análise criminal e o planejamento operacional

116
A ANÁLISE CRIMINAL E O PLANEJAMENTO OPERACIONAL Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 1 10/9/2008 16:47:08

Upload: ana-paula-miranda

Post on 03-Jan-2016

51 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

Page 1: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

A Análise CriminAl e o PlAnejAmento

oPerACionAl

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 1 10/9/2008 16:47:08

Page 2: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

Este livro foi produzido por meio de convênio firmado entre o Instituto de Segurança Pública e o Programa de Apoio Institucional às Ouvidorias de Polícia e Policiamento Comunitário da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, financiado pela União Européia.

O conteúdo desta obra é de responsabilidade exclusiva dos autores e do Instituto de Segurança Pública.

A Análise CriminAl e o PlAnejAmento

oPerACionAl

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 2 10/9/2008 16:47:09

Page 3: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

A Análise CriminAl e o PlAnejAmento

oPerACionAl

Projeto Curso de Capacitação em Técnicas Quantitativas e Análise Criminal

Volume 1

2008Rio de JAneiRo

1ª ediÇÃo

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 3 10/9/2008 16:47:09

Page 4: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

Coleção instituto de segurança PúblicaCoordenador– Mário Sérgio de Brito Duarte

Série Análise CriminalOrganizadores – Andréia Soares Pinto e Ludmila Mendonça Lopes Ribeiro

Volume 1A Análise Criminal e o Planejamento operacional

AutoresAna Paula Mendes de Miranda – IPP / Simoni Lahud Guedes – UFF / Doriam Borges – IUPERJ / Cláudio Beato – UFMG

Elenice de Souza – UFMG / Paulo Augusto Souza Teixeira – ISP

© 2006 by Instituto de Segurança Pública

Tiragem: 150 exemplaresImpresso no Brasil

É permitida a reprodução, total ou parcial, e por qualquer meio, desde que citada a fonte.

RevisãoFrederico César GirautaMaria Cláudia Ajuz GoulartCarmem Lúcia Teixeira JochenIara Cruz Fróes da Silva

Projeto GráficoAlexandre Lage da Gama LimaThiago Venturotti Nunes Carneiro

DiagramaçãoFrancisco Kelson Moreira de Sousa

Organizadoras do volumeAndréia Soares PintoLudmila Mendonça Lopes Ribeiro

Ficha CatalográficaJohenir ViégasElenice Glória Martins Pinheiro

Coordenação TécnicaLudmila Mendonça Lopes Ribeiro

Equipe técnicaLucas Botino do AmaralDaniel Keidel Bou Haya

Coordenação AdministrativaJosé Motta de Souza

Apoio AdministrativoAlexandre CorvalFlorisvaldo MoroJosé Renato Biral Belarmino

A532aA Análise Criminal e o Planejamento Operacional / Organizadoras Andréia Soares

Pinto e Ludmila Mendonça Lopes Ribeiro; Coordenador Mário Sérgio de Brito Duarte; [autores] Ana Paula Mendes de Miranda ...[et al.]. – Rio de Janeiro: Riosegurança, 2008.

116 p. – (Série Análise Criminal, v. 1)

ISBN 978-85-60502-32-5

1. Análise Criminal – manuais, guias, etc. I.Pinto, Andréia Soares (Org.) II Ribeiro, Ludmila Mendonça Lopes (Org.) III. Duarte, Mário Sérgio de Brito (Coord.) II. Título. III. Série.

CDD: 362.12

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 4 10/9/2008 16:47:09

Page 5: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

sUmário

APRESENTAÇÃO(Mário Sérgio de Brito Duarte e Robson Rodrigues da Silva) ....................................... 7

INTRODUÇÃO(Ludmila Mendonça Lopes Ribeiro e Andréia Soares Pinto) .......................................... 10

INFORMAÇÃO, ANÁLISE CRIMINAL E SENTIMENTO DE (IN) SEGURANÇA: CONSIDERAÇÕES PARA A CONSTRUÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE SEGURANÇA(Ana Paula Mendes de Miranda) ............................................................................................... 14

COLETANDO E EXTRAINDO INFORMAÇÕES DOS BANCOS DE DADOS CRIMINAIS: A LÓGICA DAS ESTATÍSTICAS DAS ORGANIZAÇÕES POLICIAIS (Doriam Borges) ................................................................................................................................ 42

O SISTEMA CLASSIFICATÓRIO DAS OCORRÊNCIAS NA POLÍCIA MILITAR DO RIO DE JANEIRO E A ORGANIZAÇÃO DA EXPERIÊNCIA POLICIAL: UMA ANÁLISE PRELIMINAR(Simoni Lahud Guedes) ................................................................................................................. 53

PRODUÇÃO, USO DE INFORMAÇÕES E DIAGNÓSTICOS EM SEGURANÇA URBANA(Cláudio Beato) ................................................................................................................................. 63

EXPLORANDO NOVOS DESAFIOS NA POLÍCIA: O PAPEL DO ANALISTA, O POLICIAMENTO ORIENTADO PARA O PROBLEMA E A METODOLOGIA IARA(Elenice de Souza) ........................................................................................................................... 92

OS CONSELHOS COMUNITÁRIOS DE SEGURANÇA E OS DADOS OFICIAIS(Paulo Augusto Souza Teixeira) .................................................................................................. 105

PERFIL DOS ORGANIZADORES E AUTORES ........................................................................... 116

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 5 10/9/2008 16:47:09

Page 6: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 6 10/9/2008 16:47:09

Page 7: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

série ANÁLise CriMiNAL | 7

Foi por uma postura racional que, segundo Max Weber, a civilização ocidental se distinguiu no cenário mundial sustentada pelos pilares da ciência, do capitalismo e da democracia. Nesse sentido, a otimização de recursos na busca de um “lucro sempre renovável”, a organização racional do trabalho e a ciência moderna, menos contemplativa e cada vez mais compromissada com o progresso tecnológico, foram fatores decisivos para o surgimento do atual conceito de cidadão e da moderna sociedade industrial.

Em termos de Administração Pública, o conceito weberiano de “lucro renovável” pode ser traduzido por uma gestão eficiente, eficaz e efetiva que utiliza a ciência para a alocação racional dos recursos públicos, definindo objetivos, traçando metas factíveis e construindo indicadores adequados de avaliação e de produtividade. O chamado planejamento estratégico deve contemplar, portanto, um diagnóstico adequado da realidade, dos recursos disponíveis e dos óbices que eventualmente dificultem a consecução desses objetivos.

No campo da segurança pública, mais precisamente no que diz respeito ao controle da criminalidade e das violências, função que entendemos ser uma das premissas do Estado-nação, uma gestão que se pretenda moderna não deve abrir mão da Análise Criminal como instrumento otimizador de suas ações, com todas as novidades que o progresso científico-tecnológico pode hoje nos proporcionar. Um de seus objetivos é o de habilitar profissionais na manipulação de softwares estatísticos e de geoprocessamento para a produção e análise de informações necessárias ao planejamento e à execução de políticas públicas de segurança eficazes.

O livro que ora temos o prazer de apresentar trata exatamente da Análise Criminal e faz parte de um conjunto de estratégias desencadeadas pelo Instituto de Segurança Pública, com vistas à modernização da segurança pública estadual. Particularmente, objetiva familiarizar atores do chamado sistema de justiça criminal (polícia, Ministério Público, justiça e presídios) com o instrumental científico-tecnológico já - e o que está por ser – construído pelo Instituto para uma gestão racional da segurança pública, tanto no plano estratégico, como no tático-operacional. Ele foi elaborado por ocasião do Curso de Capacitação em Técnica Quantitativas e Análise Criminal, um dos

APresentAÇÃo

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 7 10/9/2008 16:47:09

Page 8: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

8 | série ANÁLise CriMiNAL

projetos do convênio firmado com a Secretaria Especial dos Direitos Humanos – SEDH – da Presidência da República e realizado pelo ISP com o financiamento da União Européia.

Mesmo entendendo que a Análise Criminal seja mais do que a coleta de dados quantitativos para a produção de uma estatística criminal confiável, esta é, sem dúvida, sua primeira etapa. Assim, torna-se importante primeiramente a construção de bases de dados abrangendo informações sobre as práticas dos atores do sistema de justiça criminal, juntamente com um ferramental analítico adequado; depois, a sensibilização desses próprios atores para que, por meio de uma postura moderna, possam de fato utilizar em toda sua plenitude esse instrumental posto a disposição pelo ISP, quer na projeção de cenários, quer na elaboração de inferências, ou quer no estabelecimento de padrões e mapeamento de tendências criminais.

Evidentemente que estamos falando de um processo de modernização que, como todo processo, apresenta uma ordem de etapas que precisa ser respeitada. Seguindo essa ordem, o ISP vem procurando cumprir sua vocação institucional de subsidiar a Secretaria de Estado de Segurança. Nesse sentido o estado do Rio de Janeiro já conta, desde 1999, com o Programa Delegacia Legal, dispondo de uma base de dados confiável das ocorrências registradas em todo o território fluminense. A partir deles, o ISP produz a estatística criminal do estado que é divulgada mensalmente na página eletrônica do Instituto e no Diário Oficial do estado.

Por meio do mesmo convênio com a SEDH e a União Européia, o ISP também desenvolveu o projeto SIAD (Sistema de Integração de Análise de Dados), com o objetivo de integrar dados da Polícia Civil, da Polícia Militar e das Guardas Municipais; e desenvolveu, ainda, uma metodologia própria para a realização de pesquisas de vitimização que visam trazer luzes ao fenômeno da sub-notificação criminal, mais comumente conhecida como “cifra negra”. Seu primeiro resultado foi a Pesquisa de Condições de Vida e de Vitimização, realizada em 2006/2007 na Região Metropolitana do estado do Rio de Janeiro e recentemente divulgada pelo ISP. Aliás, foi após a divulgação dos dados dessa pesquisa, que o próprio Secretário de Estado de Segurança, Dr. José Mariano Beltrame, aventou a possibilidade de se iniciar uma série histórica para a avaliação das “cifras negras” no estado, o que já foi providenciado no Planejamento Orçamentário para o próximo ano.

Outro grande passo do ISP nesse processo foi a criação de um Observatório Criminal no Núcleo de Pesquisas em Segurança Pública e Justiça Criminal - NUPESP/

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 8 10/9/2008 16:47:09

Page 9: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

série ANÁLise CriMiNAL | 9

ISP, que possibilita o monitoramento espacializado das incidências criminais no estado, com o georeferenciamento dos dados das ocorrências policiais obtidas no Centro de Controle e Comando da Secretaria de Estado de Segurança - SESEG.

Sabemos que ainda há muito caminho ainda para percorrer e, nesse aspecto, seria interessante contarmos também com dados sistematizados de outros atores do sistema de justiça criminal, além das polícias estaduais, problema que será discutido ao longo do presente trabalho. No entanto, é bom ressaltar que o sucesso do primeiro curso de análise criminal já nos aponta alguns avanços nesse sentido. Dessa forma, o ISP resolveu oferecer uma versão mais curta do mesmo curso para policiais, jornalistas, pesquisadores e gestores de segurança pública em geral, como uma capacitação a ser continuada neste e no próximo ano. E ainda no intuito da sensibilização, foi estabelecido um diálogo com a Polícia Militar do estado do Rio de Janeiro para que o mesmo programa também seja oferecido na Academia de Polícia Militar D. João VI para Aspirantes recém-formados no Curso de Formação de Oficiais, o que atenderá à Matriz Curricular proposta pela Secretaria Nacional de Segurança Pública. Percebe-se, com isso, a imensa potencialidade que representa este trabalho que, inclusive, deverá ser acrescido de outros artigos ou volumes, num futuro muito próximo.

MÁRIO SÉRGIO DE BRITO DUARTEDiretor-Presidente do Instituto de Segurança Pública

ROBSON RODRIGUES DA SILVAVice-Presidente do Instituto de Segurança Pública

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 9 10/9/2008 16:47:09

Page 10: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

10 | série ANÁLise CriMiNAL

introdUÇÃo

Existe hoje amplo reconhecimento de que nenhuma organização pública ou particular

funciona bem sem recursos humanos capazes de desenvolver com eficácia, eficiência

e efetividade as atividades que lhe são destinadas. No âmbito das instituições que

compõem o sistema de justiça criminal, esta afirmação também é válida, razão pela qual

muito se tem discutido sobre quais habilidades devem ser consideradas indispensáveis

ao agente de segurança pública, para que esteja de fato capacitado a traçar ações de

prevenção da criminalidade, principalmente a violenta.

Entre as habilidades requeridas para o agente de segurança pública, encontra-

se a de empreender uma boa análise criminal nos momentos que antecedem o

planejamento das políticas públicas e, em especial, após a implementação dessas. Isto

porque uma política pública eficaz, eficiente e efetiva é aquela que consegue não

apenas prevenir o crime, mas, sobretudo, elevar a qualidade de vida dos cidadãos.

As ações que antecedem a elaboração da política e apontam suas virtudes e

vicissitudes têm como sustentáculo as informações produzidas em sua implementação.

Em boa medida, estas se encontram armazenadas nas organizações que compõem o

sistema de justiça criminal na forma de dados quantitativos, os quais podem ter sua

natureza e dinâmica, compreendidas através das técnicas de análise estatística. Daí

porque a estatística criminal tem se revelado como um dos principais instrumentos no

planejamento e avaliação das ações de segurança pública.

A análise criminal é entendida como um conjunto de processos sistemáticos

direcionados para o provimento de informação oportuna e pertinente sobre os padrões

do crime e suas correlações de tendências, de modo a apoiar as áreas operacional e

administrativa no planejamento e distribuição de recursos para prevenção e supressão

de atividades criminais. Contudo, este instrumento parece ainda não integrar o

cotidiano das organizações encarregadas da promoção da segurança pública na

realidade brasileira.

Consciente deste fenômeno e pressionado pela demanda contínua de diversos

policiais no que diz respeito à capacitação em técnicas quantitativas e análise criminal,

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 10 10/9/2008 16:47:09

Page 11: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

série ANÁLise CriMiNAL | 11

o Instituto de Segurança Pública - ISP1 propôs a realização do Curso de Capacitação em Técnicas Quantitativas e Análise Criminal para os agentes de segurança pública do estado do Rio de Janeiro. A proposta de realização do curso teve como sustentáculo o fato de que vários agentes de segurança pública argumentavam que a não utilização dos dados criminais produzidos pela delegacia legal e tratados pelo ISP se devia ao desconhecimento das ferramentas de análise criminal.

A partir do convênio entre a Secretaria Estadual de Segurança Pública e a Secretaria Especial dos Direitos Humanos do Governo Federal, com financiamento da União Européia, o ISP capacitou, entre os dias 7 de agosto e 11 de outubro de 2006, cinqüenta e três agentes de segurança pública, através de um curso estruturado em três módulos. O primeiro ministrou disciplinas capazes de dar suporte teórico à compreensão dos métodos quantitativos. Nesta etapa, portanto, foram abordados conteúdos relativos à introdução à estatística e à análise de dados, bem como programas mais utilizados neste sentido, quais sejam EXCEL e SPSS. A segunda parte visou dar suporte aos alunos na utilização dos dados de natureza criminal produzidos por cada uma das organizações que compõem o sistema de justiça criminal quais sejam: Polícia Militar, Polícia Civil, Ministério Público, Judiciário e Sistema Penitenciário. Este módulo teve como finalidade familiarizá-los com a utilização desses dados durante o exercício de sua atividade cotidiana. Por fim, o terceiro módulo consistiu no compartilhamento de experiências de organizações policiais militares de outros estados da federação brasileira no uso de dados quantitativos enquanto ferramenta auxiliar na consecução do planejamento tático e operacional da unidade policial.

O Curso de Capacitação em Técnicas Quantitativas e Análise Criminal foi, portanto, um projeto de aperfeiçoamento dos agentes de segurança pública através da introdução, na realidade prática destes agentes, de ferramentas de análise estatística enquanto instrumento auxiliar na mensuração dos resultados das políticas públicas implementadas e instrumento principal na elaboração de ações policiais preventivas eficazes.

Alguns dos textos que integram o primeiro volume da série análise criminal foram produzidos pelos professores do curso ao longo das aulas. Ou seja, trata-se de

1 O Instituto de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro é uma autarquia ligada à Secretaria de Segurança Pública, que produz mensalmente estatísticas relativas à ocorrência de crimes no estado. Esses dados constituem uma gama de informações que poderiam servir como ferramentas no planejamento e avaliação de políticas públicas da área de segurança

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 11 10/9/2008 16:47:09

Page 12: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

12 | série ANÁLise CriMiNAL

trabalho construído não apenas a partir dos princípios teóricos e metodológicos que orientam a análise criminal, mas, sobretudo, a partir do diálogo com os principais usuários das ferramentas de informação e gestão que foram ensinadas no Curso de Capacitação em Técnicas Quantitativas e Análise Criminal. Assim, os estudos publicados neste volume representam uma tentativa de reunir as principais reflexões sobre análise criminal e, desta forma, mudar o quadro de não uso das ferramentas estatísticas enquanto instrumento e avaliação das políticas de segurança em razão do desconhecimento destas.

A estrutura da obra em cinco capítulos reflete este propósito. O primeiro capítulo analisa conceitualmente o papel da informação, em especial a estatística, na seara da segurança pública, e a forma como os dados criminais têm sido produzidos e utilizados no estado do Rio de Janeiro. Nele é desenvolvido o instrumental teórico acerca da importância da informação no planejamento e avaliação das políticas de segurança pública, utilizado nos capítulos subseqüentes.

O segundo capítulo apresenta uma discussão sobre os pressupostos da estatística criminal, principalmente no que diz respeito às possibilidades de aplicação dessa metodologia a diversas bases de dados criminais (ou não) disponíveis no Brasil. Já o terceiro capítulo parte de uma dessas bases de dados, com ênfase na base construída pela Polícia Militar do Rio de Janeiro, para desenvolver a discussão sobre como foi montado e como hoje é operado o sistema classificatório das ocorrências policiais.

Os capítulos 3 e 4 discutem a produção e o uso das informações criminais na elaboração de ações e diagnósticos em segurança pública. O primeiro deles parte do estudo de caso de Belo Horizonte e salienta que as diversas ferramentas estatísticas ensinadas no Curso de Capacitação em Técnicas Quantitativas e Análise Criminal, quando empregadas com o devido rigor metodológico, viabilizam a redução da incidência criminal e, por conseguinte, a melhoria da qualidade de vida urbana. O outro capítulo enfatiza as capacidades requeridas para o moderno policial na produção e no uso das informações estatísticas e de como estas competências são ativadas e dinamizadas através da metodologia IARA (metodologia orientada para a solução de problemas composta por quatro etapas: Identificação, Análise, Resposta e Avaliação - IARA).

O último capítulo discute a transparência dos dados na seara da segurança pública a partir da análise das ações desenvolvidas de forma integrada pelas polícias

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 12 10/9/2008 16:47:09

Page 13: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

série ANÁLise CriMiNAL | 13

e pelas comunidades, e das informações produzidas pelos Conselhos Comunitários de Segurança do Rio de Janeiro.

Com o primeiro volume da série análise criminal, desejamos suprimir uma lacuna na segurança pública, propiciando ao leitor um instrumento de apoio e reflexão que possa contribuir efetivamente para a melhor aplicação dos conteúdos apreendidos durante o curso. Esperamos que a interação entre os diversos campos de conhecimento possibilite a percepção de que o trabalho policial não se esgota no atendimento e registro de ocorrências, mas, é uma atividade voltada para a identificação e resolução de conflitos.

Andréia Soares PintoCoordenadora responsável pelo projeto

Ludmila Mendonça Lopes RibeiroCoordenadora Técnica

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 13 10/9/2008 16:47:09

Page 14: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

14 | série ANÁLise CriMiNAL

inFormAÇÃo, Análise CriminAle sentimento de (in) seGUrAnÇA:ConsiderAÇÕes PArA A ConstrUÇÃode PolÍtiCAs PÚBliCAs de seGUrAnÇA1

Ana Paula Mendes de Miranda

A informação e a construção do conhecimento

A informação é considerada usualmente como um conjunto de fatos (acontecimentos)

e/ou dados a respeito de algo, que constituiriam o ato de informar, entendido como

um processo de interação do sujeito com o mundo exterior. De acordo com a teoria da

informação, enunciar uma mensagem permite a redução da incerteza sobre uma dada

realidade. Nesse sentido, informar significa comunicar os fatos, tornando-os públicos,

e privilegiando uma visão dos fatos como “coisas”, cujo relato isento propiciaria a

percepção da realidade como ela é.

Mas o que são “dados”? São elementos de informações ou representações

de fatos que servem de base para a formação de uma análise, cujo resultado será

influenciado por diversos fatores. O uso mais comum dos “dados” está relacionado à

estatística.

A criação da palavra Estatística é atribuída ao pesquisador alemão Gottfried

Aschenwall (1719-1772) com o sentido de ciência do Estado, que permitiria aos

governantes ter um diagnóstico mais objetivo dos fatos concernentes aos seus

domínios. Acreditava-se, então, que as cifras trariam mais credibilidade e legitimidade

do que as descrições textuais. Tratou-se, portanto, de uma forma de conhecimento

que surge como um dos elementos da teoria da arte de governar, relacionada ao

desenvolvimento dos aparelhos administrativos do Estado, nos séculos XVII e XVIII.

1 Uma primeira versão deste artigo foi apresentada no Painel Políticas Públicas, Violências e Discursos, durante o Simpósio da Rede Interdisciplinar de Estudos Comparativos (RIEC): Direito, Justiça e Segurança Pública - Isaac Joseph, o espaço público e as políticas públicas, no VIII Congresso Luso-Afro Brasileiro de Ciências Sociais, em Coimbra, 2004.

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 14 10/9/2008 16:47:09

Page 15: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

série ANÁLise CriMiNAL | 15

A busca pela objetividade e neutralidade é algo já amplamente discutido na teoria do conhecimento2, tendo sido bem demonstrada por Foucault (1990), que analisou a complexa relação entre os saberes e o poder, ao afirmar que todo saber é político, não apenas porque foi produzido pelo Estado, mas porque todo saber tem em sua origem relações de poder.

A estatística entendida como ciência do Estado se constitui em um exemplo privilegiado dessa relação entre saberes e poderes, que vai desde a escolha dos temas a serem investigados até os conceitos, bem como outros aspectos metodológicos da produção de estatísticas públicas, tudo é produto de escolhas feitas pelos “analistas”. Assim, as estatísticas não podem ser compreendidas como uma cópia da realidade, mas sim como sínteses construídas a partir da observação das realidades. Conseqüentemente, todo recorte estatístico é constituído por diferentes interpretações de um mesmo fato, o que explica a existência de um grau aceitável e conhecido de erro, muito embora haja um discurso de que os números sejam sempre exatos.

A inexatidão da informação estatística tem sido comumente interpretada como uma forma de manipulação intencional, com o objetivo de obter os resultados que interessam aos governos. Esta prática é tradicionalmente chamada de “maquiagem”, como referência ao hábito de utilização de produtos de beleza para disfarçar imperfeições e realçar pontos positivos, bem como para produzir máscaras e fantasias. Não há como negar que a metáfora se aplica bem a diversas formas de governos, nacionais ou internacionais, mais ou menos democráticos, que ao longo da história procuraram dissimular alguns fatos e exibir outros tantos.

Porém, há que se problematizar mais a inexatidão estatística sob o risco de perdermos um instrumento de análise necessário para a construção de políticas públicas. Primeiro, é preciso se pensar para que servem os dados na segurança pública? Servem para, principalmente, orientar a administração quanto aos caminhos que deve seguir no planejamento, execução e redirecionamento das ações do sistema policial. Servem, também, para a população conhecer o que está acontecendo ao seu redor; e, depois, para que, conhecendo os dados e áreas de incidência, a população e os diferentes setores da sociedade civil possam objetivar as demandas por providências do Poder Público e contribuir para o esforço comunitário contra a insegurança.

O uso da informação estatística possui um caráter estratégico porque permite dar significado a infinidade de dados que inundam a administração pública. A sua

2 Ver Kuhn (1974) e Morin (2005)

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 15 10/9/2008 16:47:09

Page 16: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

16 | série ANÁLise CriMiNAL

importância não está apenas na divulgação da informação, mas na transformação da informação bruta em algo que possa servir para orientar ações futuras. Portanto, é o contexto que vai determinar o sentido dos dados.

O processo de quantificação para que seja útil à interpretação da realidade deve ser complementado pelas informações qualitativas, que fornecem mais detalhes sobre o fenômeno que se pretende estudar.

A propósito da insegurança, cumpre sublinhar que os dados estatísticos das polícias dão conta apenas do que se pode chamar de (in) segurança objetiva, o que tem a ver pura e simplesmente com a quantidade das ocorrências criminais. Não dão conta da (in) segurança subjetiva, também conhecida como sentimento de insegurança (Roché, 1990 e 1998), que, independentemente dos dados objetivos, pode ser ampliada por inúmeros fatores, mas principalmente pelo impacto emocional destas ou daquelas ocorrências em função de quem seja a vítima ou o local onde tenham ocorrido.

A informação como instrumento de políticas públicas

O Brasil é uma república federativa, formada por 26 Estados, mais de 5.500 Municípios e um Distrito Federal, cuja Constituição em vigor estabelece as competências relativas à segurança pública, no título V (Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas), em seu art. 144, como sendo um dever do Estado e direito e responsabilidade de todos, sendo exercida “para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio” (Brasil, 2004) pelos seguintes órgãos: polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal, polícia civil, polícia militar e corpo de bombeiros militares3.

O Estado do Rio de Janeiro é o único do Brasil que publica mensalmente em Diário Oficial os registros de ocorrência em delegacias, de crimes ou outros eventos ocorridos em todo o seu território4. Enquanto a cobertura de registros é de 100% no Rio de Janeiro, segundo a Secretaria Nacional de Segurança Pública, a média nacional é de 86%.

3 Embora as Guardas Municipais sejam citadas nesse artigo no §8, não estão listadas entre os órgãos responsáveis pela gestão da segurança pública. Por outro lado, a polícia ferroviária federal é citada, mas sua função é apenas proteger o que sobrou do patrimônio da Rede Ferroviária Federal, em processo de liquidação.

4 Essas informações estão disponíveis na internet, no site www.institutodeseguranca.rj.gov.br.

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 16 10/9/2008 16:47:10

Page 17: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

série ANÁLise CriMiNAL | 17

Este trabalho teve início em 1999, como parte do Programa de Qualificação Estatística e Relação com a Mídia. Participaram deste projeto diversos setores da sociedade, em especial, pesquisadores que estudam a temática da violência, criminalidade e segurança pública (Governo do Estado do Rio de Janeiro, 2000). Os objetivos principais foram dar transparência aos dados; incorporar conhecimento especializado no tratamento das estatísticas, proveniente ou não de fontes policiais; e desagregar os dados por Áreas Integradas de Segurança Pública (AISP)5, a fim de produzir mapas de risco com indicação de pontos de concentração de ocorrências de crimes.

Em 2000, foi criado o Núcleo de Pesquisa em Justiça Criminal e Segurança Pública (NUPESP), vinculado ao Instituto de Segurança Pública6, tendo como finalidades principais produzir os relatórios estatísticos sobre o sistema de segurança pública estadual, além de desenvolver e coordenar estudos sobre a justiça criminal e segurança pública, que possam contribuir para o aprimoramento profissional dos policiais.

Trata-se de um órgão que pretende promover a integração entre a metodologia acadêmica de pesquisa e a avaliação institucional do trabalho policial. Tradicionalmente, a gestão dos recursos policiais e o planejamento das ações têm sido orientados apenas pela “experiência” e “bom senso” dos agentes (investigadores, inspetores e oficiais de cartório) e autoridades policiais (delegados). Nesse sentido, considera-se que a realização de diagnósticos, a definição de metas, critérios de avaliação e a elaboração de medidas de desempenho consistentes é um trabalho que pode auxiliar tanto para avaliação da qualidade desse trabalho, quanto possibilitar o gerenciamento profissional da polícia, de forma a constituir-se numa política pública de segurança.

Juntamente com a divulgação no Diário Oficial dos dados estatísticos sobre a criminalidade no Estado, o Instituto de Segurança Pública (ISP) passou a publicar

5 Trata-se da correspondência geográfica entre a área de um batalhão da Polícia Militar (responsável pelo policiamento ostensivo e a preservação da ordem pública) e uma ou mais circunscrições de delegacias da Polícia Civil (exercendo as funções de polícia judiciária e apuração de infrações penais)

6 O Instituto de Segurança Pública é uma autarquia, criada em dezembro de 1999, para assegurar, gerenciar e executar a política de segurança do Estado do Rio de Janeiro, elaborando o planejamento da força policial que mais atenda às necessidades da sociedade. O ISP está vinculado à Secretaria de Estado de Segurança Pública, mas tem receita própria e gestão descentralizada.

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 17 10/9/2008 16:47:10

Page 18: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

18 | série ANÁLise CriMiNAL

o Boletim Mensal de Monitoramento e Análise7, a fim de dar conta à população não só do significado dos números em relação às metas estabelecidas para o setor, como também do que eles representam em relação às séries históricas sobre os crimes que mais preocupam a população. Os crimes analisados mais profundamente são: homicídio doloso, extorsão mediante seqüestro, roubo de carga, roubo e furto de veículos, roubo a banco, roubo a transeuntes, roubo a residência, roubo em coletivo e latrocínio. Estes itens foram selecionados, pela Secretaria de Segurança Pública, por atender aos seguintes critérios:

“Crimes violentos, assim considerados internacionalmente, principalmente •o homicídio e o latrocínio;

Crimes contra o patrimônio com o uso de violência - popularmente •chamadas de assaltos, tais como roubo a transeuntes, roubo em coletivos, roubo e furto de veículos;

Crimes passíveis de intervenção mais direta do Poder Público, razão pela •qual, por exemplo, o estupro, embora mereça atenção especial, não esteja incluído entre estes crimes”8.

Paralelamente, outras formas de análise são realizadas e encaminhadas às polícias, de modo a mapear as áreas e horários com maior concentração de ocorrências registradas. Essas informações não são divulgadas para não prejudicar as atividades policiais, já que são utilizadas para planejar as ações operacionais das polícias.

Dando continuidade ao Programa de Qualificação Estatística foi lançada a Série Estudos, em 2005, voltada para a análise de delitos relacionados a manifestações de violências interpessoais. No primeiro número, Dossiê Mulher, abordou-se os problemas das violências sexuais e agressões físicas no Rio de Janeiro e no mundo.

Os profissionais que atuam no sistema de segurança pública, tradicionalmente, trabalham apenas com dados relativos aos crimes que estão sob sua responsabilidade direta. Embora, não haja nada de errado nisso, essa postura não permite perceber a regularidade com que determinados delitos ocorrem, o que dificulta o trabalho de planejamento.

7 Também disponível no site www.institutodeseguranca.rj.gov.br

8 Ver Boletim Mensal, op.cit

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 18 10/9/2008 16:47:10

Page 19: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

série ANÁLise CriMiNAL | 19

A identificação de padrões, a partir do cruzamento das informações existentes nos bancos de dados das polícias, constitui-se em uma forma de sistematização mais independente do que a memória individual dos agentes. Os policiais consideram fundamental esta forma de trabalho, para que se possa falar no emprego de estratégias preventivas.

Esta estratégia, no entanto, apresenta duas grandes dificuldades: romper com a tradição policial de reter as informações e não compartilhá-las, e enfatizar o aperfeiçoamento da qualidade das informações recebidas e processadas pela polícia. Ressalta-se que a organização e análise dos dados são importantes por dois aspectos: permite que as instituições policiais possuam insumos de qualidade para realizar seu trabalho, visando reduzir a vitimização de cidadãos e policiais, além de permitir que a administração pública conheça os principais problemas do ponto de vista da população, já que se sabe que somente é registrado aquilo que é considerado mais importante, como por exemplo, para fazer jus a direitos, como no caso do recebimento de seguro de automóveis, ou nos casos de crimes contra a vida, onde o Estado tem a obrigação de atuar.

A padronização da informação faz parte de um esforço de estruturação e organização das instituições policiais, como forma de centralizar o acesso aos dados na administração central e com o objetivo de reduzir o arbítrio policial. Trata-se de buscar formas de controle institucionais, que assegurem a qualidade e a padronização da informação e do trabalho policial.

Do caos às ordens: a disputa entre a “política do sigilo” e a transparência política

O Registro de Ocorrência é o documento produzido pela Polícia Civil que poderá iniciar um inquérito policial, quando houver indício da existência de algum crime. Conforme já descreveu Roberto Kant de Lima (1995), ainda hoje o registro de ocorrência só é efetivado quando a polícia assim o deseja, o que contraria a legislação e as orientações governamentais atuais. Os policiais argumentam que estariam poupando tempo do cidadão. No entanto, já foi verificado que, muitas vezes, o policial leva algumas horas convencendo a vítima a não registrar o crime, gastando provavelmente tempo equivalente ao necessário para se realizar o registro.

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 19 10/9/2008 16:47:10

Page 20: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

20 | série ANÁLise CriMiNAL

É comum criticar-se este tipo de prática, classificando-a como um indício do despreparo policial, assim como do interesse em manter um número baixo de registros, para não contabilizar um número alto de casos não resolvidos9. Embora essas hipóteses não mereçam ser descartadas, acredito, contudo, que esse aparente descaso faz parte de uma forma tradicional de organização e controle de informações, na qual a desordem e a particularização do conhecimento são mecanismos fundamentais para a distribuição e manutenção do poder10.

O registro de ocorrência, na prática, não se restringe às classificações penais. Ao contrário, sua análise explicita mais o modo pelo qual a polícia entende os conflitos sociais, nos quais se incluem os crimes tipificados na legislação brasileira. Observa-se que há uma maior ênfase ao que se denomina modus operandi dos delitos, o que explica, do ponto de vista policial, a existência de um número maior de títulos de ocorrência do que as classificações de crimes na legislação.

Há que se considerar, ainda, que a classificação dos eventos é distinta também entre as duas instituições policiais. Enquanto as categorias utilizadas pela Polícia Civil são quase totalmente relacionadas à legislação vigente no país, que trata dos crimes e contravenções, a classificação adotada pela Polícia Militar trata os eventos de forma mais genérica, incluindo além dos crimes, eventos que são denominados de “assistenciais” e os procedimentos considerados administrativos.

As classificações existentes na Polícia Civil totalizam cerca de 1200 títulos, que abrangem a legislação relativa a crimes, contravenções, assim como títulos genéricos que permitem a inclusão de eventos, que não se encaixam nas demais. As classificações de ocorrências na Polícia Militar são agregadas em cinco grandes conjuntos (001 – crimes; 002 – contravenções; 003 – trânsito; 004 – assistenciais; 005 – diversas), que incluem um número variável de itens para detalhamento11.

9 No Boletim de Monitoramento nº. 02, de julho de 2003 (base junho), foi apresentado um levantamento que indicava a média percentual de 2,7% de elucidação para os casos de homicídio. No Relatório Final do Projeto Avaliação do Trabalho Policial nos Registros de Ocorrências e Inquéritos Referentes a Homicídios Consumados em Áreas de Delegacias Legais (2005), a média de elucidação de cinco delegacias analisadas foi de 4%.

10 Tal prática foi observada por mim em outras instituições públicas, tais como Cartórios de Registros Públicos e Arquivos Públicos (MIRANDA 2000 e 2005).

11 Ver RAMOS (2002) e GUEDES (2003).

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 20 10/9/2008 16:47:10

Page 21: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

série ANÁLise CriMiNAL | 21

Um outro ponto importante, diz respeito à transitoriedade do título da ocorrência na Polícia Civil, que pode ser modificado ao longo da investigação. Trata-se de uma classificação inicial e provisória que atende ao relato feito no “calor dos acontecimentos”, podendo ser alterado a qualquer momento pela autoridade policial, em face a novos fatos e/ou outras informações obtidas durante o inquérito policial. Neste sentido, a classificação de um fato do ponto de vista policial pode se diferenciar da classificação do mesmo fato por parte do Ministério Público, podendo ter, ainda, uma outra classificação quando do julgamento pelo juiz. Assim, uma análise aprofundada deste ciclo pressupõe que todas as instâncias do sistema de justiça criminal divulguem periodicamente seus dados, com a possibilidade do acompanhamento de um fato desde o registro da ocorrência até o seu julgamento. Infelizmente, esse processo ainda está longe de ser realidade no país.

A rigor, a classificação dos títulos dos registros de ocorrência deveria ser realizada pelo delegado, mas a prática tem revelado que esta tarefa é feita pelos agentes e, muitas vezes, estes títulos não são conferidos pela autoridade policial. Outra situação ainda comum no cotidiano das delegacias é a classificação de um fato em um título diferente para não contabilizá-lo na classificação correta. Isso ocorre quando há a predominância de um problema numa região e os policiais decidem não registrá-lo mais. Ressalta-se que tal prática pode acontecer independentemente de uma ordem superior, o que caracterizaria uma situação de “maquiagem das estatísticas”. Ao fazê-lo autonomamente, os policiais podem, apenas, estar tentando evitar que sejam cobrados a melhorar a sua produtividade na investigação de tais delitos; podem também demonstrar, ainda que inconscientemente, a discricionariedade do trabalho policial. Desde 2004, em função de um maior rigor na análise dos dados e, conseqüentemente, da observação de um maior número de erros, a Polícia Civil do Rio de Janeiro adotou como procedimento regular, o encaminhamento dos registros em que há divergência entre o título e o fato descrito para a Corregedoria, que por sua vez fica encarregada de conferir e cobrar as alterações necessárias. Além do caráter correcional, pretende-se com isso influenciar indiretamente a qualidade dos registros de ocorrências.

É importante lembrar que a organização dos dados na Polícia Civil teve início em julho de 1997, quando a Assessoria de Planejamento (ASPLAN) começou um trabalho de digitação e organização de banco de dados, trabalho que posteriormente foi adaptado pela Secretaria Nacional de Segurança Pública, com o objetivo de criar um sistema nacional e integrado de informações, atualmente em fase inicial de

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 21 10/9/2008 16:47:10

Page 22: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

22 | série ANÁLise CriMiNAL

implantação no Brasil12. Como ressalta Beato Filho (2000), são raras as secretarias de segurança no Brasil que dispõem de departamentos de estatística e coleta de dados, bem como da tecnologia necessária para tal. Em levantamento realizado pelo NUPESP em 2004, constatou-se que dos 26 estados apenas quatro informavam regularmente seus dados, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, São Paulo e Minas Gerais. No entanto, os diferentes formatos de classificação não permitem muitas vezes a comparação entre os mesmos.

Uma outra mudança importante no processo de qualificação estatística do Rio de Janeiro foi a criação do Programa Delegacia Legal, em 1999. Seu objetivo foi modificar completamente a forma de operar de uma delegacia de polícia, a partir da organização das informações e também da prestação de um serviço público de qualidade à população, com a retirada das carceragens e a melhoria do trabalho investigativo. No que tange à organização das informações, há um esforço contínuo de padronizar as classificações, através da redação e divulgação de manuais. Este processo, no entanto, ainda encontra resistências por parte dos policiais, que mantém arquivos particulares, com informações sobre criminosos, informantes e até registros de ocorrências, não incluindo as informações no banco de dados da instituição.

A resistência dos policiais às tentativas de padronização se soma à resistência com relação à publicidade dos dados, insumo necessário à proposição de políticas públicas. Entretanto, a resistência não deve ser encarada negativamente, ao contrário, deve ser considerada um indicador importante do impacto das políticas públicas em culturas institucionais. Quando não há nenhuma resistência é porque provavelmente as mudanças não estão surtindo os efeitos esperados. Só se pode falar de efetividade de uma política pública à medida que ela provoque impacto nas rotinas de uma instituição, e ao fazê-lo, essa política sofrerá conseqüentemente críticas dos que não desejam a mudança.

A divulgação sistemática dos registros de ocorrência possibilita um diagnóstico preliminar, embora limitado, dos problemas que a população leva ao conhecimento da polícia. No entanto, ater-se apenas ao que foi registrado retifica a imagem da polícia como uma instituição destinada ao combate ao crime, em detrimento de uma outra imagem, também existente, da polícia mediadora de conflitos intracomunitários e de agência que articula a população a outras agências estatais.

12 Os dados referentes à economia, saúde ou educação já são há algum tempo regularmente coletados e analisados nacionalmente, porém apenas recentemente, os dados oriundos das polícias passaram a merecer tal tratamento, o mesmo não se pode falar sobre os dados do poder judiciário

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 22 10/9/2008 16:47:10

Page 23: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

série ANÁLise CriMiNAL | 23

É essa imagem da polícia que o projeto de integração das informações entre as duas corporações pretende apresentar. Atualmente, os dados dos atendimentos realizados pela Polícia Militar, seja através do COPOM13, seja mediante o Talão de Registro de Ocorrência, não são sistematizados e analisados. Destaca-se que esses dados são extremamente valiosos. Com eles, é possível observar diversas práticas policiais relativas ao que se chama de “feijoada”, ou seja, o trabalho “assistencial”, que é considerado menos nobre, embora constitua 50% das atividades cotidianas, contabilizadas juntamente com processos administrativos – sem DP (36% de condução à DP obrigatória ou por opção das partes e 14% de atendimentos frustrados).

Atualmente, está em andamento um projeto de Integração de Bancos de Dados da Polícia Civil, da Polícia Militar e das Guardas Municipais do Estado do Rio de Janeiro, que está analisando a situação dos bancos de dados das Polícias Civil e Militar visando a sua integração. Numa segunda fase, pretende-se promover a integração com as Guardas Municipais e a Justiça Estadual, visando à ampliação do conhecimento relativo aos fatos relacionados à segurança pública, mediante o cruzamento das informações14.

Simoni Lahud Guedes fez uma instigante análise sobre o sistema classificatório das ocorrências na Polícia Militar (2003), destacando que o sistema de registro trabalha conjugado a um sistema classificatório implícito, construído e transmitido pela ação e observação do trabalho dos “mais experientes”. Assim, “o sistema classificatório das ocorrências dirige o olhar para determinadas direções, hierarquiza e valoriza eventos, desvaloriza outros e obriga à construção de liames entre o vivido e o registrado” (2003:7).

O principal problema em transformar o conjunto de ocorrências em estatística está exatamente na dificuldade de transformar a classificação policial, que toma por referência a experiência vivida em anos de trabalho policial em uma outra classificação, a estatística, cujos critérios lhe são exteriores, genéricos e pretendem alcançar uma universalidade.

13 O Centro de Operações da Polícia Militar registra todas as chamadas feitas para o telefone de emergência (190) do município do Rio de Janeiro, excluindo-se aos bairros atendidos pelos Batalhões 27 e RCECS, na zona oeste. A partir de 2006, quando for implementada da Central 190 haverá uma centralização das chamadas e dos despachos, possibilitando uma ampliação das informações.

14 Este projeto é parte de um convênio com a Secretaria Especial de Direitos Humanos, a Secretaria de Segurança Pública e o Instituto de Segurança Pública, com financiamento da União Européia.

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 23 10/9/2008 16:47:10

Page 24: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

24 | série ANÁLise CriMiNAL

Tal dificuldade se revela à medida que estamos tentando construir modelos de tradução que possibilitem a comparação entre os fatos registrados pela Polícia Civil, aonde o cidadão vai apresentar sua queixa, com os fatos registrados pela Polícia Militar, que atende a seus chamados. Numa análise preliminar dos eventos, já é possível observar que há algumas divergências de classificações entre as duas instituições, o que certamente revelará o que é valorizado e desvalorizado pelas duas polícias.

A adoção da transparência como modelo de ação política tem sido apreciada como discurso no país, em especial, no que se refere à prestação de contas do uso de verbas públicas. Entretanto, este modelo contrasta com um outro, observável a partir das práticas rotineiras de funcionários públicos, chamada de “política do sigilo”. Sua característica principal é a expressão de um certo temor: os documentos públicos quando analisados podem significar censura a uma má administração. Segundo José Honório Rodrigues, a “política do sigilo” (1989: 13) corresponderia a uma velha tradição15 portuguesa que pretende esconder e sonegar os documentos, independentemente do tempo já decorrido.

Esse desafio necessita ser enfrentado para que se possa efetivamente compreender que a relação entre informação e democracia é biunívoca, ou seja, uma não pode existir sem a outra (FERRARI, 2000). É preciso refletir também que esta relação deveria assegurar o direito-dever de informar, o que equivale à possibilidade de constituir e gerir fontes de informação, evitando-se os monopólios, bem como o direito de ser informado, o que corresponderia ao acesso a uma pluralidade de fontes informativas diferenciadas e de qualidade, evitando-se as informações manipuladas por má fé e/ou por ocultação de fatos.

Publicidade dos dados e o sentimento de (in) segurança

A descrição de como os dados têm sido produzidos e analisados é o ponto de partida para a discussão de como são construídas algumas representações a respeito da insegurança e o medo da violência e sua relação com a mídia no Rio de Janeiro. Foram selecionadas inicialmente 141 reportagens publicadas em jornais de circulação diária, das quais foram 38 selecionadas, abrangendo os meses de junho, julho, setembro e outubro de 2003; fevereiro, maio, junho e julho de 2004, relativos ao monitoramento

15 O conceito de tradição é entendido aqui como um determinado “padrão”, inconsciente, produzido e reproduzido por um grupo através de suas práticas.

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 24 10/9/2008 16:47:10

Page 25: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

série ANÁLise CriMiNAL | 25

dos dados referentes aos registros de crimes no Estado16. A escolha deste recorte temporal está associada com a cobertura da imprensa durante a divulgação dos Boletins Mensais de Monitoramento e Análise, pelo Instituto de Segurança Pública. Foram incluídas ainda algumas análises dos dados levantados pela pesquisa “Avaliação do sentimento de insegurança nos bairros da cidade do Rio de Janeiro”, em fase de conclusão17.

A seleção dos jornais ocorreu em função da participação de seus repórteres durante as entrevistas coletivas, quando foram apresentados os dados estatísticos, contando com a presença não só dos principais jornais fluminenses (O Globo, O Dia, O Fluminense, Extra, Jornal do Brasil e Jornal do Commercio), bem como de dois jornais paulistas (O Estado de São Paulo e A Folha de São Paulo).

Uma primeira constatação diz respeito ao espaço dado pelos jornais ao tema. Com exceção do Jornal Extra, cujas matérias sobre as estatísticas aparecem no caderno denominado “Geral”, os demais apresentaram suas matérias em seções chamadas de “Dia a Dia” / “Nosso Rio” / “Polícia” (O Dia); “Cidade” (O Fluminense e Jornal do Brasil); “Rio” (O Globo); “Cotidiano” (Folha de São Paulo); “Cidades” (O Estado de São Paulo); “Rio de Janeiro” (Jornal do Commercio).

Esta localização certamente não é casual e indica uma associação entre a representação do cotidiano da vida urbana ao aumento da violência e do crime, o que já foi amplamente analisado pela ciência social brasileira, conforme apontam Kant de Lima, Misse e Miranda (2000).

Um outro ponto importante diz respeito aos jornais paulistas que muitas vezes dão um maior destaque aos fatos ocorridos no Rio de Janeiro e pouco falam sobre os eventos ocorridos em São Paulo18. Esse silêncio não pode ser considerado casual. Muito menos se pode imaginar que a principal metrópole do país seja um paraíso na terra,

16 O levantamento foi realizado pelos estudantes de Comunicação Social, Bárbara Tiago Bono e Gabriel Souza, e de Ciências Sociais, Eliane dos Santos da Luz, estagiários do ISP.

17 A pesquisa foi financiada pela FAPERJ, tendo sido realizada em nove bairros (Bangu, Bonsucesso, Botafogo, Campo Grande, Copacabana, Lagoa, Méier, Pavuna, Santa Cruz), levando-se em conta o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) de cada bairro, os critérios de renda, escolaridade, taxa anual de homicídios e população. Foram aplicados 400 questionários em cada bairro a partir de uma amostra por cotas de gênero e idade, totalizando 2.000 pessoas. Participaram desse projeto os pesquisadores do ISP: Ana Luísa Vieira de Azevedo, Andréia Soares Pinto, Renato Coelho Dirk.

18 Ver também RAMOS E PAIVA (2005)

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 25 10/9/2008 16:47:10

Page 26: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

26 | série ANÁLise CriMiNAL

já que é pública a posição da política de segurança pública do estado de São Paulo,

contrária à divulgação de informações relativas aos problemas locais. Atualmente, os

dados são divulgados pela internet de forma agrupada, tais como crimes contra o

patrimônio, crimes contra a vida etc., o que impossibilita qualquer tipo de comparação

com os demais estados. Este fato, no entanto, tem sido pouco analisado, tanto do

ponto de vista acadêmico, quanto jornalístico.

A visibilidade dada à criminalidade do Rio de Janeiro em detrimento da existente

em São Paulo é apontada por Michel Misse (1999) como a estratégia de construção de

um “paradigma da violência carioca”, que se constitui em torno da representação de

um perigo social que poderia contaminar o país, expresso pelo discurso do “aumento da

violência” a partir da década de 1980. Isso coincide com o período de democratização

do país e com a expansão do ‘banditismo”, que deixa de ser exclusividade das classes

pobres e se estende às classes médias e elites da cidade. Como conseqüência os signos

da violência passaram a ser os fatos que se apresentam sob a forma de desordem, caos

urbano e falta de controle por parte do Estado, como se o passado recente tivesse sido

diferente deste quadro.

O espaço dado ao crime não é o único objeto interessante do ponto de vista

analítico. Conforme nos assinala João Trajano Sento Sé, o mais relevante seria a forma

de abordagem, ou seja, a compreensão do modo como essas modalidades discursivas

são construídas. Questionando a qualidade das abordagens a respeito da segurança

pública, João Trajano afirma: “despojada de maior consistência analítica, a imprensa,

em geral, e a mídia escrita, em particular, se restringem a acionar os mecanismos

afetivos de produção de notícia na veiculação de casos envolvendo a violência. É

gritante a ausência da contrapartida mais ponderada de uma exposição ainda que

eventual, consistente e informada do quadro em que os eventos relatados devem ser

colocados.” (2003: 35).

É certo que a mídia não cria a realidade, ela faz parte dela, mas a falta de

consistência analítica a torna um instrumento forte para a divulgação e reprodução

dos atos de violência. Ela constrói um discurso e/ou uma imagem do transgressor

como um Outro que é estranho, que não pertence à sociedade, vivendo quase na

animalidade, a quem se deve temer e, portanto, afastar do convívio social19.

19 Sobre o tema ver BENEVIDES, 1981; CARDIA, 1994; MINAYO, 1999; RONDELLI, 1997 e 2000.

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 26 10/9/2008 16:47:11

Page 27: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

série ANÁLise CriMiNAL | 27

Essa visão conservadora predomina nas análises sobre a violência, tendo como

uma rara exceção o trabalho organizado por PEREIRA et al (2000), que sustenta não

ter a violência necessariamente uma conotação negativa. Esta pode ser uma forma

de expressar o descontentamento diante da realidade e até de deflagrar processos de

renovação social, constituindo-se, assim, em um fenômeno de caráter polissêmico,

para o qual as análises normativas e morais não são apropriadas. Ou seja, trata-se de

compreender o sentido que tem a violência, ou suas formas de manifestação, a partir

do ponto de vista da dinâmica cultural de uma dada sociedade.

Nesse sentido, a violência no Brasil pode ser pensada a partir de uma dupla

perspectiva: “por um lado, surge como uma realidade alheia e hostil à realização mais

plena das tentativas democratizantes da sociedade em todos os níveis, da marginalização

do pequeno criminoso até a repressão militar de conflitos trabalhistas. Por outro, a

violência aparece como expressão limite de articulações culturais dinâmicas, a opção

para reivindicar exigências sociais justas, a forma de representar novas identidades

culturais ou ressimbolizar a situação de marginalidade, dando, assim, início a uma

tentativa de superação da exclusão social” (PEREIRA et al, 2000:14-15).

A mídia é uma das instituições políticas, tal como a universidade e a polícia,

que produzem e transmitem verdades, no sentido que Foucault definia como “um

conjunto de procedimentos para a produção, a lei, a repartição, a circulação e o

funcionamento dos enunciados” (1990: 14). Trata-se, portanto, de uma disputa não

“em favor da verdade”, mas sim dos efeitos de poder que se obtém ao se classificar o

que é falso ou verdadeiro.

A credibilidade desfrutada pelos meios de comunicação é um dos dispositivos

de sua influência na construção dos discursos, que se contrapõe à baixa credibilidade

das instituições policiais, conforme podemos observar a partir dos dados levantados

na pesquisa “Avaliação do sentimento de insegurança nos bairros da cidade do Rio

de Janeiro”. Nos nove bairros da cidade do Rio de Janeiro pesquisados, 67,5% dos

entrevistados afirmaram confiar nos meios de comunicação, enquanto 38,5% disseram

confiar na Polícia Civil e apenas 29,3% confiam na Polícia Militar. Quando perguntados

se o que sai na mídia sobre a criminalidade no bairro, 48,6% afirmaram que os meios

de comunicação refletem bem os fatos ocorridos; 30,1% disseram que exageram os

fatos ocorridos; e 21,3% falaram que há uma diminuição dos fatos ocorridos.

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 27 10/9/2008 16:47:11

Page 28: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

28 | série ANÁLise CriMiNAL

Quando perguntados sobre o destaque dado às notícias sobre criminalidade no Rio, 77,1% dos entrevistados afirmaram que o destaque é grande, contra 22,9% que discordaram dessa idéia. Quanto às razões para esse fato, 35,3% das pessoas disseram que a atuação do crime organizado é responsável pelo destaque na mídia; 23,7% alegaram que a cidade tem fama de violenta; 19,1% responderam que isso se deve à importância da cidade no país; 18,5% apontaram que a cidade tem fama de ter uma polícia violenta; 3,4% apresentaram outros fatores.

A credibilidade maior dos meios de comunicação do que das instituições policiais assegura uma maior influência no público, na medida em que transmite uma imagem de sinceridade e neutralidade, o que não ocorreria com as instituições policiais. A recepção de uma mensagem veiculada pela imprensa, cujo conteúdo seja proveniente de informações policiais, já provoca uma desconfiança a respeito de sua veracidade, não só nos leitores, mas também entre os próprios jornalistas, que geralmente partem do mesmo pressuposto. A isso se soma o fato de que os dados oriundos de fontes policiais são analisados por um órgão estatal, embora técnico, o que também o torna suspeito. Nesse caso, o fluxo de comunicação já tem seu início comprometido.

A análise de algumas manchetes originadas a partir da apresentação pública de dados estatísticos permite fazer algumas considerações importantes a respeito da construção de narrativas sobre o crime (CALDEIRA, 2000), que teriam a função de (re) ordenar o mundo a partir da repetição de histórias que, por sua vez, só serviriam para reforçar as sensações de perigo e de insegurança.

Considerando que a divulgação dos dados oficiais era feita mediante a apresentação de um resumo do Boletim Mensal, durante uma entrevista coletiva20, optou-se por selecionar apenas as matérias que apresentaram de formas distintas as estatísticas de um mesmo período, tomando como referência a manchete e o subtítulo da notícia. Estão em destaque as notícias relativas ao mesmo mês, no quadro a seguir.

20 Essa estratégia vigorou durante o período de junho 2003 até junho de 2005.

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 28 10/9/2008 16:47:11

Page 29: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

série ANÁLise CriMiNAL | 29

Quadro 1: Cobertura jornalística das estatísticas policiais

Data Jornal Manchete Subtítulo

08/07/2003 Jornal do Brasil Cresce o número de roubos no Estado

Assaltos a pessoas comércio e residências são responsáveis pelo aumento da sensação de insegurança

08/07/2003 O Fluminense Nova metodologia para analisar índices

Segundo dados do Estado, de 10 modalidades comparadas, apenas 3 tiveram alta em um ano

08/07/2003 O Dia Roubos a lojas crescem Três tipos de crime tiveram aumento e sete caíram em maio

22/07/2003 Jornal do Commercio

Cai o número de assaltos, homicídios e latrocínios

Junho teve menos crimes, em comparação com o do ano passado

22/07/2003 O Globo Estatística da violência em junho tem queda em 7 dos 10 índices principais

Número de mortes em confrontos com a polícia aumenta quase 50%

29/08/2003 Extra A asfixia vai continuar Estado comemora queda no número de carros roubados e fim dos assaltos a bancos

29/08/2003 Jornal do Commercio

Mais latrocínio e menos assaltos e roubo de carro

Secretaria de Segurança divulga índices apurados em julho

29/08/2003 O Fluminense Aumenta número de roubos a lojas e residências no Estado

Secretaria de Segurança Pública considera gravíssima a situação em Niterói

23/09/2003 Jornal do Commercio

Só índices de homicídio doloso e assalto a residência sobem

Violência: Em agosto houve queda em 8 dos 10 crimes monitorados

23/09/2003 Jornal do Brasil Roubos e assassinatos crescem

Estatísticas de criminalidade no Rio indicam aumento de homicídios e ataques a residências no Estado

17/10/2003 Folha de São Paulo Polícia do Rio mata mais do que em 2002

De janeiro a setembro de 2003, foram 917 civis mortos em confrontos; incidência de 8 tipos de crime sobre queda

17/10/2003 O Globo Violência: índices caem, mas assalto a casas sobe ____________

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 29 10/9/2008 16:47:11

Page 30: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

30 | série ANÁLise CriMiNAL

14/11/2003 O Globo Estatística oficial aponta redução na criminalidade

Nove crimes caíram. Mortes em confronto aumentam 80%

14/11/2003 Jornal do Commercio

Índice de violência cai, mas assalto ao comércio aumenta

Nove itens analisados apresentam queda

18/02/2004 Extra Caem os índices de violência no estado ____________

18/02/2004 O Fluminense Secretaria divulga nova queda na criminalidade

Pelos números oficiais, nove dos 10 delitos considerados mais importantes sofreram redução em janeiro com relação ao mesmo período de 2003

18/02/2004 O Dia Perigo dentro de casa Número de assaltos a residência é o único a não cair entre os 10 tipos de delito

21/04/2004 O Globo Estatística aponta redução em oito índices de criminalidade no Estado

Números são menores do que os de março de 2003, mas estão em alta

21/04/2004 Jornal do Commercio

Em dez modalidades, apenas latrocínio cresceu

Estatística mostra queda

18/05/2004 Extra Oito crimes registraram queda no mês de abril

____________

18/05/2004 Jornal do Brasil Crescem roubos e latrocínio

____________

18/05/2004 O Estado de São Paulo

Sobe número de assaltos e latrocínios no Rio

Apesar disso, invasão de casas é o crime tido como mais problemático na cidade

18/05/2004 O Dia Sobem índices de dois crimes

Roubos a pedestres e seguidos de morte cresceram mês passado

18/05/2004 O Globo Caem números de oito tipos de crimes

Latrocínio confirma tendência de aumento e assaltos a pedestre têm 361 casos a mais

18/05/2004 Folha de São Paulo Números de latrocínios e de roubos a pedestres aumentam no Rio

____________

Fonte: Jornal O Globo, Jornal do Brasil, Jornal O Dia, Jornal O Estado de São Paulo, Jornal Folha de São

Paulo, Jornal Extra, Jornal O Fluminense e Jornal do Commercio

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 30 10/9/2008 16:47:11

Page 31: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

série ANÁLise CriMiNAL | 31

Pobre do leitor que se utilizar de diversas fontes para estar bem informado!

Se considerasse as manchetes publicadas em julho de 2003, relativas aos dados

divulgados sobre o mês de junho de 2003, não chegaria à conclusão alguma, já que

duas se referem à queda e outras duas se referem ao aumento dos crimes. Afinal, o que

teria acontecido com os registros de crime no estado?

A primeira observação que podemos fazer é que, em primeiro lugar, há uma

confusão entre as noções de criminalidade e violência utilizadas propositadamente

como sinônimas. Essa associação provoca uma série de equívocos. É sabido que não

se pode falar de violência e sim de violências, devendo ser entendidas como um

conjunto de representações de uma idealidade negativa que se opõe às idéias de paz,

consenso, segurança, integração e harmonia social (MISSE, op. cit.). Nota-se ainda

que a criminalidade aparece nas notícias como um conjunto de práticas (roubos e

homicídios) resultantes da ineficácia da ação repressiva da polícia, o que contradiz

a proposta de Machado da Silva (1995 e 1999), de que a criminalidade não pode ser

compreendida apenas pela perspectiva de referência ao Estado (ausência do Estado;

Estado paralelo etc.), e sim pela sua organização social e suas redes de sustentação. O

que está em jogo é principalmente o questionamento sobre os mecanismos formais e

informais de controle social, e não apenas o papel do Estado. Violência e criminalidade

são, portanto, questões distintas que só podem se tornar sinônimas quando se

considera que na interpretação dada pela imprensa há uma mensagem oculta de que

o Estado deve atuar para aniquilar os conflitos, restaurando a ordem, numa concepção

unitária e homogeneizadora da vida social.

A associação das noções de criminalidade e violência acaba também por

obscurecer outras modalidades criminosas, em especial as que se referem aos crimes

econômicos (lavagem de dinheiro, corrupção, sonegação)21.

Uma segunda observação diz respeito à representação construída sobre as

análises elaboradas pelo NUPESP, que enfatizam o fato de que estamos trabalhando

com os registros de ocorrência, que não correspondem à totalidade de eventos

ocorridos no mês anterior. De modo geral, os jornais possuem uma postura ambígua,

ora se referem aos números como a realidade nua e crua, ora insinuam que os números

não são reais porque seriam maquiados.

21 Sobre a relação entre os crimes econômicos e a mídia ver Miranda (1999) e (2002).

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 31 10/9/2008 16:47:11

Page 32: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

32 | série ANÁLise CriMiNAL

A terceira observação se refere ao uso constante dos verbos no tempo presente do modo indicativo, o que do ponto de vista gramatical, significa que o processo ocorre simultaneamente ao momento em que se fala. Embora seja possível, na Língua Portuguesa, o uso do presente significando um processo já ocorrido no passado, essa forma discursiva propicia ao leitor a impressão de que aquele fato continua contecendo na mesma intensidade.

Uma última observação corresponde à abordagem dada pelos diferentes órgãos de imprensa aos números. Ao longo de nossa análise, observamos que o Jornal O Dia, em seus títulos, dá maior ênfase a dados negativos, o que faz com que o leitor tenha de imediato uma má interpretação dos dados. Já jornais como O Globo e Extra, do mesmo grupo editorial, valorizam os dados de delitos em queda, não deixando de divulgar, através do subtítulo, os dados relevantes em alta.

O Jornal do Brasil destaca em suas manchetes somente dados de delitos em alta, revelando os números na íntegra apenas no decorrer do texto. O jornal O Fluminense, por sua vez, apresenta em suas matérias os dados positivos dos índices, valorizando-os. Por fim, o Jornal do Commercio foi o único que informou os dados de maneira íntegra, de forma a não gerar uma opinião ou interpretação direta sobre o assunto.

Podemos concluir que há de modo geral, uma abordagem que privilegia a denúncia como forma discursiva, em detrimento da descrição, que seria a técnica mais adequada em face do conteúdo abordado.

A denúncia funciona como uma espécie de acusação, onde os fatos relatados equivalem a uma imputação de erro ou culpa a outrem, mesmo que não se tenha provas da veracidade da mesma. Essa abordagem privilegia a construção de um discurso homogêneo, que não favorece a reflexão crítica.

Ao contrário do que se pensa comumente, a leitura de um jornal pode conformar o leitor à condição de um sujeito receptor acrítico de informações, ao mesmo tempo em que o faz acreditar que está lidando com a realidade (SERRA, 1980).

Assim, as narrativas que enfatizam o crime fazem o medo proliferar, já que tornam plausível a idéia de que o leitor será mais uma vítima; as narrativas denuncistas podem ainda reificar preconceitos e a definição de certos lugares e grupos como perigosos, como revelam os dados levantados pela pesquisa “Avaliação do sentimento de insegurança nos bairros do Rio de Janeiro”.

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 32 10/9/2008 16:47:11

Page 33: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

série ANÁLise CriMiNAL | 33

Tabela 1: Características de um Lugar Perigoso

Absoluto %

1) Condições do local 1473 43%

2) Proximidade a outros lugares considerados perigosos 511 15%

3) Sem policiamento 335 10%

4) Lugares específicos 285 8%

5) Todo lugar 240 7%

6) Presença de elementos suspeitos 189 6%

7) Ocorrências de crimes e atos de violência 161 5%

8) Presença do tráfico de drogas 90 3%

9) Com policiamento 9 0%

10) Outros 135 4%

Total 3428 100,00%

Fonte: ISP, pesquisa “Analisando o sentimento de insegurança nos bairros do Município do Rio de Janeiro”, 2004.

As categorias da tabela agrupam informações obtidas através da pergunta

aberta “O senhor saberia reconhecer um lugar perigoso? Quais suas características?”,

englobando termos e expressões espontâneas, de acordo com os seguintes critérios:

Condições do local: deserto, pouco movimentado, mal iluminado, escuro, 1.

com becos, matagais, lugares desocupados, trânsito parado ou parada em

sinais, ambiente suspeito, hostil, agitado, pesado;

Proximidade a outros lugares considerados perigosos: favelas, comunidades 2.

carentes, pobres ou sem recursos;

Presença de elementos suspeitos: pivetes, mendigos, drogados, pessoas 3.

suspeitas, estranhas, de má índole, desocupadas, desempregadas, pessoas

armadas, bandidos;

Ocorrência de crimes e atos de violência: tiroteio, assassinatos, assaltos 4.

constantes;

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 33 10/9/2008 16:47:11

Page 34: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

34 | série ANÁLise CriMiNAL

Presença de tráfico de drogas;5.

Com policiamento;6.

Sem policiamento;7.

Lugares específicos: exemplos de nomes de locais considerados perigosos8.

Todo lugar: sem especificar condições;9.

Outros: termos e expressões muito específicos.10.

A forma simplista, e até caricatural, como essas narrativas são construídas acabam por reforçar modelos segregacionistas, posto que tentam eliminar as ambigüidades e complexidades do processo de administração e controle de conflitos. Os discursos produzidos tentam também reorganizar o mundo como uma ordem social homogênea e estática, em contraposição às experiências vividas em crimes, que desorganizam o mundo.

Configura-se, deste modo, que a segurança é, do ponto de vista individual, um sentimento que resulta da crença de que não há risco ou perigo iminente. O sentimento de insegurança é caracterizado, segundo Roché (1990 e 1998), pelo medo e a preocupação com a ordem. Embora seja difícil mensurá-lo, o sentimento de insegurança não é irreal ou imaginário. O sentimento de insegurança, no nível ideal-típico do medo, se associaria a uma sensação difusa de angústia ou de ansiedade que permaneceria para além dos acontecimentos e que não possuiria um objeto definido.

O medo é uma construção social (DELUMEAU, 1990), onde se teme o que se considera ser um grande perigo, não se levando em conta os riscos mais freqüentes. A análise dos índices de criminalidade não serve para explicar o medo e o sentimento de insegurança22. Existem, portanto, outros fatores, muitos de ordem subjetiva, incidindo sobre o sentimento de insegurança, além do conhecimento sobre o número efetivo de ocorrências criminais.

Então, se os dados da criminalidade não incidem diretamente sobre o sentimento de insegurança e se as estatísticas são reconhecidamente imprecisas, caberia perguntar por que elas seriam informações relevantes para a construção de políticas públicas de segurança?

22 Ver Sento-Sé, 2003, 25

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 34 10/9/2008 16:47:11

Page 35: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

série ANÁLise CriMiNAL | 35

Por que é preciso divulgar e analisar os números da criminalidade?

É relevante a divulgação dos dados estatísticos por duas razões principais: dar visibilidade ao trabalho policial e, por conseqüência, aumentar a possibilidade de cobrança por resultados, pela população e pelo poder público; bem como possibilitar, mesmo que indiretamente, a utilização dos dados como base para a implementação de planejamento nas políticas de segurança de caráter universalista, e não particularista, como tem sido a tradição. Reforça-se, assim, a idéia de que a segurança pública é um serviço que deve ser oferecido pelo Estado a todos os cidadãos de modo racional, “em termos objetivos (diminuição de riscos e perigos reais) e subjetivos (diminuição do medo)” (SILVA, 2003:1).

No entanto, não basta somente cobrar resultados das polícias e demais órgãos do sistema de justiça criminal. É preciso que se considere que a análise criminal não é uma novidade, e tampouco uma solução mágica para resolver o problema da criminalidade, da delinqüência e das violências.

Outro aspecto a considerar é que, como qualquer análise científica, a análise criminal está diretamente relacionada com o enfoque teórico que orienta o recorte dos dados. Com essa afirmação, pretendo ressaltar que antes de se iniciar a escolha desta ou daquela tecnologia, é necessário se definir o que se pretende com ela.

Tudo isso pode parecer obviedades, mas não o são. Na prática, é sabido que muitas vezes somos seduzidos por programas de computador que revolucionariam o mundo!, se soubéssemos o que fazer com eles... É claro que a tecnologia facilita em muito o trabalho do analista criminal, que pode manipular mais informações em menos tempo, mas ele tem que saber para que e como tratar as informações.

Considero que a divulgação de dados é o primeiro passo deste processo, pois provoca, mesmo involuntariamente, o envolvimento dos agentes na busca pela qualidade da informação. Na medida em que são divulgados, provocam diversos questionamentos, que só podem ser respondidos se a informação estiver disponível no banco de dados. E não há banco de dados de informações policiais, ou qualquer outro, se as informações não forem coletadas – nos atendimentos e investigações – e informatizadas. É comum que policiais (civis ou militares) procurem por informações que sabidamente não são regularmente coletadas pelos próprios policiais. Como resolver essa contradição?

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 35 10/9/2008 16:47:12

Page 36: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

36 | série ANÁLise CriMiNAL

Devolver a pergunta é uma possibilidade concreta e imediata para a qualificação das informações contidas nos registros policiais. Outra possibilidade é a produção de relatórios analíticos, que originarão uma série de questionamentos sobre a validade das suas conclusões. Essas duas estratégias permitem indicar que jamais será possível a qualificação da informação policial, sem que os policiais se envolvam diretamente no processo. O resultado dessas ações pode ser constatado pela supressão e/ou redução de críticas dos pesquisadores aos dados do Rio de Janeiro23.

Assim, a divulgação dos dados atende simultaneamente a dois propósitos: é uma prestação de contas à sociedade, e é também um instrumento poderoso de controle interno, já que permite identificar os gargalos da atuação policial.

O segundo passo diz respeito à sensibilização dos policiais da importância e utilidade da análise criminal. Consideramos que antes de ensinar as técnicas de manipulação de softwares estatísticos e de geoprocessamento, é necessário que os policiais percebam o quanto essas ferramentas podem contribuir para a profissionalização das polícias. Nesse sentido, o ISP realizou I Encontro de Qualificação Estatística e Análise Criminal e a I Jornada de Qualificação Estatística e Análise Criminal, em 2004, voltado para os policiais militares e civis. Nos dois eventos, discutiu-se a necessidade do fortalecimento da integração entre as polícias; a necessidade de adequação das tecnologias à análise da dinâmica criminal; apresentação dos órgãos, produtos e serviços disponíveis; a importância do uso técnico das informações e recursos disponíveis atualmente na melhoria de qualidade dos serviços de polícia judiciária e dos serviços de polícia de preservação da ordem pública, tomando por base estudos de casos, onde delegados e oficiais apresentaram suas experiências concretas

23 Em abril de 2005, o ISP organizou o I Encontro Sistema Estadual de Estatísticas de Segurança Pública e Justiça Criminal, que teve como objetivo apresentar a situação do sistema à época, bem como as mudanças então previstas, possibilitando assim sua avaliação e a discussão de um novo modelo de divulgação dos dados, tendo em vista a incorporação de sugestões para a sua melhoria. Como conseqüência, foi criado o Grupo de Trabalho Sistema Integrado de Informações Policiais, formado por representantes de importantes núcleos de pesquisa da área, de várias instituições, a saber: Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes - CESeC; DataBrasil Ensino e Pesquisa/UCAM, Grupo de Estudos Estratégicos - GEE -Coppe - UFRJ, Laboratório de Análise da Violência - LAV/UERJ, Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana - NECVU/UFRJ, Núcleo de Pesquisa das Violências - NUPEVI- UERJ, Instituto de Pesquisa do Rio de Janeiro - IUPERJ Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro - SMS, Núcleo Fluminense de Estudos e Pesquisas - NUFEP - UFF, Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli - CLAVES, além de contar com a presença de uma consultora da SENASP. Ver também SOARES et al (2005)

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 36 10/9/2008 16:47:12

Page 37: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

série ANÁLise CriMiNAL | 37

e os resultados alcançados no uso das informações e recursos técnicos atualmente colocados a sua disposição.

A análise criminal que é desenvolvida atualmente pela equipe técnica multidisciplinar24 do Instituto de Segurança Pública, através do Núcleo de Pesquisa em Segurança Pública e Justiça Criminal (NUPESP), tem como objetivo realizar estudos analíticos e sistemáticos tomando por base as relações entre as ocorrências registradas e os padrões e tendências (aumento, estabilização, redução) dos delitos em diferentes regiões do Estado25. Outra linha de atuação está direcionada aos métodos analíticos de diagnóstico, monitoramento e avaliação da própria performance das polícias, em especial, ao acompanhamento da redução da letalidade policial e da vitimização policial.

Com base nas discussões realizadas em 2004 e com as demandas e obstáculos encontrados pela equipe do NUPESP, que identificou um aumento de demanda por dados pelos oficiais superiores, a mídia e as instituições de pesquisa, observou-se também a sub-utilização dos dados criminais em uma dimensão micro, ou seja, pelas unidades de segurança através dos responsáveis pelo planejamento. Desta forma, foi elaborada uma proposta de capacitação dos policiais militares no uso de técnicas de análise quantitativa e fundamentos metodológicos para traçar metas e mensurar resultados, voltada para o aperfeiçoamento do planejamento estratégico26. Ainda não se pode prever os resultados do curso, que será desenvolvido ao longo de 2006, mas pode-se afirmar que a aproximação entre profissionais da segurança pública e da comunidade acadêmica27 será extremamente profícua para a construção efetiva de políticas públicas para a segurança, voltadas para a prevenção dos delitos e para a redução da violência.

24 A equipe é composta por policiais civis, militares e pesquisadores, cuja formação é variada (cientistas sociais, geógrafos, estatísticos), bem como a titulação (especialistas em políticas públicas, mestres e doutores).

25 As variáveis utilizadas geralmente são dia da semana, hora, local, perfil da vítima, perfil do autor, modus operandi

26 O curso de Capacitação em Técnicas Quantitativas e Análise Criminal foi desenvolvido com recursos da União Européia.

27 Outras parcerias já têm se mostrado exitosas no Rio de Janeiro: com a Universidade Estadual do Rio de Janeiro, no Curso de Extensão em Segurança Pública, que funciona desde 1999; com a Universidade Federal Fluminense, no Curso de Especialização em Políticas Públicas de Justiça Criminal e Segurança Pública, criado em 2000.

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 37 10/9/2008 16:47:12

Page 38: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

38 | série ANÁLise CriMiNAL

Não se pretende com a análise criminal medir qual é a quantidade de crimes que ocorrem, o que, aliás, é impossível, pode-se apenas estimar a subnotificação dos crimes que varia em função do seu tipo28. O que a análise criminal pode contribuir é no fornecimento de subsídios para ações do poder público, seja na dimensão tática, para que os policiais possam realizar melhor as investigações e o patrulhamento, seja na dimensão estratégica, de modo que os gestores e formuladores das políticas possam realizar projeção de cenários.

Por último, urge salientar que a análise criminal não é um fim em si mesma, é apenas a primeira etapa para o desenvolvimento de políticas públicas e para a profissionalização das polícias, restando ainda muito trabalho a ser feito.

28 Crimes sexuais tendem a ser os menos registrados e informados, enquanto o roubo de veículos tem a menor subnotificação por causa do seguro

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 38 10/9/2008 16:47:12

Page 39: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

série ANÁLise CriMiNAL | 39

BEATO FILHO, Claudio. Fontes de Dados Policiais em Estudos Criminológicos: Limites

e Potenciais. In: Segurança Pública no Brasil: uma discussão sobre bases de dados e

questões metodológicas. Rio de Janeiro: UCAM/IPEA, 2000.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro

de 1988. São Paulo: Saraiva, 2004.

BENEVIDES, Maria Victória de M. A Violência através da Imprensa: Os Linchamentos

e a Justiça Popular. Espaço e Debates, Ano 1, nº 3, 1981.

CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em

São Paulo. São Paulo: Edusp/Ed. 34, 2000.

CARDIA, Nancy. Mídia e Violência. Comunicação e Política, Rio de Janeiro, vol. 1,

nº 2, dez.-mar, pp. 63-73, 1994.

DELUMEAU, Jean. Le sentiment de securité dans l´historie. In: Les Cahiers de la

Securité Interieure. Paris, 1990, p. 19-26.

GOVERNO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Política Pública para a Segurança. Justiça

e Cidadania: plano estadual. Rio de Janeiro, 2000.

FERRARI, Vicenzo. Democracia e informação no final do século XX. In: Guimarães, C.

e Junior, C. Informação e democracia. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2000.

FOUCAULT, Michel. A microfísica do poder. 9 ed. Rio de Janeiro: Graal, 1990.

GUEDES, Simoni Lahud. O sistema classificatório das ocorrências da Polícia Militar

do Rio de Janeiro e a organização da experiência policial: uma análise preliminar.

Apresentado no Seminário Formas Primitivas de classificação: cem anos depois, Rio

de Janeiro, UFRJ, 2003.

KANT DE LIMA, Roberto; Misse, Michel e Miranda, Ana Paula Mendes de. Violência,

Criminalidade, Segurança Pública e Justiça Criminal no Brasil: uma bibliografia. BIB

– Revista Brasileira de Informação Bibliográfica de Ciências Sociais, nº 50, 2 sem.

2000, p. 45-123.

Bibliografia

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 39 10/9/2008 16:47:12

Page 40: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

40 | série ANÁLise CriMiNAL

KANT DE LIMA, Roberto. A Polícia da Cidade do Rio de Janeiro: Seus Dilemas e

Paradoxos. (2ª ed.). Rio de Janeiro, Forense, 1995.

KUHN, Thomas S. A função do dogma na investigação científica. In: Deus, Jorge Dias

de. (org.) A crítica da ciência. Rio de Janeiro: Zahar, 1974.

MACHADO DA SILVA, Luiz A. Um Problema na Interpretação da Criminalidade Urbana

Violenta. Sociedade e Estado, Brasília, vol. 10, nº 2, jul.-dez, pp. 493-51, 1995.

___________. Criminalidade Violenta: Por uma Nova Perspectiva de Análise. Revista

de Sociologia e Política, Curitiba, nº 3, pp. 115-124, 1999.

MINAYO, Maria Cecília de S. Fala, Galera: Juventude, Violência e Cidadania no Rio de

Janeiro. Rio de Janeiro/ Brasília, Garamond/Unesco, 1999.

MIRANDA, Ana Paula M. de. Arquivo Público: um segredo bem guardado? Revista

Contemporânea de Antropologia e Política, Niterói, 17, pp. 123-149, 2005.

___________. Soltando o Leão: Observações sobre as Práticas de Fiscalização do

Imposto de Renda. Cadernos de Campo, São Paulo, 8, pp. 29-44, 1999.

___________. Cartório: onde a tradição tem registro público. Revista Contemporânea

de Antropologia e Política, Niterói, 8: 1, pp. 59-75, 2000.

MIRANDA, Ana Paula Mendes et al. Os crimes que se contam nos jornais. Apresentado

na XXIII Reunião Brasileira de Antropologia, realizada na UFRGS, Gramado, em junho

de 2002.

MIRANDA, Ana Paula Mendes et al. Relatório Final de Pesquisa Avaliação do Trabalho

Policial nos Registros de Ocorrências e nos Inquéritos Referentes a Homicídios

Dolosos Consumados em Áreas de Delegacias Legais. Rio de Janeiro, Instituto de

Segurança Pública, 2005.

MISSE, Michel. Malandros, Marginais e Vagabundos e a Acumulação Social da

Violência no Rio de Janeiro. Tese de Doutorado em Sociologia, Rio de Janeiro,

IUPERJ, 1999.

MORIN, Edgar. Ciência com consciência. 8ª ed. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil: 2005.

PEREIRA, Carlos A. M. et al. Linguagens da Violência. Rio de Janeiro, Rocco, 2000.

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 40 10/9/2008 16:47:12

Page 41: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

série ANÁLise CriMiNAL | 41

RAMOS, Julio César. Sociedade e polícia – uma parceria possível. Propostas de

mudanças nas estratégias de intervenção policial no Rio de Janeiro com vistas à

polícia cidadã. Monografia de conclusão do Curso de Especialização em Políticas

Públicas de Justiça Criminal e Segurança Pública, Niterói, 2002.

RAMOS, Silvia e Paiva, Anabela. Mídia e violência: como os jornais retratam a mídia e

a violência pública no Brasil. Relatório preliminar de pesquisa. Rio de Janeiro, CESeC/

UCAM, 2005.

ROCHÉ, Sebastian. Intervention publique et sociabilité. Essai sur le probleme de

l’insecurité en France. Deviance et Société, vol. XIV, n. 1, mars, p. 1-16, 1990.

__________. Expliquer le sentiment d’insecurité. Pression, exposition, vulnerabilité

et acceptabilité. Revue Française de Science Politique, vol. 48, n. 2, avril 1998.

RODRIGUES, José Honório. Acessibilidade do público aos documentos. Sigilo e

reserva. ACERVO - Revista do Arquivo Nacional, v. 4, n. 2, jul-dez. 1989 -v.5, n.1,

jan-jun, p. 7-12, 1990.

RONDELLI, Elizabeth. Mídia e Violência: Ação Testemunhal, Práticas Discursivas,

Sentidos Sociais e Alteridade. Comunicação e Política, vol. 4, nº 3, set.-dez, pp. 141-

160, 1997.

__________. Imagens da Violência e Práticas Discursivas. In: Pereira, C. A. M. et al, Linguagens da Violência. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.

SENTO-SÉ, João Trajano. Violência, medo e mídia: Notas para um programa de

pesquisa. Comum, Rio de Janeiro, vol. 8, nº 21, p. 24-38, jul/dez 2003.

SERRA, Antônio. O Desvio Nosso de Cada Dia. A Representação do Cotidiano num

Jornal Popular. Rio de Janeiro, Achiamé, 1980.

SILVA, Jorge da. Segurança Pública e polícia: criminologia crítica aplicada, Rio de

Janeiro: Forense, 2003.

SOARES, Bárbara Musumeci et al. Crimes Sexuais no Estado do Rio de Janeiro – 2001 a

2003. Boletim Segurança e Cidadania, Rio de Janeiro, n. 9, ano 4, jun. 2005.

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 41 10/9/2008 16:47:12

Page 42: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

42 | série ANÁLise CriMiNAL

ColetAndo e extrAindo inFormAÇÕes dos BAnCos de dAdos CriminAis: A lóGiCA dAs estAtÍstiCAs dAs orGAnizAÇÕes PoliCiAis

Doriam Borges

Introdução

Nos últimos anos os fenômenos relacionados à violência, criminalidade e segurança

pública têm sido cada vez mais estudados. No entanto, ainda existem algumas dúvidas

no que se refere às abordagens e os métodos mais adequados para uma análise

criminal. Neste sentido, com o intuito de abordar este tema, discutiremos o estado das

artes das pesquisas e bases de dados deste fenômeno no Brasil, introduzindo os usos

e problemas metodológicos de uma pesquisa, a importância da gestão da informação

no desenvolvimento de políticas públicas, e a criação e manipulação de ferramentas

analíticas para o fenômeno da violência e criminalidade.

Deste modo, o objetivo principal desta discussão é apresentar de uma forma

simples a idéia da pesquisa na área da violência, como instrumento para a construção

do conhecimento do tema, baseado no rigor de certas exigências científicas.

Metodologia de Pesquisa

A) Conceitos da Pesquisa Científica

A estatística é um conjunto de ferramentas matemáticas que permitem coletar,

organizar, descrever e analisar dados e, assim, auxiliar na tomada de decisões.

Na pesquisa científica, deve-se definir:

a motivação = importância associada ao trabalho; a.

o objetivo = qual a finalidade específica do trabalho;b.

as hipóteses a serem verificadas.c.

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 42 10/9/2008 16:47:12

Page 43: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

série ANÁLise CriMiNAL | 43

Além disso, deve-se verificar a existência de trabalhos similares e de opiniões

de especialistas sobre o assunto trabalhado. Nestas pesquisas é muito importante

também levar em conta o “esforço” em termos de recursos necessários (humanos, de

material, de tempo, etc.) para a boa coleta dos dados.

Na coleta de dados sobre uma população, duas podem ser as formas de se

obter dados tais dados: o CENSO e a AMOSTRAGEM. No censo, devem ser coletadas

as informações de interesse sobre toda a população-alvo. Já na amostragem, deve-

se coletar informações apenas de um subconjunto da população-alvo, denominado

amostra.

Nesse último caso é preciso, então:

definir quem é a população-alvo;•

definir o tamanho de amostra;•

verificar os custos associados à coleta;•

decidir finalmente entre censo e amostragem.•

No estudo censitário, as informações sobre a população são exatas, enquanto

que no estudo amostral, as informações sobre a população são apenas aproximadas.

Há perda de precisão neste último caso que está diretamente ligada ao tamanho da

amostra tomada. Quanto maior o tamanho amostral, mais próximo o subconjunto

estará da população como um todo e, assim, maior a precisão. No entanto, também

maiores serão os custos associados a tal coleta.

Além desta imprecisão amostral, existem outros erros que devem ser

considerados: os erros do observador, do método de observação e do próprio objeto.

No primeiro caso, o próprio observador impõe vícios na coleta, fazendo com que a

informação sobre a população contida na amostra seja destorcida (como, por exemplo,

um entrevistador, ao invés de selecionar pessoas de todas as faixas etárias, resolve

trabalhar somente com os jovens). O erro do método está basicamente associado ao

fato de usar um método errado para medir o que se quer. O erro do objeto é, na

verdade, um erro por não consideração da variação que pode haver em um indivíduo

(como não levar em conta o fato que a pressão de uma pessoa varia ao longo do

dia).

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 43 10/9/2008 16:47:12

Page 44: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

44 | série ANÁLise CriMiNAL

Para cada tipo de erro, existe um controle que deve ser realizado, seja sob a forma de treinamento, seja sob a forma de utilização de técnicas adequadas para medir ou considerar características do objeto em estudo.

Deve-se ainda determinar quais os parâmetros (variáveis) que serão analisados, incluindo aqui as variáveis principais (dependentes) e as secundárias (independentes ou explicativas). As independentes, em muitos casos, são usadas para ajudar a descrever ou mesmo prever o comportamento das variáveis dependentes.

A fonte dos dados utilizada em uma pesquisa é dita primária (quando você mesmo realiza a coleta das informações de que precisa) ou secundária (quando se utiliza dados que uma outra pessoa coletou). Após a coleta, é feito o pré-processamento da informação (através de codificação e digitação) e parte-se, então, para a análise (estatística) e a interpretação dos resultados.

B) Avaliação de programas públicos (programas sociais e políticas de segurança pública)

A avaliação de políticas públicas possui um caráter estratégico, porque permite ajudar no planejamento, execução e (re)direcionamento das ações do fenômeno. A avaliação é um processo sistemático de análise das ações, características e resultados de uma política pública, programa ou projeto a partir de critérios definidos, que visam determinar seu mérito ou relevância, sua qualidade, utilidade ou efetividade, gerando recomendações para sua correção ou melhoria. Não há avaliação sem monitoramento. O monitoramento é o processo sistemático de registro e armazenamento das informações substantivas no continuum da ação de uma política. O sistema de monitoramento deve ser capaz de capturar as informações relevantes, precisas, sintéticas, que alimentam o processo de avaliação. E isso se consegue criando condições favoráveis (técnicas e informacionais) para se estabelecer à obrigatoriedade do registro e processamento das informações definidas como relevantes.

Neste sentido, será apresentado algum comentário sobre o método comparativo para a avaliação de políticas públicas, chamado de avaliação “antes e depois, com grupo de controle”. Neste tipo de avaliação é preciso observar e medir o fenômeno que se pretende modificar antes da intervenção da política pública. Feita a intervenção, devemos medir novamente o fenômeno após certo tempo. Além disto, para ter certeza de que a mudança no fenômeno não foi devida a fatores externos a política pública,

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 44 10/9/2008 16:47:12

Page 45: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

série ANÁLise CriMiNAL | 45

é preciso medir também, nos dois períodos, um outro grupo, que não tenha sofrido

esta intervenção. Este é chamado “grupo de controle”, que deve ser, na medida do

possível, o mais parecido com o grupo em que foi implementada a política pública.

Idealmente, a única diferença entre os dois grupos deve ser a intervenção que está

sendo realizada.

Gestão da Informação

A) Conceito de Informação

Laudon & Laudon (1999, p. 4) definem sistema de informação como um “conjunto de

componentes inter-relacionados trabalhando juntos para coletar, recuperar, processar,

armazenar e distribuir informação com a finalidade de facilitar o planejamento,

o controle, a coordenação, a análise e o processo decisório em empresas e outras

organizações.” Os sistemas de informação contêm informações sobre lugares, pessoas

e assuntos de interesse no ambiente ao redor da organização e dentro da própria

organização. Esses sistemas transformam a informação no sentido de facilitar a análise

e visualização de assuntos complexos e a tomada de decisão, e o fazem através de um

ciclo de três atividades básicas: entrada, processamento e saída.

Pinheiro (2001) caracteriza essas três atividades da seguinte forma:

Entrada (ou input): envolve a coleta ou captação de fontes de dados brutos •

de dentro de uma organização ou de seu ambiente externo.

Processamento: conversão dessa entrada bruta em uma forma mais útil •

e apropriada. O processamento pode envolver cálculos, comparações e

tomadas de ações alternativas, assim como o armazenamento de dados

para uso futuro.

Saída (ou output): envolve a transferência da informação processada às •

pessoas ou atividades que a utilizarão. Os sistemas de informação também

armazenam informação sob várias formas, como documentos, relatórios

e dados de transações. Em alguns casos, a saída de um sistema pode se

transformar em entrada de outro sistema.

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 45 10/9/2008 16:47:13

Page 46: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

46 | série ANÁLise CriMiNAL

B) A importância e organização de banco de dados

Quando se deseja controlar qualquer atividade ou processo, uma das principais preocupações é gerenciamento das informações necessárias para que os objetivos de exame ou controle sejam alcançados. A forma mais eficaz de gerenciamento de informações é realizada através de um Banco de Dados. Além de interligar todo trabalho da organização, reduz custos, elimina duplicação de tarefas, permite uma previsão de crescimento do objeto estudado e ajuda na elaboração de estratégias.

InformaçãoRegistrar

FatoFormulário

Organizando os registros

Banco de Dados

EntradaProcessamento

Saída

Arquivos

Relatório

Figura 1: Fluxo de Bancos de Dados

Um Sistema de Banco de Dados (SBD) possui as seguintes características:

integridade / consistência; restrições; segurança / privacidade; restauração;

reorganização e eficiência.

Vantagens no uso de Sistema de Banco de Dados (SBD):

Redundância reduzida: os dados são organizados por um SBD e armazenados 1.

em apenas um local.

Maior integridade de dados: como os dados estão em apenas um local, não 2.

existe o perigo de existirem cópias mantidas em locais separados.

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 46 10/9/2008 16:47:13

Page 47: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

série ANÁLise CriMiNAL | 47

Manutenção mais fácil: o SBD cumpre a tarefa de atualizar os dados 3. comandados de diversos programas, ficando transparente ao programador e ao usuário final.

Independência entre dados e programas: o programa não é afetado pela 4. localização do dado, bem como novos dados podem ser agregados ao banco a qualquer momento.

Padronização do acesso aos dados: para acessar os dados, diversos 5. programas utilizam os mesmos procedimentos.

Melhor proteção global: como os dados estão armazenados em apenas 1 6. local físico, a confiança no backup é maior, bem como controle de acesso.

Fontes de dados compartilhadas: é fácil localizar o fluxo que o dado faz, 7. desde sua origem até seu destino, dentro do banco de dados.

C) Fontes de Dados

Para realizar uma análise, um monitoramento ou uma avaliação é preciso conhecer as fontes de dados. Na área da violência e criminalidade, destacamos três fontes de dados: as registradas pela Polícia Civil, as coletadas pelo Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde e as pesquisas de vitimização.

No estado do Rio de Janeiro a base das estatísticas criminais é coletada através da Polícia Civil, por meio dos RO - Registros de Ocorrência, cujo preenchimento é baseado nas categorias criminais definidas pelo Código Penal. O ISP - Instituto de Segurança Pública divulga estes dados mensalmente, um total de 38 títulos de ocorrências criminais (homicídios, estupros, vários tipos de roubos, furtos etc) e não-criminais (desaparecidos, recuperação de veículos, número de registros de ocorrências etc), abrangendo todo o território do estado. Estes registros são divulgados segundo desagregação de AISP – Área Integrada de Segurança Pública – e segundo área de circunscrição de delegacia de polícia.O Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) tem sua informação inicial gerada pela DO – Declaração de Óbito, que é preenchida com base no atestado médico, ou, na ausência de médico, por duas pessoas qualificadas que tenham presenciado ou constatado a morte. O SIM classifica as mortes violentas como “Causas Externas”, segundo a Classificação Internacional de Doenças (CID). Do período de 1979 a 1995, para a codificação da causa de morte, foi utilizado a 9ª

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 47 10/9/2008 16:47:13

Page 48: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

48 | série ANÁLise CriMiNAL

Revisão do CID, e desde 1996 os óbitos passaram a serem classificados através da 10ª Revisão do CID (CID-10).

Vale ressaltar que a definição de morte violenta dada pelo SIM é diferente da dada pelas polícias. Pelo SIM os homicídios são definidos segundo a CID, enquanto que para as polícias a definição é feita segundo o Código Penal. Com isto, por exemplo, as mortes por homicídio classificadas pelo SIM abrangem mais de um tipo de morte violenta registradas pelas polícias. Deste modo, as taxas de homicídio contabilizadas pelos dados da saúde são sempre maiores que as contabilizadas pelas polícias. Além disto, os dados da polícia se referem ao local da ocorrência do fato, enquanto que os do SIM se referem ao local do óbito. Por exemplo, supondo que um indivíduo levou um tiro em um município Y, e foi levado para um hospital do município X, e faleceu. Para a Polícia, o crime ocorreu no município Y, enquanto que na saúde a morte é registrada no município X. Logo, não é possível realizar comparações entre as duas fontes de dados, e ao se trabalhar com os dados da saúde, levar em conta que o registro se refere ao local da morte e não o local de ocorrência, que é o mais importante no estudo da segurança pública.

As pesquisas de vitimização são um tipo de levantamento na população sobre a experiência com o crime. Gera informações que eventualmente sirvam no desenvolvimento de políticas para o controle da criminalidade, e quantifica a ocorrência de violações específicas para aproximar à realidade os dados divulgados pelos órgãos oficiais.

Tem como objetivo obter informações sobre a experiência das pessoas com respeito ao crime, risco de vitimização, propensão a registrar queixa policial, atitudes com relação à polícia e a punição dos criminosos, estratégias de prevenção ao crime e avaliação dos serviços prestados pelas forças policiais.

Indicadores Sociais

Em projetos sociais, indicadores são parâmetros qualificados e/ou quantificados que servem para detalhar em que medida os objetivos de um projeto foram alcançados, dentro de um prazo delimitado de tempo e numa localidade específica, e permitem tirar conclusões sobre o desenvolvimento dos fenômenos sociais em questão.São expressões numéricas de fenômenos quantificáveis, representando fenômenos sociais politicamente relevantes, que não podem ser medidos diretamente. Como o próprio

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 48 10/9/2008 16:47:13

Page 49: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

série ANÁLise CriMiNAL | 49

nome sugere, são uma espécie de “marca” ou sinalizador, que busca expressar algum aspecto da realidade sob uma forma que possamos observá-lo ou mensurá-lo. A primeira decorrência desta afirmação é, justamente, que eles indicam mas não são a própria realidade. Baseiam-se na identificação de uma variável, ou seja, algum aspecto que varia de estado ou situação, variação esta que consideramos capaz de expressar um fenômeno que nos interessa.

Os indicadores sociais devem possuir duas características fundamentais:

Validade: A validade de um indicador corresponde ao grau de proximidade •entre o conceito e a medida, ou seja, sua capacidade de refletir, de fato, o conceito abstrato que o indicador se propõe a “operacionalizar” ou “substituir” (JANNUZZI, 2001: 26).

Relevância: Enquanto propriedade desejável de um indicador social, a •relevância diz respeito à pertinência desse indicador para a tomada de decisão acerca dos problemas sociais. Uma iniciativa pode ser considerada como “relevante” se a mesma em seus objetivos mencionasse a orientação de políticas públicas.

Os indicadores podem ser utilizados para medir ou revelar aspectos relacionados a diversos aspectos sociais. Podem, por exemplo, medir a disponibilidade de bens, serviços e conhecimentos, ou captar processos em termos de intensidade e sentido de mudanças. Neste sentido, os indicadores se referem a aspectos tangíveis e intangíveis da realidade. Os tangíveis são os facilmente observáveis e aferíveis quantitativa ou qualitativamente, como renda, escolaridade, saúde, organização, gestão, conhecimentos, habilidades, formas de participação, legislação, direitos legais, divulgação, oferta etc. Já os intangíveis são aqueles sobre os quais só podemos captar parcial e indiretamente algumas manifestações: consciência social, auto-estima, valores, atitudes, estilos de comportamento, capacidade empreendedora, liderança, poder, cidadania.

A escolha dos indicadores em um projeto também ocorre em função dos ângulos que se quer avaliar:

Eficiência: boa utilização dos recursos•

Eficácia: se as ações do projeto permitiram alcançar os resultados •previstos

Efetividade: em que medida os resultados do projeto estão incorporados •

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 49 10/9/2008 16:47:13

Page 50: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

50 | série ANÁLise CriMiNAL

a realidade da população atingidaImpacto: as mudanças em outras áreas não trabalhadas pelo projeto, demonstrando seu poder de influência e irradiação.Um bom indicador para monitoramento e avaliação de resultados deve apresentar as seguintes características:

ser coerente com a visão e com a concepção que as organizações tem •sobre os objetivos;

considerar as particularidades do contexto, e ser desenvolvido a partir de •um bom conhecimento da realidade na qual se vai intervir;

ser bem definido, preciso e representativo no que se refere aos aspectos •centrais da estratégia do projeto, sem ter pretensão de dar conta da totalidade;

ser simples, capaz de ser compreendido por todos, e não apenas por •especialistas, sem ser simplista;

ser viável do ponto de vista operacional e financeiro;•

Fornece informações relevantes e em quantidade que permite a análise e •a tomada de decisão;

Aproveita as fontes confiáveis de informação existentes.•

Ferramentas para a análise de fenômenos da segurança pública

Quando os dados estão coletados, a principal tarefa a ser realizada é a análise dos resultados. Neste sentido, se torna necessário transformar os dados brutos num conjunto de números organizados, que possam ser usados para demonstrar o comportamento do fenômeno estudado.

Estatísticas Descritivas: • possibilita a apresentação de dados quantitativos de forma manejável, viabilizando a descrição das variáveis, através de tabelas e gráficos.

Estudo Temporal: • tem como objetivo verificar a existência de tendências, sazonalidade (ciclos), além da identificação de padrões do fenômeno no tempo (horas, dias, meses, anos). Nos estudos de segurança pública deve-se sempre lembrar que ao se comparar os dados do verão com os do outono

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 50 10/9/2008 16:47:13

Page 51: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

série ANÁLise CriMiNAL | 51

anterior, provavelmente, será encontrado um crescimento, devido ao fato de que o verão tende a ser mais violento. Mas na comparação dos dados de um verão com os do verão anterior (em vez de com os meses anteriores) a influência do próprio verão estará controlada.

Estudo Espacial: • descreve e visualiza distribuições espaciais, descobre padrões de associação espaciais e identifica observações atípicas. Pode avaliar a variação geográfica na ocorrência de um fenômeno, visando identificar diferenciais de risco e orientar a alocação de recursos.Estudo Espaço-Temporal: analisa o fenômeno a partir das duas metodologias acima. Pode, por exemplo, acompanhar a incidência de algum tipo de crime por bairro variando a cada hora de um dia, percebendo qual o local e o horário de maior incidência daquele crime.

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 51 10/9/2008 16:47:13

Page 52: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

52 | série ANÁLise CriMiNAL

BEATO, C. Fontes de Dados Policiais em Estudos Criminológicos: Limites e Potenciais.

Fórum de Debates Criminalidade, Violência e Segurança Pública no Brasil: Uma

Discussão sobre Bases de Dados e Questões Metodológicas I. Rio de Janeiro: Ipea e

Cesec/Ucam, 2001.

CANO, I. Introdução à Avaliação de Programas Sociais. 2ª ed, Rio de Janeiro: Editora

FGV, 2004.

CANO, I. Registros Criminais da Polícia no Rio de Janeiro: Problemas de Validade e

Confiabilidade. Fórum de Debates Criminalidade, Violência e Segurança Pública no

Brasil: Uma Discussão sobre Bases de Dados e Questões Metodológicas I. Rio de

Janeiro: Ipea e Cesec/Ucam, 2001.

FERRARI, V. Democracia e Informação no final do século XX. In: Guimarães, C. &

Junior, C. Informação e democracia. Rio de Janeiro: Eduerj, 2000.

JANNUZZI, P. M. Indicadores Sociais no Brasil. Campinas: Editora Alínea, 2001.

KAHN, T. Medindo a Criminalidade: Um Panorama dos principais Métodos e Projetos

Existentes. Fórum de Debates Criminalidade, Violência e Segurança Pública no Brasil:

Uma Discussão sobre Bases de Dados e Questões Metodológicas I. Rio de Janeiro:

Ipea e Cesec/Ucam, 2001.

LAUDON, K. C., LAUDON, J. P. Sistemas de informação com Internet. Rio de Janeiro:

Livros Técnicos e Científicos, 1999.

MIRANDA, Ana Paula M. de. Informação, política de segurança e sentimento de

insegurança. Trabalho apresentado no VII Congresso Luso-Afro Brasileiro de Ciências

Sociais, Coimbra, 2004.

PINHEIRO, L. Sistemas de Informação (Apostila do Curso de Graduação em Sistemas

de Informação). Belém: Instituto de Estudos Superiores da Amazônia, 2001.

SCHRADER, A. Métodos de Pesquisa Social Empírica e Indicadores Sociais. Porto

Alegre: Ed. UFRGS, 2002.

Bibliografia

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 52 10/9/2008 16:47:13

Page 53: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

série ANÁLise CriMiNAL | 53

o sistemA ClAssiFiCAtório dAs oCorrÊnCiAs nA PolÍCiA militAr do rio de jAneiro e A orGAnizAÇÃo dA exPeriÊnCiA PoliCiAl: UmA Análise PreliminAr1

Simoni Lahud Guedes

Introdução

Aproveito a ocasião da comemoração dos cem anos de publicação de um dos textos fundadores das Ciências Sociais, proporcionada pelos colegas do IFCS/UFRJ, para iniciar uma reflexão baseada em um material empírico um tanto novo para mim. Acentuo, de imediato, o caráter preliminar e algo rudimentar desta reflexão, que não pretende de modo algum ser uma análise da prática policial no Rio de Janeiro (como a de KANT DE LIMA, 1994, e as análises históricas de HOLLOWAY, 1997 ou CUNHA, 1998, entre outros). Trata-se, principalmente, de um exercício referente à relação entre a “função classificatória” e a construção de saberes profissionais. Dito de outro modo, objetivo fazer algumas observações acerca do modo pelo qual um sistema classificatório de referência partilha da produção de habitus profissionais específicos (BOURDIEU, 1980). Neste caso, a produção destes saberes e deste habitus está, certamente, mediada pelas inúmeras formas de administração e gerenciamento da “população”, característica fundamental das técnicas de poder, a partir do século XVIII, como acentua Foucault (1979, 1980, 1987). Sob esta perspectiva, como espero demonstrar, o tema que trago permite relacionar esquemas geradores da ação e uma “teoria da prática”, questão particularmente importante para a compreensão de atividades profissionais que se definem, prioritariamente, como constituídas de um “saber prático”. Minhas observações centram-se exclusivamente no referido sistema classificatório que, suponho, tomado em si mesmo, permite levantar uma ou duas hipóteses sobre os princípios sóciológicos que o animam.

1 Trabalho apresentado originalmente no Seminário “Formas primitivas de classificação”, Cem anos depois (junho 2003) promovido pelo Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, IFCS/UFRJ - Mesa: Universos judiciários, práticas classificatórias.

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 53 10/9/2008 16:47:13

Page 54: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

54 | série ANÁLise CriMiNAL

Esta reflexão é, também, um produto de nossa experiência coletiva, na UFF, com o Curso de Especialização em Justiça Criminal e Segurança Pública, que ocorre há mais ou menos quatro anos. Neste curso, constituído a partir de uma demanda dos então responsáveis pela política de formação dos oficiais da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, uma parcela importante dos alunos é de oficiais superiores desta corporação, todos com longa inserção institucional. A relação com estes alunos, no meu caso especificamente, tem propiciado um olhar novo sobre esta instituição, na medida mesmo em que é para ela que dirigem quase todo o seu foco de atenção. Trazem uma série de informações e interpretações sobre a corporação, de modo assistemático - nos exemplos de que se servem na sala-de-aula ou nas conversas informais em outros espaços - ou sistematizadas em alguns trabalhos escritos.

Foi, justamente, um destes trabalhos escritos que despertou meu interesse acerca do sistema classificatório das “ocorrências”, forma como são denominados, pela própria polícia militar, os eventos sociais com a sua intervenção. Refiro-me à monografia de conclusão do curso realizada por Júlio Cesar Ramos (2002). Nesta monografia, enfocando a possibilidade de uma parceria entre a sociedade e a polícia, o autor expõe e analisa as diversas “ocorrências” registradas pela Assessoria de Planejamento, Orçamento e Modernização da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro em 2001, expondo, por esta via, o sistema classificatório dos eventos com intervenção policial. Algumas conversas posteriores, com profissionais de outras turmas, no mesmo curso, trouxeram algumas informações adicionais sobre o sistema classificatório em questão. Estes dados, juntamente com dois documentos que me foram fornecidos para auxiliar na minha compreensão do sistema (um modelo do Talão de Registro de Ocorrências, de 1997, e as Normas Gerais de Policiamento, de 1983) compõem o corpus sobre o qual pretendo fazer algumas observações. Como se vê, também por esta dimensão, minha proposta é bastante preliminar.

Classificando as interações problemáticas e controlando os policiais que controlam a população

DUARTE (1986, p. 73), relendo Durkheim, Mauss e Hertz via Dumont, resume o que seriam as “três qualidades fundamentais” da “função classificatória”: “é um sistema de distinções ou diferenciações, é um sistema hierarquizado e é um sistema que pressupõe uma totalidade”. Acentua a dimensão hierárquica, de valor, das classificações,

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 54 10/9/2008 16:47:14

Page 55: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

série ANÁLise CriMiNAL | 55

enfatizando que as diferenciações não são simples dicotomizações, mas importam em uma dimensão interna de valor diferencial cujo paradigma seria exatamente a oposição direita-esquerda analisada por Hertz.

O sistema classificatório aqui tomado como material para reflexão, construído pela e para a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (RAMOS, 2002: 5), tem estas três características bastante evidenciadas. A totalidade de que trata são as intervenções do policial militar na vida social denominadas ocorrências, pretendendo ser exaustivo nesta direção, mesmo que, em alguns momentos, tenha que lançar mão da categoria residual diversos, muito importante no sistema, sobre a qual falarei adiante. Classifica, ordena e hierarquiza, ao mesmo tempo, ações policiais e situações sociais. Define-se, por esta via, tanto como uma declaração acerca das intervenções esperadas e legitimadas do policial militar quanto pelo detalhamento das situações sociais consideradas como “problemáticas”.

Embora referida pelos profissionais como uma codificação que se pretende exclusivamente técnica, compreendida, neste sentido, como “neutra”, dialogando em muitos dos seus aspectos com as definições legais, ao tomar como objeto as inúmeras e diversificadas situações sociais em que a PM intervém ou é solicitada a intervir, sinaliza seu objetivo maior de organizar a prática policial militar, ordenando, classificando, registrando e medindo as experiências vividas. Esta ordenação, certamente, é, por sua vez, enquanto um construto interno à instituição, resultado de interpretações da experiência elaboradas por policiais experimentados, visando à exaustividade e à sistematicidade, pretendendo contemplar todo o campo dos possíveis. A propriedade da “antecipação totalizadora” é, da perspectiva que assumo aqui, sua característica maior. Mas vejamos o sistema classificatório em questão.

O sistema opera em três níveis distintos de abrangência, estabelecendo diferenciações e inclusões, e, como a maioria das classificações, torna-se mais minucioso nos níveis inferiores. A um primeiro olhar, há equivalência entre as distinções internas a cada nível. Contudo, há uma série de indícios de uma outra diferenciação, de valor, interna aos níveis aparentemente equivalentes.

No seu primeiro nível, mais amplo, diferencia cinco grandes conjuntos de intervenções, denominadas amplamente de códigos, numeradas nesta ordem: código 001 – Crimes; 002 – Contravenções; 003 – Trânsito; 004 – Assistenciais; 005 – Diversas.

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 55 10/9/2008 16:47:14

Page 56: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

56 | série ANÁLise CriMiNAL

Nos dois primeiros códigos, a complexa e prolixa legislação brasileira acerca de crimes e contravenções é transformada em ocorrências identificáveis. Mantêm relação estreita com esta legislação, interpretando-a e buscando replicar seus termos e diferenciações. Supõem e propõem, portanto, determinadas leituras do ordenamento jurídico da sociedade para a transformação de eventos em ocorrências no interior destes dois conjuntos.

O terceiro código – trânsito – é mais impreciso, sob este ponto de vista, pois pode referir-se tanto a crimes e contravenções (por exemplo, auto furtado e direção perigosa) quanto a acidentes. Sua situação como o terceiro, o do meio em cinco, replica esta relativa ambigüidade. Voltarei a este ponto ao final.

O código 004 congregando as intervenções denominadas como assistenciais, abriga, na verdade, dois tipos distintos de assistência. Aqui, a categoria central é auxílio (presente, implícita ou explicitamente, em quase toda a especificação do código), através da qual os dois tipos distintos de assistência são tornados equivalentes. O primeiro tipo refere-se àquelas atividades inerentes ao trabalho policial (auxílio a órgãos de meio-ambiente, auxílio à autoridade policial), mas nas quais o policial militar não é o agente principal; o segundo tipo legitima (e talvez até proponha) uma dimensão de relação do policial militar com os diversos segmentos sociais (parturiente, mal súbito, condução de enfermo).

Finalmente, o quinto código ocorrências diversas agrupa o inclassificável ou, como diz Mauss (1968: 365), referindo-se ao que, nas ciências, classifica-se como “diversos”, o “rótulo da ignorância”. Contudo, este conjunto é absolutamente fundamental ao sistema, pois retém sua inclusividade absoluta e o que estou chamando de sua propriedade de “antecipação totalizadora”. É extremamente diversificado, congregando quer os resíduos, o que não encontrou lugar nos códigos anteriores, quer uma perspectiva distinta sobre fenômenos já considerados. Para sustentar sua inclusividade, apresenta alguns “coringas”: termos absolutamente genéricos e amplos, nos quais tudo cabe. Voltarei também a este ponto adiante, pois, a meu ver, é uma das características mais interessantes deste sistema, abrindo-o para as interpretações construídas em outro território.

Quando se passa ao nível seguinte, o intermediário em abrangência, há indícios da importância para a prática policial militar do primeiro grupo de ocorrências (001 – crimes), indícios de uma outra classificação, mais implícita, que denota os

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 56 10/9/2008 16:47:14

Page 57: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

série ANÁLise CriMiNAL | 57

valores distintos atribuídos às diferenciações em cada nível. Na verdade, no sistema classificatório em questão o segundo nível existe, exclusivamente, para este código. Ou seja, no interior da categoria crimes distinguem-se cinco outros grupos como é denominada a subdivisão seguinte, enquanto que as outras quatro categorias (contravenções, trânsito, assistenciais e diversas) comportam, cada uma, um único grupo. O valor maior atribuído ao código crimes fica duplamente evidenciado: primeiro, pelo investimento maior na diferenciação interna das ocorrências criminosas, impondo-se a atuação diante de comportamentos e situações classificados como criminosos como a principal das funções precípuas da Polícia Militar, na interpretação institucional de um aparato legislador muito amplo e diversificado; segundo, pela sua numeração. Na verdade, em termos de valor, poderíamos dizer que é o primeiro e não apenas o número um.

Assim, o segundo nível é estabelecido exclusivamente pelo primeiro grupo. Apresenta cinco subdivisões: crimes contra a pessoa; crimes contra o patrimônio; crimes contra os costumes; crimes contra a administração pública e “outros crimes” (o diversos deste nível de abrangência que, de novo, garante a incorporação de todos os possíveis principalmente através dos seus próprios termos “coringas”, vagos e amplos, como, por exemplo, os crimes contra a família). De qualquer modo, estas subdivisões contemplam os principais objetos da legislação penal brasileira, replicando-a e interpretando-a.

O terceiro e último nível de abrangência é aquele no qual se classificam as ocorrências propriamente, contando, nos seus nove grupos (cinco do primeiro código e um para cada um dos outros), com um número variável de itens (entre sete, por exemplo, no grupo 300, crimes contra os costumes e cerca de 20 no grupo 200, crimes contra o patrimônio). De fato, neste nível de detalhamento, todos os termos mereceriam ser analisados em termos do conjunto de diferenciações em que se situam, mas isso é, evidentemente, impossível aqui. É possível, contudo, fazer algumas observações gerais e outras pontuais que permitam elaborar alguns dos significados veiculados por este sistema classificatório, relacionando-o à construção da “experiência” e da prática dos policiais militares.

Neste nível, é possível notar, por exemplo, apesar da incipiência e assistematicidade do material coletado, a relação institucional com a historicidade deste sistema classificatório, deduzidas de algumas diferenças observadas nas ocorrências registradas no documento de 1997 (Talão de Registro de Ocorrências)

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 57 10/9/2008 16:47:14

Page 58: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

58 | série ANÁLise CriMiNAL

e no registro apresentado em Ramos (2002, passim), baseado em um setor de

planejamento da PMERJ. Não há diferenças nos níveis de abrangência mais amplos.

As alterações parecem se dar em termos de uma maior especificação no interior de

alguns grupos, incluindo novas ocorrências (como, por exemplo, nos crimes contra

a pessoa, o acréscimo de periclitação da vida e contra a honra; nos crimes contra

o patrimônio, o acréscimo de roubo de veículo de transporte de valores). Estas

diferenças indicam, possivelmente, a constante atualização do sistema classificatório,

subtraindo à classificação vaga dos “resíduos” algumas intervenções que se tornaram

significativas no processo social, transformadas em novos “problemas sociais”, mesmo

num curtíssimo espaço de tempo. Mas é bastante interessante também que nenhum

dos profissionais consultados (repito, de modo assistemático) tenha se referido às

mudanças do sistema classificatório. De fato, na conversa com outros alunos do curso,

capitães, membros da mesma corporação, acerca deste tema, percebi que atribuem

a ele uma importância menor na organização de sua prática, sendo enfocado

como uma simples forma de registro. Apesar disso, ele é amplamente conhecido

por todos, sendo parte de seu saber comum e rotineiro. Incorporado como parte de

sua atividade profissional, não o fazem sem reflexão, pois muitos elaboram críticas

a suas imprecisões, inconsistências e dificuldades. Sob este ponto de vista, é um

modelo consciente, nativo, nos termos de Lévi-Strauss (1967). A ausência de interesse

em sua origem, que não pode ser precisada pelos alunos consultados, bem como a

falta de registro de suas alterações, indicam uma certa naturalização deste sistema

classificatório, surgindo como alguma coisa que “sempre esteve lá”. Na mesma direção

aponta a ausência de textos que expliquem as diversas categorias classificatórias dos

eventos e as formas de enquadrar o “acontecido” na classe adequada (ou, o que dá no

mesmo, o desinteresse de profissionais experientes e graduados na instituição por tais

textos). Indagados sobre isso, disseram que a referência eram as próprias categorias

legais. Isto é bastante significativo em uma instituição absolutamente letrada, que

se inscreve permanentemente em manuais, documentos, regulamentos, portarias e

instruções. Entre eles, as Normas Gerais de Policiamento (1983), documento no qual

estão minuciosamente registradas as formas previstas de policiamento, explicando-se,

inclusive, as formas de preenchimento do Talão de Registro de Ocorrências (Anexo

III, p. 69). Mas não há, neste documento, qualquer explanação ou instrução sobre a

codificação dos eventos.

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 58 10/9/2008 16:47:14

Page 59: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

série ANÁLise CriMiNAL | 59

Tudo isso indica que se trata de um esquema aparentemente muito detalhado, mas também muito geral de organização do vivido, cujos princípios mais importantes não podem ser depreendidos de sua inscrição textual. Talvez sua característica mais importante seja exatamente esta: o que ele não diz, o espaço que abre para as interpretações e construções coletivas. Minha primeira hipótese, portanto, configura-se, na análise preliminar deste sistema classificatório: o sistema de registro trabalha, todo o tempo, conjugado a um outro, implícito, absolutamente não apreensível nos documentos escritos. Trata-se daqueles construídos e transmitidos na própria ação, pela observação e acompanhamento dos mais “experientes”. A acumulação de “experiência” é aqui compreendida como parte do processo fundamental de construção de saberes coletivos. Como acentua a historiadora Joan Scott, investindo contra o uso acrítico das “experiências” no trabalho dos historiadores:

“Experiência é, ao mesmo tempo, já uma interpretação e algo que precisa de interpretação. O que conta como experiência não é nem auto-evidente, nem definido; é sempre contestável, portanto, sempre político” (SCOTT, 1999: 48).

Mas, se, sem nenhuma dúvida, só o estudo das práticas policiais e da construção da “experiência”, nesta profissão, permitirá a compreensão das formas de classificação dos fenômenos de intervenção da polícia militar, trabalho a que se dedicam alguns pesquisadores, não devemos minimizar a importância da ordenação escrita desta prática. O sistema classificatório das ocorrências dirige o olhar para determinadas direções, hierarquiza e valoriza eventos, desvaloriza outros e obriga à construção de liames entre o vivido e o registrado. Toda prática conjuga, de modos distintos e em proporções variáveis, normas explícitas, racionalizações, teorias nativas e saberes implícitos, muitas vezes não reconhecidos como tal. Assim, este sistema classificatório convive e conjuga-se com diversos outros, a maioria não escritos, sendo um dos mais importantes a classificação do público que é tirado pelos policiais, como demonstra Kant de Lima (1995: 53 segts).

A busca do máximo de especificação quanto aos eventos, neste terceiro nível do sistema classificatório, faz com que diferentes princípios classificatórios sejam utilizados, enfatizando, por essa via, a importância maior de algumas ocorrências em detrimento de outras. Esta também é uma das razões das observações dos policiais militares, com quem conversei, acerca das inconsistências do sistema. Por exemplo, no código 01, grupo 200 (crimes contra o patrimônio), além da categoria genérica furto (210), garantindo o espaço na classificação para todas as formas de furto, são

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 59 10/9/2008 16:47:14

Page 60: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

60 | série ANÁLise CriMiNAL

utilizadas outras oito categorias que expressam princípios distintos: uma refere-se a uma figura do código penal (furto qualificado, definido, neste instrumento legal, como aquele que envolve “destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa ou com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza”), portanto, neste caso e só neste caso, utiliza-se como critério de classificação os meios pelos quais o furto é cometido; seis termos referem-se ao local do furto (auto, coletivo, estabelecimento comercial, estabelecimento financeiro, estabelecimento de ensino, residência), valorizando aqueles cometidos em alguns locais e, simultaneamente, lançando ao limbo genérico da primeira categoria (furtos tout court) os ocorridos em outros locais. Uma única categoria refere-se ao objeto do furto (autocarga), sinalizando também seu valor em relação a todos os objetos furtáveis. Assim, por exemplo, o furto da carga de um caminhão de transporte, estacionado na garagem interna de um estabelecimento comercial, da qual se arrombou a porta, pode ser classificado simplesmente como furto, como furto qualificado (pois rompeu-se um obstáculo), como furto em estabelecimento comercial e, ainda, como furto de autocarga.

Este pequeno exercício, que poderia ser repetido em vários pontos do sistema classificatório em questão, não visa, absolutamente, fazer coro aos questionamentos internos em relação à propriedade e/ou eficácia das categorias especificadas. Não tem também, de modo algum, intenção de folclorizá-lo. Visa demonstrar, sobretudo, o ponto que já enunciei acima, a saber, que é fundamental o que ele não diz e o espaço que abre para a construção coletiva de interpretações. Sob esta perspectiva, ele é muito bem sucedido e muito bem construído. Permite, ademais, avançar a reflexão em uma outra direção.

Continuando a usar como exemplo as especificações sobre furto, poderíamos elaborar a hipótese de que a importância maior da especificação de locais (no caso, meios de transporte, lojas, bancos, escolas e residências) ou objeto (autocarga) relaciona-se quer com sua maior freqüência quer com a visibilidade maior que tenham estas ocorrências na sociedade. Poderiam ser encaradas como parte fundamental da relação da polícia com o que é transformado, em cada momento, em “problema de segurança” maior pelos segmentos sociais dominantes. Assim, por exemplo, poderíamos pensar que a existência, no nível maior de abrangência, do código 003 – trânsito, com toda a ambigüidade que apresenta, responde, na verdade, a uma enorme concentração da atividade do policial militar nos eventos neste setor: segundo dados da própria PM, cerca de 56% das intervenções em 2001 foram classificadas neste código (RAMOS, 2002). Nesse sentido, o estudo sistemático das inclusões e exclusões ocorridas no sistema – se é que ocorreram – permitiria desenredar alguns indícios sobre o que vai se tornando mais ou menos importante na atuação policial. Tudo isso também nos

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 60 10/9/2008 16:47:14

Page 61: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

série ANÁLise CriMiNAL | 61

faz recordar o objetivo mais amplo, implícito neste sistema classificatório: produzir estatísticas sobre as ocorrências policiais.

De certo modo, a função classificatória, neste caso, concretiza-se, em última instância, na produção de estatísticas que medem e avaliam, simultaneamente, através dos inúmeros índices que produz, o conjunto das atividades da polícia militar e os eventos “problemáticos” da vida social2. Aqui é útil relembrar Foucault e a questão fundamental do gerenciamento das populações, nas quais o saber produzido pelas estatísticas é o eixo das técnicas de poder. Também creio ser útil lembrar Lévi-Strauss e as diferenças entre modelos mecânicos e estatísticos. Talvez pudéssemos dizer que os policiais, na interpretação das ocorrências em que se envolvem, operam com modelos mecânicos para transformá-los em modelos estatísticos. O que está no meio disso é o vivido e a “experiência” dos profissionais envolvidos que devem, entre outras coisas, aprender a classificar sua vivência em determinadas direções. Experiência obrigada a se auto-inscrever para produzir estatísticas, limitada pela classificação pré-existente (ou seja, a experiência de outros), mas movendo-se no campo aberto pela utilização, na classificação, de princípios operatórios distintos.

Gostaria de terminar lembrando que realizei aqui apenas um pequeno exercício a partir do texto de Durkheim e Mauss, buscando pensar, particularmente, aquele segundo momento em que, após ter estabelecido o postulado de que “a classificação das coisas reproduz a classificação dos homens”, demonstrando a precedência lógica da organização social sobre o sistema classificatório, insistem, em seguida, no processo dialético contínuo de realimentação entre os dois níveis: “(...) as idéias são organizadas sobre um modelo que é fornecido pela sociedade. Mas uma vez que esta organização da mentalidade coletiva exista, ela é suscetível de reagir sobre a sua causa e contribuir para modificá-la.” (DURKHEIM e MAUSS, 1968: 184, tradução minha).

2 O lugar ocupado pela produção de índices estatísticos é absolutamente central para avaliação da prática policial. Nessa direção creio que seria produtivo: (1) examinar os usos e impactos dos índices na organização interna da prática policial em seus diversos níveis (relações com as outras instituições de policiamento, relação com a Secretaria de Segurança Pública, produção de normas etc.); (2) examinar os usos e impactos dos índices na forma como são divulgados pela mídia; (3) examinar a diferença entre usos internos e externos das estatísticas. Assim, por exemplo, segundo a reportagem do Jornal do Brasil, em 08 de maio de 2003, p C2, o Secretario de Segurança do Estado do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho, teria estabelecido em termos estatísticos as metas da política de segurança, estipulando “uma média percentual de 12% para a redução de, pelo menos, 10 delitos”. A manchete da reportagem “Limite do ano: 4.171 homicídios” pode ser lida como, intencionalmente, irônica, pois ao mesmo tempo em que reproduz a proposta de redução de índices, expõe um número que pode ser absolutamente assustador para os cidadãos comuns. Assim, as reações expostas na própria reportagem explicitam a necessidade de se “reduzir a zero” os homicídios e seqüestros.

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 61 10/9/2008 16:47:14

Page 62: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

62 | série ANÁLise CriMiNAL

BOURDIEU, P. Le sens pratique. Paris: Minuit, 1980.

CUNHA, Olivia. Os domínios da experiência, da ciência e da lei: os manuais da polícia

civil do Distrito Federal, 1930-1942. Estudos Históricos, FGV, n. 22, 1998.

DUARTE, L. F. D. Classificação e valor na reflexão sobre identidade social. In Cardoso,

R. (org.). A aventura antropológica. Teoria e pesquisa. Rio de Janeiro: Paz e Terra,

1986.

DURKHEIM, É. e MAUSS, M. De quelques formes primitives de classification. In

Mauss, M. Essais de Sociologie. Paris: Minuit, 1968.

FOUCAULT, M. História da sexualidade I. A vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal,

1977.

FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979.

FOUCAULT, M. Vigiar e Punir; o nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1987.

HOLLOWAY, Thomas. Polícia no Rio de Janeiro. Repressão e resistência numa cidade

do século XIX. Rio de Janeiro: FGV, 1997.

KANT DE LIMA, R. A polícia da cidade do Rio de Janeiro. Seus dilemas e paradoxos.

Rio de Janeiro: Forense, 1995.

LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia Estrutural. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1967.

MAUSS, M. Les tecniques du corps. Sociologie et anthropologie. Paris: PUF, 1968.

POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. ESTADO MAIOR. Normas Gerais de

Policiamento. Rio de Janeiro, 1983.

RAMOS, Júlio Cesar. Sociedade e polícia – uma parceria possível. Propostas de

mudanças nas estratégias de intervenção policial no Rio de Janeiro com vistas à

polícia cidadã. Monografia de conclusão do Curso de Especialização em Políticas

Públicas de Justiça Criminal e Segurança Pública, Niterói, 2002.

SCOTT, Joan. Experiência. In Leite, A; Lago, M. e Ramos, T. (orgs). Falas de Gênero.

Teorias, análises, leituras. Florianópolis: Editora Mulheres, 1999.

Bibliografia

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 62 10/9/2008 16:47:14

Page 63: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

série ANÁLise CriMiNAL | 63

ProdUÇÃo, Uso de inFormAÇÕes e diAGnóstiCos em seGUrAnÇA UrBAnA1

Cláudio Beato

Dados e programas de prevenção

Não há estudo exploratório ou revisão de literatura sobre criminalidade, violência e políticas de controle na América Latina que não comece ou termine enfatizando as inúmeras deficiências nas bases de informações sobre criminalidade e violência. Essa é uma situação grave que compromete seriamente os estudos realizados, e as políticas, programas e projetos de segurança desenhados com base neste conhecimento. O desafio que enfrentamos hoje em estudos criminológicos na América Latina diz respeito justamente às bases de informações necessárias para que se possa avançar no alcance das proposições empíricas, bem como efetuar testes de teoria mais sofisticados. Sem esse conhecimento não temos ação efetiva e conseqüente.

As implicações dessa situação para o desenho e avaliação de políticas de segurança são óbvias. Políticas na área da criminalidade e justiça, na América Latina, são efetuadas em vôo cego, sem instrumentos e com orientação puramente impressionista. Como conseqüência, temos uma situação de incremento acentuado das taxas de criminalidade, do aumento do medo e da percepção de risco das populações nos grandes centros urbanos. O ceticismo e descrença diante da aparente impossibilidade de se obter resultados estão “naturalizando” os fenômenos da criminalidade e violência, como se estivéssemos inevitavelmente destinados a conviver com o medo e a insegurança. Podemos dizer, sem dúvida nenhuma, que dentre as diversas causas de crime hoje na América Latina, destaca-se a nossa ignorância sobre a matéria.

No que diz respeito ao impacto específico de políticas e programas sociais, esta situação é ainda mais obscura, pois a necessidades de tais projetos são tão urgentes que, quaisquer que sejam os resultados alcançados, independente das implicações para o problema da delinqüência, considera-se como bem sucedido. Não há uma avaliação dos custos destes programas frente aos resultados alcançados, ou tampouco da

1 Versão resumida de 2. BEATO FILHO, C. C. . Crime and Violence diagnostics and information. World Bank Working papers, Washington DC, v. 1, n. 35135, p. 1-45, 2005.

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 63 10/9/2008 16:47:14

Page 64: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

64 | série ANÁLise CriMiNAL

efetividade deles. Qual o impacto efetivo deles nas taxas de violência e criminalidade? Que aspectos funcionaram melhor? Qual o lapso de tempo necessário para que se produzam efeitos? Que tipos de combinações são necessários para a produção de resultados promissores? Como evitar gastos desnecessários com abordagens que na realidade são inúteis, embora bem intencionadas? A análise dessas questões é cada vez mais necessária, dada a freqüente escassez de recursos que nossos governos nos mais diversos níveis tendem a enfrentar, e o natural interesse em identificar e reorientar políticas de prevenção de crime a partir de decisões baseadas em modelos de custo e benefício.

Esta aula vai discutir como podemos levantar dados a respeito de problemas de segurança, como transformar estes dados em informação, e a informação em conhecimento que permita uma base de ação sólida e consistente através de programas de prevenção, além de possibilitar a avaliação dessas ações.

A escassez de informação nas bases de dados sobre criminalidade e violência

Relatório recente do Banco Mundial que tratou dos impactos que a violência e a criminalidade têm tido para o desenvolvimento sustentado e combate da pobreza nas América Latina ressalta que o problema mais imediato é que os “dados são grosseiramente inadequados. As razões incluem problemas graves de sub-registro de vítimas, falta de levantamentos sistemáticos de dados, e deficiências das agências de estatísticas em reportar o crime e a violência. Assim, a primeira prioridade na agenda emergente para tratar do problema na região é a necessidade de se incrementar a base de conhecimento sobra a natureza, extensão, e evolução desta patologia”. A sugestão dada pelo autor é claramente inusitada: a prioridade da agenda está não nos resultados a serem buscados, mas em construir e delinear sistemas que ajudem, antes de qualquer coisa, ter uma percepção mínima acerca do que está ocorrendo.

Da mesma maneira, e seguindo a mesma ordem de preocupações ao referir-se ao problema da violência e criminalidade na Colômbia, (RUBIO, 1998), destaca que para falarmos de “crime, violência e insegurança, um aspecto recorrente é a incerteza acerca do que realmente está ocorrendo. O diagnóstico deste fenômeno e o desenho de políticas pertinentes enfrentam desde o princípio os problemas da medição e observação, cujas gravidades parecem ser proporcionais aos níveis de violência”. (RUBIO, 1998b: 2)

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 64 10/9/2008 16:47:15

Page 65: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

série ANÁLise CriMiNAL | 65

Diante dessa ausência, a tendência tem sido utilizar os dados de homicídio coletados usualmente pelos sistemas de informação de saúde. Os homicídios, nas suas mais diversas modalidades, tornam-se o indicador para compararmos cidades, regiões e países, seja para efeitos de análise, seja para efeitos de alocação de recursos. Contudo, a utilização dos homicídios como parâmetro comparativo sobre a violência também acarreta crítica acerca da sua validade. Assim, o BID (nota técnica 2) alerta para três tipos de problemas que podem surgir: (a) mesmo que os homicídios tendam a ter menos problemas de sub-registro, ainda assim eles persistem, além de graves problemas de inconsistências entre diferentes tipos de fontes; (b) muitas formas graves de violência nem sempre terminam em homicídios como, por exemplo, a violência doméstica ou as diversas formas de agressão interpessoal; (c) quando se utiliza o homicídio como principal medida de violência, tende-se a subestimar outras formas tais como a violência física e a intimidação.

Na verdade, poderíamos argumentar que o problema mais grave em relação às taxas de homicídio seja que ele tem um padrão de comportamento bastante específico, e distinto do que ocorre com outros tipos de delitos que afligem dramaticamente a população tais como as diversas modalidades de crimes contra o patrimônio. Estudos recentes mostram como a dinâmica espacial e temporal dos homicídios é bastante distinta do que ocorre com outros tipos de crime (BEATO, 2000). Homicídios ocorrem mais nas regiões pobres de uma cidade, estado ou país, ao passo que os delitos contra a propriedade ocorrem mais nas regiões ricas.

Para efeitos de elaboração de programas de controle e prevenção, esta qualificação é necessária, dado que existem sérios problemas de sub-registros em relação aos crimes contra o patrimônio. Daí alguns estudiosos e policy makers adotarem a taxa de homicídio como indicador de criminalidade em uma cidade, região, país, ou até mesmo como comparação entre países2. Isto se deve ao fato de que esta é uma modalidade de crime em que o sub-registro, ou problemas legais de classificação são menores. No entanto, isto nem sempre é verdadeiro, pois algumas avaliações de sistemas de informação mostram como os dados de saúde tendem a ser mais reportados em cidade e regiões que contam com sistema de coleta em

2 Taxas são o número de delitos que ocorrem em um grupo de dez ou cem mil habitantes. Eles são calculados como o número de homicídios, por exemplo, divididos pela população e multiplicados por cem mil habitantes. A razão de se utilizar este denominador de dez ou cem mil habitantes, é que isso nos permite comparar o número dos delitos em relação a populações de tamanhos distintos.

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 65 10/9/2008 16:47:15

Page 66: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

66 | série ANÁLise CriMiNAL

organizações mais bem estruturadas. Isto em geral ocorre nas cidades pólos de cada região (CASTRO, ASSUNÇÃO E OTTONI, 2002)

Por outro lado, taxas de homicídio podem ser indicadores agregados que terminam ocultando uma série de fenômenos distintos que podem ser do interesse do planejador em conhecer. Podemos ter a mesma taxa de homicídios em duas cidades e, no entanto, distribuições serem completamente diferentes (LYNCH, 1995). No ano de 1996, a região metropolitana do Rio de janeiro, segundo o SIM – Sistema de Informações de Mortalidade, teve uma taxa de homicídio de 59,35 homicídios por cem mil habitantes. A região metropolitana de São Paulo também teve um taxa parecida de 55,58. No entanto, as similaridades entre as taxas ocultam importantes diferenças. No Rio de janeiro, a taxa de morte por homicídios entre os jovens entre 15 e 29 anos é 34% maior do que as taxas no mesmo grupo de idade em São Paulo. Além disso, as mortes por armas de fogo representaram 87% das mortes por homicídios no Rio de Janeiro, ao passo que em São Paulo elas representaram 47% (BATITTUCI, 1999). Estes números nos indicam que, embora as taxas sejam parecidas, do ponto de vista de sua composição, elas são bastante diferentes.

Finalmente, existe a discussão acerca da agregação de coisas diferentes sob o mesmo rótulo de homicídio. Tomarmos as definições oficiais da ocorrência de homicídios nos leva à falsa idéia de que todos eles têm uma mesma motivação3. Uma forma de compreendermos a diversidade de tipos poderia ser tratá-los com base no relacionamento entre o agressor e a vítima (PARKER & SMITH, 1979. SMITH & PARKER, 1980. PARKER, 1989). Nessa perspectiva, foram classificados quatro tipos de homicídio: (a) homicídio não primário resultante de roubo; (b) homicídio não primário como resultado de outros crimes; (c) homicídio primário entre pessoas não íntimas tais como amigos e; (d) homicídios primários entre pessoas íntimas tais como familiares. Apenas o homicídio primário, isto é, aquele que ocorre entre pessoas que têm um prévio relacionamento, correlaciona-se com indicadores socioeconômicos de desenvolvimento. Os homicídios não-primários, vinculados a casos de assalto ou roubo, tendem a seguir o mesmo padrão de outros delitos contra a propriedade.

Toda a digressão acima não nos deve conduzir à falsa idéia de que os homicídios não são indicadores extremamente importantes da situação de violência

3 Muitos estudos tendem inclusive a analisar os distintos tipos de homicídio como se todos tivessem uma mesma causa definida por fatores ordem estrutural, sejam eles de ordem socioeconômica, institucional, social ou demográfica (KATZ, 1988).

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 66 10/9/2008 16:47:15

Page 67: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

série ANÁLise CriMiNAL | 67

e criminalidade e determinados locais. Pelo contrário, o que está sendo discutido é a extrema diversidade de fenômenos que existe em apenas um delito. Isto nos sugere fortemente a necessidade de se compreender todas estas nuances para a elaboração de programas que sejam eficazes. Compreender a distribuição de homicídios que ocorrem vinculados a razões de ordem utilitária tais como o latrocínio4, ou homicídios resultantes de uma dinâmica doméstica de conflitos e agressões.

Informações e programas de prevenção

A tendência recente na América Latina tem sido a de incorporar crescentemente componentes de prevenção social e situacional de crimes na agenda das políticas públicas de segurança. Isto não ocorre por acaso, pois eles são mais eficazes, com resultados mais duradouros e muito mais baratos do que as estratégias de repressão adotadas tradicionalmente. Isto é corroborado em estudo realizado pela Rand Corporation, no qual analisou-se o impacto de diferentes estratégias para prevenção de crimes através de programas de intervenção comparada à introdução de legislação dura. Os programas de intervenção incluíam (a) visitas a lares por assistente logo após o nascimento das crianças durante até os seis anos de vida; (b) Treinamento e terapia para famílias que tivessem crianças que houvessem demonstrado comportamento agressivo na escola, ou que estivessem em vias de serem expulsos dela; (c) quatro anos de incentivo monetário para induzir garotos carentes a se graduarem; (d) monitoramento e supervisão de jovens secundaristas que tenham exibido comportamento delinqüente. Estes programas foram comparados ao impacto que a introdução da lei dos “Three Strikes”5 teve sobre as taxas de crime na Califórnia. A comparação favorece amplamente os programas de intervenção e, em especial, os de incentivo monetário na forma de uma “bolsa escola”.

Cidades colombianas como Bogotá e Cali também vêm adotando com bastante sucesso programas de prevenção envolvendo jovens, reforma da justiça e das organizações policiais, além de projetos de reurbanização. A cidade de Bogotá registrou, em 1993, 4.352 homicídios. Terminou o ano de 2002 com 1902 homicídios,

4 No Brasil, isto significa o assalto seguido de morte, que é, inclusive, investigado pelas delegacias de crimes contra o patrimônio.

5 A legislação dos Three Strikes é extremamente severa, estabelecendo que após a terceira reincidência o delinqüente terá uma pena de 25 anos, não importando a gravidade do delito cometido.

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 67 10/9/2008 16:47:15

Page 68: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

68 | série ANÁLise CriMiNAL

reduzindo a menos da metade suas taxas de homicídios por cem mil habitantes, conforme vemos no quadro abaixo. O programa “Seguridad Y Convivencia Ciudadana” articulou simultaneamente programas na área de justiça e polícia envolvendo desenvolvimento tecnológico de comunicação e bases de dados para a polícia, além da provisão de equipamentos. Além disso, projetos voltados para grupos vulneráveis e de recuperação de espaços públicos foram implementados, além de fortalecimento do sistema de justiça e reforma das instituições policiais através de programas de treinamento e equipamentos.

Gráfico 1: Taxa de Homicídios por cem mil habitantes em Bogotá e Colômbia

Fuente: Instituto Nacional de Medicina Legal y Ciencias Forenses - Bogotá-CO

Da mesma maneira, Cali, durante os anos 1980 e 1990, assistiu grande

crescimento das taxas de homicídios, que passaram de 23 por cem mil habitantes em

1983, para 90 em 1993. O programa Desenvolvimento, Segurança e Paz –DESEPAZ-

lidou com fatores de risco identificados no contexto específico de atuação do

programa, tais como o álcool; as armas de fogo; cultura de resposta violenta ao conflito;

impunidade e ineficiência da justiça e da força policial e; pobreza, desigualdade social

e marginalidade. A primeira área estratégica desenvolvida foi a produção sistemática

de informações sobre a violência que pudessem servir de base para a elaboração de

planos e estratégias. Duas abordagens foram adotadas para o levantamento de dados:

(1) epidemiologia da violência, sob a coordenação de uma epidemióloga, um grupo, no

qual estavam representantes da polícia, fiscalização, saúde, medicina legal e escritório

de direitos humanos, reunia-se semanalmente a fim de estudar detalhadamente os

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 68 10/9/2008 16:47:15

Page 69: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

série ANÁLise CriMiNAL | 69

eventos violentos ocorridos na última semana e preparar relatório a ser analisado pelo Conselho Municipal de Segurança. (2) Pesquisas de opinião, a fim de avaliar a qualidade dos serviços de justiça e de polícia, que era realizada a cada seis meses.

Informações municipais de segurança

Quando estamos tratando de programas de prevenção, temos que desenvolver um sistema de informações que não esteja relacionado apenas aos dados de criminalidade, violência e segurança pública. A intervenção em fatores de risco da violência pressupõe alguma indagação acerca de quais são eles, bem como do impacto na criminalidade. Alguns deles encontram-se expressos nos dados relativos à segurança pública. Outros, entretanto, devem ser buscados no contexto socioeconômico no qual ocorrem os crimes, e daí a necessidade de uma base extensa de informações que não se relaciona apenas às agências de justiça e controle, mas a variáveis que expressam este contexto e informações sobre organizações e instituições que podem estar influindo positiva ou negativamente sobre os padrões de criminalidade.

A recente experiência que está sendo implantada em algumas cidades americanas através do NIJ denominada de COMPASS (Community Mapping, Planning, and Analysis for Safety Strategies) constitui-se num bom exemplo de utilização intensiva de dados de diversas origens. Seu objetivo é justamente implementar sistemas de mensuração de eventos criminais e comunitários que possam servir a propósito de planejamento e análise. Assim, quaisquer bases de dados disponíveis podem vir a compor um armazém de dados, que congregaria informações criminais, comunitárias, informações mapeadas e pesquisas de opinião e comportamento.

Obstáculos a uma abordagem empírica dos problemas de criminalidade e violência

Dados que sejam informações e informações que se constituam em conhecimento.

Todas as dificuldades e vicissitudes expostas acima nos apontam para um problema que é central na constituição de conjuntos de dados que possam auxiliar a elaboração de planos e projetos. Ter dados sobre um fenômeno não significa necessariamente ter informação disponível. Sabemos que existem muitos dados em diversas organizações, mas a desorganização em seu armazenamento não os torna

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 69 10/9/2008 16:47:15

Page 70: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

70 | série ANÁLise CriMiNAL

facilmente disponíveis para sua utilização. O custo financeiro ou até mesmo político da organização desses dados muitas vezes inviabiliza qualquer utilização mais sistemática deles. Registros policiais encontram-se em forma manuscrita e dispersos em porções e salas mal preparadas. Por outro lado, muitos dos detentores de informações vitais para a compreensão de um problema podem ter muitas e variadas razões para não os fornecerem aos representantes do poder público.

No que diz respeito aos dados oficiais sabemos que informações criminais e judiciais são precárias, pouco sistematizadas e sua divulgação é errática. Isto torna difícil a construção de séries históricas, além de inviabilizar as comparações inter e intra-regionais, ou internacionais6.

Algumas condições afetam negativamente essa qualidade que tem a ver com características das organizações encarregadas da coleta destes dados. Uma delas refere-se às tecnologias de processamento de dados: raramente as organizações policiais ou de justiça possuem computadores integrados em rede e submetidos a mecanismos eletrônicos de coleta de dados. Ainda usa-se muito papel no preenchimento das ocorrências, sendo o computador uma máquina absolutamente estranha ao cotidiano dos quartéis e delegacias. Outra tem a ver com a qualificação das pessoas alocadas nas atividades de coleta e registro de informações. É sempre importante lembrar que quando se pretende montar um sistema de informações, deve-se ter pessoal minimamente qualificado para a tarefa, que tenha um domínio no manejo de bancos de dados eletronicamente disponíveis, planilhas e, se possível, de algum software de análise estatística de dados.

A par das condições necessárias para se transformar dados em informações que possam ser utilizadas pelos agentes destes programas, temos outra ordem de fatores a conspirar contra a transformação dessas informações em conhecimento. A primeira tem a ver com a centralidade dessas atividades no conjunto das práticas organizacionais. Estatísticas são produzidas por departamentos e unidades que nada tem a ver com o planejamento operacional das organizações e

6 Ver (1) “INDICADORES SOCIAIS DE CRIMINALIDADE” Trabalho elaborado de acordo com o convênio SG nº 033/86 e o Termo de Renovação SG-003/87, celebrados entre a Fundação João Pinheiro (FJP) e o Ministério da Justiça - Programa Ruas em Paz.(2) IBGE, Rio de Janeiro. Pesquisa de vitimização: dificuldades e alternativas. Rio de Janeiro, 1985. Mimeo.(3) PACHECO, Lúcia Maria M.; CRUZ, Olga Lopes da; CATÃO, Yolanda S. D. Construção de indicadores de criminalidade. Rio de Janeiro, IBGE. Mimeo.

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 70 10/9/2008 16:47:15

Page 71: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

série ANÁLise CriMiNAL | 71

setores encarregados da prevenção e controle da criminalidade. Análises mais compreensivas da criminalidade urbana são descartadas em favor da confecção de relatórios insípidos e de nenhuma serventia para os propósitos finais destas agências. Outras condições referem-se à utilidade deste tipo de informações para o trabalho de ponta das organizações policiais e judiciárias, que se traduzem numa disjunção percebida pelos profissionais entre a informação e sua prática cotidiana. Acrescente-se a isto que muitas vezes há um excesso de informações solicitadas no preenchimento de boletins de coleta de dados.

Existe outra ordem de problemas, entretanto, que diz respeito a um certo tipo de cultura institucional e política ainda prevalecente em muitos setores da administração pública.

Mitos que paralisam policy makers

Um dos principais problemas relativos à formulação de políticas públicas diz respeito a alguns mitos bastante presentes nas elites políticas e gerenciais na área de segurança. Vamos a alguns deles:

“Nossos problemas de criminalidade são tão urgentes que não posso ficar perdendo tempo com estudos e avaliações.”

É verdade que os problemas de crescimento da criminalidade e violência nos grandes centros urbanos têm sido marcantes, e em alguns casos aterradores. A ausência de avaliações e estudos científicos, entretanto, deverá torná-los pior ainda. Nesta área não existem improvisações ou insights bem intencionados, mas estratégias sólidas e permanentes ao longo do tempo que devem ser perseguidas disciplinadamente (SHERMAN et al. 1997. NEWMAN, 1999). É bastante comum que, na ausência de qualquer orientação mais racional, as políticas sejam as mais tradicionais e, provavelmente, mais ineficazes.

Estamos vivendo a difícil situação de não sabermos quais os problemas mais graves simplesmente porque não temos quase nenhuma informação sobre eles. Este é um quadro freqüente na América do Sul. Raros são os países que dispõem de sistemas de aferição confiáveis sobre o problema da criminalidade e violência, como atestam um sem número de autores que reclamam a montagem de bases de dados

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 71 10/9/2008 16:47:15

Page 72: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

72 | série ANÁLise CriMiNAL

(FJP, 1988. RUBIO, 1998b. MOSER e SHARADER, 1999. BEATO, 2000. BUVINIC e

MORRINSON, 2000). Conseqüentemente, nossos policy-makers não são donos de sua

própria agenda, tendo que reagir ao sabor dos fatos espetaculares noticiados pela

mídia, ou sob a pressão de figuras influentes.

“Para enfrentar os nossos graves problemas de criminalidade, antes de tudo,

devemos equipar as nossas polícias que andam em carros velhos, enfrentando bandidos

com armas mais poderosas e ganhando um salário miserável.”

Um exemplo eloqüente da ausência de diagnósticos é a famosa resposta de

“aparelhamento das polícias” que muitas vezes nossos prefeitos tendem a repetir

em suas cidades, através da provisão de recursos materiais para as organizações

policiais. Poderíamos arriscar um diagnóstico alternativo que, mais grave que o

sucateamento material das polícias é seu estado de indigência administrativa e

gerencial. As organizações policiais latino-americanas são reféns de antigos modelos

de gerenciamento, muitos deles de inspiração militar, que não se coadunam à

realidade da criminalidade urbana de nossos dias (BUVINIC e MORRINSON, 2000b.

BEATO, 2001b)

“Para que estatísticas detalhadas? Quem quiser informações sobre a

criminalidade, que leia os eloqüentes relatos que nossos jornais de circulação diária

trazem sobre o tema.”

Este é, provavelmente, o mais preconceituoso dos argumentos, pois ignora

o fato de que a mídia é seletiva em relação aos fatos criminais noticiados. Apenas

os “grandes crimes” ou os fatos notáveis são objeto de atenção por parte de jornalistas.

Muitas vezes, estes fatos envolvem pessoas que supostamente não deveriam

ser vítimas da violência (em geral da classe média para cima), desconhecendo a

violência cotidiana e corriqueira nos espaços urbanos em que habitam grupos

desprivilegiados.

Por outro lado, se é verdade que grandes crimes noticiados pela imprensa são

importantes na formação da percepção de nossas populações, os eventos que mais a

afligem são os pequenos delitos urbanos, que nem sempre resultam em ferimento ou

morte das vítimas. Esta é uma dimensão da violência urbana que apenas estatísticas

detalhadas são capazes de fornecer.

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 72 10/9/2008 16:47:16

Page 73: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

série ANÁLise CriMiNAL | 73

Identificando problemas de criminalidade e violência

Tanto o processo de construção de parcerias como de solução de problemas são dependentes de uma definição prévia de qual será a comunidade objeto do processo de intervenção. Definir problemas relacionados à violência e criminalidade significa também definir grupos de interessados na solução destes problemas.

O programa Safer Cities das Nações Unidas recomenda a utilização de três tipos de ferramentas para a formulação de planos e projetos de prevenção. O primeiro tipo refere-se justamente aos dados e informações a serem levantados para determinar a extensão e a natureza dos crimes7. Qualquer programa de prevenção que envolva seja a utilização de estratégias de redução de oportunidades, ou de desenvolvimento social, deverá efetuar uma análise detalhada de dados para formulação de estratégias, bem como para o monitoramento e avaliação de resultados.

Em nível local (municipal) podemos encontrar várias informações que contribuem para a formulação de atividades de prevenção, em especial bases de dados geocodificadas, que poderão ser mostradas em mapas digitalizados. A construção desses geoarquivos consiste na montagem de bases geo-referenciadas de informação de diversas fontes administrativas, da justiça criminal e de dados censitários. A base espacial torna-se o denominador comum de todas estas bases de informação oriundas de diferentes fontes, com distintas unidades de contagem, tornando possível a construção de uma base de dados que agregue os mais diversos tipos de informação. O sistema é alimentado por: (a) fontes não policiais tais como órgãos da administração pública que cuidam de parques, escolas, trânsito, habitações e prédios, igreja etc; (b) fontes policiais referentes às bases de dados sobre quadrilhas e gangues, serviço de inteligência, arquivos de homicídios, mapas de diversos tipos de crimes, dados de outros órgãos de justiça criminal etc; (c) grupos comunitários produzindo informações resultantes de encontros formais e informais com a comunidade, informações recebidas de outras agências e associações de programas de prevenção. Todas estas informações são processadas pelo sistema que as encaminha a uma unidade de análise, encarregada

7 As outras ferramentas dizem respeito ao desenvolvimento de estratégias adequadas à prevenção e soluções específicas para problemas, e à definição de modalidades de implementação e institucionalização destes programas. Isto envolve a formulação de planos estratégicos e de mobilização de grupos, até a orientação focalizada para problemas específicos, mobilização comunitária, reforma da justiça, bem como para o treinamento de agentes destes processos a nível local.

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 73 10/9/2008 16:47:16

Page 74: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

74 | série ANÁLise CriMiNAL

da identificação de “hot spots”. Esta informação é disseminada posteriormente para

os encarregados do policiamento, de unidades especiais da polícia e aos órgãos da

administração municipal envolvidos, além da comunidade, associações e organizações

da sociedade civil. Trata-se de uma estrutura que visa integrar uma grande gama de

informações em um sistema único que congregue a polícia com agências públicas e

civis.

São muito raros os exemplos de um gestor que disponha simultaneamente de

um sistema com esta diversidade de informações organizada de forma sistemática e

consistente. O usual é que apenas algumas dessas informações estejam disponíveis de

forma fragmentária e dispersa em distintas organizações e agências públicas. Assim, a

orientação a ser seguida é a de organizar o maior número delas, de forma a se montar

um mosaico incompleto de uma paisagem bastante complexa. A montagem dessas

várias frentes de informações deve-se ao fato de que não existe uma fórmula única

de classificação, mensuração ou definição de delitos criminosos. Cada organização

encarregada do processamento de crimes e criminosos os classifica de acordo com

seus objetivos e orientações. Existem várias possibilidades para se obter informações

a respeito de criminalidade, violência e sobre as organizações de polícia e justiça.

Podemos consegui-las através de (a) fontes secundárias tais como os dados oficiais

e registros administrativos existentes, ou então podemos (b) produzir estes dados

através de observações diretas, surveys de vitimização e auto-resposta ou observações

experimentais.

Informações oficiais

As informações oficiais podem ser coletadas a partir de dados disponíveis nas agências

oficiais encarregadas da produção de informações a respeito de crimes e criminosos,

bem como das próprias agências da justiça criminal (polícias, promotoria, juizes e

prisões). Registros oficiais e administrativos são produzidos por organizações policiais,

hospitais de pronto-socorro e organizações encarregadas da emissão de atestados

de óbito dentre outras. Conforme veremos adiante, um dos problemas com este tipo

de fonte de informação refere-se aos eventos que não chegam ao conhecimento

da polícia pelas mais diversas razões. Mais adiante nos dedicaremos a este tipo de

problema conhecido como “cifra negra".

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 74 10/9/2008 16:47:16

Page 75: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

série ANÁLise CriMiNAL | 75

A par do problema da “cifra negra”, as dificuldades em tomar as estatísticas policiais referem-se também ao domínio de eventos com que cada organização do sistema de justiça lida. Conforme vemos no quadro adiante:

Quadro I: Modelo de informações sobre fluxos e taxas de produção da justiça criminal

SEGMENTO ORGANIZACIONAL PAPÉIS PESSOAS

Polícia Militar Ocorrências Prisões

Polícia Civil Inquéritos Indiciados/Implicados

Ministério Público Denúncias Denunciados/Acusados

Justiça Processos Condenados

Censo Penitenciário Populações Prisionais

Fonte: Indicadores Sociais de Criminalidade. Belo Horizonte; Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Políticos e Sociais, 1987

No que diz respeito às etapas iniciais do processamento de crimes e criminosos no Brasil, há três sistemas de classificação de crimes violentos: o das Polícias Militares Estaduais; Polícias Civis e, em relação aos homicídios, o Sistema de Informações de Mortalidade do Ministério da Saúde. Em alguns estados, como Rio de Janeiro e São Paulo, dados da Polícia Militar são agregados pela Polícia Civil, que se encarrega da apuração do crime. Mesmo ao tomarmos apenas os delitos de homicídio, que por sua própria natureza nos levariam a supor um menor grau de subnotificação, observamos diferenças resultantes das distintas tarefas que cada uma das organizações policiais cumpre.

A tabela 1 ilustra essa discrepância em relação aos eventos atribuídos a cada uma das organizações no que diz respeito aos homicídios. Conforme se vê, as diferenças entre essas fontes podem chegar a quase 50% dos homicídios registrados. Em 1991, por exemplo, a PMMG havia contabilizado 231 homicídios; a Polícia Civil, 312; e o SIM, 308. As discrepâncias são bastante expressivas, e já foram observadas outras vezes (FJP, 1987). O Sistema de Informações de Mortalidade do Ministério da Saúde registra as

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 75 10/9/2008 16:47:16

Page 76: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

76 | série ANÁLise CriMiNAL

ocorrências resultantes dos registros de óbitos preenchidos por profissionais da área médica. A Polícia Militar limita-se a registrar as ocorrências verificadas no local para, no momento seguinte encaminhá-la à Polícia Civil por meio de algum documento de ocorrência (BOs). A Polícia Civil tomará essas ocorrências, bem como outros casos que se tornam homicídios posteriormente, para efetuar investigações no sentido de classificá-los juridicamente, tendo como referência o Código Penal, o que irá gerar outro tipo de documento de ocorrência. Assim, uma classificação de homicídio ou tentativa de homicídio na Polícia Militar poderá ser qualificada mais adiante como homicídio doloso, homicídio culposo, latrocínio ou lesão corporal seguido de morte, conforme inquérito conduzido pela Polícia Civil. Já nos registros de óbitos, documento gerado por atestados de óbito conferidos por médicos, a causa de morte pode ser uma “perfuração por objeto contundente” (OLIVEIRA et alii, 2000), classificado nas Estatísticas de Mortalidade, no capítulo relativo a causas externas, como homicídio, até o ano de 1995, ou como morte resultante de agressões, mais recentemente. As diferenças observadas, portanto, resultam das próprias diferenças nas funções de cada organização.

Tabela1: Homicídios registrados em Belo Horizonte (1991-1999)

Ano Polícia Militar Polícia CivilSistema de Informações

sobre Mortalidade

1991 231 312 308

1992 196 286 280

1993 197 293 274

1994 218 295 261

1995 235 321 373

1996 259 323 396

1997 271 326 436

1998 368 433

1999 428 505

Fonte: PM, PC e SIM.

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 76 10/9/2008 16:47:16

Page 77: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

série ANÁLise CriMiNAL | 77

Números tão discrepantes são úteis para se trabalhar?

Números tão discrepantes poderiam comprometer as bases de dados utilizadas para mensurar um tipo de delito que, em tese, não haveria por que serem tão distintos. Afinal, homicídios são delitos com supostamente números pequenos de subnotificações, dado que a possibilidade de ocultação da materialidade do crime é menor. Contudo, não é assim que ocorre, restando-nos então avaliar a congruência entre as diferentes fontes de dados, de tal forma a verificar a possibilidade de, não obstante as diferenças, haver um certo padrão de diferenças entre as bases de dados.

Gráfico 2: Regressão Homicídios PM e PC em Minas Gerais

Fonte: PM e PC de Minas Gerais

No caso de homicídios, podem-se perfeitamente prever os números contabilizados por uma das organizações policiais pelos números da outra. Embora distintas em magnitude, as informações são congruentes o suficiente a ponto de podermos contar com um alto grau de previsibilidade de uma fonte de informação a partir da outra.

Como mensurar e utilizar estes números?

Nenhuma dessas informações isoladamente é suficiente para responder a indagações sobre as chances de vitimização de diferentes tipos de crimes. Essa resposta significaria compreender a natureza dos crimes violentos e das condições de sua ocorrência. Qual é a cadeia de eventos e qual o peso de cada fator para que um determinado resultado ocorra? Estatisticamente, isso significa apreender as probabilidades condicionais associadas a um lugar ou situação particular, tal como a de ser vítima de um latrocínio, por exemplo:

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 77 10/9/2008 16:47:16

Page 78: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

78 | série ANÁLise CriMiNAL

“A cadeia de probabilidades condicionais para um latrocínio incluiria as chances de ser abordado num dado lugar e situação por um assaltante e das chances deste assaltante estar armado com uma arma de fogo. Dado a tentativa de assalto, qual a probabilidade de que ele atirará e, se atirar, que alguém sairá ferido. Além disso, dado o ferimento, qual a chance dele constituir-se numa ameaça à vida e, constituindo uma ameaça à vida, que ele resultará em morte.” (REISS, 1993:416)

O entendimento dessas cadeias de eventos implica o levantamento de bases de dados e informações não imediatamente disponíveis às organizações policiais. Qual a taxa de risco associada à possibilidade de um motorista de táxi vir a ser vítima de assalto ou de homicídio? No caso de Belo Horizonte, ocorreu em 1999 uma média de 1,24 assalto por dia em um universo de 92.672 corridas/dia. O risco da atividade ocupacional, portanto, é de que haja um assalto para cada 74.735 corridas. O risco de morte por corrida efetuada é de 1 para 27.801.600 corridas no ano. O mesmo ocorre em relação a roubo à mão armada contra transeuntes no centro da cidade. O denominador deve ser a população flutuante ou a população residente? Em Belo Horizonte, se tomarmos a população residente no centro da cidade, a taxa de assaltos a transeuntes em 1997 foi de 758 por cem mil habitantes, o que equivale a quase dez vezes a taxa média da cidade. Se tomarmos a taxa em relação à população flutuante, este número decresce para quase dez vezes a taxa de BH, chegando a 8 por cem mil.

A capacidade de ligar dados de diferentes fontes para a análise de problemas específicos de criminalidade e violência, de tal forma a delinear probabilidades condicionais, é uma limitação importante nas bases de dados policiais. Uma possibilidade de como se fazer isso é o que veremos adiante.

Possibilidades alternativas de levantamento de dados

Várias formas alternativas de coleta de informações e de dados têm sido sugeridas e adotadas para contornar alguns dos problemas com as diversas fontes de informação. Surveys de vitimização têm sido crescentemente sugeridos como importantes instrumentos para fornecer informações complementares às estatísticas criminais produzidas pelas organizações do sistema de justiça criminal, especialmente delitos não comunicados aos agentes do sistema.

Dado que muitos problemas de segurança são bastante localizados e manifestam-se em uma área geográfica bastante reduzida, outras formas mais

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 78 10/9/2008 16:47:16

Page 79: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

série ANÁLise CriMiNAL | 79

baratas de se obter informações podem ser utilizadas, Grupos focais com moradores e interessados da região, entrevistas com pessoas chave, observação participante e até mesmo lançar mão de gravações em vídeo podem ser recursos bastante eficazes para o levantamento de informações.

Em busca da “cifra negra”

Outra forma de aferir as taxas de criminalidade seria através de surveys de vitimização. Nos últimos anos estes surveys têm sido freqüentemente sugeridos como estratégia de redução dos sub-registros, bem como da produção de dados que não são coletados, ou cuja produção é bastante deficiente. Este é o caso de eventos que, pelas mais diversas razões, nem sempre chegam ao conhecimento das autoridades judiciárias e policiais, ou de delitos cuja classificação não encontra amparo nas formas oficiais de categorização. Contudo, não obstante serem um importante avanço em relação aos sistemas oficiais, a produção de surveys de vitimização também produzem dados incompletos e inconsistentes.

O objetivo das pesquisas amostrais de vitimização é obter informações detalhadas da freqüência e natureza de crimes como estupro e violência sexual, assaltos, agressões, arrombamentos, furtos e roubo de carro, tenham sido eles comunicados à polícia ou não. A pesquisa buscará obter informações sobre (a) as vítimas; (b) os agressores e seu relacionamento com as vítimas; e (c) os delitos e as circunstâncias em que ele ocorreu (hora e local, uso de armas, conseqüências econômicas etc). Além disso, buscar-se-á obter informações suplementares sobre a experiência das vítimas com o sistema de justiça criminal, as medidas tomadas para autodefesa e a possível utilização de drogas por parte dos agressores.

Pesquisas desta natureza são pertinentes porque complementam os dados oficiais de segurança, permitindo uma avaliação da dimensão da cifra oculta de crimes. O gráfico seguinte é um exemplo das diferenças entre as taxas de ocorrências registradas pelo sistema de justiça e pelo survey de vitimização. Ele compara as taxas de furto registradas pela Polícia Militar, pela Polícia Civil e as taxas obtidas através da pesquisa realizada no município de Belo Horizonte pelo CRISP. Nele, pode-se ver que o tipo de investigação aqui proposta permite um melhor dimensionamento da ocorrência do fenômeno a que se propõe conhecer do que apenas o uso das taxas oficiais de ocorrências.

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 79 10/9/2008 16:47:17

Page 80: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

80 | série ANÁLise CriMiNAL

A tabela abaixo, por sua vez, descreve as diferenças de taxas para outros delitos considerados na pesquisa.

Tabela 2: diferenças estimativas de taxas - Funil de ocorrências

CrimeSurvey Vitimização PMMG PC

Taxa Taxa Razão Taxa Razão

Roubo 8.984,2 1.005,6 8,9 132,6 67,7

Furto 14.114,4 2.090,0 6,8 738,0 19,1

Invasão de domicílio 5.357,4 348,5 15,3 300,0 17,8

Agressão sexual 358,3 17,8 20,1 12,6 28,4

Agressão física 3.252,5 754,2 4,3 307,3 10,5

Fonte: CRISP – Survey de Vitimização em Belo Horizonte, 2001

Pesquisas de vitimização são importantes também na medida em que permitem maior conhecimento acerca da percepção que a população constrói a respeito dos agentes de segurança pública. Constitui-se, portanto, num instrumento de avaliação direta das pessoas sobre a atuação do estado na segurança pública. As tabelas seguintes descrevem os percentuais referentes à opinião que os entrevistados manifestaram sobre as polícias no município de Belo Horizonte, além das experiências vividas junto a essas instituições.

Gráfico 3: Estimativa proporção denúncias PM, PC e survey vitimização

Fonte: CRISP - Survey de Vitimização em Belo Horizonte, 2002

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 80 10/9/2008 16:47:17

Page 81: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

série ANÁLise CriMiNAL | 81

Tabela 3 - Você acha que as polícias em Belo Horizonte:PM PC

Trabalham muito bem e razoavelmente bem 53,7% 51,9%

Muito ou razoavelmente violenta com a população 58,4% 46,0%

Fonte: CRISP – Survey de Vitimização em Belo Horizonte, 2002.

Tabela 4 - Já foi vítima de extorsão pela polícia?

Você já foi vítima de:

Bairro não

violento

Favela não

violentaFavela violenta

PM PC PM PC PM PC

Violência 12,8% 4,0% 19,4% 7,1% 27,1% 6,4%

Extorsão 2,7% 2,4% 2,8% 2,4% 1,9% 2,0%

Fonte: CRISP – Survey de Vitimização em Belo Horizonte, 2002.

Além disso, investigações desta natureza possibilitam também maior cientificidade no planejamento de políticas públicas, na medida em que tornam viável o acesso a informações sobre a natureza e a extensão de crimes, bem como dos hábitos que levam as pessoas a reportarem crimes à polícia. Estas informações podem ser valiosas no planejamento de estratégias para o combate à criminalidade violenta e para medidas de mensuração sobre as estratégias adotadas na prevenção da criminalidade. Conforme o perfil de violência detectada pelo survey, os agentes de segurança pública podem dirigir esforços através de campanhas educativas e do estímulo a denúncias de uma série de delitos que escapam ao seu registro8. Os estudos de vitimização permitem ainda a comparação entre taxas de diferentes cidades ou áreas da mesma região metropolitana, como proposto neste projeto. Sua avaliação ao longo do tempo permite uma descrição precisa da evolução da criminalidade.

No Brasil, a cifra de pessoas que não registram queixa na polícia é bastante significativa e similar a de outros países, como os EUA e Inglaterra. Segundo suplemento de vitimização incluída na pesquisa PNAD de 1988, 67,5% das vítimas de furto e roubo e 60,8% das vítimas de agressão não recorreram à polícia, pelos mais diversos motivos.

8 O mais eloqüente caso de sub-registro refere-se aos delitos de violência doméstica dirigidas contra a mulher e crianças.

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 81 10/9/2008 16:47:17

Page 82: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

82 | série ANÁLise CriMiNAL

No caso de agressões, 20% julgaram que não era necessário, 19,4% disseram que não queriam envolver a polícia, 17,5% resolveram sozinhos e 14,7% não acreditavam na polícia. A proporção dos que não acreditavam na polícia como motivo para não recorrer a ela é maior quando se trata de roubos e furtos (27,7%).

Não se deve, contudo, superestimar os benefícios deste tipo de pesquisa. Elas não substituem, mas complementam as outras formas de levantamento de dados. Não devemos negligenciar o fato de que pesquisas de vitimização são instrumentos que produzem informações a nível individual, mas não produzem bons dados a respeito de organizações comerciais, por exemplo. Na verdade, este tipo de enquete, não obstante sua importância para descortinar a “cifra negra” de alguns tipos de delitos, não é bom instrumento para revelar crimes contra empresas, ou orientar políticas focalizadas ao nível de vizinhança. A produção de pesquisas que revelem o tamanho das vitimizações de empresas contribuiria para compreendermos importantes aspectos do crime organizado em grandes centros urbanos. Por outro lado, as limitações decorrentes do tamanho da amostra neste tipo de pesquisa terminam por torná-la inoperante como instrumento de definição de políticas e programas a nível local.

Incorporando dimensões espaço-temporais: o uso de geoarquivos

Uma das ferramentas mais importantes para a análise criminal são os mapas. Esta é uma área que avançou bastante nos últimos anos, em virtude do desenvolvimento da informática, que tornou possível a utilização de mapas eletrônicos e dos sistemas geográficos de informação eletronicamente disponíveis.

A utilização de mapas para a análise de dados de diferentes naturezas já possui uma longa tradição.

Os mapas a seguir são do século XIX. O primeiro ilustra a localização dos casos de cólera em Londres. A simples visualização dos dados no espaço permitiu identificar que eles estavam ocorrendo ao redor de alguns poços de água contaminados pelo vibrião. O segundo mapa ilustra casos de crimes contra a pessoa e contra o patrimônio em regiões da França. Tal como ainda ocorre em nossos dias, esta distribuição era distinta quando levamos em contas variáveis de desenvolvimento socioeconômicas. O mapa abaixo nos dá uma informação bastante conhecido de todos: a distribuição da população mundial. Sua visualização, entretanto, nos fornece uma imagem muito mais eloqüente do que a informação através de tabelas.

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 82 10/9/2008 16:47:17

Page 83: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

série ANÁLise CriMiNAL | 83

Figura 1: Map of Cholera Death and Locations of Water Pumps

Figura 2: Balbia and Guerry (1829) Maps Comparing Crime and Instruction

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 83 10/9/2008 16:47:17

Page 84: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

84 | série ANÁLise CriMiNAL

Exemplo de Mapa do Século XIX

A simples visualização de informações em um mapa nos permite uma compreensão mais fácil, apresentando conseqüentemente uma possibilidade melhor de compartilhar informações. Esta propriedade é essencial para quem quer desenvolver projetos e programas de prevenção de crimes, pois mapas podem ser uma maneira fácil de conceber, visualizar e analisar um problema difícil9.

Tradicionalmente, a criminologia tem estado atenta às dimensões temporais da criminalidade. Reconhecer os determinantes das tendências verificadas ao longo do tempo tem sido a questão crucial para muitas perspectivas explicativas e de atuação sobre o fenômeno. Contudo, a tendência recente na organização de dados policiais tem sido a de incorporar a dimensão espacial tanto para a explicação como para o planejamento de ações e estratégias de controle. A criação de unidades de análise de crimes tem se constituído num dos principais suportes para o desenvolvimento de policiamento comunitário e de solução de problemas. Sistemas de informação têm servido para a detecção de padrões e regularidades, de maneira a dar suporte às atividades de policiamento, bem como para prestar contas à comunidade sobre problemas relativos a segurança (Buslik e Maltz, 1998).

Para o analista, a incorporação de dimensões espaciais na análise adiciona um novo e importante elemento de explicação do fenômeno. Isto permitiu descortinar um dos princípios de análise espacial mais importante: a de que se trata de fenômeno bastante concentrado tanto espacial como temporalmente10. Além disso, sabemos também que um grande número dessas ocorrências geralmente origina-se num pequeno número de ofensores.

Geoarquivos e análise criminal

A construção de geoarquivos consiste na montagem de bases georeferenciadas de informação de diversas fontes administrativas, da justiça criminal e de dados censitários. A base espacial torna-se o denominador comum de todas essas bases de informação oriundas de diferentes fontes, com distintas unidades de contagem, tornando possível a construção de uma base de dados que agregue os mais diversos tipos de informação. Esquematicamente, a montagem de um geoarquivo é representada a seguir:

9 Uma ao introdução ao estudo do mapeamento de crimes encontra-se disponível no endereço www.crisp.ufmg.br

10 Ver Sherman, Lawrence W.; Gartin, Patrick R. e Buerger, Michael E. 1989: “Hot Spots of Predatory Crime: Routine Activities and the Criminology of Place”. Criminology, vol. 27, n. 1, pp. 27-55.

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 84 10/9/2008 16:47:17

Page 85: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

série ANÁLise CriMiNAL | 85

Exemplos de dados:Mapas de ruas•Uso Urbano•Dados demográficos•Mapas cognitivos•Território quadrilhas e •gruposEscolas•

Exemplos de dados:Ligação Vítima, ofensor, •incidenteTerritórios quadrilhas•Prisões•Jurisdições delegacias•Liberdade condicional•

ComunidadeAgências Justiça

Criminal

GEOARQUIVO

Análise Problemas

Desenvolvimento Estratégico

Prevenção + IntervençãoComunidade e Agências sistema justiça

Figura 3: Montagem de um geoarquivo

Informações oriundas de diferentes fontes tornam possível a montagem e superposição de mapas temáticos de diferentes fontes, tais como o mapa adiante com informações a respeito da renda média de setores censitários superposto a mapas de homicídio na cidade de Belo Horizonte.

Mapa 1: Homicídios por distribuição de renda em setores censitários de Belo Horizonte

Fonte: IBGE / CRISP / PMMG

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 85 10/9/2008 16:47:18

Page 86: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

86 | série ANÁLise CriMiNAL

O resultado mais visível da montagem de geoarquivos está na possibilidade de realizar análise específica para problemas locais (mapa 1). Para tal, um conjunto de técnicas e métodos tem se desenvolvido para a identificação de hot spots, ou áreas com alta incidência de criminalidade, que tem servido de base para o planejamento conjunto entre diversas agências públicas (TAXMAN e McEWEN, 1998).

Um dos problemas inerentes à criação de unidades deste tipo é particularmente agudo no Brasil. A ausência de um enfoque específico voltado para a análise de crimes que cumpra as funções acima mencionadas é decorrente da fragmentação organizacional no trato das informações por parte das organizações policiais. Estatísticas são produzidas por departamentos e unidades que nada têm a ver com o planejamento operacional das organizações policiais. Análises mais compreensivas da criminalidade urbana são descartadas em favor da confecção de relatórios insípidos e de nenhuma serventia.

Por outro lado, a tradição de estudos criminológicos de natureza quantitativa ainda é bastante incipiente no Brasil Não temos nenhum centro de formação em criminologia, ou, sequer, uma formação especializada neste tema. Conseqüentemente, abundam estudos de pouco rigor e pouco vinculados às mais sólidas tradições teóricas de estudos em criminologia, o que termina por dificultar a acumulação de conhecimento na área.

Mapas podem ser utilizados para fins descritivos, ilustrando crimes, chamadas telefônicas, acidentes de trânsito, e outros tipos de dados. Toda a infinidade de informações municipal e de crimes pode ser representado visualmente. Ou então, podemos utiliza-los para fins analíticos: analisa dados e expõe resultados. Logo adiante discutiremos com mais detalhes esta possibilidade, Por ora, nos deteremos um pouco nos dados a serem utilizados.

Quais informações devem ser coletadas?

Diversos tipos de informação podem vir a compor um banco de dados que possa subsidiar programas de prevenção. Sua origem, conforme vimos, pode estar nas mais diversas organizações e locais. Como regra, deveríamos tentar obter informações que fossem pertinentes aos problemas com os quais estamos lidando. De uma forma geral, entretanto, poderíamos compor um quadro de informações da seguinte maneira:

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 86 10/9/2008 16:47:18

Page 87: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

série ANÁLise CriMiNAL | 87

Quadro I: Variáveis dependentes – crimes violentosCr

imes

vio

lent

os

Crimes contra a pessoa

HomicídioConsumado

Tentado

Estupro Consumado

Crimes contra o patrimônio

Roubos sem o uso de arma

A residências urbanas

A estabelecimento bancário

A ônibus / coletivo

A casa lotérica

A padaria

A mercearia / supermercado

A depósito em geral

A veículo automotor

A táxi

A transeunte

A postos de combustível

A residências urbanas

A estabelecimento bancário

Roubos à mão

armada (assalto)

A residências urbanas

A estabelecimento bancário

A ônibus / coletivo

A casa lotérica

A padaria

A mercearia / supermercado

A depósito em geral

A veículo automotor

A táxi

A transeunte

A postos de combustível

A residências urbanas

A estabelecimento bancário

Violência doméstica

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 87 10/9/2008 16:47:18

Page 88: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

88 | série ANÁLise CriMiNAL

Quadro II: Variáveis independentes

Características urbanas

Nível de limpeza das ruasPorcentagem de área ocupada com comércio

Porcentagem de área ocupada com residênciasNúmero de grupos culturais

Nível de acabamento das residênciasNúmero de residências

Índice de Infra-estrutura urbana

Porcentagem de domicílios assistidos com...

Água tratadaEsgoto encanadoEnergia elétrica

Iluminação públicaRua calçada

Telefone

Índice de serviços urbanos

Número de...

BancoPosto de gasolina

Pontos de táxiAgência de correioBancas de revistaTelefone público

Índice de proteção social

Número de pessoas assistidas em programas ....

Creche7 a 15 anos

Qualificação profissionalIdosos

Familiares

Características populacionais

RendaIdade

Anos de escolaridadePorcentagem de idosos

Porcentagem de criançasPorcentagem de brancosPorcentagem de homens

Porcentagem de empregadosPorcentagem de ocupados em profissões formais

Porcentagem de desnutridosTaxa de mortalidade infantil

Taxa de analfabetismo

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 88 10/9/2008 16:47:18

Page 89: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

série ANÁLise CriMiNAL | 89

Bibliografia

ARAÚJO JR., Ari Francisco. & FAJNZYLBER, Pablo. Violência e criminalidade. São Paulo, 2001.

BATITUCCI, Eduardo. “Análise descritiva da criminalidade violenta no Brasil: uma análise de quatro regiões metropolitanas”. Anais do GT 21 do XXII Encontro Anual da ANPOC, realizado em Caxambu, em outubro de 1998.

BEATO F., Claudio C. “Determining factors of criminality in Minas Gerais”. Brazilian Review of Social Sciences, 1: 159-173, São Paulo, 2000.

BEATO F., Cláudio C. et al. Atlas da criminalidade em Belo Horizonte. Crisp/UFMG (mimeo.). Belo Horizonte, Cedeplar (mimeo.), 2002.

BURSIK, Robert J. & GRASMICK, Harold G. Neighborhoods and crime. San Francisco CA, Lexington Books, 1993.

BUSLIK, Mark; MALTZ, Michael. “Power to the people: mapping and information sharing in the Chacao Police Department”. In: WIDESBURG, David and MCEWEN, Tom (org). Crime Mapping and Crime Preventions. Crime Prevention Studies, Crime Justice Press, Monsey, New York, 1998.

Buvinic, M., & Morrison, A. R. Living in a more violent world. Foreign Policy, 118, 58-72, 2000.

Buvinic, Mayra; Morrison, Andrew; Shifter, Michael. Violencia en América Latina y el Caribe : Un Marco de Referencia para la Acción. Washington, D.C; BID; 35 p, 2000b.

CARNEIRO, L. P. & FAJNZYLBER, P. “La criminalidad em regiones metropolitanas de Rio de Janeiro y São Paulo: factores determinantes de la victimación e política pública”, in P. Fajnzylber; D. Lederman e N. Loayza (eds.), Crimen y violencia en América Latina, Bogotá/ Washington, Alfaomega/Banco Mundial, pp. 197-235, 2001.

MONTEIRO-DE-CASTRO, Mônica Silva; ASSUNÇÃO, Renato Martins; DURANTE, Marcelo Ottoni. Comparação de Dados sobre Homicídios entre Dois Sistemas de Informação, Minas Gerais. Revista de Saúde Pública, v. 37, n. 2, p. 168-176, 2003.

CATÃO, Yolanda. “Pesquisas de vitimização”. In: Daniel Cerqueira, Julita Lemgruber e Leonarda Musumeci (orgs.), 2º Encontro do Fórum de Debates sobre Criminalidade, Violência e Segurança Pública no Brasil. Rio de Janeiro, IPEA e CESeC/UCAM, agosto de 2000.

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 89 10/9/2008 16:47:18

Page 90: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

90 | série ANÁLise CriMiNAL

CLARKE, Ronal & CORNISH, Derek. “Modeling offenders, decisions: a framework for research and policy”, in Michael Tonry e Norval Morris, Crime and justice: an annual review of research, Chicago, The University of Chicago Press, pp. 147-187, 1985.

CLARKE, Ronald (ed.). Situational crime prevention. Albany, NY, Harrow and Heston, Publishers, 1997.

CRISP. Survey com Policiais Militares da cidade de Belo Horizonte. In: A Organização Policial e o Combate a Criminalidade Violenta. Mineo, 2001.

CRISP. “Pesquisa de Vitimização em Belo Horizonte” (mimeo.), 2002.

FJP. “Indicadores Sociais de Criminalidade” Trabalho elaborado de acordo com o convênio SG nº 033/86 e o Termo de Renovação SG-003/87, celebrados entre a Fundação João Pinheiro (FJP) e o Ministério da Justiça - Programa Ruas em Paz, 1987.

IBGE, Rio de Janeiro. Pesquisa de vitimização: dificuldades e alternativas. Rio de Janeiro, 1985. Mimeo.

KATZ, Jack. Seductions of crime: moral and sensual attractions in doing evil. Nova York, Basic Book, 1988.

LYNCH, James. “Crime in International Perspective”. In: WILSON, James; PERCILIA, Joan. Crime. ICS Press, San Francisco/California, 1995.

MOSER, Caroline, and SHRADER, Elizabeth. "Criminalidade, Violência e Pobreza Urbana na America Latina: Rumo a uma Estrutura Integrada." LCSES Seminar Series. Washington, DC: The World Bank, 1999.

NEWMAN, O. Defensible space. Nova York, MacMillan, 1999.

PACHECO, Lúcia Maria M.; CRUZ, Olga Lopes da; CATÃO, Yolanda S. D. Construção de indicadores de criminalidade. Rio de Janeiro, IBGE. Mimeo.

PARKER, Robert Nash and SMITH, M. Dwayne. “Deterrence, Poverty, and Type of Homicide”. American Journal of Sociology, 85: 614-624, 1979.

PARKER, Robert Nash. “Poverty, Subculture of Violence, and Type of Homicide”. Social Forces, 67, 4: 983-1.007, 1989.

PATTERSON, E. Britt. “Poverty, Income Inequality, and Community Crime Rates”.

Criminology, 29, 4: 755-776, 1991.

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 90 10/9/2008 16:47:18

Page 91: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

série ANÁLise CriMiNAL | 91

PIQUET, Rosélia. Rio de Janeiro: perfil de uma metrópole em mutação. Rio de Janeiro: IPPUR/UFRJ, p. 85-118, 2000.

REISS Jr., A.J. e ROTH, J.A. Understanding and preventing violence. Panel on the understanding and control of violent behavior. Committee on Law and Justice. Comission on Behavioral and Social Sciences and Education, National Research Council. Washington DC, National Academy Press, 1993.

REWERS, Sgt Ronald F; GREEN, Lynn. “The Chicago Area Four GeoArchive: An information founding for community policing.” In: BLOCK, Caroline Rebecca et all (org). Crime analyses through computer mapping. Police Executive Research Reform, 1995.

RICH, Thomas F. The Use of Computerized Mapping in Crime Control and Prevention Programs. Washington, National Institute of Justice, 1997.

RUBIO, M. Perverse social capital – some evidence from Colombia. Journal of Economic Issues 31(3), 805-816, 1997.

RUBIO, M. Violence, organized crimes, and the criminal justice system in Colombia. Journal of Economic Issues 32(2), 605-610, 1998a.

RUBIO, M. Comment, in: Burki, S.J, Aiyer, S.R., Hommes, R. (Eds.), Annual World Bank Conference on Development in Latin America and the Caribbean: Poverty and Inequality (Bogotá, Colombia). The World Bank, Washington, DC, pp. 90-92, 1998b.

SHERMAN, Lawrence W. "Thinking about crime prevention", in L. Sherman, Denise Gottfredson, Doris MacKenzie, John Eck, Peter Reuter e Shawn Bushway, Preventing crime: what works, what doesn't, what's promising, Washington, National Institute of Justice, 1997.

SMITH, M. Dwayne e PARKER, Robert Nash. "Type of homicide and variation in regional rates". Social Forces, 59: 136-147, 1980.

TAXMAN, Faye S.; MCEWEN, Tom. “Using geographic tools with interagency work groups to develop and implement crime control agencies.” In: WIDDESBURG, David; MCEWEN, Tom (org). Crime Mapping and Crime Prevention. Crime Prevention Studies, Crime Justice Press, Monsey, New York, 1998.

WILSON, James Q. Thinking about crime. Nova York, Vintage Books, 1983.

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 91 10/9/2008 16:47:18

Page 92: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

92 | série ANÁLise CriMiNAL

exPlorAndo noVos desAFios nA PolÍCiA: o PAPel do AnAlistA, o PoliCiAmento orientAdo PArA o ProBlemA e A metodoloGiA iArA

Elenice de Souza

Introdução

Um dos maiores desafios lançados às organizações policiais está em potencializar sua capacidade de produzir, organizar, processar informações de forma sistemática, bem como de desenvolver uma metodologia de gestão que possa orientar, com base em evidências e análises, tanto o planejamento estratégico e operacional de suas atividades quanto a avaliação e o monitoramento de seus resultados.

Aumentar a capacidade analítica das polícias com o objetivo de alcançar resultados mais eficientes requer mudanças profundas no modo tradicional de conceber o papel e a função da polícia nas sociedades modernas. A polícia precisa priorizar problemas substantivos, recorrentes, que causam prejuízos às comunidades, mais do que simplesmente reagir a chamadas urgentes e fazer cumprir a lei. Isso desafia o modelo tradicional de polícia como uma organização orientada para incidentes com a função primordial de controlar crimes.

No modelo tradicional, espera-se que os policiais a cada turno respondam rapidamente às chamadas de emergência e estejam liberados para atender às próximas chamadas. Nesse ciclo vicioso, raramente os policiais compartilham informações com seus pares sobre os problemas enfrentados no seu dia-a-dia e as formas alternativas de solucioná-los. Isso tem dificultado a condução de uma análise mais precisa sobre problemas repetitivos, similares e muitas vezes comuns que ocorrem freqüentemente em locais específicos. Como conseqüência, a habilidade do policial em resolver problemas tem resultado mais da sua experiência individual e do seu conhecimento prático do que de um processo criativo, fundamentado em um método analítico consistente.

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 92 10/9/2008 16:47:18

Page 93: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

série ANÁLise CriMiNAL | 93

É necessário, pois, maior comprometimento das organizações policiais com um modelo de gestão de informação e resultados que amplie o potencial das mesmas de questionar e investigar de maneira sistemática a natureza de problemas substantivos para os quais o público espera uma resposta, bem como de implementar formas mais eficazes e pró-ativas de solucioná-los. Policiais devem ser capacitados e treinados para se tornarem experts na solução de problemas, aprimorando sua habilidade em utilizar ferramentas analíticas com base na metodologia científica, que lhes permitam, mais do que reagir aos problemas de crime, intervir nas causas que contribuem para sua emergência, identificando respostas alternativas bem como novos mecanismos de avaliação e monitoramento de resultados.

Essa nova concepção do papel do policial está intimamente associada ao modelo de policiamento orientado para a solução de problemas – uma forma de gerenciamento das organizações policiais que tem por objetivo analisar e intervir nas causas subjacentes e imediatas que geram problemas substantivos, através do uso da metodologia de solução de problemas. Este modelo dá assim grande valor à dimensão intelectual do trabalho policial, através de um sistemático questionamento sobre a natureza dos problemas que afetam comunidades, e do forte investimento em análise, pesquisa e avaliação.

Este texto tem como objetivos centrais (1) discutir o papel do analista de crime; (2) introduzir o modelo de policiamento orientado para a solução de problemas e, (3) a metodologia de solução de problemas.

1) O papel do analista de crime

Tradicionalmente, a imagem que se tem do analista de crime remete ao indivíduo que passa o dia inteiro dentro de uma unidade de estatística do departamento de planejamento ou de inteligência das organizações policiais, sentado à frente de um computador, com a função de organizar e alimentar complexos bancos de dados a partir de informações coletadas, tanto nos boletins de ocorrências, no caso das Polícias Militares, como nos registros de crimes, no caso das Polícias Judiciárias. Assim os analistas têm como funções básicas:

Controlar e sistematizar informações e dados oficiais;•

Criar, organizar e alimentar bancos de dados;•

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 93 10/9/2008 16:47:18

Page 94: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

94 | série ANÁLise CriMiNAL

Analisar e mapear estatísticas sobre a distribuição temporal e geográfica do •

crime; criar tabelas e gráficos para facilitar a interpretação desses dados;

Analisar a evolução e as tendências da criminalidade;•

Organizar relatórios estatísticos periodicamente;•

Fornecer informações sistematizadas para executivos e gerentes das •

corporações policiais.

Assim, diariamente, os analistas passam a maior parte do tempo calculando

taxas, analisando e mapeando estatísticas, criando gráficos e tabelas, bem como

elaborando volumosos relatórios sobre a evolução e tendências da criminalidade. Todo

esse material é então colocado à disposição dos gerentes e executivos das organizações

policiais com a expectativa de que possa ser utilizado para:

orientar o processo de tomada de decisões;1.

planejar intervenções pontuais em locais ou alvos que foram identificados 2.

como prioritários e,

avaliar e monitorar os resultados. 3.

Entretanto, o resultado desse importante trabalho de transformar informação

e análise em inteligência policial acaba se transformando em pilhas de papéis, que são

arquivados em prateleiras, ou em relatórios no formato digital. Esse material é quase

sempre pouco utilizado em termos práticos. Em geral, servem mais para justificar uma

intervenção policial anteriormente planejada do que para orientar o planejamento

estratégico e tático operacional de ações futuras, bem como a implementação de novas

metodologias de avaliação e monitoramento de resultados. Além disso, raramente

são realizadas avaliações sobre o próprio produto das análises, sendo por isso pouco

divulgado dentro das corporações policiais (COPE, 2004).

Neste sentido, para que as organizações policiais aumentem sua capacidade de

usar informações, pautando suas ações em evidências e análises, é preciso potencializar

o papel dos analistas. Entretanto, alguns fatores podem explicar a grande dificuldade

de transformar a atividade do analista em uma ferramenta prática fundamental de

planejamento estratégico e tático-operacional das polícias. São eles:

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 94 10/9/2008 16:47:19

Page 95: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

série ANÁLise CriMiNAL | 95

O tipo de dados utilizadosI.

Geralmente as análises se restringem ao uso de dados oficiais. Contudo, ao

fundamentar as análises exclusivamente nesses registros, corre-se risco de se ter

uma visão parcial dos eventos criminais, já que os dados oficiais representam apenas

eventos que foram reportados para a polícia. As pesquisas mostram que por vários

motivos há um grande sub-registro de ocorrências de crimes por parte da população.

Por outro lado, os analistas nem sempre têm acesso a todas as informações, que

são processadas dentro das corporações, como, por exemplo, aquelas consideradas

sigilosas ou as preciosas informações produzidas pelos próprios policiais no dia-a-dia

de suas atividades, em especial por aqueles envolvidos diretamente na solução de

crimes (COPE, 2004).

A qualidade das informaçõesII.

Alguns problemas relativos à qualidade de informações são:

As informações se limitam a dizer sobre o que aconteceu no tempo a.

presente “do aqui e do agora”, quase sem nenhuma associação com os

fatores que contribuíram para o processo sistemático de produção da

própria informação (COPE, 2004).

As informações acabam priorizando o binômio crime / agente infrator b.

pouco dizendo sobre o comportamento criminoso, as vítimas, os terceiros

envolvidos, as redes criminosas, bem como o contexto social e físico que

possam ter contribuído para a ocorrência do crime.

As informações nem sempre são precisas em relação ao endereço onde c.

os crimes ocorreram, confundindo-se muitas vezes o local do registro das

ocorrências com o local do crime. Além disso, apresentam dados muitas

vezes incorretos ou incompletos sobre o endereço. Isso tem uma grande

implicação no mapeamento dos crimes, comprometendo assim as análises

a serem desenvolvidas.

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 95 10/9/2008 16:47:19

Page 96: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

96 | série ANÁLise CriMiNAL

A cultura das organizações policiaisIII.

Tradicionalmente, o fluxo de informações nas organizações policiais é descontínuo e restrito. As informações sobre a criminalidade circulam de forma parcial, seja internamente às próprias corporações, seja entre as corporações. No caso especifico dos policiais na América Latina, esse problema é intensificado pela dualidade organizacional que separa as atividades de polícia judiciária das atividades de polícia ostensiva, e pela fragmentação das ações entre suas unidades especiais, especializadas e de inteligência (BEATO, 2005). Por um lado, é comum o monopólio de informações por grupos específicos dentro das organizações, o que dificulta a consolidação de um espírito de equipe sólido para a execução da missão policial de controle e prevenção do crime. Além disso, as informações que são coletadas e produzidas por cada organização policial são raramente distribuídas e compartilhadas entre organizações irmãs. Isso dificulta o planejamento integrado e tático operacional de ações entre as diversas corporações policiais, fortalecendo uma cultura organizacional que prioriza ações e soluções individualistas, em detrimento de atividades integradas, onde cada organização é reconhecida como parte de um mesmo processo de produção e garantia de segurança pública.

A posição pouco privilegiada dos analistas na hierarquia das IV. organizações policiais

De acordo com a COPE (2004) isso pode ser explicado por alguns fatores, tais como:

Falta de compreensão e reconhecimento da importância da atividade pelos a. próprios policiais.

Aplicação limitada dos resultados da análise na atividade prática de b. polícia.

Divulgação restrita dos resultados da análise entre as diversas unidades de c. polícia e pouco feedback do trabalho realizado pelos analistas.

Pouca participação dos analistas no planejamento de estratégias e d. operações, bem como na avaliação e monitoramento de resultados.

Neste sentido, é crucial que as corporações policiais desenvolvam sua capacidade analítica e de avaliação de resultados, o que implica, em outras palavras, (1) transformar

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 96 10/9/2008 16:47:19

Page 97: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

série ANÁLise CriMiNAL | 97

o conhecimento prático dos policiais em informações institucionais, processando e compartilhando suas experiências e expertise; (2) envolver os policiais na atividade de pesquisa; (3) desenvolver um processo sistemático para produção de conhecimento sobre os problemas comuns e repetitivos que a polícia enfrenta no dia-a-dia (4); identificar novas respostas e submetê-las a rigorosa avaliação e monitoramento e (5) facilitar o acesso ao conhecimento produzido, (GOLDSTEIN, 1996).

Para isso é preciso também que as corporações invistam na formação de analistas, que não apenas dominem o uso de programas computacionais estatísticos e de geoprocessamento. Mais do que isso, que invistam em analistas capazes também de aplicar conceitos e o método científico para explicar a complexidade de fatores que criam oportunidades para a emergência de problemas substantivos repetitivos, contribuindo assim de forma mais prática para a eficiência dos resultados policiais e a implementação de políticas que potencializem a defesa social.

Deste modo, as unidades de estatística e análise criminal das organizações policiais teriam de ser direcionadas para a solução de problemas. Essas unidades deveriam ser formadas por uma equipe mista de policiais: tanto aqueles que trabalham nas ruas, quanto os que, na posição de liderança, gerenciam as unidades policiais, além de contarem com o suporte de pesquisadores acadêmicos. Isto proporcionaria uma mistura de talentos e uma oportunidade única de troca entre as experiências e o conhecimento prático das ruas, com a expertise estratégica das lideranças e os conceitos e teorias científicas dos acadêmicos.

Nesse sentido, de acordo com Godstein (1990), os analistas se tornariam experts na solução de problemas com a habilidade de:

Distinguir o que funciona e o que não funciona em termos de controle e •prevenção de crime.

Aplicar conceitos e métodos científicos na solução de problemas •substantivos;

Complementar os dados oficiais com fontes de informação alternativas, •como, por exemplo, surveys de vitimização; entrevistas com agentes infratores; e dados de outras instituições.

Tipificar e categorizar modalidades de crime de forma mais específica e •explicar seus padrões e variação no tempo.

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 97 10/9/2008 16:47:19

Page 98: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

98 | série ANÁLise CriMiNAL

Identificar as causas imediatas dos problemas de crime.•

Propor soluções para problemas identificados, optando por respostas •alternativas que tenham efeito de longo prazo.

Explicar e saber como evitar a imigração do problema e explicar a difusão •de benefícios da intervenção.

Identificar parceiros em potencial.•

Avaliar os custos e benefícios das intervenções;•

Avaliar e monitorar resultados.•

Sem dúvida alguma, as unidades de análise de crime constituem um pilar-chave das corporações policiais modernas, cujo principal negócio é a solução de problemas substantivos que afetam as comunidades, tendo como objetivos aumentar a eficiência de seus resultados na prevenção e controle do crime, e garantir maior segurança pública. Entretanto, é inválido discutir a importância do papel dos analistas, se não discutirmos a relevância que o modelo de policiamento orientado para a solução de problemas deve dar ao fomento da conformação de uma polícia inteligente, cujo trabalho é baseado na informação e análise.

2) O policiamento orientado para a solução de problemas

O policiamento orientado para a solução de problema é tido como uma das estratégias mais eficientes de gestão das organizações policiais. Focalizado na prevenção e no uso sistemático de informação e análise, esse modelo procura interromper o ciclo vicioso e incessante de atendimento rápido e urgente a incidentes, próprio do modelo tradicional de polícia.

Esses policiais comprometem grande parte do tempo de trabalho reagindo a incidentes repetitivos envolvendo os mesmos agentes infratores, as mesmas vítimas, e os mesmos locais de ocorrência. E dedicam pouco tempo para pensar em como preveni-los, o que contribui para que os incidentes se repitam. Desde modo, reforça-se a crença de que a polícia apenas “enxuga gelo”, de efeito paliativo sobre os problemas de crime e segurança pública.

Ao contrário, o policiamento orientado para a solução de problemas tem um caráter pró-ativo e procura intervir nos fatores situacionais que geram oportunidades

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 98 10/9/2008 16:47:19

Page 99: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

série ANÁLise CriMiNAL | 99

para emergência de problemas substantivos para a polícia. De acordo com esse modelo, “problemas” são um conjunto recorrente de incidentes similares e relacionados entre si, que causam prejuízos ao público, o qual espera que a polícia vá resolvê-los. (GOLDSTEIN, 1990; 1979).

Origem do conceito

O policiamento orientado para a solução de problemas foi introduzido pela primeira

vez em 1979, por Herman Goldstein – professor de Direito e consultor do Departa-

mento de Polícia de Chicago – num período de intenso questionamento em relação à

eficiência do modelo profissional de polícia de controlar e prevenir o crime.

A principal crítica de Goldstein (1990, 1979) a esse modelo é a prioridade

dada aos “meios” da atividade policial em detrimento dos seus “fins”. Como resultado,

as polícias têm diminuído sua capacidade analítica e preventiva direcionada para re-

sultados e investido em estratégias tradicionais de caráter muito geral para lidar com

uma ampla gama de problemas distintos. Assim, os policiais têm se limitado a fazer

nada mais do que registrar e atender incidentes.

Ao contrário do modelo tradicional, o policiamento orientado para a solução

de problemas baseia-se na metodologia da pesquisa ação. Essa metodologia própria

das Ciências Sociais tem como pressuposto básico o estreitamento entre o conhe-

cimento orientado por evidências científicas, próprio de pesquisadores acadêmicos,

e o conhecimento orientado pela experiência prática, próprio daqueles que são in-

tegrantes de uma determinada organização, comunidade, ou sociedade em estudo

(GOLDSTEIN, 1990).

No caso específico do policiamento orientado para a solução de problemas,

a metodologia de pesquisa ação pressupõe que pesquisadores acadêmicos e policiais

façam parte de uma equipe interdisciplinar de solução de problemas. Juntos, são res-

ponsáveis pelo desenvolvimento de um processo analítico cuidadoso de identificação

dos fatores que contribuem para emergência de problemas para os quais o público

espera que a polícia dê uma resposta, bem como pela implementação de respostas,

avaliação e monitoramento de resultados. Neste sentido, o conhecimento científico

dos acadêmicos soma-se à expertise dos profissionais de polícia, complementando-se

e propiciando uma interlocução valiosa entre teoria e prática.

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 99 10/9/2008 16:47:19

Page 100: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

100 | série ANÁLise CriMiNAL

3) O policiamento orientado para a solução de problemas e o método iara

O policiamento orientado para a solução de problemas envolve um processo analítico

muito similar ao processo de inteligência caracterizado pela (1) coleta de informação;

(2) análise; (3) revisão e seleção; (5) intervenção para minimizar riscos e, (5) avaliação

de impacto (COPE, 2004). Esses elementos são sintetizados pelos quatro estágios do

método IARA de solução de problemas, o qual inclui (1) Identificação (2) Análise (3)

Resposta e (4) Avaliação e monitoramento (ECK e SPELMAN, 1987). Cada uma dessas

etapas é respectivamente descrita abaixo:

IdentificaçãoI.

Essa é uma etapa vital do processo de solução de problemas. Nesse estágio

os problemas são identificados através da análise estatística e geoprocessamento de

dados. É recomendável que nessa fase seja utilizada uma ampla gama de informações

como, por exemplo, dados oficiais das polícias; conhecimento e expertise de policiais;

dados de pesquisas de vitimização; informações decorrentes de entrevistas com

agentes infratores entre outras, com o objetivo de se definir de forma mais precisa e

detalhada possível o problema em questão.

AnáliseII.

A etapa de análise baseia-se no pensamento lógico e inclui revisão, seleção,

comparação e interpretação de informações utilizadas na fase anterior, podendo ainda

utilizar novas fontes de dados que se fizerem necessárias. Essa é uma fase crucial

de investigação de fatores causais, relacionais, que explicam a emergência de um

problema em particular, bem como de identificação de padrões, evolução e tendências

do problema. Um dos resultados dessa etapa é a formulação de hipóteses claras sobre o

problema em foco. Hipóteses são cruciais para explicar relações causais entre variáveis

associadas a um problema em particular e que devem ser testadas. Contribuem assim

para compreender a natureza e a extensão do problema, bem como para desenvolver

intervenções mais adequadas.

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 100 10/9/2008 16:47:19

Page 101: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

série ANÁLise CriMiNAL | 101

RespostaIII.

Criatividade é o elemento chave desta etapa, a qual envolve o desenvolvimento de estratégias alternativas de prevenção e controle de crime e outros problemas correlatos. Essas respostas devem ir além da captura e prisão de agentes infratores, podendo envolver a participação de parceiros em potencial, como outros órgãos governamentais, instituições, igrejas, comércio e o público em geral, todos que diretamente estão envolvidos com o problema e sofrem suas conseqüências.

Avaliação e monitoramentoIV.

Esta é uma etapa que inclui, por um lado uma avaliação do processo de implementação e de impacto das respostas, e por outro o acompanhamento sistemático das ações implementadas, a fim de evitar que o problema surja novamente. Como resultado, cada obstáculo identificado nesta etapa implicará o reinício do processo IARA ou de pelo menos um de seus estágios. O resultado da etapa de avaliação e monitoramento é crucial para orientar a formulação de novas estratégias, bem como de novas políticas de prevenção.

Uma das vantagens do método IARA é auxiliar a equipe de analistas de problemas a formular perguntas mais relevantes que possam contribuir na identificação e definição de “problemas” de forma mais precisa e adequada. Esse método requer a coleta e processamento de ampla gama de dados que orientem a formulação e implementação de respostas mais criativas e práticas, de modo a intervir nas causas dos problemas, causas estas que sejam passíveis de avaliação e monitoramento.

Embora o método IARA à primeira vista sugira a idéia de um modelo linear – cada um dos estágios segue seqüencialmente um ao outro –, o IARA é essencialmente interativo, sendo que a conclusão de cada uma de suas etapas permite trazer novos elementos para se repensar etapas anteriores. Por exemplo, a etapa de análise pode indicar que o problema não foi bem definido no primeiro estágio de identificação, demandando assim uma melhor precisão em relação aos seus elementos constitutivos. Assim também, dificuldades na formulação de respostas podem apontar para inadequações e imprecisões na etapa de análise do problema, exigindo-se assim um aprimoramento desse estágio.

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 101 10/9/2008 16:47:19

Page 102: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

102 | série ANÁLise CriMiNAL

Neste sentido o sucesso da aplicação do método IARA depende de uma maior atenção dos analistas a cada um desses estágios, evitando assim o imediatismo muitas vezes presente entre os policiais de dar respostas sem analisar cuidadosamente os problemas ou insistir na implementação de respostas comuns, gerais, para problemas diferentes, sem antes avaliar minuciosamente seus resultados ou monitorar seu processo de implementação. A metodologia IARA de solução de problemas contribui assim para potencializar um policiamento inteligente baseado num processo sistemático de coleta e processamento de informação e análise.

4) Conclusão

Para que as polícias aumentem sua capacidade analítica e o modelo de polícia inteligente orientado para a solução de problemas realmente se torne uma estratégia policial bem sucedida, é preciso que as lideranças policiais e os pesquisadores acadêmicos se comprometam a desenvolver um conhecimento sistemático sobre problemas substantivos que constantemente demandam a atenção policial. Além disso, devem fornecer assistência e recursos para aprimorar a capacidade tanto das corporações policiais quanto de seus profissionais de coletar, analisar e usar informações, bem como avaliar resultados, aumentando sua responsabilidade para com as comunidades.

Por um lado, as organizações policiais precisam colocar em prática a metodologia de pesquisa - ação, característica do policiamento orientado para a solução de problemas, dinamizando suas unidades de estatística e análise criminal. Estas unidades de análise deveriam desenvolver projetos de prevenção e controle de crime no sentido de solucionar problemas substantivos colocados para as polícias. Conduzir, também, sistemática avaliação do processo analítico e seus efeitos na prevenção. Além disso, essas unidades teriam que auxiliar as polícias não apenas a produzir e organizar um conhecimento sistemático e consistente sobre o que funciona e o que não funciona em termos de prevenção e controle da criminalidade, mas disseminar esse conhecimento dentro de toda a organização policial. Enfim, as unidades de análise de crime deveriam ter um importante papel no desenvolvimento da capacidade pró-ativa das polícias, aumentando-se assim a eficiência policial na prevenção.

Por outro, as agendas de pesquisa precisam investir no estudo de tipos específicos de problemas em que haja demanda de intervenção policial pelo público, auxiliando assim as corporações policiais a pensar em como preveni-los, com a participação de

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 102 10/9/2008 16:47:19

Page 103: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

série ANÁLise CriMiNAL | 103

outros órgãos governamentais, do público e de outros colaboradores em potencial, e avaliando resultados. A troca de conhecimentos entre profissionais de polícia e pesquisadores representa um esforço conjunto valioso na formulação de estratégias e de políticas públicas de defesa social mais participativas e eficientes.

Enfim, deveriam ser alocados mais recursos federais e estaduais em programas de treinamento de policiais como experts em análise de problemas recorrentes, e no desenvolvimento e implementação de projetos de prevenção do crime, no sentido de tornar sólidos os conhecimentos que vão orientar políticas mais eficientes no futuro.

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 103 10/9/2008 16:47:19

Page 104: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

104 | série ANÁLise CriMiNAL

Bibliografia

BEATO, C. Apresentação do Modelo de Gestão Integrada de Segurança Pública. IGESP

da Secretaria de Defesa Social do Estado de Minas Gerais, 2005.

_________. Acction y Estrategia de las Organizacoes Policiales. In: Polícia, Sociedad y

Estado: Modernizacion y Reforma Policial en America del Sul. Ed. Santiago: Centro de

Estudios del Desarollo, 2001.

COPE, N. Intelligence led Policing or Policing led Intelligence? British Journal of

Criminology, 44(2): 188-203, 2004.

ECK, J. E. e SPELMAN, W. Problem-Solving. Problem-Oriented Policing in Newport News.

Washington, DC: Police Executive Research Forum and the U.S. National Institute of

Justice, 1987.

GOLDSTEIN, H. Improving Policing: A Problem-Oriented Policing Approach. Crime

& Delinquency, 25(2):234-58, 1979.

__________. Problem-Oriented Policing. New York: McGraw Hill, 1990.

__________. Problem-Oriented Policing: the rationale, the Concept, and Reflections

on Its Implementation. London, UK: Police Research Group, Home Office, 1996.

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 104 10/9/2008 16:47:19

Page 105: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

série ANÁLise CriMiNAL | 105

os ConselHos ComUnitários de seGUrAnÇA e os dAdos oFiCiAis

Paulo Augusto Souza Teixeira

Introdução

Uma questão que tem assumido grande relevância na atualidade é a transparência dos

atos da administração pública, em especial, de áreas do Estado consideradas “sensíveis”,

como a Segurança Pública. Sem ter a pretensão de esgotar o tema, o presente trabalho

visa discutir os limites e as possibilidades de divulgação dos dados oficiais sobre a

criminalidade e a violência nos Conselhos Comunitários de Segurança, permitindo,

assim, o desenvolvimento de ações integradas entre as organizações policiais e as

comunidades onde elas atuam.

A Lógica do Segredo

Gostaria de delimitar de forma mais clara o termo “inteligência” para este texto. Muitas

vezes, o termo é empregado no discurso público em alusão à capacidade cognitiva, ora

associado à compreensão de regras, como as normas e procedimentos de uma atividade

profissional, ora relacionado à solução de problemas novos, para os quais não há uma

regra previamente definida. Em ambos os casos, “inteligência” está ligada ao processo

de tomada de decisão, como no texto a seguir publicado na revista Época1:

“A causa próxima é a absoluta incompetência. Faltam investigação, inteligência,

interesse. Há desvios de função e corrupção”.

Entretanto, ao me referir à inteligência ao longo desse texto, procurei me

ater ao conjunto de organizações governamentais que compõem a “comunidade de

inteligência” ou os “serviços de inteligência”. Desse modo, a atividade de inteligência é

o que eles fazem e o conhecimento de inteligência o que eles produzem.

1 OLIVEIRA, Antônio Cláudio Mariz de. Descaso e incompetência. Época, São Paulo, n.418, p.54, mai. 2006.

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 105 10/9/2008 16:47:20

Page 106: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

106 | série ANÁLise CriMiNAL

Segundo Antunes (2002: 21), “a atividade de inteligência refere-se a certos tipos de informações, relacionadas à segurança do Estado, às atividades desempenhadas no sentido de obtê-las ou impedir que outros as obtenham e às organizações responsáveis pela realização e coordenação da atividade na esfera estatal”.

A atividade de inteligência existe em grande parte dos países, como o Reino Unido, a França e os Estados Unidos, e se constitui num dos instrumentos de suporte para o exercício do monopólio estatal do uso legítimo da força. Contudo, cabe ressaltar que essa atividade, em um contexto democrático, deve ser analisada levando-se em consideração alguns aspectos, como: o grau de constitucionalidade desse serviço, a regulamentação pública e o conhecimento sobre os órgãos responsáveis pela condução da atividade no país. Esses aspectos devem permitir que haja um controle legislativo e que os diversos atores envolvidos com essa atividade respondam publicamente pelos seus atos.

Um estudo mais aprofundado sobre essa atividade foge ao escopo do presente trabalho, mas serve para destacar um dos elementos centrais na nossa discussão: o segredo como ferramenta de poder. Diversos autores tratam dessa questão e o acesso privilegiado às informações delimita toda uma rede de relações sociais. De acordo com Antunes (2002: 28):

“O grau de um segredo pode ser especificado pelo exame do número e da qualidade de diferentes contextos nos quais o fluxo de informações é intencionalmente bloqueado. Quando a informação é mostrada em um contexto e restringida em outro, pode-se perceber as diferenças nos tipos das relações sociais. É possível discernir os dois grupos essenciais: ‘nós’, que somos aqueles que retemos a informação, e “eles”, aqueles a quem a informação é bloqueada”.

Em vários países a atividade de inteligência se estruturou como instrumento de assessoramento do Chefe de Estado para diversas questões. Desse modo, as organizações ligadas à segurança externa e à manutenção da ordem se tornaram atores privilegiados dessa atividade. No Brasil, devido ao próprio processo histórico de estruturação da atividade no país, inteligência e segurança têm um vínculo muito maior. Durante muitos anos, a segurança pública esteve diretamente atrelada às atividades de segurança nacional, e os “serviços” de inteligência das polícias foram

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 106 10/9/2008 16:47:20

Page 107: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

série ANÁLise CriMiNAL | 107

estruturados para capilarizar a rede de informações das Forças Armadas, em especial a do Exército. Encontramos aí o primeiro limitador ao processo de compartilhamento de informações: a lógica do segredo é responsável, ainda hoje, pelo distanciamento entre a sociedade e os organismos encarregados da segurança pública.

Uma outra questão importante diz respeito ao conflito estabelecido entre essa lógica e a pressão de diversas organizações que exigem uma maior transparência das ações dos agentes públicos2. Segundo Lima, em resposta a essas pressões, “ações espetaculosas são mobilizadas e os principais problemas do modelo de organização do sistema de justiça criminal e da pouca participação da sociedade deixam de ser considerados urgentes e politicamente pertinentes”.

Os Registros Policiais

Usualmente os conceitos de criminalidade e violência são empregados como sinônimos no discurso público sobre o tema, mas cabe esclarecer que se tratam de dois conceitos distintos. Nem todas as condutas classificadas por uma determinada sociedade como crimes são necessariamente violentas. Por outro lado, diversas violências são toleradas socialmente sem que sejam entendidas como crimes. A fonte básica para as pesquisas sobre criminalidade são os registros policiais. No Brasil, esses registros podem ter várias origens, pois coexistem diversas organizações que atuam na área da segurança pública.

A população usualmente aciona a Polícia Militar em situações consideradas de risco individual ou coletivo, geralmente consideradas urgentes e de certa gravidade. O sistema de atendimento de chamadas de urgência, conhecido popularmente através do telefone “190”, recebe milhares de ligações diárias e se constitui numa das principais interfaces entre a polícia e o público. O policial militar se depara com uma grande quantidade de demandas da população, que variam de elementos suspeitos a ações de grupos armados. Essa diversidade de intervenções da Polícia Militar cobre não somente aquilo que se classifica por crime, mas tudo aquilo que, no entender do cidadão, viola a ordem e a tranqüilidade públicas. O policial militar realiza registros de suas intervenções e, desta forma, temos a primeira visão parcial das questões de

2 Para uma análise mais aprofundada da questão consultar “Cidadania e controle democrático do acesso aos documentos sigilosos”. Palestra proferida por Alberto Nogueira Jr, no CPDOC, dia 07 de abril de 2004. Disponível no site da FGV.

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 107 10/9/2008 16:47:20

Page 108: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

108 | série ANÁLise CriMiNAL

criminalidade e violência, bem como de questões difusas que constituem grande parte das atividades e do tempo empenhado pelos policiais nos seus serviços.

Com base no Código de Processo Penal, a Polícia Civil é a encarregada de registrar e de investigar os fatos entendidos como crimes, após a apreciação da autoridade policial. Suas ações visam esclarecer a materialidade e a autoria dos delitos para apresentação à Justiça. Essa competência acaba tornando os registros da Polícia Civil a fonte primária dos pesquisadores e gestores de políticas públicas voltados para o controle da criminalidade. A sistematização da coleta e armazenamento dos dados permite organizar os eventos em categorias baseadas na legislação penal. Existem outras fontes que registram crimes e seus resultados, como as organizações policiais federais e os serviços de estatísticas de outras secretarias estaduais, como o registro dos óbitos pela área de saúde.

Um dos primeiros passos para a compreensão dos fenômenos associados à criminalidade é o estabelecimento de uma metodologia consistente de coleta, classificação e disseminação de informações. Há algumas características julgadas essenciais a uma metodologia consistente para tratar dos dados de criminalidade, são elas: a constância do modelo de classificação, permitindo, assim, o estabelecimento de análises temporais; a publicidade dos dados e uma regularidade de produção e divulgação dos dados.

A questão das estatísticas na área de segurança pública também é abordada por Lima: “Trata-se da origem da demanda por informações que, conforme demonstra Senra (2000), vai ter impacto direto na sintonia dos tempos da demanda e da oferta de dados, na medida em que podem comportar interpretações diversas do sentido e do papel das estatísticas. Em outras palavras, é possível pensar as estatísticas, no caso, como resultados de demandas externas, como algo que não nasceu, aparentemente, da lógica organizacional das instituições de justiça criminal e, por conseguinte, exige que seja incorporada e legitimada pelas organizações de justiça criminal”.

O Estado do Rio de Janeiro criou em 1999, um núcleo de pesquisa que objetivava implantar uma metodologia de tratamento de dados da criminalidade, visando subsidiar políticas públicas nessa área. Esse núcleo (Núcleo de Pesquisa em Justiça Criminal e Segurança Pública – NUPESP) hoje faz parte do Instituto de Segurança Pública (ISP). O Instituto desenvolve ainda diversos outros produtos para os gestores da área de segurança, como os Boletins das Áreas Integradas de Segurança Pública e o Monitoramento Mensal. Uma das características relevantes é que os registros de todas

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 108 10/9/2008 16:47:20

Page 109: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

série ANÁLise CriMiNAL | 109

as delegacias policiais do estado são publicados mensalmente através do Diário Oficial do Estado. Além disso, esses dados estão disponíveis através do site do ISP na Internet (www.isp.rj.gov.br). Mas qual a relevância dessas informações para que a sociedade interaja com as organizações policiais na busca de soluções para os problemas locais?

Relação Polícia-Comunidade: os Conselhos Comunitários de Segurança

O primeiro passo é definir de que forma se dará essa interação entre polícia e sociedade, rompendo a lógica do segredo. A nossa história recente ampliou na sociedade a imagem da polícia como uma entidade externa à sociedade e poucas foram as iniciativas que tiveram êxito para reverter esse quadro. Vou fixar a minha abordagem nos Conselhos Comunitários de Segurança que são um dos elementos centrais deste trabalho. Os conselhos foram criados pela Secretaria de Segurança Pública (SSP/RJ), no ano de 1999, e essa ação estava inserida na implantação de uma política pública de segurança mais ampla. Foi adotada a estratégia de reformar o modelo de gestão das instituições policiais, e uma das primeiras medidas foi a criação das Áreas Integradas de Segurança Pública (AISP), que buscaram compatibilizar geograficamente as áreas de atuação das polícias ostensiva (militar) e judiciária (civil). Além disso, foram estabelecidas reuniões periódicas de trabalho entre o comandante do Batalhão e os delegados titulares da AISP, com a finalidade de avaliar os problemas, implementar soluções e monitorar a eficácia das medidas adotadas. Com a introdução do conceito de AISP, uma nova abordagem seria implantada em relação às responsabilidades das polícias, exigindo planejamento e avaliações permanentes e tornando possível o seu monitoramento. Esse conjunto de medidas visava aproximar institucionalmente as organizações policiais.

Com esse processo de integração institucional entre as polícias tornou-se necessário estabelecer um canal de participação dos cidadãos na área de segurança. Como forma de articular as demandas da população foram criados os Conselhos Comunitários de Segurança, com caráter consultivo e com três finalidades básicas: aproximar a comunidade das organizações policiais e a polícia das comunidades, conhecer melhor o problema de cada localidade através das demandas dos moradores e delimitar, junto às comunidades, o papel das polícias e de outros órgãos que podem contribuir na redução da violência. O conceito de comunidade adotado pela SSP/RJ para a implantação dos Conselhos estava vinculado às referências geográficas de atuação das organizações policiais. Assim, no Estado do Rio de Janeiro, o Conselho Comunitário de Segurança surge com forte vinculação às AISP.

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 109 10/9/2008 16:47:20

Page 110: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

110 | série ANÁLise CriMiNAL

A aproximação entre as comunidades e as organizações policiais devia restaurar as imagens de ambas e os conselhos não deveriam ser tomados como uma estratégia de “relações públicas” ou como eventos sociais, mas como espaços de participação comunitária. Ao longo do tempo tivemos uma grande oscilação na participação nas reuniões e diversos conselhos encerraram as suas atividades. Em 2003 é instituído o Café Comunitário nos batalhões de Polícia Militar como estratégia de aproximação comunitária.

A idéia de conhecer melhor o problema de cada localidade através das demandas dos moradores não pode ser confundida com um estímulo à prática de denúncias. Nas primeiras análises dessa questão nos deparamos com um medo dos participantes de serem confundidos com X-9 (informantes) da polícia. Os participantes foram orientados a procurar os canais institucionais já existentes para encaminhar as suas denúncias, como a Ouvidoria e a Corregedoria, além do Disque-Denúncia.

O objetivo de delimitar o papel das polícias, junto às comunidades, continua sendo um grande desafio, pois a existência desse canal institucional de comunicação entre o poder público e a população acabou trazendo inúmeras demandas que não estão ligadas diretamente à área de segurança. A contribuição de outros órgãos não é constante e temos observado a importância de ações efetivas do poder público municipal com ações concretas que podem reduzir o sentimento de insegurança da população.

Como podemos ver, uma das premissas centrais dos conselhos comunitários de segurança implantados no Rio de Janeiro é que o público deve exercer um papel mais ativo e coordenado em relação à segurança. Alguns de seus elementos essenciais visam criar as condições para provocar mudanças graduais nas práticas operacionais das organizações policiais e buscar novas alternativas táticas e estratégicas para o emprego do policiamento. Segundo Skolnick & Bayley, quatro devem ser as áreas de mudança programática no policiamento de uma forma geral: “1. Organizar a prevenção do crime tendo como base a comunidade; 2. Reorientar as atividades de patrulhamento para enfatizar os serviços não-emergenciais; 3. Aumentar a responsabilização das comunidades locais; e 4. Descentralizar o comando”.

A partir de 2004 o Instituto de Segurança Pública (ISP) passou a avaliar o funcionamento dos Cafés e Conselhos Comunitários de Segurança e, em 2005, foi editada a Resolução SSP nº 781 que aprova um regulamento para os conselhos em

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 110 10/9/2008 16:47:20

Page 111: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

série ANÁLise CriMiNAL | 111

todo o Rio de Janeiro. Esse regulamento possui alguns dispositivos muito importantes, como, por exemplo, a obrigatoriedade de divulgar os dados estatísticos da AISP no início de cada reunião. Outros pontos essenciais são: o aumento da flexibilidade nos limites geográficos dos Conselhos Comunitários, podendo assim atender a muitas conformações de associação da sociedade civil e, também, a composição dos Conselhos com membros natos (representantes das organizações policiais) e eleitos (representantes da sociedade civil), ficando a presidência do Conselho sob a responsabilidade de um membro eleito.

Uso dos Dados pelos Conselhos Comunitários

De acordo com a Resolução SSP Nº 781, uma das finalidades dos Conselhos Comunitários é discutir com os representantes das polícias civil e militar a definição de prioridades na segurança pública, na área de atuação do CCS. O estabelecimento de prioridades deve ser realizado pelos representantes das polícias, junto com os representantes das comunidades das áreas geográficas dos CCS (art. 4º, inciso IV e art. 17, inciso IV). A questão que se apresenta é de que forma serão estabelecidas essas prioridades. São dois os critérios normalmente utilizados para a definição de prioridades: a urgência e a importância. As situações urgentes requerem intervenções imediatas, levando as pessoas a adotar uma solução rápida, que ataque os efeitos percebidos, evitando grandes desastres. Um exemplo clássico é a adoção de medidas no caso de um incêndio, onde a rapidez da ação é sua virtude mais importante. Já os problemas importantes estão vinculados à missão da organização ou objetivos do grupo. Desse modo, ao resolver esses problemas, há uma melhora significativa em relação à situação anterior. A importância diz respeito aos resultados.

Considero que o estabelecimento de prioridades e o encaminhamento adequado dos problemas detectados são passos importantes para a instituição de um novo paradigma de atuação policial. O desafio está em compatibilizar os interesses conflitantes das pessoas que freqüentam as reuniões dos conselhos. Em muitos casos, as pessoas procuram a polícia para resolver questões individuais, não se preocupando com os problemas coletivos.

Um artigo importante é o que atribui aos representantes das organizações policiais a obrigação de divulgar, a cada reunião, os dados estatísticos relativos à área do CCS, além de informar quais foram as medidas adotadas para garantir a segurança

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 111 10/9/2008 16:47:20

Page 112: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

112 | série ANÁLise CriMiNAL

da comunidade (art. 17, inciso III). Neste artigo, que trata da dinâmica da reunião, há um tempo reservado para a apresentação dos dados estatísticos do mês anterior (art 33, inciso IV), e o parágrafo 5º desse artigo explica que, “na apresentação dos dados estatísticos serão abordados obrigatoriamente os itens publicados pela SESP, em Diário Oficial, referentes ao mês mais recente”. O parágrafo 6º autoriza os membros natos a “produzir informações quantitativas próprias no intuito de esclarecer fatos específicos relacionados à área em questão”.

São dois os grandes problemas a serem resolvidos. O primeiro está relacionado ao formato dos dados que serão disponibilizados aos conselhos e aos recursos necessários para o envio desses dados. Entendo que a simples divulgação da variação da quantidade de registros das modalidades criminosas publicadas no Diário Oficial pode ser insuficiente para um acompanhamento da efetividade das ações adotadas pelas polícias. A outra questão diz respeito ao limite de autonomia das unidades policiais, pois, sendo instituições estaduais elas estão sujeitas ao estado geral de tranqüilidade das outras AISP. Assim, mesmo após terem sido definidas as prioridades para uma área específica, pode haver necessidade de realocar recursos temporariamente em outro ponto do estado, em virtude de eventos, programados ou não. Dessa forma, há um certo limite para a execução das ações planejadas, tornando ainda mais importante o estabelecimento de prioridades e o acompanhamento das ações.

Outra característica do regulamento que gostaria de destacar é o fortalecimento da transparência nas relações da polícia com a comunidade, em conformidade com os preceitos constitucionais. Alguns países, como Portugal, Brasil e Espanha consagram nas suas Cartas Magnas o direito à informação como um direito fundamental3. Desta forma, os representantes das polícias ficam obrigados a oferecer quaisquer explicações solicitadas pelo CCS sobre o serviço policial, admitindo-se invocar sigilo sobre as informações reservadas que a legislação assim classificar (art. 17, inciso XIII). Mas a preocupação com a transparência não se restringe aos policiais que participam das

3 CF/88, art. 5º, IX – “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”; XIV – “é assegurado a todos o direito à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”; XXXIII – “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”; XXXIV – “são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: ...b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa dos direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal”; art. 37, parágrafo 3o – “A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente: ...II – o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5o, X e XXXIII”

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 112 10/9/2008 16:47:20

Page 113: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

série ANÁLise CriMiNAL | 113

reuniões. Aos superiores hierárquicos imediatos dos membros natos cabe exigir que prestem contas à comunidade em relação às medidas que estão sendo adotadas para a melhoria da segurança pública local (art. 39, inciso III). A questão da transparência proposta através da resolução esbarra na questão tratada inicialmente sobre a lógica do segredo. Contudo, as organizações policiais estaduais têm dado passos firmes na direção de tornar públicos os seus dados.

Cabe destacar que o mesmo comportamento não ocorre, por exemplo, nas organizações policiais federais (Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal), onde há uma certa “opacidade” em relação às suas ações, dificultando, assim, um acompanhamento mais efetivo pela população.

Há previsão de apoio técnico do ISP para desenvolver duas ações específicas. A primeira é no sentido de orientar a realização de pesquisas de opinião junto à comunidade, que serão planejadas e coordenadas pelo Diretor Social e de Assuntos Comunitários (art. 22, inciso VIII) e a segunda é o fornecimento de relatórios analíticos para subsidiar as discussões sobre as incidências mensais da área (art. 33, § 5º).

As pesquisas de opinião previstas na resolução podem ajudar a difundir a idéia de participação popular na área de segurança pública, além de servir de instrumento para identificar as demandas de cada localidade, reduzindo assim a particularização das demandas trazidas às reuniões pelos representantes da sociedade civil. Dessa forma, podemos atingir o morador individualmente, ouvindo as suas opiniões e compreendendo os seus problemas. O modelo de pesquisa de opinião pode variar de acordo com os problemas locais e o Nupesp possui pessoal capacitado para formatar a pesquisa e orientar a sua tabulação e análise.

Em relação aos relatórios analíticos, devido ao esforço necessário para a sua confecção e a necessidade de comparar resultados em prazos mais longos, considero que tais relatórios devem ser confeccionados a cada seis meses e o seu formato deve ser definido através de uma reunião específica envolvendo representantes do ISP, das organizações policiais e dos presidentes dos Conselhos Comunitários de Segurança.

Conclusões

Em linhas gerais, podemos afirmar que a divulgação de dados através das reuniões dos Conselhos Comunitários esbarra em diversas questões importantes. A primeira delas é a lógica do segredo que ainda distancia a sociedade das organizações

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 113 10/9/2008 16:47:20

Page 114: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

114 | série ANÁLise CriMiNAL

policiais. Desse modo, a interação entre elas se dá de forma complexa e com reservas de ambos os lados. A outra questão relevante diz respeito à produção dos dados, geralmente através dos registros das delegacias policiais. Esses dados possibilitam uma visualização parcial dos crimes que afligem a sociedade, mas um conjunto imenso de dados referentes aos acionamentos da polícia militar não é sistematizado. A análise desse conjunto de informações poderia permitir o desenvolvimento de políticas públicas em diversas áreas, contribuindo, assim, para adoção de medidas de prevenção aos crimes e a melhoria da qualidade de vida da população.

Os dados disponíveis para a área de segurança pública devem ter um duplo referencial: a sua disponibilidade e a sua usabilidade pelo público. Em relação à disponibilidade temos encontrado iniciativas importantes nas polícias estaduais, não havendo o mesmo esforço nas polícias federais. Já em relação ao uso, julgamos importante o desenvolvimento de modelos distintos para os diversos públicos, como os pesquisadores do tema, os gestores públicos das diversas áreas e os cidadãos em geral.

Finalmente, apresentamos os Conselhos Comunitários de Segurança como um instrumento que pode ajudar a transformar a lógica do segredo através da cobrança sistemática de transparência das informações sobre as medidas adotadas pelas organizações policiais. O processo de institucionalização desses conselhos pode ser considerado um aprendizado social . Assim, as idéias de controle e definição de prioridades poderão ser vistas como aliadas na melhoria e no aumento da efetividade da ação policial.

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 114 10/9/2008 16:47:21

Page 115: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

série ANÁLise CriMiNAL | 115

Bibliografia

ANTUNES, Priscila Carlos Brandão. SNI & Abin: uma leitura da atuação dos serviços

secretos brasileiros ao longo do século XX. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2002.

LIMA, Renato Sérgio de. Segredos e relações de poderes na produção e no uso de

informações e estatísticas criminais. ANAIS DA ANPOCS, 2004.

LORIGGIO, Antonio. De onde vêm os problemas: método para um diagnóstico eficaz.

São Paulo: Negócio Editora, 2002.

PRATS I CATALÁ, Joan. Governabilidade democrática na América Latina no final do

século XX. In: BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos e SPINK, Peter Kevin (Org.). Reforma do

Estado e administração pública gerencial. 5ª ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003.

Secretaria de Estado de Segurança Pública, RESOLUÇÃO SSP nº 263, de 26 de julho de

1999.

Secretaria de Estado de Segurança Pública, RESOLUÇÃO SSP nº 629, de 19 de maio de

2003.

Secretaria de Estado de Segurança Pública, RESOLUÇÃO SSP nº 781, de 08 de agosto

de 2005.

SKOLNICK, Jerome H. & BAYLEY, David H. Policiamento comunitário: questões e práticas

através do mundo. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2002.

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 115 10/9/2008 16:47:21

Page 116: Análise Criminal e o Planejamento Operacional

116 | série ANÁLise CriMiNAL

PerFil dos orGAnizAdores e AUtores

Ana Paula Mendes de Miranda - Doutora em Antropologia Social, Professora

da Universidade Candido Mendes, Coordenadora do Núcleo de Informações sobre

Segurança e Violência do Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos (IPP) -

[email protected]

Andréia Soares Pinto - Mestre em Sociologia pelo IUPERJ, Coordenadora do Curso de

Capacitação em Técnicas Quantitativas e Análise Criminal e Pesquisadora do Instituto

de Segurança Pública - [email protected]

Cláudio Beato – Doutor em sociologia pelo IUPERJ e Diretor do Centro de Estudos

de Criminalidade e Segurança da Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil -

[email protected]

Doriam Borges – Professor do Departamento de Estatística da UFF, Doutorando

em sociologia pelo IUPERJ, Pesquisador do Instituto de Segurança Pública –

[email protected]

Elenice de Souza – Doutoranda em Justiça Criminal e Criminologia pela Rutgers – The

State University of New Jersey, USA e Pesquisadora do Centro de Estudos de Criminalidade

e Segurança da Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil - [email protected]

Ludmila Mendonça Lopes Ribeiro – Doutoranda em Sociologia pelo IUPERJ e

Coordenadora do Curso de Capacitação em Técnicas Quantitativas e Análise Criminal

[email protected]

Paulo Augusto Souza Teixeira – Ten Cel da Polícia Militar do Estado do Rio de

Janeiro e Coordenador dos Conselhos Comunitários de Segurança Pública no ISP -

[email protected]

Simoni Lahud Guedes – Doutora em antropologia social pela UFRJ e Professora da

UFF - [email protected]

Analise_Criminal_Planejamento_Operacional_01.indd 116 10/9/2008 16:47:21