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Sebastião Simões de Araújo ANÁLISE CRÍTICA DO TRIBUNAL DO JÚRI EM FACE DA SOBERANIA, DA PUBLICIDADE E ORALIDADE Centro Universitário Toledo Araçatuba-SP 2007

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Sebastião Simões de Araújo

ANÁLISE CRÍTICA DO TRIBUNAL DO JÚRI EM FACE DA SOBERANIA, DA PUBLICIDADE E ORALIDADE

Centro Universitário Toledo Araçatuba-SP

2007

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Sebastião Simões de Araújo

ANÁLISE CRÍTICA DO TRIBUNAL DO JÚRI EM FACE DA SOBERANIA, DA PUBLICIDADE E ORALIDADE

Dissertação apresentada como requisito para obtenção do título de Mestre em Direito à Banca Examinadora do Centro Universitário Toledo sob a orientação da Profa. Dra. Samyra Haydêe Dal Farras Naspolini Sanches.

Centro Universitário Toledo Araçatuba-SP

2007

ARAÚJO, Sebastião Simões de

Análise crítica do Tribunal do Júri em face da soberania, publicidade e oralidade / Sebastião Simões de Araújo; orientadora: Profa. Dra. Samyra Haydêe Dal Farras Naspolini Sanches. Araçatuba, SP [s.n.], 2007. 136 f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Centro Universitário Toledo - UNITOLEDO.

1. Tribunal do Júri; 2. Soberania; 3. Oralidade; 4. Publicidade;

5. Opinião pública.

CDD: 341.4391

Sebastião Simões de Araújo

ANÁLISE CRÍTICA DO TRIBUNAL DO JÚRI EM FACE DA SOBERANIA, DA PUBLICIDADE E ORALIDADE

Banca examinadora da Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da UNITOLEDO, para obtenção do Título de Mestre em Direito.

Resultado: __________________________

ORIENTADORA: Profa. Dra. Samyra Haydêe Dal Farras Naspolini Sanches

1º EXAMINADOR: __________________________________________________________

2º EXAMINADOR: __________________________________________________________

Araçatuba, ___ de ______________ de ____

À minha esposa, Laura Cândida de Araújo.

Aos meus filhos: Flávia, Fernando e Aline.

À minha nora Flávia e aos meus genros:

Marcos e Leandro.

À minha neta Tainá Simões Ruffing.

Agradecimentos

Meus sinceros agradecimentos aos meus familiares, que suportaram e

sofreram comigo, as horas de stress durante todo o processo de pesquisa e

produção desta dissertação.

Aos juízes de direito: Dr. Altamiro Garcia Filho, Dr. João Guaspari

Papaleo e Dr. Élcio Vicente da Silva, que além de terem me incentivado a fazer o

curso, disponibilizaram as suas bibliotecas particulares.

À advogada Aline Elias de Menezes Peres que não mediu esforços para

adequar esta dissertação às regras metodológicas.

Ao professor José Carlos Ribeiro, pela dedicação na correção deste trabalho.

Aos demais colaboradores que, mesmo anônimos, revelaram-se essenciais

para a conclusão desta pesquisa.

“futuro tem muitos nomes: para os fracos, ele é inatingível; para os temerosos, ele é desconhecido; para os corajosos, ele é a chance...”

Vítor Hugo

ARAÚJO, Sebastião Simões de. Análise crítica do Tribunal do Júri em face da soberania, da publicidade e da oralidade. 136 f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Centro Universitário Toledo - UNITOLEDO, 2007.

RESUMO

Nascido na Inglaterra e adotado por vários outros países do mundo, inclusive o Brasil, o Júri, em especial o Júri tradicional ou clássico, qual seja, o que decide as causas de sua competência sem a intervenção do Juiz profissional, sempre se apoiou em algumas características que, de forma absoluta ou relativa, o acompanharam durante toda a sua trajetória, a saber: a soberania, a oralidade e a publicidade. Pelo método indutivo, partindo de premissas maiores (como a difusão histórica do Tribunal do Júri da Inglaterra para o mundo), em direção a premissas menores (como a efetividade da soberania e dos princípios da oralidade e da publicidade no Tribunal do Júri do ordenamento jurídico brasileiro), a presente dissertação tem como objetivo mostrar, com o amparo da pesquisa bibliográfica e de uma experiência prática forense de mais de vinte anos, que a origem do Júri não é romana e que no Brasil, a soberania do Júri é controvertida, pois os próprios tribunais, em suas decisões, ainda que digam que o Júri é soberano, anulam as decisões deste, esclarecendo que essa anulação não diminui a soberania porque outro conselho de jurados julgará o mesmo fato. Este posicionamento tem sido alvo de sérias críticas, mesmo porque, se a soberania do júri fosse absoluta, ainda que as decisões anuladas fossem submetidas a outro conselho de sentença, os tribunais não poderiam anulá-las. Em razão disso e dos inúmeros indícios de que a mídia, a opinião pública e os próprios órgãos do poder judiciário, na elaboração da pronúncia ou dos recursos oriundos dessas decisões influenciam os jurados, em especial, quando as fundamentam, tem-se que essa soberania é apenas relativa. A oralidade do Tribunal do Júri deveria ser completa, ampla para que o jurado extraísse da prova as suas próprias conclusões. Lamentavelmente, no Júri brasileiro, a oralidade foi praticamente relegada ao segundo plano, pois hoje, na maioria dos julgamentos, a oralidade limita-se à oitiva, por parte dos juízes leigos, dos discursos da acusação e da defesa, e da leitura de peças por parte do acusador e do defensor, haja vista que não há obrigatoriedade de que seja feita uma instrução em plenário. O que se ouve em plenário, como se fosse um arremedo de oralidade, é as partes lendo trechos de depoimentos colhidos na fase do inquérito policial, o que não é admissível. Por sua vez, a publicidade, em tema de Júri, também não é plena, haja vista que, se o princípio em comento consiste em que as partes presenciem, de perto, todos os atos processuais, não se concebe que impere a publicidade ampla no Júri quando a votação dos jurados é feita numa sala secreta, distante do público, mas sim, decisões proferidas em públicos e devidamente fundamentadas. Assim, no Tribunal do Júri, tanto a soberania, quanto a oralidade e a publicidade são relativas. Palavras chaves: Tribunal do Júri; Soberania; Oralidade; Publicidade; Opinião pública.

ARAÚJO, Sebastião Simões de. Análise crítica do Tribunal do Júri em face da soberania, da publicidade e da oralidade. 136 f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Centro Universitário Toledo - UNITOLEDO, 2007.

ABSTRACT

Jury, especially traditional and classical Jury, was born in England and was adopted in other countries, like Brazil. It decides its causes without judge interference and some characteristics always accompany it, like: sovereignty, orality and publicity. Through inductive method and from great premises (like the historical diffusion of the Jury from England toward the world) toward small premises (like sovereignty effectiveness and principles of the orality and of the publicity in the Jury of Brazilian juridical ordainment), this study intends to show through a bibliographical research and twenty years of practical experience that the origin of the jury is not Roman and, in Brazil, jury sovereignty is inverted because the Court in its decisions nullifies jury decisions and says that this invalidation does not diminish the sovereignty because other Council of jurors will judge the same fact. This action has been criticized because whether the jury sovereignty was considered absolute, even if those cancelled decisions were submitted to other Council of the sentence, Court could not nullify them. Because of this and of the influence of the press, public opinion and also other organs of the Judiciary Power in jurors while occurs the judgment or during the development of the appeal of those decisions, it is believed that this sovereignty is only relative. Jury orality would be complete for the juror extracts his own conclusions of the proofs. Lamentably, in the Brazilian jury, the orality has been practicably relegated to a second plan, because nowadays, in most judgments, the orality limits itself to hear the laic judges, the accuser and defender speeches and the reading of the process by the accuser and the defender, once it is not obliged an examination in plenary. In plenary, both parts read obtained testimonials in the trial phase and this is not acceptable. The publicity is not full, once the principle has to constitute itself of the parts presenting nearly all procedure acts, the wide publicity dominating the jury is not accepted because the voting of the jurors occurs in a secret room, far from the public, but the decisions has to be public and totally based. Thus, this study concludes that sovereignty, orality or publicity regarding to the jury are relative.

Keywords: Court Jury; Sovereignty; Orality; Publicity; Public Opinion.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................... 11 CAPÍTULO I A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO JÚRI ATÉ A ATUALIDADE..................... 15 1.1. O histórico do Júri e a contínua necessidade da pesquisa ................................................... 15 1.1.1. A legislação penal nos livros bíblicos .............................................................................. 16 1.1.1.1. O Júri na legislação mosaica ......................................................................................... 17 1.1.1.2. Da forma como Moisés administrava a justiça.............................................................. 18 1.1.2. O Júri na Grécia antiga ..................................................................................................... 19 1.1.2.1. Do processo e do julgamento de Sócrates ..................................................................... 24 1.1.2.2. A condenação de Sócrates ............................................................................................. 26 1.1.3. O Júri em Roma................................................................................................................ 30 1.1.3.1. Da estrutura da quaestio e do sorteio dos jurados ......................................................... 31 1.1.3.2. As características da accusatio...................................................................................... 32 1.1.3.3. Particularidades sobre o procedimento das quaestiones................................................ 33 1.1.4. O Júri no direito medieval ................................................................................................ 36 1.1.5. O Júri na Inglaterra........................................................................................................... 40 1.1.5.1. Da Inglaterra: a difusão do júri em outros países .......................................................... 43 1.1.5.2. Da Inglaterra ao Mediterrâneo....................................................................................... 44 1.1.6. O Júri no Brasil................................................................................................................. 45 1.1.6.1. A origem do Júri no Brasil pelo decreto criador e a sua evolução até a República ...... 46 1.1.6.2. O Júri nas Constituições brasileiras republicanas ......................................................... 47 CAPÍTULO II A SOBERANIA DO JÚRI................................................................................. 54 2.1. Noções, origens, definição e evolução histórica da soberania ............................................ 54 2.2. A soberania do Júri .............................................................................................................. 57 2.3. A soberania e a opinião pública........................................................................................... 59 2.3.1. A influência da mídia na opinião pública......................................................................... 60 2.3.1.1. O caso Daniela Peres: a mídia contra os “condenados” ................................................ 61 2.3.1.2. O caso Tim Lopes: conquistas da mídia........................................................................ 64 2.3.1.3. O caso Richthofen: pena máxima.................................................................................. 64 2.3.2. A mídia e a justiça no direito comparado......................................................................... 66 2.3.2.1. O direito e a mídia na Inglaterra e na Alemanha........................................................... 66 2.3.2.2. A mídia e o júri francês num comparativo com outros países ...................................... 69 2.3.3. Os órgãos do judiciário como influenciadores da opinião dos jurados ............................73 CAPÍTULO III A ORALIDADE E A PUBLICIDADE NO TRIBUNAL DO JÚRI ............... 89 3.1. As tendências da adoção da oralidade em sentido amplo nos movimentos reformadores do código de processo penal....................................................................................................... 95 3.2. Da oralidade nos anteprojetos e projetos de código de processo penal............................... 96 3.2.1. Anteprojeto Tornaghi ....................................................................................................... 98 3.2.2. Anteprojeto de José Frederico Marques ........................................................................... 98 3.2.3. Da oralidade no Projeto 4900/95...................................................................................... 99

3.2.4. Da oralidade no Projeto 4.203/2001................................................................................ 100 3.2.5. Da previsão da oralidade no Código Modelo de Processo Penal para Íbero-América.... 102 3.3. A oralidade na esfera civil .................................................................................................. 104 3.4. Da publicidade.................................................................................................................... 106 3.4.1. Conceito........................................................................................................................... 106 3.4.2. Da publicidade no processo penal ................................................................................... 107 3.4.3. Publicidade, segredo e sigilo: o campo jurídico.............................................................. 112 3.4.4. A finalidade da publicidade............................................................................................. 114 3.4.5. Da restrição à publicidade ............................................................................................... 116 3.4.6. A publicidade no Júri....................................................................................................... 117 CONCLUSÃO........................................................................................................................... 127 REFERÊNCIAS ........................................................................................................................ 131

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INTRODUÇÃO

A presente dissertação se propõe a mostrar, com base na experiência adquirida ao

longo de mais de vinte anos de trabalho na área do Tribunal do Júri de seu autor, na doutrina e

na jurisprudência que sempre mostraram os caminhos que deviam ser seguidos para a

obtenção dos resultados mais justos, que o Júri, ainda que composto por juízes leigos, é um

tribunal que, a exemplo daqueles integrados por juízes de carreira, também erra, mas muito

tem contribuído para a administração da justiça, seja no Brasil, seja em outros países que o

adotam.

Em que pese à necessidade institucional de modificações e de adaptações dos temas

apresentados à linha de pesquisa finalmente proposta, o intuito primordial da pesquisa ora

realizada sempre foi o de mostrar que a problemática do procedimento adotado no Júri, com

base até no exemplo ilustrativo das nulidades processuais oriundas da decisão monocrática de

pronúncia, manifesta-se por meio de duas vertentes: a primeira, na influência exercida por

fatores externos, dentre eles, as orientações jurisprudenciais dos Tribunais, alterando a

opinião dos julgadores leigos que compõem o Tribunal do Júri; a segunda, na inobservância

dos preceitos constitucionais pelos operadores do direito processualista brasileiro que por

inúmeras vezes aplicam o direito processual penal ao caso concreto em dissonância com

princípios constitucionais.

Assim, utilizando-se a pesquisa do método dedutivo, partindo-se de hipóteses

genéricas (premissas maiores) para afirmações científicas (premissas menores apoiadas em

pesquisas reais) e, com fulcro no direito alienígena, mas, principalmente, o indígena, ou seja,

o direito interno, é que foram analisados, à luz da doutrina e jurisprudência (pela pesquisa

bibliográfica e jurisprudencial com o concurso de casos práticos vividos e convividos ao

longo de vinte anos de experiência de plenário de júri, através de consultas em processos

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judiciais) os fatores que permitem diagnosticar os problemas processuais que enredam o

Tribunal do Júri e apresentar propostas de mudanças.

A legislação reguladora do Júri deve ser adaptada às velozes mudanças sociais que

ocorrem, algumas pilastras que dele fazem parte sofreram alterações, outras caíram em

desuso, outras exigem urgentes inovações, como é o caso da soberania, da oralidade e da

publicidade, motes estes que, logo em seguida a uma exposição sobre o histórico da

instituição, constituirão os pontos centrais desta dissertação.

Dissertar sobre temas como os propostos, requer, ab initio, uma rememoração

empírica das lutas travadas no plenário do Júri (desde a preparação até o deslinde de cada

julgamento) durante uma experiência prática adquirida em mais de duas décadas, exigindo,

também, uma pesquisa bibliográfica capaz de aprofundar o estudo sobre a problemática que

enreda o Júri. Partindo da dedução histórica e dos conceitos gerais de cada um dos motes

apresentados e culminando na análise crítica e particular de cada um deles é que foi utilizada

a pesquisa empírica e bibliográfica.

Para alcançar o alvo desejado neste trabalho, que é mostrar como atualmente está

sendo manejado o Júri, em especial, no Brasil e como deveria sê-lo, foi necessário

desenvolver uma análise comparativa entre a teoria tradicional, sustentada por autores

brasileiros renomados nacionalmente.

Sempre que se estuda sobre as origens do Júri no mundo, um dos primeiros sinais

que aparecem no desenvolvimento do estudo são as divergências sobre o seu nascedouro,

havendo quem aponte marcas de seu aparecimento na Palestina, sustentando outros que foi na

Grécia Antiga. Pesquisadores dizem que a instituição surgiu em Roma, enquanto outros,

podendo se dizer, a maioria, afirma que o embrião do Júri está fincado em solo inglês. Por que

se diz que o Júri teve seu ponto de partida em tantos lugares? No presente trabalho, sem que

se procure inovar sobre as origens do Júri e o porquê do apontamento de tantas pátrias mães,

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serão apresentados os motivos que levam os pesquisadores a dizerem que é procedente desta

ou daquela terra.

A dissertação se propõe a relembrar os passos do Júri, desde sua implantação no solo

brasileiro até os dias atuais, mostrando, inclusive, que a principal causa de sua criação não

parece ser aquela que é comumente apontada.

Tecidos comentários sobre o histórico do Júri, evidentemente que sem esgotá-lo,

cuidar-se-á da soberania do Júri. Mas como a soberania não é um instituto que tem seu

alcance limitado apenas ao âmbito do tribunal popular, antes de explorá-la nos lindes do

campo de ação deste instrumento de julgamento, até para fins didáticos, é de bom estilo

investigá-la mais profundamente, procurando, em primeiro lugar, situá-la no tempo em que

foi reconhecida como “poder”, bem como se tal poder era absoluto ou relativo. Entre outros

pontos que devem ser esclarecidos, quando se fala em soberania, destaca-se o que se refere à

titularidade do poder soberano, questão que remete a uma pesquisa sobre quem o exerceu ao

longo do tempo, bem como a distinção entre soberania política e a jurídica.

Vencida a primeira etapa, consistente numa exposição mais generalizada sobre

soberania, cuidar-se-á da soberania da própria instituição, quando a preocupação maior será

mostrar se ela é relativa ou absoluta.

Tecidas considerações sobre a soberania ingressar-se-á no estudo da aplicabilidade

dos princípios da oralidade e da publicidade no Tribunal do Júri, a fim de demonstrar se a

oralidade que se pretende no júri é aquela representada apenas pelos discursos das partes e da

leitura de peças ou se o ideal seria aquela oriunda de uma instrução feita em plenário, que

permitisse aos julgadores uma espécie de reconstituição do fato no dia do julgamento. Quanto

à publicidade, a dissertação propõe-se a esclarecer uma questão que é bastante discutida, qual

seja: se a publicidade do Júri deve-se restringir ao sorteio dos jurados, à realização pública

dos julgamentos e à leitura da sentença feita em plenário, ou se deve avançar mais,

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permitindo-se que os jurados, entre si, discutam a decisão que melhor lhes parece e que

fundamentem as suas decisões.

Finalmente, o leitor será remetido a um estudo das propostas de adaptação, às normas

constitucionais, da aplicabilidade dos princípios da publicidade e da oralidade no processo

penal brasileiro, apresentadas nos vários projetos que se encontram tramitando no Congresso

Nacional.

15

CAPÍTULO I

A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO JÚRI ATÉ A ATUALIDADE

1.1 O histórico do Júri e a contínua necessidade da pesquisa

A maioria das obras escritas sobre o Tribunal do Júri, e não são poucas, reserva um

espaço, às vezes mais longo, às vezes mais reduzido, para o trato do histórico da instituição, o

que pode levar o interessado na matéria à indagação sobre a desnecessidade de tantas

referências às origens do tribunal popular em comento, em quase todos os livros que dele

cuidam, por parecerem repetitivas.

Mas caso haja mencionada indagação, a resposta sobrevinda é negativa, a uma

porque continuam as divergências sobre a verdadeira terra do nascimento do Júri, a duas, pela

seguinte lição de César Trípoli, lembrada por José Henrique Pierângeli (2004, p. 05):

O assunto que diz respeito à formação e evolução do Direito é essencialmente histórico, porque, sendo este um fenômeno da civilização humana, à semelhança de toda manifestação civil e cultural do espírito humano, muda, transforma-se e evolve no tempo e no espaço. Com efeito, subindo até as mais remotas épocas da história da humanidade, não se pode deixar de verificar que todo direito tem seguido a um anterior num desenvolvimento contínuo, de sorte que o direito hodierno se afigura como resultado de uma longa evolução, ao mesmo tempo que constitui, por sua vez, o ponto de partida para uma evolução futura.

Conforme será exposto nos itens seguintes, a história da origem do Júri vem de muito

longe e as informações esparsas que os pesquisadores garimpam sobre seu aparecimento e

desenvolvimento histórico, muitas delas sem registros confiáveis, geram controvérsias, o que

concorre para que a maioria dos que escrevem sobre a referida instituição, estudem sua

origem e evolução e exponham seus posicionamentos a respeito dela.

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1.1.1 A legislação penal nos livros bíblicos

Mesmo que a dissertação tenha se pautado na noticiada pesquisa de Arthur Pinto da

Rocha e na profunda investigação, de índole histórica e jurídica, nos textos bíblicos, realizada

por Élder Lisboa Ferreira da Costa, ainda assim, foi necessário um estudo mais aprofundado

da Bíblia Cristã, quando se notou que ela está dividida em duas grandes partes: o Antigo e o

Novo Testamento e se compõe de mais de sessenta livros, tendo o seu começo marcado pelos

cinco livros de Moisés, expostos na seguinte ordem: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e

Deuteronômio. (BRUSTOLINI, 1990)

As leis penais escritas por Moisés, nos livros bíblicos, estão apoiadas nos Dez

Mandamentos e têm como característica bastante acentuada o talião. Uma análise mais

cuidadosa desses mandamentos leva à conclusão de que são verdadeiros princípios, não

princípios fundamentais de uma Constituição, mas princípios fundamentais gerais

informadores da ordem social, religiosa e jurídica de seus seguidores.

Os Dez Mandamentos estão relacionados nos versículos de 3 a 17, do capítulo 20 do

Livro Êxodo, relação que foi repetida nos versículos de 8 a 21, do capítulo 5, do

Deuteronômio. (BRUSTOLINI, 1990)

De uma leitura atenta dos primeiros mandamentos extrai-se que, em torno deles,

foram elaborados os conceitos de alguns delitos contra a religião, como a idolatria, a

blasfêmia e a falsa profecia. O quinto mandamento cuida do homicídio, mediante a expressão

“não matarás”. Em torno do sexto mandamento elaborou-se o conceito do delito consistente

no desrespeito à relação matrimonial. O sétimo mandamento condena o delito de roubo,

enquanto que o oitavo mandamento pune o falso testemunho. (BRUSTOLINI, 1990)

A previsão dos crimes e das penas, nos cinco primeiros livros bíblicos, é bastante

desordenada. Ao homicídio, por exemplo, é feita referência, em forma de sentença, no quinto

17

mandamento (capítulo 20, versículo 13) e a pena a ele cominada é de morte, isto é, de talião,

conforme dispõem os versículos 16 a 21 do capítulo 35, do quarto livro bíblico, Números,

bem como do capítulo 19, versículos 11 a 13 do Deuteronômio. (BRUSTOLINI, 1990)

1.1.1.1 O Júri na legislação mosaica

Na voz de Rogério Lauria Tucci (1999, p. 14), Arthur Pinto da Rocha aponta a

origem do Júri nas Leis de Moisés, sustentando que:

Muito, antes, portanto, de, na Grécia antiga, ser chamado o povo para decidir todas as grandes questões judiciárias, em plena praça pública, no exercício da justiça atheniense, antes da constituição desse tribunal, que era composto de cidadãos escolhidos entre os que todos os annos a sorte designava para julgarem collectivamente ou divididos em secções, muito antes da existência desses juízes populares, aos quaes, como requisitos eram apenas exigidas a edade de trinta annos, reputação ilibada e quitação plena do thesouro público; muito antes do aparecimento desse tribunal de pares, já o Deuteronômio, o Êxodo, o Levitico e o Números, na formosa e símplice linguagem do direito mosaico, nos fallam do Tribunal Ordinário, do Conselho dos Anciãos e do Grande Conselho. Na velha legislação mosaica encontramos nós o fundamento e a origem da instituição do júry.

Élder Lisboa Ferreira da Costa (2004), demonstrando ter pesquisado, em

profundidade, os cinco primeiros livros bíblicos, também sustenta que os princípios básicos

do Júri eram previstos nas leis de Moisés e aplicados tanto pelo mencionado profeta quanto

pelos anciãos que ele escolhia para auxiliarem na administração da justiça.

Os principais argumentos apresentados pelos defensores da tese de que o Júri surgiu

nos tempos de Moisés e que era regulado pelas leis escritas por este consistem,

fundamentalmente, em que nos julgamentos eram adotados os princípios da publicidade e

oralidade, princípios que sempre se destacaram em todas as legislações que adotaram o Júri.

18

1.1.1.2 Da forma como Moisés administrava a justiça

Revela o capítulo 18 do Êxodo que Moisés, ao longo da grande caminhada do Egito

para a terra prometida, assentava-se no meio do povo que o acompanhava, a fim de resolver

os problemas destes. Referido povo o procurava desde o amanhecer até à noite, pedindo para

que ele consultasse a Deus sobre seus problemas e explicasse os estatutos e as próprias leis de

Deus, solucionando, finalmente, todos os problemas apresentados. (BRUSTOLINI, 1990)

Notando o procedimento assumido por Moisés, relativamente ao método por ele

adotado para administrar a Justiça (BRUSTOLINI, 1990), seu sogro Jetro, que foi ao seu

encontro no deserto, sugeriu uma descentralização do poder, aconselhando-o a dividir as

tarefas relativas à explicação das leis de Deus com auxiliares de sua confiança, o que foi

aceito por Moisés, conforme versículos 13 a 271, do capítulo já citado. Os auxiliares eram os

anciãos, ou seja, pessoas consideradas mais notáveis entre as outras.

O Deuteronômio, no capítulo 19, versículos 11 e 122, informa como agiam os

anciãos diante de um crime de homicídio, orientando que eles deveriam tirar do local o

1 Eis os versículos: “13 No dia seguinte, assentou-se Moisés para julgar o povo; e o povo estava em pé diante de Moisés desde a manhã até ao pôr-do-sol. 14. Vendo, pois, o sogro de Moisés tudo o que ele fazia ao povo, disse: Que é isto que fazes ao povo? Por que se assentas só e todo o povo está em pé diante de ti, desde a manhã até o pôr-do-sol? 15. Respondeu Moisés a seu sogro: É porque o povo me vem a mim para consultar a Deus; 16. quando tem alguma questão, vem a mim, para que eu julgue entre um e outro e lhes declare os estatutos de Deus e as suas leis. 17. O sogro de Moisés, porém, lhe disse: Não é bom o que fazes. 18. Sem dúvida, desfalecerás, tanto tu como este povo que está contigo; pois isto é pesado demais para ti; tu só não o podes fazer. 19. Ouve, pois, as minhas palavras; eu te aconselharei, e Deus seja contigo; representa o povo perante Deus, leva as suas causas a Deus, 20. ensina-lhes os estatutos e as leis e faze-lhes saber o caminho em que devem andar e a obra que devem fazer. 21. Procura dentre o povo homens capazes, tementes a Deus, homens de verdade, que aborreçam a avareza; põe-nos sobre eles por chefes de mil, chefes de cem, chefes de cinqüenta e chefes de dez; 22. Para que julguem este povo em todo tempo. Toda causa grave trarão a ti, mas toda causa pequena eles mesmos julgarão; será assim mais fácil para ti, e eles levarão a carga contigo. 23. Se isto fizeres, e assim Deus to mandar, poderás, então, suportar; e assim também todo este povo tornará em paz ao seu lugar. 24. Moisés atendeu às palavras de seu sogro e fez tudo quanto este lhe dissera. 25. Escolheu Moisés homens capazes, de todo o Israel, e os constituiu por cabeças sobre o povo: chefes de mil, chefes de cem, chefes de cinqüenta e chefes de dez. 26. Estes julgaram o povo em todo tempo; a causa grave trouxeram a Moisés e toda causa simples julgaram eles. 27. Então, se despediu Moisés de seu sogro, e este se foi para a sua terra.” (BRUSTOLIN, 1990, p. 76.) 2 Eis os versículos: “11 Todavia, se alguém é inimigo do seu próximo ele arma uma cilada, atacando-o e ferindo-o mortamente, e depois se refugia numa dessas cidades, 12 os anciãos da sua cidade mandarão pessoas para tirá-lo de lá e entregá-lo ao vingador de sangue, para que este seja morto”. (BRUSTOLINI, 1990, p. 216)

19

homicida e entregá-lo ao vingador de sangue, para que este o matasse. Já no capítulo 21,

versículos 18 a 213, é dito como os anciãos deveriam se comportar diante de um filho

desobediente, determinando que recebessem tal filho e adotassem as recomendações que lhes

fossem repassadas pelos próprios pais, como por exemplo, a de que não dessem atenção ao

que o filho desobediente dissesse e que convidassem os homens da cidade para o apedrejarem

até que ele morresse.

Extrai-se do Deuteronômio que os anciãos, a exemplo de Moisés, aplicavam a Lei de

Deus oralmente e em meio ao público, adotando, assim, os princípios da publicidade e

oralidade. (BRUSTOLINI, 1990)

Os defensores da tese de que o júri surgiu com a lei mosaica não apontam nos livros

bíblicos nenhum capítulo ou versículo que se refira a dados muito característicos do júri, tais

como, o caráter adversativo dos debates, a sala secreta, o sigilo na votação e outros,

sustentando que a instituição nasceu naquele tempo porque eram aplicados os princípios da

oralidade e publicidade. Não há dúvidas de que o tribunal do júri, sem referidos princípios, é

considerado uma instituição incompleta, mas não se pode sustentar que apenas a adoção dos

dois mencionados princípios confira à legislação mosaica a certidão de nascimento do

Tribunal do Júri.

1.1.2 O Júri na Grécia antiga

Inicialmente é conveniente esclarecer que foi a partir da Grécia antiga que começou a

ocorrer a laicização do direito penal, o que quer dizer que, diferentemente do que ocorria com

3 Eis os versículos: “18 Se alguém tiver um filho rebelde e incorrigível, que não obedece ao pai e à mãe e não os ouve, nem quando o corrigem, 19 o pai e a mãe o pegarão e o levarão aos anciãos da cidade para ser julgado. 20 E dirão aos anciãos da cidade: ‘Este nosso filho é rebelde e incorrigível; não nos obedece, é devasso e beberrão’. 21 E todos os homens da cidade o apedrejarão até que morra. Desse modo, você eliminará o mal do seu meio, e todo o Israel ouvirá e ficará com medo”. (BRUSTOLINI, 1990, p. 217)

20

as leis aplicadas por Moisés, que eram de origem divina, a legislação penal grega era

promulgada e revogada pelo povo. Na explicação de Isidor Feinstein Stone (2005, p. 30),

estudioso que dedicou quase uma década ao estudo do grego arcaico com o objetivo de

compreender, a fundo, a Grécia antiga e de informar-se, em profundidade, sobre o processo, o

julgamento e a condenação de Sócrates, todo cidadão grego tinha direito de votar na

assembléia na qual as leis eram elaboradas, e de participar dos tribunais que aplicavam e

interpretavam essas leis. O esclarecimento de Stone (2005) reforça o entendimento de que os

gregos promulgavam e revogavam suas leis penais.

Quanto à origem do Júri, Nádia de Araújo e Ricardo R. Almeida (1996, p. 201-202) a

localizam na Grécia antiga, lecionando:

Na Atenas clássica, duas instituições judiciárias velam pela restauração da paz social: o Aerópago e a Heliéia. Ambas apresentam pontos em comum com o júri. O Aerópago, encarregado de julgar os crimes de sangue era guiado pela prudência de um senso comum jurídico. Seus integrantes, antigos arcontes, seguiam apenas os ditames de sua consciência. A Heliéia, por sua vez, era um tribunal popular, integrado por um número significativo de heliastas (de 201 a 2501), todos cidadãos optimo júri. Parecem elementos bastantes para identificar aqui os contornos mínimos, o princípio ao qual a idéia de justiça popular historicamente se remeteria.

A Heliéia era composta por quinhentos membros sorteados entre os cidadãos que

tivessem, no mínimo, trinta anos, de conduta ilibada e que não devessem ao Erário Público.

As reuniões eram realizadas em praça pública (ágora) e eram presididas por um arconte,

pessoa incumbida de dizer o direito. O Aerópago era competente para o julgamento de

homicídios premeditados e sacrilégios. Nos referidos tribunais gregos o voto não era secreto e

neles não eram admitidas recusações dos julgadores, ou seja, as partes não poderiam recusar o

jurado, ainda que considerassem esse suspeito.

Anota Stone (2005) que em Atenas havia nove archon, ou magistrados, que eram

eleitos anualmente.

21

O Tribunal dos Heliastas era considerado mais democrático e bem mais poderoso do

que o Aerópago. Croiset, citado por Elder Lisboa Ferreira da Costa (2004, p. 48), ensina que

os gregos adotavam a seguinte forma para o sorteio dos jurados:

Antigamente, eram sorteados seis mil jurados dentre cidadãos com no mínimo trinta anos de idade. Destes eram selecionados cinco mil, os quais eram divididos em dez sessões de quinhentos (ou quinhentos e um, para evitar a divisão igual de votos). Os mil cidadãos restantes permaneciam convocados como suplentes. Na verdade, era vastíssima a competência dos heliastas, pois incluía todas as causas de direito público e grande parte do direito privado.

Explicando sobre a composição do Tribunal dos Heliastas, bem como às exigências

para que os cidadãos pudessem integrá-lo, José Luiz Filó, também citado por Élder Lisboa

Ferreira da Costa (2004, p. 48), leciona:

O Tribunal dos Heliastas, ao tempo de Sólon, era uma espécie de grande júri nacional. Compunha-se de quinhentos membros escolhidos principalmente entre operários e proletários. Em casos excepcionais os outros tribunais podiam reunir-se formando um só, com um mil e quinhentos juízes. Eram requisitos para a função no tribunal ateniense apenas que os cidadãos chamados ao exercício da função judicial de heliastas tivessem trinta anos de idade, possuíssem conduta ilibada e não fossem devedores do erário do Estado.

A Heliéia, ou Tribunal dos Heliastas era dividida em dikasterias, o que quer

dizer: câmara de julgamento. Alguns pesquisadores do histórico do Júri, ao invés de

dizerem que parte da doutrina sustenta que a instituição tem sua origem no Tribunal

dos Heliastas, ensinam que ela surgiu nos dikastas gregos.

José Reinaldo de Lima Lopes (2002), sobre a cultura jurídica da Grécia antiga,

ensina que entre os gregos não existia escola de juristas, nem ensino de direito como técnica

especial. O que era comum na Grécia eram as escolas de retórica, dialética e filosofia. Havia,

no entanto, o costume de aprender de cor (recitando em forma poética) tanto alguns textos

jurídicos quanto alguns poemas de Homero. Nas escolas, as leis de Sólon eram ensinadas

como poemas, o que resultava em que todo cidadão ateniense bem educado acabasse

22

conhecendo a tradição político-jurídica de sua terra. Lá, as técnicas jurídicas eram reservadas

aos logógrafos, os redatores dos discursos forenses. O direito presumia-se, e o seu

aprendizado se dava em razão da convivência com ele. As leis deveriam fazer parte da

educação do cidadão ateniense. O citado autor ensina que na Grécia antiga não existia

advogado, acrescentando que o advogado semelhante ao que existe atualmente só veio a ser

conhecido no direito canônico do século XIII. Assim, os discursos de acusação e defesa eram

apresentados perante os tribunais pelos próprios cidadãos interessados na defesa de seus

interesses ou pontos de vista.

Na palavra de Stone (2005), ao tempo de Sócrates, era Lísias, um estrangeiro que

morava em Atenas e que era muito amigo do referido filósofo, quem preparava os melhores

discursos jurídicos encomendados pelas partes.

Os jurados escolhidos para a composição da Heliéia e do Aerópago, no magistério

José Reinaldo de Lima Lopes (2002), eram leigos. O costume grego na escolha de jurados

leigos foi adotado por incontáveis legislações, tais como a romana, a inglesa, a brasileira e

várias outras.

Ensina, ainda, José Reinaldo (2002, p. 39) que os crimes públicos eram denunciados

por qualquer pessoa, mesmo porque inexistia órgão público de acusação. Neste sentido,

extrai-se da lição do mencionado mestre: “Imaginava-se que a democracia dependia de que

todos e qualquer um que se sentissem atingidos por ações delituosas de qualquer cidadão e

tomassem o interesse de denunciar o caso ao tribunal”. Exsurge desta lição que, na Grécia

antiga o ideal era que qualquer pessoa que se sentisse indignada por qualquer infração penal,

ainda que não fosse vítima, apresentasse denúncia. Por isso, Aristófanes, poeta cômico citado

por referido autor, dizia que em Atenas a liberdade de processar era ampla, mesmo porque era

inerente à democracia.

23

A denúncia, na voz do citado autor (2002, p. 39), não se constituía apenas de uma

informação qualquer, mas de uma petição escrita, e deveria embasar-se em dados bastante

convincentes, porque se no curso do processo o denunciante não obtivesse pelo menos 1/5 dos

votos do tribunal, sujeitava-se à multa, e ainda, era proibido de abandonar a acusação no meio

do processo.

Ainda que Nádia de Araújo e Ricardo R. Almeida (1996, p. 202) procurem

evidenciar a origem do júri no Aerópago e na Heliéia gregos, referem-se às críticas que, ao

longo do tempo, eram inevitáveis, e deveriam recair, principalmente, sobre esta última corte;

críticas que se fundavam em causas diversas, como a instabilidade da democracia, a

volubilidade popular, o encanto pelo discurso e várias outras. Dizem que todos os políticos e

outros homens ilustres de Atenas sentaram-se, alguma vez, no banco dos réus e ensinam que

pela tribuna dos heliastas passaram os maiores retóricos, os grandes oradores, os mais

famosos filósofos, os logógrafos e outros homens considerados sábios; tendo sido escolhidas

de processos reais algumas das mais importantes peças oratórias clássicas, como a Oração da

Coroa, de Demóstenes, Contra Eratóstenes, de Lísias, e a Apologia de Sócrates, de Platão.

Uma condenação que deixou marcas inapagáveis na história da Heliéia foi a de

Sócrates, a qual, segundo os autores citados no parágrafo anterior (1996, p. 202), ocorreu “ao

mesmo tempo em que faria nascer no espírito de seu jovem discípulo, Platão, o ódio e a

revolta – evidentemente a descrença na justiça popular – produziria o estímulo necessário a

sua empreitada filosófica profundamente crítica e reformadora”. Não foi apenas Platão que,

devido à condenação de Sócrates, ficou revoltado com a justiça popular grega, pois segundo

Xenofonte, citado por António Manuel Morais (2000, p. 23), na Grécia Antiga, os jurados

eram recrutados entre as pessoas do mais baixo nível cultural, como os retalhistas, os

pisoeiros, os cordoeiros, os pedreiros, os barqueiros, os boticários e os calceteiros4; o que

4 Calceteiro tanto significa calceiro, quanto o operário que trabalha no calçamento de ruas. (FERNANDES, 1997)

24

revoltou Aristófanes e conduziu Aristóteles ao exílio, posto que ficaram saturados com o que

aquele povo chamava, o justo. Acrescenta, ainda, Antonio Manuel Morais (2000, p. 23) que

após tais condenações, atribuiu-se ao tribunal popular, encarregado de julgar os processos

mais simples, às vezes, por razões políticas, sem atentar para quaisquer conceitos jurídicos, os

defeitos que viciavam o que ainda restava do direito de Atenas.

1.1.2.1 Do processo, do julgamento de Sócrates

Embora vários autores, como os anteriormente citados, informem que Sócrates foi

julgado pelo tribunal dos heliastas, não é comum encontrar explicações sobre o processo,

julgamento e a condenação do referido filósofo. Por isso, e considerando que tais explicações

não causarão fuga ao tema desta dissertação, serão feitos a seguir, alguns comentários sobre

tal julgamento.

Na palavra de Stone (2005), os dados sobre a acusação de Sócrates são escassos, não

sendo conhecidos os principais argumentos das acusações, nem a lei invocada para

fundamentá-las. Assim, e devido a essa escassez de informações, esclarece o autor que as

fontes mais esclarecedoras sobre o processo, o julgamento e a condenação do filósofo são os

relatos escritos por outros sábios como Platão, Xenofonte e Aristófanes. Platão, discípulo de

Sócrates, escreveu quatro diálogos referentes ao julgamento e à morte de seu mestre, quais

sejam: Eutífron, Apologia, Críton e Fédon. Xenofonte evocou a figura do filósofo na peça

“As memoráveis”, referindo-se a ele como um homem vulgar. Aristófanes, amigo de

Sócrates, a ele dedicou a peça “As nuvens”, encenada durante vinte e cinco anos, além de ter

feito referências ao sábio em outras peças suas como “Os pássaros”, encenada durante dezoito

anos, “As rãs” e “As vespas”. Informa, também, Stone (2005) que Aristóteles, discípulo de

25

Platão, nascido quinze anos após a morte de Sócrates, também deixou escritos esparsos sobre

este último filósofo grego.

O processo contra Sócrates, como explica Stone (2005), foi instaurado num momento

em que a democracia ateniense acabava de suportar vários golpes, tendo sido, inclusive,

substituída pela ditadura. Sustenta o citado autor que o horror perpetrado pela ditadura

implantada em Atenas, em 411 e 404 a.C. abriu caminho para uma nova tentativa de golpe à

democracia, a acontecer em 401 a.C., isto é, dois anos antes do julgamento, sendo que tais

acontecimentos foram aproveitados para justificar a determinação da instauração do processo.

Sócrates, de acordo com a pesquisa de Stone (2005), foi acusado por três homens que

viviam em Atenas, quais sejam: Ânito, Meleto e Lícon. Ânito, antidemocrata influente de

Atenas, participava da acusação como representante dos artesãos e líderes políticos daquela

cidade. Lícon, que nem orador famoso era, participava da acusação como representante dos

oradores e Meleto, que era uma figura obscura na cidade grega da democracia e participava da

acusação como representante dos poetas.

Sempre que se comenta sobre os motivos que resultaram no processo e na

condenação de Sócrates, a informação que surge, de imediato, é a de que tanto aquele quanto

esta tiveram origem no fato de que ele “desrespeitava os deuses”, informação que é bastante

limitada, pois, segundo Stone (2005, p. 236-237), na Apologia de Platão, Sócrates diz que a

acusação “consiste mais ou menos no seguinte: Sócrates é um malfeitor por corromper a

mocidade e não crer nos deuses do Estado, mas em outros seres espirituais”. Versões

praticamente idênticas, na voz do pesquisador Stone (2005), são encontradas nas Memoráveis

de Xenofonte e na obra: A Vida de Sócrates, de Diógenes Laércio. Ensina, ainda, o citado

autor que as duas acusações são vagas, infundadas, haja vista que não descrevem os atos de

corrupção contra a cidade (a polis), muito menos a corrupção contra os jovens atenienses; o

que consta delas, isto sim, são “os ensinamentos e as convicções de Sócrates”. Também não

26

foi descrito na acusação nenhum ato de sacrilégio ou desrespeito aos deuses da cidade, como

não foi feita nenhuma narrativa sobre qualquer atentado ou conspiração contra as instituições

democráticas atenienses. Explica, ainda, que o ponto mais vulnerável das acusações é o fato

de que nelas não é atribuída ao filósofo a violação de nenhuma lei.

Anota Stone (2005, p. 238-239), em sua pesquisa, que ao tempo de Sócrates não

havia em Atenas nenhuma lei que proibisse o ateísmo. Além disso, se fosse crime ser ateu,

Sócrates teria sido processado um quarto de século antes de seu julgamento, haja vista que em

423 a.C., o poeta cômico Aristófanes, amigo do filósofo, o retratou, na comédia “As nuvens”,

quando ele aparecia ensinando a Estrepsíades, um caipira ateniense, que não existia Zeus e

que os únicos deuses eram o “Caos” a “Respiração” e o “Ar”. Assim ele dizia ao caipira que

ele podia deixar de pagar as suas dívidas sem temer aos castigos dos deuses. A platéia

ateniense, que assistiu muitas vezes a comédia de Aristófanes, expondo esses ensinamentos de

Sócrates5, ria da mesma, o que quer dizer que Atenas não se chocava com qualquer atitude

descrente ou desrespeitosa aos deuses. Daí, o pesquisador conclui que Sócrates foi julgado

pelo que disse e não por nada que tivesse feito.

1.1.2.2 A condenação de Sócrates

O julgamento do filósofo ocorreu, conforme leciona Stone (2005), no ano de 399

a.C., isto é, logo após os três grandes golpes contra a democracia ateniense: o de 411, o de

404 e o de 401 a.C., quando o terror da ditadura ainda imperava em Atenas.

5 Ensinando a seus discípulos sobre o governo ideal, Sócrates, segundo Stone, nem defendia a oligarquia, nem a democracia, o seu ideal, segundo explicam Xenofonte e Platão, citados pelo mencionado autor, não era o poder exercido pela minoria nem pela maioria e sim “por aquele que sabe”. Esses ensinamentos, para alguns contemporâneos de Sócrates, acenavam que o filósofo estava defendendo a volta da monarquia, o que era contestado por Sócrates (STONE, 2005, p. 30-31).

27

O comportamento de Sócrates, no Tribunal dos Heliastas, concorreu muito mais para

a sua condenação do que às próprias acusações que pesavam contra ele. Como os Advogados,

naquele tempo, não atuavam nos Tribunais, reduzindo as suas atividades, à elaboração dos

discursos forenses encomendados pelas partes, Sócrates, sequer recorreu a um advogado,

tendo feito a sua própria defesa perante o júri. De acordo com Stone (2005), Sócrates tratou as

acusações, o Tribunal e a cidade de Atenas com escárnio, propondo que, como punição, fosse

ele nomeado herói da cidade de Atenas, com direito a fazer refeições gratuitamente, até o fim

de sua vida, no Pritaneu, entendendo-se como este o lugar de honra, na concepção dos

atenienses, um lugar sagrado, considerado a sede do governo executivo da cidade, onde o

Conselho Político da cidade fazia suas refeições, juntamente com os convidados especiais.

Com tal proposta, Sócrates estava provocando o júri.

Consoante Stone (2005, p. 252), Sócrates disse o seguinte no Tribunal:

Acusam-me de ter sido mestre de Crítias e Cármides, os líderes dos oligarcas extremistas no regime dos trinta. Mas agora agem tal como eles. Eles me convocaram, como sabem, e me proibiram o ensino da téchne logon – arte do discurso racional e da análise lógica – àqueles que tivessem menos de trinta anos de idade. O que fazem é o mesmo. Querem condenar-me por eu ter ensinado essa téchne à mocidade de Atenas durante toda a minha vida.

Disse, ainda, o filósofo a seus julgadores, como noticia Stone (2005, p. 253):

Dizem que fui desrespeitoso para com os deuses6 da cidade. Não estarão os senhores mesmos tornando-se os culpados dessa mesma falta ao me condenar? Como honrar a Peito7 se a persuasão é inibida e os pensamentos divergentes são perseguidos? Não estão desobedecendo a Zeus Agoraios8, o deus dos debates, quando, ao me condenar, limitam o direito de debater? As idéias não são frágeis como os homens. É impossível fazê-las beber cicuta. Minhas idéias, e meu exemplo, haverão de sobreviver a mim. Mas o nome de Atenas ficará maculado para todo o sempre, se violarem suas tradições condenando-me. A vergonha será sua, não minha.

6 Zeus era o deus da cidade que simbolizava o livre debate de idéias na assembléia. (STONE, 2005, p. 246) 7 Peito, que não era admirada por Sócrates, era a deusa da persuasão. (STONE, 2005, p. 246). 8 Zeus Agoraios era o guardião das assembléias populares, também conhecido como o deus da cidade que presidia as assembléias e os julgamentos. (STONE, 2005, p. 247)

28

Continuando a exposição de sua defesa, Sócrates advertiu o júri com as seguintes

palavras:

Dizem que minhas idéias corrompem os moços e os levam a questionar a democracia. Crítias temia que eu os levasse a questionar a ditadura. Qual é, então, a diferença entre os senhores e o ditador que derrubaram recentemente? Dizem que fui mestre de Crítias. Agem como se os senhores mesmos fossem os alunos de Crítias. Eles temiam minhas idéias. Os senhores também. Mais eles ao menos não se pretendiam defensores da liberdade de expressão. (STONE, 2005, p. 252-253)

O júri acabou condenando Sócrates. Como explica Stone (2005), em Atenas, o júri

votava duas vezes: uma a favor da condenação ou absolvição do réu, outra para decidir sobre

a pena que deveria ser aplicada em caso de condenação. O Júri compunha-se de quinhentos

membros. Na primeira votação, duzentos e oitenta jurados votaram a favor da condenação de

Sócrates e duzentos e vinte, pela absolvição. Concluída a primeira votação, teve início a

segunda, quando trezentos e sessenta jurados votaram a favor da pena de morte do filósofo

contra cento e quarenta que queriam que aquele réu não fosse condenado à morte.

De acordo com Stone (2005, p. 190-193), Sócrates poderia ter sido absolvido,

bastando que ele tivesse fundado a sua defesa numa das seguintes teses:

a) que estava, a partir daquele momento, aderindo à democracia;

b) que ali estava defendendo a liberdade de expressão, tão almejada pelos atenienses;

c) que ele tivesse preparado uma defesa eloqüente.

O filósofo não recorreu a seu amigo Lísias, um dos mais famosos logógrafos de seu

tempo para fazer o discurso de defesa. Informa Stone (2005) que Hermógenes, brilhante

orador ateniense, amigo e discípulo de Sócrates, se fez presente no julgamento, tendo

aconselhado seu mestre a fazer um discurso eloqüente.

Tentando convencer seu professor a fazer um discurso que poderia resultar em sua

absolvição, Hermógenes dirigiu-se a ele perguntando: “Não vê, indaga Hermógenes a

Sócrates, que os tribunos atenienses muitas vezes se empolgam com um discurso eloqüente e

29

condenam inocentes à morte, e muitas vezes absolvem o culpado porque sua fala desperta-

lhes a compaixão ou agrada-lhes os ouvidos?”. (STONE, 2005, p. 219)

Em resposta ao apelo de Hermógenes, Sócrates disse que tentou duas vezes fazer um

discurso eloqüente, mas não conseguiu porque seu daimônion, ou seja, seu espírito orientador

interveio e o dissuadiu. Arrematando, ele disse a Hermógenes que sua divina voz interior

disse-lhe ser melhor morrer agora, antes que o sofrimento da velhice o domine.

Na lição de Stone (2005, p. 223), poderia ter ocorrido a substituição da pena, ou por

uma multa ou pela pena de banimento, entretanto, segundo afirmação de Xenofonte,

“Sócrates recusou-se a oferecer qualquer contraproposta”, que acrescentou: “Quando lhe

disseram que escolhesse a pena substitutiva, ele se recusou a fazê-lo e proibiu seus amigos de

fazerem qualquer proposta”. Sócrates, ainda na palavra do poeta cômico Xenofonte, disse

que “o próprio fato de propor uma pena implicava a admissão de culpa”. Daí, conclui-se:

Sócrates não deu ao júri nenhuma alternativa à pena de morte.

Comparando-se os julgamentos feitos ao tempo de Moisés com os realizados pelos

antigos gregos, verifica-se que estes aprimoraram mais os julgamentos populares, pois

segundo Nádia de Araújo e Ricardo R. de Almeida (1996), além de terem adotado a oralidade

no processo, as decisões eram imotivadas, cultuavam o direito de participação, consideravam

soberanos os veredictos dos julgadores e defendiam a retórica dos tribunais; elementos que

muito se identificavam com a idéia de justiça popular. Entretanto, as decisões não eram

proferidas em sala secreta, a votação dos quesitos não era sigilosa e não era prevista a

possibilidade de rejeição dos jurados, o que leva ao entendimento de que a ausência dessas

formalidades descaracteriza o Júri e, por via de conseqüência, retiram da Grécia o almejado

título de pátria-mãe do júri.

30

1.1.3 O Júri em Roma

No Direito romano fazia-se distinção entre os ilícitos punidos pelo jus publicum

(direito público): crimina e pelo jus civile (direito civil): delicta. Os delitos punidos pelo jus

publicum eram aqueles que atacavam a civitas, tais como o perduellio, o parricidium

(parricídio) e outros, e eram apurados mediante persecução pública realizada através da

provocatio ad populum (provocação popular) ou das quaestiones perpetuae e terminavam

com a poena pública, como o supplicium capitale (suplício capital), mulcta (multa) ou

damnum (dano) etc. Os delicta (delitos), como o furtum (furto); a injúria era considerada

ofensa ao indivíduo, e, por via de conseqüência, pelo menos nos primeiros tempos,

autorizavam uma reação de cunho privado. Em resumo, pode-se dizer que a repressão penal

dos criminas-pública ficava a cargo do Estado, representado pelo magistrado com poder de

imperium. Já nos delitos privados, a repressão era exercida pelo ofendido, havendo

intervenção do Estado apenas para regular o exercício da persecução. (PRADO, 2006, p. 36)

Na lição de Luiz Regis Prado (2006), foi na República (510 a.C. até 27 a.C.) que

apareceu o procedimento das quaestiones perpetuae, ou seja, daquele instrumento via do qual

se apurava o crimina-pública.

Segundo Rogério Lauria Tucci (1999, p. 15), o júri surgiu em Roma quando

predominava o sistema acusatório de processo penal, fase em que também surgiram as

supracitadas quaestiones perpetuae e a acusatio, carecedoras da figura do acusador particular.

Em que consistiam as quaestiones? Ao que se extrai do magistério de Tucci (1999,

p. 16), era um “órgão colegiado constituído por cidadãos, representantes do populus

romano, presidido por um pretor, e cuja constituição e atribuições – assim como os crimina

determinantes da sua competência, e respectivas penas – eram definidos em leges, prévia e

regularmente editadas”. Esclarece o mencionado autor que a primeira quaestio foi instituída

31

pela Lex Calpurnia (Lei Calpúrnia), de 149 a.C. e se constituía de um tipo de comissão de

inquérito, que tinha a finalidade de investigar e julgar (iudicium publicum legitmum

[julgamento público legítimo]) os casos em que o funcionário do Estado tivesse causado

prejuízo ao provinciano.(TUCCI, 1999)

Várias outras quaestiones seguiram àquela instituída pela Lex Calpurnia, tais como:

a quaestio maiestatis, via da qual se conhecia e julgava os criminas de alta traição e de

desobediência aos órgãos supremos do Estado; a quaestio de peculatu et sacrilégio pela qual

era conhecida e julgada a defraudação da propriedade pública, sacra ou religiosa; quaestio

ambitus por meio da qual se conhecia e julgava a corrupção eleitoral; a quaestio de sicariis et

veneficiis através da qual eram conhecidas e julgadas os criminas de assassinato,

envenenamento, sentença iníqua de pena capital, magia, falso testemunho ou atentado à

segurança pública; a quaestio de parricidiis, que era utilizada para investigar e julgar o

homicídio de parente próximo e a quaestio de falsis que servia para conhecer e julgar

falsificação de testamento ou de moeda e outras.

Inicialmente as quaestiones eram temporárias, mas se transmudaram, com o passar

do tempo, em permanentes, o que resultou em que recebessem a denominação de quaestiones

perpetuae. Como leciona Tucci (1999), constituíram elas a primeira espécie de jurisdição

penal que Roma conheceu.

1.1.3.1 Da estrutura da quaestio e do sorteio dos jurados

Relativamente à estrutura, ensina Tucci (1999, p. 19) que:

[...] a quaestio era formada por presidente (praetor vel quaesitor) e como supra-explicitado, no máximo, cinquenta cidadãos (iudicies iurati), escolhidos, de início, entre os senadores; posteriormente, com a Lex Sempronia, proposta por Caio Graco (122 a.C.), também entre os cavaleiros; e, finalmente, com a Lex Aurelia (70 a.C.), entre senadores, cavaleiros e tribuni aerarii, uma terça parte de cada ordem.

32

Competia ao presidente da quaestio examinar a acusação, decidir sobre a

competência, receber o juramento das partes, escolher e convocar os iudices iurati [jurados],

presidir as discussões e fazer executar a sentença.

Os jurados eram sorteados através de listas oficiais que continham aproximadamente

mil nomes que eram colocados numa urna, para serem oportunamente indicados. A recusa era

permitida, seja por parte da acusação seja da defesa.

Afirma Tucci (1999, p. 19) que: “os demais jurados, uma vez indicados (e, com o

tempo sorteado), e não recusados, deviam participar de todo o procedimento, e, no final,

pronunciar-se, por meio de votação, pela condenação do acusado, pela absolvição, ou, por

um alargamento da instrução”, alargamento este que ocorria quando o voto dos iudicis

iuratis fosse NL (non liquet), o que exigia que fosse feita uma instrução bem mais ampla do

fato posto à apreciação dos julgadores.

1.1.3.2 As características da accusatio

O procedimento tinha início com uma proposta de acusação. Em Roma, como

assinala Tucci (1999), com exceção dos incapazes e os indignos9, todo cidadão podia acusar

(acusação popular). Àquele que pretendesse sustentar a acusação ficava incumbido de

oferecer a (postulatio, petitio [petição]), com a respectiva delatio criminis, vale dizer, devia

indicar o crime imputado, bem como a lei infringida pelo acusado. Acrescenta o supracitado

processualista que se fossem vários acusadores, ao presidente da quaestio competia escolher,

entre eles, o mais idôneo ou o mais interessado (divinatio), permanecendo os outros como

subcriptores.

9 Eram considerados incapazes: as mulheres, que somente podiam acusar em caso de ofensa aos seus parentes próximos, os fili famílias, que somente podiam acusar se consentido fosse pelo pater familias, e os libertos, que, em alguns casos especiais também podiam acusar, inclusive, os patronos, em caso de crime de lesa-magestade. Eram indignos, os considerados reprováveis, aos quais se cominara a infâmia.

33

Uma vez apresentada à acusação, seu autor continuava confrontando-se com o

acusado. Como esclarece Tucci (1999), o autor da proposta acusatória, praticamente, assumia

a mesma posição do autor, diante do réu, no processo civil. O mencionado jurista explica que

o denunciante, por certo, assumia todos os direitos e deveres, bem como os ônus da parte no

sentido processual, e não lhe era permitido que, apresentada a proposta acusatória, pudesse ele

dela dispor, ficando o agente denunciador vinculado ao processo até o seu final.

1.1.3.3 Particularidades sobre o procedimento das questiones

Ainda na lição de Tucci (1999), recebida a acusação (nomen recipere), o libelo

ficava guardado no erário público e, a partir da realização de tal ato (recebimento da

acusação), o nome do acusado era publicado numa tábua, só havendo o cancelamento da

inscrição de seu nome na mesma, após sua absolvição.

Recebida a acusação, o acusado era citado e, em caso de não comparecimento, os

bens dele eram objeto de inscrição e, um ano depois, eram confiscados. Se o acusado

comparecesse, era interrogado sobre a acusação.

Se o acusado comparecesse e confessasse a acusação, encerrava-se o procedimento.

Se a acusação fosse negada, o pretor determinava que o acusador e o acusado voltassem a

juízo, em dia desde logo estabelecido. O prazo estipulado pelo pretor para o retorno do

acusado e do acusador a juízo era o suficiente para a colheita de provas.

Ao acusador competia realizar a investigação, fazendo, inclusive, as anotações que

entendesse necessárias para comprovar a acusação. Tais anotações não eram consideradas

como elementos constitutivos da instrução preliminar e legal. O acusado, por sua vez, podia

acompanhar o acusador e até nomear um preposto para fiscalizá-lo.

34

Vencido o prazo estabelecido pelo pretor, iniciava-se a fase judicial, começando pela

formação do órgão julgador, indicando-se, para tanto, os iudices iuratis, que também

poderiam ser sorteados ao depois. Ao longo da formação do órgão julgador, as partes podiam

exercer a recusatio (recusa).

Em continuidade, conferia-se a palavra às partes para a apresentação dos seus

discursos. Primeiro falava o acusador e, em segundo lugar, o acusado. De início, as alocuções

ficavam a cargo dos próprios interessados, mas com o passar dos tempos, tal tarefa passou a

ser realizada pelos patronos por eles constituídos: os oratores ou advocati. (TUCCI, 1999)

No que tange ao tempo para os debates ensina Elder Lisboa (2004), baseado em lição

de José Luiz Filó, que para marcá-lo, era utilizada uma clepsidra, que era colocada em frente

ao defensor. A clepsidra, que já era usada na Grécia, era um vaso em forma de funil. Estando

cheio de água, despendia vinte minutos para se esvaziar gota a gota. O tempo gasto pelo

expositor com qualquer leitura de documento não era computado. Assim, se fosse feita a

leitura de documento, um funcionário colocava um dedo no buraco por onde a água escoava,

interrompendo seu fluxo, até que o orador terminasse a leitura. Tucci (1999) informa que

havia réplica (duplicatio).

As provas, na lição de Tucci (1999, p. 22), eram de três espécies, quais sejam: per

tabulas, per testes e per quaestiones. A primeira consistia em provas documentais, tais como,

correspondências privadas, documentos públicos e outras; as segundas eram as provas

testemunhais, que eram produzidas mediante a inquirição de pessoas que tinham

conhecimento do fato e se propunham, voluntariamente, a depor ou eram convocadas para

fazê-lo; as últimas eram representadas por quaisquer outros meios de prova, incluindo-se,

entre estes, a confissão espontânea ou aquela obtida mediante tortura.

Os iudices iuratis, inicialmente, votavam oralmente, passando a fazê-lo,

posteriormente, supra tabellas A (absolvo), C (condeno), ou NL (non liquet). Neste último

35

caso, exigia-se que fosse realizada uma instrução mais ampla. Ultimada a votação, o

presidente (quaesitor) proclamava o resultado, anunciando, em caso de absolvição (non

videtur fecisse), no caso de condenação (iuri videtur fecisse) e, na hipótese de alongamento da

instrução (amplius cognocendum).

Caso o acusado fosse condenado, executava-se o julgado; se absolvido, era

instaurado um processo contra o acusador. A sentença era proferida com base na votação.

O professor Rogério Lauria Tucci (1999) encontrou várias coincidências entre o Júri

romano e o Júri brasileiro, o que o fez concluir que também se encontram nas quaestiones

perpetuae o embrião do júri brasileiro.

Era de se esperar que os povos mais evoluídos fossem aprimorando os julgamentos

realizados pelos tribunais populares. Os romanos, que muito contribuíram para a evolução do

direito, aproximaram bastante tais julgamentos dos que são realizados pelo Júri na atualidade,

todavia, aqueles julgamentos, a exemplo do que ocorreu nos tempos de Moisés e na Grécia

antiga, consistiam apenas em julgamentos feitos pelos pares, pelos iguais, não guardando

característica com os realizados pelo Júri.

Ângelo Ansanelli Júnior (2005, p. 17), fazendo referência à comparação de André

Toulemon10 acerca do Júri moderno e do Júri romano, esclarece que “neste, a escolha dos

jurados era feita pelo Pretor, entre os membros de uma classe, sendo que eles eram

investidos nos mesmos privilégios dos magistrados”. E da mesma forma, fazendo alusão às

críticas de Vicente de Azevedo (apud JUNIOR ANSANELLI, 2005, p. 17) sobre as quaestio,

ensina que “o traço de identidade, consubstanciado na faculdade de recusa de alguns juízes,

justificava-se pelo fato de que estes poderiam vender, abertamente, seus votos – e às vezes a

preços que o réu não poderia pagar.”

10 Em nota de rodapé, crítica citada por Ana Valderez A. N. Alencar (JUNIOR ANSANELLI, 2005, p. 303).

36

Nádia de Araújo e Ricardo R. Almeida (1996) afirmam que as questiones perpetuae

um tribunal criminal aristocrático, que foi criado em Roma, em 149 a.C., para substituir-se

aos comícios populares e ao senado no julgamento de alguns crimes; não passavam de uma

justiça elitista e anti-popular, exercida, pelo menos no início de sua implantação, somente

pelos senadores. Embora perpétuas, acabaram sendo abolidas pelo desinteresse do povo,

devido aos abusos nela cometidos.

Julgamentos abusivos sempre foram proferidos, seja pelo povo, seja pelos juízes de

carreira, mas a venda aberta do voto do julgador, por preço que o jurado pretendesse, em

evidente desrespeito àqueles que não podiam comprar o voto, não guarda semelhança com o

júri. Assim, ainda que sejam encontradas coincidências entre as questiones perpetuae e o júri

da atualidade, em especial, o brasileiro, não se pode dizer que tenha sido em Roma que a

instituição nasceu.

1.1.4 O Júri no direito medieval

O direito medieval, como denota a própria expressão, está relacionado com aquele

direito que surgiu e se desenvolveu no período histórico denominado Idade Média. Por isso,

tradicionalmente, quando se faz referência ao mencionado direito, costuma-se, em primeiro

lugar, situar a pré-falada Idade no tempo. Para não fugir à regra, com apoio na lição do

historiador Florival Cáceres (1988), esclarece-se que se entende por Idade Média a fase que se

estende da queda do Império Romano do Ocidente (século V), até a queda de Constantinopla

(século XV), lição que é compatível com a de Franklin de Oliveira (1997).

Ensina o mesmo historiador (1988) que a Idade Média se dividiu em duas fases: a

alta Idade Média (século V a XI) e a baixa Idade Média (século XI a XV).

37

Na palavra de José Reinaldo de Lima Lopes (2002), no período compreendido entre

os séculos VI a X, não se tem registro de avanços relevantes da cultura jurídica, acrescentando

o mencionado autor que o desenvolvimento no campo do direito se deu entre os séculos XI a

XV, superando todo o atraso verificado na longa fase anterior.

Também, por tradição, sempre que os doutrinadores emitem opiniões sobre os

acontecimentos que marcaram a Idade Média, iniciam suas manifestações pela janela de

entrada do fenômeno histórico que mais se destacou naquele período, qual seja, o

feudalismo11.

José Reinaldo de Lima Lopes (2002, p. 64), citando Marc Bloch, ensina que houve

dois feudalismos sucessivos:

[...] um do século VIII a XI e outro do século XI a XVI. Quanto ao modo de organizar-se também houve duas espécies de feudalismo: um com direito à coação sistematizada (sobre o qual a igreja do Ocidente desejará impor sua ordem), outro sem direito ou coação sistematizada (caso da Rússia, v.g.). Finalmente, houve um modelo bastante descentralizado, como na França, e houve um sistema feudal e senhorial imposto desde o centro da realeza, como foi o caso da Inglaterra conquistada pelos normandos.

Hélio Tornaghi (2005), por sua vez, referindo-se às instituições feudais, invoca a

lição de um escritor francês, cujo nome não declina, esclarecendo que este dizia, com acerto,

que o regime feudal foi uma “anarquia organizada”. Na voz do citado processualista

brasileiro, está correto o francês, haja vista que anarquia é palavra grega que significa falta de

governo; onde não há uma cabeça, onde muitos mandam, existe anarquia. Dela costuma surgir

o tumulto que é o movimento em muitas direções.

Na explicação de Antonio Manuel Morais (2000, p. 27), entre os povos bárbaros da

germânia, “onde não existia nenhuma ciência de governo nem poderes e se conservava o

estado de natureza grosseira” tudo o que era relacionado com a proteção social, e o Júri tem

essa finalidade, consistia nas reuniões dos vizinhos, nas quais alguns partícipes depunham

11 É o conjunto de leis e costumes, baseado em mútuas obrigações de vassalos e senhores de terra, que vigorou durante a Idade Média. (FERNANDES, 1997, verbetes: ferroso-fibrinofermento).

38

contra ou a favor dos próprios integrantes, na presença de outros, e acrescenta o citado autor

que foram essas associações desnaturalizadas e corruptas que originaram o júri feudal

conhecido por Juízo de Pares.

Rogério Lauria Tucci (1999, p. 25), baseado na lição de Arthur Pinto da Rocha, dá

notícia de julgamentos realizados pelos tribunais populares bárbaros e feudais, informando

que aqueles povos bárbaros, em especial, os germânicos, possuíram tribunais vehmicos, muito

antigos, que existiram na Westhphalia, até o século XVI.

Na palavra de Tucci (1999, p. 25), mesmo que aqueles tribunais “retratassem a

rebeldia do direito germânico às instituições romanas e cristãs”, demonstravam que os povos

germânicos pretendiam popularizar os juízos.

Os juízes “eram cidadãos desconhecidos nas regiões, porém muito influentes e

“dominavam todas as classes com poderes ilimitados”. Agiam sob as ordens de um Príncipe,

designado para um cantão qualquer para administrar a justiça. (Tucci, 1999, p. 26)

Esclarece, também, Tucci (1999, p. 26), que os francos também tiveram seu tribunal

popular, denominado Mall, ou placitum, que se compunham de homens livres e notáveis.

Extrai-se, mais uma vez, da lição de Tucci (1999, p. 26) que com a invasão do

império romano pelos bárbaros, em cada cidade ou burgo, foram fixados grupos de pessoas,

compostos por homens livres, denominados coniuratores, ou compurgatores, os quais eram

encarregados de verificar a existência do fato criminoso e de apurar a sua autoria, e ainda, de

atuarem, na acusação e defesa do julgamento da demanda. Apurado o fato e a autoria, a

audiência de julgamento da causa era presidida por um Conde, que fazia um relato dos fatos,

destacando as questões subjacentes, tomava os votos dos julgadores e proferia o julgamento.

Motivos vários, entre eles a dificuldade de comunicação entre as cidades ou burgos,

os abusos, escândalos e corrupção por parte dos julgadores, resultaram em que os reis

39

substituíssem os coniuratores ou compurgatores por cidadãos idôneos e instruídos, chamados

scabinos, que eram cuidadosamente selecionados pelo Conde.

Esses escândalos, somados à crescente concentração da Justiça nas mãos do Conde e

do senhor feudal, bem como os abusos que eram praticados mediante a multiplicação de

reuniões, com o objetivo de punir até pessoas ausentes com pesadas multas, provocaram a

perda da característica daquelas instituições feudais assemelhadas ao Júri.

Concluindo o seu estudo sobre a presença do júri no direito medieval, Rogério Lauria

Tucci (1999, p. 26-27), ainda embasado na orientação de Arthur Pinto da Rocha, expõe:

[...] o julgamento pelos pares não equivale de modo nenhum ao julgamento pelos jurados. O tribunal dos pares, que caracterizou o systema judiciário das sociedades feudais, não tem a mesma significação do jury. Aquelle estabelece o julgamento por meio de categorias, pressupõe a desigualdade política como fundamento da organização social; este repele a idéia de classe e funda-se na máxima igualdade política.

A pesquisa mostra que esses julgamentos populares realizados na Idade Média, na

verdade, não revelam característica de júri, mesmo porque como bem esclarece José Reinaldo

de Lima Lopes (2002, p. 76), o direito medieval é um direito de ordens, ou melhor, um

instrumento posto nas mãos dos reis e dos senhores feudais, tanto assim que aqueles e estes

tinham suas próprias cortes, designavam sem datas certas as reuniões para tratar das

controvérsias que fossem do interesse dos vassalos ou que dissessem respeito aos

desentendimentos entre os proprietários de terra e os arrendatários. O júri não é um direito de

ordens de um mandatário qualquer, como não se subordina ao comando do rei ou do Conde.

O júri sempre se caracterizou pela publicidade, pela oralidade e pelo emblema da democracia

que sempre o acompanhou ao longo de tempo.

1.1.5 O Júri na Inglaterra

40

A doutrina majoritária entende que o júri nasceu na Inglaterra. Fernando da Costa

Tourinho Filho (1996, p. 406), fazendo parte dessa grande corrente doutrinária, após tecer

comentários sobre os antecedentes mais remotos da instituição, diz que:

A doutrina dominante, entretanto, entende que sua origem remontam à época em que o Concílio de Latrão aboliu os ordalia12 ou juízes de Deus. Àquela época, enquanto surgia na Europa continental o processo inquisitivo, na Inglaterra passou a florescer o júri, instituição que os ingleses adotaram em substituição aos ordalia, e que constituía um velho costume normando: os homens bons da comunidade se reuniam para, sob juramento, julgar o cidadão acusado de cometer um crime.

Elder Lisboa Ferreira da Costa (2004, p. 60) leciona que Marcio Leão tem o seguinte

posicionamento sobre a origem do júri:

As origens do tribunal do júri remontam a história da velha Inglaterra, onde, por volta de 1215, foram abolidas pelo Concílio de Latrão as ordalias e os juízos de Deus. Nascera o tribunal do povo, que entre os ingleses deixou reluzentes marcas, não somente pelo misticismo característico, mas principalmente pelos resultados alcançados de outros países do mundo. Bem diferente do que acontecera em outros países do Velho Mundo, sobretudo a França, a Itália e a Alemanha, locais onde a instituição do júri não logrou o êxito esperado, sendo logo substituído por outros órgãos.

Na palavra de Guilherme de Souza Nucci (1999, p. 64), na Inglaterra, o júri ainda é

tido como a figura central da Justiça, porque sempre foi sustentáculo da liberdade e dos

direitos individuais, mesmo que, efetivamente, o seu uso atual restrinja-se a 3% de todos os

julgamentos criminais. Ensina o mencionado doutrinador que a redução dos julgamentos pelo

Júri naquele país ocorreu a partir de 1967, quando o veredicto unânime para a condenação

deixou de ser exigido. Acrescenta que uma lei de 1977 reclassificou várias infrações penais, o

que acabou impedindo que os acusados exigissem, para seus casos, julgamento pelo Júri.

Ensina, ainda, Nucci (1999) que, atualmente, restam como delitos que levam

necessariamente ao tribunal popular, o homicídio (doloso e culposo) e o estupro, 12 Leib Soibelman (1998, p. 260) define Ordálias ou ordálio como “Juízo de Deus ou Julgamento de Deus. Provas da mais variada sorte, baseada na crença de que Deus não deixaria de socorrer o inocente, o qual sairia incólume da prova. As principais eram: a da água fervendo, a do fogo, pelas serpentes etc”.

41

acrescentando que outros delitos, dependendo da gravidade que apresentem, também podem

ser julgados pelo Júri, cabendo ao juiz togado decidir se remete ou não o processo aos

jurados.

Relativamente à origem do Júri, esclarece Nucci (1999) que muitos a localizam na

Palestina, Grécia, Roma entre outros povos que viveram na antigüidade, mas acaba

sustentando que foi na história britânica que foram edificadas as principais pilastras de

sustentação da instituição, construção que teve início com a Carta Magna de 1215.

José Frederico Marques (1997, p. 20), com a autoridade que possui, afirma que o Júri

surgiu na Inglaterra, esclarecendo que o aparecimento da instituição naquela terra da common

law se deu logo depois que o Concílio de Latrão aboliu as ordálias e os juízos de Deus.

Embora figure, no Brasil, como um dos maiores críticos da instituição, o citado processualista

tece elogios ao Júri inglês, ensinando que, na Inglaterra, o mecanismo das instituições

jurídicas tem um funcionamento peculiar, diferente dos sistemas dos países que adotam a

tradição romanística, o que concorre para que o Júri seja reconhecido como um instituto

secular e florescente e para que a sua prática produza bons resultados.

Ângelo Ansanelli Júnior (2005) também sustenta que o Júri, realmente, nasceu na

Inglaterra, com a finalidade de substituir o abusivo julgamento das ordálias e de combater os

absurdos praticados pelos soberanos, acrescentando que foi no solo inglês que o julgamento

popular adquiriu as verdadeiras insígnias da democracia, possibilitando-se, efetivamente, a

participação do cidadão comum na administração da justiça, e que se firmou como uma

garantia em favor da sociedade.

Celso Ribeiro Bastos (2000, p. 206-207), depois de definir o júri como “um órgão

que exerce função jurisdicional sem ser composto por juízes de carreira ou mesmo por

especialistas em direito”, sustenta que ele surgiu na Inglaterra, ensinando, mais, que lá a

42

instituição constituía um importante direito fundamental do cidadão, qual seja, o de ver-se

julgado pelos seus pares.

Acrescenta o referido constitucionalista (2000) que muitos doutrinadores referem-se

ao caráter místico e religioso que era atribuído ao Júri, ao tempo de seu aparecimento, na

Inglaterra, informando que era constituído de 12 (doze) membros, número que foi eleito pelo

povo inglês, como uma lembrança dos 12 (doze) apóstolos que haviam recebido a visita do

Espírito Santo.

Explica, ainda, referido autor (2000) que atualmente o Júri não mais possui aquele

caráter religioso que lhe foi conferido pelo povo inglês, mas que preserva a sua característica

democrática, verificada pela participação do cidadão na distribuição da justiça.

Encontram-se nas legislações mosaica, grega, romana e medieval disposições

demonstrativas de formas de julgamentos pelos pares, com alguma aparência dos julgamentos

realizados pelo Júri de hoje, especialmente devido à adoção nos julgamentos dos princípios da

publicidade e oralidade, mas os julgamentos realizados pelos romanos e os povos antigos que

os antecederam não possuíam as características do júri moderno, como a imparcialidade dos

julgadores, as garantia da defesa e do contraditório, bem como a de que o julgamento era

presidido por um Juiz imparcial.

A maioria dos autores defende, com argumentos bastante convincentes, que o júri

nasceu na Inglaterra. Na palavra de Guilherme de Souza Nucci (1999, p. 36), “em verdade,

nasceu o júri, autenticamente, na Inglaterra de 1215, como um direito fundamental, pois era

uma garantia de julgamento imparcial feito pela própria sociedade contra o absolutismo do

soberano”.

Ângelo Ansanelli Júnior (2005, p. 19-20), a exemplo de Guilherme de Souza Nucci,

anota:

[...] quer-nos parecer que, realmente, o Júri nasceu na Inglaterra, berço da democracia mundial. Surgiu, inclusive, para combater os desmandos

43

despóticos dos absolutistas e firmar uma garantia em prol da própria sociedade. Os demais embriões da instituição citados, na verdade, foram apenas formas de julgamento pelos pares, destituídas de quaisquer critérios que se assemelhassem ao Tribunal do Júri da atualidade, uma vez que os julgadores não atuavam com a devida imparcialidade, e com os contornos democráticos que devem pautar os julgamentos pelos pares.

José Frederico Marques (1997, p. 47), referindo-se à gênese do júri, explicava que:

[...] nascido na Inglaterra, depois que o Concílio de Latrão aboliu as ordálias e os juízos de Deus, ele guarda até hoje a sua origem mística, muito embora ao ser criada, retratasse o espírito prático e clarividente dos anglos-saxões. Na terra da common law onde o mecanismo das instituições jurídicas, com seu funcionamento todo peculiar, tanto difere dos sistemas dos demais países onde impera a tradição romanística, é o Júri um instituto secular e florescente, cuja prática tem produzido os melhores resultados.

A pesquisa mostra que a corrente que aponta a origem do Júri na Inglaterra é a

menos questionável e a que congrega um maior número de adeptos.

1.1.5.1. Da Inglaterra: a difusão do Júri em outros países

Ainda que prossigam as divergências sobre a gênese do Júri, já que a doutrina que a

localiza nos lugares em que predominou a legislação mosaica ou em Roma ou na Grécia

antiga, discorda da corrente que a indica na Inglaterra e vice-versa; a polêmica mais acirrada

sobre o tema circunscreve-se àqueles quatro lugares, havendo apenas alguns estudiosos,

dignos de respeito, porém solitários, ou seja, desacompanhados de muitos seguidores, que

afirmam que a instituição surgiu na Alemanha ou na França.13

Segundo Elder Lisboa (2004, p. 61), Esmein sustentava:

Embora outros países, como a Espanha e a Alemanha, deixando-se influenciar, respectivamente, pelas tradições romanas e germânicas, cultivassem um processo penal no qual não havia lugar para o julgamento

13 NUCCI (1999, p. 33), em nota de rodapé, esclarece que a França foi o primeiro país do mundo a importar o júri da Inglaterra, encarregando-se de transmiti-lo ao resto da Europa.

44

popular – na Inglaterra o júri foi desenvolvido com tal pujança que se irradiou pela Europa e pela América.

Rui Barbosa, na lição de Nucci (1999, p. 33), referiu-se às várias nações que

adotaram o Júri depois que este, vindo da Inglaterra, instalou-se na França, a saber: Prússia,

Baviera, Havre, Wurtemberg, Baden, Saxônia, Alsacia-Lorena, Suíça, România, Sérvia,

Noruega, Suécia, Dinamarca, Portugal, Espanha, Grécia, Rússia, Índia, Japão, Austrália,

Canadá e demais colônia inglesa, México e quase todas as repúblicas sul-americanas.

1.1.5.2. Da Inglaterra ao Mediterrâneo

O mesmo motivo que originou o júri no Brasil o fez surgir na Espanha, como

esclarece Antonio Manuel Morais (2000, p. 89). Segundo referido autor, as primeiras

manifestações sobre o júri na Espanha foram feitas através do Estatuto de Bayona, de 06 de

julho de 1808, vindo a ser novamente lembrado, expressamente, na Constituição de Cádis, de

1812. Tais diplomas, mesmo tendo feito referências ao júri, não o introduziram naquele país.

Somente em 22 de outubro de 1820, o Tribunal do júri acabou sendo instituído na Espanha,

com competência para julgar os delitos de imprensa.

Ainda no magistério de Antonio Manuel Morais (2000, p. 154-155), os mesmos

motivos que resultaram na criação do júri no Brasil e na Espanha influenciaram sua criação

em Portugal, pois foi para julgar delitos contra a liberdade de imprensa que em 1820 foi

instituído os “Conselhos de Juízes de Facto”. A criação do referido Conselho foi condenada

pelo escritor Almeida Garrett, em Coimbra. Garrett, por ter se insurgido contra a criação do

Conselho de Juízes de Facto para tal fim, isto é, para julgar os crimes contra a liberdade de

imprensa, acabou sendo julgado pelo Juiz António José da Silva Peixoto, quando na Imprensa

45

da Universidade de Coimbra se publicou a obra Retrato de Vênus. Em 1821 foram realizados

os primeiros julgamentos contra os crimes de imprensa em Portugal.

Como se vê, em Portugal, na Espanha e no Brasil, o júri surgiu para reprimir direitos:

o direito de livre manifestação. Situação diferente ocorreu na Inglaterra, onde o júri, na

explicação de Ângelo Ansanelli Júnior (2005, p. 18), nasceu para proteger direitos, já que

combatia os abusos dos julgamentos de Deus - as ordálias - realizados por meio da prova da

água e do fogo.

1.1.6 O Júri no Brasil

Quando o Brasil foi elevado à categoria de Reino Unido de Portugal, o que ocorreu

em 16 de dezembro de 1815, o Príncipe Regente, D. Pedro de Alcântara, determinou a

publicação do Decreto de 23 de maio de 1821, que, entre outras disposições do direito

individual dispunha:

Em caso nenhum, possa alguém lançado em segredo ou masmorra estreita, escura ou infecta, pois que a prisão deve só servir para guardar as pessoas e nunca para as adoecer e flagellar; ficando implicitamente abolido para sempre o uso de correntes, algemas, grilhões e outros quaesquer ferros inventados para martyrisar homens ainda não julgados a soffrer qualquer pena afflictiva por sentença final; entendendo-se, todavia, que os juízes e magistrados criminaes poderão conservar por algum tempo em casos gravíssimos, incomunicáveis os delinqüentes comtando que seja e casas arejadas e commodas e nunca manietados ou soffrendo qualquer espécie de tormento. (PIERÂNGELI, 2004, p. 335)

Guilherme de Souza Nucci (1999), inspirado na lição de Santi Romano, explica o

porquê de ter o Júri se instalado no Brasil, explicando que aquele autor, neste particular,

escreveu o seguinte sobre a propagação das ordenações jurídicas:

O fenômeno da transmigração de um direito para além de seu país de origem não deve, sobretudo, ser confundido com outro, não menos interessante, através do qual, em países que apresentam contemporaneamente ou mesmo à distância de muitos séculos, semelhanças de condições e de desenvolvimento

46

social, surgem, espontaneamente, instituições análogas. [...] Substancialmente, diverso é o fenômeno da transmigração ou propagação do direito, que se dá por inúmeras causas que podem ser reduzidas a duas: a) a conquista ou a colonização, que impõe ao país conquistado ou colonizado a ordenação do Estado conquistador ou da metrópole, salvo oportunas adaptações; b) a livre adoção por parte de um Estado das instituições de um outro, verificando-se aquilo que Emerico Amari dizia, com feliz expressão: “contagiosidade do direito”. (PIERÂNGELI, 2004, p. 34)

Da orientação de Santi Romano extrai-se que Portugal também suportou as

transformações decorrentes da Revolução Francesa e o Brasil, colônia portuguesa que era,

sentiu a flagrância do liberalismo e o anseio dos direitos individuais espalhados pela Europa.

(NUCCI, 1999)

Guiado pelas mesmas razões que levaram a Europa a adotar o Júri, o Brasil também

o introduziu em sua legislação por intermédio da Lei de 18 de junho de 1822, diploma que

criou o tribunal do povo no Brasil com o objetivo, inicialmente, de julgar os crimes de

imprensa.

1.1.6.1 A origem do Júri no Brasil imperial e a sua evolução até a

proclamação da República

Foi o Príncipe Regente D. Pedro de Alcântara, influenciado por José Bonifácio de

Andrada e Silva, quem introduziu o Júri no Brasil, fazendo-o através de um Decreto de 18 de

julho de 1822, com competência para “o julgamento dos crimes de liberdade de imprensa”.14

Os motivos que resultaram na edição do diploma criador do júri não eram muito

democráticos, pois atingiam de forma bastante severa, a liberdade de imprensa.

A parte inicial do Decreto foi assim redigida:

14 Morais (2000, p. 59), seguindo os mesmos ensinamentos de autores brasileiros, informa que a primeira reunião do júri, no Brasil, ocorreu em 25 de junho de 1825, no Rio de Janeiro.

47

Havendo-se ponderado na Minha Real Presença, que Mandando Eu convocar uma Assembléia–Geral Constituinte e Legislativa para o Reino do Brasil, cumpria-Me necessariamente e pela suprema lei da salvação pública evitar que ou pela imprensa, ou verbalmente, ou de outra qualquer maneira propaguem e publiquem os inimigos da ordem e da tranqüilidade e da união doutrinas incendiarias e subversivas, princípios desorganizadores e dissociáveis; que promovendo a anarchia e a licença ataquem e destruam o sistema, que os Povos deste grande e riquíssimo Reino, por sua própria vontade escolheram, abraçaram e Me requereram, a que Eu Annui e Proclamei, e a cuja defesa e mantença já agora elles e Eu estamos indefectivelmente obrigados. (PIERÂNGELI, 2004, p. 59-60)

Prosseguindo, o Príncipe declarou que embora reconhecesse o peso das razões que o

levaram a se insurgir contra eventuais propagações e publicações provenientes dos inimigos

da ordem, da tranqüilidade e da união, estava “procurando ligar a bondade a justiça, e a

salvação pública, sem ofender a liberdade bem entendida de imprensa”. (MORAES, 2000, p.

59-60)

A liberdade bem entendida de imprensa seria apenas aquela que não atacasse o

sistema monárquico. Aquele sistema, tão admirado pelo Príncipe, infelizmente não era isento

de falhas, já que antidemocrático.

Pelo Decreto de 1822, o Júri foi criado para proteger o sistema que os povos do

Reino haviam escolhido, e não para tutelar direito fundamental. O diploma criador do Júri no

Brasil, cerceando a liberdade de imprensa, tem nítida característica ditatorial.

1.1.6.2 O Júri nas Constituições brasileiras republicanas

A Constituição do Império de 182415 manteve a instituição do Júri, dispondo em seu

artigo 151: “O Poder Judicial é independente, e será composto de Juízes, e Jurados, os quais

15 BRASIL. SENADO FEDERAL. Constituição do Império de 1824, disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em 05.02.2007.

48

terão logar assim no cível, como no Crime nos casos, e pelo modo, que os Códigos

determinarem”.

Nos termos do artigo 152 da Constituição Imperial, os jurados se pronunciavam

sobre o fato e os Juízes aplicavam a lei.

Esclarece Ângelo Ansanelli Júnior (2005) que, independentemente da competência

atribuída ao Júri para o julgamento de causas cíveis, inexiste registro histórico de um

julgamento envolvendo tal matéria.

Uma lei de 20 de setembro de 1830, que cuidava do abuso da liberdade imprensa,

criou o “Júri de Acusação” e o “Júri de Julgamento”.

Na palavra de Guilherme de Souza Nucci (1999), a criação do júri de acusação e de

julgamento revela que o tribunal popular brasileiro inspirou-se no júri inglês.

Em dia designado, por um Juiz de Direito, para a formação do Júri de acusação, este,

após ouvir a acusação, a defesa e as testemunhas, se fosse o caso, e ainda, depois de analisar

as provas, reunia-se numa sala para decidir sobre a admissibilidade ou não da acusação (artigo

21).

Se o Júri de acusação entendesse que não havia matéria para a acusação, o Juiz

julgava sem efeito a denúncia (artigo 22). Caso contrário, o juiz declarava que havia lugar

para formar-se a acusação (artigo 23).

Positivada a acusação, em dia designado pelo juiz, realizava-se o julgamento.

Instalada a Sessão, o juiz interrogava o acusado e determinava que o escrivão lesse a acusação

e a defesa e todas as peças comprobatórias (artigo 28). Em seguida, eram inquiridas as

testemunhas (artigo 29) e realizadas, pelas partes, a sustentação dos seus direitos (artigo 30).

Por fim, o juiz fazia um relatório do processo e elaborava os quesitos, que serão apresentados

em outro item deste Capítulo. Se a decisão dos jurados fosse negativa, o acusado seria

absolvido (artigo 34). Se positiva, o réu seria condenado (artigo 35).

49

O Código de Processo Criminal do Império de 1832 manteve dois júris, conforme já

era previsto na Lei de 20 de setembro de 1830, mas alterou a denominação do segundo, que

passou a ser chamado Júri de sentença. Assim, enquanto a Lei que tratava do abuso da

liberdade da imprensa deu ao primeiro Júri a denominação de “Júri de acusação”

(artigo 24) e, ao segundo, “Júri de julgação” (artigo 26), o Código de Processo Penal de

Primeira Instância denominou o primeiro Júri de “1º Conselho de Jurados ou Júri de

Acusação” (Título IV, Capítulo I, Seção Terceira – artigos 238 a 241) e, o segundo, “2º

Conselho de Jurados, ou Júri de Sentença” (Título IV, Capítulo II – artigos 254 a 274).

José Frederico Marques (1997, p. 30) lembra que Cândido de Oliveira Filho criticou

a competência exagerada que o Código de Processo Criminal de 1832 conferiu ao Júri,

dizendo:

[...] imitando as leis inglesas, norte-americanas e francesas, deu ao Júri atribuições amplíssimas, superiores ao grau de desenvolvimento da nação, que se constituía, esquecendo-se, assim, o legislador de que as instituições judiciárias, segundo observa MITTERMAIER, para que tenham bom êxito,também exigem cultura, terreno e clima apropriados.

A liberdade ampla conferida ao Júri em 1832 não teve vida muito longa, pois, em 3

de janeiro de 1841, foi editada a Lei n. 261, reformando o Código de Processo Criminal, lei

que, no tocante à execução da parte policial e criminal, foi regulamentada pelo Decreto 120,

de 3l de janeiro de 1842.

Aqueles dois Diplomas (Lei nº 261 e Decreto nº 120) alteraram a legislação referente

ao Júri e a relativa à organização judiciária nacional. O Regulamento nº 120 criou cargos de

Chefes de Polícia, cargos que, ao invés de serem preenchidos por autoridades policiais,

ficavam sob o comando de Desembargadores e Juízes de Direito nomeados diretamente pelo

Imperador.

As amplas atribuições que o Código de Processo Criminal do Império conferia aos

Juízes de Paz, como a de proceder ao auto de corpo de delito, a de formar a culpa dos

50

delinqüentes e a de elaborar, nos distritos, a lista de cidadãos aptos a serem jurados passaram

a ser desempenhadas por delegados e sub-delegados distritais, cargos que eram exercidos por

quaisquer juízes ou cidadãos.

A Reforma de 1841, como leciona Fernando da Costa Tourinho Filho (1996) aboliu

o Júri de acusação. A função que era desempenhada por aquele júri, que era a de decidir sobre

a admissibilidade ou não da denúncia, na palavra de Elder Lisboa Ferreira da Costa (2004)

passou a ser desempenhada por Juízes municipais ou autoridades policiais, que com a

confirmação dos crimes, elaboravam a formação da culpa e a sentença de pronúncia, a qual

dependia de confirmação dos próprios juizes municipais.

A organização da lista de jurados passou a ser da atribuição dos delegados de

polícia, que após organizá-la a remetia aos Juízes de Direito. O Juiz que a recebesse, numa

junta composta por ele, o Promotor e o Presidente da Câmara Municipal, conheciam das

eventuais reclamações e elaboravam uma lista geral de jurados. Ao Juiz de Direito competia,

também, fazer a convocação do Júri.

A Lei nº 261 conferiu outras atribuições ao Juiz de Direito, permitindo, por

exemplo, que ele realizasse as sessões de julgamento do Júri com número de jurados inferior

ao que já era previsto, pois a exigência era de que fossem sorteados 48 jurados, mas a

mencionada lei permitia que fossem realizadas as sessões caso comparecessem 36 membros.

Uma Lei de 20 de setembro de 1871 alterou disposições da legislação judiciária,

conferindo, com exclusividade, aos Juízes de Direito das Comarcas do artigo 1º (as Comarcas

do artigo 1º eram as das “Capitaes” que fossem sedes das Relações, e as de um só termo

situadas próximas das “Capitaes”) e aos Juízes Municipais competência para pronúncia dos

culpados nos crimes comuns.

51

Daquele tempo para cá não se tem notícia de que a competência para a pronúncia,

nos crimes da competência do júri, tenha sido conferida a outra autoridade que não ao Juiz de

Direito.

A primeira Constituição brasileira, como já esclarecido no item 1.9.3, manteve o júri

em seu artigo 151. Na primeira Constituição Republicana, de 24 de fevereiro de 1891, o Júri

foi previsto no artigo 72, § 31, com o seguinte enunciado: “É mantida a instituição do jury”.

O artigo 72 da Constituição de 1934 preceituava: “É mantida a instituição do jury, com a

organização e as atribuições que lhe der a lei”. A Constituição de 10 de novembro de 1937

silenciou sobre o júri, omissão que levou estudiosos a entenderem que a instituição tinha sido

suprimida do direito pátrio. O entendimento daqueles que achavam que o júri tinha sido

extinto não se enraizou na cultura brasileira, pois em 05 de janeiro de 1938, foi editado o

Decreto – Lei nº 167, restabelecendo o júri.

No magistério de Guilherme de Souza Nucci (1999, p. 39), o Decreto - Lei n. 167, de

05 de janeiro de 1938, conferiu ao júri competência para julgar os seguintes crimes previstos

na Consolidação das Leis Penais, aprovada pelo Decreto 22.213, de 14 de dezembro de 1932:

a) homicídio - artigos 294 a 296; b) infanticídio – artigo 298 e parágrafo único; c) induzimento ou ajuda ao suicídio – artigo 299; d) duelo com resultado morte ou lesão seguida de morte – artigo 3l0; e) roubo seguido de morte – artigo 359; f) roubo seguido de morte em sua forma tentada – artigo 360.

O golpe desferido na instituição do júri, pela Constituição de 1937, afastou-lhe a

soberania. O artigo 96 da referida Carta enunciava:

[...] se, apreciando livremente as provas produzidas, quer no sumário da culpa, quer no plenário de julgamento, o Tribunal de Apelação se convencer de que a decisão do júri nenhum apoio encontra nos autos, dará provimento à apelação, para aplicar a pena justa, ou absolver o réu, conforme o caso.

A Constituição de 1946, em seu artigo 141, § 28, estabelecia:

52

[...] é mantida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, contanto que seja ímpar o número dos seus membros e garantido o sigilo das votações, a plenitude da defesa do réu e a soberania dos veredictos. Será obrigatoriamente de sua competência o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

No artigo 150 § 18, da Constituição de 1967, vinha estatuído o seguinte: “São

mantidas a instituição e a soberania do júri, que terá competência no julgamento dos crimes

dolosos contra a vida”. A Emenda Constitucional nº 01, de 17 de outubro de 1969, no artigo

153, § 18, também manteve a instituição do Júri, dispondo: “É mantida a instituição do júri,

que terá competência no julgamento dos crimes dolosos contra a vida”.

A Emenda Constitucional nº 01, de 17 de outubro de 1969, foi omissa sobre a

soberania do Júri, o que levou juristas a entenderem que estava suprimida a soberania dos

veredictos.

Élder Lisboa Ferreira da Costa (2004, p. 80) esclarece que, não obstante a omissão

sobre a soberania, muitos julgados entenderam que não se compreende a instituição do Júri

sem soberania, acrescentando que Paulo Lúcio Nogueira entendeu que o disposto na citada

Emenda não é auto-aplicável, carecendo de regulamentação.

A Constituição de 1988, de colorido democrático bastante acentuado, manteve a

instituição do Júri em seu artigo 5º, inciso XXXVIII, alíneas “a”, “b”, “c” e “d”, nos seguintes

termos:

É reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: a) a plenitude de defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos; d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

Como mostrado neste capítulo, na parte reservada ao estudo do surgimento e da

evolução do Júri brasileiro, esta instituição, ao longo dos seus quase duzentos anos, suportou

53

ataques quase fatais. O golpe que foi desferido pela Carta de 10 de novembro de 1937 levou

parte da doutrina a sustentar a sua exclusão do ordenamento.

O Decreto nº 167, de 05 de janeiro de 1938, que cuidou do restabelecimento do Júri,

deixou-o sem soberania, vale dizer, destituiu-o de uma das suas pilastras básicas, agressão que

se repetiu em 1969, quando a Emenda Constitucional nº 01, de 17 outubro daquele ano,

dando nova redação à Constituição de 1967, apenas manteve a instituição do Júri, com

competência para o julgamento dos crimes contra a vida, silenciando sobre a soberania.

54

CAPÍTULO II

A SOBERANIA DO JÚRI

A palavra soberania não é uma exclusividade do Júri. Por isso, ficará vago um

capítulo de uma dissertação sobre a soberania do júri se não forem prestados esclarecimentos,

mais abrangentes, sobre as origens e evolução histórica e outros pormenores que giram em

torno do vocábulo. É o que será feito a seguir.

2.1. Noções, origem, definição e evolução histórica da soberania

Na lição Alberto Ribeiro de Barros (apud COMPARATO, 2006, p. 189), a noção de

soberania está relacionada com a de “poder”, não como a de um poder adquirido por força de

armas, de guerras, mas um poder como expressão de função social. Este é o poder soberano,

que está para o Estado, como escrevia Jean Bodin, citado pelo autor acima mencionado, como

a “quilha para o navio”.

Fábio Konder Comparato (2006, p. 189) ensina que a noção de soberania é de origem

feudal, explicando que no século XI, Philippe de Beaumanoir compilou informações sobre os

costumes da região de Beauvaisis, em áreas da Picardia, da Normandia e da Ile-de-France,

quando acabou distinguindo a soberania de cada senhor feudal (soberania interna) da

soberania do rei (soberania externa). Cada Barão escreveu Beaumanoir, “é soberano em sua

baronia. Mas o rei é soberano acima de todos, e exerce, juridicamente, a guarda geral de

todo seu reino”.

Ao tempo do estudo realizado por Beaumanoir, segundo Fábio Konder Comparato

(2006, p. 190), a soberania estava muito ligada à pessoa de cada senhor feudal e o rei era um

55

dos senhores feudais, destacando-se dos outros senhores devido a sua primazia. Essa

primazia, no entanto, não conferia ao rei o poder de julgar os outros senhores feudais, como

se seus vassalos fossem, permitindo apenas que atuasse como árbitro nos conflitos que

eventualmente surgissem. No caso de litígio entre um senhor feudal e o rei, a questão deveria

ser resolvida por decisão arbitral do imperador ou do papa.

Ainda que a noção de soberania remonte ao século XI, como sustenta Comparato

(2006), somente séculos depois é que ela foi definida. Quanto à definição, explica Celso de

Albuquerque Mello (1999, p. 11) que, em 1576, foi publicada a obra “Os Seis Livros da

República, de Jean Bodin, na qual o mencionado jurista francês apresentou o significado do

termo como o poder perpétuo de uma República”.

Bodin (apud MELLO, 1999) esclarece Comparato (2006), deu ao vocábulo soberania

um sentido diverso que lhe tinha sido atribuído no direito feudal. Por isso, a partir da

publicação da obra “Os Seis Livros da República”, a soberania passou a significar, seja na

linguagem política, seja na jurídica, um poder absoluto, indivisível e inalienável. Publicada a

obra de Bodin, afirma Comparato (2006, p. 190):

Os monarcas de toda a Europa apropriaram-se do conceito. Mas não só eles: Russeau, no século XVIII, ao atribuir a titularidade da soberania ao povo, lançou a pedra fundamental das democracias modernas. O direito internacional também incorporou o novo conceito, como base do princípio da igualdade de todos os Estados.

Quanto à origem da palavra soberania, explica Celso de Albuquerque Mello (1999, p.

10) “que advém do latim superanus, que é o grau supremo da hierarquia política, que

exprime a idéia de primazia, mas que pode também invocar um grau de superioridade”.

Com o passar do tempo, a definição de soberania, legada por Bodin, caiu no

descrédito de muitos estudiosos, tanto que na lição de Dalmo de Abreu Dallari (2005, p. 74),

tal definição continua preocupando teóricos do Estado, filósofos do direito, cientistas

56

políticos, historiadores e outros estudiosos “que se dedicam ao estudo das teorias e dos

fenômenos jurídicos e políticos”.

Para Celso de Albuquerque Mello (1999, p. 52), ainda não há uma definição

integralmente sólida do que seja soberania. Seguindo esse raciocínio, defende o mencionado

autor que se trata de um conceito jurídico indeterminado, explicando, com apoio em vários

outros juristas, entre eles, José Carlos Barbosa Moreira, que tal conceito parece:

[...] ter surgido na literatura do direito administrativo e que eles são simples indicações de ordem genérica, dizendo o bastante para tornar claro o que lhe parece essencial, e deixando ao aplicador da norma, no momento da subsunção, quer dizer, quando lhe caiba determinar se o fato singular e concreto com que se defronta corresponde ou não ao modelo abstrato, o cuidado de preencher os claros, de cobrir os espaços brancos.

Hoje, séculos depois da exposição da teoria de Bodin, escreve Luigi Ferrajoli (2006,

p. 28) que:

Com a Declaração dos direitos do homem e do cidadão, de 1979, e depois com as sucessivas cartas constitucionais, muda a forma de Estado e, com ela muda, até se esvaziar, o próprio princípio da soberania interna”. E acrescenta o defensor máximo do garantismo: “De fato, divisão dos poderes, princípio da legalidade e direitos fundamentais correspondem a outras tantas limitações e, em última análise, a negação da soberania interna. Graças a esses princípios, a relação entre Estado e cidadãos já não é uma relação entre soberano e súditos, mas sim entre dois sujeitos, ambos de soberania limitada.

Mesmo que Ferrajoli (2006, p. 80) explique que a soberania interna está na fase final

de um processo de falência, na palavra de Dallari, soberania continua sendo traduzida como

expressão de poder, ensinando o mencionado jurista brasileiro que, em sentido político, ela

revela a eficácia do poder, sendo definida como “o poder incontrastável de querer

coercitivamente e de fixar as competências”. Já, do ponto de vista jurídico, ela é “o poder de

decidir em última instância sobre a atributividade das normas”, ou seja, sobre a eficácia do

direito.

Procurando distinguir soberania de independência, explica Dallari (2005, p. 84):

[...] apesar do progresso verificado, a soberania continua a ser concebida de duas maneiras distintas: como sinônimo de independência, e assim tem sido

57

invocada pelos dirigentes dos Estados que desejam afirmar, sobretudo ao seu próprio povo, não serem mais submissos a qualquer potência estrangeira; ou como expressão de poder jurídico mais alto, significando que, dentro dos limites da jurisdição do Estado, este é que tem o poder de decisão em última instância, sobre a eficácia de qualquer norma jurídica.

Ainda que Luigi Ferrajoli (2006) defenda a absolutização da soberania externa em

decorrência da extinção ou a quase extinção da soberania interna à medida em que esta é

tratada como conseqüência natural da subordinação que todos os sujeitos: Estado, legislador e

indivíduo, devem à lei e ao princípio da legalidade, a noção moderna de soberania continua

revelando uma concepção de poder, seja no âmbito externo, quer no interno, porque

coexistem num mesmo patamar. É forçoso admitir que o princípio da legalidade, amplamente

adotado, alterou as bases do sujeito soberano, representante do Estado moderno, forçando-o a

observar a lei e os princípios que cuidam dos direitos fundamentais, mas não se pode deixar

de admitir que é o Estado, representado pelo sujeito soberano, que continua legislando sobre

todas as matérias, fazendo-o de forma relacionada com a supremacia, com a independência e

com o absoluto.

2.2 A soberania do Júri

A Constituição de 05 de outubro de 1988, a exemplo de outras manifestações

constitucionais brasileiras, concedeu ao júri o status de soberano, assegurando a manutenção

da instituição, com a organização que lhe der a lei, contanto que sejam assegurados a

plenitude da defesa, o sigilo das votações, a soberania dos veredictos e a competência para o

julgamento dos crimes dolosos contra a vida (art. 5º, XXXVIII, a, b, c e d).16

16 Na íntegra, o texto constitucional: “art. 5°: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XXXVIII – é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei,assegurados: a) a plenitude de defesa; b) o sigilo das

58

Considerando que a presente dissertação se propõe a tratar, mais aprofundado, da

soberania dos veredictos, seguem-se os comentários a este princípio.

Ao contrário da soberania encontrada na política, no direito internacional e até nos

limites do Estado, onde ela ainda guarda a qualidade de poder supremo, a soberania dos

veredictos é relativa.

Antonio de Sampaio Dória (1960), comentando a Constituição de 1946, informou

que aquele Código Maior indicou quatro elementos essenciais à instituição do Júri, ensinando

que o primeiro consistia em que fosse sempre ímpar o número de seus membros, o segundo

era representado pelo sigilo das votações, o terceiro dizia respeito à plenitude da defesa do réu

e o quarto referia-se à soberania dos veredictos. Após relacionar tais elementos, mencionado

autor teceu comentários sobre os três primeiros, demonstrando que são imprescindíveis ao

Júri. Quanto à indicação da soberania como um dos elementos imprescindíveis à instituição

do Júri, referido comentarista a criticou, por considerar incorreta a sua utilização no contexto

do Júri. Procurando mostrar o porquê da incorreção, explicou que o sentido exato do termo,

em direito público, é o “poder supremo de organizar cada povo sua defesa externa, manter a

ordem jurídica interna, e promover o bem comum. Fora disto, a palavra decai, e se presta a

sofismas de toda sorte”.(DÓRIA, 1960, p. 674)

Se o emprego da soberania, na lição de Sampaio Dória (1960), é prescindível no

contesto do júri, a conclusão que se extrai da pré-citada afirmação é a de que se a soberania,

ainda que desnecessária, continua fazendo parte do rol dos princípios basilares da instituição,

expressando ela, quando muito, um poder apenas relativo.

Ainda que se entenda que a crítica de Sampaio Dória (1960), dirigida à errônea

utilização da soberania no contexto do júri, é isolada, não sendo bastante para que ela,

persistindo na lista dos princípios básicos do júri, seja considerada relativa, vários outros

votações; c) a soberania dos veredictos; d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida” . (MORAES, 2002, p. 162)

59

motivos concorrem para a relativização da soberania dos veredictos do júri, com o será

demonstrado a seguir.

2.3 A soberania e a opinião pública

Leib Soilbelman (1996, p. 260) define a opinião pública como “sentimentos e

reações populares perante fatos, homens e idéias. Maneira de pensar coletiva. Juízo da

sociedade sobre matéria de grande repercussão”.

Os crimes, em especial, os mais graves, como: estupro, seqüestro, tráfico de

entorpecentes e outros, geram repercussão no meio social, mas os crimes contra a vida,

principalmente o homicídio, aparecem como os que mais atraem a opinião pública. No início

do ano de 2007, no Rio de Janeiro, ocorreu o lamentável crime em que figurou como vítima o

menor João Hélio Fernandes, morto durante o assalto dos seus pais. Naquele episódio, embora

o projeto principal dos autores não fosse a morte do mencionado menor, foi o falecimento

deste que causou maior repercussão na opinião pública, que chocada pela brutalidade do

crime, pouco comentava sobre o assalto.

Se os autores da morte do menor João Hélio Fernandes fossem submetidos ao

julgamento pelo Tribunal do Júri, só a opinião pública seria suficiente para condená-los, pois

os jurados, ainda que imparciais, não fechariam os olhos e os ouvidos para a opinião do

público.

Ciente da influência da opinião pública, Sampaio Dória, citado por Guilherme de

Souza Nucci (1999, p. 133), leciona: “A opinião pública, como fonte natural de legitimidade

do poder, é a grande fortaleza do Estado, é a armadura concreta do aço, oposto às erosões

do tempo, e da infantilidade dos homens”. Em apoio ao raciocínio de Dória (1960),

Guilherme de Souza Nucci (1999) sustenta ser inegável que a opinião pública interfira,

60

inclusive, na tomada de decisões na esfera dos três Poderes, sendo necessário, por isso, que

seja cuidadosamente avaliada no âmbito do Tribunal do Júri.

Nesse contexto, conclui o último processualista citado (1999), que o juiz leigo, não

tendo a formação jurídica de um juiz togado, e tendo em vista que as suas decisões não são

vinculadas à lei, mas a sua íntima convicção, é bastante sensível à opinião pública.

Antônio de Pádua Ribeiro, ministro do Superior Tribunal de Justiça, também citado

por Guilherme de Souza Nucci (1999, p. 133-134), tece o seguinte comentário sobre a

influência que pode ser exercida pela opinião pública:

Despertar emoções e gerar mitos constitui o meio mais fácil de direcionar a mente do povo, vítima de terríveis desequilíbrios sociais, para atingir objetivos aparentemente justos, mais inalcançáveis. [...] Hoje, a opinião pública, influenciada pela mídia, absolve ou condena com facilidade e desprezo à regra do devido processo legal, em gravíssima violação do princípio do direito de defesa.

2.3.1 A influência da mídia na opinião pública

Atualmente, com a velocidade dos noticiários, os crimes chegam à casa do público

quase no mesmo instante em que ocorrem e o principal veículo responsável pela transmissão

dos fatos ocorrentes é a mídia.

Acontece que a mídia não se encarrega apenas de noticiar os fatos criminosos, pois,

em alguns casos, há indícios de que a mesma procura influenciar a opinião pública, mediante

argumentos tão poderosos que acabam fazendo com que parte do público os acolham, seja

para absolver seja para condenar.

Em que pese à falta de levantamentos estatísticos oficiais realizados acerca desses

indícios de casos jurídicos cujo deslinde se verificou em decorrência da influência da mídia, a

presente dissertação, aleatoriamente, se remete apenas a três casos de repercussão na mídia

61

nacional, dentre os inúmeros existentes no cotidiano, a saber: o caso Daniela Peres, o caso

Tim Lopes e o caso Richthofen.

Para que se confirme o que foi exposto acima, basta que se verifique a força exercida

pela mídia no caso “Daniela Peres”. Observa-se, a seguir, como as idéias formadoras de

convencimento foram sendo pouco a pouco sedimentadas na opinião pública, no caso supra.

2.3.1.1 O caso Daniela Peres: a mídia contra os “condenados”

A partir do momento em que o fato ocorreu: 28 de dezembro de 1992, os jornais

noticiavam tudo o que sobre eles era descoberto. Os delegados de polícia, com freqüência,

davam entrevistas e as testemunhas faziam declarações. Foram feitas várias reconstituições

em busca de descobrir como teria sido o assassinato da jovem atriz. Os acusados, o casal,

Guilherme de Pádua e Paula Tomaz, foram jogados, um contra o outro, por força da opinião

pública.

O episódio adquiria, a cada dia, os sintomas do julgamento da década, como

freqüentemente era chamado pelos jornais e as revistas: Veja e Isto É.

Tanto a vítima quanto Guilherme de Pádua eram atores, jovens e de muito boa

aparência, contracenando, ao tempo do homicídio, um par romântico naquela novela escrita

pela mãe de Daniela Peres. O crime foi bárbaro e provocou uma grande revolta social, já que

pôs fim à vida de uma moça bonita, jovem e talentosa, com um futuro, pode-se dizer,

garantido, que brilhava nas telas da televisão.

Entre o fato e o julgamento, a imprensa, quase diariamente, publicava notícias sobre

o referido fato, isto com amplo auxílio das pessoas que atuaram nas investigações.

O julgamento foi designado para o dia 28 de agosto de 1996.

Pesquisando sobre referido julgamento, Flávia Rahal (2002, p. 338) explica que:

62

Dias antes, duas das mais vendidas revistas semanais nacionais estamparam em suas capas fotos da vítima e dos acusados. A revista Veja, referiu-se ao julgamento denominando-o O Show. Como será o maior julgamento das últimas década; Isto É, também na capa, indicava O julgamento da década.

Segundo a autora supra (2002), foram feitas duas recapitulações do crime, quando

vieram à tona várias versões. A Veja usava frases causadoras de efeitos tão contundentes que

dava a impressão de os acusados já tinham sido, inclusive, julgados. Além disso, fazia

descrições a respeito dos personagens do julgamento que chamava de show, descrições estas

que não se restringiam apenas às pessoas dos acusados e vítimas, mas dos advogados,

testemunhas e do próprio juiz. Falava-se, ainda, na presença de ONG’s que, atendendo aos

reclames da mãe da vítima portariam out-doors e panfletos com os seguintes slogans: “E se

fosse sua filha?”. As matérias relativas ao fato trazidas pela revista Isto É não eram diferentes

das escritas na revista Veja, pois se referia às versões apresentadas por Paula Tomaz como

“versão sem testemunhas” e as expostas por Guilherme de Pádua como “a segunda história de

Guilherme”, o que quer dizer: os depoimentos dos acusados para as referidas revistas não

tinham qualquer valor.

Pesquisando mais sobre o fato, Flávia Rahal (2002, p. 339) informa que o jornal

Estado de São Paulo noticiou com estardalhaço o julgamento, informando que a sessão seria

“transmitida em telões e por pool de emissoras de TV; jurados ficarão incomunicáveis”.

Informa, ainda, que o jornal O Globo, naquele dia do julgamento, trazia como manchete

principal da matéria “Rio se une pelo fim da impunidade”. Essas publicações foram lucrativas

para os meios de comunicação, mas para a tristeza destes o julgamento foi adiado, só sendo

realizado meses depois.

Registra a autora acima citada que no dia 19 de janeiro de 1997 os jornais voltaram a

publicar matérias sobre como seria o julgamento. Ocorreu, também, segundo ela, uma intensa

mobilização de atores. O jornal O Globo estampava a notícia de que “o gerente confirmará

63

na justiça lavagem do carro de Guilherme”, fazendo referência à testemunha de acusação que

iria depor em plenário. (PEREIRA, 2002, p. 339)

Acrescenta que, os jurados que compuseram o conselho de sentença já estavam pré-

dispostos a condenar e que os acusados já ingressaram no júri condenados.

Declara que o julgamento cindido e que no dia 22 de janeiro de 1997 teve início o de

Guilherme de Pádua. Diante do clima que envolvia aquele julgamento e devido ao risco à

imparcialidade do corpo de jurados, alguém alertou que, naquele caso, até o desaforamento do

julgamento era inútil, isto porque “a sensação de cartas marcadas ultrapassa os limites

meramente territoriais fixados pelo local do crime”. E anota, que no primeiro dia do

julgamento de Guilherme de Pádua, o advogado de defesa disse: “a imprensa é o acusador

desse processo”. (PEREIRA, 2002, p. 340)

No dia 26 de janeiro de 1997, foi concluído o julgamento de Guilherme de Pádua que

foi condenado a dezenove anos de prisão.

Em maio de 1997 aconteceu o julgamento de Paula Tomaz. Embora amplamente

divulgado pela imprensa, não teve a mesma repercussão do julgamento de seu ex-marido.

Paula também foi condenada. Segundo Flávia Rahal (2002), após cumprir boa parte da pena,

Paula ingressou na Faculdade de Direito, tendo sido vítima de protestos na porta da

instituição, já que várias pessoas não a aceitavam naquele local.

Concluindo a sua pesquisa sobre referidos julgamentos, a supracitada autora

esclarece que não é possível acreditar que os julgamentos de Guilherme de Pádua e de Paula

Tomaz tenham sido realizados por conselhos de sentença imparciais, acrescentando que se

parcialidade houve, não pode ser tributada aos juízes de fato, diante das circunstâncias em que

julgaram, mas também não se pode imaginar que tais julgadores não estivessem

completamente libertos dos argumentos fortes da mídia sobre a necessidade da condenação

naqueles dois episódios.

64

2.3.1.2 O caso Tim Lopes: conquistas da mídia

Não se diga que o crime praticado pelo traficante Elias Pereira da Silva, o Elias

Maluco, figurando como vítima o jornalista brasileiro Tim Lopes, não se inscreva entre os

crimes bárbaros.

O repórter investigativo Tim Lopes foi dado por desaparecido em 02.06.2002,

enquanto fazia uma matéria na Vila Cruzeiro, uma das favelas do Rio de Janeiro.

Logo após o desaparecimento, a Rede Globo entrou em ação. Os suspeitos logo

foram presos. A Emissora Globo freqüentemente comentava sobre o fato, como se exigisse

um julgamento mais célere e a condenação dos sete suspeitos.

O principal envolvido, Elias Maluco, foi julgado em 25/05/05, quando foi condenado

a 28 anos e 6 meses de reclusão. A mídia concorreu muito para essa condenação.

2.3.1.3 O caso Richthofen: pena máxima

Outro caso de alta repercussão no Brasil foi o homicídio do casal Richthofen, crime

para o qual concorreram, Suzane Von Richthofen, filha do próprio casal, e os irmãos

Cravinhos (Daniel e Christian).

O público manifestava tanto a intenção de assistir ao julgamento, que mais de 05 mil

pessoas se inscreveram para ver o trio homicida sendo julgado. Só não estiveram todos

presentes porque o Plenário só dispunha de 80 lugares. A imprensa noticiava tudo, parecendo

até que era a maior interessada no julgamento de Suzane e dos irmãos Cravinhos. Em

17/07/06 teve início a audiência que só terminou em 22/07/06, quando Suzane, na presença de

uma multidão, foi condenada a 39 anos de reclusão e 6 meses de detenção, pena que também

65

foi aplicada ao acusado Daniel. Christian foi punido com uma pena reclusiva de 38 anos mais

06 meses de detenção.

As afirmações supracitadas poderiam até provocar a seguinte pergunta: por que os

Advogados das pessoas apontadas como autoras ou partícipes do homicídio de Daniela Peres,

de Tim Lopes e os Advogados de Suzane Von Richthofen e os irmãos Cravinhos não

requereram, com fundamento no art. 424 do Código de Processual, o desaforamento do

julgamento para uma outra Comarca que não a do Rio de Janeiro? Ou seja, para uma Comarca

de uma cidadezinha pacata qualquer no interior do Rio de Janeiro? Certamente não

requereram porque sabiam que onde quer que fossem realizados os julgamentos, a imprensa

estaria presente, emitindo toda sorte de opiniões, exibindo as faces negativas das imagens dos

acusados, procurando, com isso, influenciar os jurados.

Não há dúvida de que a mídia e o próprio público atuaram como verdadeiros

aparelhos de pressão sobre os julgadores de fato.

Na lição de Guilherme de Souza Nucci (1999), se a imprensa começa a noticiar, com

muita freqüência, um determinado caso que venha a ser submetido a julgamento pelo júri,

emitindo, inclusive, opiniões negativas sobre a imagem do réu, acaba ela concorrendo para

que o julgador leigo encontre dificuldade em distinguir os dados do processo das informações

jornalísticas, o que pode comprometer o convencimento dos jurados.

A opinião pública e a mídia exercem influência em todas as esferas e em todas as

cidades, sejam estas grandes ou pequenas, bem como sobre as pessoas. Juízes, promotores e

advogados que já trabalharam ou trabalham, na área criminal, nas cidades interioranas, sabem

que quando nelas ocorrem crimes de homicídio, em cada esquina, em cada estabelecimento

comercial e até nas escolas, comenta-se, com freqüência, sobre as conseqüências do fato,

sobre a pessoa do autor, bem como a respeito do procedimento da vítima. A experiência

mostra que esses comentários acabam repercutindo na decisão final.

66

2.3.2 A mídia e a justiça no direito comparado

A influência da mídia, na opinião pública, não é exercida apenas no Brasil. É verdade

que em alguns países, ela influencia menos e interfere menos no campo da justiça do que em

outros, mas, de uma maneira geral, o eco da mídia figura sempre como um instrumento

poderoso na formação de opinião.

Na Inglaterra e na Alemanha, por exemplo, a legislação não permite que a mídia

noticie, a seu bel prazer, informações sobre dados extraídos de processos criminais em

andamento, muito menos que divulgue dados que possam prejudicar os acusados antes que

sejam julgados. Já na França, na Bélgica e na Itália inexiste um controle muito rígido sobre a

atuação da mídia, tanto em matérias relacionadas com as investigações criminais quanto nas

que tratam de processos em andamento, inexistindo, também, restrições muito severas contra

publicações que acaso influenciem a opinião pública.

2.3.2.1 O direito e a mídia na Inglaterra e na Alemanha

Na palavra de Marcel Lemonde (2005, p. 730), na Inglaterra, a lei que cuida das

relações entre o direito e a mídia é bastante liberal no que tange à publicação de dados

apurados na fase das investigações criminais, mas proíbe a publicação de matérias extraídas

de processos, em especial, aquelas que põem à mostra e, por via de conseqüência, ao alcance

do público, tendências que revelem prejulgamento de fatos, constituindo essas tendências

usurpação da função das Cortes.

Ainda que a lei inglesa libere a imprensa para publicar dados apurados durante as

investigações, declara Lemonde que algumas leis esparsas proíbem infrações por ele

denominada de “particulares”, tais como a publicação da declaração de uma testemunha

67

colhida durante o procedimento, a publicação de fatos que tornem possível a identificação de

menores, bem como aquelas que identificam vítimas de estupro.

A infração mais grave que a mídia pode cometer na Inglaterra, e esta não é

considerada particular, é a que se denomina desacato à Corte. Na Palavra de Lemonde (2005,

p. 731), constitui crime de desacato à Corte, “a publicação de matéria que envolva sério risco

de prejulgar os direitos do acusado a um julgamento justo”. Na voz do mencionado autor,

inclui-se entre esta espécie de infração:

[...] a imputação prévia, via imprensa, da culpa de um acusado pela prática da infração à qual ele ainda está sendo processado, dando publicidade de fato (seja verdadeiro ou falso) que ele tenha cometido outras infrações similares, bem como publicando peças-chaves das provas que indicam suja culpa e que ainda serão contestadas no julgamento. (LEMONDE, 2005, p. 731)

O desacato à Corte, informa Lemonde (2005, p. 732), é punido com pena que alcança

o máximo de dois anos de prisão e pena pecuniária ilimitada.

Em 1981 foi publicado, na Inglaterra, o chamado Ato de Desacato à Corte, o qual

amenizou um pouco a rigidez contra a mídia, alterando entendimento precedente das Cortes

julgadoras dos desacatos, já que, a partir da edição daquele Ato, a publicação de matéria,

antes do julgamento, que acaso sugerisse como o resultado deveria ser, deixou de ser

comportamento considerado como infração de desacato à Corte. A partir de 1981 passou

constituir crime de desacato à Corte, a publicação de matéria processual que provoque “o

risco de prejulgamento que pode se abater sobre a Corte contra um réu, mais do que a

usurpação da função da Corte sobre a publicidade ‘pré-julgadora’ do caso”.

A seção 05 do ato ensina Lemonde (2005, p. 732), protege o interesse público,

esclarecendo que:

[...] a publicação feita como parte da discussão de boa-fé de casos de interesses públicos ou de outras matérias de interesse genérico do público não deve ser tratada como um desacato à Corte (...) se o risco de impedimento ou de pré-julgamento num processo particular é meramente incidental.

68

Ainda assim, diz Lemonde (2005), que é muito raro a imprensa inglesa publicar a

confissão de um réu num processo bem como informar que ele tenha antecedentes criminais.

A mídia inglesa, também, não se refere ao réu como o presumível culpado.

O Ato de Desacato à Corte de 1981 conferiu aos juízes poderes para expedirem

ordens de impedimento temporário de publicações de matérias reveladas durante julgamento

público.

Ainda que o Ato de Desacato à Corte de 1981 tenha permitido a publicação de

matérias que antes de sua publicação eram inimagináveis, mesmo assim, quando o réu

acreditar que eventual publicidade lhe seja tão danosa que prejudiquem um julgamento justo,

o juiz de mérito poderá condenar os autores da publicação por abuso de processo. Se o juiz

assim não agir e o réu for condenado, a Corte de Apelação poderá intervir e anular a

condenação. Assim, segundo Lemonde (2005), ocorreu no caso de uma condenação por

homicídio, em torno da qual a imprensa, antes do julgamento, publicou uma foto do réu na

companhia da vítima, fazendo comentários bastante tendenciosos àquele episódio.

Na Alemanha, ao contrário do que ocorre com a Inglaterra, não existe uma lei de

imprensa em nível federal. Lá, a matéria é regulada pelo artigo 5º (1) e (2) da Constituição

que garante a liberdade de imprensa e de comunicações audiovisuais. O direito à informação,

na explicação de Lemonde (2005), é limitado por outros direitos previstos no artigo 10 da

Convenção Européia dos Direitos do Homem.

A ausência de uma lei federal regulamentando o relacionamento entre a mídia e a

justiça na Alemanha, não quer dizer que a imprensa seja livre. Na lição de Lemonde (2005, p.

736), as restrições são impostas aos jornalistas, com previsão de processos criminais, caso

publiquem informações não autorizadas. No caso de descumprimento dessas restrições, os

autores das publicações são punidos, principalmente quando publicam, total ou parcialmente

69

“o teor da imputação ou outros documentos oficiais produzidos durante a persecução antes

que tenha havido a audiência pública”.

Ao contrário do que acontece na Inglaterra, na Alemanha não é permitida a

publicação de atos apurados durante a investigação criminal. Somente numa etapa

subseqüente a da investigação, denominada fase intermediária, ou na fase principal, é que as

autoridades estão autorizadas a divulgar dados sobre a investigação, isto quando se verifica

que esta publicidade não provocará prejuízo ao andamento do restante dos trabalhos e não

lesará os interesses das vítimas.

Na Alemanha, o contato com os jornalistas é restrito a algumas autoridades. O chefe

do Ministério Público, durante a fase da investigação e o juiz presidente da Corte da

respectiva jurisdição podem dar informações à imprensa. Os promotores de justiça e os

policiais encarregados das investigações não têm o direito de darem informações sobre os

fatos investigados à justiça; se o fizerem, poderão ser prejudicados em suas promoções de

carreira. Isto quer dizer que, na Alemanha, diferentemente do que acontece no Brasil e em

outros países, membros do Ministério Público, juízes de direito e policiais não estão

autorizados a se tornarem celebridades midiátricas.

2.3.2.2. A mídia e o júri francês num comparativo com outros países

Na França, o princípio do secret de I’instruction é previsto em vários textos de lei,

mas constantemente é desrespeitado. Em desobediência a referido princípio, a imprensa

francesa recebe informações detalhadas sobre o que o juiz de instrução está investigando, bem

como sobre que ele descobre no curso da investigação.

Na explicação de Marcel Lemonde (2005), o abusivo descumprimento do princípio

do secret de I’instructione é atribuído a inadequação da redação do art. 11 do CPP francês,

70

que, supostamente, regularia a matéria. Aponta-se mencionado dispositivo como o principal

responsável pelo abuso da liberdade de imprensa, porque ele, ao restringir a liberdade de

informações sobre dados apurados nas investigações, dirige-se apenas aos Juízes, aos

membros do Ministério Público e aos funcionários da Corte, não estendendo a restrição aos

réus, aos advogados nem aos jornalistas. Esclarece, ainda, Lemonde (2005) que não assiste

razão àqueles que atribuem o abuso da liberdade de informações às falhas do art. 11 do CPP

francês, haja vista que se os jornalistas que publicam matérias relacionadas com a fase inicial

das investigações não são alcançados pelas restrições do mencionado dispositivo, podem ser

punidos por outras leis esparsas, entre elas, a lei nº 516, de 15 de junho de 2000, que define

como infração a publicação de retratos de réus não condenados sem o consentimento destes,

bem como das fotografias de réus algemados, punindo, também, a publicação de pesquisas

em andamento ou já concluídas sobre a culpa dos réus ou sobre as sentenças.17

O art. 93 da lei nº 516, de 15 de junho 2000, tem a seguinte redação traduzida:

As autoridades francesas, na palavra de Lemonde, reconhecem que o conceito de secret de I’instruction não deve ser considerado absoluto, mesmo porque frequentemente são concedidas autorizações “pelas mais altas autoridades judiciais ou políticas para que se quebre a lei oficialmente”, esclarecendo o citado autor que um caso típico de quebra da lei ocorreu quando o “Ministro da Justiça deu ‘sinal verde’ que se filmasse uma persecução completa pela televisão, da custódia policial até a sentença pelo escabinado, simultaneamente, um filme para cinema sobre a estrutura da persecução foi permitido.18

17 O artigo 11 do CPP Francês está assim redigido: Sauf dans le cas où la loi en dispose autrement et sans préjudice des droits de la défense, la procédure au cours de l’enquête et de l’instruction est secrète. Toute personne qui concourt à cette procédure est tenue au secret professionnel dans les conditions et sous les peines des articles 226-13 et 226-14 du Code pénal. Toutefois, afin d’éviter la propagation d’informations parcellaires ou inexactes ou pour mettre fin à un trouble à l’ordre public, le procureur de la République peut, d’office et à la demande de la juridiction d’instruction ou des parties, rendre publics des éléments objectifs tirés de la procédure ne comportant aucune appréciation sur le bien-fondé des charges retenues contre les personnes mises em cause. Eis a tradução: Excepto se a lei dispõe diferentemente e sem prejuízo dos direitos da defesa, o procedimento durante o inquérito e a instrução é secreto. Qualquer pessoa que concorre a este procedimento é tida ao segredo profissional nas condições e sob as penalidades dos artigos 226-13 e 226-14 do Código penal. No entanto, a fim de evitar a propagação de informações parcellaires ou inexactas ou para pôr termo a uma perturbação à ordem pública, procureur da República pode, automaticamente e a pedido do órgão jurisdicional de instrução ou as partes, tornar públicos elementos objectivos tirados do procedimento que não comporta nenhuma apreciação sobre a justificação das despesas retidas contra as pessoas postas em causa. (LEMONDE, 2005, p. 241) 18 Eis a versão original: Article 93: L’article 803 du code de procédure pénale est complété par um alínea ainsi rédige: “Dans ces deux hypothèses, toutes mesures utiles doivent être prises, dans les conditions compatibles

71

Lemonde (2005, p. 244) informa que a sociedade francesa reage, com tristeza, a

freqüente quebra de lei, manifestando o seu descontentamento ao argumento de que “as

regras concernentes ao segredo da fase de investigação somente estaria a serviço de políticos

para se safar dos escândalos, algo que parece ser típico da tradição francesa”.

Como se vê, no país dos direitos humanos, na fase inicial da investigação, não muito

restrição à divulgação de nomes de pessoas envolvidas em crimes e, nos casos em que a

legislação proíbe a publicação de matérias relacionadas com fatos criminosos e seus

respectivos autores, até no caso do júri, a imprensa pode obter autorização para publicar tudo

o que for apurado.

Na Bélgica, a situação não é muito diferente da França, o que quer dizer que não há

muita restrição à publicação de matérias sobre os fatos criminosos ocorrentes e seus autores.

Como explica Lemonde (2005), na Bélgica, o Ministério Público pode prestar informações

sobre investigações judiciais em andamento, se tal comunicação for justificada por um

“elevado interesse”.

Naquele país, a regulamentação entre a mídia e a justiça, segundo Lemonde (2005),

não é feita através de lei, mas por meio de sucessivas circulares ministeriais, as quais

transformam o segredo de absoluto em relativo.

Esclarece o autor (2005) citado que na Bélgica a informação à mídia é determinada

pelo Procurador do Rei, sendo sempre permitida a divulgação de matérias relacionadas com

as investigações criminais, quando o interesse público assim o requerer, observando-se

sempre que a identidade das pessoas mencionadas em processos, sempre que possível for, não

deve ser revelada.

Na Itália também não há muita restrição à publicação de matérias sobre infrações

criminais e seus autores. Ensina Lemonde (2005, p. 246) que o segredo está mais relacionado

avec les exigences de sécurité, pour éviter du’une personne menottée ou entravée soit photographiée ou fasse l’objet d’un enregistrement audiovisuel.” (LEMONDE, 2005, p. 249).

72

“às ações que formam a investigação efetuada pelo Ministério Público ou pela polícia”.

Nesses casos, o segredo perdura até que o acusado tenha conhecimento dos autos e, em

qualquer caso, até o final da investigação.

Esclarece o referido autor que a jurisprudência italiana não é muito exigente quanto à

proibição da publicação de matérias relacionadas com a fase da investigação criminal,

permitindo a revelação de fatos considerados notórios bem como a publicação de partes da

investigação que não se refiram às fontes de provas.

Ilustra, ainda, o autor, que o segredo, na fase da investigação, além de ser violado,

com freqüência, tais desmandos ficam impunes. Em razão disso, anota:

Assim, em abril de 1993, o semanário Panorama publicou todos os documentos oficiais encaminhados ao Ministro da Justiça pelo Ministério Público de Palermo na persecução contra o senador Giulio Andreotti; poucos meses depois, o Il Mondo Montedison publicou inúmeras declarações do presidente diretor-geral da Montedison no caso Enimot. Em nenhum desses casos a quebra do segredo foi alvo de uma persecução. As raras persecuções contra jornalistas são, consideradas todas as coisas, mal recebidas pela opinião pública. (LEMONDE, 2005, p. 239)

Ensina, também, Lemonde (2005, p. 240), que o Conselho Superior da Magistratura

da Itália não aplica sanções pela quebra de segredo profissional, o que o leva a informar que

na Itália impera “um tipo de ativismo midiátrico judicial”.

Ao que se extrai de um estudo feito sobre o relacionamento entre mídia e justiça na

Itália, país onde impera o assessorado, não há muita restrição à liberdade de imprensa.

Em resumo, tem-se o seguinte quadro: na Inglaterra, na fase da investigação,

permite-se a publicação do que for apurado, proibindo-se que se publique dados do processo

na fase judicial, enquanto na Alemanha, o nome do envolvido em eventual investigação é

suprimido nesta fase. Já na França, na Bélgica e na Itália, embora haja disposições legais

regulando a publicação de matérias sobre os fatos criminosos e os seus respectivos autores na

fase investigatória, tais disposições são freqüentemente violadas, ficando os seus violadores

impunes.

73

Todos os países pesquisados adotam o júri, seja na forma tradicional de júri, como

acontece na Inglaterra, seja no sistema do escabinado e do assessorado, mas somente os dois

primeiros países pesquisados: Inglaterra e Alemanha são mais exigentes quanto às

publicações que eventualmente formem a opinião pública, enquanto que os demais têm

praticamente as mesmas características que o Brasil.

2.3.3 Os órgãos do Poder Judiciário como influenciadores da opinião

dos jurados

O procedimento para a apuração dos crimes da competência do júri divide-se em

duas fases: o judicium accusationis ou da formação da culpa e o iudicium causae. A primeira

fase, na palavra de Guilherme de Souza Nucci (2006), começa com o oferecimento da

denúncia e encerra com a preclusão da pronúncia, enquanto que a segunda fase, na expressão

de Vicente Greco Filho (1995), tem início com o libelo e termina com o julgamento em

plenário.

Os arts. 394 a 405 do CPP19 regulam, de igual forma, o procedimento para apuração

dos crimes punidos com pena de reclusão da competência do juiz singular e o procedimento

dos processos da competência do júri. A partir do art. 405, tais procedimentos tomam rumos

diferentes, seguindo o da competência do juiz singular20 os ditames dos arts. 498 a 502 do

CPP e o da competência do júri21, o disposto nos art. 406 a 497 do mencionado Código.

19 Referidos dispositivos normativizam a instrução criminal, que deve ser realizada da seguinte forma, nos termos do Capítulo I do Título I do Código de Processo Penal brasileiro. (NUCCI, 2006, p. 656-664). 20 No capítulo III do Código de Processo Penal, são dispostas as normas atinentes ao processo e ao julgamento dos crimes da competência do juiz singular. (NUCCI, 2006, p. 795-800). 21 Do artigo 406 ao artigo 416, o Código de Processo Penal delimita a fase de transição do procedimento relativo aos crimes de competência do júri, com a fase da pronúncia. A partir do artigo 416, com o libelo, referida norma processual regulamenta todas as formalidades atinentes ao julgamento pelo júri que culminam no encerramento dos trabalhos de plenário, conforme artigo 497. (NUCCI, 2006, p. 671-695).

74

O marco que divide as duas fases do procedimento escalonado do júri é a decisão de

pronúncia, ato que é assim definido por Guilherme de Souza Nucci (2006, p. 599-600):

“Pronúncia: é decisão interlocutória mista, que julga admissível a acusação, remetendo o

caso à apreciação do Tribunal do Júri”.22

Sendo a pronúncia23 uma decisão, diverge a doutrina sobre a necessidade ou não de

sua fundamentação, entendendo uma corrente que a falta de motivação afronta o disposto no

art. 93, IX, da Constituição Federal, sustentando outros que a fundamentação da mencionada

decisão influencia os jurados, bastando, por isso, que se faça um arremedo de motivação. A

mesma polêmica que reina na doutrina sobre a fundamentação da pronúncia, agita a

jurisprudência, inclusive, a do Supremo Tribunal Federal, havendo julgadores que concordam

com a fundamentação, ainda que em termos sóbrios, da pronúncia, enquanto outros entendem

que sequer as teses da defesa devem ser rebatidas pelo magistrado, isto para evitar que ele

influencie o jurado.

No meio doutrinário, Adriano Marrey (2000, p. 261) aparece como um dos principais

defensores da tese de que “a sentença de pronúncia deve ser redigida em linguagem serena,

sem influências perturbadoras da isenção da justiça. A sentença de pronúncia deve ser

sucinta, precisamente para evitar sugestiva influência ao Júri”. Quanto à fundamentação da

pronúncia, adverte o autor citado que o juiz deve “abster-se de refutar, a qualquer pretexto,

as teses da defesa, contra-argumentando com dados do processo, nem mesmo para acolher

circunstâncias elementares do crime”.

Explica, ainda, Marrey (2000, p. 261-262) que a pronúncia não deve conter

expressões como: “O réu é culpado”, “O réu não agiu em legitima defesa...”, “O réu agiu 22 Nos termos do art. 408, § 1º, do CPP, a pronúncia é uma sentença. Guilherme de Souza Nucci (2006, p. 599-600) define a pronúncia como uma “decisão interlocutória mista”, mas acrescenta ser ela chamada sentença porque possui formalmente a estrutura de uma sentença, qual seja, relatório, fundamentação e dispositivo. 23 Vicente GRECO FILHO (1995, p. 210) explica, com acerto, que a pronúncia, em termos técnicos, não é sentença como não transita em julgado. Não é considerada sentença porque não termina e não resolve o mérito. Não transita em julgado porque “o âmbito de sua decisão não condiciona a decisão do júri” , observando, no entanto, o citado autor que o tribunal do povo, mesmo que não condicionado à pronúncia, não poderá decidir ultrapassando os limites do que lhe foi submetido.

75

com torpeza...”, “O réu provocou a vítima...”, “O réu confessou plenamente o delito, tanto

na polícia quanto em juízo...”, e outras que conduzem a pré-julgamento, em prejuízo da

defesa no plenário.

As recomendações do referido autor sobre o linguajar da pronúncia não se destinam

apenas aos juízes singulares, mas também aos Tribunais. Neste sentido, escreve ele:

Mesmo em relação aos julgados de 2ª Instância têm cabimento as observações ora expedidas. Devem os juízes e Tribunais, quando lhes cumpra praticar o ato culminante do judicium accusationis, que é a pronúncia, submeter-se à dupla exigência de sobriedade e de comedimento no uso da linguagem. Quem delibera doutra forma age ultra vires, excedendo os limites de sua competência, podendo vir a exercer ilegítima influência no ânimo e na vontade dos membros integrantes do Conselho de Sentença, que vierem a julgar o réu. (MARREY, 2000, p. 262)

Referindo-se também ao linguajar da pronúncia José Frederico Marques (2000, p.

381) anota que: “O magistrado que prolata a sentença de pronúncia deve exarar a sua

decisão em termos sóbrios e comedidos, a fim de não exercer qualquer influência no ânimo

dos jurados”.

Guilherme de Souza Nucci (2006, p. 602) concorda, em parte, com Adriano Marrey

(2000), explicando que a pronúncia deve ser prolatada em termos sóbrios, sem quaisquer

ataques à pessoa do réu, não devendo dela constar expressões como: “é evidente que o réu

matou”; “parece-nos que é inocente”, “mas cabe ao Júri decidir”, mas discorda - e o faz

com razão - da desnecessidade de uma fundamentação mais acentuada.

Entende Nucci (2006, p. 602) que a fundamentação da pronúncia não consiste apenas

em uma imposição da Lei Maior:

[...] mas numa garantia imperiosa do réu, que é conhecer as razões que o levaram a sofrer qualquer tipo de constrangimento e também da sociedade de acompanhar a imparcialidade dos órgãos judiciários em seus pronunciamentos. Logo, é preciso que o juiz motive a sentença de pronúncia, tomando conhecimento das teses levantadas pela acusação e pela defesa, dentro de sua competência.

76

Contesta Nucci (2006, p. 603) a tese de que o juiz não pode rebater as invocações

feitas pela defesa do réu, explicando que: “se a defesa do acusado requer a sua absolvição

sumária, e, alternativamente a pronúncia, alegando fatos relevantes, é indispensável que o

juiz, querendo pronunciar o réu dê os motivos do seu convencimento, afastando com

racionalidade as teses defensivas”.

Com relação às circunstâncias qualificadoras, alerta Nucci (1999) que a

fundamentação das mesmas na pronúncia é indispensável, acrescentando que não se pode

subtrair do acusado o conhecimento dos fundamentos que levaram o juiz a submeter a

julgamento pelo Tribunal do Júri, como autor de um homicídio qualificado. A ausência de

fundamentação, diz o mencionado autor, pode resultar na nulidade da sentença, caso o réu se

sinta prejudicado pelo reconhecimento indevido de alguma circunstância qualificadora.

Rogério Lauria Tucci (1999) observa que a decisão de pronúncia, a exemplo de

qualquer outra, deverá ser, embora concisamente, motivada, devendo o juiz que a profere

declarar as razões do seu convencimento sobre a existência do crime e de indícios de sua

prática pelo acusado.

Elder Lisboa Ferreira da Costa (2004, p. 140) sustenta que a sentença de pronúncia

deve ser motivada, motivação que é exigida pelo próprio art. 408, caput, do CPP, que diz que

o juiz deverá explicitar, “os motivos de seu convencimento”.

Ainda que Adriano Marrey (2000) sustente que o Juiz pronunciante deve ser

comedido, não devendo sequer rebater as teses da defesa, razão assiste àqueles que entendem

que, mesmo com moderação, a pronúncia deve ser fundamentada, devendo o juiz avaliar e

rejeitar, se necessário for, as teses levantadas pela defesa. É verdade que a decisão de

pronúncia deve ser concisa, não podendo adentrar com profundidade a matéria de fato sobre a

causa, já que se o Juiz assim o fizer influenciará, posteriormente, o ânimo dos jurados, mas o

juiz não pode deixar de analisar as provas que formam o seu convencimento, mesmo porque,

77

se o fizer desobedece a Norma Constitucional, segundo a qual todas as decisões do Poder

Judiciário serão motivadas.

Insatisfeita com a pronúncia, ora porque fundamentada, ora porque não

fundamentada e ora porque mantém qualificadoras articuladas na denúncia, a defesa, com

freqüência, recorre da mencionada decisão, através de Recurso em Sentido Estrito. Quando os

Tribunais estaduais negam provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida, a defesa

pode recorrer a outras instâncias superiores aos tribunais dos Estados.

Acontece que a divergência sobre a fundamentação ou não da pronúncia reina nos

tribunais, e estes, na maioria das vezes, mantêm a pronúncia através de acórdãos devidamente

fundamentados. Tais acórdãos, conforme entendimento do próprio Supremo Tribunal Federal

exposto na ementa a seguir transcrita, substituem a pronúncia. Estes substitutivos da polêmica

decisão de pronúncia, provenientes dos Tribunais dos Estados, bem como do Superior

Tribunal de Justiça, às vezes, mantidos pelo Supremo Tribunal Federal, postos nas mãos dos

promotores que atuam no júri, funcionam como verdadeiro tônico influenciador do

convencimento dos jurados.

Habeas Corpus 83.309 – 8 Mato Grosso do Sul Relator: Min. Sepúlveda Pertence Paciente (s): Maurício Zomignan Fontanari Impetrante(s): Luiz Vicente Cernicchiaro e outros (a/s) Coator (a/s) (es): Superior Tribunal de Justiça Ementa: I. Pronúncia: Fundamentação do acórdão que julga o recurso em sentido estrito. O recurso em sentido estrito devolve ao Tribunal o mérito da decisão de pronúncia recorrida: por isso, o acórdão que o julga substitui a decisão de pronúncia de primeiro grau e a fundamentação dele é que há de ser considerada no hábeas corpus que questiona a sua legalidade. (HC 83.309-MS, Rel. Min. Sepúlveda Pertence. Brasília: DJ. 06/02/04, p. 37)

A seguir, serão repassados para esta dissertação algumas ementas e alguns trechos de

acórdãos de Tribunais estaduais, do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal

Federal, mostrando-se que a fundamentação dos acórdãos das cortes superiores, substitutivos

da pronúncia, nem sempre é pautada naquela serenidade recomendada por Adriano Marrey

78

(2000), esclarecendo-se que o objetivo dessa amostragem é informar que a leitura, em

plenário de júri, feita por um promotor de justiça, de uma decisão proveniente de um Tribunal

Recursal, em especial, do STJ ou do STF, lavrada com expressões que dificultem a defesa,

como “a conduta do réu se amolda à definição de meio cruel” , “o golpe, quando a vítima já

se encontrava caída, foi absolutamente desnecessário para a execução do crime”. “A

dissimulação está muito bem historiada”, é o que basta para convencer os julgadores de fato

de que as qualificadoras de “meio cruel” e “dissimulação” são indiscutíveis.

De acordo com o Habeas Corpus 83.935-524, julgado em 01.06.2004, pela Primeira

Turma do Supremo Tribunal Federal, Tiago Barbosa de Mirando e outros foram denunciados

no Distrito Federal como infratores do art. 121, § 2º, incisos III (meio cruel) e IV

(dissimulação), do CP, por terem assassinado Bernardo Souza Santiago, rapaz que, ao tempo

do homicídio, estava namorando Aline, ex-namorada de Tiago.

Ultimada a instrução, Tiago Barbosa de Miranda foi pronunciado por homicídio

qualificado por (meio cruel e dissimulação ou outro recurso que dificulte a defesa da vítima).

Insatisfeito Tiago interpôs recurso em sentido estrito, pretendendo a exclusão das

qualificadoras.

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal negou provimento do recurso. Os

procuradores de Tiago, Temístocles de Mendonça Castro e outro, insatisfeitos com a decisão

do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que manteve a pronúncia, impetraram Habeas

Corpus junto ao Superior Tribunal de Justiça, não logrando êxito, já que esta última Corte

manteve a decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal.

Descontentes, os procuradores de Tiago impetraram Habeas Corpus perante o

Supremo Tribunal Federal, indicando como coator o Superior Tribunal de Justiça.

24 BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Indeferimento de habeas corpus, HC 83.935-DF, Relator Ministro Carlos Britto. Brasília: DJ. 25.06.04, p. 29.

79

Na Suprema Corte, atuou como Relator o Ministro Carlos Aires Britto e como

Presidente o Ministro Cezar Peluso. Ali, o Habeas Corpus também foi indeferido.

O Relator iniciou seu voto com a transcrição de parte da decisão da Corte Distrital.

Entre os trechos transcritos destaca-se o seguinte:

Está na denúncia que:

Tiago, colhendo a vítima caída e indefesa no chão, deu-lhe um violento chute na face, fazendo-lhe padecer cruelmente. O chute não foi um ato necessário a causação do resultado morte, mas significou uma forma bárbara e brutal de aumentar inutilmente o sofrimento físico e moral da vítima, circunstância reveladora da absoluta ausência de sentimento humanitário e de piedade. (HC 83.935-DF, Relator Ministro Carlos Britto. Brasília DJ. 25.06.04, p. 29)

Outro trecho da decisão da Corte Distrital, transcrito no voto, foi o seguinte:

O recurso que dificultou a defesa da vítima, no entanto, está perfeitamente delineado na peça acusatória. Consistiu no emprego de dissimulação. Josimar teria se passado por entregador de flores para aproximar-se da vítima. Esta, por não conhecê-lo, permitiu seu ingresso em sua casa, onde em seguida entrou também Tiago. Conforme se vê no auto de reconstituição (fls. 141/1760), a vítima foi agarrada no instante em que assinava o recibo referente à entrega da encomenda. Não poderia, nessas circunstâncias, suspeitar de que seria atacada na própria casa. (HC 83.935-DF, Relator Ministro Carlos Britto. Brasília: DJ. 25.06.04, p. 29)

Mais adiante, anotou o Tribunal de Justiça do Distrito Federal:

Embora a pronúncia refira-se somente a partir do instante em que a vítima foi atacada, há de ser completada para ficar explicitado que os réus se valeram de simulação para agredi-la, apesar de implicitamente conter essa peça inicial o ataque inesperado. (HC 83.935-DF, Relator Ministro Carlos Britto. Brasília: DJ. 25.06.04, p. 29)

Prosseguindo seu voto, escreveu o Ministro:

Como bem consignaram as decisões do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e do Superior Tribunal de Justiça, compete aos jurados o pronunciamento definitivo sobre a configuração ou não do ‘meio cruel’, decorrente do ato de chutar o rosto da vítima já desacordada. Somente seria possível retirar da pronúncia, desde logo, a dita qualificadora, se patente fosse a sua inaplicabilidade, nas circunstâncias dos autos, o que, a princípio, não ocorre na conduta de quem golpeia a vítima quando esta já se encontra imobilizada. Assim, em tese, tal conduta se amolda à definição de ‘meio cruel. (HC 83.935-DF, Relator Ministro Carlos Britto. Brasília: DJ. 25.06.04, p. 29)

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Quanto à qualificadora de dissimulação, que os impetrantes alegaram surpresa, sob a

alegação de que não constou da denúncia, disse o Ministro:

Desponta claro, portanto, que não há falar em surpresa para a defesa, estando a conduta tida por dissimulada totalmente descrita na denúncia. Permitiu-se, assim, desde o nascedouro do processo, que os acusados se defendessem da acusação, especialmente da incidência da qualificadora ora impugnada, observando-se o contraditório e a ampla defesa. (HC 83.935-DF, Relator Ministro Carlos Britto. Brasília: DJ. 25.06.04, p. 29).

Com tais fundamentos, o mencionado Ministro indeferiu o Habeas Corpus.

O Ministro Cezar Peluso disse em seu voto:

O golpe, quando a vítima já se encontrava caída, foi absolutamente desnecessário para a execução do crime. A dissimulação está muito bem historiada. A lei penal é claríssima em relação à caracterização das hipóteses de recurso que dificulte a defesa da vítima, aludindo expressamente à dissimulação [...]. (HC 83.935-DF, Relator Ministro Carlos Britto. Brasília: DJ. 25.06.04, p. 29)

Por fim, acompanhou o voto do relator, indeferindo o Habeas Corpus.

O acórdão foi assim ementado:

01/06/2004 HABEAS CORPUS 83.935-5 DISTRITO FEDERAL RELATOR : MIN. CARLOS BRITO PACIENTE (S): TIAGO BABOSA DE MIRANDA IMPETRANTE (S): TEMÍSTOCLES DE MENDONÇA CASTRO E OUTRO (A/S) COATOR (A/S) (ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA EMENTA: HABEAS CORPUS. PACIENTE PRONUNCIADO POR INFRAÇÃO AO ART. 121, § 2º, INCISOS III E IV, DO CP. PRETENSÃO DE EXCLUSÃO DAS QUALIFICADORAS DO ‘MEIO CRUEL’ – POR AUSENCIA DE FATO TIPICO QUE A SUSTENTASSE – E DA “DISSIMULAÇÃO”, QUE NÃO TERIA SIDO MENCIONADA NA PRONUNCIA, SENDO FRUTO DE COMPLEMENTAÇÃO POR PARTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. ALEGAÇÃO DE REFORMATIO IN PEJUS. Compete aos jurados o pronunciamento definitivo sobre a configuração ou não do ‘meio cruel’, decorrente do ato de chutar o rosto da vítima já desacordada. Somente seria possível retirar da pronúncia, desde logo, a dita qualificadora, se patente fosse sua inaplicabilidade nas circunstâncias dos autos, o que não ocorre. Não há falar em surpresa para a defesa, se a conduta tida por dissimulada foi totalmente descrita na denúncia, permitindo, desde o nascedouro do processo, que os acusados se defendessem da acusação, especialmente da incidência da qualificadora ora impugnada, observando-se o contraditório e a ampla defesa. Caso, ademais, em que o aresto hostilizado não se utilizou de fundamento novo, estranho aos autos, para manter a qualificadora da

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dissimulação. Por outro lado, não há espaço para alegação de reformatio in pejus se inexistiu agravamento da situação do paciente em face da interposição do recurso em sentido estrito. Habeas Corpus indeferido. (HC 83.935-DF, Relator Ministro Carlos Britto. Brasília: DJ. 25.06.04, p. 29)

Nos termos do Habeas Corpus nº 76.678–8 do Rio de Janeiro, julgado em 29/6/1998,

pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, Marcos Macedo foi processado na cidade

do Rio de Janeiro como incurso nas penas do art. 121, § 2º, incisos II, III e IV, do CP, com a

agravante do art. 61, II, h, e art. 211, na forma do art. 69, todos do Código Penal, por ter, em

concurso com a co-ré Kátia do Nascimento Costa, assassinada a menor Priscila do

Nascimento Furtado, com quatro anos de idade.

Pronunciado pelo Juiz Presidente do IV Tribunal do Júri do Rio de Janeiro, Marcos

Macedo interpôs recurso em sentido estrito, pleiteando a exclusão das três qualificadoras, ao

argumento de que o recurso que impossibilitou a defesa da vítima não pode conviver com as

suas condições pessoais, em face da tenra idade, que a de motivo fútil não se coaduna com o

estado etílico em que se encontrava o paciente no momento do crime e que a da execução por

meio cruel ou tortura, não pode defluir da multiplicidade dos golpes aplicados. Alegou,

também, que as qualificadoras são compatíveis, apenas, com o dolo direto e não com o

eventual. Reclamou, ainda, da falta de fundamentação das referidas qualificadoras,

acrescentando que algumas delas tiveram assento em considerações pessoais sobre sua

pessoa. Por fim, rebateu o reconhecimento da ocultação de cadáver, por entender que a

remoção do corpo da menor, do lugar do crime, e o abandono do mesmo em um logradouro

público, não caracteriza ocultação de cadáver.

A 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro negou provimento ao

recurso.

Os Advogados de Marcos Macedo impetraram Habeas Corpus junto ao Supremo

Tribunal Federal, apontando como coator o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

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Na Suprema Corte, o Ministro Néri da Silveira atuou como Presidente da Sessão e o

Ministro Maurício Corrêa foi o relator.

O relator iniciou o voto com o seguinte argumento: “Os impetrantes alegam que a

denúncia não descreve fato típico quanto ao crime de ocultação de cadáver”. Rebatendo esta

primeira tese, o referido Ministro assim se pronunciou:

Entendo que a retirada do cadáver do local onde deveria permanecer, conduzindo-o para outro local onde não seria normalmente reconhecido, caracteriza o crime de ocultação de cadáver. A conduta foi a de evitar que o crime fosse descoberto e visou, de forma manifesta, destruir a prova do homicídio cometido, o que revela o dolo. (HC 76.678-RJ. Relator Ministro Maurício Corrêa. Brasília: DJ. 08.09.00, p. 05)

Explicou mais:

Trata-se de crime permanente que subsiste até o instante em que o cadáver é descoberto, por ocultar é esconder, e não, simplesmente, remover, como pretendem os impetrantes, sendo irrelevante para a incidência do tipo o tempo em que o cadáver esteve escondido sob o veículo estacionado em via pública, provavelmente para simular atropelamento. No caso, trata-se de crime consumado e que pode ser apenado em concurso com o crime de homicídio. (HC 76.678-RJ. Relator Ministro Maurício Corrêa. Brasília: DJ. 08.09.00, p. 05)

Rebateu, também, a tese, de que a pronúncia não estava fundamentada, explicando

que a decisão recorrida “tem todos os requisitos essenciais exigidos pelo art. 408 do Código

de Processo Penal, ou seja, a decisão está fundada na prova da materialidade na existência

do crime, nos indícios da autoria, com os motivos do convencimento do Juiz”. (HC 76.678-

RJ. Relator Ministro Maurício Corrêa. Brasília: DJ. 08.09.00, p. 05)

Discutidas as duas primeiras teses: ausência de tipificação do crime de ocultação de

cadáver e falta de fundamentação da pronúncia, disse o relator: “não tenho reparos a fazer

nesta parte do acórdão impugnado, que confirmou a pronúncia”.

Em seguida, o Ministro Relator transcreveu, na íntegra, o acórdão do Tribunal do

Estado do Rio de Janeiro que negou provimento ao recurso em sentido estrito, fazendo-o,

assim:

83

Não merece prosperar o recurso interposto pelo douto patrono do recorrente, vez que a decisão impugnada mostra-se isenta de reparo a ensejar modificação. Quanto às nulidades argüidas, data vênia, todas improcedentes pois, com relação ao crime de ocultação de cadáver, em se tratando de infração conexa, não poderia o Juiz a quo deixar de incluí-lo na pronúncia. Outrossim, não poderia, igualmente, o prolator da decisão desconhecer a qualificadora concernente ao meio cruel, vez que, pelo que se extrai do acervo probatório, a mesma emerge bem definida, bem como, a agravante genérica prevista no art.61, alínea “h” do Código Penal, tendo em vista a idade da vítima. No que diz respeito ao mérito, também, improcedentes os argumentos defensivos. A pronúncia, decisão essencialmente processual, assenta os seus pilares no binômio – prova da materialidade e indícios de autoria – o suficiente, portanto, para que seja o réu submetido a novo julgamento pelo Juízo natural do Júri. Constitui, como se sabe, mero Juízo de probabilidade e não de certeza, daí prevalecer o princípio “ pro societat” . No caso dos autos, certa a prova da materialidade demonstrada através do auto de Exame Cadavérico de fls.09, e os veementes indícios de autoria, no vasto campo do acervo probatório – o suficiente, portanto, para a edição da pronúncia. Com relação ao pretendido afastamento de qualificadoras articulares na denúncia, tenho como inadmissível vez que é entendimento pacífico que a existência das mesmas constituem matéria de fato, não podendo o julgador, em sede de pronúncia, subtrair dos jurados o seu conhecimento, ainda que duvidosas ou meramente indiciárias, entendimento esse já consolidado através de iterativas decisões de nossas Cortes de Justiça. Assim, face ao exposto, rejeito as prefaciais suscitadas e, no mérito, mostrando-se improcedentes os argumentos lançados pela douta defesa, voto, pois, pelo improvimento do recurso. (HC 76.678-RJ. Relator Ministro Maurício Corrêa. Brasília: DJ. 08.09.00, p. 05)

Transcreveu, ainda, o relator, como parte integrante de seu voto, o seguinte trecho do

parecer do Ministério Público Federal:

Ora, o homem que por um nada, de inopino, lança-se a agredir barbaramente – socos, chutes e golpes com fivela de cinto – uma menina de 4 anos de idade, que vivia em sua companhia, matando-a, por certo não realiza homicídio simples. Assume, conscientemente, todos estes atos de selvageria incontida e, no contexto em que os produz, golpes incessantes e brutais, por certo assume o risco de matar. E a morte, assim consentida pelo autor, ao seu agir coerente agrega-se – qualificadoras, pois – a futilidade, a impossibilidade de subtrair-se a vítima à ação homicida (agressão de inopino, célere e violenta), e a forma cruel (socos, pontapés e golpes de cinto com fivela) a eliminá-la. Não há qualquer incoerência, ou conclusão desmotivada. (HC 76.678-RJ. Relator Ministro Maurício Corrêa. Brasília: DJ. 08.09.00, p. 05)

Por fim, indeferiu o relator a ordem impetrada.

84

O Ministro Marco Aurélio proferiu voto, demonstrando que não ficou caracterizada a

ocultação de cadáver e considerando procedente a tese de ausência de fundamentação das

qualificadoras apresentadas pelos impetrantes, razão pela qual, concedeu a ordem para,

anulando o processo a partir da sentença de pronúncia, determinar que outra fosse proferida,

com a exclusão do crime de ocultação de cadáver e fundamentação das qualificadoras.

O acórdão foi assim ementado:

Habeas Corpus n. 76.678-8 Proced.: Rio de Janeiro Relator: Min. Maurício Corrêa Pacte.: Marcos Macedo Imptes.: José Mauro Couto de Assis e Outros Coator: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Decisão: Após os votos dos Senhores Ministros Relator e Nelson Jobin indeferindo o habeas corpus, o julgamento foi adiado, em virtude do pedido de vista do Senhor Ministro Marco Aurélio. Falou, pelo paciente, o Dr. José Mauro Couto de Assis e, pelo Ministério Público Federal, o Dr. Edinaldo de Holada Borges. 2ª Turma, 19.05.98. Decisão: Por maioria, a Turma indeferiu o habeas corpus, vencido, em parte, o Senhor Ministro Marco Aurélio, que concedia, parcialmente, a ordem, nos termos enunciados em seu voto. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Senhor Ministro Carlos Velloso. 2ª Turma, 29.06.98. (HC 76.678-RJ. Relator Ministro Maurício Corrêa. Brasília: DJ. 08.09.00, p. 05).

Na conformidade do recurso ordinário nº 83.985-1, julgado pelo Supremo Tribunal

Federal, em 27/4/2004, que teve como relator o Ministro Carlos Veloso e como presidente o

Ministro Celso de Melo, Cássio Luís Ribeiro ou Cássio Luiz Ribeiro foi denunciado na cidade

de São Paulo como infrator do art. 121, § 2º, incisos II e IV, do Código Penal.

Vencidas as fases probatória e instrutória, Cássio foi pronunciado conforme a

denúncia. Entendendo que o Juiz excedeu na fundamentação da pronúncia, invadindo a esfera

de competência do Tribunal do Júri, Cássio interpôs recurso em sentido estrito, não obtendo

êxito, já que a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo negou

provimento ao recurso.

Cássio foi submetido a julgamento, tendo o júri desclassificado o crime para

homicídio culposo.

85

O Ministério Público interpôs recurso de apelação contra a decisão desclassificatória

do crime, tendo sido vitorioso, posto que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo deu

provimento ao recurso, determinando que o recorrente fosse submetido a novo julgamento.

Insatisfeito Cássio propôs recurso extraordinário, requerendo a anulação dos

acórdãos proferidos em recurso em sentido estrito e em apelação.

O Ministério Público Federal opinou no sentido de que fosse anulado o acórdão do

Tribunal de Justiçado Estado de São Paulo, proferido nos autos de recurso em sentido estrito,

por entender que referido acórdão extrapolou os limites da pronúncia.

O Ministro relator iniciou seu voto transcrevendo parte da decisão do Tribunal de

Justiça do Estado de São Paulo que manteve a sentença de pronúncia.

Transcreveu, ao depois, o seguinte trecho da obra de Adriano Marrey (2000, p. 261):

[...] na fundamentação da pronúncia deve o juiz usar de prudência, evitando manifestação própria quanto ao mérito da acusação.Cumpre-lhe abster-se de refutar, a qualquer pretexto, as teses da defesa, contra-argumentando com dados do processo, nem mesmo para acolher circunstâncias elementares do crime. Acrescenta que “sua precípua função é verificar a existência do fumus boni júris que justifica o julgamento do réu pelo júri” e conclui que “devem ser abolidas expressões como: ‘o réu é culpado’, ‘o réu não agiu em legítima defesa...’ ‘o réu confessou plenamente o delito, tanto na polícia como em juízo...’, e outras que conduzam a prejulgamento, em prejuízo da defesa no Plenário. (RHC 83.985-SP, Relator Ministro Carlos Velloso. Brasília: DJ. 21.05.04, p. 53)

Atento ao fundamento do acórdão que manteve a sentença de pronúncia, ao parecer

do Ministério Público, a doutrina de Adriano Marrey (2000) e baseado nas decisões proferidas

nos habeas corpus nº 68.606/SP e 77.044/PE, do Supremo Tribunal Federal, que dizem que o

linguajar da pronúncia deve ser sóbrio e comedido, o Ministro relator deu provimento parcial,

anulando o acórdão prolatado no recurso em sentido estrito e todos os atos posteriores a ele.

O acórdão ficou assim ementado:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS 83.985-1 SÃO PAULO (SEGUNDA TURMA) RELATOR: MIN. CARLOS VELLOSO

86

RECORRENTE (S): CÁSSIO LUÍS RIBEIRO OU CÁSSIO LUIZ RIBEIRO ADVOGADO (A/S): PGE-SP- WALDIR FRANCISCO HONORATO JÚNIOR (ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA) RECORRIDO (A/S): MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL EMENTA: PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. JÚRI. PRONÚNCIA. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. FUNDAMENTAÇÃO. LINGUAGEM SÓBRIA E COMEDIDA. I – Extrapola os limites da sentença de pronúncia a decisão do órgão colegiado de segundo grau que, examinando o recurso em sentido estrito, faz análise valorativa da prova. II - Recurso parcialmente provido. (RHC 83.985-SP, Relator Ministro Carlos Velloso. Brasília: DJ. 21.05.04, p. 53)

Todos os trechos dos Habeas Corpus nº 83.935-5 e 76.678 – 8, do Supremo Tribunal

Federal, repassados para esta dissertação, assinalados em negrito, produzem relevante efeito

contra a defesa, posto que fundamentados com um linguajar praticamente condenatório.

Quando o Supremo Tribunal Federal, julgando um Habeas Corpus impetrado contra uma

decisão de um Tribunal estadual, que negou provimento a um recurso em sentido estrito

proposto em face de uma decisão de pronúncia, diz, por exemplo, que “a conduta do

impetrante amolda-se à qualificadora de ‘meio cruel’, mas cabe ao júri decidir”, está

deixando muito claro a Suprema Corte que se o Júri excluir a qualificadora e se houver

recurso, do Ministério Público, alegando decisão contrária às provas dos autos, com base no

afastamento da qualificadora, ela, a Suprema Corte, para manter coerência, certamente dará

provimento ao recurso, anulando o julgamento. A leitura, em plenário, de uma decisão do

Supremo Tribunal Federal, mostrando-se aos jurados as palavras de um Ministro que diz que

uma determinada qualificadora está amparada na prova, municia o órgão da acusação de todos

os argumentos que ele necessita para convencer o júri a acatar a qualificadora.

Já o Recurso Ordinário n. 83.985-1, além de produzir efeitos contra a acusação, abre

espaço para a seguinte pergunta: como é que algumas Turmas do Supremo Tribunal Federal

interpretam a Constituição, na parte em que ela ordena a fundamentação dos atos do Poder

Judiciário? Salvo entendimento contrário, interpretam a Constituição de acordo com o Código

87

e não o Código à luz da Constituição, dando a entender que a Constituição de 1988 foi

recepcionada pelo Código de Processo Penal de 03 de outubro de 1941.

Estabelece o artigo 478 do Código de Processo Penal que: “Concluídos os debates, o

juiz indagará dos jurados se estão habilitados a julgar ou se precisam de mais

esclarecimentos”. E no parágrafo único, dispõe: “Se qualquer dos jurados necessitar de

novos esclarecimentos sobre questão de fato, o juiz os dará, ou mandará que o escrivão os

dê, à vista dos autos”. (NUCCI, 2005, p. 755)

O Supremo Tribunal Federal permite até que o juiz preste tais esclarecimentos com

base na leitura de eventuais fichas contendo a orientação dos tribunais, como se verifica da

seguinte explicação do Ministro Celso de Melo no julgamento do Habeas Corpus n° 69.072

do Estado de São Paulo:

[...] - A mera leitura, pelo magistrado togado, de uma ficha contendo a orientação jurisprudencial dos Tribunais sobre a noção jurídica de motivo fútil, não configura, só por si, causa ensejadora de nulidade processual. Nada impede que o Juiz-Presidente do Tribunal do Júri, objetivando esclarecer os jurados, forneça-lhes, até mesmo “ex officio” , informações sobre conceitos de natureza jurídico-legal [...].25

25 Trecho extraído da Ementa do Supremo Tribunal Federal no julgamento do habeas corpus n° 69.072-SP, transcrita a seguir: “HABEAS CORPUS Nº 69072-6 SÃO PAULO. RELATOR: O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO. IMPETRANTE: HERMÍNIO A. MARQUES PORTO. COATOR: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. PACIENTES: JOÃO SEBASTIÃO DE FRANÇA E OUTRO. EMENTA: ‘HABEAS CORPUS’ – JÚRI – NULIDADES SUBSTANCIAIS – QUESITOS – REGULARIDADE – DECISÃO DO CONSELHO DE SENTENÇA QUE OPTA POR UMA DAS VERSÕES OU INTERPRETAÇÕES DOS FATOS – IMPOSSIBILIDADE DE SUA ANÁLISE EM SEDE DE ‘HABEAS CORPUS’ – ALEGADA INTERFERÊNCIA DO JUIZ-PRESIDENTE DO TRIBUNAL DO JÚRI NO PROCESSO DE VOTAÇÃO – INOCORRÊNCIA – FUNÇÃO PROCESSUAL DO PROTESTO DA DEFESA – VALOR DA ATA DE JULGAMENTO – AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL – ESCLARECIMENTO PRESTADO PELO JUIZ PRESIDENTE DO JÚRI AOS JURADOS – POSSIILIDADE – PEDIDO INDEFERIDO. - A ação de “hábeas corpus” não pode transformar-se – até mesmo em função do caráter sumaríssimo de que se reveste a sua forma ritual – em inadmissível ação revisional dos elementos probatórios produzidos no processo penal condenatório. - A ausência de protesto formulado no momento procedimentalmente adequado reveste-se de caráter preclusivo. Os incidentes ocorridos em plenário do Júri, ou verificados no interior da sala secreta, devem constituir objeto de reclamação da parte interessada. O silêncio da ata de julgamento o que deixou de consignar os incidentes eventualmente ocorridos – impede que sejam eles invocados, posteriormente, como causa geradora de nulidade processual. - As sugestões da Defesa concernentes à elaboração dos quesitos, desde que não discriminadas e nem identificadas, não têm o condão de configurar, de modo formal, a existência de protesto inibitório da consumação da preclusão processual. - Protestos das partes, inclusive da Defesa, não se presumem. Hão de ser especificamente lavrados e consignados na ata de julgamento, sob pena de preclusão. (...) ACÓRDÃO

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No silêncio de uma sala secreta, onde todas as atenções estão voltadas para o juiz, se

a jurisprudência por ele lida, explicando o significado de motivo fútil, for oriunda de uma

decisão que tenha confirmado que o réu cometeu o fato movido por motivo fútil, por muito

que se esforce o juiz, termina influenciando o jurado no sentido que ele vote de acordo com

aquela decisão. O jurado, na maioria das vezes, baseia-se no gesto de uma testemunha, na

palavra de um perito e, com muito mais razão, baseia-se na explicação de um juiz para decidir

uma causa.

Por isso, pode-se dizer que o Poder Judiciário, em especial o Supremo Tribunal

Federal, exerce forte influência sobre os jurados.26

Todas as causas indicadas neste capítulo como influenciadoras do ânimo daqueles

que assumem a difícil missão de julgar, atormentam-lhes a consciência, e, por via de

conseqüência, no caso do júri, acabam atingindo a soberania, enfraquecendo-a, atestando ser

ela apenas relativa. Aliás, em sede de júri, não é apenas a soberania que é relativa, pois o

princípio da publicidade, também elevado a nível constitucional, que será objeto do próximo

capítulo, sofre inúmeras restrições que, segundo parte da doutrina, são indevidas,

inconstitucionais.

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Primeira Turma, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em indeferir o pedido de habeas corpus. Brasília, 14.04.1992. (RHC 69.072-SP, Relator Ministro Celso de Melo. Brasília: DJ. 14.04.1992, p. 760) 26 A interpretação do Código segundo a Constituição deveria ter iniciado no Supremo Tribunal Federal, mas Ada Pellegrini Grinover, ao prefaciar a obra de Alberto Silva Franco e Rui Stoco, p. XXIII, explica: “a jurisprudência começa a despertar de seu sono, abandonando o conformismo legislativo. E o caminhar inicia-se no Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, com decisões significativas sobre as garantias das partes e do processo, que marcam indelevelmente a posição da Corte nos anos 80. Transfundindo nas leis processuais o espírito da Constituição, antes da Lei Maior de 88, o Tribunal buscou o fundamento constitucional da lei ordinária, interpretando-a à luz dos princípios constitucionais”. (FRANCO; STOCO, 1999, s.p.)

89

CAPÍTULO III

A ORALIDADE E A PUBLICIDADE NO TRIBUNAL DO JÚRI

No Brasil, a oralidade no Tribunal do Júri sofre visíveis restrições, estando reduzido

o seu emprego, segundo José Frederico Marques (1985), ao torneio dialético entre a acusação

e a defesa.

O Código de Processo Criminal do Império regulamentou o júri de sentença, ou seja,

o segundo conselho de jurados, entre os arts. 254 a 274, impondo no art. 260 que antes da

produção da prova em plenário deveriam ser lidos os autos do juízo da acusação, pelo

escrivão competente. Atento àquela previsão, Frederico Marques (1985) passou a sustentar

que o júri brasileiro estava com o caminho aberto para desnaturar-se, haja vista que o primeiro

Código de Processo Criminal pátrio já acenava a possibilidade de substituição da oralidade

pela leitura de peças.

Lembra o autor (1985, p. 87) citado que a jurisprudência, a princípio, considerava

nulo o julgamento da competência do júri em que as testemunhas não fossem ouvidas em

frente aos jurados, mas com o andar do tempo passou a aceitar e, em conseqüência, a deixar

de pronunciar a nulidade dos julgamentos proferidos pelo Tribunal popular, se as partes e os

juízes de fato concordassem em não ouvir em plenário as testemunhas anteriormente

inquiridas, bastando, para que os jurados tivessem conhecimento do fato, que fossem lidos os

depoimentos colhidos ao longo da instrução.

Anota Rogério Lauria Tucci (1999, p. 33-34) que desde o império até os dias atuais

as alterações pelas quais passou o Tribunal do Júri não modificaram suas bases principais, tais

como:

a) caráter público, contraditório e oral do respectivo processo; b) divisão do procedimento em duas fases, uma de formação da culpa (iudicium accusationis) e outra, subseqüente, de julgamento (iudicium causae);

90

c) composição do órgão julgador por um juiz togado (legalmente investido no exercício da jurisdição, e especificamente, na presidência do tribunal do júri) e juizes de fato (jurados), com a incumbência de proferir o veredicto; d) forma de recrutamento dos jurados; e) método da motivação.

A afirmação supra leva à impressão de que, no Tribunal do Júri, predomina a

oralidade ampla, impressão que cai por terra quando se lê a doutrina de José Frederico

Marques, já que, segundo este autor, no referido Tribunal, a oralidade é adotada “de forma

bastante imperfeita”. (MARQUES, 1997, p. 75)

Explica, ainda, Frederico Marques (1997, p. 86), que no júri brasileiro, do processo

oral, guarda-se tão somente os discursos da defesa e da acusação, acrescentando que: “muito

raramente produzem-se provas em plenário, e quando isto acontece, só de maneira parcial,

com a inquirição de uma outra testemunha que se refira a acontecimentos ou circunstâncias

do interesse das partes”.

O Código de Processo Penal em vigor, em seu art. 455, dispõe que a falta de

testemunha não constitui motivo para adiamento do júri, exceto quando a parte requerer a

intimação com cláusula de imprescindibilidade do depoimento. Exige, ainda, que a parte

indique o paradeiro da testemunha com a antecedência necessária para a intimação,

estabelecendo que se a testemunha não for encontrada no local indicado, o julgamento será

realizado.

Uma leitura atenta do art. 455 do Código de Processo Penal causa a impressão de

que, para a lei o que importa não é um julgamento em cima da prova que espelha uma

verdade, ao menos, próxima da real, mas sim, que o julgamento seja realizado rapidamente,

não se admitindo adiamento quando uma testemunha considerada imprescindível para o

esclarecimento do fato, não seja encontrada no endereço indicado pelas partes.

As testemunhas mudam de endereço, com freqüência. A demora na realização dos

julgamentos, nem todas às vezes, é provocada pelas partes, mas pela lentidão do aparelho

91

judiciário. O defensor nomeado, regra geral, não dispõe de meios para procurar endereços de

testemunhas, ainda que consideradas imprescindíveis. Daí, num dia qualquer, o judiciário

aperta um pouco o passo e o julgamento se realiza, sem que as partes e os julgadores ouçam

as palavras das testemunhas que sabem tudo sobre o fato. E como procedem as partes quando

as testemunhas e os peritos por elas indicadas não existem mais, porque a lei concorreu para

essa extinção, ou, quando ainda existem, mas não são localizadas?

Contentam-se em ler aqueles depoimentos antigos, colhidos de qualquer forma, pela

autoridade policial, ou por um escrivão do cartório do crime que não prima muito pela

perfeição. Feitas as enfadonhas leituras integrais das peças, ou de pequenos trechos de

depoimentos, as partes abandonam o processo e ingressam nos discursos, discursos que

muitas vezes se restringem a valorizar as provas lidas, recaindo essa valorização no que foi

eloqüentemente lido em plenário.

Diante do quadro acima exposto, o jurado se vê na obrigação de decidir a causa. Para

isto, baseia-se tão-somente na leitura das peças que ouviu e em algumas informações que

consegue guardar na memória, extraídas dos discursos dos oradores.

A substituição, quase integral, do procedimento oral pelo escrito levou José

Frederico Marques (1997) a sustentar que ocorreu a desnaturação do júri, posto que, em seu

entender, as pessoas leigas não dispõem de qualidades e aptidões para entender textos escritos

que às vezes até os magistrados profissionais encontram dificuldade para assimilá-los.

Afirma, mais, o autor (1997) acima citado que o jurado forma seu convencimento no

contato com a prova, ouvindo o que narram as testemunhas e o que os peritos esclarecem.

Para os juízes leigos, este contato direto com testemunhas e peritos funciona como uma

reprodução dos fatos feita ao vivo, conferindo a eles condições para decidirem.

O Código de Processo Penal vigente, em seu art. 455, caput, preceitua que:

A falta de qualquer testemunha não será motivo para o adiamento, salvo se uma das partes tiver requerido sua intimação, declarando não prescindir do

92

depoimento e indicando seu paradeiro com a antecedência necessária para a intimação. Proceder-se-á, no entanto, ao julgamento, se a testemunha não tiver sido encontrada no local indicado. (NUCCI, 2005, p. 735)

No art. 417, § 2º, mencionado Código deixa a critério do órgão da acusação a

faculdade de arrolar ou não testemunhas no libelo, deliberação que também e extensiva à

defesa, já que esta, amparada pela previsão do parágrafo único do art. 421, pode deixar de

arrolar testemunhas por ocasião da apresentação da contrariedade do libelo.

Art. 417. O libelo, assinado pelo promotor, conterá: I - o nome do réu; II – a exposição, deduzida por artigos, do fato criminoso; III – a indicação das circunstâncias agravantes, expressamente definidas na lei penal, e de todos os fatos e circunstâncias que devam influir na fixação da pena; IV – a indicação da medida de segurança aplicável. § 1°. Havendo mais de um réu, haverá um libelo para cada um. § 2°. Com o libelo poderá o promotor apresentar o rol das testemunhas que devam depor em plenário, até o máximo de 05 (cinco), juntar documentos e requerer diligências. [...] Art. 421. Recebido o libelo, o escrivão, dentro de 03 (três) dias, entregará ao réu, mediante recibo de seu punho ou de alguém a seu rogo, a respectiva cópia, com o rol de testemunhas, notificado o defensor para que, no prazo de 5 (cinco) dias, ofereça a contrariedade; se o réu estiver afiançado, o escrivão dará cópia ao seu defensor, exigindo recibo, que se juntará aos autos. Parágrafo único. Ao oferecer a contrariedade, o defensor poderá apresentar o rol de testemunhas que devam depor no plenário, até o máximo de 5 (cinco), juntar documentos e requerer diligências.

Ficam, então, a critério das partes duas opções, a primeira, que é prevista em lei, é

representada pela faculdade de só arrolarem testemunhas para serem ouvidas em plenário se

lhes for conveniente, e a segunda, consistente nas circunstâncias de que se as testemunhas já

foram ouvidas durante o inquérito policial e na primeira fase do procedimento escalonado do

júri, arrolá-las novamente constitui repetição desnecessária, mesmo porque os depoimentos já

colhidos serão lidos em plenário. Se essas investidas ofensivas à oralidade que deveria

imperar no Tribunal do Júri não bastassem, a experiência ensina que, muitas vezes, as partes

arrolam testemunhas, quando elaboram o libelo e sua contrariedade, mas em plenário, as

93

dispensam, na presença dos jurados, sob a alegação de que procederão a leitura dos

depoimentos obtidos anteriormente.

Tanto o procedimento adotado pelo Código de Processo Penal, consistente em deixar

a tarefa de arrolar testemunhas ao talante das partes, quanto o conferido a estas, fundado na

possibilidade de dispensarem, em plenário, as testemunhas arroladas, eram vistos, com

tristeza, por José Frederico Marques (1997, p. 89) que, neste particular, assim se pronunciava:

[...] o depoimento ouvido diretamente permite um exame imediato do caso a ser julgado. O testemunho assim se ‘torna verdadeiramente uma prova viva, enquanto o depoimento escrito nada mais representa que uma prova morta’. Os depoimentos escritos da instrução, como dizia DE LA GRASSERIE cobrem a fisionomia das testemunhas e delas não refletem mais que a sombra. [...] Além disso, no procedimento escrito, por maior fidelidade que exista no traduzir o que disse a testemunha, tudo não passa, como falava BERARDT, ‘ de um depoimento sobre o depoimento’. Julga assim o jurado, não de acordo com o que disse a testemunha, mas de acordo com o que de seu depoimento disse o juiz da instrução.

Paulo Rangel (2007, p. 110), tecendo comentários sobre o projeto nº 4.203/2001,

além de sustentar que várias matérias ali tratadas não estão em consonância com a

Constituição de 1988, entre elas a que trata da incomunicabilidade dos jurados, do julgamento

baseado na íntima convicção, o que reflete na inaceitável falta de motivação das decisões e

outras, diz:

Outra questão que melhor deveria ser disciplinada pelo Projeto é a oralidade no Tribunal do júri, ou seja, as provas orais devem ser produzidas, obrigatoriamente, perante os jurados que devem conhecer todo o perfil das testemunhas, dos peritos e demais pessoa que, porventura, possam ser importantes ao julgamento em plenário.

Criticando a velha praxe da leitura de depoimentos, diz o autor citado (2007, p. 110):

A prática de realizar a leitura dos depoimentos aos jurados sem que eles possam analisar cada detalhe de cada palavra dita deve ser evitada no Projeto, possibilitando, assim, que os jurados conheçam as testemunhas e analisem o que de importante houver para o julgamento. Um olhar inquieto e uma voz trêmula podem ser o suficiente para que o jurado decida de um ou outro modo, dependendo do caso concreto. Uma contradição no depoimento da testemunha é melhor captada pelos jurados se o for de viva voz. A afirmativa categórica pela testemunha de que o réu efetuou os disparos de arma de fogo, citados na denúncia, dando certeza, portanto, da autoria (ou

94

até mesmo negando-a), será melhor se for pessoalmente. A testemunha que se encontra com medo, seja por qual causa for, será ouvida perante os jurados que perceberão seu estado de ânimo. Nesse sentido, os jurados podem, se quiser, fazer perguntas, através do magistrado. Tudo será esclarecido perante o juiz natural da causa: o Conselho de Sentença.

Censurando, ainda, o projeto por não ter proposto a adoção ampla do Princípio da

Oralidade no Plenário do Júri, escreve o referido autor (2007, p. 110):

A oralidade deve ser resgatada no Plenário do Júri, e o projeto, neste aspecto, peca por não fazê-lo. Se o Júri é o juiz natural da causa, os jurados devem ter o direito à produção de toda prova em Plenário e não como hoje ocorre, em que as partes dispensam as oitivas das testemunhas e produzem a leitura dos depoimentos em Plenário.

Eduardo Reale Ferrari (2003, p. 199), comentando o projeto nº 4.203/2001, na parte

em que ele repele a utilização, na sessão de julgamento, das provas produzidas no inquérito

ou mesmo no iudicium accusationis, ressalvadas as provas cautelares antecipadas ou

irrepetíveis, explica que:

Com tal inovação, procura-se preservar a oralidade do procedimento do Tribunal do Júri, impondo que, em regra, as provas sejam produzidas na própria sessão de julgamento, possibilitando aos jurados um melhor conhecimento dos fatos. Normalmente, os jurados analisam as provas com base apenas na leitura que a acusação e a defesa fazem dos testemunhos produzidos anteriormente, sem que as testemunhas sejam ouvidas na sua presença. Inegavelmente a formação do convencimento dos jurados será muito melhor se as testemunhas forem inquiridas perante o Conselho de Sentença, podendo inclusive os jurados formular perguntas a elas, consoante o disposto no art. 474, § 1º, do Projeto de Lei 4.203/2001, na sessão de julgamento, portanto, poderá ser aplicado, em sua plenitude, o sistema da oralidade, com concentração, imediatidade e identidade física do Juiz.

Como se vê convincente são os argumentos daqueles que se insurgem contra a mera

leitura de depoimentos em Plenário. Aqueles que militam na área do júri sabem muito bem o

que significa o gesto de uma testemunha para um julgamento, como sabem o quanto é

importante a explicação de um perito no Plenário do Júri. São os dados extraídos do confronto

direto entre os jurados e as testemunhas que formam o convencimento dos estudiosos que

fortalecem a tendência da corrente doutrinária que clama pela adoção da oralidade, pelo

95

menos nos mesmos moldes da outra pilastra que, ao lado do contraditório, vem se mantendo,

desde o Império, como característica básica do júri, qual seja, a publicidade, que a seguir será

comentada.

Essa tendência é manifestada nos vários projetos de reforma de Código de Processo

Penal apresentados.

3.1 As tendências da adoção da oralidade em sentido amplo nos

movimentos reformadores do Código de Processo Penal

Antes da Constituição de 1988, vários juristas já procuravam adequar o Código de

Processo Penal ao texto constitucional, tanto é verdade que, na lição de Ada Pellegrini

Grinover (apud FRANCO; STOCO, 1999, p. XXIII), a partir de 1980:

[...] vem a lume a tese de doutorado de Kazuo Watanabe (Princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional no sistema jurídico brasileiro), editada com outro ensaio sobfre o mandado de segurança contra atos judiciais. Em Minas Gerais, José Alfredo de Oliveira Baraccho escreve monografia sobre o “devido processo legal” e HumbertoTheodoro Júnior sobre o mandado de segurança e o devido processo legal. E em todas as obras processuais da década não faltam referências às garantias constitucionais.

Esse movimento de adequação do processo ao texto constitucional é denominado de

“processo constitucional”.

Depois da promulgação da referida Carta, aumentou, em muito, o movimento

reformador do Código, explicando René Ariel Dotti (1999, p. 290) que tal movimento foi

motivado por duas exigências, quais sejam: a) “adequação do diploma aos princípios e às

regras da Constituição de 1988, bem como aos sistemas contemporâneos do processo penal”

nos Estados Democráticos de Direito; b) “a eficácia do processo como instrumento de luta

contra a criminalidade e de acesso à jurisdição, depurando-o de fórmulas e termos

96

barrocos”. O Tribunal do Júri, por ocupar lugar de destaque no Código de Processo Penal e

por já ser bastante velho, é sempre visado pelos movimentos reformistas do mencionado

Código, como será mostrado a seguir.

3.2 Da oralidade nos anteprojetos e projetos de Código de Processo

Penal

O Código de Processo Penal brasileiro (Decreto-lei nº 3.93l, de 11 de dezembro de

1941, publicado no Diário Oficial da União, de 13 de dezembro daquele mesmo ano, em

vigência desde 1º de janeiro de 1942) envelheceu, com ele envelhecendo, por via de

conseqüência, todos os institutos dele integrantes, entre eles, o júri.

Jorge de Figueiredo Dias, citado por Eduardo Reale Ferrari (2003, p. 01), explica

que:

[...] o Código de Processo Penal constitui um sismógrafo da Constituição Federal, porquanto representa o direito processual penal um efetivo direito constitucional aplicado, destacando que quanto maiores são as garantias processuais penais, mais patente constitui a prova de que a Constituição Federal também possui conteúdo democrático.

Depois de 1942, época em que o Código de Processo Penal entrou em vigor, já

ocorreram quatro manifestações constitucionais: a de 1946, 1967, a Emenda Constitucional nº

1, de 17 de outubro de 1969 e a Constituição de 1988.

Devido a velhice do diploma processual penal brasileiro, aos reclamos dos

operadores jurídicos e da própria sociedade civil, bem como à falta de inteira adequação do

mesmo aos princípios e as regras das Constituições que o sucederam, e ainda, a sua

inadequação aos sistemas modernos do processo penal reinantes nos Estados Democráticos de

Direito, várias propostas de substituição do referido Código já foram elaboradas e

97

apresentadas, umas quando ele ainda estava muito novo; outras mais recentemente, como

será demonstrado, a seguir, com apoio na doutrina.

Rogério Lauria Tucci (1999), jurista que, por mais de uma vez, integrou Comissão

constituída para elaborar Anteprojetos de Código de Processo Penal, ensina que, em 1963,

isto é, há apenas vinte e um anos da entrada em vigor do Código, Hélio Tornaghi apresentou

um Anteprojeto de Código de Processo Penal.

Na seqüência do movimento reformador do Código, no início da década de 70, José

Frederico Marques elaborou e apresentou seu Anteprojeto de Código de Processo Penal.

Posteriormente, já em 1975, foi publicado o Projeto de Lei 633, do Poder Executivo,

de Código de Processo Penal. Em 1981 foi apresentado outro Anteprojeto de Código de

Processo Penal. Dois anos depois se publicou o Projeto de Lei nº 1.655, de 1983, que instituía

o Código de Processo Penal. Em 30 de março de 1992, o Ministro da Justiça Célio Borja

designou o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, então Presidente da Escola Nacional da

Magistratura, para presidir Comissões de juristas para o fim de propor modificações nos

Códigos de Processo Civil e de Processo Penal, tendo resultado dos estudos da Comissão,

entre outros, o Projeto nº 4.900/95.

98

3.2.1 Anteprojeto Tornaghi

Dos Anteprojetos e Projetos de Código de Processo Penal elaborados e apresentados

desde 1963, o que menos apresentou mudanças significativas na área do júri, na explicação de

Rogério Lauria Tucci (1999)27, foi o primeiro, isto é, o Anteprojeto Tornaghi (GRECO

FILHO, 1995, p. 365)28, de 1963. Os demais introduziram inovações mais profundas.

No tocante à oralidade, os que mais inovaram foram o Projeto nº 4.900/1995

(DOTTI, 1999, p. 295) e o Projeto nº 4.203/2001, motivo pelo qual, no presente trabalho, não

serão tecidos comentários sobre aqueles Anteprojetos que não se preocuparam muito com o

princípio da oralidade.

3.2.2 Anteprojeto de José Frederico Marques

A idéia central do Anteprojeto de José Frederico Marques, na lição de Eduardo Reale

Ferrari (2003, p. 123) “era reforçar o sistema acusatório, introduzindo contornos mais puros,

abolindo-se de vez o juizado de instrução e o procedimento ex offício”, preocupando-se,

ademais, em consonância com a Constituição então vigente, em tornar efetivas as garantias do

direito de defesa, estabelecendo para o sucesso dessas garantias, o devido equilíbrio entre

acusação e defesa.

27 TUCCI (1999, p. 72), o Anteprojeto Tornaghi não avançou muito na área do júri, pois embora tenha tratado de “vários tipos de procedimento”, entre os quais, o relativo aos casos de “crimes dolosos contra a vida”, deu ao ato decisório de pronúncia, a denominação de sentença, prevendo, como conseqüência desta, a prisão provisória do acusado, salvo nas hipóteses em que fosse admitida a fiança. Além disso, manteve o libelo e sua contrariedade, cuidou, destacadamente, do saneamento do processo, da audiência de instrução e julgamento, dos debates, dos quesitos, do julgamento da causa, da sentença e da ata de julgamento, tendo disciplinado até as interrupções para repouso, tudo isto, sem inovações relevantes. 28 Na lição de Vicente Greco Filho (1995, p. 365) a decisão de pronúncia, em termos técnicos processuais, não é sentença, primeiro porque não é terminativa, segundo porque não resolve o mérito.

99

Entre as inovações introduzidas no júri por referido Anteprojeto, destaca-se a

supressão do libelo, peça que na lição de Sérgio Marcos de Moraes Pitombo (1999, p. 132),

em seu artigo “Supressão do Libelo”, pode ser conceituada como “a exposição escrita e

articulada do fato criminoso, reconhecido na pronúncia, com a indicação do nome do réu,

das circunstâncias agravantes previstas na lei penal e dos fatos e circunstâncias que devam

influir na fixação da sanção penal, bem como do pedido de procedência da pretensão penal”.

Outra inovação foi estabelecida pelo art. 683 do Anteprojeto, restringindo a

existência do Tribunal popular às Comarcas com população superior a trinta mil habitantes.29

Consoante lição de Eduardo Reale Ferrari (2003), sete Projetos de reforma do

Código de Processo Penal, um deles relativo ao Tribunal do Júri, o de nº 4.203/2001, foram

encaminhados à Câmara dos Deputados.

3.2.3 Da oralidade no Projeto 4.900/95

O Projeto de Lei nº 4.900, de 1995, em seu art. 474 e §§ 1º e 2º estabeleceu:

Art. 474: Findo o interrogatório, o Juiz, o Ministério Público, o assistente, o querelante e o defensor do acusado inquirirão, sucessiva e diretamente, as testemunhas arroladas pela acusação.

29 Com a permanência do libelo, já que as propostas de reforma do Código de Processo Penal ainda não foram acatadas, os quesitos a serem elaborados pelo juiz presidente devem guardar correspondência com ele. Se suprimido for, o juiz presidente basear-se-á, para a elaboração dos quesitos, na pronúncia e no que for alegado em plenário. Atualmente, o art. 471, caput, do Código de Processo Penal dispõe: “Terminada a inquirição das testemunhas o promotor lerá o libelo e os dispositivos da lei penal em que o réu se achar incurso, e produzirá a acusação”. O Anteprojeto Frederico Marques, publicado no exemplar do Diário Oficial da União de 29.6.1970, em seu art. 73l, estabelece: “Terminada a inquirição de testemunhas, o órgão do Ministério Público lerá a denúncia, explicando eventuais alterações oriundas da pronúncia, e, a seguir, produzirá a acusação”. Com esta última disposição, afastado fica o libelo. A eliminação do libelo, segundo Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, em seu artigo “Supressão do Libelo”, foi mantida nos Projetos nos projetos de 1975 e 1983. O art. 476 dos Projetos 4.900/1985 dispõe: “Encerada a instrução, a palavra será concedida ao Ministério Público, que promoverá a acusação, nos limites da pronúncia, sustentando, se for o caso, a existência de circunstância agravante” e o art. 476 do Projeto 4.203/200l, reza: “Encerrada a instrução, será concedida a palavra ao Ministério Público, que fará a acusação, nos limites da pronúncia, sustentando, se for o caso, a existência de circunstância agravantes”. Quer dizer: estes dois últimos Projetos também silenciam sobre o libelo. (PITOMBO, 1999, p. 131)

100

§ 1º para a inquirição das testemunhas arroladas pela defesa, o defensor do acusado formulará as perguntas antes do Ministério Público e do assistente, mantidos no mais a ordem e o critério estabelecido neste artigo. § 2º Os jurados também poderão formular as perguntas diretamente às testemunhas.

Assim dispondo, concedeu o Projeto maior eficácia e agilidade para a instrução

plenária, instituindo, claramente, no temário do júri, o critério do “cross examination”,

permitindo que as perguntas sejam feitas diretamente às testemunhas e ao acusado, pelo Juiz

presidente, pelas partes e pelos jurados.30

Os arts. 467 e 468 do Código atual já permitem que as perguntas às testemunhas e às

vítimas, no plenário do júri, sejam feitas diretamente pelas partes, o que é extensivo até ao

assistente de acusação e aos jurados. O que acontece é que muitos profissionais continuam

dirigindo as perguntas ao magistrado, fazendo-o, ao que tudo indica, com fundamento no art.

212, do Código de Processo Penal, que não regula a instrução no plenário do júri.

3.2.4 Da oralidade no Projeto nº 4.203/2001

Dispõe o art. 421, caput, do Projeto de Lei nº 4.203/2001, que “preclusa a decisão

de pronúncia, o processo, instruído com as provas antecipadas, cautelares ou irrepetíveis,

será encaminhado para o juiz presidente do Tribunal do Júri”. (FERRARI, 2003, p. 224)

Assim, impede o Projeto a utilização, na sessão de julgamento, das provas

produzidas na fase inquisitorial, bem como daquelas produzidas perante o próprio juiz, com

exceção das provas cautelares, antecipadas ou irrepetíveis.

30 Na explicação de Adel El Tasse (2006, p. 63), grande parte da doutrina e da jurisprudência já entende que, no Tribunal do Júri, o Código de Processo Penal atual já autoriza a inquirição das testemunhas diretamente pelas partes, pois, ao contrário da previsão do art. 212, que diz que as perguntas devem ser requeridas ao juiz, o art. 467, cuidando da instrução plenária, “não dá referência a mediação do Magistrado”, não sendo permitida apenas a realização de comentários adicionais.

101

Compete, então, ao juiz responsável pelo judicium accusationi, determinar, logo após

a preclusão da decisão de pronúncia, o desentranhamento dos autos de todas as provas que

não sejam antecipadas, cautelares ou irrepetíveis.

Reforçando a regra de que as provas que devem ser utilizadas em plenário são apenas

as que forem alí produzidas, somadas às provas cautelares, antecipadas ou irrepetíveis, o art.

473, § 3º, do Projeto nº 4.203/2001, estabelece: “as partes e os jurados poderão requerer

acareações, reconhecimento de pessoas e coisas e esclarecimentos dos peritos, bem como a

leitura de peças que se refiram exclusivamente às provas cautelares, antecipadas ou

irrepetíveis”. (FERRARI, 2003, p. 232)

Projeto cuida da “Instrução Plenária” nos arts. 473 a 475, estabelecendo, no art. 473

caput que: “Prestado o compromisso pelos jurados, será iniciada a instrução plenária. O

Juiz Presidente, o Ministério Público, o assistente, o querelante e o defensor do acusado

tomarão, sucessiva e diretamente, as declarações do ofendido, se possível, e inquirirão as

testemunhas arroladas pela acusação” (FERRARI, 2003, p. 232). O § lº do art. 473, trata da

inquirição das testemunhas arroladas pela defesa, dispondo que estas, antes de serem

inquiridas pelo Ministério Público e o assistente, serão inquiridas pelo defensor. Os jurados,

consoante o § 2º, do dispositivo em comento, poderão formular perguntas ao ofendido e às

testemunhas através do juiz presidente.

O art. 474, § 1º, permite que o Ministério Público, o assistente, o querelante e o

defensor, nessa ordem, formulem perguntas diretamente ao acusado. Os jurados, de acordo

com o parágrafo em exame, poderão formular perguntas ao acusado, por intermédio do juiz

presidente.

Deste modo, impondo que as provas, em regra, sejam produzidas na própria sessão

de julgamento, na presença das partes, dos jurados e perante um juiz imparcial, o Projeto nº

102

4.202/200l impõe a adoção do sistema da oralidade, com concentração, imediatidade e

identidade física do juiz, no procedimento do tribunal do júri.

3.2.5 Da previsão da oralidade no Código Modelo de Processo Penal

para Ibero-América

Ensina Ada Pellegrini Grinover (2000) que em 1988, no Rio de Janeiro, o projeto

final do Código de Processo Penal para Ibero-América foi apresentado às XI Jornadas Ibero-

americanas de Direito Processual Penal. Na explicação da referida autora, naquele tempo,

quase todos os países da América Latina ainda adotavam a forma inquisitiva de processo, o

que tanto era revelado pela adoção do procedimento sigiloso e secreto quanto pela atribuição

das funções de investigar, presidir a instrução e julgar a um mesmo órgão.31

O Código de Processo Penal brasileiro, de 1940, até 1988, ou seja, até o ano em que

foi apresentado o projeto final do Código Modelo de Processo Penal para Ibero-America, ano

em que a Constituição entrou em vigor, embora já tivesse abandonado alguns apontamentos

básicos do sistema inquisitivo, como, por exemplo, o juizado de instrução, ainda estava muito

amarrado àquele sistema, tanto assim, que continuava adotando procedimentos ex officio para

as contravenções penais e lesões corporais culposas, mantinha o inquérito policial sigiloso e

conservava outras medidas típicas da forma inquisitiva de processo.

31 Ensina Ada Pellegrini Grinover (2000, p. 70) que antes da apresentação do projeto final do Código Modelo para Ibero-América vários Códigos já tinham abandonado o processo inquisitório, tais como: o da Província de Córdoba, o de Costa Rica e o Código de Processo Penal unitário do Brasil, ensinando a citada autora que o Código de Córdoba, desde 1939, quando foi promulgado, já havia “instaurado um juízo público, oral, contraditório e contínuo”, o que concorreu para que outros Códigos provinciais argentinos passassem a segui-lo. O Código de Costa Rica tinha recepcionado o da Província de Córdoba, o que leva ao convencimento de que já havia deixado de lado a forma inquisitória, e o Código de Processo Penal unitário do Brasil, de 1940, além de ter abolido os juizados de instrução, previu a realização de uma investigação prévia, a ser realizada pela polícia judiciária, e adotou um procedimento processual contraditório e público.

103

Como o projeto final de Código Modelo de Processo Penal não foi elaborado apenas

para o Brasil, mas para a América Latina, explica Ada Pellegrini Grinover (2000), que o

Código de Processo Penal de Costa Rica, promulgado em 1996 e em vigor desde 1988, adota

o procedimento público e oral. O Código de Processo Penal de El Salvador, promulgado em

1996, em vigor desde 1988, é público, oral e contínuo, se desenvolvendo numa única

instância. O Código da Venezuela, promulgado em 1988, é bastante rico em garantias, tais

como o contraditório e a defesa técnica a partir da fase da investigação. Além disso, prevê um

juízo oral e tribunais mistos (escabinato) e de jurados. Naquele Código, a oralidade aflora,

tanto que a sentença desafia recurso de apelação, mas esta é julgada em audiência oral. O

Código do Paraguai, promulgado em 1998 e em vigor desde 1999, também adota um

procedimento oral e público.32

Entre as avançadas previsões do Código Modelo de Processo Penal para a Ibero-

América destacava-se a referente à adoção de um processo público e oral, além de várias

outras inovações reveladoras da tendência moderna consistente em adequar o Código de

Processo Penal à Constituição. Todas essas inovações, semeadas no Código Modelo, embora

ainda não adotadas, na íntegra, pelo Código de Processo Penal brasileiro, de 1940, foram

aproveitadas nos anteprojetos de reforma do Código de Processo Penal pátrio, entre elas, a

oralidade, conforme exposto no Capítulo III, item 3.2.

Como se vê, a tendência esposada no Código Modelo de Processo Penal para a Ibero-

América e no Projeto nº 4.900/95 e Anteprojeto nº 4.203/01 é implantar o predomínio da

oralidade.

32 Na explicação de Ada Pellegrini Grinover (2000, p. 71) o Código Modelo de Processo Penal para Ibero-América previa: a) adoção do modelo acusatório, com a nítida separação das funções de acusar, defender e julga; b) supressão dos juizados de instrução; c) atribuição da investigação prévia ao Ministério Público, com a intervenção do Juiz nas medidas cautelares; d) intransponibilidade para o processo dos elementos probatórios recolhidos na investigação, destinados exclusivamente à formação da opinio delicti do Ministério Público; e) processo público e oral, em contraditório; f) procedimento ordinário, com etapa intermédia objetivando receber a acusação; g) previsão de procedimentos abreviados; h) supressão, em princípio, da apelação, substituída pelo recurso de cassação e pela revisão pro reo; i) juízos integrados por elementos do povo; j) adoção de vários mecanismos de seleção de casos, quebrando o princípio da obrigatoriedade da ação penal k) acordos reparatórios; l) jurisdicionalização da execução; m) efetivação das garantias do devido processo legal.

104

No Júri a adoção da oralidade é imprescindível, primeiro porque reduziria a leitura

de trechos antigos de depoimentos que interessam apenas a uma das partes, segundo porque o

juiz leigo, ouvindo, diretamente a testemunha e o perito julgará com mais segurança.

É oportuno registrar que nem o projeto nº 4.900/95 e nem o anteprojeto nº

4.203/2001 foram adotados, estando ainda, nos arquivos do Congresso Nacional, como

também, não foi acolhido no Brasil o Código Modelo para a Íbero-América. Todavia, como

explica Eduardo Reali Ferrari (2003, p. 02-03), todos esses trabalhos vêm servindo de base a

“uma imprescindível política renovadora”.

Verifica-se a importância da oralidade em todos os setores, tanto que na área civil

tem ela larga aplicação, como será demonstrado a seguir.

3.3 A oralidade na esfera civil

A oralidade do procedimento, segundo José Frederico Marques (1995, p. 73):

[...] é o sistema através do qual as declarações frente aos juízes e Tribunais só possuem eficácia quando formuladas por meio da palavra oral. Em contraposição, o princípio da escritura, ou procedimento escrito, é aquele que obriga o uso da forma escrita para que essas declarações sejam válidas.

O supracitado autor (1995, p. 73) entende que a presença do princípio da oralidade é

mais acentuada no âmbito do processo civil do que na esfera do processo penal, tanto assim,

que, neste particular, ministra a seguinte aula:

Verifica-se assim, na legislação pátria, embora o processo oral, com seus consectários da imediatidade, concentração e identidade física do Juiz, seja tido como conquista do processo penal, o seguinte fenômeno bastante paradoxal e estranhável: o processo civil é oral e o penal é escrito.

105

Após sustentar que no processo penal brasileiro não impera a oralidade, reconhece o

mencionado processualista uma exceção, qual seja, a adoção do princípio no Tribunal do júri,

ainda assim, de forma muito imperfeita.

Explica Ovídio A. Batista da Silva (1989) que o denominado “procedimento oral” 33

é regido por vários princípios, quais sejam, princípio nuclear da oralidade, o da concentração,

o da imediação ou imediatidade, o da identidade física do Juiz e o da irrecorribilidade das

decisões interlocutórias, entendendo-se como princípio da concentração aquele que consiste

em reduzir a instrução senão a uma, mas a poucas audiências e a curtos intervalos, o que

concorre para que o julgador conserve na memória, com mais nitidez, até o momento do

julgamento do fato, tudo aquilo que apreendeu ao longo da instrução.

O princípio da imediação exige um contato pessoal entre o julgador da causa, as

partes e as provas. O princípio da identidade física do Juiz garante que, em determinados

processos, a instrução e a sentença fiquem a cargo de um mesmo juiz. O princípio da

irrecorribilidade das decisões interlocutórias visa a impedir, tanto quanto possível, as

interrupções provocadas pelas partes, mediante recurso, durante o andamento do feito.

Entre todos os princípios que constituem o sistema procedimental, atualmente, o que

mais marca presença no plenário do júri é o da concentração, seja porque muitas provas são

produzidas numa só audiência, seja porque os debates no Tribunal popular são ininterruptos.

Antonio Carlos Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco

(2002) ensinam que tanto o processo civil quanto o processo penal brasileiro, atualmente,

adotam o procedimento misto, quer dizer, o procedimento nem é exclusivamente oral nem

somente escrito.34

33 Os princípios da oralidade e da imediação são bastante parecidos, mas como explica José Frederico Marques (1997), este não se confunde com aquele, haja vista que pode coexistir com o procedimento escrito. 34 Antonio Calos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco (2002, p. 325) lecionam que entre os romanos, durante o período das ações da lei, predominou o sistema exclusivamente oral, como oral era o procedimento adotado pelos germanos invasores. Explicam, mais, que o direito canônico reagiu contra a oralidade, o que concorreu para uma adoção bastante ampla do procedimento escrito. O reino português

106

3.4 Da publicidade

A forma como a publicidade vem sendo utilizada nos Tribunais do Brasil, em

especial, no âmbito do Júri, torna a sua efetividade, enquanto garantidora do Estado

democrático de Direito, um tanto quanto polêmica.

3.4.1 Conceito

A palavra publicidade tanto pode ser entendida na acepção não jurídica quanto na

jurídica, sendo certo que, naquele ou neste sentido ela sempre aparece em contraposição às

expressões segredo e sigilo.

No sentido não jurídico, publicidade, segundo Francisco Fernandes (2000, s.p.) é “a

qualidade do que é público”. Leib Soibelman (1996, p. 490) equipara publicidade à

propaganda, conceituando tanto aquela quanto esta como a “difusão de doutrinas e

conhecimentos” ou “uso dos meios de comunicação para convencer o público a aderir a fins

políticos ou adquirir produtos comerciais”.

Em linguagem jurídica, segundo De Plácido e Silva (1989, p. 30), publicidade é

entendida como a “condição ou a qualidade de público, que se atribui ou se deve cometer aos

atos ou coisas que se fazem ou se devem fazer”.

o regulamente 737 e a maioria dos códigos brasileiros, a exemplo do direito canônico, preferiram o procedimento escrito ao oral. Os motivos que concorreram para o enfraquecimento da oralidade no Brasil, ora são revelados pela substituição das exposições orais por memoriais escritos, ora demonstrados pela complacência de alguns juízes que permitem que as inquirições se desenvolvam sem a sua efetiva intervenção. Acrescentam, ainda, que os princípios da identidade física do Juiz e da irrecorribilidade das decisões interlocutórias, vistos, na esfera processual civil, como imprescindíveis na construção e adoção do sistema oral, não alcançaram o sucesso proclamado na Exposição de Motivos do Código de Processo Civil de 1939, o que redundou em o posicionamento ali exposto fosse revisado pelo Código de 1973, atenuando o princípio da oralidade.

107

3.4.2 Da publicidade no processo penal

Antes de ingressar no estudo da publicidade no júri é importante que se faça uma

exposição sobre a sua evolução no Direito Processual Penal Brasileiro.

O desenvolvimento da publicidade é mais facilmente assimilado se seu estudo for

feito ao lado do estudo das formas históricas de processo, haja vista que enquanto a

publicidade constitui uma das principais características do processo do tipo acusatório, não é

ela recepcionada pelo processo do tipo aquisitivo.

A doutrina processual costuma classificar as formas ou tipos de processos em três

grupos, quais sejam: o sistema acusatório, o inquisitório e o misto.

O processo do tipo acusatório, na explicação de José Frederico Marques (1995, p.

92), tem as seguintes características:

a) separação entre acusação, defesa e julgamento, uma vez que cada função é exercida por pessoas e órgãos entre si diversos; b) liberdade de defesa e igualdade de posição entre à acusação e o réu; c) procedimento público e dominado pela oralidade; d) julgamento popular ou por órgãos judiciários imparciais; e) livre apresentação das provas entre as partes; f) ativação da causa pelas partes; g) o contraditório.

O processo do tipo inquisitivo, na lição de Hidejalma Muccio (2000), é oposto ao

acusatório, posto que nele não se observa o contraditório nem as regras de igualdade e da

liberdade processual entre as partes. Ao juiz compete a iniciativa do processo, podendo ele,

por isso, agir de ofício. Cabem-lhe também as funções de acusar e defender, bem como a de

julgar. No sistema em comento, ao acusado não é assegurada qualquer garantia, sendo ele

considerado mero objeto do processo e não sujeito de direito. O processo é secreto e escrito.35

35 Denilson Feitoza Pacheco (2005, p. 58) ensina que o sistema inquisitivo se desenvolveu devido a “convergência de interesses entre a Igreja Católica, que afirmava sua universalidade e lutava contra os infiéis, e os estados nacionais sob o regime de monarquia absoluta, que procuravam se afirmar contra o poder feudal”.

108

O sistema misto, segundo José Frederico Marques, apareceu depois da Revolução

Francesa. Esclarece o referido autor que, de acordo com tal sistema, o processo é dividido

numa fase instrutória e numa fase julgamento, predominando naquela o sistema inquisitivo e

nesta o acusatório.

Ensina, ainda, este último autor citado que o sistema inquisitivo de processo

predominou no continente europeu a começar do século XV. Assim, e para não fugir a

tradição européia, Portugal, pequeno país ibérico, também adotou referido sistema, como será

demonstrado a seguir.

As Ordenações Afonsinas, publicadas em 1446, na lição de José Henrique Pierângeli

(2004), cuidavam dos delitos, das penas e do processo penal, no Livro V. Na versão de José

Frederico Marques, o direito processual penal regulado por tais Ordenações era decisivamente

influenciado pelo direito canônico e por seu procedimento inquisitorial.

As Ordenações Manuelinas, publicadas em 1521, na explicação de Flávia Rahal

Bresser Pereira (2002, p. 40), “mantiveram a prevalência das formas canônicas”. Sustenta a

referida autora que no que tange à publicidade dos atos processuais, mencionadas Ordenações

em nada inovaram, mantendo, neste particular, o que dispunham as Ordenações anteriores.

As Ordenações Filipinas, no verbo de José Henrique Pierângeli (2004), entraram em

vigor por lei de 11 de janeiro de 1603. Sobre tais Ordenações, José Frederico Marques (1995,

p. 95) ministra a seguinte lição:

Era no famoso Livro V, de malsinada memória em virtude de seus preceitos desumanos e bárbaros, que vinha regulado, nos seus institutos básicos, o procedimento penal. Sob o signo de seu sistema normativo, cruel e despótico, ali se acasalavam um Direito Penal retrógrado e sanguinário com regras processuais inquisitivas, consubstanciadas, sobretudo nas tristemente famosas inquirições devassas.

Tendo em vista que as Ordenações Afonsinas foram publicadas em 1446 e que o

Brasil foi descoberto no ano de 1500, quando do descobrimento, eram tais Ordenações que

estavam vigorando em Portugal. Em 1521, isto é, passados vinte e um anos da chegada dos

109

portugueses no Brasil, foram publicadas, no país descobridor, as Ordenações Manuelinas,

cuja vigência estendeu-se até 1603, quando passaram a vigorar as Ordenações Filipinas, que

predominaram no Brasil, segundo José Henrique Pierangeli (2004), por mais de dois séculos,

tendo sido elas aqui aplicadas até 1832, ou seja, até mesmo depois da independência. Assim, e

considerando que tais Ordenações eram assinaladas pelo emblema do tipo inquisitivo de

processo, é de se concluir que o Brasil conviveu com esse malsinado sistema mais de três

séculos.

Houve um pequeno avanço no que pertine à adoção da publicidade no processo

quando se aproximava a data do Brasil tornar-se independente, pois em 23 de maio de 1821, o

príncipe regente, Dom Pedro, aprovou Decreto destinado a “Dar providências para garantia

da liberdade individual”, incluindo-se entre essas garantias, a publicidade das provas para

facilitar os meios de defesa.

Em 12 de julho de 1821 foi aprovado Decreto relativo à liberdade de imprensa,

destinado ao desenvolvimento e determinação dos princípios estabelecidos nos art. 8º, 9º e 10º

das bases da Constituição Política da Nação Portuguesa, de 1 de março de 1821. Referidas

bases estabeleciam, no referente à publicidade, a livre comunicação do pensamento.

A Constituição Imperial, de 1824, em seu art. 151, instituiu o Poder Judiciário

independente.

Além do decreto criador do júri no Brasil, já comentado no item 1.9.2 do Capítulo I

desta dissertação, vários outros atos normativos também trataram da liberdade de imprensa

nos primeiros anos da fase imperial, tais como: Decisão do Governo nº 160, de 21 de julho de

1825, tornando obrigatório a remessa ao Promotor Fiscal dos excessos de liberdade de

imprensa de um exemplar do que fosse impresso na Corte; Decisão do Governo nº 161, de 21

de julho de 1825, determinando a remessa, pelo Juiz da Alfândega, ao Promotor Fiscal dos

110

Excessos da Liberdade de Impressa uma relação de todos os livros impressos que fossem

despachados na Alfândega.

O avanço maior na área da publicidade dos atos processuais foi consagrado pelo art.

159 da Constituição do Império, que estabeleceu, em seu caput, que “nas causas crimes a

Inquirição das Testemunhas, e todos mais atos do processo, depois da pronúncia, serão

públicos desde já”.

O art. 179, inciso IV, da primeira Constituição do Brasil estabeleceu a liberdade de

manifestação de pensamento.

O Código de Processo Criminal de Primeira Instância foi promulgado por Lei de 29

de novembro de 1832. Após estudá-lo, João Mendes de Almeida Júnior, citado por José

Henrique Pierângeli (2004, p. 92), afirmou que foi “imenso o salto do Livro V das

Ordenações Filipinas para o liberalíssimo Código de Processo”.

No terreno da publicidade, assim dispunha o art. 59 do supracitado Código: “Todas

as audiências, e sessões dos Tribunaes, e Jurados serão publicas a portas abertas, com

assistência de um Escrivão, de um Official de Justiça, ou Continuo, em dia, e hora certa

invariavel, annunciado o seu principio pelo toque de campainha”. (PIERÂNGELI, 2004, p.

92)

O art. 288 do Código de Processo Criminal de Primeira instância estabelecia que

eram públicas as sessões do Júri. O art. 250 daquele mesmo diploma dispunha que as

sentenças do júri eram lidas publicamente.

O Código de Processo Criminal de Primeira instância sofreu algumas reformas, a

primeira por força da Lei nº 241, de 03 de dezembro de 1841 e seu Regulamento nº 120, de 31

de janeiro de 1842, e a segunda em decorrência da Lei nº 2.033, de 20 de setembro de 1871, e

do Decreto nº 4.824 de 22 de novembro daquele mesmo ano. No tocante à publicidade, tais

reformas em nada inovaram.

111

O Decreto nº 848, de 11 de outubro de 1890, que tinha por meta principal organizar

a Justiça Federal, previu a criação do júri federal (arts. 40 a 44). Referido Decreto não

introduziu mudanças na área da publicidade.

O Código de Processo Penal atual, Decreto-Lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941,

trata da publicidade dos atos processuais em seu art. 792, que está assim redigido:

As audiências, sessões e os atos processuais serão em regra públicos e se realizarão nas cedes dos juízos e Tribunais, com a assistência dos escrivães, do secretário, do oficial de justiça que servir de porteiro, em dia e hora certos, ou previamente designados. § 1º Se da publicidade da audiência, da sessão ou do ato processual poder resultar escândalo, inconveniente grave ou perigo de perturbação da ordem, o juiz, ou tribunal, câmara, ou turma, poderá, de ofício ou a requerimento da parte ou do Ministério Público, determinar que o ato seja realizado a portas fechadas, limitando o número de pessoas que possam estar presentes. § 2º As audiências, as sessões e os atos processuais, em caso de necessidade, poderão realizar-se na residência do juiz, ou em outra casa por ele especialmente designada. (NUCCI, 2006, p. 1043)

No art. 20, o atual Código impõe o sigilo do inquérito e, no art. 21, cuida da

incomunicabilidade do indiciado, esclarecendo, no parágrafo único do mencionado artigo,

que:

[...] a incomunicabilidade, que não excederá, 3 (três) dias, será decretada por despacho fundamentado do juiz, a requerimento da autoridade policial, ou do órgão do Ministério Público, respeitado, em qualquer hipótese, o disposto no art. 89, inciso III, do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei n. 4215, de 27 de abri de 1963). A Lei a que se refere o Código de Processo Penal no parágrafo único do art. 21 foi revogada pela Lei n. 8906, de 04 de julho de 1994.

A atual Constituição da Republica conferiu à publicidade dos atos processuais o

status de garantia Constitucional. Tamanho foi o cuidado do constituinte de 1988 com a

garantia da publicidade que cuidou da previsão da mesma em dois dispositivos

constitucionais: art. 5º, LX “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais

quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem” (MORAES, 2002, p. 392) e

art. 93, IX, que está assim redigido:

112

[...] todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação. (MORAES, 2002, p. 1293)

Na sua redação original, o inciso LX, do art. 5º, da Constituição proibia a publicidade

dos atos processuais nas hipóteses em que a defesa da intimidade ou do interesse social o

exigissem. A Emenda Constitucional nº 45, de 8/12/2004 ampliou a publicidade dos

julgamentos e dos atos processuais em geral, estabelecendo que o sigilo, doravante é

permitido somente para determinados atos e apenas nos casos em que a preservação do direito

à intimidade do interesse no sigilo não prejudique o interesse público à informação.

3.4.3 Publicidade, segredo e sigilo: o campo jurídico

Na palavra de Hélio Tornaghi (2000), durante toda a antiguidade foi conhecida a

forma acusatória de processo. Tomando a Roma antiga como modelo, leciona o autor citado

que lá, inicialmente, predominou o sistema acusatório, posteriormente, o inquisitório, tendo

ocorrido, após o predomínio deste último sistema, o retorno do acusatório.

Explica o processualista acima citado que no processo acusatório, adotado na

primeira fase da história romana, predominava a publicidade, a oralidade, e o contraditório,

mas apesar de todas aquelas garantias aquele sistema, da forma como era aplicado, acabou

oferecendo gravíssimos inconvenientes, tais como “impunidade de criminosos”, “facilitação

da acusação falsa”, “desampara dos fracos”, “deturpação da verdade”, “ impossibilidade

de julgamento, em muitos casos” e “inexequibilidade da sentença, em outros”. Diante de

todas essas falhas do sistema, extrai-se da lição do mencionado jurista que o Senado romano

acabou encarregando os quaesitores de investigar as infrações de que tivessem notícia,

113

evitando, com isto, que os infratores ficassem impunes. Essa iniciativa do Senado romano,

introduziu o processo inquisitivo naquela terra. (TORNAGHI, 2000, p. 10-14)

Esclarece, ainda, Tornaghi (2000, p. 10) que:

[...] no século XIII, a Igreja adotou o processo inquisitório na repressão das infrações penais praticadas pelos hereges (Inocêncio III, Concílio de Latrão, de 1215). O sistema inquisitório, após seu reconhecimento pela Igreja, alastrou-se por toda a Europa, sendo empregado até pelos Tribunais civis.

Sempre tecendo elogios ao sistema inquisitório, ensinando, inclusive, que serviu ele

de “corretivo para os defeitos do acusatório”, Tornaghi (2000, p. 15) aponta os motivos de

seu insucesso, explicando:

Infelizmente, o segredo, que suplantou a publicidade amplamente adotada ao tempo do processo acusatório, o uso da tortura, a concentração de poderes na mão do juiz, e a ausência do contraditório transformaram o processo inquisitório em instrumento superlativamente perigoso para a segurança dos indivíduos, dando lugar a abusos que a objetividade científica, a probidade histórica e, sobretudo, o dever de justiça mandam proclamar e até profligar com veemência.

E acrescenta o autor citado que apesar da intenção pura com que o processo

inquisitório foi adotado, transformou-se ele, com o passar do tempo, num instrumento

tecnicamente inidôneo, inidoneidade que, somada ao segredo, mola propulsora do sistema, a

exagerada concentração de poderes na mão de Juiz, os reclamos pela volta do contraditório,

da publicidade e da oralidade, tudo isto acabou provocando reação contra o sistema

inquisitivo e, por via de conseqüência, o renascimento e adoção do acusatório, que reapareceu

bastante modificado, sem aquelas falhas que predominaram em sua primeira fase.

(TORNAGHI, 2000)

Antonio Carlos de Araújo, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco

(2002, p. 06) explicam que: “Foi pela Revolução Francesa que se reagiu contra os juízos

secretos e de caráter inquisitivo do período anterior” .

114

Para De Plácido e Silva (1989, p. 182), segredo “do latim secretum (secreto,

guardado em segredo), exprime o que se tem em conhecimento particular, sob reserva, ou

ocultamente. É o que não se deve, não se quer, ou não se pode revelar, para que não se torne

público, ou conhecido”.

Acrescenta o dicionarista citado (1989, p. 182):

[...] segredo é, igualmente, o sigilo, que exprime, especialmente, o dever de não se revelar o fato que se sabe, ou de que se tem notícia, ou seja, o segredo que não se deve violar [...]. Assim, segredo é simplesmente o que está sob reserva ou é oculto. O sigilo é o segredo que não deve ser revelado.

3.4.4 A finalidade da publicidade36

Na lição de José Frederico Marques (1995, p. 75), “um dos princípios políticos de

maior projeção na Justiça Penal é o da publicidade, profundamente ligado à humanização do

processo penal, e ao qual se contrapõe o princípio do procedimento secreto ou procedimento

em segredo”.

Repudiando o segredo e o sigilo na área do processo, Flávia Hahal Bresser Pereira

(2002, p. 32), sustenta que:

A idéia de publicidade, enquanto forma de humanização do processo, decorre do fato de que, em termos históricos, o segredo serviu como instrumento para processos injustos. Era meio de acobertar arbitrariedades e violações aos direitos da pessoa posta a julgamento. O ato sigiloso compunha-se, no mais das vezes, ao exercício de defesa. A exigência de um julgamento público a validar um decreto condenatório diz, pois, com a idéia que a Justiça deve ser uma obra de luz e não de trevas.

Procurando mostrar que, na área processual penal, a publicidade dos atos merece

destaque especial em relação aos outros campos do direito, diz a mestranda acima citada que:

36Jeremy Bentham, citado por Guilherme de Souza Nucci (1999, p. 165) ensinava que, na escuridão do segredo, interesses sinistros e o mal sob qualquer forma têm plena liberdade, somente à proporção que a publicidade tem lugar pode ter efeito qualquer forma de fiscalização às injustiças judiciárias, pois onde não há publicidade não há justiça. A publicidade é a efetiva alma da justiça, a segurança das seguranças.

115

A publicidade dos atos processuais cresce ainda mais em importância quando referente ao processo penal. Instrumento que é de conservação da liberdade individual, o processo penal objetiva dupla finalidade: a) ‘por um lado, a tutela da liberdade jurídica do indivíduo, membro da comunidade; b) por outro lado, o de garantia da sociedade contra a prática de atos penalmente relevantes, praticados pelo ser humano, em detrimento de sua estrutura. (PEREIRA, 2002, p. 32)

Demonstrando que o princípio da publicidade também tem sua importância no

processo civil, Humberto Theodoro Júnior (2001, p. 27), após explicar que referido princípio

inscreve-se entre os que são informativos do procedimento, acrescenta:

Na prestação jurisdicional há um interesse público maior do que o privado defendido pelas partes. É garantia da paz e harmonia social, procurada através da manutenção da ordem jurídica. Todos, e não apenas os litigantes, têm direito de conhecer e acompanhar tudo o que se passa durante o processo. A publicidade da atividade jurisdicional e, em razão disso, assegurada por preceito constitucional (CF, art. 93, IX: “Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão Públicos..”.)

A Declaração Universal dos Direitos do Homem, solenemente proclamada pela

Organização das Nações Unidas em 1948, em seu art. 10, dispõe:

Toda pessoa tem direito, com plena igualdade, a que a sua causa seja julgada eqüitativamente e publicamente por um tribunal independente e imparcial, que decidirá quer dos seus direitos e obrigações, quer do fundamento de toda a acusação que, em matéria penal, contra si seja dirigida.37

A Convenção Européia dos Direitos do Homem, em seu art. 6º estabelece que:

“Qualquer pessoa tem direito a que sua causa seja examinada eqüitativa e publicamente,

num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei...”.38

A publicidade dos atos processuais garante a transparência da atuação dos membros

do Poder Judiciário. Como ensinam Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins (2000, p.

285), é ela “uma decorrência do princípio democrático”, que, em regra, não pode conviver

com o sigilo e o segredo, mesmo porque, a falta de divulgação dos atos processuais ou a

37 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos, <http://www.onu-brasil.org.br> Acesso em: 11.06.07. 38 Convenção Européia dos Direitos Humanos, art. 6º. <www. google.com.br>. Acesso em 11.06.2007.

116

sonegação dos dados ao povo, priva este mesmo povo do exercício de um dos direitos do

cidadão, qual seja, o de controle.

Ensinando sobre a finalidade da publicidade, dizem os autores39 supra:

Não há dúvida, portanto de que a publicidade dos atos, e especificamente dos atos jurisdicionais, atende ao interesse das partes e ao interesse público. Protege o magistrado contra insinuações e maledicências; da mesma forma que protege as partes contra um possível arbítrio ou prepotência. E confere à coletividade, de um modo geral, a possibilidade de controle sobre atos que são praticados com a força própria do Estado. (BASTOS; MARTINS, 2000, p. 286)

3.4.5 Da restrição à publicidade40

O princípio da publicidade constitui uma importante garantia para a sociedade,

permitindo a presença do público nas audiências, bem como o exame do processo por

qualquer pessoa, permissão que acaba se traduzindo num eficiente meio de fiscalização

popular sobre as atividades jurídico-profissionais de vários operadores do direito, tais como

os magistrados, promotores de justiça e advogados, mas como toda regra comporta exceção,

39 Explicam, também, Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins, em sua obra (2000, p. 286) que: [...] outra parte positiva da publicidade é a que permite a consulta dos autos do processo e demais peças lavradas no exercício da função jurisdicional. Tal acesso, ensinam, deve ser amplo e irrestrito, nos moldes da Constituição. Esclarecem mais que até aquele que não é parte no processo e que não tem a qualidade profissional de Advogado, ainda assim, não pode ser impedido de consultar os autos. 40 O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, de 16 de dezembro de 1966, procurando alargar o conteúdo da Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, em seu art. 14 “nº 1, trata da publicidade do julgamento penal, estabelecendo restrições. O dispositivo está assim redigido: Todas as pessoas são iguais perante os tribunais e as cortes de justiça. Toda pessoa terá direito de ser ouvida publicamente e com as devidas garantias por um tribunal competente e imparcial, estabelecido por Lei, na apuração de qualquer acusação de caráter penal formulada contra ela ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil. A imprensa e o público poderão ser excluídos de parte ou da totalidade de um julgamento, quer por motivo de moral pública, ordem pública ou segurança nacional em uma\ sociedade democrática , quer quando o interesse da vida privada das Partes o exija, quer na medida em que isto seja estritamente necessário na opinião da justiça, em circunstâncias específicas, nas quais a publicidade venha a prejudicar os interesses da justiça; entretanto, qualquer sentença proferida em matéria penal ou civil deverá tornar-se pública, a menos que o interesse de menores exija procedimento oposto, ou o processo diga respeito a controvérsias matrimoniais ou à tutela de menores. A Convenção Americana sobre Direitos Humanos aprovada na Conferência de São José da Costa Rica, em 22 de novembro de 1969, em seu art. 8º, 5, estabelece que “o processo penal deve ser público, salvo no que for necessário para preservar os interesses da justiça”, restringindo, com isso, a plenitude da publicidade. A regra da limitação da publicidade exposta na atual na Constituição brasileira em vigor, nos Códigos de Processo Civil e Penal e nas Declarações e Pactos de Direito Internacional é elogiada pela doutrina. Nos idos de 1930, Eugenio Floriano, citado por Flávia Rahal Bresser Pereira (2002, p. 29) ensinava que “no deberá consentirse un império absoluto. Em todas las ocasiones em que lá publicidad se vea que os contraria o sirve de obstáculo a lá consecución de los fines del processo, deberá ceder”.

117

referido princípio não é absoluto, tendo a sua área de aplicabilidade limitada pela

Constituição, em seu art. 5°, LX e art. 93, IX, e pela lei infraconstitucional.

A Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil) cuida da

publicidade dos atos processuais e das audiências nos arts. 155 e 444, estabelecendo

restrições. O Código de Processo Penal (Decreto-Lei n. 3689, de 03 outubro de 1941), limita

o princípio da publicidade ampla nos arts. 483 e 792, § 1º.

3.4.6 A publicidade no Júri

Em tema de júri, no direito brasileiro, impera a publicidade plena, por ser

inteiramente público o processo, publicidade que se manifesta desde o sorteio anterior à

convocação dos jurados, feito a “portas abertas”, nos termos do art. 428 do Código de

Processo Penal, até a publicação da sentença, que deve ocorrer na presença do réu e com as

portas abertas (art. 495, XVIII, do mencionado Código).

A exemplo do que prevê a lei, parte da doutrina sustenta que no júri impera a

publicidade plena. Rorério Lauria Tucci (1999), por exemplo, ensina que uma das principais

características do processo da competência consiste em ser ele de natureza pública,

contraditória e oral.

José Frederico Marques (1995, p. 88) foi defensor intransigente da publicidade plena

no tribunal do júri, tanto assim que chegava até a insurgir-se contra a previsão do § 1º, do art.

792, Código de Processo Penal, por entender que o presidente do tribunal, em hipótese

alguma, poderá ordenar a realização da sessão a portas fechadas, ensinando o autor que o

remédio para os casos de “inconveniente grave ou perigo de perturbação da ordem”,

apontados pelo dispositivo como autorizadores do julgamento a portas fechadas, é o

desaforamento previsto no art. 424 do Código, e não a proibição da publicidade.

118

No entanto, a publicidade, no ambiente do júri, convive e funciona com dois fortes

opositores, a saber: o silêncio, decorrente da incomunicabilidade dos jurados ordenada pelo §

1º do art. 458 do Código de Processo Penal, e o sigilo previsto no art. 5º, XXXVIII, b, da

Constituição de 1988. Assim, embora inexista atração entre os três institutos supracitados, em

matéria de júri, eles sempre são estudados juntos, razão pela qual, nos parágrafos seguintes

será demonstrado como tais temas são vistos na esfera do tribunal do povo, pela doutrina e

jurisprudência.

Na visão de Flávia Rahal Bresser Pereira (2002, p. 319):

[...] no tribunal do júri brasileiro impera a chamada publicidade geral, por ser totalmente público o processo: desde o sorteio anterior à convocação, feito ‘a portas abertas’ (art. 428 do CPP), até o resultado final em relação a cada julgamento, com a ‘publicação da sentença na presença do réu’, também ‘a portas abertas’ (art. 495, XVIII, CPP).

José Frederico Marques (1995, p. 76), a exemplo de Flávia Rahal (2002), também

sustenta que “No Tribunal do Júri, reina a publicidade plena”.

Registra Adriano Marrey (2000, p. 410): “Na verdade, o julgamento pelo Tribunal

do Júri é sempre público, presentes as partes (Ministério Público e seu defensor) e quantos

desejem presenciar os debates”.

Quanto ao silêncio que é imposto aos jurados, Firmino Whitaker, explicava que: “A

lei exigindo a incomunicabilidade, pretendeu garantir a independência dos jurados e a

verdade das decisões”. (WHITAKER, 1926, p. 79)

Para Guilherme de Souza Nucci (2006, p. 774), “a incomunicabilidade dos jurados

existe para resguardar o princípio do sigilo das votações do júri”.

O mesmo autor (1999, p. 166) acima citado mostra a distinção existente entre a

incomunicabilidade dos jurados e sigilo das votações, explicando que o constituinte firmou

preceito no sentido de que a votação do Conselho de Sentença seja sigilosa, ainda que o

julgamento transcorra em público porque “o jurado precisa sentir-se seguro para meditar e

119

votar, quando convocado a fazê-lo pelo juiz presidente, o que jamais aconteceria se estivesse

em público, mormente na frente do acusado”. Acrescentando, ainda, que o ato de

“resguardar os jurados de pressões externas, no instante da votação, tem o condão de afastar

a publicidade do ato”.

Embora Adriano Marrey (2000) entenda que o art. 93, IX, da Constituição vigente é

inaplicável ao júri, ainda assim, a doutrina até agora exposta no presente item é partidária da

publicidade plena no júri e da incomunicabilidade dos jurados como instrumento de garantia

do sigilo das votações.

Ocorre que outra corrente doutrinária, mediante argumentos bastante convincentes e

apoiados nas inovações trazidas pela Constituição vigente, discorda dos que procuram excluir

o tribunal do júri das garantias trazidas pelo art. 93, IX, da Constituição atual, e sustenta,

também, que a proibição integral da comunicabilidade dos jurados fere o primado do

paradigma da compreensão e, por via de conseqüência, impede o consenso, que atualmente

figura como uma das principais marcas das sociedades modernas, além do que, não garante o

sigilo das votações, e não assegura porque, quando a lei (art. 487 do Código de Processo

Penal)41 impõe a contagem de todos os votos negativos e positivos, quebrado fica o sigilo das

votações.

Paulo Rangel (2007, p. 88), por exemplo, entende que “há uma enorme confusão

entre a incomunicabilidade e o sigilo do voto, explicando que o sigilo”:

Visa evitar que se exerça pressão sobre a votação dos jurados, seja como perseguições, ameaças, chantagens, vantagens ou qualquer outro expediente que possa perturbar a livre manifestação do conselho de sentença. Contudo, para que se possa, realmente, assegurar o sigilo da votação, mister se faz que a contagem dos votos cesse no quarto voto sim, ou no quarto voto não, conforme o caso, pois na medida em que o juiz presidente do júri permite que sejam retirados todos os (sete) votos da urna é possível, como ocorre, que haja unanimidade de votos e, nesse caso, não será difícil adivinhar quem condenou (ou absolveu) o réu. Logo, por terra foi a garantia constitucional do sigilo dos votos. (RANGEL, 2007, p. 88)

41 “Art. 487. Após a votação de cada quesito, o presidente, verificados os votos e as cédulas não utilizadas, mandará que o escrivão escreva o resultado em termo especial e que sejam declarados o número de votos afirmativos e o de negativos”. (NUCCI, 2006, p. 773)

120

Fauzi Hassan Choukr, citado por Rangel (2007, p. 88), referindo-se ao sigilo do voto,

escreve:

Da mesma forma, ao sigilo do conteúdo do voto dos jurados nenhuma ofensa causaria a obrigatoriedade de motivar as decisões, posto que isto não faz supor a necessidade de identificar os jurados que votarem de tal ou qual maneira, preservando o princípio constitucional. Sem o que, como sabido à saciedade, a promulgação da unanimidade da votação quebra evidentemente o sigilo do voto, pela curial observação do conteúdo da manifestação de cada um dos jurados.

Explica, ainda, Rangel (2007, p. 92) que “o sigilo que se impõe é externo, ou seja,

para o público e para as partes, e não, necessariamente entre os jurados”, e acrescenta:

A justificativa de que a incomunicabilidade é necessária para que um jurado não venha influenciar no voto do outro é falsa e desprovida de sentido e explicação histórica. Trata-se de uma medida arbitrária que não espelha a realidade do significado do tribunal do júri, enquanto instituição democrática, muito menos, hoje alcança o estágio de civilidade vivido pelos cidadãos brasileiros.

Defende, ainda, que as garantias previstas no art. 93, IX, da Constituição são

aplicáveis ao júri. Com tais argumentos, o autor procura mostrar, com razão, que o júri deve

ser revisto pela doutrina tradicional, revisão que deve ser feita interpretando-se o Código de

Processo Penal conforme a Constituição.

Entendendo, também, que, em tema de júri, os resultados unânimes e sua divulgação,

ferem o princípio do sigilo das votações, Lenio Luiz Streck (1998, p. 141) assim se pronuncia:

Sabe-se que os julgamentos realizados pelo júri, embora secreto o escrutínio, têm uma peculiaridade, tal seja, a de que, quando os resultados são unânimes, fica rompido, materialmente, o sigilo do voto de cada jurado. Para solucionar esse problema, busca-se socorro no modelo francês, com a interrupção do escrutínio toda vez que a contagem chegar ao quarto voto definidor do julgamento.

Notando que o art. 487 do Código de Processo Penal afronta a garantia do sigilo,

Guilherme de Souza Nucci (2006, p. 810) declara:

121

É preciso fazer constar quantos votos foram dados afirmativamente e quantos votos foram dados negativamente. A providência, segundo entendemos, é desaconselhável, por várias razões. A primeira delas é que, sendo a votação resguardada pelo sigilo e não devendo o jurado dar satisfação de como votou, caso seja unânime, está devassada a posição dos jurados. Em segundo lugar, dá margem indevida a especulações de como desejou votar o Conselho de Sentença, fazendo com que surjam interpretações de que a votação, num sentido para determinado quesito, é incompatível com a votação, noutro sentido, para outro quesito. Ora, se o jurado quer mudar de idéia, nada impede que isto se dê, motivo pelo qual é inviável o procedimento. Em terceiro lugar, vê-se que muitas decisões, analisando a ocorrência ou não de nulidades, terminam se baseando na votação, alegando que, de acordo com a contagem, o voto deste ou daquele jurado não alterou o resultado.

Achando que o art. 487, parte final, do Código de Processo Penal, não foi

recepcionado pela Constituição atual, Armando Lúcio Ribeiro42 escreve o seguinte:

Razão de ordem constitucional e pragmática levam ao entendimento de que as votações do Tribunal do Júri devem ser interrompidas no voto definidor, equivalendo ao quarto voto em favor de uma tese, sob pena de violar-se princípio contido na Carta Magna, ou mesmo afastar do elemento popular a possibilidade de um julgamento isento de qualquer eiva ou pressão.

Adel El Tasse (2006), ao contrário de Paulo Rangel (2007), Guilherme de Souza

Nucci (1999) e Armando Lúcio Ribeiro (2007), defende a contagem de todos os votos

positivos e negativos, sustentando, inclusive, que as decisões do júri “calcadas em

‘apertados’ veredictos de quatro (4) votos contra três (3) afrontam o princípio do in dúbio

pro reo, ensejando sempre a absolvição, se condenatórias forem” (TASSE, 2006, p. 132),

mas concorda com todos os autores acima citados com um debate entre os jurados antes do

momento da votação, ou seja, com a quebra da regra da incomunicabilidade.

Lembra mencionado autor (2006, p. 134) que os opositores da comunicabilidade

invocam sempre dois motivos, quais sejam: “(a) o poder de persuasão de um jurado poderia

conduzir aos demais; b) a corrupção exercida por uma das partes, sobre um jurado, poderia

42 RIBEIRO, Armando Lúcio, O sigilo das votações no tribunal do júri. <www.mp.rn.gov.br> Acesso em: 20.05.07.

122

conduzir a que este tentasse angariar o voto dos demais, para atingir o veredicto favorável a

seu corruptor”.

Referidos argumentos, no verbo de Adel El Tasse (2006, p. 135), não resistem a uma

análise científica, mesmo porque, segundo lição de Habermas, por ele invocada: “o

paradigma da filosofia da consciência encontra-se esgotado. Sendo assim, os sintomas de

esgotamento devem dissolver-se na transição para o paradigma da compreensão,

alcançando-se o consenso”.

Concluindo seus argumentos esclarece Adel El Tasse (2006, p. 139):

Diverso do que se poderia apressadamente sustentar, inexiste qualquer confronto da regra constitucional que resguarda O SIGILO DAS VOTAÇÕES NO Tribunal do Júri, com a comunicabilidade dos Juízes de fato, entre si, na sala de votações”, sugerindo, inclusive, que os jurados, antes do julgamento, devem se reunir na sala de votação, para uma discussão sobre a causa, isoladamente, isto é, sem a presença do juiz-presidente, dos defensores e acusadores.

Marcos Vinicius Amorim de Oliveira43, outro partidário da regra da quebra da

incomunicabilidade, sustenta:

Acreditamos mais interessante em favor da legitimidade do julgamento que houvesse uma discussão previa entre os jurados, na presença tão somente do juiz da causa, para garantir a manutenção do normal desenvolvimento dos debates entre eles, o que poderia acontecer numa sala onde permanecesse preservada a privacidade dos componentes do conselho, a fim de que, democrática e conciliatoriamente, todos chegassem a um consenso, o que decerto, imprimia mais força e convencimento a decisão dos jurados.

O projeto de lei nº 4.203/2001, que se encontra tramitando no Congresso Nacional,

acompanhando a tendência moderna, estabelece em seu parágrafo primeiro que: “a resposta

negativa, por mais de três jurados, a qualquer dos quesitos referidos nos incisos I e II

encerra a votação e implica a absolvição do acusado” .

43 OLIVEIRA, Marcos Vinicius Amorim de. Tribunal do júri popular nas constituições <www.jus.com.br>. Acesso em 27.05.2007.

123

Comparando o disposto no art. 487, do Código de Processo Penal atualmente em

vigor, com a disposição supra, Américo Bedê Freire Júnior (2006, p. 43), elogiando o avanço

desta última, tece o seguinte comentário:

Ora, um dos princípios constitucionais do júri é o sigilo das votações, mas que sigilo é garantido quando é divulgada uma condenação ou absolvição pela unanimidade? De fato, com quatro votos em um sentido os demais votos são despiciendo para verificar o resultado daquele quesito, uma vez que já fixada a maioria com o quarto voto, razão pela qual adequada à alteração proposta.

No Supremo Tribunal Federal impera a orientação da doutrina tradicional, ou seja, a

de que o art. 93, IX, da Constituição não é aplicável ao júri, e que o sigilo da votação deve ser

resguardo, ao máximo possível, o que assegura a incomunicabilidade dos jurados. Foi

adotando esta linha de raciocínio que, em 23.06.1992, a mencionada Corte apreciou Recurso

Extraordinário proveniente do Estado do Rio de Janeiro, versando, em especial, sobre a

publicidade plena dos julgamentos perante o Tribunal do Júri. O Ministro Paulo Brossard, que

atuou como relator, decidiu pelo não-conhecimento do apelo excepcional.

Fundamentando o despacho que negou provimento ao recurso, o supracitado

Ministro, além de ter invocado outros doutrinadores tradicionais, seguiu, na íntegra, o

entendimento de Adriano Marrey (2000), Alberto Silva Franco e Rui Stoco, exposto na obra:

Teoria e Prática do Júri (1994, p. 244-246) 44, da seguinte forma:

A forma sigilosa, ou secreta, da votação decorre da necessidade de resguardar-se a independência dos jurados – juízes leigos, destituídos de garantias, ao contrário dos juízes togados – no ato crucial do julgamento, que é a deposição dos votos, em sentido positivo ou negativo, dela resultado a sorte do veredicto e o destino dos acusados. Devem, em conseqüência, os jurados ver-se cercados das mais sérias precauções, a fim de que decidam com independência e imparcialidade, livres de quaisquer pressões, da ameaça de violência física, resultante de coação, ou violência moral, e noutra hipótese – pela presença ostensiva e ameaçadora dos parentes da vítima, ou amigos do réu. Daí ser-lhes garantida a possibilidade de votar em recinto especial, sem a presença do público, somente sobre a direção do Juiz-Presidente e a

44 Em referido despacho, o Ministro Relator Paulo Brossard citou a obra mencionada conforme parte final da decisão.

124

fiscalização indireta do representante do Ministério Público e da defesa (art. 481). O que se afigura evidente necessita, entretanto, de ser demonstrado, ante a tendência desavisada – que já se observa – de pretender-se aplicável aos trabalhos do júri o dispositivo constitucional onde se estipula que todos os julgamentos serão públicos, e fundamentados todas as decisões, sob pena de nulidade, CF/88, art. 93, IX. Tal preceito é peculiar aos órgãos do Poder Judiciário comum. O Tribunal do Júri é também órgão judiciário, mas especial. Na verdade, o julgamento pelo Tribunal do Júri é sempre público, presentes as partes (Ministério Público e seu defensor) e quantos desejam presenciar os debates. As decisões, porém, do Conselho de Jurados não podem ser fundamentadas, visto que ele vota simbolicamente – sim, ou não. Fundamentadas serão apenas as sentenças proferidas pelo Juiz Presidente, na concretização do veredicto final. A disposição específica do júri é a contida no art. 5º, XXXVIII, da CF/88, estatuindo que ele funcione com a garantia do “sigilo das votações”. Indica tal preceito um característico essencial à sua organização. O júri, no ato de votarem os jurados, não se assemelha dos colegiados judiciários, constituídos de Juízes revestidos de amplas garantias para que profiram decisões imparciais e independentes, mesmo quando emitem voto em julgamento público. Os jurados, ao reverso, julgam de acordo com seu livre convencimento, de modo que o voto pode até ir além do afirmado e provado; e votam sem responsabilidade pelo voto emitido, porque – “são executores, no momento, de poder estatal do povo”. Deve o sigilo da votação, quanto possível, ser resguardado, também pela razão de que assim se assegura a incomunicabilidade dos jurados, cuja violação acarretaria nulidade do julgamento (CPP, art. 564, III, j). Essa incomunicabilidade é da essência do julgamento pelos jurados. Está prescrita na lei processual penal (CPP, art. 458, parágrafo 1º,), e deve ser objeto de especial atenção do Juiz Presidente.

Sendo certo que a Constituição impõe o sigilo da votação, se esta não é interrompida

no voto definidor, isto é, no quarto voto afirmativo ou negativo, não há dúvida de que ocorre

violação do princípio constitucional assegurador do sigilo, em especial, quando a votação

resulta em sete votos sim ou sete votos não e é informada ao réu e ao público mediante a

leitura da sentença.

O Júri não é privilégio das grandes cidades, podendo ser realizado nas grandes

capitais como São Paulo e outras, onde dificilmente os jurados são conhecidos dos réus e de

seus familiares e amigos, e nas pequenas Comarcas interioranas, onde o réu e seus familiares

conhecem todos os jurados e seus respectivos parentes.

125

Assim, quando ocorre um julgamento numa Comarca pequena e as teses defensivas

apresentadas pelo réu, por meio de seu defensor, são rejeitadas na íntegra, sendo ele

condenado, por sete votos a zero, pelos sete juízes que o julgam, quando o juiz-presidente

anuncia o julgamento e informa o resultado, além de quebrar o sigilo constitucional da

votação, outra coisa não faz senão repassar ao condenado a seguinte informação: quem te

condenou foram estes sete jurados que estão a teu lado ou a tua frente e não este Juiz togado,

este, obedecendo a vontade deles, dos jurados, e cumprindo a lei, apenas elaborou a sentença.

Levada tal informação ao conhecimento do réu, qual é a segurança que têm os

jurados perante o revoltoso condenado? Nenhuma.

Assim, não havendo interrupção da votação no voto definidor, ou seja, no quarto

voto negativo ou positivo, não convencem os argumentos daqueles que acham que a

finalidade do sigilo da votação é a de assegurar a independência dos juízes leigos, destituídos

das garantias de que dispõem os juízes togados.

Afirmar que a publicidade dos atos processuais e a fundamentação das decisões são

tarefas atribuídas pela Constituição apenas ao Poder Judiciário comum, ficando o tribunal do

júri, por ser um órgão especial do mencionado Poder, isento de tais obrigatoriedades, é uma

demonstração clara de um exagerado apego às Constituições anteriores a de 1988, o que

prejudica a assimilação das novas garantias reconhecidas pela nova ordem constitucional.

Como escrevem Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e

Cândido Rangel Dinamarco (2002), atualmente, da Constituição erige o princípio da

publicidade – antes assegurado apenas em nível de lei infraconstitucional (CPC, art. 155;

CPP, art. 792; CLT, art. 770) - em princípio constitucional (art. 5º, inc. LX, e art. 93, inc. IX).

A publicidade, além de figurar como princípio constitucional desde a entrada em vigor da

atual Constituição, cresce cada vez mais a tendência de sua ampliação. Uma fonte

demonstrativa dos sintomas dessa tendência é a Emenda Constitucional nº 45, de 8.12.2004,

126

que subordina o sigilo de determinados atos a não-prejudicialidade do interesse público à

informação.

O § 3º, do art. 5º, da Constituição de 1988, a este acrescentado pela supracitada

Emenda, estabelece que: “Os Tratados e Convenções Internacionais sobre Direitos Humanos

que forem aprovados, em cada casa do Congresso nacional, em dois turnos, por três quintos

dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às Emendas Constitucionais”.45

Está certo que a mencionada Emenda condiciona a equivalência dos Tratados e

Convenções Internacionais sobre Direitos Humanos a várias condições, mas, de qualquer

forma, prevê o ingresso dos Tratados e Convenções Internacionais no ordenamento jurídico

brasileiro com a mesma força de Emendas Constitucionais.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, assinada pelo Brasil na data de sua

proclamação: 10.12.1948, em seu art. 10 estabelece que:

Toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que sua causa seja eqüitativa e publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que decida dos seus direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusação em matéria penal que contra ela seja deduzida.46

Atendendo o Congresso Nacional as exigências do § 3º, do art. 5º, da Constituição

em vigor, a Declaração em comento integrará o ordenamento jurídico brasileiro como

Emenda Constitucional. Daí, toda pessoa tem direito a que sua causa seja eqüitativa e

publicamente julgada. Se essa causa for da competência do júri, tornar-se-á difícil manter o

tradicional sigilo das votações, a não ser que o Supremo Tribunal Federal, deixando de lado a

Constituição, continue aplicando ao júri, apenas as velhas e desatualizadas regras do Código

de Processo Penal de 1941.

45 BRASIL. SENADO FEDERAL. Constituição da República Federativa do Brasil: texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, com as alterações adotadas pelas Emendas Constitucionais n° 1/92 a 52/2006 e pelas Emendas Constitucionais de Revisão n° 1 a 6/94, p. 20. 46 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos, <http://www.onu-brasil.org.br> Acesso em: 11.06.07.

127

CONCLUSÃO

Ficaria vazia a presente dissertação se, em seu arremate final, não fosse apontado o

lugar do nascimento do júri; se não fosse indicado um mecanismo eficiente para o

fortalecimento da soberania do júri e se não fosse apresentada uma proposta para a aplicação

dos princípios da oralidade e da publicidade no júri. Por isso, segue a conclusão nessa mesma

ordem.

Ficou mostrado na dissertação que, embora alguns sinais do júri tenham surgido na

Antiguidade, a instituição adquiriu os contornos que hoje possui na Inglaterra, já que foi no

solo britânico que os julgadores de fato assumiram as feições de verdadeiros jurados,

substituindo os julgamentos tiranos dos soberanos, além do que, foi lá que a instituição, pela

primeira vez, apareceu numa Constituição: a de 1215.

Mostrou, também, a dissertação, que há indícios bastante convincentes de que a

imprensa, a opinião pública e os próprios órgãos do poder Judiciário exercem influência sobre

os julgadores de fato o que relativiza a soberania.

A dissertação mostrou que fortes indícios revelados por casos criminais já ocorridos

apontam a mídia como um instrumento capaz de influenciar, profundamente, a convicção dos

julgadores leigos, esclarecendo, inclusive, que a mídia brasileira, a exemplo da francesa, da

belga e da italiana não sofrem restrições quanto à publicação de matérias criminais, podendo,

em razão dessa liberdade, divulgar tais matérias a partir da fase investigatória, levando ao

conhecimento do meio social do qual o jurado é escolhido para julgar, a barbárie do fato e os

antecedentes do autor. Atenta a essa situação, a dissertação deixou claramente evidenciado

que, no que tange à divulgação de matérias criminais, a mídia brasileira deverá seguir os

exemplos da inglesa e, em especial, da Alemã, abstendo-se de publicar matérias relativas ao

comportamento dos acusados, bem como daqueles dados colhidos na fase investigatória, para

128

evitar que as suas repetidas divulgações, em especial, nas vésperas dos julgamentos do júri,

possam viciar o convencimento dos jurados.

As mesmas considerações dirigidas à mídia foram destinadas à opinião pública,

procurando-se demonstrar que o crime, em especial, o homicídio, que é da competência do

júri, destaca-se como o que mais atrai a opinião pública, provocando, em geral, clamor, medo

e sentimento de impunidade, o que gera uma cadeia de indícios que pode concorrer para que o

jurado, independentemente da honestidade que sempre lhe serviu de guia, decida de acordo

com a vontade do público.

Ficou registrada, também, a forma como alguns magistrados, monocráticos ou

integrantes dos Tribunais superiores fundamentam a decisão de pronúncia, específica dos

crimes da competência do júri, chegando alguns desses julgadores, como mostrado nos casos

pesquisados, a descer ao mérito da causa, anotando nos processos as suas opiniões sobre os

casos que julgam, permitindo, com isso, que seus posicionamentos sejam repassados, pelas

partes, aos jurados, o que pode levar os julgadores leigos a segui-los, o que não é

aconselhável, já que o júri, em geral, confere mais crédito às palavras dos juízes do que as das

partes.

Com base em todas essas provas indiciárias que podem influenciar os jurados, o

estudo mostrou que a soberania do júri é tão-somente relativa, e para que ela se fortaleça,

aproximando-se mais do ideal, ou seja, da absolutização, a dissertação propôs que para evitar

essa interminável divergência, jurisprudencial e doutrinária, sobre a necessidade ou não de

fundamentação da pronúncia, melhor seria que os juízes a fundamentassem, dizendo que a

prova produzida até o final da primeira fase do procedimento escalonado do júri, analisada,

em profundidade, inclusive no mérito, ainda não autoriza absolvição sumária, nem a exclusão

de eventuais qualificadoras, acrescentando, todavia, que isto não significa condenação, haja

129

vista que todo quadro probatório poderá mudar por completamente ocasião da instrução

plenária.

Foram tecidas considerações sobre as restrições que atualmente vêm sendo impostas

à oralidade no tribunal do júri, quando se afirmou que a aplicação do princípio está limitada

aos discursos das partes e à leitura, às vezes feita por um escrivão ou pelas próprias partes, de

depoimentos de testemunhas ou de laudos periciais. É certo que tais comentários não se

fizeram acompanhar de uma estatística que demonstrasse o desprezo ao referido princípio,

mas a inaplicabilidade da oralidade no júri brasileiro, conforme exposto, é algo notória,

dispensando-se, por isso, produção de provas.

Mostrou-se que a solução para que impere a oralidade ampla no júri reside na

aprovação das mudanças de alteração do CPP que tramitam no Congresso Nacional, em

especial, as previstas no projeto de Lei nº 4.203/2001, que propõe uma instrução plenária (art.

473), bem como que as testemunhas sejam ouvidas perante o Conselho de Sentença, podendo

os jurados formular perguntas a elas (art. 471, § 1º). Na sessão de julgamento, portanto,

poderá ser aplicado, de forma ampla, o sistema da oralidade, com, concentração, imediatidade

e até a identidade física do juiz.

Quanto à publicidade no processo penal, a dissertação mostrou a sua evolução desde

os primeiros diplomas que a ela se referiram até sua atual posição na Constituição de 05 de

outubro de 1988, que lhe conferiu o status de garantia constitucional.

Ao longo do estudo foram feitas comparações entre o segredo e a publicidade,

mostrando-se que aquele teve larga aplicação no chamado processo inquisitivo e que a

publicidade encontra abrigo e aplicação no processo acusatório.

Foi exposto o posicionamento do Supremo Tribunal Federal sobre a aplicação do art.

93, IX, da Constituição Federal no Júri, mostrando-se até com base numa decisão proferida

por aquela Corte, que ela, lamentavelmente, entende que o disposto no mencionado

130

dispositivo constituicional não aproveita o júri, prevalecendo, assim, quanto à publicidade, a

regra do art. 792 do CPP.

Demonstrou-se, também, que a regra que acoberta o sigilo das votações é

desobedecida quando se publica o resultado das votações.

No arremate do estudo da publicidade, foram apresentadas as seguintes propostas: a)

que os jurados devem discutir a causa, antes da votação, o que não quebra a regra da

incomunicabilidade, já que o sigilo não se dirige a eles, mas ao público e às partes; b) que a

votação deve ser interrompida no quesito definidor, sob pena da quebra do sigilo; c) que as

decisões do júri sejam fundamentadas.

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REFERÊNCIAS

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