

    Em geral, os profissionais que planejam os sistemas de recursos hdricos

    ignoram mudanas significativas na hidrologia dentro do horizonte de

    planejamento tpico de 20-30 anos. Tambm, a integrao das alteraes

    climticas no processo de deciso dos recursos hdricos dificultada pela falta

    de quadros analticos adequados para avaliar com rigor os impactos de uma

    srie de cenrios climticos futuros (PURKEY et al., 2007), bem como pela

    falta de acesso a todas as simulaes do clima futuro do IPCC (2007) e,

    portanto, pela incapacidade de anlise da faixa de incerteza representada em

    simulaes climticas (VONO et al., 2010). Fisher e Rubio (1997) apud Ohara

  • 14

    & Georgakakos (2008) ressaltam que o aumento da incerteza nas projees

    leva, a longo prazo, a um maior nvel de armazenamento dos reservatrios e,

    portanto, a maiores custos.

    Whitehead et al. (2009) destacam como conseqncias da reduo das vazes

    e das velocidades dos rios, o aumento do tempo de residncia da gua e,

    portanto, o aumento do potencial de proliferao de algas txicas, reduo dos

    nveis de oxignio dissolvido e o aumento da taxa de sedimentao, diminuindo

    assim a concentrao de sedimentos na coluna de gua, o que, por sua vez,

    aumenta a penetrao de luz e, assim, favorece o crescimento das algas.

    Segundo o IPCC (2008) temperaturas elevadas, combinadas com altas

    concentraes de fsforo em lagos e reservatrios causam a proliferao de

    algas que por sua vez prejudica a qualidade da gua (cor, odor e sabor,

    toxicidade, transferncia de poluentes volteis e semivolteis).

    Vale ressaltar que concentraes elevadas de algas causam impactos

    significativos nos sistemas convencionais de tratamento de gua (coagulao,

    floculao, sedimentao, filtrao e desinfeco). Isto porque estes

    organismos podem flotar nos decantadores, serem carreados para os filtros,

    obstruindo-os em poucas horas, causando odores na gua tratada e srios

    perigos a populao abastecida quando estas liberam txicos perigosos (DI

    BERNARDO e DANTAS, 2005).

    Segundo o IPCC (2008) as pequenas ilhas, as regies ridas e semi-ridas dos

    pases em desenvolvimento, as regies cujas guas doces so fornecidas

    pelos rios alimentados pela neve, os pases com uma elevada proporo de

    plancies costeiras e megacidades costeiras, particularmente na regio da sia-

    Pacfico, sero os locais cujo abastecimento de gua doce estar mais

    vulnervel.

    Avaliaes dos impactos das mudanas do clima na disponibilidade hdrica dos

    rios Cle Elum River, em Washington, e Chattahoochee-Apalachicola, na

    Gergia e Flrida foram realizadas por Gibson et al. (2005). Estes autores

    observaram alteraes das vazes mnimas e mximas e verificaram que as

    mudanas no regime de fluxo so crticos para a sobrevivncia dos peixes e

    outros organismos. Especificamente, no caso do rio Apalachicola as mudanas

  • 15

    climticas podero resultar na desconexo da plancie de inundao do canal,

    que reduziria drasticamente a disponibilidade de habitat para a desova dos

    peixes.

    Barnett et al. (2004) realizaram simulaes para avaliar os impactos das

    mudanas climticas na bacia do rio Colorado e observaram que mesmo em

    meados do sculo XXI o sistema de reservatrio do rio Colorado no ser

    capaz de atender a todas as demandas, incluindo o fornecimento de gua para

    o sul da Califrnia, interior do sudoeste e a gerao hidreltrica (reduo em

    at 40%). Para a regio do Vale Central da Califrnia preveem a

    impossibilidade de cumprir os atuais nveis de desempenho do sistema de

    gua.

    Outros autores (OHARA & GEORGAKAKOS, 2008; RUTH et al., 2007 e

    KIRSHEN, 2008) avaliaram os impactos das modificaes hidroclimticas em

    sistemas de abastecimento de gua. Os primeiros analisaram tais impactos no

    sistema de abastecimento de gua no semi-rido do sul da Califrnia para o

    perodo de 2006-2030 utilizando os modelos CGCM2, HadCM3 e ECHAM4

    com o cenrio padro de emisso de gases de efeito estufa de 1% de

    crescimento anual destes gases durante o futuro perodo de simulao. Para

    isto fizeram simulaes com intuito de analisar a capacidade dos reservatrios

    em atender a demanda futura de gua urbana sob cenrios de mudanas

    climticas e avaliaram os custos e benefcios econmicos da expanso de

    instalaes de armazenamento de gua existentes para se adaptarem s

    alteraes climticas futuras. Ohara & Georgakakos (2008) observaram custos

    elevados na ordem das centenas de milhes de dlares para adaptaes

    s alteraes climticas e o crescimento da populao, mesmo em um

    horizonte de tempo curto.

    Por outro lado, Ruth et al. (2007) avaliaram os impactos das mudanas

    climticas e das projees da populao de Hamilton na Nova Zelndia.

    Realizaram simulaes de 15 cenrios, sendo estes compostos pela

    combinao de cinco quadros climticos e trs de populao. Os autores

    observaram que as mudanas na demanda de gua so em grande parte

    impulsionadas por mudanas na populao, no sendo significativamente

    afetado por mudanas no clima. Orientaram aos decisores para focar sobre a

  • 16

    demografia no planejamento de atualizaes do sistema de gua. Contudo, a

    falta de sensibilidade da demanda de gua para a mudana climtica no

    implicou na inexistncia de impactos do clima, pois a escassez de gua para o

    abastecimento em 2030 apresentou uma probabilidade de 30-40% de

    ocorrncia.

    As frequncias de atendimento a trs sistemas de abastecimento de gua

    (Seattle, Tacoma e Everett ) da regio de Puget Sound, Washington, EUA,

    foram analisadas por Vono et al. (2010). Estas foram realizadas aumentando e

    diminuindo as demandas por 10%, 25% e 50% em relao aos valores de

    demanda do ano 2000 e simulando vazo para a dcada de 2020, 2040 e 2080

    para os cenrios de mudanas climticas A1B e B1. Assim, para todos os

    cenrios analisados observaram falhas no atendimento as demandas do

    sistema de Tacoma. No sistema de Seattle, quando a demanda aumentou em

    10%, a confiabilidade para o 2080 caiu em 5% e 1% para os cenrios de

    emisses cenrio A1B e B1, respectivamente.

    Ao avaliarem a demanda hdrica mundial (consumo humano, industrial e

    agricultura), Vrsmarty et al. (2000) observaram que as mudanas iminentes

    em escala global da populao e o desenvolvimento econmico iro ditar a

    relao futura entre a disponibilidade e a procura de gua em um grau muito

    maior do que vai significar as mudanas climticas.

    No caso do Brasil, os cenrios brasileiros previstos por Milly et al. (2005)

    relativos mdia de 12 modelos do IPCC para o perodo entre 2041-2060 em

    relao ao clima de 1900-1970 para o cenrio A1B mostram, em geral,

    aumento nas vazes dos rios das regies Sul, Sudeste e Centro-Oeste e

    redues naquelas vazes das regies Norte e Nordeste do Brasil (Figura 2).

  • 17

    Fonte: Milly et al. (2005)

    Figura 2: Diferena entre a mdia aritmtica das vazes dos 12 modelos do IPCC aplicados para o perodo 2041-2060 em relao normal climatolgica em

    percentual do perodo de 1900-1970 para o cenrio A1B

    Salati et al. (2007) elaboraram balanos hdricos para as regies da Amaznia,

    da bacia do rio Paraguai, da Nordeste Brasileiro e bacia do Prata nos quais

    foram utilizados cinco modelos global de clima (HadCM3, CSIRO-Mk2,

    CCCMA, GFDL-CM2 e CCSR/NIES) para cenrios A2 e B2 para os perodos

    de 2011 a 2040 (centrado em 2025), 2041 a 2070 (centrado em 2050) e 2071 a

    2100 (centrado em 2075). Quanto s concluses para o Nordeste Brasileiro,

    estes autores, mencionaram que os resultados precisam ser analisados com

    muito cuidado, pois os dados utilizados incluram uma rea superior ao

    Nordeste semi-rido atual. Para tais autores, excesso representa a gua que

    sofre percolao profunda ou escoamento superficial no ms considerado

    (mm.ms-1). Os resultados das previses para a segunda metade do sculo

    XXI deste estudo esto apresentados no Quadro 5, sendo estes comparados

    com os dados do balano hdrico do perodo de 1961 a 1990.

    Ao avaliar precipitaes no Estado da Bahia para os cenrios A2 e B2 do IPCC

    entre 2070 e 2100 utilizando modelo regional HadRM3P, Genz et al. (2011)

    observaram maior reduo anual no litoral (cerca de 70%) tanto para o A2

  • 18

    como para o B2, enquanto no semi-rido redues entre 20 e 60% no cenrio

    A2 e entre 20 e 50% no cenrio B2.

    Quadro 5: Previses climticas para as regies do Brasil Cenrio A2 IPCC para a segunda metade do sculo XXI

    Regies Modelo HadCM3 Mdias dos valores dos cinco modelos

    Amaznica Para ambos os cenrios (A2 e

    B2) uma diminuio do excesso de gua de at 73,4%.

    Para ambos os cenrios (A2 e B2) uma reduo do excesso de gua na regio de

    at 33 %.

    Bacia do Rio Paraguai

    Para ambos os cenrios (A2 e B2) uma diminuio do

    excesso de gua na Bacia do Rio Paraguai no perodo de at

    42 %.

    Para ambos os cenrios (A2 e B2) uma diminuio do excesso de gua na regio

    de at 49 %.

    Nordeste Brasileiro

    Para ambos os cenrios (A2 e B2) no haver excesso de

    gua na regio

    Para ambos os cenrios (A2 e B2) uma diminuio do excesso de gua na regio

    de at 100 %

    Bacia do Prata Para ambos os cenrios (A2 e

    B2) no haver excesso de gua na regio.

    Para ambos os cenrios (A2 e B2) uma diminuio do excesso de gua na regio para o perodo de 2011 a 2040 de at 70

    % e nenhum excesso de gua para o perodo de 2041 a 2100.

    Fonte: Salati et al. (2007)

    Por outro lado, Genz et al. (2010) avaliaram os impactos nas precipitaes

    mdias (MAP) e nas vazes do rio Pojuca sob o cenrio A2 do IPCC para o

    perodo de 2070 a 2100. Este rio localiza-se na Regio de Planejamento e

    Gesto das guas (RPGA) nmero XI Recncavo Norte. Para isto, foram

    utilizados os dados do modelo regional de clima HadRM3P e simulado o

    modelo hidrolgico MGB-IPH, sendo observadas alteraes projetadas para as

    vazes no cenrio A2 de 73% superiores quelas encontradas para a

    precipitao (79%). Estes autores sinalizam ainda, devido semelhana entre

    os regimes hidrolgicos, redues severas tambm nas vazes de outros rios

    desta RPGA (rios Jacupe e Joanes).

    Na bacia do rio Paraguau foi avaliado os impactos nas precipitaes mdias

    (MAP) e nas vazes do rio Paraguau para os cenrios A2 e B2 para o perodo

    de 2070 a 2100 (GENZ et al., 2011) utilizados os dados do modelo regional de

    clima HadRM3P e simulado o modelo hidrolgico MGB-IPH. Estes autores

    observaram que para o cenrio A2 redues das vazes mdia, mximas e

    mnimas de 73, 84 e 71%, respectivamente.

    Anteriormente, Medeiros (2003) realizou simulaes no rio Paraguau

    baseando-se nos resultados de dois modelos climticos (UKHI do Servio

  • 19

    Meteorolgico da Inglaterra e do CCCII do Centro de Clima Canadense para

    condies na atmosfera relativa 1xCO2 e 2xCO2. Foram avaliadas para estes

    dois cenrios de emisses as respostas da bacia em relao ao escoamento

    superficial e a evapotranspirao. Assim, nas simulaes do cenrio UKHI no

    foram identificadas alteraes no total anual do escoamento superficial e

    naquelas utilizadas o modelo CCCII foi observada uma grande reduo nesse

    total de aproximadamente 40%. Em relao evapotranspirao, no cenrio

    UKHI houve um decrscimo superior a 60%, na primavera, enquanto o cenrio

    CCCII mostrou uma reduo variando, em geral, de 3 a 18%.

    As diferenas obtidas em relao a evapotranspirao entre os estudos de

    Medeiros (2003) e Salati et al. (2007) decorre da resoluo do modelo de clima

    utilizado, os segundos autores utilizaram uma escala mais detalhada quanto

    comparada aquele utilizado pela primeira autora.

    Embora haja um reconhecimento de que as alteraes climticas podero

    interferir no consumo de gua (RUTH, 2007), nos processos de

    desestabilizao de margens de rios e descarga de sedimentos (BOYER et al.,

    2010), na qualidade das guas (MOORE et al., 2008; ARNELL, 1998;

    WHITEHEAD et al., 2009; BONTE & ZWOLSMAN, 2010), nos processos de

    migrao (Barbieri, 200-), e nas modificaes das caractersticas do uso e

    ocupao do solo e vegetao, nenhum destes elementos foram considerados

    no presente estudo.

    Mesmo diante dessas previses de alteraes nas vazes dos rios brasileiros,

    at o presente momento no foram identificados estudos dos impactos destas

    alteraes nos sistemas de abastecimento de gua no Brasil, embora tenham

    sido identificados estudos de impactos na capacidade de produo de energia

    hidroeltrica advinda das mudanas climticas (SCHAEFFER et al., 2008 e

    TIEZZI, 2009).

    Os impactos do clima exigiro modificaes no gerenciamento das guas no

    futuro, sendo imprescindvel sua insero para avaliao de sistemas de

    recursos hdricos (WILEY & PALMER, 2008). Ao inserir as alteraes

    hidroclimticas no gerenciamento dos recursos hdricos busca-se encontrar

    mais efetivamente o equilbrio entre disponibilidade hdrica e a demanda, que

  • 20

    por sua vez facilitar a avaliao do dos gestores da gua sob diferentes

    condies climticas (IPCC, 1995).

    Para MEANS III et al. (2010) as mudanas climticas precisam ser inseridas

    nas tomadas de decises dos prestadores dos servios pblicos de gua, por

    apresentar potenciais impactos financeiros, sociais e ambientais.

    Portanto, torna-se importante avaliar a disponibilidade hdrica para atendimento

    da demanda dos sistemas de abastecimento em cenrios de mudanas

    climticas de modo a permitir que decises sejam tomadas com relao a

    medidas preventivas e/ou adaptativas no sentido de evitar racionamento,

    conflitos ou at mesmo falhas severas ao abastecimento humano e outros usos

    das guas.

  • 21

    4 GESTO DAS GUAS

    O aumento populacional, a precariedade dos servios de saneamento bsico, o

    crescimento desordenado das cidades e o aumento da intensidade e variedade

    dos usos da gua so elementos que promovem o desequilbrio entre oferta e

    demanda por gua e, portanto, acentuam conflitos entre usurios.

    A escassez de gua no Brasil ocorre por diversas causas: enquanto no

    Sudeste do pas h restries quali-quantitativas devido alta densidade

    demogrfica e ampliao das demandas industrial e agrcola, o Nordeste

    enfrenta outra realidade: menor disponibilidade hdrica; carncia dos servios

    de saneamento bsico; e ainda o processo de salinizao de muitos corpos

    dgua. Adicionam-se a estas realidades, conforme discutido no captulo

    anterior, os possveis impactos decorrentes das mudanas climticas.

    De acordo com Agncia Nacional das guas (Resoluo n. 707/2004

    incisos, II e III, pargrafo 3, art.8), o conflito pelo uso da gua pode ser de

    natureza quantitativa e qualitativa, sendo o primeiro caracterizado pela relao

    entre demandas e a disponibilidade hdrica de uso e o segundo pela relao

    entre vazes necessrias diluio de poluentes ou cargas de poluentes e a

    disponibilidade hdrica.

    Gleick (2011) localizou e caracterizou eventos relacionados a conflitos

    internacionais pela gua, ao redor do mundo (maiores informaes em

    http://www.worldwater.org/conflict.html). Neste foram encontrados dois conflitos

    brasileiros: o primeiro em 1962 com o Paraguai e o segundo em 1970 destes

    dois pases com a Argentina, todas estas disputas pelas guas do rio Paran.

    De acordo com Lanna (1997), os conflitos por gua podem ser:

    De destinao de uso: ocorrem quando a gua utilizada para

    atender a outro tipo de uso que no seja os estabelecidos em projeto;

    De disponibilidade qualitativa: quando existe degradao da

    qualidade da gua devido ao lanamento de poluentes tornando a gua

    inadequada para determinados usos;

  • 22

    De disponibilidade quantitativa: ocorre devido ao uso intensivo da

    gua ocasionando, em alguns casos, a escassez dos recursos hdricos.

    A literatura demonstra que uma ao imprescindvel para atenuar conflitos e

    colocar em prtica o conceito de sustentabilidade hdrica.

    4.1 Sustentabilidade Hdrica

    Em geral, a gesto das guas do sculo XX foi baseada na ampliao da

    oferta, ou seja, na construo de grandes barragens para atender as

    demandas humanas que muito embora seja importante na reduo de

    incidncia de doenas, na ampliao de energia hidreltrica e da agricultura

    irrigada e no controle das cheias, trouxe prejuzos sociais, econmicos e

    ecolgicos (GLEICK, 2003).

    Nesse sentido, nas ltimas dcadas vem sendo discutida a incluso dos

    princpios de sustentabilidade na gesto das guas. Para Meadowcroft (1997)

    apud Cashman (2006) a sustentabilidade est associada com o bem-estar

    humano das presentes e futuras geraes, com as necessidades bsicas, com

    a preservao dos recursos ambientais e com os sistemas globais de apoio

    vida, integrando a economia e o meio ambiente na tomada de decises, e

    participao popular nos processos de desenvolvimento. Gleick et al. (1995)

    definem o uso sustentvel da gua como:

    Aquele que suporta a capacidade humana para resistir e prosperar num futuro incerto, de modo a no comprometer a integridade do ciclo hidrolgico ou mesmo dos sistemas ecolgicos que dependem dele.

    Pahl-Wostl (2007) menciona que a gesto sustentvel da gua busca evitar

    conseqncias irreversveis e mudanas catastrficas, sendo para isto

    necessrio manter a capacidade adaptativa do sistema de gua de forma a

    garantir a integridade funcional das condies de contorno externas e internas

    em longo prazo.

    Para Sahely et al. (2005) aumentar a sustentabilidade de um sistema consiste

    na expanso da capacidade de equilibrar os diferentes objetivos das presentes

    e futuras geraes. Entretanto, Loucks et al. (2000) menciona que no

  • 23

    possvel saber o que as geraes futuras vo querer. Assim, a gesto

    sustentvel deve ser integrada e adaptativa. Pahl-Wostl (2007) menciona que

    gesto integrada necessria uma anlise inter-setorial de modo a identificar

    os problemas, integrar a implementao de polticas e respostas adaptativas a

    novas idias e, gesto adaptativa, incluir a relao entre a estrutura (sistema

    de gesto da gua) - processo (gesto adaptativa da gua) resultado

    (sustentabilidade do sistema de gua).

    Para Mysiak et al. (2010) a gesto adaptativa das guas acrescenta

    explicitamente a incerteza, tendo como princpio a compreenso incompleta

    dos sistemas. Assim, tem como hipteses uma gama de possveis respostas

    ao sistema, desde processos ambientais e comportamento humano a eventuais

    alteraes climticas. Para estes autores a gesto adaptativa da gua uma

    extenso do conceito da gesto integrada e citam dois elementos essenciais:

    envolvimento de vrios atores diferentes e o processo de aprendizagem social.

    O primeiro fundamental para que os diversos usurios entrem num consenso,

    enquanto o segundo refere-se ao arranjo de mudanas por meio de um

    processo de aprendizagem iterativo e contnuo nos quais novos elementos so

    inseridos e analisados (GLEICK, 2003; PAHL-WOSTL, 2007).

    Brandes et al. (2009) fazem uma abordagem a respeito da sustentabilidade da

    gesto das guas por meio de caminhos suaves, ou seja, o caminho a seguir

    pautado na utilizao de menos gua para satisfazer as mesmas

    necessidades, devendo para isto inserir medidas de conservao e da

    eficincia do uso.

    Esse conceito procura melhorar a eficincia do uso da gua disponibilizando-a

    conforme as necessidades quali-quantitativas de cada usurio e, incluir

    medidas de conservao, at mesmo mudanas nos hbitos de uso da gua.

    Brooks & Holtzb (2009) mencionam que caminho suave engloba tecnologias e

    polticas de modo a reduzir a demanda, em vez de aumentar a oferta. Para

    Faria et al. (2010) o conceito de caminho suave atinge um nvel potencialmente

    sustentvel do uso da gua, pois prioriza primeiro assegurar o atendimento das

    necessidades do ecossistema e depois reduzir os usos humanos, por meio de

    alteraes de hbitos, tecnologias e prticas.

  • 24

    Brandes et al. (2009) mencionam que a gesto da demanda deve ser a opo

    prioritria, pois esta proporciona menores custos, retorno rpido e menor

    impacto ambiental. Para Faria et al. (2010) o conceito da gesto da demanda

    de gua aproxima-se do de Tecnologias Limpas uma vez que ambos tm como

    prioridade a prtica de conservao e reuso, nas quais esto inclusas a

    otimizao e a racionalizao do uso, por meio da reduo do consumo e da

    gerao de efluentes e do aproveitamento das guas j utilizadas. Medidas

    como, por exemplo, rapidez e agilidade em reparo de vazamentos constituem,

    na maioria dos casos, em boas prticas operacionais: substituio/adequao

    de equipamentos, mudana de procedimentos e mudana de condies

    operacionais. Contudo Brooks & Holtzb (2009) fazem uma importante ressalva

    gesto da demanda:

    A gesto da demanda exige mudanas mais profundas nos estilos de vida e subsistncia, entretanto devem ser aplicados com grande cautela nas partes do mundo onde a equidade no acesso gua e tomada de deciso democrtica no pode ser assegurada

    Brooks & Holtzb (2009) mencionam que enquanto a gesto da demanda faz a

    pergunta com como (exemplo: "Como podemos obter mais de cada gota de

    gua?), a gesto baseada em caminho suave faz a pergunta usando "Porqu"

    (exemplo: Porqu devemos usar gua para fazer isso?). Assim, a gesto em

    caminho suave questiona a demanda, analisando qual a quantidade e a

    qualidade de gua requerida para suprimento de determinado uso.

    Rosegrant (1997) apud Brooks (1997) cita algumas ferramentas e tcnicas

    utilizadas para promover a gesto da demanda e as classificam por meio de

    quatro categorias: leis, medidas baseadas no mercado, medidas no baseadas

    no mercado (presso social, servios de informao e consulta) e intervenes

    diretas, tais como consertar vazamentos, ajustar presso, reuso de esgoto.

    Gleick (2010) define quatro estratgias-chave de um roteiro sustentvel dos

    recursos hdricos: a) repensar os pressupostos e definies sobre o

    abastecimento de gua; b) reduzir a demanda de gua atravs de programas

    de conservao e eficincia; c) desenvolver melhores sistemas de gesto da

    gua; d) integrar as alteraes climticas em todas as decises do sistema de

    gua. Esse mesmo autor menciona ferramentas necessrias para fazer essas

  • 25

    mudanas, incluindo nestas novas tecnologias, as abordagens econmicas, os

    requisitos regulamentares e educao.

    A gesto da demanda pode ainda ser traduzida em medidas estruturais e no

    estruturais. No caso dos sistemas pblicos de abastecimento de gua, as

    medidas estruturais consistem no uso de alternativas tecnolgicas de modo a

    promover a reduo do consumo de gua e melhoria do controle e operao,

    por exemplo, das redes de distribuio de gua. As medidas no estruturais

    traduzem-se em incentivos econmicos, leis, regulamentos e educao

    ambiental de modo a mudar o comportamento dos usurios das guas (VIEIRA

    & RIBEIRO 2005; HAMBIRAA et al., 2011).

    4.2 Gesto dos Recursos Hdricos no Brasil

    O Brasil instituiu em janeiro de 1997 a Poltica Nacional de Recursos Hdricos

    Lei n. 9.433. Nesta foram inseridos os princpios da sustentabilidade da gesto

    das guas, sendo, portanto considerada um instrumento legal moderno e

    avanado, no que tange aos objetivos a preocupao com as geraes

    futuras, a utilizao racional e integrada e aos fundamentos

    descentralizao das decises e da participao da sociedade.

    Esta lei apresenta outros fundamentos: gua um recurso natural limitado,

    dotado de valor econmico e os usos prioritrios, em situaes de escassez,

    so o consumo humano e a dessedentao de animais.

    Essa legislao reconhece a gua como bem de domnio pblico devendo sua

    gesto proporcionar e harmonizar usos mltiplos e define a bacia hidrogrfica

    como a unidade territorial para o planejamento.

    Para efetivao dos objetivos da Lei 9.433/97 foram definidos como

    instrumentos: os planos de recursos hdricos, o enquadramento, a outorga, a

    cobrana e o sistema de informao sobre recursos hdricos.

    A Resoluo n. 54/2005 do Conselho Nacional de Recursos Hdricos

    estabelece as modalidades, as diretrizes e os critrios gerais para a prtica de

    reuso direto no potvel de gua. Esta resoluo reafirma o compromisso da

    gesto dos recursos hdricos com a gesto da demanda, pois o reuso

  • 26

    compreendido como uma prtica de racionalizao e de conservao de

    recursos hdricos, sendo assim possvel ser utilizado como um instrumento de

    busca do equilbrio entre disponibilidade e a demanda, na reduo dos custos

    associados poluio e proteo do meio ambiente e da sade pblica, na

    reduo de descarga de poluentes e conseqentemente na reduo de custos

    associados a tratamento de guas para abastecimento.

    O Estado da Bahia antecipou a promulgao da Lei Nacional dos Recursos

    Hdricos e aprovou a Lei n. 6.855 em 1995. Em 2009, este Estado aprovou a

    nova Poltica e o Sistema Estadual de Gerenciamento de Recursos Hdricos

    (Lei n. 11.612). Nesta fortalece a gesto participativa e alm daqueles

    princpios estabelecidos pela legislao nacional, acrescenta o direito de todos

    ao acesso gua, bem de uso comum do povo, recurso natural indispensvel

    vida, promoo social e ao desenvolvimento.

    Embora as legislaes - nacional e estadual (Bahia) - definam como diretrizes a

    gesto integrada dos recursos hdricos com as polticas pblicas que tenham

    inter-relao com a gesto das guas e, no caso da estadual, explicitamente

    com as mudanas climticas, bem como a indissociao dos aspectos de

    quantidade e qualidade, ambas no asseguram o atendimento das

    necessidades do ecossistema conforme conceito apresentado pela abordagem

    de caminhos suaves.

    4.3 Anlise de Sistemas de Recursos Hdricos

    O gerenciamento de recursos hdricos no Brasil visa, entre outros, harmonizar

    e solucionar conflitos (RAVANELLO, 2007). Os reservatrios fluviais so

    estruturas importantes para o aproveitamento de recursos hdricos, pois

    permitem a redistribuio espacial e temporal da gua, em quantidade e

    qualidade (ANDRADE, 2006a). Contudo, o crescente aumento das demandas

    (energia eltrica, saneamento, industrial e agronegcio) promove o surgimento

    de conflitos que envolvem aspectos ambientais e operacionais,

    independentemente da finalidade principal do reservatrio.

    Os reservatrios so sistemas aquticos modificados, complexos e dinmicos

    com finalidade de assegurar o equilbrio espao-temporal entre as variaes da

  • 27

    demanda dos usurios e a disponibilidade hdrica, assim como manter as

    funes ambientais nos cursos de gua. Por outro lado, estas estruturas esto

    sujeitas as diversas restries, que normalmente incluem a capacidade mxima

    e mnima, descarga mxima e mnima e as obrigaes contratuais, legais e

    institucionais em funo das diversas finalidades do sistema (YEH, 1985).

    Outra restrio que vem sendo discutida recentemente na operao dos

    reservatrios refere-se necessidade de atendimento as vazes ecolgicas.

    Esta busca garantir a sustentabilidade ecolgica em vrios graus de proteo

    ao ambiente aqutico (BENETTI et al., 2003), o equilbrio hidro-ecolgico local

    (REIS, 2009), ou seja, a sade do ambiente aqutico-terrestre devendo ser,

    portanto, estas vazes, variveis no tempo a fim de preservar as caractersticas

    peculiares de cada poca do ano (COLLISCHONN et al., 2005).

    Devido s provveis modificaes ecolgicas, tais como na composio da

    fauna e da flora, nas regies afetadas pelas mudanas climticas de se

    esperar alteraes das vazes ecolgicas dos sistemas fluviais.

    GIBSON et al. (2005) constataram que as mudanas no regime de escoamento

    resultantes da construo de barragens so bruscas quando comparadas

    quelas resultantes das mudanas climticas, as quais eles classificaram como

    graduais.

    Com relao ao planejamento quantitativo dos recursos hdricos duas variveis

    so essenciais: disponibilidade e demanda. Para esta avaliao so utilizados

    modelos computacionais de alocao de gua, que objetivam verificar a

    quantidade de gua disponvel em longo prazo e identificar a garantia

    associada desta disponibilidade e, assim, antecipar-se aos conflitos de forma a

    minimiz-los ou mesmo evit-los.

    Estes modelos matemticos so usados em sistemas de apoio a decises

    (SAD), instrumentos utilizados como ferramentas para identificao de

    possveis conflitos, uma vez que por meio destes possvel quantificar as

    demandas por gua e verificar a sustentabilidade de sistemas de recursos

    hdricos por meio de indicadores, tais como: confiabilidade, elasticidade ou

    resilincia e vulnerabilidade. Hashimoto et al. (1982), descreve tais indicadores

    como sendo:

  • 28

    Confiabilidade freqncia em que o sistema apresenta falha;

    Elasticidade ou resilincia indicador de velocidade de recuperao de

    uma condio satisfatria;

    Vulnerabilidade medida estatstica da extenso ou a durao da falha;

    e,

    Sustentabilidade combinao ponderada dos demais indicadores,

    onde a sustentabilidade relativa reforada por um aumento da

    confiabilidade e resistncia, e uma diminuio da vulnerabilidade. Este

    indicador, foi proposto posteriormente por Loucks (1997).

    Esses indicadores foram utilizados para avaliao de sistemas de recursos

    hdricos no Brasil por Faria (2003), Andrade (2006a), Vianna JR. & Lanna

    (2002).

    Quanto aos critrios de sustentabilidade dos recursos hdricos, Sahely et al.

    (2005) classificam em: ambientais, econmicos, de desempenho e sociais,

    incluindo a acessibilidade, aceitabilidade, sade e segurana. Faria (2003)

    acrescenta a esta lista os critrios polticos.

    Simonovic (2001) desenvolveu quatro critrios para a tomada de deciso em

    termos de recursos hdricos: eqidade, reversibilidade, risco e consenso. A

    equidade uma medida da distribuio dos impactos associados no tempo e

    no espao, sendo uma combinao de justia, igualdade e objetivos. A

    reversibilidade considera o grau em que os impactos podem ser mitigados,

    enquanto o risco uma medida da magnitude dos impactos negativos

    associados probabilidade de que esses impactos ocorrero. O consenso est

    associado ao acordo de opinies dos atores envolvidos.

    Caso os cenrios climticos projetados para o nordeste brasileiro prevaleam

    espera-se uma aumento na freqncia de falhas no atendimento as demandas

    de gua, uma reduo da capacidade de recuperao de atendimento e uma

    maior durao da falha o que, conseqentemente exigir, medidas adaptativas,

    entre estas, de reduo de consumo.

    Para Schardong (2006) a misso essencial dos SAD transformar dados em

    informaes de boa qualidade de modo a facilitar a comunicao entre usurio

  • 29

    e o computador a fim de induzir as melhores decises em sistemas complexos

    como, por exemplo, o gerenciamento dos recursos hdricos. Para Viegas Filho

    (2000) os SAD devem ser organizados em: dados, modelos e interface, sendo

    o primeiro a matria prima de alimentao, o segundo a modelagem capaz de

    simular o comportamento de sistemas reais e o ltimo o instrumento que

    possibilita o dialogo entre usurio e o modelo, permitindo assim examinar os

    resultados por meio de verificaes do quanto os resultados satisfazem ou no

    os objetivos pr-definidos.

    Tucci (1987) cita que para tomar uma deciso com bases cientficas faz-se

    necessrio dois elementos essenciais: informaes e concepo intelectual

    (modelo).

    O modelo uma representao simplificada do sistema real que se deseja analisar, sendo sistema compreendido como qualquer estrutura, esquema ou procedimento, real ou abstrato, que num dado tempo de referncia relaciona-se com uma entrada, causa ou estmulo de energia ou informao, e uma sada, efeito ou resposta de energia ou informao. Entretanto, visto que nenhum processo pode ser completamente observado, alguma expresso matemtica que o represente sempre envolver alguns elementos de incerteza, que devem ser devidamente avaliados.

    (ANDRADE, 2006a; pag 17)

    As tcnicas computacionais para anlise de sistema de recursos hdricos que

    auxiliaram no processo de tomada de deciso podem ser dividas em dois

    grupos: as tcnicas de otimizao e simulao. A operao de sistemas de

    reservatrios consiste em uma das principais reas de aplicao desses

    modelos (LIMA, 2000).

    A otimizao utilizada quando existe o interesse em encontrar a alternativa

    que melhor atenda a um objetivo predeterminado, ou seja, busca a soluo

    tima (ROBERTO, 2002), maximizando ou minimizando uma funo-objetivo

    que representa matematicamente os objetivos de um sistema ordenando-os em

    relao a sua atratividade (FARIA, 2003).

    Segundo LABADIE (1998) apud ROBERTO (2002) o maior desafio dos

    modelos de otimizao em relao aos de simulao a necessidade dos

    modelos de otimizao possuir algum tipo de modelo de simulao dentro da

    otimizao de modo a manter a viabilidade das polticas operacionais.

  • 30

    Por outro lado, a simulao utilizada para aproximar o comportamento de um

    sistema no computador, representando da melhor maneira possvel as

    caractersticas desse sistema atravs do emprego de descries algbricas ou

    matemticas (YEH, 1985).

    Os modelos de simulao servem como tcnica preliminar para delimitar espaos e solues possveis, espaos esses que sero pesquisados de maneira mais precisa pelos modelos de otimizao para localizar o ponto de soluo tima. O modelo de otimizao utilizado, em sistemas com simplificaes, na determinao de regras operacionais, regras essas que sero em seguida processadas nos modelos de simulao em sistemas sem simplificaes, verificando sua viabilidade prtica e grau do afastamento timo.

    (LIMA, 2006; pag 27)

    H ainda modelos de rede de fluxo que combinam tcnicas de otimizao e

    simulao. Tais modelos podem ser empregados para representar um sistema

    de recursos hdricos utilizando uma rede formada por ns e arcos. Os ns

    so os pontos para onde convergem ou saem os fluxos, enquanto os arcos so

    as ligaes entre os ns (Figura 3). Nos modelos de rede de fluxo cada arco

    est associado a um custo de transporte do fluxo.

    Figura 3: Representao de uma rede de fluxo com arcos e ns

    A funo objetivo da rede de fluxo minimizar o custo do transporte do fluxo

    pelos arcos (eq. 1), sujeitos manuteno das condies de rede capacitada e

    conservativa. Os algoritmos deste modelo admitem dois tipos de restries: as

    que determinam a conservao do balano de massa em cada n (eq. 2) e os

    limites em cada arco (eq. 3). Cada arco unidirecional em relao ao sentido

    do fluxo e, no caso dos modelos MODSIM e AcquaNet a otimizao da

    operao do sistema se d mediante o algoritmo Out-of-Kilter. O

    detalhamento deste algoritmo encontra-se em Porto et al. (2003), entre outros.

    No caso, a formulao do problema a ser solucionado representada pelas

    equaes abaixo.

    Minimizar:

    n

    i

    n

    jijQijC

    1 1

    (1)

    n j arco i-j

    n i

  • 31

    Sujeito s restries:

    0 jiQijQ

    (2)

    ijSijQijI

    (3)

    Onde,

    Cij = custo do transporte de uma unidade de fluxo que passa pelo arco;

    Qij = vazo mdia que passa pelo arco ij, no intervalo de tempo considerado;

    Iij = a capacidade mnima do arco ij;

    Sij = a capacidade mxima do arco ij.

    Em um modelo de rede de fluxo, os ns e os arcos devem conter as

    caractersticas da estrutura que o mesmo est representando. Algumas dessas

    caractersticas so:

    Reservatrios: volumes mximos e mnimos, curva cota x rea x

    volume, nveis de armazenamento desejados, srie de vazes afluentes,

    taxa de evaporao;

    Demandas: valor e distribuio temporal da demanda, prioridade

    de atendimento, retornos;

    Arcos: capacidades mximas e mnimas, custo, perdas por

    infiltrao.

    No Brasil, aplicaes do modelo de rede de fluxo podem ser referidas, entre

    outras, s bacias dos rios Itapicuru e Paraguau, na Bahia (LISBOA NETO et

    al.,2005), da bacia do rio Paraguau (FARIA, 2003; MEDEIROS et al., 2004),

    bacia do rio Capibaribe Pernambuco (ANDRADE, 2006), sistema da bacia do

    Alto Tiet So Paulo (SCHARDONG, 2006), bacia do lago Descoberto

    Braslia (BALTAR, 2001) e o trecho do baixo So Francisco (AMORIM, 2009).

  • 32

    4.4 Sistemas de Abastecimento de gua e a Gesto da Demanda

    Para Nascimento e Heller (2005), a questo das interfaces entre saneamento e

    recursos hdricos reside na dualidade do saneamento ora como usurio de

    gua ora como instrumento de controle de poluio e, em conseqncia, de

    sua preservao. Estes autores afirmam que entre os diversos usurios da

    gua, o de saneamento provavelmente o que apresenta maior interao e

    interfaces com o de recursos hdricos.

    Deste modo, os recursos hdricos so vulnerveis gesto do saneamento

    bsico, seja em seus aspectos de quantidade (captao para o consumo) ou

    em qualidade (lanamento).

    Confo