análise da argumentação em uma atividade investigativa de ... · resumo orofino, r.p. análise...
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RENATA DE PAULA OROFINO SILVA
Anlise da argumentao e de seus processos
formadores em uma aula de Biologia
So Paulo
2011
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RENATA DE PAULA OROFINO SILVA
Anlise da argumentao e de seus processos
formadores em uma aula de Biologia
Dissertao apresentada ao
Instituto de Fsica, ao Instituto de
Qumica, ao Instituto de Biocincias e
Faculdade de Educao da
Universidade de So Paulo, para a
obteno do ttulo de Mestre em Cincias.
rea de concentrao:
Ensino de Biologia
Orientadora: Prof. Dr.
Slvia Luzia Frateschi Trivelato
So Paulo
2011
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Autorizo a reproduo e divulgao total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrnico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
FICHA CATALOGRFICA Preparada pelo Servio de Biblioteca e Informao do Instituto de Fsica da Universidade de So Paulo
Orofino, Renata de Paula Anlise da argumentao e de seus processos formadores em uma aula de Biologia So Paulo, 2011. Dissertao (Mestrado) Universidade de So Paulo.
Faculdade de Educao, Instituto de Fsica, Instituto de Qumica e Instituto de Biocincias.
Orientador: Profa. Dra. Silvia Luzia Frateschi Trivelato rea de Concentrao: Biologia Unitermos: 1. Biologia Estudo e ensino; 2. Mtodos de ensino; 3. Linguagem cientfica; 4. Ensino e aprendizagem; 5. Ensino mdio.
USP/IF/SBI-014/2011
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Nome: OROFINO, Renata de Paula Ttulo: Anlise da argumentao e de seus processos formadores em uma aula de Biologia
Dissertao apresentada ao
Instituto de Fsica, ao Instituto de Qumica,
ao Instituto de Biocincias e
Faculdade de Educao da
Universidade de So Paulo, para a obteno
do ttulo de Mestre em Cincias.
Aprovado em:
Banca examinadora
Prof. Dr.:_________________________ Instituio:_____________________________ Julgamento:______________________ Assinatura:_____________________________ Prof. Dr.:_________________________ Instituio:_____________________________ Julgamento:______________________ Assinatura:_____________________________ Prof. Dr.:_________________________ Instituio:_____________________________ Julgamento:______________________ Assinatura:_____________________________
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Agradecimentos
Agradeo primeiramente minha orientadora, pela liberdade de criao, pela confiana, por
estar sempre presente e por ser brilhante profissional e pessoalmente.
Aos colegas de laboratrio, integrantes do GEPEB, por me fazerem crescer profissionalmente
e pelos timos momentos de descontrao.
Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior e Fundao de Amparo
Pesquisa do Estado de So Paulo, pelo apoio financeiro.
Aos professores de disciplinas e de monitorias que contriburam em diferentes aspectos para
a minha formao.
Aos funcionrios da Secretaria de Ps-graduao Interunidades em Ensino de Cincias, por
salvarem a minha pele uma dezena de vezes, sempre muito solcitos e pacientes.
s amigas mais prximas: Sarah, que eu s conheci no mestrado, mas que convive tanto
comigo que quase inseparvel; Roberta, Marlia, Fer e Vivi, que me aturaram nos momentos de
pssimo humor no decorrer desses dois anos e sempre estavam l pra me apoiar ou me dar broncas
quando era necessrio; Julinha e Jundi, que mesmo mais distantes sempre sero muito queridas.
Aos amigos da Bio, pelas horas de descontrao e diverso. Amigos que reconquistei depois
de me tornar uma pessoa mais socivel.
Ao Rafael Gonalves, Daniela Scarpa e Escola de Aplicao, por fazerem a sequncia
didtica ser vivel. Sem vocs nada disso estaria escrito.
Ao Guguinho, Julinha e Maroca que revisaram o texto com muito amor e carinho.
Ao time de handebol que garantiu minha sanidade mental durante esses dois anos alm das
risadas e emoes compartilhadas.
minha famlia por me aturar em casa at hoje, pelo amor e compreenso.
Finalmente, ao Rodrigo. Sempre ao meu lado, inteligente, divertido e especial. Se um dia eu
for metade do que voc profissionalmente j estarei feliz.
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Resumo
OROFINO, R.P. Anlise da argumentao e de seus processos formadores em uma aula de Biologia.
2011. 186 f. Dissertao (Mestrado) Instituto de Fsica, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2011.
Dentre os diversos elementos que compem a alfabetizao cientfica, este trabalho se fixa sobre a
argumentao em uma aula de gentica. Analisamos uma sequncia de trs aulas de Biologia para o
3 ano do Ensino Mdio para identificar e classificar argumentos cientficos fornecidos em aula pela
professora e pelo material didtico bem como argumentos escritos produzidos pelos alunos sobre a
funo do DNA nos seres vivos. Analisamos os dados tomando como base o trabalho de Simon,
Erduran e Osborne (2006) e Toulmin (2006). As anlises apontaram para a existncia de aes pr-
argumentao da professora durante as aulas terico-explicativas. Os argumentos fornecidos pela
professora e pelo texto base foram considerados simples e embasados apenas em dados, ao invs de
usarem tambm garantias e apoios. A questo proposta pela professora foi compreendida por 30 dos
35 alunos da amostra. Aproximadamente metade da amostra apresentou alguma justificativa para
suas concluses e a maioria dos argumentos foi considerada vlida. Porm, apenas sete alunos
conseguiram responder a questo utilizando todos os conceitos que deveriam, enquanto a maioria
dos alunos usou apenas parte dos conceitos exigidos ou apresentou conceitos errados na tentativa
de responder a questo. Fica o indcio de que prticas comuns de sala de aula podem ser modificadas
de forma a estimularem a argumentao dos alunos em aulas de cincias.
Palavras chave: educao, mtodos de ensino, linguagem cientfica.
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Abstract
OROFINO, R.P. Argumentation and its processes in biological classes. 2011. 186 f. Dissertao
(Mestrado) Instituto de Fsica, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2011.
Among the several elements of scientific literacy this study attempted to analyze argumentation in a
Genetic class. Three Biology classes (15-17 years) were audio and video recorded and analyzed to
identify the arguments present in the teachers speech and also in the text given by the teacher.
Students argumentation about DNAs function in live organisms was also analyzed. To assess
teachers oral contribution to argumentation we used Simon, Erduran and Osborne (2006) research
method, and to analyze the students and teachers argumentation we used Toulmins argument
pattern (TAP). We have identified that the teachers speech represents oral contribution to the
students argumentation. The text given by the teacher and the teachers arguments are poor, using
mostly data to justify their claims, instead of using also warrants and backings. The task suggested by
the teacher was well understood by 30 out of 35 students, almost all of them used scientifically valid
arguments and more than half of the sample justified their conclusions. However, only seven of them
were able to answer the question using all the content required. Most of the students failed to
mention all the required information or presented misconceptions in their answers. Our work
demonstrates that different pedagogical strategies may be useful to develop scientific argumentation
among students.
Keywords: education, education methods, scientific language.
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Sumrio
APRESENTAO ..................................................................................................................................................... 8
1- INTRODUO ................................................................................................................................................... 10
ALFABETIZAO CIENTFICA .......................................................................................................................................... 10
A. ALFABETIZAO CIENTFICA E ARGUMENTAO................................................................................................................. 13
B. PESQUISAS SOBRE ARGUMENTAO ............................................................................................................................... 16
C. O PROFESSOR E OS OBJETIVOS DO ENSINO DE CINCIAS ....................................................................................................... 18
2- OBJETIVOS ....................................................................................................................................................... 21
3- MTODOS ........................................................................................................................................................ 22
REFERENCIAIS METODOLGICOS .................................................................................................................................... 22
A. AES PR-ARGUMENTAO ....................................................................................................................................... 22
B. ARGUMENTAO ...................................................................................................................................................... 24
FATORES CONDICIONANTES DA PESQUISA ......................................................................................................................... 30
SITUAO ESTUDADA ................................................................................................................................................. 31
ANLISES ................................................................................................................................................................ 36
A. AES PR-ARGUMENTAO ....................................................................................................................................... 37
B. ARGUMENTOS FORNECIDOS ......................................................................................................................................... 37
C. ARGUMENTOS PRODUZIDOS ......................................................................................................................................... 38
D. RELAO ENTRE ARGUMENTOS FORNECIDOS E PRODUZIDOS ................................................................................................ 43
4- RESULTADOS .................................................................................................................................................... 45
A. AES PR-ARGUMENTAO ....................................................................................................................................... 45
B. ARGUMENTOS FORNECIDOS ......................................................................................................................................... 47
C. ARGUMENTOS PRODUZIDOS ......................................................................................................................................... 51
D. RELAO ENTRE OS ARGUMENTOS FORNECIDOS E PRODUZIDOS ............................................................................................ 55
5- DISCUSSO ...................................................................................................................................................... 57
A. AES PR-ARGUMENTAO ....................................................................................................................................... 57
B. ARGUMENTOS FORNECIDOS ......................................................................................................................................... 58
C. ARGUMENTOS PRODUZIDOS ......................................................................................................................................... 59
D. RELAO ENTRE ARGUMENTOS FORNECIDOS E PRODUZIDOS ................................................................................................ 63
6- CONCLUSO ..................................................................................................................................................... 64
BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................................................................... 66
ANEXOS ............................................................................................................................................................... 69
Anexo 01 - Texto utilizado nas aulas ............................................................................................................................ 69
Anexo 02 - Questo proposta pela professora e respostas dos alunos (originais e argumentos) ................................ 72
APNDICES ......................................................................................................................................................... 115
Apndice 01 - Anlises dos argumentos produzidos pelos alunos ............................................................................. 115
Apndice 02 - Transcrio de aula 3 I ....................................................................................................................... 118
Apndice 03 - Transcrio de aula 3 II ...................................................................................................................... 146
Apndice 04 - Argumentos da professora .................................................................................................................. 173
Apndice 05 - Relao entre argumentos fornecidos e produzidos........................................................................... 185
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Apresentao
Este trabalho se encerra quase trs anos aps as filmagens de duas turmas de 3 ano
do Ensino Mdio. Na poca, eu estava planejando um projeto de Iniciao Cientfica e
acompanhava as filmagens como apoio tcnico ao colega de laboratrio que registrava uma
sequncia didtica para seu trabalho de mestrado. A professora responsvel pelas turmas
era tambm colega de grupo de discusses e estudos. A sequncia seria usada tambm por
ela em seu trabalho de doutorado.
Nas segundas e quartas passvamos parte da manh arrumando materiais e filmando
as aulas de Biologia das duas turmas de 3 ano da Escola de Aplicao. Posicionvamos as
cmeras de vdeo e os gravadores pela sala e assistamos aula. Ao final de cada aula,
recolhamos os gravadores e nos instalvamos em nosso laboratrio para copiar os dados
para o computador. As fitas de vdeo eram nosso maior problema, pois no conseguamos
digitalizar diretamente.
Naquele ano utilizei uma das aulas da sequncia didtica que gravamos como objeto
de anlise do projeto de Iniciao cientfica A argumentao em uma aula prtica de
Biologia: a estrutura do DNA. Quase um ano depois do trmino desse trabalho, resolvemos
usar essa mesma sequncia como objeto de estudo de mais uma pesquisa a de mestrado.
Os interesses j estavam amadurecidos, tnhamos mais preocupaes nos tipo de
atividade que poderiam ou no estimular a argumentao dos alunos e queramos analisar
uma sequncia bastante simples, a leitura de um texto de forma dialogada. Esse tipo de
sequncia ocorre com mais frequncia em salas de aula do que sequncias de investigao,
com experimentos ou sadas a campo. Estaramos tratando, portanto, da realidade da
maioria dos professores de Cincias e Biologia.
O foco inicial era identificar se os alunos argumentavam em um exerccio escrito ao
final da sequncia. Analisamos extensamente os argumentos dos alunos. Mas o que no fazer
da professora analisada e no planejamento da sequncia pode ter servido de estmulo para a
argumentao dos alunos? Como a correo conceitual dos alunos pode ser avaliada no
exerccio proposto? Essas dvidas nos levaram a analisar outros elementos que compunham
a sequncia didtica.
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A apresentao deste trabalho se pretende linear para facilitar a compreenso dos
fatos, apesar do caminho da pesquisa ter sido na ordem inversa. Discutimos inicialmente as
aes pr-argumentao da professora, seguido pelos argumentos fornecidos em aula,
ambos como possveis estmulos argumentao dos alunos. Passamos anlise dos
argumentos produzidos pelos alunos, tanto em forma quanto em contedo. Por fim,
relacionamos os argumentos fornecidos com os produzidos, para identificar semelhanas ou
diferenas na utilizao das informaes pela professora e pelos alunos.
O primeiro captulo apresenta uma reviso bibliogrfica que esperamos dar base para
as discusses travadas neste trabalho. Inserimo-nos na rea de pesquisas sobre a
alfabetizao cientfica e sobre o papel da argumentao no ensino de cincias. Em seguida,
sumarizamos nossos objetivos especficos.
No terceiro captulo apresentamos melhor a situao estudada, as nuances de cada
aula, o referencial terico especfico de anlise e como foram tratados os registros feitos nas
aulas. Explicamos, nesse captulo, como categorizamos cada grupo de informaes
registradas para que pudssemos analis-los.
O quarto captulo contm a exposio dos resultados de nossas anlises, sumarizados
em tabelas e grficos, acompanhados de explicaes que deixam claras as nuances
qualitativas de nossas anlises. A situao estudada complexa e entendemos que apenas a
quantificao no d conta de explicitar as anlises pretendidas.
No quinto captulo confrontamos os resultados de nossas anlises com os resultados
de anlises de outros autores em situaes diferentes ou similares estudada. Por fim,
resumimos nossas concluses em um ltimo captulo que se pretende sucinto, com as
breves afirmaes que podemos fazer a partir de nossos dados e embasamentos tericos.
Ao pensarmos esse trabalho como um argumento, o ltimo captulo apresenta nossa
afirmao central e esta defendida pelos fatos (resultados) e sustentados por nossa reviso
bibliogrfica e referencial terico de anlise. As discusses com outros autores compem
ora os qualificadores de nosso argumento, dando fora concluso, ora como refutao
para alguma garantia anteriormente exposta.
Esta dissertao apresenta anexos, textos de outra autoria que servem de
fundamentao para o trabalho e, em seguida, apresenta apndices, textos de minha
elaborao que complementam minha argumentao.
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1- Introduo
Alfabetizao cientfica
A sociedade atual fruto dos avanos cientfico-tecnolgicos acumulados ao longo
do tempo. Os conceitos cientficos interferem cotidianamente na vida dos cidados, que
precisam escolher entre consumir alimentos orgnicos ou transgnicos, decidir sobre a
compra de um carro "flex", ou at mesmo votar em plebiscito sobre o uso de clulas-tronco
embrionrias em pesquisas. Pensando nessa influncia que a cincia tem sobre o cotidiano
das pessoas, a rea de Ensino de Cincias comeou a defender a alfabetizao cientfica, um
novo entendimento de como a cincia deveria ser ensinada. A relevncia dessa nova viso
sobre o ensino de cincias est na influncia que a cincia tem sobre o nosso dia-a-dia,
desde a reciclagem do lixo at as mudanas climticas globais ou ainda a deciso sobre em
quais fontes energticas investir.
Em muitos dos casos, a cincia tanto fonte causadora, por ser responsvel pelos
avanos tecnolgicos e consequncias do uso dos recursos naturais, quanto possvel fonte
de resoluo, por possibilitar criar mitigaes a efeitos nocivos ou ainda proporcionar
avanos teis ao uso dos recursos naturais. A sociedade seria a maior beneficiada se os
cidados fossem capazes de adotar posturas realistas frente s cincias e se usassem esses
conhecimentos na resoluo dos conflitos dirios (ALBE, 2008). As escolhas acerca da cincia
e suas consequncias envolvem questes ticas e cientficas e os cidados precisam ser
capazes de avaliar a integridade das informaes antes de tomar suas decises (DAWSON e
VENVILLE, 2009).
De acordo com a ideia de alfabetizao cientfica (scientific literacy; OCDE, 2007;
BYBEE; McCRAE; LAURIE, 2009), devemos ensinar o contedo cientfico e as outras
caractersticas que compem a natureza cientfica. Esse conhecimento mais global, mais
completo da cincia, permitir ao cidado que seja mais crtico e que saiba se posicionar
frente a questes cientficas (KRASILCHIK e MARANDINO, 2007). Ou seja, o indivduo
alfabetizado cientificamente aquele que tem conhecimentos intelectuais e prticos da
cincia, alm da compreenso de ideias e valores (DAWSON e VENVILLE, 2009).
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Sob o nome alfabetizao cientfica temos diversas compreenses (NORRIS e
PHILLIPS, 2003; DAWSON e VENVILLE, 2009). Algumas pesquisas indicam que alfabetizao
significa apenas saber ler e escrever enquanto outras pesquisas defendem que um indivduo
alfabetizado em cincias sabe utilizar o conhecimento cientfico nos momentos necessrios,
compreende eventos e informaes cientficas veiculadas no cotidiano e sabe a influncia da
cincia em sua vida pessoal e social. Essa ltima interpretao de alfabetizao cientfica
seria a almejada no ensino de cincias (HURD, 1998; AULER e DELIZOICOV, 2001; NORRIS e
PHILLIPS, 2003; SASSERON e CARVALHO, 2008; SANTOS, 2007; GUTIRREZ, 2008).
As pesquisas sobre esse tema ganharam importncia entre os anos de 2003 e 2007,
identificando a formao cientfica de futuros cidados como um tema cada vez mais
investigado (LEE; WU; TSAI, 2009). Vemos uma linha de pesquisa bastante clara e
estabelecida, rica em temas a serem tratados em sala de aula (p.ex. a atribuio de
significado aos conceitos cientficos e sua articulao nos momentos necessrios). Esse
objetivo tem sido endossado no s por pesquisas sobre Ensino de Cincias, mas tambm
por diferentes currculos ao redor do mundo que tm adaptado essas ideias ao programa de
cincias (ALBE, 2008; HENAO e STIPCICH, 2008; CLARK e SAMPSON 2008).
Em lngua portuguesa vemos uma diferenciao entre alfabetizao e letramento.
Muito dessa discusso se baseia em uma obra que caracteriza alfabetizar como ensinar a ler
e a escrever, j letrar, caracteriza como tornar letrado, erudito, versado em (SOARES, 1998).
Ao ser transportada para a rea de ensino de cincias, tal distino fez nascer o termo
letramento cientfico. O uso desse termo implica em subentender as consequncias sociais,
culturais, polticas, econmicas, cognitivas e lingusticas da cincia (MAMEDE e ZIMERMANN,
2005).
Alm desses dois termos, tambm encontramos na literatura o termo enculturao
cientfica, igualmente encontrado em lngua inglesa (enculturation; DRIVER; NEWTON;
OSBORNE, 2000; CAPECCHI; CARVALHO; SILVA, 2002; ERDURAN; SIMON; OSBORNE, 2004;
SADLER e FOWLER, 2006; SIMON; ERDURAN; OSBORNE, 2006; MARTIN e HAND, 2009). Tais
autores entendem que a cincia uma cultura diferente da cultura corrente da vida do
aluno, sendo assim, ensin-la envolveria ensinar todos os elementos que compem tal
cultura, um processo de socializao das prticas particulares da cincia (MORTIMER, 1996).
Todos os termos citados acima so guiados por uma ideia central, que o ensino de
cincias no pode ser composto apenas dos conceitos prontos, descontextualizados e com
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carter de verdade incontestvel com os quais conta o ensino de cincias atualmente.
Existem valores que os estudantes devem ter independente de suas carreiras futuras
(DAWSON e VENVILLE, 2009), ou seja, o ensino de cincias deve se preocupar em formar
cidados mais crticos e participativos nos assuntos de sua sociedade, sejam eles culturais,
econmicos ou que envolvam a cincia de alguma forma (McNEILL, 2009). A escola que
compartilhe dessas ideias deve promover uma viso mais coerente de cincia, a
contextualizao de conceitos na vida real, um relato histrico mais verossmil sobre os
conceitos construdos, a valorizao do papel das evidncias na construo da cincia e o
uso da linguagem corrente na cincia (NEWTON; DRIVER, OSBORNE, 1999).
Escolhemos usar neste trabalho o termo alfabetizao cientfica em detrimento dos
outros termos possveis. Segundo Krasilchik e Marandino (2007) as congruncias entre as
diferentes linhas de pensamento podem sim ser colocadas sob o nome alfabetizao, basta
deixarmos de entender a alfabetizao apenas como saber ler e escrever. O termo, discutido
tambm na alfabetizao em lnguas, abrangente e engloba as ideias centrais que
pretendemos defender.
Enquanto, de um lado, a recomendao de como o ensino deveria ser cresce no
sentido da alfabetizao cientfica, de outro, trabalhos atuais ainda atestam um ensino de
cincias distante desses objetivos, estanque e limitado aos conhecimentos conceituais
estabelecidos pela cincia ao longo dos sculos (CARVALHO, 2004; MUNFORD e LIMA, 2009).
Resta-nos a dvida sobre o sentido da manuteno do modo dogmtico de ensinar cincias,
uma escola com uma quantidade muito grande de informaes e de conceitos estanques
que s se mantm na cabea dos alunos at a hora da prova (CAZELLI e FRANCO, 2001).
Os estudantes, mesmo aqueles que no vo seguir carreira acadmica cientfica,
devem sentir-se confortveis ao enfrentarem assuntos cientficos, sendo assim, devem
conhecer as tradies, convenes e prticas cientficas (YORE e HAND, 2010). Os
conhecimentos cientficos participam da tomada de decises, mas a tica da cincia e o valor
desses conhecimentos tambm so importantes para relativizar o peso que a informao
cientfica tem na vida dos cidados.
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a. Alfabetizao cientfica e argumentao
Quando o cientista inscreve a realidade na forma de resultados de um projeto,
quando estes resultados vo ser confrontados com as teorias vigentes, quando o cientista
publica seus resultados e discusses no formato de artigo cientfico, quando ele defende
esses resultados perante a comunidade cientfica, ele se utiliza da linguagem. Mais
especificamente, grande parte dessa linguagem persuasiva, argumentativa, de forma a
estabelecer os conhecimentos elaborados em um longo caminho de investigao (DRIVER;
NEWTON; OSBORNE, 2000).
A linguagem argumentativa est presente no cotidiano do cientista desde as reunies
de laboratrio, em que os pesquisadores de um mesmo grupo verificam resultados de
pesquisa e constroem concluses, at encontros regionais ou internacionais (p.ex.
simpsios, congressos), nos quais os profissionais de diferentes laboratrios e linhas de
pesquisa discutem e colocam suas concluses prova (OSBORNE; ERDURAN; SIMON, 2004;
SAMPSON e CLARK, 2008; McNEILL, 2009). Essa linguagem tambm est presente nos
artigos publicados que pressupem uma avaliao annima por pares, aumentando o rigor
do processo de validao de concluses cientficas.
Podemos ainda analisar a produo cientfica de maneira histrica. O
estabelecimento de teorias e conceitos cientficos ocorre em uma escala temporal que
envolve dezenas ou centenas de anos. Tambm nesses casos, o acmulo de pesquisas,
congressos e artigos a favor de uma teoria faz com que ela se estabelea na comunidade
cientfica. Esse processo mais longo tambm persuasivo e depende da argumentao
conjunta que o acmulo de trabalhos proporciona. A escrita nessa forma especfica da
cincia dominante no trabalho do cientista e ocupa aproximadamente dois teros do
tempo do cientista em suas atividades (LATOUR e WOOLGAR, 1997).
Retomando a ideia de alfabetizao cientfica, em que mais elementos da cincia
devem ser apresentados aos alunos, uma atividade de ocupa dois teros do tempo do
cientista no poderia ser ignorada em seu ensino. Se o cientista constri seus
conhecimentos na forma de argumentos persuasivos, o ensino de cincia deveria
contemplar essa prtica. Ao ensinar o conceito pronto e com status de verdade, o papel das
evidncias e justificativas tericas usadas para defender esses conceitos ignorado. O aluno
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recebe informaes prontas e incontestveis, quando, na verdade, essas informaes so
resultado da soma de fatores que levaram algum a concluir tal conceito.
A ideia de Ensino de Cincias como argumentao vem sendo levantada por
diversos autores (DRIVER; NEWTON; OSBORNE, 2000; SIMON; ERDURAN; OSBORNE, 2006;
SAMPSON e CLARK, 2008; KUHN, 2010). Um dos primeiros trabalhos na rea que analisou a
argumentao em aulas de cincias defendeu que o professor deve contar ao aluno o
porqu dos conceitos serem aceitos e da mesma forma que o cientista faz com seus pares,
convencer seu aluno sobre esse conceito (RUSSEL, 1983). Com o foco na argumentao, fica
mais fcil demonstrar a construo do conhecimento cientfico e aproximar os estudantes
dessa prtica (BRICKER e BELL, 2008).
Segundo as ideias acima, a prtica argumentativa um objetivo das aulas de cincias
(SIMON; ERDURAN; OSBORNE, 2006). Argumentao o processo de construo de um
argumento. Argumento, como produto, uma assero acompanhada de justificativa ou
ainda, concluso suportada por pelo menos uma razo (DAWSON e VENVILLE, 2009). O
processo de construir um argumento inclui uma afirmao e as razes que estabelecem essa
afirmao.
Alguns autores defendem que quem argumenta considera hipteses contrrias
(SIMON; ERDURAN; OSBORNE, 2006). Isso vlido para um processo argumentativo em que
uma opinio contrria colocada em relao outra, por exemplo, a criao ou no de um
zoolgico. Nesse exemplo j se d as duas possibilidades. Em contrapartida, h questes em
que a opinio do aluno considerada a defesa de um ponto de vista (DAWSON e VENVILLE,
2009). Nesses casos, no necessrio levar em considerao a opinio contrria, basta dar a
sua opinio. A primeira situao explicita uma comparao e pede que o sujeito se posicione
em relao a essa comparao, enquanto o segundo tipo de situao apenas pergunta o que
o sujeito acha certo. Neste trabalho, entendemos a argumentao como proposto por
Toulmin (2006), argumentamos ao tentar justificar afirmaes, ou ainda argumentamos ao
construir afirmaes justificadas a partir de conhecimento usando ideias tericas e
evidncias empricas (McNEILL, 2009).
De qualquer forma, para que o argumento seja persuasivo e convincente
cientificamente, deve ser consistente com os critrios epistemolgicos da comunidade
cientfica (SAMPSON e CLARK, 2008), ou seja, deve estar embasado em evidncias e teorias
aceitas pela cincia. A argumentao poderia ser utilizada em outros campos do
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conhecimento, como poltica ou direito (KUHN, 2010), mas para que seja aceito como
cientfico, deve conter os conceitos tpicos das prticas especficas da cincia. Portanto, o
leque de informaes que podem ser veiculadas nesse meio restrito.
O Ensino de Cincias como argumentao pode ser um meio de atingir metas
epistmicas, cognitivas e sociais da cincia, bem como aumentar e facilitar o aprendizado de
conceitos cientficos. Visto desta forma, ensinar argumentao no se encerra na prtica
argumentativa. A prtica argumentativa ajuda o aluno a pensar cientificamente, a entender
como os conhecimentos da cincia so construdos e estabelecidos pela comunidade
cientfica, facilita o aprendizado dos contedos conceituais escolarizados a partir do
conhecimento cientfico (OSBORNE; ERDURAN; SIMON, 2004; VONAUFSCHNAITER et al.,
2008).
Concordamos, portanto, com a importncia da alfabetizao cientfica e defendemos
a abrangncia que as prticas discursivas da cincia tm em sala de aula para atingir as
metas colocadas pela alfabetizao cientfica (KUHN, 2010). No pretendemos negligenciar
os outros objetivos do ensino de cincias (ZEMBAL-SAUL, 2009; KUHN, 2007), mas queremos
tratar especificamente da argumentao cientfica no espao escolar.
preciso ressaltar tambm que a prtica argumentativa cientfica no intuitiva nem
direta, pois para que o aluno seja capaz de construir argumentos ele deve apresentar
conhecimentos nas reas cientficas e tambm deve apresentar habilidades lingusticas
(TOULMIN, 2006; JIMNEZ e DAZ, 2003). Trata-se de um desenvolvimento abrangente em
que todas as facetas devem ser valorizadas, tanto o domnio dos conhecimentos construdos
pela cincia (VONAUFSCHNAITER et al., 2008), como a articulao desses conhecimentos de
forma persuasiva.
A partir das ideias abordadas pretendemos analisar como a argumentao usada
em uma aula de cincias. Estamos interessados nos processos que estimulam a
argumentao dos alunos e na argumentao dos alunos como indicativo de que outras
caractersticas das cincias, alm de seus conhecimentos, esto sendo tratadas.
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b. Pesquisas sobre argumentao
As pesquisas sobre a argumentao em sala de aula aumentaram na ltima dcada
pelas reas de ensino de cincias e esto entre os trabalhos mais citados (ex. NEWTON;
DRIVER; OSBORNE, 1999; DRIVER; NEWTON; OSBORNE, 2000). Alm disso, h uma recente
internacionalizao das pesquisas, verificada por meio do aumento dos trabalhos de outros
pases em revistas de lngua inglesa (LEE; WU; TSAI, 2009). O conhecimento construdo pela
rea sustenta a importncia da argumentao como componente da cincia e por isso,
muitas pesquisas atuais incentivam o seu uso em sala de aula (CHAMIZO, 2007).
A variedade de estudos realizada reflete tambm uma variedade de perspectivas de
anlise (McNEILL, 2009). Os trabalhos de pesquisa sobre argumentao abrangem desde
como os alunos argumentam em diferentes situaes at quais conceitos so ou no
veiculados pelos alunos durante suas discusses (JIMNEZ; PREZ; CASTRO, 1998; JIMNEZ e
DAZ, 2003; ERDURAN; SIMON; OSBORNE, 2004; SIMON; ERDURAN; OSBORNE, 2006;
CARVALHO, 2008; ZEMBAL-SAUL, 2009).
A anlise do discurso argumentativo considerada uma das maneiras de se acessar
as questes relacionadas com o conhecimento (raciocnio e aporte terico). Tambm
identificamos pesquisas que defendem a argumentao como forma de aprender a
importncia da linguagem na cincia, como possvel mtodo a ser usado para aumentar
compreenso de conceitos e promover o raciocnio cientfico.
Jimnez e Daz (2003) discutem diferentes metodologias usadas na literatura para
analisar o aporte terico dos alunos, dentre elas, a argumentao. Bricker e Bell (2008)
discutem o papel da argumentao no ensino de cincias, problematizam as metodologias
de pesquisa e indicam a importncia da argumentao como prtica central da cincia. Os
autores defendem que a argumentao em sala de aula deve ser usada com mltiplos fins: o
aprendizado de conceitos, o discurso cientfico e o funcionamento da cincia.
Nascimento e Vieira (2008) apresentam as contribuies e limites de um modelo
especfico de anlise da argumentao, o modelo de Toulmin (2006). Os autores indicam a
necessidade de aperfeioamento da ferramenta, mas indicam como vantagem do modelo a
possibilidade de identificar os elementos lgicos do argumento. Zembal-saul (2009) se utiliza
do modelo de argumentao de Toulmin (2006) para analisar trabalhos da educao infantil.
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A autora indica o uso da argumentao em sala de aula como a ateno ao discurso de sala
de aula e o papel do professor em monitorar e auxiliar o raciocnio dos alunos.
Von Aufschnaiter e colaboradores (2008) investigaram as prticas argumentativas em
situaes cientficas e scio cientficas e relataram a importncia da argumentao no
desenvolvimento do conhecimento cientfico. Os autores afirmam que quando os alunos se
engajam nesse tipo de atividade eles se apoiam em seus conhecimentos anteriores,
consolidam e elaboram o seu conhecimento sobre a cincia e conseguem atingir nveis de
abstrao relativamente altos.
Grace (2009) discute a importncia da argumentao no desenvolvimento do
raciocnio sobre conservao biolgica e se h caractersticas tpicas dos argumentos s
quais o professor deve estar atento. O autor afirma que a argumentao ajuda os alunos a
melhorarem seu raciocnio e indica elementos da argumentao como indicadores de boa
qualidade na tomada de deciso. Alm das vantagens pedaggicas explicitadas por essas
pesquisas e outras pesquisas (LEMKE, 1990; MORTIMER e SCOTT, 2002), em diversos pases
as diretrizes curriculares comearam a indicar a argumentao como importante
personagem nas aulas de cincias (SIMON; ERDURAN; OSBORNE, 2006; NASCIMENTO e
VIEIRA, 2008; ZEMBAL-SAUL, 2009).
Apesar da importncia dada argumentao, no clara a forma como estudantes
se tornam fluentes nessa linguagem (CHANG e CHIU, 2008). O estudo mostra que pessoas
formadas em disciplinas no cientficas tm o mesmo desempenho que estudantes do
ensino bsico em questes cientficas a partir da anlise de outra ferramenta argumentativa.
O estudo indica ainda que existem ideias difceis de serem superadas pelos alunos e ressalta
a necessidade de ampliar as pesquisas nessa rea.
Dawson e Venville (2009) publicaram um dentre muitos trabalhos que revelam que a
habilidade argumentativa dos alunos baixa. Porm, a partir da anlise de diferentes
pesquisas sobre argumentao, mostrou-se difcil comparar mtodos de anlise e, por isso,
afirmar seguramente a capacidade argumentativa dos alunos. Cada pesquisa usa parmetros
de anlise diferentes, o carter das anlises , de certa forma, subjetivo e comparaes
diretas ficam impossibilitadas (CLARK e SAMPSON, 2008; SAMPSON e CLARK, 2008).
Alguns pesquisadores usam a argumentao no ensino de cincias a partir da
proposio de problemas autnticos ou questes controversas aos alunos (JIMNEZ e DAZ,
2003; ERDURAN; SIMON; OSBORNE, 2004). H tambm na rea de pesquisa trabalhos que
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investigam a argumentao sobre conceitos cientficos (VONAUFSCHNAITER et al., 2008;
RUSSEL, 1983; JIMNEZ; PREZ; CASTRO, 1998; ZEMBAL-SAUL, 2009). Sampson e Clark
(2008) indicam trs principais tipos de pesquisas feitas sobre argumentao. O primeiro tipo
se interessa pela estrutura e complexidade dos argumentos, o segundo tipo se interessa pelo
contedo dos argumentos quando avaliados por uma perspectiva cientfica. Por fim, o
terceiro tipo se interessa pela natureza das justificativas apresentadas.
Considerando as classificaes feitas acima, o trabalho apresentado aqui se aproxima
daqueles que tratam de problemas cientficos e que analisam a estrutura, complexidade e
contedo dos argumentos. Estamos interessados em estabelecer se os alunos so capazes
de construir argumentos cientficos para justificar uma afirmao, se so capazes de reunir o
conhecimento veiculado nas aulas em forma de justificativa para embasar seus argumentos.
c. O professor e os objetivos do ensino de cincias
A figura do professor em sala de aula uma das marcas da escola. Mais do que uma
autoridade por ser professor, esta figura que fica frente da sala de aula a fonte do
conhecimento na rea em que atua. No caso das cincias ocorre o mesmo e o professor o
representante do conhecimento cientfico (RUSSEL, 1983). Considerando a maneira como a
cincia se estabelece, o professor de cincias deve conseguir justificar os conceitos
cientficos com base nas evidncias e teorias que o embasam (RUSSEL, 1983).
Sem perder o foco dos nossos objetivos, nos aproximamos da viso construtivista de
ensino de cincias que prev que a funo do professor a mesma de um pesquisador
orientador que guia seus alunos em seus estudos e os ajuda a entender, complementar ou
at mesmo questionar resultados de experimentos (GIL-PREZ et al., 2002). O professor no
d todas as respostas ao aluno, mas tambm no o deixa desamparado na resoluo dos
problemas.
Por outro lado, num esforo de no condenar categoricamente nenhuma estratgia
didtica, consideramos as vantagens da instruo direta. Dependendo dos objetivos de cada
instruo, uma mesma estratgia didtica pode ter sucessos diferentes (KUHN, 2007). Os
objetivos do ensino de cincias compreendem mais do que s os contedos ou s o utilitrio
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da cincia, ou seja, devemos examinar os objetivos e contedos de cada prtica antes de
aplicarmos nossos juzos de valor.
Kischner, Sweller e Clark (2006) escreveram um artigo em certa medida polmico
sobre o assunto, em que colocaram prova a maneira correta de se ensinar. Os autores
tentam demonstrar que alguns tipos de ensino por resoluo de problemas deixam o aluno
perdido e sem instruo o suficiente para avanar em seu aprendizado e defendem que a
instruo direta (quando o professor fala e os alunos ouvem) a melhor didtica de ensino.
O argumento apresentado por esses autores foi rebatido em um volume especial do
peridico em que fora publicado, principalmente porque se entende que no h uma
maneira nica de ensinar, nem tampouco um nico objetivo para as prticas de sala de aula
(KUHN, 2007). A escola tem funes ticas e sociais e o ensino que tente atingir esses
objetivos no pode assumir que o acmulo de conhecimentos conceituais dar conta de
prticas e procedimentos da cincia.
Se tivermos como objetivo a alfabetizao cientfica dos alunos, devemos planejar as
sequncias de aula de forma a contemplar elementos da cincia e aproximar os alunos
desses elementos. O discurso argumentativo, um dos elementos de interesse da
alfabetizao cientfica, requer treino, no uma tarefa fcil. O professor deve, no s
conseguir argumentar, mas tambm conseguir provocar nos alunos comportamento
semelhante (CARLSEN, 2007).
Os alunos no podem simplesmente ser informados de como a cincia e que papel
a argumentao tem em sua construo (KUHN, 2010). Tem sido relatada uma distncia
entre o que se pesquisa e como se atua no ensino bsico. As prticas argumentativas so
omitidas em sala de aula e alguns autores indicam que os cursos de formao inicial dos
professores so distanciados das pesquisas sobre Ensino de Cincias (NASCIMENTO e VIEIRA,
2008).
Existem caractersticas especficas na atividade de um professor para provocar e
proporcionar a argumentao cientfica dos alunos. A prpria postura do professor frente ao
conhecimento cientfico uma forma de passar imagens sobre a natureza da cincia.
Professores de cincias deveriam usar evidncias e argumentos racionais para ensinar os
conceitos da disciplina (RUSSEL, 1983).
Perguntas interessantes a serem usadas em atividades que envolvam argumentao
seriam: por que voc acha isso? Voc consegue pensar em outro argumento para o seu
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ponto de vista? Voc consegue pensar em um argumento contrrio ao seu? (SIMON;
ERDURAN; OSBORNE, 2006). Professores com postura reflexiva geralmente esto envolvidos
com inovaes educativas e se destacam da maioria (JIMNEZ e DAZ, 2003), o que nos leva
a crer que os estmulos argumentao tambm so parte do treino e reflexo da profisso
de professor.
importante que os professores construam estratgias de ensino que tenham como
objetivo a argumentao (JIMNEZ e DAZ, 2003). As perguntas feitas pelo professor em sala
de aula podem ser decisivas. Perguntas de memorizao so menos interessantes que
perguntas como as citadas acima, pois do muito foco aos nomes de conceitos sem exigir a
compreenso do aluno (KRASILCHIK, 2008). Alm disso, importante que o professor
consiga mostrar ao aluno, a partir de argumentos, como os conceitos cientficos so
articulados e quais as justificativas para o conhecimento cientfico estabelecido hoje
(RUSSEL, 1983).
Tendo em vista o que foi abordado nesse resgate bibliogrfico, pretendemos analisar
a argumentao em uma sequncia de aulas de biologia. Gostaramos de entender como a
professora estimula os alunos a argumentarem, se a professora fornece argumentos, seja
em sua fala, seja no material didtico usado, se os alunos produzem argumentos em um
exerccio escrito e se possvel relacionar a argumentao fornecida nas aulas com os
exerccios escritos dos alunos.
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2- Objetivos
A partir da unio das ideias deste trabalho, pretendemos analisar a argumentao
cientfica em uma aula de cincias, nos momentos em que fornecida aos alunos pelos
materiais expostos e nos momentos em que os alunos se apropriam desse gnero de
linguagem. Como fora dito anteriormente, a argumentao um elemento dominante da
cultura cientfica, sendo assim, sua prtica em aulas de cincias se torna imperativa.
Propomos como objetivos especficos:
a. Identificar aes pr-argumentao pela professora durante as aulas;
b. Identificar os argumentos fornecidos pela professora e pelo texto lido em sala
durante as aulas;
c. Identificar e classificar os argumentos produzidos pelos alunos nas respostas escritas
ao exerccio proposto pela professora;
d. Relacionar os argumentos fornecidos em aula (professora e texto) com os
argumentos produzidos pelos alunos.
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3- Mtodos
Referenciais metodolgicos
a. Aes pr-argumentao
Para a anlise da argumentao como ferramenta de ensino, as falas da professora
foram correlacionadas com a tabela criada por Simon, Erduran e Osborne (2006). O trabalho
dos autores foi escrito com base nas novas propostas de currculo na Inglaterra, que
colocava o inquiry como novo foco das aulas de cincias no pas. O trabalho desenvolvido ao
longo de um ano com doze professores voluntrios resultou em uma hierarquizao de
estratgias pedaggicas para a prtica argumentativa.
O trabalho se insere na mesma linha de ensino de cincias como argumentao e
defende que o ensino da argumentao promove a melhoria de vrios aspectos do
conhecimento. O argumento e seu processo de montagem dependem de instruo explcita
e os professores precisam dominar as prticas argumentativas e trabalh-las em sala de aula
de forma gradativa (SIMON; ERDURAN; OSBORNE, 2006).
O objetivo do trabalho era identificar quantas vezes os professores se engajavam na
prtica argumentativa, quo complexos foram os argumentos construdos e quantas vezes
se posicionaram frente ao argumento dos alunos. A anlise dos professores foi feita a partir
de uma tabela previamente criada com base em outro trabalho dos mesmos autores. Por
meio dela possvel entender a hierarquizao das estratgias pedaggicas pr-
argumentao (Tabela 01). Estamos interessados em classificar as falas da professora
durante as aulas segundo os cdigos propostos por esses autores.
A coluna um expressa os cdigos que representam tipos de objetivos para o ensino
de argumentao. Os cdigos podem ser inseridos em categorias mais amplas sobre os
objetivos do Ensino de cincias. A categoria falar e escutar apresenta dois cdigos:
encorajar a discusso, quando o professor indica que haver discusso sobre o assunto e
encorajar a ouvir, quando o professor ressalta explicitamente a importncia de ouvir a
opinio do outro para poder discutir sobre as suas ideias.
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Algumas categorias (coluna dois) parecem bvias quando o intuito estimular a
argumentao, como saber o que significa um argumento, construir e avaliar argumento,
mas as outras categorias tambm so importantes, como refletir sobre o processo
argumentativo ou justificar com evidncias. As categorias esto dispostas em ordem
hierrquica, ou seja, a prtica argumentativa deve ser inserida gradativamente pela ordem
hierrquica (SIMON; ERDURAN; OSBORNE, 2006).
Tabela 01: Cdigos e categorias de ao do professor consideradas pr-argumentao. Baseada na traduo de
Simon; Erduran e Osborne (2006).
Cdigos para as falas do professor que tm como objetivo a argumentao
Categorias de processos argumentativos refletidos nas falas do professor
Encorajar a discusso Falar e escutar Encorajar ouvir
Definir argumento Saber o que significa argumento Exemplificar argumento
Encorajar ideias Posicionar-se
Encorajar o posicionamento
Valorizar posies diferentes
Conferir evidncias Justificar com evidncias
Fornecer evidncias
Incitar o uso de justificativa
Enfatizar a justificativa
Encorajar melhores justificativas
Fazer-se de advogado do Diabo
Usar ou preparar exemplos escritos Construir argumento Oferecer/dar papis a serem seguidos
Encorajar a avaliao Avaliar de argumentos
Avaliar argumentos
Processo - usar de evidncias
Contedo - natureza da evidncia
Encorajar a antecipar contra-argumentos Contra argumentar/debater Encorajar o debate (atravs de papis)
Encorajar a reflexo Refletir sobre o processo argumentativo Perguntar sobre mudanas de opinio
Os cdigos criados sero usados de acordo com a natureza da atividade proposta.
Questes que apresentam controvrsia possibilitam o estmulo de habilidades mais
complexas como contra argumentar ou antecipar contra-argumentos, mas questes de
resposta nica no chegaro a essas etapas. O professor estimula a argumentao dos
alunos e so as suas aes que so enquadradas segundo a tabela proposta.
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b. Argumentao
Os trabalhos recentes sobre argumentao em salas de aula se utilizam de uma
ferramenta de anlise trazida da filosofia (TOULMIN, 2006). O modelo de argumento,
posteriormente nomeado modelo de Toulmin, foi sugerido na obra Os usos do argumento
(TOULMIN, 2006) tem como funo quebrar as amarras da lgica formal que distanciam o
pensamento cotidiano do status de argumentao (HENAO e STIPCICH, 2008). Apesar da
obra ter sido originalmente escrita no contexto da argumentao legal (BRICKER e BELL,
2008), para Toulmin, argumentamos ao tentar justificar afirmaes, seja sobre a
possibilidade de um jogador estar ou no estar na seleo, seja sobre quais evidncias
levaram o cientista a concluir como algum hormnio age no organismo.
Como resultado do ataque lgica formal, quando lanada, a obra foi criticada pelos
filsofos. Entretanto, ao mesmo tempo em que foi criticada dentro da filosofia, outras reas
do conhecimento, como comunicao e direito, consideraram a obra interessante e
aplicvel. Em 1981, o modelo de argumento proposto na obra foi usado para caracterizar a
autoridade conceitual na fala de professores de cincias (RUSSEL, 1983). Desde ento vem
crescendo o nmero de trabalhos que utilizam essa ferramenta analtica.
Jimnez e Daz (2003) concordam com a utilizao da argumentao tal como
Toulmin props (2006), e afirmam que, apesar das falas dos alunos no serem corretas
conceitualmente ou serem falaciosas segundo a lgica formal, nos servem para identificar os
processos de construo do conhecimento. A argumentao em um contexto educativo no
segue os mesmos padres que a argumentao em filosofia, pois os alunos ainda no esto
treinados o suficiente para apresentarem o nvel de preciso e abstrao exigidas na filosofia
(JIMNEZ e DAZ, 2003; HENAO e STIPCICH, 2008).
Trabalhos na rea revelam usos relativamente aprofundados da ferramenta, partindo
do uso do padro argumentativo de Toulmin para ressaltar a necessidade de justificar
afirmaes com base em evidncias e teorias cientficas (ZEMBAL-SAUL, 2009), chegando a
analisar elementos particulares (p.ex. refutao) do modelo de argumentao para
estabelecer o grau de elaborao dos argumentos dos alunos (ERDURAN; SIMON; OSBORNE,
2004). Atualmente, esse modelo de argumentao tem sido endossado inclusive por
documentos curriculares europeus (MARTIN e HAND, 2009).
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Muitos trabalhos se fixam na possibilidade de construo de argumentos em grupo,
momentos em que professor e aluno ou um grupo de alunos discute e organiza concluses e
justificativas em mais de uma pessoa (ZEMBAL-SAUL, 2009; ERDURAN; SIMON; OSBORNE,
2004; JIMNEZ e DAZ, 2003; SIMON; ERDURAN; OSBORNE, 2006; VONAUFSCHNAITER et al.,
2008). Nesses casos uma pessoa faz uma afirmao e as outras enumeram as justificativas.
Tambm se faz possvel a anlise de argumentos dos alunos em trabalhos escritos. Estes
consideram o argumento construdo por um aluno individualmente. Em ambas as situaes,
entendemos que o argumento construdo carrega a influncia do professor e dos outros
alunos durante as discusses (OROFINO et al., 2009).
O padro argumentativo de Toulmin (2006) formado por elementos distinguveis
(Figura 01). Ao fazer uma afirmao (Concluso - C), posso ser convidado a justific-la. Para
isso, utilizo um fato (Dado - D) que me permite tal concluso devido a uma justificativa
(Garantia - W). Tal justificativa embasada em conceitos, leis gerais (Apoio - B). Posso ainda
dizer em quais condies minha afirmao falsa (Refutao - R) e ainda delimitar qual a
fora da concluso a partir da justificativa apresentada (Qualificador - Q).
Figura 01. Esquema de argumento segundo o padro de Toulmin (2006).
Quando construmos um argumento segundo esse padro conseguimos evidenciar os
elementos descritos. De forma ilustrativa: afirmo que no sairei de casa hoje (Concluso). Ao
me perguntarem por que, respondo: pois chove l fora (Dado). Se meu interlocutor no se
sentir satisfeito com minha resposta, lhe digo: J que sei que se sair, certamente me
molharei (Garantia), uma vez que a chuva feita de gua e a gua molha (Apoio). Consigo
dizer convicta que certamente (Qualificador) no sairei de casa devido certeza de que a
gua molha, a menos que ache um guarda-chuva, uma capa e um par de galochas
(Refutao).
Dado Concluso
Garantia
Apoio Refutao
assim,
Qualificador
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Da forma como descrita, fica implcito que argumentar um processo de justificar
asseres a partir de dados, garantias e apoios para convencer um determinado pblico.
Sendo assim, quanto mais elementos combinados um argumento apresentar, mais forte ele
ser (SAMPSON e CLARK, 2008). Ao lermos a explicao dada pelo autor (TOULMIN, 2006),
podemos identificar melhor cada elemento do padro.
Os dados so os fatos que relacionamos a uma afirmao (Pp. 140), Em cada caso,
uma assero original apoia-se em fatos apresentados que se relacionam a ela. As garantias
so informaes adicionais que permitem a ligao do fato afirmao feita (Pp. 141):
Temos sim de apresentar proposies de um tipo bem diferente: regras, princpios, licenas
de inferncia [...] desde que no sejam novos itens de informao; ou ainda (Pp. 140) Pode
acontecer de algum nos pedir no que acrescentemos novas informaes factuais, alm
das que apresentamos, mas que indiquemos a relao que os dados j apresentados tm
com nossa concluso..
O apoio so as regras gerais que permitem a construo da garantia (Pp. 148): [...]
por trs de nossas garantias normalmente haver outros avais, sem os quais nem as prprias
garantias teriam autoridade ou vigncia. Os qualificadores so responsveis pela fora
desse argumento construdo (Pp. 145): *...] pode ser preciso acrescentar alguma referncia
explcita ao grau de fora que nossos dados conferem nossa alegao em virtude de nossa
garantia. Por fim, a refutao responsvel pelo descrdito da garantia apresentada (Pp.
145): *...] indicam circunstncias nas quais se tem de deixar de lado a autoridade geral da
garantia.
Ou seja, h algo expresso nos dados ou na garantia que delimita a amplitude do
argumento. Quando a garantia d tom de certeza afirmao construda devido a uma lei
geral positiva, o qualificador ser certamente. Haver casos em que essa certeza no
poder ser expressa, logo, o locutor deve expressar o termo que caiba garantia dada,
como possivelmente, provavelmente, certamente no, etc.
Em outro momento, a distino entre o apoio, o qualificador e a refutao,
respectivamente, tambm nos ajuda a compreender melhor o papel desses elementos:
[...] uma coisa so os motivos para considerar aceitvel uma garantia, outra coisa a fora que a garantia empresta a uma concluso e uma terceira
coisa so os tipos de circunstncias excepcionais que, em casos especficos, podem refutar as suposies criadas pela garantia. (Pp. 153).
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O uso do padro de argumentao de Toulmin permite uma anlise quantitativa e
qualitativa dos argumentos (DRIVER; NEWTON; OSBORNE, 2000; SIMON; ERDURAN;
OSBORNE, 2006). Porm, ao considerar a referncia de anlise dos argumentos percebemos
que a identificao dos mesmos dificultada na anlise (ERDURAN; SIMON; OSBORNE,
2004), pois muitas vezes se faz confuso sobre o que seriam dados, garantias ou apoios na
fala dos alunos. Em sua obra, Toulmin reconhece tal dificuldade, mas indica uma forma de
tentarmos resolv-la:
Ser que sempre percebemos claramente se um homem que desafia uma assero pede que o adversrio lhe apresente ou os dados ou as garantias que autorizam os passos? Em outras palavras: h meios para distinguirmos claramente entre a fora de (a) o que voc tinha pra seguir em frente? e
(b) como voc chegou a? *...+ De qualquer modo, temos de entender que possvel, em algumas situaes, distinguir claramente entre duas funes
lgicas diferentes; e pode-se comear a perceber a natureza desta distino, se se comparam duas sentenas como (a) sempre que A, algum
constatou B e (b) sempre que A, pode-se assumir que B. (pp. 142)
Sobre a dificuldade de diferenciar garantias de apoios, o autor comenta que (Pp.
151) [...] estas confuses s surgem quando as diferenas so mascaradas pelas nossas
formas de expresso.
O autor d o seguinte exemplo:
Petersen sueco;
A proporo de suecos catlicos romanos zero;
Logo, com certeza, Petersen no catlico romano.
Petersen sueco;
Um sueco no , com certeza, catlico romano;
Logo, com certeza, Petersen no catlico romano. (Pp. 158)
Enquanto o primeiro argumento expresso na forma D, B, logo C, o segundo
expresso na forma D, W, logo C, pois se trata de uma generalizao a partir do apoio, que,
por sua vez, o prprio conceito:
Afirmar o apoio para nossa garantia, neste caso, envolve, inevitavelmente, a meno a Atos do Parlamento e coisas semelhantes, e essas referncias destroem a elegncia formal do argumento. Tambm em outros campos, mencionar explicitamente o apoio para a nossa garantia quer assuma a forma de relatrios estatsticos, apelos aos resultados de experincias ou
referncias a sistemas taxonmicos nos impedir de escrever o argumento de forma tal que ele seja evidentemente vlido s pelas
propriedades formais. (Pp.176).
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O modo D, W logo C expressa, quando comparado ao modelo de argumento
silogstico, a premissa menor, a premissa maior, logo a concluso. Como consequncia,
atende s necessidades para ser considerado vlido em forma. Quando se apresenta D, B
logo C, isso se perde, e mesmo que conceitualmente o argumento seja correto, perde a
elegncia e a validade formais. O modelo apresentado (Figura 02), portanto, no deixa
espaos para ambiguidades entre garantia e apoio:
Figura 02: Exemplo de como o uso completo do argumento de Toulmin (2006, Pp. 159) evita confuses formais.
Quando o autor critica o silogismo por que (Pp. 170) [...] a concluso resulta
simplesmente de se embaralhar as partes das premissas e de rearrum-las num outro
molde, faz uma crtica ao modelo de argumentao tradicional. Porm, na rea de
educao essa discusso no cabe. A ideia proposta acima vlida no momento de
construo de um argumento, quando o locutor tem conscincia de que est construindo
um argumento embasado em conceitos ou leis gerais e generalizaes a partir desses
conceitos e leis.
O formato lingustico do argumento proposto por Toulmin (2006) no nem nico
nem consensual. Esse modelo foi usado inicialmente por possibilitar uma anlise crtica das
afirmaes cientficas (RUSSEL, 1983). A argumentao importante no s para os
contextos cientficos, mas para todos os contextos da vida do aluno (OSBORNE; ERDURAN;
SIMON, 2004) e desenvolvida na escola em diferentes momentos e disciplinas, no
cabendo s aulas de cincias a sistematizao lingustica de argumentos.
D (Pertensen sueco)
Q (quase certamente)
C (Petersen no catlico romano)
J que W (Pode-se assumir
com quase certeza que um
sueco no catlico romano)
Porque B (A proporo de
suecos catlicos romanos
menor que 2%).
Assim
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Seria suficiente se consegussemos identificar se os alunos conseguem justificar suas
afirmaes e no restringirmos figura da garantia, pois alguns alunos utilizam o apoio ao
invs da garantia ou se limitam a explicitar o dado que permite determinada concluso. Tal
movimento compreensvel se relembrarmos que os alunos no aprendem esse modelo de
argumentao. No nvel lingustico que utilizamos a ferramenta estabelecida por Toulmin
(2006), independe se consideraremos a fala do aluno como garantia ou apoio. Estamos
preocupados em entender se o aluno capaz de justificar suas afirmaes a partir de
conhecimentos cientficos, independente se ele o far pela generalizao de um conceito ou
pelo prprio conceito.
Apesar da explicao acima sobre o significado de cada elemento do argumento
deixar aparentemente clara a diferena entre a garantia e o apoio, muitos pesquisadores
relatam a dificuldade de diferenci-las no momento da anlise de uma fala ou de um texto
escrito (cf. JIMNEZ e DAZ, 2003; SIMON; ERDURAN; OSBORNE, 2006, HENAO e STIPCICH,
2008). Propusemos, para esse estudo em particular, uma simplificao do modelo de
argumento utilizado para a anlise, unindo garantia e apoio em um s elemento, chamado
de justificativa (Figura 03). Dessa forma, assim como diversos autores fizeram (DRIVER;
SIMON; OSBORNE, 2000; JIMNEZ; PREZ; CASTRO, 1998; DRIVER; NEWTON; OSBORNE,
2000; VILLANI e NASCIMENTO, 2003), adaptamos o modelo s nossas necessidades
refletindo o desenho experimental e os objetivos dessa pesquisa (SAMPSON e CLARK, 2008).
Figura 03: proposta de modelo de anlise de argumento para a situao estudada. Modelo derivado o modelo
proposto por Toulmin (2006), com simplificaes que ignoram a natureza da justificativa.
A literatura sobre argumentao aponta como principal crtica ao modelo de Toulmin
a desconsiderao do contexto de produo dos argumentos e a falta de preciso para julg-
los (NASCIMENTO e VIEIRA, 2008). A obra compreende uma discusso sobre a campo-
dependncia dos elementos do argumento, mas segundo Sampson e Clark (2008), o
modelo em si nos d poucas informaes sobre essa caracterstica dos elementos. Sendo
Dado Concluso
Justificativa
Refutao
assim,
Qualificador
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assim, nos restam dvidas de como as informaes conceituais se relacionam (SAMPSON e
CLARK, 2008).
Segundo alguns autores, o modelo nos permite encaixar informaes independente
de sua relevncia ou coerncia (SAMPSON e CLARK, 2008; HENAO e STIPCICH, 2008;
ERDURAN; SIMON; OSBORNE, 2004; SIMON; ERDURAN; OSBORNE, 2006). Porm, autores
que se debruaram sobre a epistemologia e filosofia das cincias afirmam que isso se deve a
um esvaziamento do contedo da obra de Toulmin (2006) que nos leva a usar
incorretamente o modelo como um quebra-cabea (BRICKER e BELL, 2008).
Concordamos com a importncia da argumentao na cincia e queremos entender
como o aluno consegue veicular os conhecimentos de aula, sem nos preocuparmos se o
aluno capaz de seguir regras formais de argumentao, sejam essas regras quais forem.
Alm disso, concordamos com Bricker e Bell (2008) sobre a contextualizao das anlises.
Sendo assim, propomos abaixo o uso da ferramenta de acordo com nossos objetivos de
pesquisa.
Fatores condicionantes da pesquisa
Neste trabalho usamos como corpo de dados a transcrio de seis aulas de gentica e
exerccios escritos pelos alunos do 3 ano do Ensino Mdio. Os dados foram coletados no
primeiro semestre de 2008, na Escola de Aplicao da Universidade de So Paulo. Na poca
da coleta, eu atuava como estagiria de Iniciao Cientfica pela Faculdade de Educao da
Universidade de So Paulo. A sequncia didtica acompanhada material de anlise para trs
pesquisas: o projeto de doutorado da professora de Biologia, um projeto de mestrado em
andamento e o meu projeto de iniciao cientfica.
Minha participao nas aulas foi neutra, auxiliando nas gravaes de udio e vdeo,
junto com o pesquisador do projeto de mestrado em curso. Acompanhamos duas turmas de
3 ano do Ensino Mdio ao longo do semestre e arquivamos os registros de udio e vdeo. O
projeto de iniciao cientfica teve fim no ano de 2009 e tratou sobre o uso de modelos em
aulas de cincias como auxiliador argumentao.
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A professora de Biologia era tambm aluna de doutorado integrante do laboratrio
de pesquisa. As discusses quinzenais sobre a argumentao em sala de aula eram
embasadas na literatura corrente sobre o assunto e os projetos de pesquisa surgiam
influenciados pelas discusses. A professora, naquela poca tambm pesquisadora, teve sua
prtica didtica influenciada pelas leituras e discusses do grupo.
O projeto de pesquisa apresentado neste trabalho de mestrado resultado da
anlise posterior da sequncia didtica e da identificao do potencial que essa sequncia
tinha para ser analisada. Logo, a construo do projeto foi posterior coleta de dados. Isso
torna o caminho do tratamento e da anlise dos dados limitado ao existente e impossibilita
algumas abordagens comuns na rea de educao, como entrevistas com os sujeitos de
pesquisa ou testes pr e ps-sequncia.
Situao estudada
A sequncia de interesse se passou na Escola de Aplicao da Universidade de So
Paulo. Na ocasio da coleta de dados, a Escola de Aplicao atendia a cerca de 740 alunos
distribudos por todas as sries do ensino bsico. Cada nvel escolar era composto de duas
turmas de aproximadamente 30 alunos cada. A durao normal de cada aula, independente
da disciplina, era de 50 minutos e eram ministradas duas aulas semanais de biologia para
cada turma.
Registramos uma sequncia de aulas de gentica no 3 ano do Ensino Mdio (Tabela
02), em ambas as turmas (I e II), totalizando aproximadamente 60 alunos. No ensino mdio
os alunos so responsveis por se deslocarem at as salas de aula especficas, sendo que
cada disciplina tem uma sala prpria. A sala de biologia chamada de sala ambiente,
composta por uma parte de sala de aula tradicional (com carteiras enfileiradas de frente
para uma lousa) e outra parte com duas bancadas de laboratrio, o que permite maior
integrao entre os ambientes, pois a professora pode mesclar as aulas em ambos os locais
sem precisar deslocar os alunos pela escola. As paredes opostas da sala tm lousas, o que
permite professora utilizar recursos visuais em ambos os locais da sala.
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Tabela 02: Sequncia de aulas das duas turmas de 3 ano do Ensino Mdio registradas.
Data N Contedo de aula
02/04/2008 1 Texto: A descoberta da clula. Discusso das questes propostas para casa. 07/04/2008 2 Discusso sobre o texto (continuao). Discutir a ideia de que todos os seres vivos so
formados por clulas. 09/04/2008 3 Aula expositiva (em multimdia): ciclo celular, estrutura do ncleo celular, organizao dos
cromossomos durante o ciclo celular. 14/04/2008 4 Aula expositiva (em multimdia): classificao dos cromossomos, caritipo e idiograma,
doenas cromossmicas. Exerccio para casa: montagem de idiogramas. 16/04/2008 5 Aula de leitura e discusso: A descoberta do DNA, estrutura do DNA. 21/04/2008 6 Feriado de Tiradentes. 23/04/2008 7 Aula de leitura e discusso: DNA como material hereditrio, por que o DNA foi considerado
o portador das informaes hereditrias? 28/04/2008 8 Aula de leitura e discusso: DNA como material hereditrio, "por que o DNA foi
considerado o portador das informaes hereditrias?"; Aula expositiva (em multimdia): ciclo celular (fase S, duplicao do DNA). Por que ocorre a duplicao do DNA no ciclo celular? Por que ocorre a duplicao do DNA na meiose?
30/04/2008 9 Montagem do modelo estrutural de DNA e RNA. 05/05/2008 10 Aula de reviso. Resoluo de dvidas dos alunos. 07/05/2008 11 Avaliao individual.
As aulas de biologia nesse perodo foram registradas em udio e vdeo. Em todas as
aulas foram utilizadas duas cmeras fixas opostas em uma das diagonais da sala e diversos
equipamentos de captao de udio espalhados por entre as carteiras. As aulas foram
transcritas na ntegra por meio dos registros de udio e vdeo, de forma a garantir uma
maior acuidade nas transcries (Apndices 02 e 03)1. As transcries foram literais, o mais
prximo da linguagem oral usada. Trechos inaudveis na transcrio foram indicados com a
expresso inaudvel para que fique claro que algo foi dito, mas a qualidade do registro no
permitiu a transcrio. A fala muitas vezes entrecortada, logo usamos (...) para indicar
longas pausas e reproduzimos as hesitaes da professora com as expresses hh e hh.
O foco das transcries foi a fala da professora. Optamos pela esquematizao em turnos de
fala e apresentamos a contagem em minutos de cada aula.
O tema da sequncia didtica foi citologia, compreendendo desde as funes
celulares, o ncleo celular, o ciclo celular, os cromossomos at a estrutura do DNA. O
registro das aulas teve incio no dia 02/04/2008, quando a professora introduziu o tema
citologia e terminou em 05/05/2008, na ltima aula antes da avaliao individual (ver Tabela
02). As seis aulas escolhidas para anlise foram um grupo de aulas de leitura dialogada de
um texto formulado pela professora.
1 Nas transcries, para preservar a identidade dos alunos, todos os alunos do sexo masculino foram renomeados Joo e
todas as alunas do sexo feminino foram renomeadas Maria. Essa escolha metodolgica foi feita porque as anlises que realizamos neste trabalho no consideraram a fala dos alunos durante as aulas um dado relevante para nossos objetivos.
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Estamos interessados nas aulas em que a professora trata da importncia e da funo
do material gentico nas clulas (aulas 5, 7 e 8; Tabela 02). O dia 21/04/2008 foi nomeado
como aula 6 apesar de ser feriado comemorativo do Dia de Tiradentes, logo, as aulas
analisadas so a 5, 7 e 8, mas representam uma sequncia direta das aulas das turmas
analisadas. Para facilitar a leitura e a diferenciao das aulas analisadas, renomeamos as
aulas de interesse dessa pesquisa (Tabela 03).
Tabela 03: Renomeao das aulas de interesse para facilitar a identificao. Cada aula foi ministrada na turma I e
na turma II, totalizando seis aulas para as anlises aqui propostas.
Dia da aula e turma Nome
Aula 16/04 3 ano I 5I
Aula 16/04 3 ano II 5II
Aula 23/04 3 ano I 7I
Aula 23/04 3 ano II 7II
Aula 28/04 3 ano I 8I
Aula 28/04 3 ano II 8II
O esquema das aulas parecido nas duas turmas, mas h pequenas diferenas de
organizao das aulas devido ao uso do tempo. As aulas foram divididas em etapas para
facilitar a identificao dos trechos de interesse para anlise (Tabela 04). A aula 5 (tanto na
turma I como na turma II) comea com o fechamento da aula anterior. A professora recolhe
e corrige oralmente os exerccios que passou para os alunos sobre idiogramas2. Aps
recolher e corrigir oralmente os exerccios, a professora distribui um novo texto aos alunos,
intitulado A descoberta do DNA (Anexo 01).
O texto composto pela professora era estruturado em trs tpicos de frases curtas
que faziam referncias a diversos eventos histricos acompanhados do ano em que
ocorreram, formando uma linha do tempo (Anexo 01), alm de sintetizar resultados de
experimentos. A elaborao do texto foi a partir do livro didtico utilizado naquele ano e de
uma apostila do curso de Biologia Molecular para a graduao em Cincias Biolgicas da
Universidade de So Paulo.
A sua leitura, tanto na aula 5I como na aula 5II iniciada pela leitura e explicaes do
item 1 seguida pela leitura e explicaes do item 3. O texto lido pela professora que
2 Idiograma: A representao diagramtica do caritipo de um organismo, conjunto dos cromossomos de um organismo
organizados por nmero, tamanho e forma dos tipos de cromossomos presentes. utilizado para identificar anormalidades
no nmero ou morfologia dos cromossomos (MCENTYRE e OSTELL, 2006).
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completa as informaes de cada tpico oralmente. Toda a leitura feita de forma
dialogada, a professora pergunta aos alunos conhecimentos explicados anteriormente e
fornece informaes novas.
Tabela 04: organizao e diviso do tempo nas aulas de interesse. Cada aula composta de etapas parciais que
compem aulas de 50 minutos. A aula 5I exceo e apresenta um total de 55 minutos de aula.
Aula Tempo (minutos) Fase da aula
5I 10 Correo de exerccio recolhe e corrige em voz alta.
20 Leitura de texto - itens 1 e 3.
5 Encenao da molcula de DNA pelos alunos.
20 Leitura de texto - item 2.1.
5II 20 Correo de exerccio recolhe e corrige em voz alta.
25 Leitura de texto - itens 1 e 3.
5 Encenao da molcula de DNA pelos alunos.
7I 30 Leitura de texto - item 2.2.
20 Discusso entre os alunos.
7II 15 Reviso de conceitos das aulas anteriores.
35 Leitura do texto - item 2.
8I 20 Discusso em sala sobre as respostas dos exerccios.
10 Tempo para reformulao das respostas individualmente.
20 Incio do prximo trecho da sequncia didtica
8II 30 Discusso da questo em grupos de quatro alunos.
20 Discusso em roda sobre as respostas dos exerccios.
Aps a leitura desses dois tpicos, a professora prope uma encenao aos alunos.
Os alunos se levantam e se deslocam ao outro ambiente da sala de aula. Formam duas filas
paralelas e os alunos participam como nucleotdeos de uma molcula de DNA. Nessa fase da
aula percebe-se bastante agitao por parte dos alunos. A professora aumenta o tom de voz
para ser ouvida, precisa chamar a ateno da turma e acaba explicando apenas para um
grupo de alunos mais atentos sua fala.
A aula 5II acaba logo aps a encenao do DNA, enquanto que na aula 5I, aps a
encenao ainda restam quase 20 minutos da aula. A professora decide seguir com a leitura
passando para o item 2.1 do texto. Na leitura desse item a professora explica uma sequncia
de experimentos de biologia molecular da primeira metade do sculo XX. A professora, da
mesma forma que nos outros itens, intercala a leitura dos tpicos com explicaes de cunho
histrico e narrativo e com perguntas aos alunos. Ao final da explicao do item 2.1 do texto,
a professora prope uma questo para ser entregue na aula seguinte. A questo proposta
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nesse momento da aula restrita ao primeiro experimento relacionado ao tema, pois a
leitura do texto avanou apenas at ele. Os alunos copiam a questo e a aula acaba.
Na aula 7I, os alunos chegam e se organizam. A professora comenta que a questo
no ser entregue naquele momento e retoma a leitura do texto. A professora faz a leitura
do texto da mesma forma que na aula anterior, mesclando narrativas com perguntas aos
alunos. Aps a leitura do item 2.2, a professora prope uma nova questo, mais geral, que
envolve os trechos de todo o item 2. Os alunos so instrudos a se juntarem com at trs
colegas para discutir e responder uma nova questo, mais abrangente e que envolve os dois
experimentos relacionados ao tema. A professora circula entre os grupos e auxilia a
discusso dos alunos. Ao final da aula, a professora indica que essa nova questo deve ser
respondida individualmente e entregue na aula seguinte pelos alunos.
A aula 7II diferente da aula 7I devido ao tempo utilizado na aula 5II. A professora l
o item 2 do texto na ntegra e prope direto a questo mais abrangente aos alunos: Por que
as concluses dos experimentos 1 e 2 (que o DNA o princpio transformante e que o DNA
do vrus penetra na bactria) permitem afirmar que o DNA o portador das informaes
hereditrias?. Os alunos copiam a questo e tm como tarefa, responder a questo para a
aula seguinte.
A aula 8I tem seu incio dedicado discusso da questo. A professora mantm as
carteiras em fileiras, mas pergunta aos alunos quem gostaria de ler a questo em voz alta.
Alguns alunos leem suas respostas, a professora reexplica alguns conceitos e d tempo aos
alunos para que reformulem suas questes escritas. Aps a reformulao das respostas, a
professora recolhe os exerccios e muda o assunto da aula, seguindo para o prximo tema da
sequncia geral.
A aula 8II inteiramente dedicada discusso da questo. A professora organiza os
alunos em grupos de quatro alunos e d aproximadamente 30 minutos para que discutam a
questo. Aps esse tempo, a professora reestrutura a sala em uma grande roda de discusso
e chama os alunos pontualmente para mostrarem suas respostas e incita a discusso. Aps a
discusso a professora indica aos alunos que entreguem suas respostas.
Os exerccios escritos feitos pelos alunos foram recolhidos pela professora e
contavam pontos, valiam nota na mdia do semestre. Estes foram reproduzidos (Anexo 02)
para evitar que a anlise fosse contaminada por julgamentos subjetivos como: letra,
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tamanho e estado de conservao da folha. Os erros de portugus (ortografia e gramtica)
foram mantidos, pois nossa inteno avaliar exatamente o que foi escrito pelo aluno.
A anlise em trabalhos sobre situaes de ensino e discurso geram questes
metodolgicas que vo desde como organizar os dados at como represent-los por meio de
inscries (cf. JIMNEZ e DAZ 2003). Estamos interessados em trs pontos da sequncia
registrada: as aes pr-argumentao da professora ao longo das aulas de interesse, os
argumentos fornecidos pela professora e pelo texto ao longo das aulas e os exerccios
escritos entregues pelos alunos professora ao final das aulas de interesse.
Anlises
Ao fim do processo de seleo dos dados a serem analisados neste projeto somam-se
seis aulas de 50 minutos cada, o texto original usado pela professora em sala durante as
aulas e as respostas dos alunos questo proposta pela professora. As aulas foram
transcritas a partir dos arquivos de udio e vdeo, conforme apresentaram melhor
qualidade. A transcrio das aulas (Apndices 02 e 03) foi organizada em uma tabela dividida
em minutos. As falas foram separadas em turnos, estabelecidos de acordo com a pausa
entre falas ou mudana de locutores. As falas da professora foram identificadas com a letra
P e as falas de alunos foram identificadas com a letra A. Uma coluna de observaes compe
a tabela e indica informaes sobressalentes que podem ser de interesse. Por fim, a coluna
aes pr-argumentao identifica quais as falas da professora foram consideradas aes
pr-argumentao.
O texto fornecido em aula no sofreu nenhuma mudana estrutural, gramatical ou
conceitual para que fosse analisado (Anexo 01). As respostas dos alunos foram reproduzidas
em meio digital para evitar parcialidades nas anlises, a gramtica, ortografia e concordncia
do texto foram mantidas conforme seus originais. As respostas so apresentadas no Anexo
02 e so acompanhadas de suas reestruturaes segundo o modelo de Toulmin (2006).
As transcries das aulas serviram a dois objetivos: a identificao das aes pr-
argumentao da professora e os argumentos construdos por ela durante as aulas. O texto
original lido em aula foi usado para identificar os argumentos fornecidos por esse texto nas
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aulas. As respostas escritas pelos alunos foram usadas na identificao de argumentos e sua
complexidade estrutural e conceitual. A relao entre argumentos fornecidos e produzidos
foi feita posteriormente s anlises dos argumentos.
a. Aes pr-argumentao
Para o primeiro objetivo deste trabalho, identificar aes pr-argumentao da
professora, quantificamos quais aes a professora apresentou segundo a tabela (pgina 23)
criada por Simon, Erduran e Osborne (2006). As falas da professora foram analisadas para
identificar se ela agia segundo os cdigos propostos pelos autores. Cada fala foi
contabilizada como uma ocorrncia, podendo haver mais de uma ocorrncia de cada cdigo
durante o tempo de uma aula (Apndices 02 e 03). Apresentamos nos resultados deste
trabalho a quantificao das aes identificadas seguidas por exemplos de cada uma das
aes.
b. Argumentos fornecidos
Para o segundo objetivo deste trabalho, identificar com o modelo de Toulmin os
argumentos fornecidos pela professora e pelo texto lido em sala durante as aulas analisadas,
quantificamos e qualificamos os argumentos fornecidos. Os dados representativos para esse
trecho da anlise so as transcries das falas da professora (Apndices 02 e 03) durante as
aulas da sequncia e o texto usado durante a mesma.
Os argumentos produzidos pela professora foram identificados na leitura das
transcries. Toda afirmao defendida por dado ou justificativa foi considerada um
argumento, porm, afirmaes sem justificativa no foram contabilizadas. A identificao
dos argumentos fornecidos pela professora foi individual e seguiu o padro indicado na
literatura de identificar a afirmao principal como concluso e a partir dela elencar o que
seriam dados, garantias ou apoios (cf. ERDURAN; SIMON; OSBORNE, 2004).
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Os argumentos da professora foram categorizados por tema e quantificados. Os
temas so os assuntos sobre os quais a professora fala em seus argumentos. Por exemplo,
diferenciamos momentos em que a professora fala sobre a estrutura molecular do DNA de
momentos em que a professora fala sobre a funo do DNA na clula. Os dois assuntos
citado so diferentes, logo, formam categorias temticas diferentes.
Essa categorizao permite explorar os trechos das explicaes em que a professora
forma argumentos (Apndice 04). A diviso por temas nos permite identificar qual assunto
mais estruturado em forma de argumentos e que tipo de informao entra na aula da
professora como afirmao baseada em evidncia. Essa categorizao tambm permite a
relao entre os temas que a professora fala e os temas que o aluno usa em suas respostas.
A mesma categorizao por temas foi seguida na anlise do texto. Os argumentos do
texto foram identificados da mesma maneira que os argumentos da professora e os temas
dos argumentos encontrados foram incorporados categorizao por temas feita para as
falas da professora. Temas presentes no texto e ausentes nas falas da professora nos fizeram
adicionar categorias para podermos, da mesma forma, identificar quais informaes foram
veiculadas em forma de afirmaes baseadas em evidncias.
Apresentamos nos resultados a quantificao dos argumentos da professora
separados por categoria e por turma, alm de um exemplo de cada categoria. Os
argumentos do texto so apresentados na ntegra nos resultados, uma vez que o texto
curto.
c. Argumentos produzidos
Para o terceiro objetivo deste trabalho, identificar com o modelo de Toulmin os
argumentos produzidos pelos alunos nas respostas escritas ao exerccio proposto pela
professora, os dados representativos so as respostas a uma pergunta aps a sequncia
didtica que os alunos deveriam fazer individualmente e entregar para a professora.
Ignoramos a avaliao feita pela professora, uma vez que a avaliao naquele momento
tinha objetivos diferentes dos objetivos de anlise presentes. A avaliao escolar tem
mltiplas funes (KRASILCHIK, 2008) e no cabe a ns, neste momento, discutirmos as
notas dadas pela professora naquela ocasio.
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Em alguns trabalhos de pesquisa da rea que apresentam anlises de textos
produzidos pelos alunos os autores indicam o uso aliado das transcries com os udios e
vdeos para identificar, no tom de voz, a fora persuasiva das afirmaes (ERDURAN; SIMON;
OSBORNE, 2004; SIMON; ERDURAN; OSBORNE, 2006). Na sequncia didtica analisada, as
discusses de aula fazem parte do processo de formao das respostas e podem no ser
coerentes com a resposta final escrita pelos alunos, portanto, as discusses de sala de aula
no sero levadas em considerao na anlise das respostas dos alunos.
Analisamos, portanto, as resposta escritas dos alunos (Anexo 02). Essa anlise
vantajosa, pois a linguagem escrita tende a ser mais objetiva quando comparada com a
linguagem oral (OLIVEIRA e CARVALHO, 2005). Nas discusses orais a fala entrecortada,
com sobreposies dos colegas e do professor, enquanto que na linguagem escrita o aluno
faz um monlogo pensado, mais elaborado (CARLSEN, 2007). Alm disso, o trabalho
individual mais fcil de ser examinado, pois o argumento 3 construdo pelo aluno
individual, evitando discutir aqui se possvel ou no a construo de argumentos em grupo
ou apenas sozinho.
As respostas dos alunos foram reestruturadas segundo o padro de argumento de
Toulmin (2006) para que fossem analisadas. A reestruturao das respostas em argumentos
no formato de Toulmin (2006) significa a transformao das sentenas que compem a
resposta do aluno na ordem dos elementos propostos pelo autor.
Em um trabalho de reviso sobre as diferentes anlises de argumentao, Sampson e
Clark (2008) analisam um argumento hipottico sob diferentes ticas de pesquisa. Fica claro
nesse traba