anais ix jornada - 2007

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Anais IX Jornada IX Jornada IX Jornada IX Jornada IX Jornada Médico- Médico- Médico- Médico- Médico-Literária P Literária P Literária P Literária P Literária Paulista aulista aulista aulista aulista Sociedade Brasileira de Médicos Escritores Regional do Estado de São Paulo SOBRAMES-SP Jundiaí - São Paulo - Brasil 27 a 30 de setembro de 2007

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Page 1: Anais   IX Jornada - 2007

Anais

IX JornadaIX JornadaIX JornadaIX JornadaIX JornadaMédico-Médico-Médico-Médico-Médico-Literária PLiterária PLiterária PLiterária PLiterária Paulistaaulistaaulistaaulistaaulista

Sociedade Brasileira de Médicos EscritoresRegional do Estado de São Paulo

SOBRAMES-SP

Jundiaí - São Paulo - Brasil27 a 30 de setembro de 2007

Page 2: Anais   IX Jornada - 2007

SOCIEDADE BRASILEIRA DE MÉDICOS ESCRITORESSOCIEDADE BRASILEIRA DE MÉDICOS ESCRITORESSOCIEDADE BRASILEIRA DE MÉDICOS ESCRITORESSOCIEDADE BRASILEIRA DE MÉDICOS ESCRITORESSOCIEDADE BRASILEIRA DE MÉDICOS ESCRITORESRRRRRegional do Estado de São Pegional do Estado de São Pegional do Estado de São Pegional do Estado de São Pegional do Estado de São Pauloauloauloauloaulo

SOBRAMES - SPSOBRAMES - SPSOBRAMES - SPSOBRAMES - SPSOBRAMES - SPDiretoria Gestão 2007/2008

CarCarCarCarCargos Eletivosgos Eletivosgos Eletivosgos Eletivosgos EletivosPresidente: Helio Begliomini

Vice-presidente: Josyanne Rita de Arruda FrancoPrimeiro secretário: Maria do Céu Coutinho Louzã

Segundo secretário: Evanir da Silva CarvalhoPrimeiro tesoureiro: Marcos Gimenes SalunSegundo tesoureiro: Ligia Terezinha Pezzuto

Conselho FConselho FConselho FConselho FConselho FiscaliscaliscaliscaliscalEfetivos:

Flerts NebóArary da Cruz TiribaLuiz Jorge Ferreira

Suplentes:Carlos Augusto Ferreira Galvão

Geováh Paulo da CruzHelmut Adolf Mataré

AIX Jornada Médico-literária PIX Jornada Médico-literária PIX Jornada Médico-literária PIX Jornada Médico-literária PIX Jornada Médico-literária Paulistaaulistaaulistaaulistaaulista

é uma realização da

SOBRAMES - SP - Sociedade Brasileira de Médicos EscritorSOBRAMES - SP - Sociedade Brasileira de Médicos EscritorSOBRAMES - SP - Sociedade Brasileira de Médicos EscritorSOBRAMES - SP - Sociedade Brasileira de Médicos EscritorSOBRAMES - SP - Sociedade Brasileira de Médicos EscritoresesesesesRegional do Estado de São Paulo

Endereço para correspondência:Av.Prof. Sylla Mattos, 652 - apto.12 - Jardim Santa Cruz -

São Paulo - SP - CEP [email protected]

Copyright 2007 © dos Autores

A Comissão Organizadora da IX Jornada Médico-literária Paulistafoi composta pelos integrantes da atual diretoria

Projeto Gráfico e Diagramação: Projeto Gráfico e Diagramação: Projeto Gráfico e Diagramação: Projeto Gráfico e Diagramação: Projeto Gráfico e Diagramação: Rumo Editorial Produções e Edições Ltda.

E-mail: E-mail: E-mail: E-mail: E-mail: [email protected]

Page 3: Anais   IX Jornada - 2007

“““““A sabedoria consiste em comprA sabedoria consiste em comprA sabedoria consiste em comprA sabedoria consiste em comprA sabedoria consiste em compreendereendereendereendereender

que o tempo dedicado ao trabalho nunca é perdido.”que o tempo dedicado ao trabalho nunca é perdido.”que o tempo dedicado ao trabalho nunca é perdido.”que o tempo dedicado ao trabalho nunca é perdido.”que o tempo dedicado ao trabalho nunca é perdido.”

Ralph Waldo Emerson (1803-1882), poeta, ensaísta e filósofo norte-americano.

Tenho o prazer de apresentar os Anais da IX Jornada Médico-Literária Paulista, cujopalco escolhido foi a aprazível cidade de Jundiaí. Aliás, local histórico para a nossa querida

Sobrames do estado de São Paulo, visto que, em 1991, há 16 anos,ocorria aí mesmo a primeira da série.

Nossa entidade evoluiu ao longo do tempo, pois nossos costumeiros encontrosliterários bienais, realizados pelo interior do estado, não eram, em suas primeiras versões,

registrados em livros. Além de nossa “imaturidade” administrativo-organizacional pelapouca experiência de outrora, tínhamos parcos recursos humanos e insignificantes

condições financeiras do que ora dispomos, embora, atualmente,ainda contamos com um restritíssimo e apertado orçamento.

Parece incrível acreditar, mas, à época, o microcomputador estava apenasengatinhando(!), recurso então custoso, disponível a poucos privilegiados. A utilização do

microcomputador facilitou enormemente a vida e o trabalho, conquista essa que fazrecordar aforismos anacrônica e paradoxalmente seculares de Thomas Fuller (1654-1734),

escritor inglês: “a ação é o verdadeiro fruto do conhecimento”e “nada é bom ou mau se não for por comparação”.

A confecção dos Anais das jornadas da Sobrames – SP, onde se registram ostrabalhos, seus respectivos autores, assim como os participantes, tornou-se factível com o

tempo e com o tirocínio de seus sucessivos administradores, possibilitando que os eventosfossem devidamente guardados e melhor preservados das intempéries,

assim como da traição da memória.Nesta IX Jornada Médico-Literária Paulista inscreveram-se previamente 18 autores

além de acompanhantes, totalizando 27 participantes. Neste livro encontram-se em suas 110páginas, 27 textos em versos e 34 em prosas. Os participantes deste evento tiveram a

oportunidade ímpar de escutar diretamente dos autores, de viva voz, a apresentação de seustrabalhos e prelibar seus conteúdos, além de fazerem perguntas

ou comentários que julgassem necessários.Para aqueles que não tiveram a prazerosa oportunidade de participar desta jornada,

estes Anais registram mais um empreendimento da nossa querida Sobrames paulista. Porfim, mas não menos importante, torna-se oportuno consignar nossos calorosos

agradecimentos aos diletos confrades Josyanne Rita de Arruda Franco e Marcos GimenesSalun, que, de forma amistosa e carinhosa, não mediram esforços ao longo de nove meses

de trabalho, para que tudo pudesse ser feito da melhor forma possível.Eis aqui o supra-sumo sobriamente exornado da IX Jornada Médico-Literária

Paulista, onde, em suas linhas se depreende o talento dos escritores e, nas entrelinhas, seencontra tacitamente um singelo testemunho das virtudes de seus organizadores.

Helio BegliominiPresidente de Sobrames – SP (2007-2008).

AprAprAprAprApresentaçãoesentaçãoesentaçãoesentaçãoesentação

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A Sociedade Brasileira de Médicos Escritores, Regional do Estado de São Paulo,foi fundada em 16 de setembro de 1988 e congrega mais de cem membrostitulares, acadêmicos, colaboradores, eméritos, honorários e beneméritos.

Basicamente a sociedade é constituída por médicos escritormédicos escritormédicos escritormédicos escritormédicos escritoreseseseses de literaturaNÃO-CIENTÍFICA, além de escritores de outras formações profissionais

(advogados, engenheiros, jornalistas, dentistas, arquitetos, etc..).

PPPPPizzas Literáriasizzas Literáriasizzas Literáriasizzas Literáriasizzas LiteráriasEm 1989 surgiu a idéia de se reunir os colegas ao redor de uma mesa de pizza,

como acontecera por ocasião da fundação da entidade. A reunião mensal tornou-seuma tradição e foi intitulada “Pizza Literária”. Desde então é realizada em uma

pizzaria de São Paulo, com uma freqüência que costuma beirar trinta pessoas. Nesta,além de se saborear uma deliciosa pizza, tomar um chope e bater papo com os

amigos, tem-se a oportunidade de ouvir os trabalhos dos colegas e também apresentaros seus. Tem-se, também, a possibilidade de encontrar colegas de outras

especialidades e formados nas mais diversas faculdades, além de sócios não médicosdas mais variadas profissões. Todos com uma paixão em comum: a literatura. Asreuniões de 2007 têm acontecido na terceira quinta-feira de cada mês, na pizzaria

BONDE PAULISTA, na Rua Oscar Freire, 1597 – à partir de 19h30.

Jornadas e CongrJornadas e CongrJornadas e CongrJornadas e CongrJornadas e CongressosessosessosessosessosA cada dois anos a Regional de São Paulo promove uma Jornada Médico-literária.

Estas já se realizaram em diversas cidades do interior paulista:JundiaíJundiaíJundiaíJundiaíJundiaí – de 27 a 29 de setembro de 1991

Bragança PBragança PBragança PBragança PBragança Paulistaaulistaaulistaaulistaaulista – de 28 a 30 de maio de 1993SantosSantosSantosSantosSantos – de 24 a 26 de novembro de 1995

Campos do JorCampos do JorCampos do JorCampos do JorCampos do Jordãodãodãodãodão – de 28 a 30 de agosto de 1997Águas de São PÁguas de São PÁguas de São PÁguas de São PÁguas de São Pedredredredredrooooo – de 16 a 19 de setembro de 1999

Botucatu Botucatu Botucatu Botucatu Botucatu – de 27 a 30 de setembro de 2001Campos do JorCampos do JorCampos do JorCampos do JorCampos do Jordãodãodãodãodão – de 25 a 28 de setembro de 2003

SerSerSerSerSerra Negrara Negrara Negrara Negrara Negra - de 22 a 25 de setembro de 2005.Nos anos pares é realizado um Congresso Nacional da SOBRAMES. Em 1994 e

1998, este ocorreu em São Paulo, organizado por nossa regional. O XXI CongressoBrasileiro aconteceu de 20 a 23 de abril de 2006, na cidade de Maceió – AL.

A cidade de Fortaleza sediará o próximo congresso, em 2008.

Sociedade BrasileiraSociedade BrasileiraSociedade BrasileiraSociedade BrasileiraSociedade Brasileirade Médicos Escritorde Médicos Escritorde Médicos Escritorde Médicos Escritorde Médicos Escritoreseseseses

Regional do Estado de São Paulo

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Eventos internacionaisEventos internacionaisEventos internacionaisEventos internacionaisEventos internacionaisAlém da existência de regionais da SOBRAMES na maioria dos estados

brasileiros, seus membros também participam em algumas associações em outrospaíses, como é o caso da LISAME - Liga Sul Americana de Médicos Escritores,

com sede em Buenos Aires – Argentina; UMEM – União Mundial de EscritoresMédicos, com sede em Lisboa – Portugal, cujo congresso se realizou em Viana de

Castelo - Portugal, de 27 de setembro a 3 de outubro de 2004, contando comrepresentação da SOBRAMES paulista; UMEAL – União de Médicos Escritores e

Artistas de Língua Lusófona, com sede em Lisboa – Portugal, dentre outras.

PublicaçõesPublicaçõesPublicaçõesPublicaçõesPublicaçõesJornal Jornal Jornal Jornal Jornal - Desde 1992 a SOBRAMES-SP publica o informativo mensal “O

Bandeirante” que é distribuído aos membros da regional paulista, diversosconfrades de outras regionais, além de entidades culturais no Brasil e no exterior.

Por vários anos publicou o suplemento literário, as “Páginas Sobrâmicas”, trazendotextos literários dos membros da Regional de São Paulo. À partir de 2001 a

publicação ganhou o título de “Suplemento Literário”, e continua sendopublicado mensalmente, como encarte do jornal “O Bandeirante”.

Desde janeiro de 2007 o jornal “O Bandeirante” passou a ser distribuído pelainternet, para mais de 1000 destinatários no Brasil e no Exterior.

Coletâneas Coletâneas Coletâneas Coletâneas Coletâneas - A Sociedade já editou nove coletâneas com trabalhos dos membros:“Por um Lugar ao Sol” (1990)

“A Pizza Literária” (1993) “A Pizza Literária - segunda fornada” (1995)

“Criação” (1996) “A Pizza Literária - quinta fornada” (1998)

“A Pizza Literária - sexta fornada” (2000) “A Pizza Literária – sétima fornada” (2002)“A Pizza Literária – oitava fornada” (2004)“A Pizza Literária – nona fornada” (2006).

AntologiasAntologiasAntologiasAntologiasAntologias - Em 1999, editou-se a “I Antologia Paulista”, contendo todos ostrabalhos das “Páginas Sobrâmicas” nos seus dois primeiros anos de publicação

(abril 1997 a março de 1999). Em 2000 foi publicada a II Antologia Paulista, destavez com trabalhos inéditos dos sócios. A série de antologias continuou e já contacom cinco volumes, tendo os demais sido publicados em 2001, 2003 e 2005. Em

setembro de 2007 está sendo lançada a VI Antologia Paulista.

Concursos literáriosConcursos literáriosConcursos literáriosConcursos literáriosConcursos literáriosEm 1997, foi instituído o concurso para A Melhor Poesia do Ano, Prêmio

“Bernardo de Oliveira Martins” e, a partir de 1999, o concurso para A MelhorProsa do Ano, Prêmio “Flerts Nebó”, dos quais participam todos os membros daSOBRAMES-SP que apresentam seu textos nas Pizzas Literárias. Estes certames

visam dar estímulo à criatividade dos autores membros da SOBRAMES, tendo emvista a característica meramente diletante de seus participantes. Trimestralmente

acontece um desafio literário intitulado SUPERPIZZA, onde os escritores sãoconvidados a produzir um texto em prosa ou verso sobre um tema sugerido.Em janeiro de 2007 foram introduzidos dois novos concursos que têm como

objetivo incentivar os integrantes da sociedade a participar de suas atividades.Trata-se do “Prêmio Rodolpho Civile”, de Assiduidade

e o “Prêmio Aldo Mileto” de Melhor Desempenho.

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DirDirDirDirDiretoriaetoriaetoriaetoriaetoriaA cada dois anos a Sociedade Brasileira de Médicos Escritores, regional do

Estado de São Paulo elege em assembléia uma nova diretoria.Na atual gestão (biênio 2006/2007) a diretoria está assim composta:

PPPPPrrrrresidente: esidente: esidente: esidente: esidente: Helio Begliomini;VVVVVice-price-price-price-price-presidente: esidente: esidente: esidente: esidente: Josyanne Rita de Arruda Franco;

PPPPPrimeirrimeirrimeirrimeirrimeiro-secro-secro-secro-secro-secretário: etário: etário: etário: etário: Maria do Céu Coutinho Louzã;Segundo-secrSegundo-secrSegundo-secrSegundo-secrSegundo-secretário: etário: etário: etário: etário: Evanir da Silva Carvalho;PPPPPrimeirrimeirrimeirrimeirrimeiro-tesouro-tesouro-tesouro-tesouro-tesoureireireireireiro: o: o: o: o: Marcos Gimenes Salun;Segundo-tesourSegundo-tesourSegundo-tesourSegundo-tesourSegundo-tesoureireireireireiro: o: o: o: o: Lígia Terezinha Pezzuto;

Conselho FConselho FConselho FConselho FConselho Fiscal Efetivos: iscal Efetivos: iscal Efetivos: iscal Efetivos: iscal Efetivos: Flerts Nebó, Arary da Cruz Tiriba, Luiz Jorge Ferreira;Conselho FConselho FConselho FConselho FConselho Fiscal Suplentes: iscal Suplentes: iscal Suplentes: iscal Suplentes: iscal Suplentes: Carlos Augusto Ferreira Galvão, Geováh Paulo da Cruz,

Helmut Adolpho Mataré.

Como participarComo participarComo participarComo participarComo participarPodem tornar-se membros da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores todos os

médicos, de qualquer especialidade, e todos os acadêmicos de medicina, em qualquer anodo curso, mediante simples solicitação de sua inscrição, e bastando que sejam também

escritores de literatura NÃO-CIENTÍFICA, em qualquer gênero literário (romance,crônica, conto, poesia, ensaios, etc.). Também podem tornar-se membros da

SOBRAMES-SP os ESCRITORES de qualquer outra formação profissional, apresentadospor outros membros da sociedade. A solicitação será aprovada mediante análise da

diretoria e existência de quorum na forma de seu estatuto. Os membros contribuemfinanceiramente com uma anuidade de pequeno valor. Os custos de algumas atividades

da SOBRAMES-SP são pagos pelos participantes, como por exemplo,despesas de hospedagem em congressos e jornadas e despesas de consumo nas

reuniões denominadas Pizzas Literárias.

Associe-seAssocie-seAssocie-seAssocie-seAssocie-sePara obter outras informações sobre a SOBRAMES-SP ou para tornar-se membro,

envie correspondência para e-mail [email protected]@[email protected]@[email protected] correio você poderá obter ficha de inscrição escrevendo para:

Sociedade Brasileira de Médicos EscritoresAv.Prof.Sylla Mattos, 652 - apto. 12Jardim Santa Cruz - São Paulo - SP

CEP 04182-010

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IndiceIndiceIndiceIndiceIndice

Evanil PEvanil PEvanil PEvanil PEvanil Piririririres de Camposes de Camposes de Camposes de Camposes de CamposMistérios da Alma

Observações sobre o impressionismo

2727272727

Guaracy LourGuaracy LourGuaracy LourGuaracy LourGuaracy Lourenço da Costaenço da Costaenço da Costaenço da Costaenço da CostaEu receitei um desmaio

O Direito apregoa: a Vida é o Bem MaiorO início da vida do Ser Humano

Relato verdadeiro: minha viagem no tempo

4343434343

Helio BegliominiHelio BegliominiHelio BegliominiHelio BegliominiHelio BegliominiDignidade, Ética e manipulação da Vida Humana

Misamply e LolobayQuimeras do tempo

Transcurso

4949494949

Geováh PGeováh PGeováh PGeováh PGeováh Paulo Da Cruzaulo Da Cruzaulo Da Cruzaulo Da Cruzaulo Da CruzA nanopoesiaAssombração

No meu tempo é que era bomPentafonia em Rô

3535353535

Carlos Augusto FCarlos Augusto FCarlos Augusto FCarlos Augusto FCarlos Augusto Ferererererrrrrreira Galvãoeira Galvãoeira Galvãoeira Galvãoeira GalvãoA bondade universal

O argentino pitateado

2323232323

Flerts NebóFlerts NebóFlerts NebóFlerts NebóFlerts NebóCiúmesO conto

Os folgadosSó

3030303030

José Carlos SerufoJosé Carlos SerufoJosé Carlos SerufoJosé Carlos SerufoJosé Carlos SerufoAo final, Criador... És?

Do laringo, ambu e assemelhados.Reflexões a partir de um suicidado

5656565656

Aida Lúcia Pullin DalAida Lúcia Pullin DalAida Lúcia Pullin DalAida Lúcia Pullin DalAida Lúcia Pullin DalSasso BegliominiSasso BegliominiSasso BegliominiSasso BegliominiSasso Begliomini

O jantarO piano

O tempoOração a Deus Pai

1313131313

Alcione Alcântara GonçalvesAlcione Alcântara GonçalvesAlcione Alcântara GonçalvesAlcione Alcântara GonçalvesAlcione Alcântara GonçalvesSíndico do AmorLouvação à Bahia

EsperançaElucubrações sobre a natureza divinal

1818181818

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MarMarMarMarMarcos Gimenes Saluncos Gimenes Saluncos Gimenes Saluncos Gimenes Saluncos Gimenes SalunCada coisa em seu lugar

Novo diaPara uma palavra qualquer

Quinze poetrix

8282828282

Nelson JacinthoNelson JacinthoNelson JacinthoNelson JacinthoNelson JacinthoA alma do poetaErro de cálculo

O médico na feiraQue saudade

9595959595

RRRRRodolpho Civileodolpho Civileodolpho Civileodolpho Civileodolpho CivileO milagre brasileiroO Otelo do Bexiga

101101101101101

Zilda CormackZilda CormackZilda CormackZilda CormackZilda CormackArestas

Costumes modernosEspirradeira

O perú de Natal

105105105105105

LLLLLuiz Joruiz Joruiz Joruiz Joruiz Jorge Fge Fge Fge Fge FerererererrrrrreiraeiraeiraeiraeiraÁgua lavada

FlapFlip

Super-homem

7272727272

Josyanne Rita de ArJosyanne Rita de ArJosyanne Rita de ArJosyanne Rita de ArJosyanne Rita de Arruda Fruda Fruda Fruda Fruda FrancorancorancorancorancoAlameda dos ciprestes

Dormindo sob o arco-írisFantasia

Tercetos para Bilac

6666666666

Maria do Céu Coutinho LouzãMaria do Céu Coutinho LouzãMaria do Céu Coutinho LouzãMaria do Céu Coutinho LouzãMaria do Céu Coutinho LouzãO jardineiro e a paineira

Solidão

9090909090

Manlio Mario MarManlio Mario MarManlio Mario MarManlio Mario MarManlio Mario Marco Napolico Napolico Napolico Napolico NapoliDiagnósticos e prognósticos

Prodígios dos pés da bailarina

7878787878

José RJosé RJosé RJosé RJosé Rodrigues Louzãodrigues Louzãodrigues Louzãodrigues Louzãodrigues LouzãAlvorecer

JundiaíOs meus quadros

Um barulho estranho

6060606060

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IX JornadaIX JornadaIX JornadaIX JornadaIX JornadaMédico-literária PMédico-literária PMédico-literária PMédico-literária PMédico-literária Paulistaaulistaaulistaaulistaaulista

Obras LiteráriasObras LiteráriasObras LiteráriasObras LiteráriasObras Literárias

Bem-vindos!Bem-vindos!Bem-vindos!Bem-vindos!Bem-vindos!Josyanne Rita de ArJosyanne Rita de ArJosyanne Rita de ArJosyanne Rita de ArJosyanne Rita de Arruda Fruda Fruda Fruda Fruda Francorancorancorancoranco

Que bom é estarmos juntosTornando inesquecíveis nossas lembranças

Enchendo o ar de risosE as mãos atadas com a esperança.

É tempo de sermos bem mais que amigosEm torno à mesa, paz e bonança.Na prosa e verso dizendo belezaNa confraria que é nossa aliança.A primavera há pouco chegouDerramando flores aqui e ali

Trazendo ternura em letra e arteAos pés desta serra, em Jundiaí.

Que todos os dias nos sejam perfumeE cada noite nos seja estrelada,Luzindo a lua e os vaga-lumes

Na alegria da IX Jornada.

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Aida Lúcia PullinAida Lúcia PullinAida Lúcia PullinAida Lúcia PullinAida Lúcia PullinDal Sasso BegliominiDal Sasso BegliominiDal Sasso BegliominiDal Sasso BegliominiDal Sasso Begliomini

EngenheiraSão Paulo - SP

O jantarO jantarO jantarO jantarO jantarNo ar uma mistura de madeira queimada e uma leve essência de canela e

cravo. O aconchego do interior contrastava com a noite fria e escura vista através davidraça. O vinho pela metade em taças enormes estava sendo degustado de formaque durasse o suficiente para eternizar aqueles momentos.

A conversa fluía com tanta facilidade, fruto de uma intimidade adquirida aolongo dos anos de convivência. Viagens inesquecíveis eram relembradas, momentosfamiliares importantes eram comentados, os amigos eram enumerados.

A comida fora só um detalhe a mais. Pasta al dente escondida numa enormesalsa de camarões, vôngoles, tomatinhos pouco apurados, partidos ao meio e salpicadapor pedacinhos de alhos  bem crocantes, em vez de queijo ralado umas boas colheradasde salsinha picada.

Ao fundo, suavemente não querendo incomodar uma seleção de bossa novacomo que cantada ao pé do ouvido.

O olhar de um encontrava o do outro e uma química perfeita os envolvia,pequenas delicadezas eram trocadas enquanto que o roçar das mãos, em umademonstração clara de carinho produziam sensações conhecidas e aqueciam maisainda aquela sala já quente pelo calor da lareira.

O riso rolava solto, principalmente após as taças de vinho. Estavam apaixonadose tudo naquele momento levava a aflorar ainda mais esse sentimento.

O chocolate quente derretido do petit  gateau contrastava com o gelado dosorvete de creme acompanhado de grandes morangos vermelhos, produzindo umasensação gustativa fantástica.

Para finalizar um pequeno cálice de Amarula.  O café expresso e a conta.Prepararam-se para sair  recolhendo e colocando os casacos esquecidos na

cadeira ao lado.Abraçados, aconchegados, saciados e felizes se foram.

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O pianoO pianoO pianoO pianoO pianoExistem objetos na vida das pessoas que não valem somente o quanto pesam.

Quem tem um piano, sabe exatamente o que estou falando.Desde que me conheço por gente, e olha que já posso contabilizar algumas boas

décadas, o piano de tonalidade escura, quase negra, bem polido, austero, envoltonuma certa áurea de tradição sempre esteve presente num canto nobre da sala  denossa casa.

Ele fora adquirido anos antes por minha mãe com muito sacrifício, tão logo elase formou em engenharia e conseguiu seu primeiro emprego como professora daEscola Politécnica.  Ainda criança, ao redor dos cinco anos fui introduzida no universoda musica, sendo alfabetizada nessa área por uma professora que morava algumascasas abaixo da nossa.  Lá ia eu pequenina, aprender a tocar as teclas desse instrumentotão maravilhoso. Dessa  época me recordo muito bem de ter conseguido aprender o“Peixe vivo”, canção popular, que muitos anos após vim, a saber, ser uma das preferidasde Juscelino Kubitchek.  Minha mãe tocava piano muito bem e algumas vezespedíamos  algumas músicas que no nosso universo infantil eram as mais apreciadas.Uma que recordo ser a nossa preferida era a que tinha uma arvore de natal na capada partitura. Só que  queríamos que ela  tocasse a capa e não a partitura.

O piano também era associado a alguns momentos doces, como quando sentadapraticando alguns exercícios, escutava a buzina do carro de meu pai e sabia que tinhavoltado do mercado e com certeza traria o chocolate “Diamante Negro” que eu tantogostava.

Um pouquinho maior fui ter aulas de piano no colégio das freiras  onde curseio primário  e era semi-interna. Ate hoje não entendo por que as minhas outras irmãstambém não foram introduzidas ao estudo da musica. Nessa fase, alem das aulaspráticas, tinha aulas de solfejo  que eu executava, sem entender exatamente porqueera necessário ficar levantando e abaixando a mão ao ritmo de um compassofinalizando com um suave toque na mesa.

Era comum no colégio  as apresentações musicais para os familiares. Começavacom uma  bandinha que eu e minhas irmãs menores participávamos, ora tocando,reco-reco, ora triangulo, ou outro instrumento que emitisse algum som diferente.Nunca me esqueço que minha mãe nos levava ao cabeleireiro e fazíamos uns penteadosestranhos, altos e cheios de laquê.  O ponto alto porem eram as apresentações depiano. Na hora em que eu tocava o piano, alem da ansiedade e medo de errar umatecla, havia aquela emoção forte de estar conseguindo extrair através dos dedos nasteclas duras do piano, sons melodiosos e harmônicos. 

Um pouco depois durante a época do ginásio, ainda tive algumas professorasde piano que vinham em casa dar aulas. Mas naquela fase os interesses eram outros eeu fui aos poucos perdendo a motivação, em parte pela rebeldia típica dos adolescentese também por que fui percebendo que  só conseguia tocar músicas com partituras nafrente. Na verdade o que eu mais queria era sentar no piano e tocar as músicas

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populares da época. Em geral as partituras eram defasadas anos em relação às músicasque eu queria tocar e eu percebi que não conseguia tirá-las de ouvido. Tocava asclássicas, mas sem me dar conta, fui me afastando do piano ate chegar um tempo emque parei de tocar.

O piano continuava no canto da sala. Triste, pois a exceção de minha mãeninguém se interessava por ele. Após uma longa reforma na casa, ele foi transferidopara um salão e dominava com a sua austeridade o ambiente informal e semprecheio de jovens que vinham para os nossos bailes e festas.

Anos se passaram, os filhos saíram de casa, a família aumentou com a vinda dosnovos filhos, netos, tantos móveis trocados, sofás reestofados e ele lá.

Engraçado como ele se incorporou no espírito da família, apesar da falta decultura musical da nova geração.

Minha mãe a questão de alguns anos teve que se mudar para um apartamento.Surgiu o dilema, o que fazer com o piano?  Ela não mais tocava, devido ao estadoavançado de sua doença. Minhas irmãs e irmão também não. Mas, tal qual um membroda família, ele não podia ser desprezado e muito menos entregue a alguém que nãolhe desse o devido valor.

Movida por um sentimento forte, quem sabe saudosismo da infância, lembrançasde momentos felizes vividos junto aos meus pais, avó e irmãos  e que deixaramum doce gosto de saudade levei o piano para casa. Coloquei o também num pontonobre da sala e quando o olho, não posso deixar de admirá-lo por tudo que ele jápresenciou e viveu no seio de nossa família.

Não me considero a dona dele, mas sim a guardiã de uma relíquia de família,que espero algum dia seja levada por alguns dos netos ou quem sabe bisnetos quevenham se identificar com a música.

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O tempoO tempoO tempoO tempoO tempoDo tempo se colhe o ontem, o hoje e o amanhã.O ontem é uma caixa fechada,Cuja chave no tempo se perdeuNela os caminhos foram traçados,Reflexos de ações, reações e soluções.Restando ao finalSimples lembranças de algo vivido,Ou o que é pior, deixado de viver.O hoje é o realÈ o que efetivamente vivemos,Para alguns é tão efêmero,Para outros uma verdadeira eternidade,Pode ser o início de tudo, o nascimento.Ou o final derradeiro, a morte.È o resultado dos atos do ontem,Combinado com o que realizamos no agora.Serão usados no amanhãO futuro é arrojado,Dele tudo se espera,É nele que colocamos as mais altas expectativasÈ nele que confiamos nossos sonhosÈ para ele que rezamos todos os dias.È dele que esperamos a felicidadePassado, presente, futuro.Três palavras simples,Porém carregam com a força do seu sentidoA essência da vida

Page 15: Anais   IX Jornada - 2007

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Oração a Deus POração a Deus POração a Deus POração a Deus POração a Deus PaiaiaiaiaiDeus pai,Deus pai,Deus pai,Deus pai,Deus pai,Por esse mundo tão conturbado,Onde valores são ameaçados,O bem e o mal são sinônimosA humanidade ainda não percebeuQue irmãos todos somos,Dai-nos a vossa pazDai-nos a vossa pazDai-nos a vossa pazDai-nos a vossa pazDai-nos a vossa paz

Por este país,Tão cheio de contrastesRico por natureza, pobre por opção,Onde criancinhas são abandonadas,Seviciadas, desnutridas e mal amadas.PPPPPerererererdoai-nos por nossa omissãodoai-nos por nossa omissãodoai-nos por nossa omissãodoai-nos por nossa omissãodoai-nos por nossa omissão

Por esta cidade, metrópole do mundo,Capital da solidão embora fervilhante de genteOnde se vive com medo,Carros blindados, vidros cerradosRRRRRogai por nósogai por nósogai por nósogai por nósogai por nós

Por este bairro,Favela de um lado, mansão do outro,Jovens perdidos, drogados, em ambos os lados.Reflexos de uma sociedade desestruturadaPPPPPrrrrrotejei-nos do malotejei-nos do malotejei-nos do malotejei-nos do malotejei-nos do mal

Por esta rua,Pessoas ausentes, desconhecidas.Muros altos, grades nas janelas,Pseudo-segurança em guaritas precáriasTTTTTende piedade de nósende piedade de nósende piedade de nósende piedade de nósende piedade de nós

Por esta família,Gerada com amor,Alimentada na fé,Educada na esperança de um mundo melhor,Abençoai-nos com vossa graçaAbençoai-nos com vossa graçaAbençoai-nos com vossa graçaAbençoai-nos com vossa graçaAbençoai-nos com vossa graça

AmémAmémAmémAmémAmém

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Alcione de AlcântaraAlcione de AlcântaraAlcione de AlcântaraAlcione de AlcântaraAlcione de AlcântaraGonçalvesGonçalvesGonçalvesGonçalvesGonçalvesMédico psiquiatra

Tupã - SP

Elucubrações sobre a natureza divinalSabemos transpor montanhas mas não sabemos fazer impostores. É necessário

ser muito preciso, técnico e verossímil para poder enganar a todos. Só a precisão doprofissional pode levar a uma construção perfeita. A peça precisa ser burilada comperfeição pelo seu arquiteto, para que suas formas e sua concepção, possam ganharcontornos nítidos, e sua formosura depende, justamente, da junção de todos osdetalhes para que haja uma beleza harmônica, com leveza, singeleza e preciosismo.Não se sabe se deva ou não ajuntar algo estranho, para que esta introdução possa virsomar ao conjunto e acrescentar-lhe um tom exótico e ornamental. Da mesma formaque LÚCIO COSTLÚCIO COSTLÚCIO COSTLÚCIO COSTLÚCIO COSTA e OSCAR NIEMEYERA e OSCAR NIEMEYERA e OSCAR NIEMEYERA e OSCAR NIEMEYERA e OSCAR NIEMEYER se juntaram para arquitetar o PlanoPiloto de BRABRABRABRABRASÍLIASÍLIASÍLIASÍLIASÍLIA, muitos mestres se associam para dar mais perfeição aos seusprojetos arquitetônicos. Não se sabe o modo como eles pressentem, mas, sempreexiste a possibilidade deles estarem sob a influência de uma percepção, palpite oupresságio. Assim é que em determinadas obras, observam-se traços e características,que destoam dos traços típicos, daquele que está gerenciando o projeto, e não se sabedar uma explicação plausível. Todos ficam estupefatos com certos detalhes, e aexplicação sempre será a de que uma intuição divina e espiritual atuou, dando aqueletoque especial ao projeto, modificando-o e, na maior parte das vezes, dá um toque desingeleza e o faz destacar. Assim ficam marcadas certas obras, e, até mesmo nas fasesde execução, algo acontece que modifica o projeto original, parecendo um fato doacaso, mas este “““““ACAACAACAACAACASO”SO”SO”SO”SO” foi proposital, justamente para chamar a atenção dosincrédulos, tentando mostrar-lhes que a mão do ONIPOTENTEONIPOTENTEONIPOTENTEONIPOTENTEONIPOTENTE atua, quando menosse espera.

Não penses que foi um simples acidente de decurso ou no percurso, mas o vejacomo um fato modificador, algo que veio para dar um TOM DE DESTTOM DE DESTTOM DE DESTTOM DE DESTTOM DE DESTAQUEAQUEAQUEAQUEAQUE epara ficar. Percebam que, sempre que isto acontecer, vai ficar uma MARCAMARCAMARCAMARCAMARCA, querqueira ou não, pois alguém vai sempre se lembrar, que esta modificação não estavaprevista no projeto original. É a marca da espiritualidade, é o dom da mediunidade,da sensibilização de todos aqueles que estão envolvidos na obra e que de um modo oude outro, vão contribuir para que algo ocorra.

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Tenha a certeza que: NADA ACONTECE AO ACA NADA ACONTECE AO ACA NADA ACONTECE AO ACA NADA ACONTECE AO ACA NADA ACONTECE AO ACASOSOSOSOSO. Haverá sempre amão de algo invisível, dirigindo os fatos que vão surgir, com uma precisão milimétrica.É por isso que , muitas vezes, a modificação sai melhor do que aquilo que foi projetado,e o construtor, não se dá conta desta ingerência dos planos espirituais, vindo lhestrazer ajuda, melhorando o seu projeto ou, às vezes, buscando deixar um indício, deque o ARQUITETO DO UNIVERSOARQUITETO DO UNIVERSOARQUITETO DO UNIVERSOARQUITETO DO UNIVERSOARQUITETO DO UNIVERSO,,,,, quer deixar suas marcas, para aqueles quesabem detectar, que sabem distinguir, sabem ver e acreditam no fato presenciado.Lembrem-se de TOMÉTOMÉTOMÉTOMÉTOMÉ! que mesmo integrando um grupo seleto e pequeno deseguidores do CRISTOCRISTOCRISTOCRISTOCRISTO, não acreditou no que lhe disseram, sendo necessário a vindado MESTREMESTREMESTREMESTREMESTRE, para que ele constatasse a veracidade do fato. É por isto que, para osseres humanos acreditarem, a espiritualidade amiga, deixa esses indícios, pois sabeque o homem, revestido pela matéria, fica apegado a ela e a ela dá muito valor, àsvezes até um valor sobre humano, buscando atribuir principios que não sãoverdadeiros, mas que justificam suas intenções, no sentido de explicar aquilo quequerem provar. Sempre isto ocorre: Todo aquele que quer demonstrar suas idéias,busca qualquer meio, lícito ou ilícito, para explica-las e, assim, tentam convencer osincrédulos ou a todos, de uma maneira até enganosa, falsa, irreverente esensacionalística. Não se sabe por que isto ocorre, mas, o que eles querem é serconvicentes e, para tal, usam sofismas de uma forma eufemística para explicar estesacontecimentos. Muitas vezes, o materialista é tocado por mãos divinas, para destoarpropositalmente e, assim, acordar aqueles que descuidaram de suas obrigações eadormeceram, esquecendo de sua verdadeira missão; missão de investir e processaraquilo que veio fazer, aquilo que precisa executar e transmitir como um exemplovivo, modificando o MEIOMEIOMEIOMEIOMEIO e transformando as MENTESMENTESMENTESMENTESMENTES, preparando-as para opróximo milênio.

Assim atuam os nossos “INDUTORES”“INDUTORES”“INDUTORES”“INDUTORES”“INDUTORES”, na busca incessante de tocar osincautos, transmitindo e induzindo-os a fazer o que não gostariam de fazer e, assim,vai modificando, pouco a pouco, a geografia do conhecimento e a anatomia do saber.Quanto mais pensamos mais extravasamos os nossos conhecimentos. É como umaenorme caixa d’água que precisa de uma vazão cada vez maior, para poder jorrar seuprecioso líquido, que vai fecundar milhares de pomares, onde o botão precisa florescer,desabrochar e onde a mão divina se socorre de uma pequenina abelha, que vai polinizá-las, trazendo desta forma, belissimos exemplares que vão deixar boquiaberto todosaqueles que jamais percebem essa influência divina. Sempre é assim, os que nãocrêem, explicam estes fatos como um fato natural e corriqueiro. Mas, é a mão divinaque orienta, que dirige e arremata tudo o que vemos, tudo o que sentimos e tudo oque presenciamos. Sejamos simplesmente observadores e veremos que a sublimidadeda NANANANANATUREZATUREZATUREZATUREZATUREZA é algo DIVINAL.DIVINAL.DIVINAL.DIVINAL.DIVINAL.

Tupã, 16 de Março de 1.997

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EsperançaEsperança é a última que morre!Desilusão é a primeira que chega,Para destruir nossos belos anseios.Enquanto a primeira nos anima,A segunda nos deprime e subestima.

A desilusão da esperança, neste mundo cão,Que sufoca os desejos do homem em questão,Deve ser combatida com firmeza e ação,Com a esperança, que a desilusão, tropece e fique no chãoDeixando a esperança realizar seu desejo e ilusão.

Esperança é o verde clorofilado das folhas,Que transforma a energia solar na fotossíntese,Na troca bionica, de gazes oxigenados e carbonados,Proporcionando a homeostase oxigenadora da natureza,Assegurando ao homem o oxigênio, como elemento vital!

A desilusão, é o amarelo das folhas no outono,Que ao perder a vitalidade, perde o verde da esperança,Amarelando e estiolando, vão caindo no chão,Proporcionando ao solo, proteção dos raios solares;Assegurando ao homem, solo fértil e a Esperança daTransformação.

Tupã, 18/10/2003 (09:30 às 09:55hs)

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Louvação à BahiaBahia dos meus amoresBahia dos meus louvoresBahia dos meus SantosBahia dos recantosBahia das festas de largosBahia dos meus OrixásBahia das baianas do GantoisBahia dos tabuleiros de AcarajésBahia das festas de YemanjáDe Oxalá, o Senhor do Bonfim!Bahia dos terreiros de CandombléLembranças de Senhora da FederaçãoE de Menininha do GantoisE um perfeito sincretismoEntre os Santos e Orixás.

Tupã, 28 de Setembro de 1.996

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O síndico do amor

Aromas! fragâncias de rosas! delicadezas do vôo do colibri! uma efusão deodores, sabores e pendores que enchem a infinitude da existência e procura no “ser”“ser”“ser”“ser”“ser”,o real sentido de viver! Tombados, caídos, caixões deixados ao léu, ao vento das curvasda vida, sublime sacrifício das tumbas dissolutas, ao longo do tempo, buscando oobjeto que preenche o espaço, deixado pelo vácuo da rápida e sofrida agonia. Otempo presente, nos mostra bem claro, que a roda da vida circula e não para. Quemfica esperando a caravana passar, acaba perdendo as oportunidades que a vida lhedá!. Levante amigo! Pegue a tua sina - e molde-a de modo que te aproximes dodiáfano véu que te separa das tuas verdadeiras virtudes,- impulsionadora do teuprogresso, da tua evolução e das tuas realizações neste plano existencial. Não teamedrontes, não afines, não receies diante das dificuldades da vida, pois, elas sãonecessárias para o burilamento do seu viver, como os dentes de uma engrenagem quese associam e se encaixam, numa perfeita harmonia, para dar prosseguimento aomovimento, produzindo uma força geratriz do progresso. Utilizes de tudo que estejaao teu alcance, desde uma pequenina e milimétrica peça, até uma gigantesca e pesadamáquina; tudo o que for necessário para se entrelaçar e formar uma corrente geradorade vida, geradora do AMORAMORAMORAMORAMOR, combustível indispensável da psiquê humana. Amorque deve ser administrado por nós mesmos, como um verdadeiro timoneiro, guiandosua locomotiva através da estrada da vida, em busca da PERFEIÇÃOPERFEIÇÃOPERFEIÇÃOPERFEIÇÃOPERFEIÇÃO, doABSOLABSOLABSOLABSOLABSOLUTOUTOUTOUTOUTO e da DIVINDADEDIVINDADEDIVINDADEDIVINDADEDIVINDADE, para doar-se num verdadeiro holocausto e seregozijando pelo simples fato de servir e defender os interesses do nosso próximo.Este é o mais SUBLIMESUBLIMESUBLIMESUBLIMESUBLIME e PURO AMORPURO AMORPURO AMORPURO AMORPURO AMOR!

Tupã, 15 de Abril de 1.997

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A Bondade UniversalA Bondade UniversalA Bondade UniversalA Bondade UniversalA Bondade UniversalNão se trata de carolice, proximidade com alguma religião ou exercer a prática

nefasta do maniqueísmo. Mas há certos ícones na humanidade que, de forma alguma,podem ser menosprezados.

Imaginem há dois mil anos, quando os homens, já sábios, eram regidos porreligiões de deuses temporais e passionais. Imaginem as sociedades que o monstrengodo politeísmo gerava, com suas incúrias , com suas insensibilidades sociais. Era costumeapedrejar nas ruas, até a morte, prostitutas ou adúlteras. Na metrópole dominante,as pessoas se reuniam em estádios, não para atividades lúdicas, e sim para veremhomens lutando até se matarem ou seres humanos serem devorados por feras; apiedade então era considerada fraqueza.

Mesmo a bíblia que era o instrumento que mais perto de Deus colocava oshomens, naquela época, foi contaminada pela mão do homem e então, junto comdádivas divinas como as tábuas dos 10 mandamentos e belas histórias como as deJosé, que depois salvaria os judeus dos 7 anos de vacas magras, vemos tambémindignidades como o incesto, quando filhas embriagavam o pai para dele conceberem,sem uma única linha de censura ou crítica a tal atitude, vemos também crueldadescomo a recomendação para que fossem assassinados os varões que cortassem a barba.

É neste contexto que surge Jesus Cristo, com a mais humanista das filosofias epropõe uma nova religião prometendo a ressurreição da carne e a vida eterna, ondeseriam recompensados os humildes, os sensíveis, os amantes da humanidade, ospiedosos, os justos, enfim todas as pessoas de boa vontade.

Há muito a arqueologia procura indícios da existência de Jesus Cristo. Há umúnico documento romano escrito em argila, que é uma carta dos poderosos deJerusalém, que cobravam providências contra um profeta de nome Jesus, que andavapelas estradas da Galiléia, dizendo-se filho de Deus, curando enfermos e ressuscitandomortos. Mesmo a existência de Pôncio Pilatos era posta em dúvida até há mais oumenos três décadas, quando arqueólogos franceses encontraram na região, uma pedra

Carlos AugustoCarlos AugustoCarlos AugustoCarlos AugustoCarlos AugustoFFFFFerererererrrrrreira Galvãoeira Galvãoeira Galvãoeira Galvãoeira Galvão

Médico psiquiatraSão Paulo - SP

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de inauguração de um templo que tinha o nome do tirano enviado a Jerusalém poruma sociedade dominante e já decadente, afogada pela lascívia, luxúria e corrupção.

De seus seguidores, ignorantes pescadores da Galiléia, há farta documentação,quando historiadores de vários países descrevem estes ex-ignorantes pregando a boa-nova em várias línguas. Vemos referências na história grega, egípcia, romana, etc.

No entanto, a maior prova da existência de Jesus Cristo é que a coleção depensamentos revolucionários e humanistas não pode ter surgido de um grupo;filosoficamente, é claro que apenas um único cérebro poderia ser responsável poraquele tesouro, que libertou a humanidade de religiões que adoravam bois,escaravelhos, belezas plásticas e que pregavam o ódio, o olho por olho, dente pordente, a crueldade.

Claro que seu legado foi também desvirtuado pela mão do homem e as religiõesque seguem seus ensinamentos, todas têm muita sujeira cometidas em Seu nome,varridas para debaixo dos tapetes da história, mas sem dúvida, a humanidade lucroumuito com seu pensamento.

O ateísssimo pensador Augusto Comte, no seu ensaio “A teoria das funções” abase do não menos ateu, positivismo, descreve a Bondade Universal como sendo oimpulso que estimula o homem para melhorar o meio onde vive para as próximasgerações, e sem querer nada em troca. É apenas uma das funções altruísticas docérebro que estavam embotadas nos homens antes d´Ele que em troca de sua bondaderecebeu apenas uma cruz.

Para mim que sou um seguidor, ele foi, é e será a própria bondade universalfeito carne, isto é, Deus. Embora muitos não acreditem, mas tomam parte em suamesa, pois podem criticá-lo, injuriá-lo, ridicularizá-lo sem risco de morrer na mão deterroristas religiosos.

Tenho certeza: o mundo seguirá temperado na piedade e solidariedade cristã emeu Mestre, a seus desafetos, continuará eternamente oferecendo a outra face.

São Paulo, 16.08.07.

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O arO arO arO arO argentino pirateadogentino pirateadogentino pirateadogentino pirateadogentino pirateado

Castanhal, então uma pequena cidade próxima de Belém do Pará, foi a cidadeonde tive o privilégio de passar a minha infância; tínhamos todo o espaço do mundoe as ruas da cidade se confundiam com os quintais das casas. A maior diversão dacidade era o Cine Argus, onde, nas matinês de domingo, a molecada se reunia paraver “Roy Rogers”, Zorro, Superman e outros. Mas, esta rotina era quebrada quandovisitava a cidade pequenos circos com seus palhaços, a pantomima, os malabaristas...

Aquele era um circo muito pobre que sequer tinha lona de cobertura, apenas aque circundava o espaço das arquibancadas e do pequeno picadeiro, mas seuapresentador tinha sotaque castelhano pois era argentino de Córdoba, coisa que, voltae meia, repetia com orgulho. Galhardo, como dizia se chamar, era um homem muitoelegante, usava sempre uma calça de tropical “risca de giz”, com suspensórios queevidenciava um pouco a sua visível, mas não muito protuberante barriga. Seu cabelo,cintilante de brilhantina, parecia não ter um único fio fora do lugar e fazia dueto comseu distintíssimo bigode. Enfim uma figura Argentina com sua elegância e glamourem que os “hermanitos” platinos são mestres. Lolita, a mulher de Galhardo era umaargentina de Buenos Aires, já quarentona, mas ainda belíssima, com seus olhos azuise sua pele que parecia pétalas de flores; era ela que se apresentava com dois cavalos,que eram os únicos animais da troupe além de alguns cachorros que pulavam círculosde fogo, estas coisas. Naquela época, circo que valia a pena tinha de ter apresentadorcom sotaque castelhano.

Durante o dia, a molecada se reunia para ver a faina daquele pessoal, quemoravam em carroças, todas pintadas com cores aberrantes. Galhardo, junto comsua linda mulher, sentavam-se na frente da carroça onde moravam, a que ostentavamelhor qualidade, e lá, rodeado pela molecada, parecia sentir prazer em contar os“causos” argentinos para nós e fazer comparações entre aquele país e o Brasil, sempreem detrimento de nossa pátria, mas ouvíamos embevecidos e maravilhados com osotaque elegante da língua de Cervantes. As vezes Galhardo se empolgava e dizia embom tom, que nada tinha no Brasil, que não tivesse algo melhor na Argentina. Nestesmomentos, Lolita, penalizada com nossa situação de vis moleques brasileiros, semprecondescendia debilmente não concordando com o marido e finalizava com algo assim:“Los cajuzes son unas delícias”

Naquela manhã, durante mais uma manhã de comparações latino americanas,notei que uma abelha teimava em passear naquela engomadíssima cabeleira, pegueium jornal dobrado e tentei afugentar o inseto, mas usei muita energia e , junto com aabelha, a cabeleira do Argentino voou longe, revelando aquela cabeça chata e careca.

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Galhardo levantou-se bruscamente e, com seu movimento, também despregou oelegantérrimo bigode, que caiu no colo de Lolita.

Galhardo ficou muito vermelho, pegou o chicotinho que Lolita usava em suasapresentações e saiu correndo atrás de nós xingando e ameaçando. O belo sotaqueargentino desapareceu e o que ouvíamos eram brasileiríssimos xingamentos, oumelhor, cearenses. Corríamos ouvindo: -”Venham cá filhos de uma moléstia”, -”Euarrebento vocês seus fio duma égua”, -”Me esperem seus cabras da peste” e por aí.

De noite, não tive coragem de ir ao espetáculo, mas, perto que estava, aindaouvi a abertura da apresentação com a vibrante voz de Galhardo, o mais argentinodos cearenses: -”Respetable público que abrilhanta nuestra noite...”

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Mistérios da Alma

A alma humana cheia de mistérios,E plena de sonhos se embevece.Avança, ora recua e ora recusa.No ciúme todo desejo até reluta

Acende e rejeita a ação mundana.No amar toda a volúpia consenteSensual no sexo, sonho se deleita.Desperta o desejo na alma retidoNo êxtase vive todo o ser criado.Delira crédulo no ato consumadoInebriado em precioso sexo findoQue reflete no olhar calma afável.Concebe no prazer, só cara afeição.Absorve a dócil e a pura sensação

Dissimula sua visível e terna reação.Na vida esboça sentir mui adorável.Procura ansioso uno e sincero idealDesvenda no olhar sua lúcida visãoRecria na reta e na pia imaginaçãoAfugenta a tola e fútil alucinação.

Dissuade ferina e fecunda intenção.Persuade a pura e a clara carência

Ao envolvê-la, só em criativa razão.Alma cordial repousa no conscienteE relata à inquieta e à aflita mente

Que o tortuoso trajeto da vida breveNela caminha no tempo iluminada.Mostrou que fértil quimera sonhadaSerá na vida, à vontade eternizada.

Evanil PEvanil PEvanil PEvanil PEvanil Piririririresesesesesde Camposde Camposde Camposde Camposde Campos

Médico infectologistaBotucatu - SP

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Observação sobre o impressionismo

Parnasiano em homenagem ao Monte Parnaso local de Apolo e das Musas: Sol,Beleza e Artes, Medicina. O seu filho, pai da Ciência Médica; Esculápio praticou,exerceu, curou e, inclusive, ressuscitou os mortos.

“Coletânea Poética” - refere-se aos expressivos escritores: Lamartine, V. Hugo,Flaubert (Madame Bovary) e Baudelaire (As flores do Mal) sendo que Lamartine,Leconte de Lisle, ex. (Claire de Lune), Musset e Gautier na poesia cultuaram a Artepela Arte.

No Brasil, Machado de Assis em Circulo Vicioso e, principalmente em Carolinaexaltou precioso e carinhoso soneto que enalteceu a nobreza emanada dos encantadoresversos alexandrinos dedicados à sua amada.

Além deles, também, cultivaram a língua escrita: Kant, (Critica da Razão Pura),Byron, (Poemas), Schelley, (Triunfo da Vida), Shelling e Goethe (Fausto) entre outros.

Nessa ocasião, a musica clássica ou a literatura revelava as principais modificaçõesem suas características: Mozart, em A Flauta Mágica, imaginou em seu devaneio, osduendes de Shakespeare e a filosofia do Bem e a Natureza que se locupletam na suaadmirável ópera; Beethoven inovou no piano e em seus harmoniosos e apolíneosacordes que enobreceram e enfatizam a quinta e a nona Sinfonias.

Tchaikovsky não se incluía no movimento que relato, mas me impressiona desdea infância pela delicadeza, pela beleza, pela mescla dos acordes que se enamoram nodevaneio místico, na expressão harmônica e maviosa, e nas suítes melodiosas quepreenchem as delicadas cordoalhas do coração e enaltecem no senso à sensível eenamorada alma humana.

A filosofia de Schopenhauer atingiu, profundamente, a alma de Nietszche e,ambos afetaram e influíram no pensamento de Wagner que, a partir dai criou sonsharmônicos múltiplos e variados aos utilizar os instrumentos, por exemplo; cordas,sopro, percussão em vibrante e vigoroso uníssono.

As Musicas como: Tristão e Isolda, As Valquírias, Tannhauser enobrecem efecundam o âmago da alma.

Esses eventuais estímulos incitaram e provocaram uma intensa e produtivareação, principalmente na criativa e revolucionaria França de Lamartine, Gauthier,Leconte de Lisle e V. Hugo.

Atualmente, os restos mortais de V. Hugo repousam no Pantheon. No dia dotranslado de seu corpo houve uma clamorosa e eufórica homenagem em Paris. Todasua produção discursou, dissertou e versou em representações literárias, teatrais pelasruas e praças durante o seu féretro ao berço do espírito e dos homens que exercitarama sabedoria.

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Na música, Debussy e Ravel iniciaram e estimularam o impressionismo naliteratura, mercê dos acordes modais em perfeita harmonia seqüencial e, de purezamaviosa utilizadas em delicadas e poéticas composições musicais.

Debussy recorre aos sons que lembram os emitidos e encontrados na vida naturalem sua doçura e terna sintonia musical. Amava e sonhava na sensação dos sons quetentava captar da natureza em sua fértil e criativa imaginação.

Além disso, Baudelaire e Edgar Poe difundiram, também, o Simbolismo naliteratura espiritual, mística mercê do impressionante e rigoroso idealismo deSchopenhauer que se imiscuiu na musica de Wagner.

Nessa época, os Artistas impressionistas: Renoir, Degas, Cézanne, Pissarro, Monet,Manet e outros obtiveram, de modo indireto, a influência real dos quadros de Ticiano,que na pintura a óleo exaltou a real natureza como objetos, frutas, aves, animais;enquanto que Delacroix filosófico, criativo em leveza espiritual reviveu em suas telas(o inferno, a guerra, a volúpia, o olimpo, o evangelho)

Manet rico, nobre e seu amigo Zola conviviam nos salões requintados de Paris.Assumiu após alguns anos de Viagem a visão da pura natureza e, suavemente, aexpressou em quadros: Campo de Trigo, Almoço na Relva e outros que enaltecemsuas ricas fases na pintura.

Revelaram percepções inclusive, sensoriais, dos fenômenos, dos efeitos dasvariações dos templos, locais, do dia, do tempo, do colorido das flores, das reuniõescampestres, da dança, dos diversos encantos, das paisagens e ensaios pintados pelaobservação minuciosa dos nuances captados nos momentos da visão interativa davida envolta no seio da natureza.

Renoir em o Sol Nascente revelou a sutileza do dia que floresce e emerge na luzcolocando-se no exato instante em posição privilegiada no seio da natureza e,discretamente, voltando sua percepção visual ao nascedouro solar.

Degas descreveu em seus quadros as sutilezas dos delicados movimentos dasdançarinas de seu tempo, a exemplo de outros acima referidos que vivenciaram oâmago do ambiente natural. Na escultura “A Bailarina” em gesto apolíneo, frontecurta e retraída, sugerindo nossos ancestrais, atitude lasciva e sedutora, expressa erevela a época em que ele viveu na França.

Monet pintou em diversos momentos do dia a Estação de São Lázaro expressandoas delicadas nuances provenientes dessa discreta e provocativa variável, que se podemcaptar no transcorrer na manhã, no período vespertino e no crepúsculo do dia.

Concluo que a arte imita, concebe e reproduz a natureza.

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Flerts NebóFlerts NebóFlerts NebóFlerts NebóFlerts NebóMédico reumatologista

São Paulo - SP

O contoO contoO contoO contoO contoDizem que quem conta um conto, aumenta um ponto. No conto que pretendo

contar, espero não aumentar nem um ponto.Quando se comenta um conto, ponto por ponto, chega-se ao final do conto sem

que se acrescente um ponto. Esse é um ponto de vista que se deve ter em contaquando alguém nos conta um conto.

Contar-se um conto sobre uma porção de contas é fazer-se de conta que se estásimplesmente contando o conto do... “faz de conta”.

Num canto de um ponto qualquer, alguém me contou um conto e agora vouconta-lo a vocês. Não sei se o conto ou se o canto. Mas sei que se o cantar, não será umconto, mas uma canção ou cantiga. Também numa canção se conta um conto, queserá lembrado, ponto por ponto ou sem pontuação.

Como não pontuo os meus contos, muitos ficam “por conta” como o que conto,porque não encontram um ponto de apoio no que conto ou um ponto final.

Afinal de contas, contar um conto, sem que se lhe acrescente um ponto, depronto pode deixar de ser um conto bem contado ou por estar mal pontuado.

Contar um conto, sem lhe acrescentar um ponto, depende do ponto de vista docontador.

O bom contador de contos é aquele que sabe contar e até mesmo recontar omesmo conto, sem que ninguém se desponte, porque, se o conto não tiver algocontável, será melhor não conta-lo, pois seria um desaponto e aí todos dariam umdesconto, por ele ser um mau contador.

A verdade, porém, é que não sou um contador de contos e não passo de umsimples médico, que faz de conta que quer contar um conto, mas que tampouco sabecontar os contos de réis que perdi, quando me passaram “o conto do vigário”.

Vejam vocês que contei uma porção de coisas sem ter contado nada... é porque,no fundo, sou um mau contador de conto e ponto final!

Pronto!

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SóSóSóSóSóNo dia em que ela foi embora ...Sem poder se quer me dizer ADEUS!!!Minha vida desmoronouEu, em vã ... pedi perdão a Deus.

Ela era a razão de meu viverEra a ilusão de toda minha vidaFoi uma AMARGURA... vê-la morrerToda minha paixão estava perdida

Eram sempre risos, eram flores,Eram beijos, e carinhos... sem fimEram verdadeiros cantos de amoresQue estavam e viviam, sempre em mim...

Ela partiu, como se fosse num repenteSofrera muito, enquanto esteve doenteIsto pesa muito, no fundo, na alma da gentePerder-se assim, um amor tão ardente!

Agora vivo só, não vejo ninguém...Tenho amigos queridos e em profusãoMas agora não espero que alguém...Possa colocar, algum calor em meu coração,

É triste a sina a de um homem isoladoQuanta amargura... Tenho no coraçãoEncontro-me só... choro..., abandonado...Quando perdi toda minha paixão...

16/maio/2007

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Os folgadosOs folgadosOs folgadosOs folgadosOs folgadosNaquela casa sempre havia alguém que “vivia de expediente”.Era uma maneira fácil de levar a vida, pois quando um deles arranjava

um “pato” ou algo não muito trabalhoso, mas que desse para ganhar algumagrana já todos ficavam satisfeitos e o refrão deles estava baseado na seguintefrase: “Preguiça, não me deixes; vontade de trabalhar, vai para longe de mim”.

Ainda se apoiavam num dizer caipira que era: “Quando sinto vontade detrabalhar, sento num cantinho e espero a vontade passar”.

Ele arranjou uma namorada que estava fazendo um cursinho para entrarna faculdade e sabia que o que ela iria fazer na profissão que escolhera dariapara que, ela trabalhando, ambos pudessem viver bem.

O pai dele trabalhara por alguns anos mudando constantemente deemprego e como procurando sempre receber a parcela do décimo terceirosalário e levantar 0 fundo de garantia que fora depositado assim como o“seguro desemprego” que era pago pelo governo.

Depois do terceiro mês de viver a custa do governo procurava arrumaralgum bico, preferentemente na ocasião das festas da Páscoa e por’ vezes atéconseguia ficar até o movimento das festas natalinas e passagem do ano, quandoas lojas sempre necessitavam de mais mão de obra.

Não trabalhava com afinco, mas “enganava bem” fingindo ser esforçado...Já não tinha amigos porque devia para todos e jamais pagara aos que lhehaviam “emprestado” algum dinheiro.

Não “esmolava” porque isso era muito diferente, assim como tambémnão ficava pelas esquinas vendendo guarda chuvas ou aparelhos de “viva voz”para celulares e muito menos “flanelinha” ou sacos para limpar 0 chão.

O problema era procurar sempre estar “bem vestido”, barbeado, sapatosengraxados e se possível conseguir “entrar como convidado, do noivo ou danoiva nos bufês onde se realizavam as festas matrimoniais”.

Procurava ensinar praticamente aos filhos como poderiam viver sem fazerforça, pois sempre dizia que:

- “Fazer força é coisa para guindaste”.A mãe também procurava sempre estar na última moda, freqüentando as

reuniões da “alta sociedade” e participando das festas e atos beneficentes,procurando não deixar de receber sua “pequena comissão”.

Conseguia ser convidada para bons jantares e, naturalmente, sempresobrava algum dinheiro das “arrecadações” feitas durante os mesmos, tendocomo motivo os auxílio às creches, aos amparos maternais ou aos asilos dosvelhinhos da terceira idade que necessitavam de apoio monetário.

Claro está que diante dessa “escola” do lar, os filhos conheciam todos osgrandes truques das malandragens e arranjavam namoradas que sempre estavamdispostas a auxiliá-los porque tinham sido despedidos de empregos que nunca

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tinham tido, mas que sabiam que na próxima semana alguém lhes arranjariadinheiro, vales refeições ou vales transportes para poderem trocar por entradasde cinema ou esquecia o troco recebido na compra das entradas ou guardavamas gorgetas que diziam ter dado aos garçons ou ao guardadores de automóveisque as noivas adiantavam para pagar os estacionamentos ou similares.

A família que usava o sobrenome de “Viveur”, dizia-se proprietária deterras e rendas na França, mas as mesmas estavam em demanda com o governofrancês e suas “idas” ao consu1ado sempre representavam despesas queprocurava conseguir junto a incauto.

Pais e filhos não se faziam de rogados quando alguém do bairro ondemoravam promoviam qualquer “encontro” sobretudo se ne1es houvesse “comes”e “bebes”. A vida ro1ava fácil para todos ali até que um dia a mãe de uma das“namoradas” soube que ela estava grávida. Foi um Deus nos acuda e umadvogado chamou 0 futuro pai numa delegacia, porque a namorada era “demenor”.

Imediatamente os “círcu1os” por e1es freqüentados ficaram sabendo decomo “levavam a vida” e por serem “sonegadores de impostos”, arrotandoterem dinheiro e não fazer a declaração do Imposto de Renda acabaram porterminar seus dias na penitenciária por 1esarem aos demais com os quaisconviviam.

Há um ditado:- “Diz-me com quem andas e dir-te-ei quem és”.

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CiúmesCiúmesCiúmesCiúmesCiúmesTenho um grave defeitoque vive dentro de mim.Sei que não sou perfeito,mas Deus me fez assim.

Sinto ciúmes de alguém,que sei que não me ama.Por isso sinto-me bem aquémtendo a alma na lama.

Ciúmes, que coisa ingrata.Sente-se e não se abafa,é o ciúme que me delata...

É um mal sem fim,é algo que nos mata,sofrendo tanto assim.

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Geováh PGeováh PGeováh PGeováh PGeováh Paulo da Cruzaulo da Cruzaulo da Cruzaulo da Cruzaulo da CruzMédico oftalmologista

Ribeirão Preto - SP

NanopoesiaA nanopoesia é uma criação, uma invenção, ou mais propriamente, uma

invencionice minha, surgida do desejo de apresentar algum trabalho no sarau literárioda 190ª reunião da SOBRAMES (Sociedade Brasileira de Médicos Escritores), no anopassado. Como não tinha escrito nada em especial para aquela noite, ocorreu-me estaidéia. Nascida assim despretensiosamente, espero que tenha vindo para ficar, e semcabotinismo, que possa mesmo tornar-se universal.

O radical grego “nano” significa diminuto, extremamente pequeno. Está emmoda na palavra nanotecnologia, e em medicina se usa em: nanocefalia, nanomelia,nanismo. Não necessita tradução em outras línguas.

A nanopoesia é uma nova abordagem poética, com um mínimo possível depalavras. É totalmente diferente das modalidades “Poetrix” e do “Haicai” japonês.Permite com facilidade a abordagem de temas literários, filosóficos, românticos,humorísticos, irônicos, etc. Facilita a criatividade. Nela o título é muito importante,porque quase sempre é ele que dá sentido ao texto, ou o completa.

Eis a nanopoesia que inaugurou esta modalidade:Monógo inclonclusivoMonógo inclonclusivoMonógo inclonclusivoMonógo inclonclusivoMonógo inclonclusivoPois é...E daí?

AprAprAprAprApresento agora algumas outras:esento agora algumas outras:esento agora algumas outras:esento agora algumas outras:esento agora algumas outras:

CatarataCatarataCatarataCatarataCatarataNão vêO rio cair.

38 mortal38 mortal38 mortal38 mortal38 mortalSeis tiros.Ódio ou desperdício?

O pastorO pastorO pastorO pastorO pastor, no bor, no bor, no bor, no bor, no bordeldeldeldeldelIrmãs! Ao inferno, com o prazer

Alfabetização de Lula, em BrasíliaAlfabetização de Lula, em BrasíliaAlfabetização de Lula, em BrasíliaAlfabetização de Lula, em BrasíliaAlfabetização de Lula, em BrasíliaIvo viu a uva?Não.

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FFFFFofoca na tabaofoca na tabaofoca na tabaofoca na tabaofoca na taba- Uba, tuba.- Caraguá, tá tuba.

Nor-destinoNor-destinoNor-destinoNor-destinoNor-destinoEmigrar.Ou morrer.

AmarAmarAmarAmarAmarRende juros.Te enriquece.

Fé de maisFé de maisFé de maisFé de maisFé de maisDeus está morto.Eternamente.

Abandono de consorteAbandono de consorteAbandono de consorteAbandono de consorteAbandono de consorteTragédia!!!Ele/a voltou.

DilemaDilemaDilemaDilemaDilemaAvante!Ou a ré?

VVVVVelhiceelhiceelhiceelhiceelhicePílulas, agulhas.Rigidez.

SeSeSeSeSexxxxxo forteo forteo forteo forteo forteÉ a mulherNão sofre impotência

Mega sonhoMega sonhoMega sonhoMega sonhoMega sonhoMega senaMega sina

ApocalipseApocalipseApocalipseApocalipseApocalipseA porca Alice

Independência ou morte!Independência ou morte!Independência ou morte!Independência ou morte!Independência ou morte!O brasil,Ainda nãose decidiu.

A foiceA foiceA foiceA foiceA foiceFoi-se...

Fé de maisFé de maisFé de maisFé de maisFé de maisDeus está morto.Eternamente.

AmorAmorAmorAmorAmorChupe o picolé.O palito me basta.

Os tempos mudaram...Os tempos mudaram...Os tempos mudaram...Os tempos mudaram...Os tempos mudaram...-”Viado”!!!- Obrigada... gostosão!

Curso da vidaCurso da vidaCurso da vidaCurso da vidaCurso da vidaNo aqui.No além.

BrasileirBrasileirBrasileirBrasileirBrasileiroooooCompra ilusão:A prestação.

Latim modernoLatim modernoLatim modernoLatim modernoLatim modernoVery goodibus

Aos amigosAos amigosAos amigosAos amigosAos amigosObrigado por me engoliremMesmo indigesto.

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AssombraçãoAssombraçãoAssombraçãoAssombraçãoAssombração

Meu bisavô Genaro, nascido no Tirol italiano, alto, alourado, bonitão, pôs o pintoa juros e “fez América”, casando-se com filha de fazendeiro. Mas, letrado num meiode analfabetos, esperto e trabalhador, multiplicou o patrimônio e se tornou muitorico. Chegou a ser tão importante que a missa não começava antes de ele e sua famíliachegarem. Deixou fazenda para cada um dos numerosos filhos, e alguns cumpriramo ditado: pai rico, filho nobre, neto pobre. O que o carcamano trabalhou, os filhosaproveitaram. Vários eram boas-vidas. Um deles, irmão de minha avó, meu tio-avôPepino, diminutivo do diminutivo Giuseppino (Giuseppe=José), era renomadomulherengo. Era bonitão como o pai, bem apessoado como se dizia, folgazão e viviapara a alcova.

Na fazenda não havia mulher e filha de empregado que ele não assediasse, e emgeral não conquistasse. Tinha filhos bastardos por toda a região. Quando uma criançanão se parecia com o pai, dizia-se que era filho do Pepino. Muitos usavam um trocadilho,dizendo que ele vivia de pepino duro. Por aquelas paragens ninguém gostava decomer pepino, tal a má fama que o vegetal alcançou. A palavra pepino ficoudemonizada.

Logo após a imigração italiana, chegaram os japoneses. Foram todos para alavoura. Evoluíram, passando pela fase de meeiros, arrendatários que tomavam terrasem parceria e plantavam. Um deles foi parar na fazenda do tio Pepino. Lá moravacom sua jovem esposa e alguns filhos pequenos. Não se sabe como, algo completamentefora dos padrões nipônicos, mas o fato é que tio Pepino seduziu a mulher do parceiro.Tinha com ela encontros freqüentes no retiro afastado onde a japonesa residia, umacasa de peões longe da sede, com um vasto quintal e pomar.

Certo vez o Dom Juan veio para mais uma rapidinha. Ele tinha um códigopara avisá-la de que estaria no quintal, a espera dela. Relinchava igual a um burro,depois assobiava como um pássaro preto, e novamente relinchava. Nunca haviaengano. Fosse qual fosse a hora, a japonesa ia para o quintal, para a moita debananeiras. As antigas casas de fazenda não tinham banheiro, e as de empregados,nem ao menos latrinas. Usavam-se moitas mesmo. Era um costume trivial que davaum álibi perfeito.

A japonesa costumava usar um longo quimono, muito prático para a ocasião.Era noitinha, o céu estava nublado, tinha escurecido há pouco. Aí apareceu um vulto,vestido com uma roupa comprida. Sem mais delongas, tio Pepino já foi atacando. Emprudente silêncio agarrou o vulto por trás, já foi levantando a longa roupa e beijandoa nuca. O vulto atacado deu uns berros, desvencilhou-se dele, disparou pelo quintalafora. Era o japonês, que chegou em casa esbaforido, gritando:

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-Chombraçom! Chombraçom! Chombraçom memo non?!! Dizem que o japonêsnunca mais foi ao quintal à noite, e acabou se mudando para bem longe.

No fim da vida, empobrecido, morando na cidade, vendendo bilhetes de loteriapara sobreviver, um tanto menos respeitável, meu tio era alvo do pessoal gozador:

- “Seu” Pepino, é verdade que o japonês “tava de caganeira” e borrou o senhortodinho? Tio Pepino dava um risinho sardônico e saía de fininho.

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No meu tempo é que era bomNo meu tempo é que era bomNo meu tempo é que era bomNo meu tempo é que era bomNo meu tempo é que era bomNasci em 1933. Meu pai era dentista prático itinerante, e ganhava bem. Mesmo

assim, fui criado sem leite, até vir a morar na cidade. A fazenda mais próxima eralonge. Também me faltou carne. Não tínhamos acesso a estes insumos. Por perto nãohaviam armazéns. As vezes comíamos um frango, ou carne de porco que se conseguiacomprar da vizinhança, guardada em banha, processamento equivalente ao confitdos franceses. Isto quando o porco não tinha “canjica” (cisticerco de solitária). Carnede vaca, só quando alguma morria de acidente e era sacrificada, vendendo-se oudando-se partes dela. Mesmo os ovos eram poucos. As galinhas poedeiras não eramprolíficas. Minha irmã mais nova é alguns centímetros mais alta do que eu, que nãocresci por falta de proteínas. Acho um milagre que eu não tenha ficado imbecil, débilmental. Minha primeira infância se passou numa região altamente carente de iodo, eo bócio e outras manifestações de hipotiroidismo eram endêmicas. Ainda não havia aobrigatoriedade de adicionar iodo ao sal de cozinha. Outra sorte tive em não serchagásico. Os jovens da minha geração morreram como moscas, antes dos trintaanos, acometidos de cor bovis, coração dilatado, a insuficiência cardíaca distrófica.Somos 10 irmãos porque os padres proibiam a contra-concepção.

Na minha primeira infância, minha mãe, professora rural numa regiãopobrecíssima, iluminava nossa casa com candeia, alimentada com óleo de babaçu. Emseguida, antes da guerra, usou lamparinas de querosene, um grande progresso!Melhorou usando lampiões a querosene com camisinha de amianto. Fomos para acidade, e encontrei a mágica luz elétrica, feita de lâmpadas incandescentes, fracasbrasas penduradas num pendente. Depois de tanto progresso, hoje acho um exageroestas modernosas luzes, tais como a fluorescente, a luminescência, led, cristal líquido,luz de mercúrio, lâmpada de sódio, farol halogênico, fibra ótica, e em oftalmologia,laser, luz coerente de rubi, argônio, xenônio.

Nos internatos que freqüentei, não havia câmara frigorífica, nem freesers. Oleite era cru, indigesto. Em casa, comprávamos a granel, medido diretamente delatões, e de higiene discutível. Ainda não se pasteurizava. A carne não era resfriada.Éramos sempre acometidos de gases, diarréias, vômitos, e gastroenterites infecciosas,chamada prosaicamente de colerina (pequena cólera). A água não era tratada e tinhaameba, coliformes fecais, bacilos disentéricos. Comíamos refeições elaboradas combanha de porco, muitas vezes rançosa, por envelhecimento precoce. Não havia óleosvegetais, e só muito mais tarde passamos a usá-los, primeiramente o óleo de caroçode algodão, fedido, de sabor ruim, caro. O tomate era ácido e apodrecia facilmente.De verduras, só havia couve, abóbora e algum insólito ora-pro-nobis. O abacaxi nãopassava de ananás, despelava a língua. Só havia alguma manga comum, laranjasazedas, bananas pedradas, goiaba bichada.

Minha mãe cozinhou por anos e anos com lenha e o café da manhã demoravauma eternidade, sobretudo quando a madeira era verde ou úmida. Coitada, viviacom os olhos vermelhos, irritados pela fumaça e pelas cinzas. Leite pela manhã nãobebíamos, porque não tínhamos geladeira; o leite do dia anterior azedava e o leiteiro

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só passava depois das 10. Privilegiados, tivemos geladeira (importada) quando eu jáera universitário.

Quando fui para o colégio, pegava uma jardineira pela manhã, viajava algumashoras até um entroncamento rodoviário. Lá aguardava uma carona, quase sempre decaminhão, porque havia poucos carros, e não conseguia conciliar horário com outrasjardineiras. Descia em outro entroncamento, e tentava nova carona, sempre decaminhão. Chegava ao colégio já de noite. Hoje, de carro, em asfalto, faz-se a viagemem menos de 2 horas.

Fora de casa, a comunicação era precária. As cartas não chegavam, e minhacidade não era servida por telégrafo. O telegrama chegava da estação ferroviária maispróxima trazido de charrete uma vez por semana, duas horas de viagem.

Na escola primária, cada qual usava sua pequena lousa de ardósia, quechamávamos de pedra, onde fazíamos deveres de matemática, ditados, redações, provase testes, riscando-a com um estilete de sílex, e apagávamos com pano úmido. Cadernoera um luxo. Os lápis duravam até o toco, quando não havia mais jeito de pegá-los.Um livro didático durava por gerações. As canetas-tinteiro vazavam tinta, gastavam apena, custavam caro.

Não existiam antibióticos, e éramos tomados de todos os tipos de infecção. Asdermatológicas eram um inferno: terçol, furúnculo, perebas, ectimas, piodermites,abcessos, supurações. As internas, matavam, aleijavam, debilitavam. Minha irmãmorreu de croupe (difteria).

Os parasitos faziam a festa. Os externos, piolho, sarna, pulga, percevejo, erampragas comuns. Minha mãe vivia queimando colchões de capim mumbeca, infestadospor percevejos trazidos por hóspedes, ou empregadas. Eu vivia de cabeça raspada porcausa de piolho, sorte que minhas irmãs não podiam ter, e choravam quando minhamãe se punha a catar-lhes lêndeas, coisa dolorida prá dedéu. Contra os vermes internos,os helmintos, as medicações eram uma lástima. Lombrigueiros altamente tóxicos epurgantes devastadores não passavam de medicina inócua. Verminoses, solitária,amarelão. Éramos os jecas-tatu de Monteiro Lobato.

Se eu não tivesse freqüentado colégios de padres holandeses, onde havia bibliotecamuito acessível e adequada, e ler era um passatempo muito apreciado no internato,certamente hoje seria um analfabeto funcional. Jornal ninguém recebia, as revistaseram caras e raras. As assinaturas não compensavam. Os funcionários dos correiosroubavam todas. O rádio não estava ao alcance de todas as economias. Só tivemosrádio quando eu já era adolescente, e não era costume ouvi-lo. As transmissões deondas curtas, todas emanadas do Rio de Janeiro, mais chiavam do que falavam oucantavam. No colégio tínhamos serviço de alto-falantes interno, que tocava todas astardes, e ouvíamos música comum censurada, alguma coisa de música clássica, eoutras sacras. Na minha cidade, afora uma banda musical e alguns pequenos conjuntospopulares, não se ouvia música.

Na minha formação artística por imagem, felizmente alcancei o cinema americano,de onde recolhi o conhecimento de um outro mundo sociológico, geográfico, histórico,musical, e tecnológico. Caso contrario, seria quase um botocudo.

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Nestes 70 anos conheci 8 moedas: mil reis, cruzeiro, cruzeiro novo, cruzado, cruzado novo, URV, real,

além de dólar. Um inglês convive com a libra há uns 600 anos.

Existem outras centenas de coisas que eu poderia citar, mas que alongariam esteensaio. As citadas já bastam para pintar um cenário. Negro e tétrico, por sinal...

Quando vim de Minas para São Paulo para fazer especialização em oftalmologiana Santa Casa, a via Anhangüera ainda era toda de terra, esburacados 500 km deextensão. Só tinha pavimento cimentado a partir de Jundiaí, e a coisa que mais meencantou foi ver este pequeno trecho balizado com pequenos postes com “olho degato”, refletores de vidro que espelhavam a luz do ônibus e formava um lindo caminhoiluminado por reflexão. Me pareceu coisa do outro mundo... Fiquei deslumbrado.

Ah! Quase ia me esquecendo de dizer: - No meu tempo tudo era maravilhoso...

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P P P P Pentafonia do Rôentafonia do Rôentafonia do Rôentafonia do Rôentafonia do Rô R R R R Roteiroteiroteiroteiroteirooooo

Primeira: RiscoRiscoRiscoRiscoRiscoO roto réu riu da roupa rendada do rico e reto rei de Roma

Segunda: RRRRRevideevideevideevideevideO real regente rompeu o rito e riu do recolhido rabo do reles roto

Terceira: RRRRResultadoesultadoesultadoesultadoesultadoAo repto real os reinóis riram à rodo e o roto rival rilhou de raiva

Quarta: RRRRRenovoenovoenovoenovoenovo O rato roeu a régia renda e rasgou o resto da roupa roto ruim

Quinta: RemateemateemateemateemateRepita rápido! (Risos)

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Guaracy LourGuaracy LourGuaracy LourGuaracy LourGuaracy Lourençoençoençoençoençoda Costada Costada Costada Costada Costa

Cirurgião Plástico e AdvogadoAraraquara - SP

Eu receitei um desmaio...Nestes dias, como tem acontecido todos os anos, estou sendo convidado para

ser Orientador de Monografias de meus alunos da Faculdade de Direito lá na UNIARA.Todos os alunos, no último ano de seus cursos, precisam agora apresentar um trabalhono segundo semestre para poderem ter direito à formatura. Nessas Monografias, elesescolhem um tema, pesquisam sobre ele e escrevem um trabalho de pelo menos 35folhas, tendo que pedir a algum dos professores para lhes dar o nome comoORIENTADOR. A função do Orientador é dar as principais dicas do assunto escolhidoao aluno para que ele possa escrever bem, fazer uma boa abordagem do tema e, nomês de outubro a dezembro, fazer uma apresentação verbal diante de uma banca demestres do Direito cujas notas, para ele se formar, precisam atingir no mínimo amédia 5,0.

Neste ano de 2006, eu já fui convidado por 6 alunos do 5º Ano de Direito paraser Orientador das Monografias deles, justamente porque os assuntos por elesescolhidos estão relacionados com temas médicos, planos de saúde, incidentes nostratamentos, células-tronco, doenças transmissíveis, prontuários hospitalares, etc.

Estou lembrando que, em 1988, recebi um telefonema de um jovem universitáriochamado Messias, residente em Três de Maio, que é uma cidade Gaúcha. Ele foioperado por mim quando era menininho em virtude de um defeito de nascença nopipi. Ao telefonar-me, ele pediu que lhe desse algumas dicas sobre seu defeito e acirurgia porque ele queria fazer sua monografia justamente sobre defeitos de nascençaem geral. Localizei a ficha médica dele em meu consultório e verifiquei uma anotaçãoque fiz sobre o desmaio do pai dele ao presenciar o primeiro curativo que lhe fiz nopipi todo inchado. No ato, sugeri a ele que colocasse, em sua monografia, esse lancede desmaio dos pais, evidentemente sem mencionar que a coisa foi com ele e o paidele. Depois de pronta a monografia, ele a leu pra mim pelo telefone e me disse quehavia posto meu nome. Este foi meu primeiro caso em que atuei como Coordenador,tendo sido, na realidade, legítimo TELE-ORIENTADOR da monografia do Messias.

Ao mencionar aqui o DESMAIO do pai do Messias, acabei lembrando-me deum outro caso do passado que estou achando interessante escrever sobre ele nesta

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crônica e esclareço, desde já, que o nome técnico do desmaio é LIPOTÍMIA. Essapalavra vem do Grego e significa, literalmente, que “a alma da pessoa foi dar umavoltinha...”

A melhor experiência que tive como orientador de monografias foi no início de1961, assim que concluí minha Pós-Graduação em Cirurgia Plástica com o ProfessorIvo Pitanguy, no Instituto de Aperfeiçoamento Médico da PUC do Rio de Janeiro. Fuiprocurado por um aluno do 6º ano que me convidou para ser Orientador dele natese que ele estava montando para participar da Maratona Científica patrocinadapelo MEC. Fui escolhido por ele porque a tese versava sobre os cortes na pele poracidentes ou agressões e os cortes das cirurgias. Empenhei-me ao máximo para ajudá-lo, tendo ido um monte de vezes à Biblioteca Nacional para coletar dados pra ele.

Exatamente no dia 8 de abril daquele ano foi marcada a apresentação ou defesada tese dele no Anfiteatro da Reitoria e era um sábado do mesmo modo que tambémhoje é sábado. Eu vesti meu único terno e fui sentar-me à mesa examinadora ao ladode quatro professores, sendo dois cirurgiões gerais, um anatomista e um patologista.

O patologista foi o primeiro examinador, o qual, pelo visto, quis logo massacraro jovem sextanista fazendo-lhe 5 perguntas de uma vez só, todas sobre a “fisiologia dacicatrização”. O quase doutor ficou pálido na hora. Percebi que ele não estava preparadopara aquela questão. Eu estava com um lápis vermelho grosso na mão e escrevirapidamente num papel que estava à minha frente: “DESMAIAR!” e vireidiscretamente pro lado dele, enquanto ele estava fazendo cara de pensamento.

Ele deu uma balançada no corpo e amontoou no chão, perto de onde eu estava.Levantei-me rapidamente para socorrê-lo antes que outro o fizesse. Peguei o pulsodele, ouvi o coração com a orelha no peito dele e falei: “A pulsação está boa, masvamos levá-lo rápido pro “Souza Aguiar” (pronto-socorro)”.

Ele escapou do debate e teve a chance de se apresentar novamente um mêsdepois, tratando de se aperfeiçoar mais nos temas que o Patologista tinha preferência.Na seqüência, ele foi aprovado com distinção. Fiquei convicto que “UMORIENTADOR DEVE REALMENTE ORIENTAR”... inclusive orientar a horaoportuna de um desmaio salvador...

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O Direito apregoa:“A vida é o BEM MAIOR”Tudo aquilo que nós temos,Podendo vender a alguém,Tem nome, todos sabemos,É denominado “BEM”

Ao declarar nosso impostoNa Receita Federal,Listamos, com muito gosto,Tudo o que é bem material.

A tais bens nos apegamos,Compõem da Vida a vitória;Raramente nos lembramosSer a Vida a nossa glória.

O Advogado é bem certo,Aprende e sabe de cor:Afirma, de peito aberto,Que A Vida é o BEM MAIOR. Com as Leis ele labora

Uma a uma é bem querida;Ele sabe, em dia ou em hora,Que há alguém zelando a Vida.

Esse Alguém, na Medicina,Cuida do adulto e do menor,

Sabendo ser sua sina:Zelar pelo BEM MAIOR.

Alguém estando lesado,Cabe ao Médico tratar;Devendo ser respeitadoPor aquele que o buscar.

A obrigação consagradaÉ “de meio”, bem sabida:Medicina dedicadaSe esforça em favor da VIDA.

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Relato verdadeiro:Minha viagem no tempo

Desde meus tempos de moleque, meu tema predileto para filmes, romances ouhistórias de gibis eram aqueles que versavam sobre “Viagem no Tempo”, fosse para opassado ou para o futuro. Modernamente, surgiram muitos filmes sobre “Viagem noTempo” e eu, logicamente, assisti a todos eles mais de uma vez. Houve um que assisti5 vezes, que foi aquele denominado “O Feitiço do Tempo”.

Prezados e respeitáveis leitores: A partir do parágrafo seguinte, estarei copiandoliteralmente algo que escrevi na manhã de sábado 20-9-1993, registrando, como numdiário, o fantástico e inesquecível fenômeno mental ou espiritual que havia acabadode acontecer comigo. Eis o que registrei:

“Hoje é sábado, 20-9-1993. São quase seis e meia da manhã e eu acabei de melevantar da cama com os olhos lacrimejando e minha mente plena de uma intensaemoção, diferente das que já vivi nestes meus 59 anos de idade. Há poucos instantes,sem nenhuma característica de sono, eu me vi entrando num corredor largo de umacasa desconhecida, sendo um corredor desses que dá para entrar com um caminhãopequeno, estando a casa à minha esquerda. A Cilene estava de mãos dadas comigo enós dois nos mantivemos em silêncio. Passamos em frente da porta de entrada dacasa, que ficava na lateral, dando para o corredor que mencionei. Dava para deduzirque a casa tinha sua sala no meio, um quarto na frente e a copa-cozinha no fundo.Prosseguimos andando e, em minha cabeça havia uma ansiedade extrema, associadaa uma convicção de que, passos adiante, algo especial iria acontecer ou alguém especialeu iria encontrar. Ao final da lateral da casa, o corredor em que estávamos continuavapelo quintal, cuja aparência sumiu de minha memória, pois mudei a direção de meuspassos para a esquerda, passando perto da porta dos fundos, a qual também nãodespertou meu interesse. Naquela parte dos fundos da casa, havia uma faixa de pisoatijolado de cerca de dez metros de largura, o qual era longo, até atingir os fundos deuma outra casa, cuja frente logicamente dava para a rua perpendicular àquela dacasa por onde havíamos entrado. Naquele instante, minha ansiedade aumentoumuitíssimo, havendo uma sensação fortíssima de que algo bom estava para acontecer.Mais uns três ou quatro passos, eis que avistei, vindo em sentido oposto, em minhadireção, um menino de prováveis 6 anos de idade. Era um menino de feições bonitas,estava sério e eu fiquei logo muito impressionado com o intenso brilho dos dois olhosdele. Tornei meus passos mais vagarosos, mas prossegui em direção ao menino,olhando pra ele e sentindo uma sensação estranhíssima de como se estivessecaminhando em direção a mim mesmo. Larguei das mãos da Cilene e abri suavementeos braços e senti uma felicidade intensa ao acontecer do menino abrir os braçostambém. Curvei-me junto a ele e lhe perguntei: “Como é seu nome?” Os olhos deleficaram mais brilhantes e ele ficou mais bonito ao responder-me:

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“Eu me chamo Guaracy.” Dei-lhe um abraço ousado, ao qual fui correspondidoe a sensação que senti foi de que, indubitavelmente, eu estava abraçando a mimmesmo 53 anos atrás no tempo. Em poucos instantes e subitamente, as imagens e ocenário se desvaneceram, enquanto meus olhos derramavam as torrenciais lágrimasque ainda estão umedecendo meu rosto enquanto escrevo todo esse fato ou fenômenovivido por mim. Dentro de mim, nesta hora, poucos instantes depois da fantásticaexperiência, sinto-me convicto de que viajei no tempo e de um modo muito maisemocionante do que as histórias que li e os filmes que assisti.”

Reina em meu pensamento, até hoje a gloriosa sensação que senti que ousoafirmar ter sido uma “VIAGEM NO TEMPO”.

De vez em quando, fico pensando nos pontos misteriosos e que atrapalhamminha convicção: Primeiro, que aquela casa onde estive no “passado”, eu não melembro dela. Segundo, que não consigo entender o brilho intenso que havia nosmeus olhos quando criança e sei que, naquela idade, eu não era tão lindo como era acriança que me convenceu ser eu mesmo. Terceiro, o que me atormenta às vezes éque “se fiz mesmo a viagem ao passado e me encontrei, será que, quando eu tinhaseis anos, eu teria visto a mim mesmo com 59 anos no futuro? Eu penso, penso e nãoconsigo lembrar-me de tal encontro quando eu tinha 6 anos”.

Prezados leitores, a sensação que senti foi indescritível. Passaram-se quase 14anos que tive a experiência descrita e confesso que tentei usar de todos os artifícios deminha mente para repetir a façanha, mas não consegui.

E neste exato momento em que estou encerrando os presentes escritos, estourevivendo a emoção que descrevi e estou chorando “saborosas” lágrimas e sentindo,em meu peito, uma vibração especial que não conseguirei jamais descrevê-la, tal a suagrandeza e seu brilho tão forte quanto os olhos do menino no momento em que medisse ser eu mesmo!

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O início da VIDAO início da VIDAO início da VIDAO início da VIDAO início da VIDAdo Ser Humanodo Ser Humanodo Ser Humanodo Ser Humanodo Ser Humano

Medicina evoluindoNos anos, dias, momentos;Tantas técnicas vêm vindo,Vacinas, medicamentos.

Células-Tronco, transplantes,Tudo pra VIDA é bendito;Nos jornais, todos instantes,Citam curas para o aflito.

No povo existe o descrenteQue duvida a cada dia;Confundem a sua menteAs tristezas e a alegria.

Eis que a Biossegurança,A Justiça e a ReligiãoMuita norma hoje se lançaDesnorteando o povão.

Uma dúvida gigante:Da humana FecundaçãoHá quem com ela garanteO início da Gestação.

Engano quem pensa assim,Ovo não é Gestação;Dias depois, ocorre enfim,Se houver a Nidação:

O Ovo multiplicadoChega à parede uterina;Na parede penetradoPra ser Menino ou Menina.

Por aí é voz correnteQue já tem VIDA a criança;Sendo da Mãe dependenteEmbrião é só esperança.

Nove meses decorridos,Começa a VIDA num “show”;Num “show” dos mais conhecidos:Viva! O BEBÊ RESPIROU!”

FINAL DA POESIA:Leia-se na Bíblia Sagrada - Gênesis 2:7“E formou o Senhor Deus o homem dopó da terra e soprou em seu nariz oFÔLEGO DA VIDA; e o homem foifeito ALMA VIVENTE.”

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Helio BegliominiHelio BegliominiHelio BegliominiHelio BegliominiHelio BegliominiMédico urologista

São Paulo - SP

Dignidade, Ética eDignidade, Ética eDignidade, Ética eDignidade, Ética eDignidade, Ética eManipulação da VManipulação da VManipulação da VManipulação da VManipulação da Vida Humanaida Humanaida Humanaida Humanaida Humana

Há exatos 60 anos o mundo condenava as barbaridades cometidas pelos médicosalemães nos campos de concentração nazistas, provocando a edição, em 1948, doCódigo de Nurenberg, embrião da normatização de diretrizes que envolvem pesquisasem seres humanos, que por sua vez, seria aprimorada e consagrada na famosaDeclaração de Helsinque, em 1963.

Apesar do progresso científico, tecnológico e social, variegados setores dasociedade atual, e de forma não desprezível, de biólogos, geneticistas, embriologistas,bioéticos e médicos, continuam coisificando explícita ou camufladamente; ativa oupassivamente a vida de seres humanos em seus primórdios.

Ontem dizimavam através de câmaras de gás, choque térmico, desnutrição...Hoje, ocorrem na quietude das placas de Petri ou nos tubos de ensaio dos laboratórios.Ontem seus protagonistas foram condenados. Hoje, ao contrário, estão às soltas, quandonão, exaltados e ovacionados pelos meios científicos e de comunicação de massa.Parece incrível acreditar, mas, mais do que nunca, hoje em dia, a vida humana, que éinequivocamente única, considerando cada ser como tal, está sendo banalizada,sucateada, virando objeto descartável, quando não, em rendoso subproduto de comprae venda.

O que mais aflige é a total ausência de escrúpulos que impera entre algunsprofissionais médicos e paramédicos e, em boa parcela da sociedade contemporânea!

Não obstante o conhecimento auferido nas últimas décadas, a vida parece cadavez mais descaracterizada e desvalorizada, condições essas que não são apanágio deiletrados e incautos. Ao contrário, não poupam cientistas, intelectuais e, tristemente,professores universitários, que são por si mesmos, formadores de opinião.

Lembro-me de duas situações que muito me preocuparam, pois advieram deafamados profissionais brasileiros. A primeira delas ocorreu há alguns anos atrás

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quando, pela primeira vez levantou-se, na Inglaterra, a questão da destinação dosembriões excedentes em clínicas que desenvolviam programas de reprodução assistida.Coloquei informalmente essa candente questão a um amigo, respeitado professoruniversitário, que atuava no campo da reprodução assistida, e indaguei a ele comoestava conduzindo esse impasse em seu serviço. Eis que de chofre, sem o menortemor e dando mostras de evasivas com seus ombros, disse-me: “esse não é umproblema para mim”. Em seguida, indicou com a mão como fazia. Despejavasimplesmente o tubo de ensaio com os embriões excedentes no gargalo da pia de seulaboratório. Ato bárbaro e estarrecedor praticado por quem gozava de prestígio entreseus pares!

O segundo exemplo ocorreu há pouco tempo, quando após uma excelenteconferência de um renomado profissional sobre atualização em reprodução assistida,fiz-lhe, subseqüentemente aos aplausos que se lhe fizeram jus, uma singela e inesperadapergunta: Quando você acredita que começa a vida?

Com certeza, essa não foi uma pergunta que ele gostaria de ter escutado emuito menos de comentar. Talvez almejasse responder indagações tecnicistas queenobreceriam ainda mais seu ego.

Contudo, essa questão é estrondosamente crucial. Na verdade, se os cientistasque manipulam embriões humanos e favoráveis à clonagem terapêutica, admitissemque a vida comece na fecundação, estariam se declarando, sem meias palavras, réuscriminosos de seus atos. Entretanto, sem tocar nesse intrigante assunto e sem nadaprovar, defendem para si mesmos, querendo se convencer, conceitos com toda a cargade eufemismos possíveis, tal qual o de pré-embrião, sinalizando que a vida humanasó iniciaria a partir de um imaginário 14o dia após a fecundação. Ora, assim, dever-se-ia considerar como anima nobile o embrião humano somente após essa idade. Maso que seria dele aquém desse limite: infra-humano... ?, sub-humano... ?, pré-humano...? inumano...?

O genial Jérôme Lejeune (1926-1994), descobridor aos 32 anos de idade dasíndrome de Down sempre considerou que a vida inicia-se na fecundação: São deleestas palavras: : : : : “A vida tem uma longa história, mas cada um de nós tem um iníciomuito preciso, que é o momento da concepção”.

Muito a propósito constitui-se de grande peso o brado geneticista e bioeticistade Eliane Azevedo, professora emérita e ex-reitora da Universidade Federal da Bahia:“O respeito à vida humana deve ser absoluto. Não arbitremos o vir-a-ser do embrião.A pessoa humana no embrião é uma realidade, não uma probabilidade. Cada um denós foi um embrião. E se neste momento podemos defender o direito do embrião denão ser levado às bancadas das experimentações, nem transformado em remédios, éporque aqueles que conviveram conosco à época permitiram que de embrião deontem nos tornássemos adultos, legisladores e/ou cientistas, de hoje.”

Na verdade, faltam a certos profissionais que lidam com a vida humana,particularmente em seus primórdios, coerência e lisura de raciocínio aplicadas aoconhecimento biológico e embriológico que tanto ostentam possuir e ensinar. Casocontrário, o embrião humano não diferiria daquele de uma vaca, de uma égua, de

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uma porca ou de uma cadela e, sua atuação limitar-se-ia aos patamares da clínicaveterinária, com todo o respeito que essa ciência merece, mas ancila incontestável damedicina no que tange a uma hierarquia de valores, cujo paradigma-mor é a dignidadeque o anima nobile possui, condição primordial para diferenciá-lo dos demais viventesda escala zoológica e vegetal.

Com certeza, uma razoável parcela dos que manipulam a vida humana em seusprimórdios não está muito interessada em reflexões filosóficas na busca da essência daverdade que, desde eras prístinas, têm aguçado uma miríade de pensadores na históriada humanidade. Aliás, essas questões são por eles relativizadas e tergiversadas, poissão regidos pelo antipricípio moral, ainda que de boa-fé, mas eivados demaquiavelismo, onde se defende cegamente que “os fins justificam os meios”, quando,ao invés, deveria ser claramente que “os fins não justificam os meios”.

Na medicina, no que se refere especificamente ao aborto provocado, à eutanásiae, particularmente à reprodução assistida, constatam-se flagrantes exemplos de atitudese de conceitos de explícita incoerência que destoam da milenar missão hipocrática,praticados e defendidos por inescrupulosos franco-atiradores alojados ou pretendentesdo pódio da fama, ou dissimulados sofismadores subsidiados pela avidez econômica.

Hoje em dia, alguns pesquisadores e políticos querem justificar nos meios decomunicação, com todos as cores que o sensacionalismo e a pieguice possam lhes serúteis, a utilização de embriões humanos congelados e excedentes de clínicas dereprodução assistida, como matéria-prima em pesquisas de clonagem terapêutica, afim de procurar a cura de enfermidades genéticas e degenerativas.

O direito à vida, desde os seus primórdios, é o primeiro dentre tantos outrosque qualquer ser humano deve ter salvaguardado. Não se atrela apenas à alçada dasreligiões, da moral, da medicina ou da ética, mas se relaciona diretamente com acidadania. Portanto, sua defesa indefessa deve ser intransigente.

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Misamply e LolobayMisamply e LolobayMisamply e LolobayMisamply e LolobayMisamply e Lolobay*****

Há coisas na vida que nos deixam atônitos. Embora saibamos que um dia vãoacontecer nos surpreendemos da forma como ocorrem. Uma delas é a morte. Temosciência de que passaremos por ela, mas ignoramos o dia, a hora e a maneira.

Estava pensativo e fora de órbita quando li no mural de avisos do velório: GeraldoMagela Tabarani dos Santos – sala 2.

Não conseguia acreditar que aquele meu amigo de há mais de trinta anos tinhadado cabo à sua vida com um tiro a cabeça, da mesma maneira que sua filha há cercade três anos e meio.

Estava sempre bem-humorado e bem-disposto; era esportista, advogado, eapresentava-se na reta final de conclusão de sua pós-graduação.

O Bruno, meu filho, tinha passado um fraterno, alegre e descontraído final desemana com ele e seu filho Felipe, em seu sítio, em Taubaté, há apenas uma semana!Minha esposa agradeceu-lhe, por telefone, a estadia e a atenção prestadas. E como depraxe, ele esboçou cordialidade e amizade.

Em nossa convivência o Geraldo sempre demonstrou alegria, espontaneidade,firmeza e altruísmo.

Não, não dava para acreditar no que eu estava sentindo e vendo. Ele era sempreo mesmo amigo que conheci na Comunidade de Jovens do Tremembé. Participamosde muitos encontros, passeios, festas, atividades sociais e religiosas.

Lembro-me no início de nossa juventude quando ele, que já tinha ar de machão,foi surpreendido por mim com bobes na cabeça e com uma cueca de rendinhas, àmoda feminina. Daí, surgiram dois apelidos inventados respectiva e instantaneamente:Geraldão das candongas com seu misamply e lolobay. E eles foram ditos inúmerasvezes quando nos encontrávamos, nos mais diversos ambientes, ainda que a idade e otempo estivessem passando.

Realmente, não era possível imaginar o Geraldo, de aparência tão forte, terabdicado tragicamente do convívio de seus familiares e amigos!

Não faltaram especulações sobre os possíveis porquês: A ferida não cicatrizadapela morte trágica e inexplicável de sua filha... a separação da esposa há alguns mesesatrás... a morte da mãe há dois meses... problemas no trabalho... depressão... perdado prazer de viver... saudades incoercível de sua filha e mãe... Entretanto, quaisquerque fossem os motivos tornava-se impensável admitir que ele tivesse tomado estasombria e irrevogável decisão.

Confesso que tive remorso e um sentimento de culpa me abateu por uma possívelomissão em tentar ajudá-lo. Mas ele não esboçava necessidades. Ao contrário, misturadoà sua alegria, era calculista e aparentava ser auto-suficiente. Quando sua filha morreu,ele e a esposa, Ana Telma, resolveram doar os órgãos dela. Não me esqueço queembora ele não pertencesse à área da saúde, conseguiu permissão para assistir otransplante de coração, tendo sua filha como doadora. Quanta coragem e ousadia!

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No seu computador de trabalho havia fotos de sua mãe, Dea, e da sua queridafilha, Andrezza. Pais e filhos... dois dos mais valiosos patrimônios materiais e imateriaisque o Criador pode nos conceder!

O pensamento voltava-se para a dor que seu pai estava experimentando – ele,que por três vezes fora submetido a cirurgia cardíaca –, assim como pelo futuropsicológico que seu filho poderia ter.

Por mais que nosso corpo estivesse presente entre seus familiares e amigos,todos estávamos transtornados e envolvidos de alguma forma nessa tragédia. Nossopensamento divagava não querendo acreditar na crua realidade. Era exatamente aréplica dos sentimentos e da perplexidade que tivemos com relação a morte sinistrade sua filha.

Essa tinha sido a autodetonação do homem-bomba que involuntariamente lesariae mutilaria a todos os seus entes queridos. Embora não convivêssemos sob o mesmoteto, considerávamos parte de sua vida, e, conseqüentemente, sua morte estava levandoum pouco de cada um daqueles que o amava.

Toda uma experiência vivida passava instantaneamente como um filme emminha mente. Foi indelével a nossa alegria quando por reiteradas vezes conseguíamosescalar a íngreme Pedra do Baú, em Campos do Jordão, sendo a última há quase seteanos, quando eu tinha 40 e você, Geraldo, 39 anos. Quando jovens subíamos comoutros amigos. Nesta última vez nos atrevemos, juntamente com seu irmão Pio, aescalá-la com nossos filhos e alguns de seus sobrinhos.

Lembro-me que há exatos três anos tivemos um jantar em comemoração pelosnossos vinte anos de casamento. Além da Aida, minha esposa, e da Ana Telma, estavamnossos amigos José Alberto e Tânia, que também tinham casado na mesma época,além do Pio com a Stefanie, que foram padrinhos nos três matrimônios.

É Geraldo... não consigo imaginar que você não esteja mais no nosso convívio.Prefiro me iludir e vê-lo sempre sorrindo, disposto e entusiasmado, e chamá-lo comonos velhos tempos: Geraldão das candongas com seu misamply e lolobay.

E por trás destas enigmáticas palavras ocultavam-se virtualmente a nossainolvidável amizade e a nossa trajetória desde os tempos de adolescência, que vinhamà tona instantaneamente, toda vez que as pronunciávamos.*

*Homenagem póstuma ao inesquecível amigo Geraldo Magela Tabarani dos Santos, falecido no dia 2 eenterrado no dia 4 de fevereiro de 2002. Crônica escrita no dia 6 subseqüente.

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T T T T Transcursoranscursoranscursoranscursoranscurso

Lá vem... lá vem...Engatinhando, cambaleando, farejando– inconsciente

Soerguendo, afirmando, tateando– inconseqüente

Lá vem... lá vem...Retificado, equilibrado, conformado

– promissor

Idealizando, confiando, realizando– altaneiro

Lá vem... lá vem...Motivando, ansiando, acreditando

– persistente

Enrugado, encurvado, alquebrado – implacável

Lá vem... lá vem...Trançando, coxeando, tropeçando

– involuntário

Soerguido, amparado, obnubilado– incurável

Lá vem... lá vem...Lá... lá... lá...Lá... foi... lá... foi...

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Quimeras do TQuimeras do TQuimeras do TQuimeras do TQuimeras do Tempoempoempoempoempo

Ah! se eu pudesse rasgar páginas do tempo...não haveria vidas ceifadas na gestaçãonem órfãos de pais vivos.

Não existiriamtrabalhadores humilhados sem colocaçãonem serviçais escravizados por uma ração.

Ah! se eu pudesse rasgar páginas do tempo...não haveria a cegueira do analfabetismonem a abundância de enfermidades evitáveis.

Não existiriama degradante comercialização de corpos

nem a primeira tragada de uma saga de mão única.

Ah! se eu pudesse rasgar páginas do tempo...não haveria lares desfeitosnem conflagrações que espoucam existências.

Não existiriamdelitos que enjaulam seres humanosnem a corrupção que enfraquece a tessitura social.

Ah! se eu pudesse rasgar páginas do tempo...O desbotado pretérito seria apagado.O acontecendo... a seqüência de um ditoso passado.

O porvir... ah! o porvir!Se nutriria de respeito, justiça, solidariedade, dignidade e paz.

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José CarlosJosé CarlosJosé CarlosJosé CarlosJosé CarlosSerufoSerufoSerufoSerufoSerufo

Médico Clínico GeralBelo Horizonte - MG

Ao final, CriadorAo final, CriadorAo final, CriadorAo final, CriadorAo final, Criador...És?...És?...És?...És?...És?Há um clone perfeitocom meia história ...Em que será igual ao seu criador?Defenderá idênticos valores?Viverá os mesmos amores?Tomará para sitodas as suas dores?Se morrer ao nascer, tornar-se-á anjo?Quem lhe concedeu a alma?O Criador confabula com criadores?

Apure-se a verossimilhança das razões.A paranóia apenas começou.Se começo houvesse!...

Todo o pretendente é dogmático,nesta miséria ordinária da ordem.Ainda que os homens se acordem,tudo se acomodará, no pragmáticogosto amargo das incertezas.Gerações se sobrepõem com poucas levezas.Os embriões das próximas vingarão belezas!?

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Do laringo, ambú e assemelhados...

Há acordo das gentes quanto à importância do laringoscópio, do ambú, dostubos endotraqueais e de outros apetrechos utilizados no ato de salvar vidas, maso mesmo não ocorre quanto à funcionalidade desejada. Há também uma assertivade ordem sobre quem inventou esses equipamentos essenciais à reanimaçãocardiorrespiratória, e muitas teorias se sobrepõem.

O laringoscópio é aquele apetrecho, em forma de L, com uma luz na ponta,que se enfia na boca do moribundo a fim de visualizar a entrada da laringe, e,assim, introduzir-lhe o tubo endotraqueal goela abaixo. Já o ambú é uma bolsa deborracha ou silicone, contendo válvulas e conectores, utilizada para inflar o aroxigenado no pulmão do agonizante, via máscara facial ou via tubo endotraqueal,com preferência para este último. O monitor é de mais fácil compreensão, pois éum televisorzinho que, conectado ao peito desvanecido, mostra o fuzuê cardíaco.

A reanimação cardiorrespiratória e neural é apanágio recente na ciênciamédica, não tendo completado um século de existência. Consensos internacionais,como o ACLS (American Cardiology Life Support), o ATLS (American ThoracicLife Support) e o BLS (Basic Life Support), entre outros, encontram disponíveispara orientar o suporte à vida em condições ótimas ou adversas.

Cumpre aos médicos e auxiliares dominarem todos os meandros dareanimação, embora alguns passem pela vida sem utilizá-la, outros se enveredamno insucesso, quando diante da morte iminente, lamentavelmente, sem jamaistomar conhecimento. Quanto a esses, classifica-os em dois grupos: os que aceitamos desfechos e os, ansiosos, aflitos e guerreiros, que se suplantam a cada dia.

Quem lida com os instrumentos de suporte à vida sabe bem que eles semprefalham quando mais se precisa deles. Na prática, testa-se exaustivamente olaringoscópio antes de acomodá-lo pronto para o uso, mas no momento daintubação de urgência, quando uma vida corre risco, ele se embrenha na escuridão,premonitória do inferno. Costuma-se dizer que é o problema do osmar – “os marcontatos”. Outras vezes, algum endemoninhado inverte as pilhas acreditando,assim, evitar que se descarreguem.

O ambú, por sua vez, em especial o moderno, tem cinco válvulas, uni oubidirecionais, que são desmontadas e montadas a cada uso por auxiliares atentos,mas também, por débeis e possuídos.

Quanto ao tubo endotraqueal, que deveria ter seu balão garantido de fábrica,por via das dúvidas é sempre re-testado antes da intubação. Com os diabos! Não éque, após tudo, costuma apresentar vazamentos de obscura origem.

No que tange ao monitor cardíaco seus problemas são endiabrados, dignosde ocorrência policial: problemas de furto de energia, traçados aloprados, eletrodosdesatados, pastas malcondutoras e cabos fraturados.

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Face ao exposto, interessa retornar à questão de quem os inventou. Apósrevisão esgotante da literatura especializada, consegui identificar claramente essepersonagem oculto. Trata-se de um anjo rebelde. Melhor seria dizê-lo, de umanjo torto.

Os problemas começaram com a briga, que fechou o clima do paraíso, entreDeus e seu anjo braço-direito, felizmente expulso do céu. Já alcunhado, lúciferresolveu pentelhar a vida dos vivos e de todos que trabalham por preservá-la.

Espero ter clareado aos leitores o porquê desses instrumentos nãofuncionarem quando mais se precisa deles. A apresentação da causa, e de seudevastador efeito, demonstra cabalmente a minha teoria sobre quem é o realinventor e seus nefastos motivos. Jamais duvideis de mim ou caireis nas trevas!

Conhecimento inútil, vós vos direis. A princípio sim, todavia mostrar-vos-eique não o é e, ainda mais, ensinarei o modo como deveis proceder nessascircunstâncias.

Incomodado durante anos, após vidas e mortes, acolhi para mim sonhos epesadelos, frutos de comemorações, mas também de agonias e desesperos. Porfim, intentando desfalecer tais incômodos, alcei o insight de elaborar um planoalternativo, substancioso e eficaz, protegido do satanás.

A base teórica denota fácil compreensão. Como é da conhecença de todos, odemo consegue saber dos atos expressos, aquilo que mostramos ser, que sai danossa boca e transparece de nossos poros, mas jamais consegue penetrar na nossamente, guardada pelo anjo custódio de cada um.

Uma vez diante dessas situações, nas quais uma vida depende de nós, torna-se imperioso ouvir os conselhos soprados aos nossos ouvidos para decidirmossobre o que fazer. A grande problemática situa-se em distinguir os mísseis quevêm do coisa-ruim. São idéias de boas aparências, em especial, se acobertadas porparco conhecimento médico.Eviteis! O oposto vos protege.

De saída o referido plano, inteligível e soberbo, baseia-se no fortalecimentodo anjo da guarda, o do bem. De pronto, há que alimentá-lo continuamente!...

Em suma, controlar anseios e percorrer boa escrita...Queridos discípulos e nobres colegas, aos livros!

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RRRRRefleefleefleefleeflexões a partir de um suicidado...xões a partir de um suicidado...xões a partir de um suicidado...xões a partir de um suicidado...xões a partir de um suicidado...No mar existe um molusco cefalópode,não sei se posso chamá-lo de bicho,mas é certamente um animal,cheio de tentáculos gosmentos que podem se agarrar a tudo.Seu sifão propulsor lhe confere grande manobrabilidade.Na boca a rádula quitinosa faculta sua exclusividade carnivoraz.Quando perseguido lança uma nuvem pictórica pretapara despistar seus inimigose assim, como ele, ninguém vê nada...

Na terra,não sei se posso chamá-lo de Mastigoteuthis flammea,de Architeuthis dux ou, simplesmente, de Lula,mas é certamente um parente,comum, gigante ou colossal,e com certeza tem vasto mandoem especial, sobre quem pouco leu Maiakovski,-”E porque não dissemos nada,já não podemos dizer nada”-,o que lhe sucedeue a muitos que lhe sucederam.

Você que é chegado ao homem,diga-me se há um porquê da alcunhaou, inepto, o vitimo de falso correligionarismo?

Onde me firmo nada me atinge,exceto o mundo virtual.Ah! e as mãos do todo poderoso, direis!Sinto tudo, sinto muito..., mas digo nada!

Amanhã irei ao oculista,ao banco e ao cardiologista,pois também quero ter dois corações subsidiários,subsídios váriose não enxergar maisdo que o estritamente necessário...

-O ponto da mira e, dele, o norte do calvário...

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José RJosé RJosé RJosé RJosé RodriguesodriguesodriguesodriguesodriguesLouzãLouzãLouzãLouzãLouzã

MédicoSão Paulo - SP

JundiaíJundiaíJundiaíJundiaíJundiaí

Minha avó, meus tios e primos viviam em uma chácara em Itatiba.Freqüentemente íamos passar o domingo com eles. Eu era pequeno, e com meuspais e minha irmã, viajávamos num trem, que partia cedo da estação da Luz. Aprimeira parada era em Jundiaí. Movido a carvão, o trem tinha um balançar nostrilhos com um som ritmado, de que nunca me esquecerei nem dos apitos que omaquinista tocava repetidamente. Da chaminé da locomotiva voavam fagulhas quemuitas vezes entravam pelas janelas abertas e que, ou deixavam pequeninas marcaspretas ou pequenos furos nas roupas dos passageiros. Mas o balanço e aquele ruídoeram tão ritmados que embalavam o sono de muitos viajantes.

Em Jundiaí descíamos para tomar café ou Guaraná. (não havia Coca Colanaquele tempo). Mas o grande atrativo da estação de Jundiaí era um Pão de Ló muitofofo e delicioso que lá vendiam. Minha irmã e eu tínhamos que comer um grandepedaço desse bolo e tomar café com leite, que era sorvido do pires, aos goles, poisestava sempre muito quente e o tempo da parada era curto. Assim logo voltávamospara o nosso lugar no vagão, ainda saboreando o bolo e carregando um pacote comuma linda porção dele para a família da vovó Isabel. E assim aconteceu por algunsanos.

O tempo foi passando e meu pai pôde adquirir um carro, logo após a segundaguerra mundial. Continuamos nossas viagens de carro à chácara da família, pelaestrada nova: a Anhanguera, que estava sendo construída aos poucos. Porém a paradana confeitaria da estação, em Jundiaí, continuou obrigatória para o cafezinho assimcomo para a compra do bolo. Era um hábito quase religioso.

Bem mais tarde, em 1951, eu já estava no quinto ano da faculdade e cursandoao mesmo tempo o segundo ano da artilharia do CPOR. A minha turma de aspirantesfoi acampar para manobras, durante uma semana, nos arredores de Jundiaí. Oacampamento era num sítio no alto de um morro. Ainda me lembro que tivemosum intenso trabalho para montar as barracas, onde dormiríamos. Uma cozinha tinha

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sido preparada para nos servir as refeições. Era preciso cavar abrigos que ficavammeio enterrados e ocultos no meio da mata; instalar telefones com fios escondidosdebaixo de folhagens para podermos nos comunicar: os do posto de observação comos que estariam dando os tiros de canhões. Preparávamo-nos como para a guerra ecamuflamos a bateria de quatro canhões 75mm com que iríamos fazer nossos treinos.Já para aquela época esses canhões eram muito antigos. Estávamos bem atarefados eeram os últimos exercícios que fazíamos, pois logo mais seria a nossa formatura coma entrega das espadas. Enfim foi uma semana bem trabalhosa mas estávamosentusiasmados com toda aquela simulação perfeita de batalha.

Era no mês de julho, fazia muito frio e à noite descia uma forte cerração queentrava pelas barracas e umedecia até os ossos. Não era fácil dormir no chão, mesmoenrolados em cobertores que nós havíamos levado.

Alguns colegas haviam trazido garrafas de licor e de pinga e numa noite muitofria começaram a tomar alguns goles para aquecer. Mas não souberam acertar a dosee pouco tempo depois faziam uma algazarra tremenda logo chamando a atenção dotenente. Este mandou que todos saíssem das barracas, pôs a turma toda em forma efoi avaliando todos nós que tivemos que, em pé, fazer o quatro com as pernas!Alguns,que não estavam em condições de equilíbrio, foram levados de caminhão para o PSda Santa Casa de Jundiaí para tratamento ou seja glicose na veia. E eu como era oúnico estudante de medicina fui encarregado de acompanhá-los e ficar com eles nohospital até o dia seguinte pela manhã, quando o caminhão foi nos buscar.

Não preciso dizer o quanto o tenente ficou aborrecido, pois ele só dizia queisso não poderia acontecer num acampamento de aspirantes a oficiais que dali a ummês estariam se formando!

Ao ter conhecimento de que neste ano a IX Jornada da SOBRAMES se realizariaem Jundiaí, lembrei-me destes fatos tão significativos, que marcaram a minha infânciae juventude, que ficaram tão vivos na minha memória e que estão ligados a esta lindae hospitaleira cidade.

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Os Meus QuadrOs Meus QuadrOs Meus QuadrOs Meus QuadrOs Meus Quadrososososos

Noite muito fria. Após o jantar,Atentei para os quadros pendurados.Notei que eles trazem muitos recados.Recostei-me na sala a meditar...

Perguntei-me – que mistério se esconde,Se disfarça, por trás de cada tela?Para onde irá aquela branca vela?A bela pintura não me responde.

Indaguei ao mar. Que pensaria o pintorAo retratar-te assim tão forte e violento?Seria uma queixa triste de amor?

Porque ás vezes, mostras tanto ardor?Sei apenas que todo este seu lamentoRepresenta do artista o seu clamor.

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Um barulho estranhoUm barulho estranhoUm barulho estranhoUm barulho estranhoUm barulho estranhoEra um fim de semana prolongado e resolvemos passá-lo em nosso sítio para

aproveitar os dias de folga – sábado, domingo e segunda feira. Nossos filhos, aindapequenos, na idade de cinco a sete anos se aborreciam senão levassem companheirospara brincar. Assim permitíamos que cada um levasse um ou dois colegas. E depoisde reunir todo o arsenal necessário para refeições, lanches, café da manhã, carvão ecarnes para churrasco e mais mala de roupas, alguns travesseiros e brinquedos,preparamo-nos para sair. O nosso sítio era um pouco longe da cidade mais próximae assim poderíamos ficar mais sossegados. Na partida uma confusão para fazer cabertudo na Kombi, carro que possuíamos naquela época. Na hora de embarcar, aquelaeterna disputa pelo lugar na janela: minha esposa já começava a perder a paciência,dizendo que deveria haver um carro estrela para que todos pudessem ir junto a umajanela.

Eu começava a apressá-los, para não chegarmos muito tarde da noite, poistínhamos algumas horas de viagem. Assim depois de uma partida tumultuadaconseguimos atingir a estrada. A tarde estava luminosa com bastante sol e nos brindavacom uma aragem fresca e a paisagem muito bonita da serra da Mantiqueira, comalguns raros mas belos pinheiros do Paraná e outras árvores muito floridas. Eraprimavera.

Passadas cerca de três horas, o tempo começou a escurecer e o céu a ficarcarregado de nuvens, prometendo uma noite de temporal. De sorte já estávamoschegando ao nosso sítio. Ao ouvir a nossa buzina os caseiros bem depressa vieramabrir a porteira e subir a estradinha até a casa foi um instante Assim pudemos descertoda a bagagem antes que a chuva caísse. Logo começamos a distribuir as malas esacolas, destinar as camas e lugar de guardar as roupas dos hóspedes, preparar eservir o jantar, pois estavam todos famintos e as crianças alvoroçadas, querendo brincarcom os jogos que haviam trazido.

Finalmente estávamos sossegados, ouvindo o silêncio da mata intercalado como grito assustado de algum pássaro noturno ou o cricrilar dos grilos. De repente umaforte trovoada e começou a chover torrencialmente. Raios e trovões ameaçadoresdeixaram as crianças quietas e assustadas, quando subitamente se apagou a luz. Foirelativamente fácil encontrarmos fósforos, velas que eram localizados em todos ocômodos e lanternas até poder acender os lampiões a gás. Havia com freqüência faltade eletricidade, principalmente quando chovia. O temporal ainda continuava aterrador.De repente levamos um susto. Alguem batia à porta. Quem poderia ser?... Nãoesperávamos nenhuma visita. Só esperávamos mais hóspedes no dia seguinte.

Eu perguntei –”Quem está aí?” Não houve reposta. Novamente outro barulhode alguém mexendo na porta. Repeti a pergunta. Ninguém respondeu... O temporalcontinuava violento...Toda essa situação parecia um filme de terror - escuridão,relâmpagos, trovões e o barulho estranho... As crianças começaram a ficar assustadas

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e encolhidas se esconderam atrás do sofá, embaixo da mesa. O barulho de batidas naporta continuava. Resolvi então abrir e ver o que era. Cautelosamente abri uma frestae espiei no meio do negrume com minha lanterna. Qual não foi a minha surpresa:uma cabra havia subido os degraus da casa e entrara no terraço. Era um bonitoanimal com uma pelagem branca e castanho claro, possuía dois chifres, quase retos einclinados para trás, mas estava toda encharcada. Tinha um olhar meigo e simpático.Talvez assustada percebera alguma luz na casa, batera na porta com a cabeça. Foi umespanto e ao mesmo tempo um alívio e uma risada geral.

Lembrei-me que nas vizinhanças havia um sítio com uma criação de caprinosde raça, para venda de leite e fabrico de queijos. Fechei a porta para que ela tentasseretornar para seu sítio. No dia seguinte já não havia mais sinal dela a não ser a faltade algumas verduras na horta que o caseiro cultivava.

Mais tarde o caseiro nos contou que com aquela tormenta, um trecho da cercaque separava nossos sítios havia caído e por ali a cabra, talvez assustada, havia fugidoem direção das luzes da nossa casa.

Apesar do susto foi uma história que a garotada pôde contar na volta para suascasas e uma oportunidade de verem uma cabra, que crianças da cidade nunca haviamvisto.

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AlvorAlvorAlvorAlvorAlvorecerecerecerecerecerClareia nosso dia muito lentamente...Pássaros pouco a pouco a se agitar...Ouvimos o sabiá alegre a trinar,E o canário a dobrar insistentemente.

Os bem-te -vis a acusar, soberanos.Maritacas em bando a assobiar.Todos eles começando a voarNas árvores, jubilosos e urbanos.

Música de aves logo ao alvorecer,Mesmo nas cidades em que vivemos,Com tão pouco verde na natureza,

Ainda conseguem nos oferecerE com elas, felizes convivemos,Ao saudar o amanhecer com beleza!

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Josyanne RitaJosyanne RitaJosyanne RitaJosyanne RitaJosyanne Ritade Arde Arde Arde Arde Arruda Fruda Fruda Fruda Fruda FrancorancorancorancorancoMédica pediatra e psicanalista

Jundiaí - SP

Alameda dos CiprAlameda dos CiprAlameda dos CiprAlameda dos CiprAlameda dos CiprestesestesestesestesestesO vento de outono parecia implacável, era o que ele sentia. Ao redor, a paisagem

do fim da tarde tornava o céu de um azul esmaecido; seu olhar embaçado buscava, nopiscar exagerado, limpar a idéia de que haveria uma despedida. Preferia se apegar naimagem do primeiro encontro, do frescor dos primeiros dias com ela.

Ela continuava muito bonita, mesmo que o tempo houvesse passado e algumasdécadas tenham embranquecido as têmporas sempre perfumadas. Ainda conservavaa mesma serenidade na face, os dedos finos da juventude e o silêncio cativante quetudo dizia.

Enquanto caminhava de mãos dadas com seus pensamentos, esqueceu quehavia toda aquela gente ali por perto, como era de seu costume esquecer e ela semprepontuava. Pouco se importava com as testemunhas da sua separação, ocupava-se daslembranças, mais relevantes e só deles dois.

Ecos de palavras indeléveis o atropelavam, buscando espaço na ciranda dopassado. Percebeu, com espanto, que soluçava. Este era o único som audível para ele,nada mais importava, apenas o que iria continuar a fazer sem ela.

Alguma vez parou para sentir o amor, ou simplesmente se deixou levar nocarrossel da vida, cumprindo os projetos acerca da família, nutrindo os rebentos como fruto do seu trabalho e se tornando um bem sucedido e respeitado senhor? Pensavatristemente.

Quanta vez olhou para sua mulher e reviu nela a doce noiva que quis desposar,lembrou daquele sorriso aberto que ela oferecia na intimidade, sentindo a doçura doseu toque e a maciez dos cabelos espalhados sobre os ombros? Tudo fora tão rápido ejazia longínquo, perdido... Correra tanto na vida e apressara aquele momento quedesejava que nunca chegasse: o dia em que a presença dela saía da sua vida.

Suspirou fundo e sentiu o palpitar do coração. Olhou a cinza tarde, descobriu asprimeiras folhas de outono buscarem o repouso do chão; lembrou-se das recenteschuvas de verão encharcando a terra, do quanto havia que não a avistava mais se

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balançando na cadeira da varanda, pois só chegava depois que escurecia, atirando-senos livros, estudos e sofá.

Ah, como se portara feito um idiota!Perdia seu amor a cada dia, a cada pôr-do-sol, a cada madrugada trabalhada sem se dar conta de que o tempo cobra o seutributo.

Incansável, ela sempre buscava uma forma de estar por perto: cuidava da agenda,dos compromissos diversos que ele assumia, fazia-se presença emudecida e orgulhosanas reuniões com os amigos, deixando o cenário para que ele brilhasse e reluzissecomo o sol, para depois se vangloriar sozinho das suas conquistas.

Mesmo quando suspeitava de algum deslize se ele andava meio enviesado, elasabia o momento certo de se fazer mais companheira e reafirmar sua lealdade.

Era brilhante, sagaz e genuína; arrebatada em alguns momentos, passionalnoutros tantos, era a grande estrela da sua vida e, como um cometa, deixaria umrastro fulgurante que a tornaria inalcançável quando fosse embora.

Pela primeira vez sentiu o peso da solidão e conseguiu mensurar o valor de todauma vida juntos. Entendeu nela muitos dos seus motivos, percebeu o alcance daquelaunião.

Por entre a alameda de ciprestes ele a conduziu até a última morada. Opensamento já se esvaziava... agora, só a emoção o preenchia. A dolorosa despedidapromoveu o reencontro com o seu grande amor adormecido, ainda que agora eleseguisse o inexorável caminho da eternidade.

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FFFFFantasiaantasiaantasiaantasiaantasiaPrudente é esconder teu beijo no aparadorantes que o dia me venha trazer surpresas...Antes que se reúnam nesta mesa...Antes que nos revele a luz do sol.

Quisera deixar-te à vista dos olhos meus,mirando tua face ambígua,cheia de encantos e vãs partidasque nunca dizem se houve adeus.

Recolho-te à insignificância de um estofadoque esconde este sorriso, já muito amado,debaixo de almofadas da cor do mel.

Bem sabes, eu levarei feito ciganatua foto da penteadeira à minha cama,assim te consagro a mim sem te perder.

Mas nunca estarás além da fotografia...Se é noite... ou entardecendo... ou quase dia,disfarço que estás comigo, mas és adorno

perdido entre outras fotos, nas tantas posesque, estáticas, escondem a vida que assim ficouparada, no enorme espaço do aparador.

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Dormindo sob o arDormindo sob o arDormindo sob o arDormindo sob o arDormindo sob o arco-írisco-írisco-írisco-írisco-íris Definitivamente, já não aquentava mais ouvir repetidas vezes aquela mesmamúsica. Ensaiara como falar com a vizinha o quanto aquele ritual perturbava todo o andar,mas sempre que a via no hall de entrada ou dentro do elevador, perdia a coragemante aquela senhora tão idosa, com os cabelos pintados de preto e o olhar emudecido. Queria admitir que ela perturbava a sua inspiração sempre que decidia escreverapós o almoço e se distraía com a voz de Judy Garland cantando “ Over the Rainbow”,mas a realidade é que há muito não conseguia escrever nada, não tinha boas idéias evivia muito concretamente os seus dias de ócio e liberdade. A aposentadoria parecera apontar o início de um novo caminho literário, porémo que mais tinha agora era muito tempo livre e quase nenhum novo projeto. Mudara-se, então, para um apartamento pequeno numa rua modesta e acolhedoratendo por companhia o gato Sigmund. Os filhos, crescidos, criados e se reproduzindo,já não precisavam tanto do seu apoio e então, eventualmente os visitava e assim ialevando, curtindo o novo cantinho sem ornamentos de vaidade nem atropeloscotidianos. Só chegou a perceber o ritual da velha senhora quase um mês depois que alimorava, pois já não tinha muito o quê resolver e parava mais em casa. Assim, todas as tardes, por volta das 13:00 h, ouvir pelo menos cinco vezes aquelacanção começava a se tornar um sacrifício, ficando a se lembrar o dia inteiro das cenasdo filme e mesmo a sonhar com as personagens. No entanto, o sorriso débil e desolado que ela oferecia quando se encontravam,sempre fazia com que pensasse duas vezes na abordagem e contemporizasse com ela. Aturou algum tempo aquela situação. Percebeu que já estava simpatizando com avelhinha e começou a elaborar estratégias de aproximação para conseguir entender oque a fazia insistir naquela atitude meio obsessiva que tanto incomodava. Descobriu, por fim, que os outros vizinhos não se importavam com aquilosimplesmente porque no andar não havia mais nenhum morador. Encheu-se decoragem imediata: não sofreria o julgamento de ninguém. Falaria com a idosa, eraapenas questão de oportunidade. Uma noite, ao voltar da visita que fez a um dos filhos, notou que a música aindatocava bem baixinho na casa da velha mulher. Enfim, alguma visita, pensou com imediata curiosidade, mas se conteve. Estava feliz ao voltar antes da chuva que se anunciava para a madrugada, depoisde um dia quente e abafado, típico do verão. Já na cama, pôs-se a imaginar sobre a visita que aquela senhora estaria recebendo.Tentou escrever, mas não conseguiu e dormiu no sofá, com o Sigmund aos seus pés. Pela manhã, o dia estava encharcado e fresco, mas o sol despontava radiante.

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Pensou em trazer da padaria um doce para oferecer à vizinha e entabular umaconversa. Mal chegou ao elevador, percebeu que a música ainda tocava; deveria serum aparelho de som que reinicia automaticamente... ela adormeceu sem desligar,concluiu. Ao voltar do café com o pão doce, a mesma situação. Chamou o porteiro, já com ocoração oprimido. Não demorou muito tempo e o resgate retirou o corpo da sala, que jazia recostadono sofá. Estava vestida exatamente como Judy Garland naquele clássico do cinemaque a consagrou e também à canção. Até os cabelos traziam os laços de fita. Dentro do apartamento, cenas do “Mágico de Oz” por todos os cômodos,misturados aos retratos daquela velha senhora, que havia sido atriz nos idos tempos. Em frente ao prédio, a aglomeração não abafou os apelos de um garotinho quemorava nos arredores: ele implorava, insistente e feliz, que a mãe visse o enormearco-íris que se exibia majestoso no horizonte, talvez pensando no mítico pote deouro. Naquela noite, sem a presença marcante e silenciosa da única vizinha, sentiu-semuito só. O choro que brotou em seus olhos não foi somente pela forte emoção dodia. Chorou pelo seu passado, pelo presente e também pelo futuro. Chorou por tudoaquilo que significa poesia, fantasia e sonho: o alimento de um coração de qualqueridade. Descobriu-se cantarolando “Over de Rainbow” antes de adormecer. Na manhã seguinte, sentou-se compenetrado, alinhou as idéias e, enfim, voltou aescrever...

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TTTTTererererercetos para Bilaccetos para Bilaccetos para Bilaccetos para Bilaccetos para Bilac

1Vai, querido, antes que a noitevenha sombrear os teus cabelose envolva em breu o meu amante.

O sonho acaba e fica o pesadelodo vento frio, gélido, cortante,a castigar a tez do meu desejo.

Vai bem depressa, antes que o silênciote denuncie os passos hesitantese o teu arfar, exausto dos meus beijos.

Por terra deixo as frágeis barricadasque construí com sensata prudênciapra te deixar seguir a tua estrada.

3Mas te prometo a porta entreaberta,a minha cama sempre perfumadae a minha alma aflita e desperta.

Se te escondes no vale dos meus seiose o teu corpo no meu fica asilado,nada mais temo e nada mais eu vejo:

Apenas tu e a doce madrugada.Apenas eu e o amor que anoiteço...Apenas nós e as horas renovadas.

Fica comigo, fica mais um pouco!Esse querer que enfrenta qualquer medoé o que faz um dia ser tão pouco...

Então me beija e vem... que ainda é cedo!

2Vamos voltar à vida de cuidados:no relicário que é o nosso segredo,guarda o romance por nós compartilhado.

Então levante e vai, que já é tarde!

Tua juventude já quase é passadomas hoje tens a força da vivênciaque os vários anos deixam de legado.

Ah, não mais me tentes com tantos apelos!O teu queixume sempre me comovee eu sempre cedo ao néctar do beijo...

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LLLLLuiz Joruiz Joruiz Joruiz Joruiz Jorge Fge Fge Fge Fge FerererererrrrrreiraeiraeiraeiraeiraMédico

São Paulo - SP

Super-homemSuper-homemSuper-homemSuper-homemSuper-homemEu vi o super-homem. Estive mesmo com ele em Macapá, quando por ocasião

da fundação da Cooperativa dos Catadores de Material Reciclável. Cooperativa estaque incluía catadores de jornal, papelão, garrafas de vidro, garrafas de plástico,kryptonitas, latinhas de refrigerantes, cervejas e afins.

Estava muito calor na sede da cooperativa – CMRCA – quando ele chegou.Confesso que refrescou o local. Não que o super-homem fosse gay. Isto, nem pensar!Até por que alguns meses depois dos cinco dias que ele estivesse em Macapá, nasceramna cidade muitas crianças e entre elas muitas que costumam amarrar capas vermelhasno pescoço e sair correndo pelas ruas e quintais, querendo voar. Parece instinto, DNA,coisa que o valha. D.Faustina mesmo, diz ter visto seu neto menorzinho flutuar na lajeem direção a uma pipa com sucesso. E sua filha era arrumadeira de hotel.

Mas voltando à entrada do super-homem no recinto da CMRCA: sou testemunhade que refrescou o local e não foi só isto, ele perfumou. Depois soube que vierasobrevoando os Alpes e trouxera no corpo a fragrância de uma rara flor que só nascee cresce por lá, a mais de 2.600 metros, segundo explicação dada pelo Alípio Banhos,responsável pela agência de venda de passagens da única empresa aérea na cidade, eque entendia de vôos.

A chegada do super-homem pousando, até melhor dizendo... brecando, pois eumesmo vi quando ele entrou, com um ruído semelhante ao frear súbito de carros emgrande velocidade, cantando os pneus, quero dizer... sapatos, que eu mesmo vi, tinhamos bicos congelados e a região do calcanhar em brasa. E como mais tarde explicou oAlípio Banhos: artificialmente ele invertera a direção das correntes de ar quente e friopara provocar a desaceleração, como um ciclone, o que provocou o esfriamento dolocal.

O que conta é que o super-homem cortou a fita inaugural. Cortou não é bem otermo: arrebentou-a. E não fez discurso. Saiu logo depois, com o braço no ombro dogovernador que foi com ele até o hotel, andando, pois a autoridade recusara-seterminantemente a voar com o ilustre convidado.

O homem de aço pareceu-me bem disposto. Confesso que, como médico dohospital local, torci um pouco para que adoecesse, resfriasse, coisa leve, para que eu

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pudesse examina-lo, ausculta-lo, realizar um eletrocardiograma, nunca pensando emRaio-X. Receitar-lhe coisas caseiras como um chá de alho e trezentas mg de aspirina.Jamais pensaria em mandar aplicar-lhe uma Benzetacyl. Que agulha, meu Deus, queagulha furaria seus músculos de aço?

De forma que soube mais tarde que nem banheiro ele havia usado. Comera umlíquido feito com mel e jabuticabas. Deitara de uniforme mesmo. No parapeito dajanela do apartamento do décimo quinto andar do hotel em que estava e recebermuitas descargas. Era uma das noites em que coincidentemente desabou uma destasrápidas tempestades tropicais.

E nem seu Souza. Hoje (09 de outubro de 2004), eu soube que ele morreu. Seráque resfriou mesmo como eu temia, ao mudar tão rapidamente de uma temperaturade um dia frio de inverno, na cidade de Nova York, para o calor escaldante de Macapá?

Não me perdôo por não ter ido até o hotel com a minha maleta de primeirossocorros, tomado o elevador e, ignorando toda a minha timidez, chegar até a frentedo apartamento em que ele estava hospedado, ter batido palmas suavemente echamado: senhor super-homem... senhor super-homem... com certeza ele, ouvindomuito vem, viria até a porta aonde calmamente eu aguardava que ele abrisse, maspor certo já teria me visto com seu olhas de Raio-X. Ao abri-la eu me apresentaria umpouco gago pela emoção e atordoado pelo embaraço: “Boa noite, mister senhor super-homem... Sou seu fã e sou o médico da cidade. Vim saber como o senhor está passando.O senhor está bem? O senhor precisa de meus cuidados? Está febril. Está resfriado.Posso medir-lhe a pressão? Posso contar-lhe o pulso? Está pálido. Está tonto. EstáZorro... Oh, oh... Desculpe. Embaralhei os heróis.

Por não ter feito isso, até hoje nunca consegui me perdoar.

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FlapFlapFlapFlapFlapAquele terreiro torto cheio de tocos e maracujazeirosEm que derrubei os meus anseiosEm que me feri os meus joelhosQuerendo alcançar os ombros de mamãe.Sumiu. Está cheio... de tijolos.

Só eu posso dizer o quanto lavei o olhar no marSó eu posso dizer o quanto desejei pescar meus sonhos nos rios.Agora não o faço mais.Vivo sozinho olhando os passarinhos margeando a luaDesejando a chuva.Anoitecendo a tarde.Azedando a vida.Espreitando a morte.

Tudo isso para aprender a voar como elesOs passarinhos magros.

E num vôo mais ousado, alcançar os ombros de mamãe.

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FlipFlipFlipFlipFlipJesus não foi porque estava com catapora. Eu, Elzimar, fui. Fui arrastando o

chinelo surrado cheio de calo dos meus calos. Saí pela porta como se fosse para o fimdo mundo e eu ia só noutro povoado visitar nossa avó. Desci os degraus de terrabatida. E pensei que hoje ia demorar mais de meia hora. E eu ia perder a hora doalmoço.

A mesma lombrigueira roncando na barriga. Acima o sol tímido. Abaixo ostoquinhos de capim furando e ferindo. O nosso cachorro me seguiu até a curva dasgrandes Oliveiras.

Depois se distraiu e começou a correr em círculos perseguindo a cauda. Eu choreium pouco, por ir sem companhia. Mas lá adiante eu é que me distraí jogando pedrasem uns pássaros pretos e correndo como se fosse alcançá-los e mais tarde corri paraesconder-me de uma pancada rápida de chuva. Chuva de verão.

Tinha 10 anos. Jesus tinha nove. Semana que vem, vamos visitar o templo. Abaixei-me, enchi a mão de terra que atirei para cima para vê-la se espalhar com a lufada dovento que soprava trazendo um cheiro de camelo. Tenho saudade de quandomorávamos à beira do mar aonde colecionávamos conchas, aonde costumávamospassar horas ouvindo o mar falar conosco. Ele traduzia o que o mar dizia. Coisascomo: “Estou com frio. Estou muito azul hoje”.

Adorava quando o primo chamava para que nos acariciássemos. As pequenasbaleias que vinham até próximo à praia e se ele chegasse perto elas queriam lamber-lhes os pés. Havia também as tartarugas que se arrastavam até a areia para nos carregare apostávamos corridas sobre elas ou íamos a passeio pelo mar e as ondas nos faziamvoltar e caprichosamente desenhavam na areia nossos rostos.

Por diversas vezes o verá andar sobre o mar, correndo com as sandálias na mão.Desviando-se, os peixes pulavam por sobre meus ombros. Ou as algas que se prendiamnos seus pés como a adorná-los.

Dissipei meus pensamentos e comecei a descer a ravina em direção à escada depedra que rodeava o pequeno desfiladeiro. Bastava atravessa-lo e já se avista a casa devovó. Caso ele tivesse vindo com certeza estalaria os dedos e um par de águias nosiçaria, e nos transportaria para o outro lado, poupando esta marcha cansativa por estaescada escorregadia esculpida nas pedras da rocha. A mãe dele, minha tia, já o proibirde fazer estas coisas na frente das pessoas, mesmo escondido. Pois alguém poderiaver. Vovó também dizia: “Não, Não deve usar esta sua facilidade de lidar com as coisaspara tornar menos difíceis suas tarefas. Quando está com sede, não deve fazer brotarágua das pedras, quando está enfadado, não deve caminhar dormindo. Nem olhar oque vai acontecer daqui a alguns dias, por simples curiosidade, apenas fechando osolhos e se concentrando, E está terminantemente proibido de fazer reviver pássaros,cães, gatos, ou outros animais mortos, com peninha deles.”

“Isso – dizia ela – não é normal que as pessoas façam. E pare de voar para cimadas árvores para apanhar os frutos mais maduros. E se eu ou sua mão ou seu primo

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ficarmos doentes ou nos ferirmos em alguma ocasião, não nos toque para nos curar,nem nos cicatrize”. Eu pensei porque eu não sei fazer isto. Somos primos. Emboraalgumas vezes tenha pedido para ele me ensinar. E ele tentasse. Certa ocasião me pôsa mexer as mãos para cima e para baixo sobre um corvo morto e em dois dias nadaaconteceu.

Esculpiu uma vara de bambu e suado se abraçou com ela e me deu para quetocasse com força nas pedras e nada de brotar água. Mandou que eu passasse salivacomo tantas vezes o fizera sobre uma borboleta e ela não ressuscitou. E dizia: “Pensa...pensa... pensa... pensa forte”. E eu pensava tanto que ficava com dor de cabeça enada. No dia que tentei voar para vima de uma videira, e olha que era baixa, foi umaqueda só. Não, primo. Desisto, eu disse. Não sei como você faz, vejo que é simples,não tem nem palavra mágica. Então é isto. Abraçou-me sorrindo. Falta uma palavramágica para você, primo. E se a gente inventar uma. Qual? Indaguei. Flip. Ele falouFlip. E eu, de repente, estava com um pé só em cima da videira. Titia nos viu e nosdeu umas palmadas. Está proibido, terminantemente, de fazer qualquer uma dascoisas que lhe proibi. Falou rispidamente. Inclusive com Elzimar, apontando paramim e dirigindo-se a ele. Até que fique um homem senhor da sua vida. Nem mesmose curar pode, ouviu!

Ele a olhou em silêncio, com os olhos marejados. Vovó, quando me viu chegarsozinho, com cara de tristeza, suado, faminto, todo coberto de pó, perguntou-me:“Veio só?”. Vim – respondi. Jesus não veio. Jesus está com catapora.

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Água lavadaÁgua lavadaÁgua lavadaÁgua lavadaÁgua lavadaO rio renasce comigoÚmido.Talvez no meu umbigo.Por outra vez, estaremos juntos,Como estivemos: saliva, lágrima, suor, mecônio e água.

Minha vida há muito passou da metade.E o rio que me intriga é o rio que nunca me invadiuNão me encheu as margens, nem secou em meu coração.Nem se afogou em minha alma,Atenta como um ladrão.

Este rio passou da vazantePerambula agora ao sabor das águasE quando ele secar, minha sede se mata.Exausto!Cedo às tentações das margensE volto ao âmago,Onde o doce é amargo.

Em mim,Trago o olhar recolhido de um retrato,Onde o tempo pregou sua cicatriz.

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Manlio MarioManlio MarioManlio MarioManlio MarioManlio MarioMarMarMarMarMarco Napolico Napolico Napolico Napolico Napoli

Médico ortopedistaSão Paulo - SP

Diagnósticos e prDiagnósticos e prDiagnósticos e prDiagnósticos e prDiagnósticos e prognósticosognósticosognósticosognósticosognósticosAo atender um paciente que o procura, o médico para examiná-lo deve (deveria)

seguir verdadeiro ritual, a começar pela queixa, passando pela história, antecedentespessoais e familiares, exame físico geral e local, este último começando pela observação,seguindo pela palpação, movimentação ativa e passiva, avaliação da circulação venosae arterial, e sensibilidade; se couber no caso, estudar também a marcha. Conforme osachados, o médico deve solicitar exames complementares, que são atualmente devárias naturezas – laboratoriais, radiológicos, topográficos, ultra-sonográficos, etc.

Através da queixa, da história da doença e de seus antecedentes pessoais efamiliares, o paciente, na verdade, transmite ao médico quais os sintomas do mal queo aflige. Durante o exame físico, associadamente aos resultados dos exames solicitados,o médico fica a par dos sinais da moléstia.

Diagnóstico é o conhecimento ou determinação de uma doença pelos sinais esintomas ou mediante exames complementares.

Prognosticar, por outro lado, é fazer juízo médico, baseado no diagnóstico e naspossibilidades acerca da duração, evolução e termo de uma doença. Entretanto, háprofissionais médicos que vão muito além do que é possível prognosticar, através dossinais assinalados.

Fazem verdadeiros exercícios divinatórios e, em muitos casos, de puraimaginação, submetendo o cliente e sua família a sustos e graves apreensões.

Trata-se de comportamento arriscado e desnecessário, porque o médico estásujeito a erros e, na verdade, não se está cuidado de uma máquina e sim de um servivo, com seu comportamento sujeito a leis biológicas fundamentalmente.

Felizmente o risco de prognósticos desastrosos, hoje em dia é menos freqüente;isto deve-se ao progresso dos exames de laboratório e de natureza física. Diga-se depassagem, já houve alguém que pretendeu afastar a figura do médico, colocando opaciente à frente de um computador, fazendo perguntas e obtendo respostasdicotomizadas, sim ou não, chegando a um diagnóstico e mesmo prognóstico. Óbvio,que à Medicina não se pode aplicar método puramente matemático, pois antes de serarte, ela é uma ciência biológica.

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Voltando a minha infância e adolescência, fui, por duas vezes, vítima deprognósticos errados e desastrosos; o primeiro quanto ao déficit visual, por apresentarmiopia e astimagtismo de grau elevado; o segundo, por ocasião do alistamento militar,ao exame clínico realizado no Exército, foi achada a pressão arterial 13 x 6, o quelevou o examinador a encaminhar-me para um dos clínicos mais conceituados naépoca. Na primeira situação tinha apenas 11 anos e foi prognosticado que, casocontinuasse meus estudos secundários, fatalmente ficaria cego. Aos 20 anos, porapresentar pressão arterial precocemente elevada, o prognóstico foi hipertensãomaligna, assim, com todos os cuidados e restrições em minhas atividades, chegaria nomáximo, aos trinta anos!

Se meus pais tivessem seguido a orientação dos especialistas de então, certamentenão teria chegado a ser um profissional da Medicina e, muito menos, aos meus oitentae seis anos de vida atuante e laboriosa.

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PPPPPrrrrrodígios dos pés da bailarinaodígios dos pés da bailarinaodígios dos pés da bailarinaodígios dos pés da bailarinaodígios dos pés da bailarinaA dança é uma manifestação natural do homem, haja vista que as crianças a

praticam normalmente.É uma forma de marcha criada pelo homem, para traduzir os sentimentos

despertados pela música ou canto; no sentido musical é a relação entre o pé e oouvido. Dança e música estão intimamente ligadas. O ritmo da dança éacentuadamente biológico; nossa fisiologia é feita de ritmos diferentes e de váriasordens - cardíaco, respiratório, etc; o ser humano se expande por ritmos, porqueestes são significativos e transfiguram seu corpo, que através deles, fala e se manifesta.A dança é uma linguagem que todos entendem. NIETZCHE dizia - “perdeu suaviagem na vida quem nunca dançou”.

Quando os primatas elevaram seu trem posterior, para melhor visualizar ohorizonte e poder fugir de seus perseguidores ou, ao contrário, alcançar suas presas,modificações importantes e fundamentais para acelerar a marcha e diminuir a fadigaforam introduzidas nos pés:

1 - o talus livrou-se de suas inserções musculares e tornou-se o centro daarticulação peritalar;

2 - o calcâneo hipertrofiou-se;3 - o primeiro raio metatarsiano tornou-se praticamente paralelo aos demais

raios e hipertrofiou-se também; a articulação cúneo-metatarsiana tornou-se,praticamente, plana, com seus movimentos limitados;

4 - finalmente, surgiu o arco longitudinal.

Tudo ocorreu progressivamente há cerca de quinze milhões de anos, atéchegarmos ao pé atual do homem que, de órgão de preensão semelhante à mão, setransformou em membro de sustentação, embora guardando resquícios de suasfunções primitivas.

Surgiu, a partir desse momento, nova capacidade - a antítese, que dá ao pé apossibilidade de, na fase de apoio de marcha, se tornar flácido e, logo em seguida, nafase de desprendimento do solo, absolutamente rígido. É o que se vê, quando no baléclássico, a bailarina executa o “fouetté”, ou seja, a rotação rápida e contínua na pontaou meia-ponta da perna de apoio, graças ao impulso dado pelos movimentos dosbraços e da outra perna. Os “fouettés” são executados em séries de 16 ou 32.

Isto é o que ocorre na dança, normalmente no balé, quando a bailarina, atravésdo aprendizado longo e exaustivo, consegue prodígios com seus pés.

Mas, evidentemente, há um tributo a ser pago, pois a dançarina exige o máximoesforço de seus pés, como também do sistema músculo-esquelético locomotor, com a

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participação de todo o aparelho estático e dinâmico do seu corpo. Este tributo érepresentado pelos distúrbios de forma e função dos pés que nos membros inferiorespodem atingir índices elevados, próximos de cem por cento, com a produção decalosidades, bolhas, quadros dolorosos ascendentes até os quadris, pés planosinsuficientes, sendo o balé clássico o estilo de dança responsável pela maioria daslesões que, de um modo geral, crescem com a idade e o uso das sapatilhas de ponta.

Por outro lado, se as bailarinas conseguem prodígios com os pés, não nosesqueçamos que, por sua estrutura e função, pela qualidade de máquina perfeita queencerra a excepcional característica da antítese, são os pés que permitem que issopossa ocorrer no ser humano.

Wood-Jones, estudioso dos pés, em seu livro publicado em 1945, afirmava quede todos os segmentos do corpo humano, o que mais evoluiu foi o pé, e o Homemgoste ou não, ele é sua chancela e será através do mesmo que será conhecido pelosdemais seres do reino animal.

Certamente, o A. não poderia imaginar que em 1969, ou seja, menos de cincolustros após, entre estarrecido e incrédulo, o mundo viu o Homem pisar na Lua e seucomandante, Neil Armstrong proferir a frase - um pequeno passo para o Homem,um salto gigantesco para a humanidade.

Cabe lembrar que o homem desceu na Lua, apoiando-se nos pés, e lá não háatmosfera, inexistem ventos e tempestades, assim sendo, a imagem no solo lunarjamais desaparecerá !

O pé do Homem está eternizado no espaço sideral, fora do planeta Terra !

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MarMarMarMarMarcoscoscoscoscosGimenes SalunGimenes SalunGimenes SalunGimenes SalunGimenes Salun

JornalistaSão Paulo - SP

ESPÉCIE INVESPÉCIE INVESPÉCIE INVESPÉCIE INVESPÉCIE INVAAAAASORASORASORASORASORAErva daninhaTanta vida pra usurpar,Escolheu logo a minha.

VICINAISVICINAISVICINAISVICINAISVICINAISMeus caminhos se perdemPor ribanceiras e verdesDa terra que não tem mais fim

NANANANANAVE DE MIMVE DE MIMVE DE MIMVE DE MIMVE DE MIMPara onde vais?Com que porto sonhas?Qual será teu cais?

IMPERTINÊNCIA

Fico olhando para o espelhoQue me afronta com a carrancaDa juventude que o tempo arranca.

VAZANTE

Mesmo que não chova,A lágrima comprova:Olhos correm para o mar!

PRECAVIDO

Antes que brocheprende sua musanum camafeu.

Quinze poetrixQuinze poetrixQuinze poetrixQuinze poetrixQuinze poetrix

Caracterizado por seu conteúdo essencialmente minimalista, o POETRIX é umterceto que requer obrigatoriamente um título que deve interagir com a poesia.

No POETRIX, suas 30 sílabas não pressupõem qualquer rigor de métrica ou rima,mas, no entanto, espera da poesia uma completa interação entre

o autor e o leitor, em qualquer tempo.

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FÁTUO

Fogo que me queima,e teimanão fazer cinzas de mim.

INSTINTOINSTINTOINSTINTOINSTINTOINSTINTOAlma fêmea,Rugindo,Sinal de perigo

AMARGOAMARGOAMARGOAMARGOAMARGOUm cálice,Tinto, seco,Dizendo cale-se.

EFÊMERAEFÊMERAEFÊMERAEFÊMERAEFÊMERABolha de sabão,Estoura,E já não é.

PRETENSÃOPRETENSÃOPRETENSÃOPRETENSÃOPRETENSÃOO melhor verso,a estrofe perfeita...Talvez eu escreva amanhã.

PECADOPECADOPECADOPECADOPECADOMortal de nascençacapital de hora em hora...Será que pequei agora?

PPPPPACIÊNCIAACIÊNCIAACIÊNCIAACIÊNCIAACIÊNCIAPlantar uma sementee sentar-se ao lado,esperando pela sombra.

TROCANDO EM MIÚDOSTROCANDO EM MIÚDOSTROCANDO EM MIÚDOSTROCANDO EM MIÚDOSTROCANDO EM MIÚDOSNós fazíamos versoscomo quem petisca num bar,sem pressa, sem parar...

POR FPOR FPOR FPOR FPOR FALALALALALAR NISAR NISAR NISAR NISAR NISSOSOSOSOSOBrindemos!Aomuito que nos restado pouco que ainda temos.

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Novo diaNovo diaNovo diaNovo diaNovo dia

... Portanto, quando o novo dia amanhecer, faça assim: trate-o com certo desdém,como se ele fosse a coisa mais comum e sem muita importância que você já viuacontecer. Porém, não o despreze de todo, que é para que ele não se sinta no direitode ficar sombrio. Aliás, desprezo não se deve dar a ninguém, não é mesmo? Portanto,finja que esse amanhecer não é com você e boceje longamente, olhando para algumcanto qualquer do dia e sempre disfarçando da melhor forma possível.

Mas valorize como puder o dia que se insinua. Não mire direto nos olhos donovo dia, pois senão ele pode te encantar. Faça de conta que ele nem está por perto esiga dissimulando. Faça seu próprio amanhecer, sem qualquer demonstração deintimidade ou afinidade com o dia que se sugere.

Deixe-o espreguiçar livremente sua luz pelo horizonte e não dê muita atenção asua possível demonstração de prepotência. Às vezes os dias são assim mesmo, cheiosde si e de luz e tanta coisa, que chega a encantar um vivente. Isso costuma confundirmuito as pessoas menos avisadas, pois elas acham que todos os dias são maravilhosospor si mesmos, cheios de encantamento. Mas não é bem assim. Portanto, muito cuidadopara não se deixar trair pela cara do dia logo no seu começo, quando você ainda nãoestá preparado adequadamente para enfrentá-lo e nem sequer despertou direito. E,de mais a mais, os dias são assim mesmo, cheios de quereres, fazeres e mequetrefes, eportanto, são muito, muito perigosos. Cuidado!

Ah!, outra coisa: se por acaso algum perfume matinal, como por exemplo, o demel, o de certas flores silvestres ou o de campinas distantes, que são os mais atrevidos,tentarem penetrar em suas narinas, faça de conta que você teve uma terrível noite derinite alérgica. Afirme que você não está percebendo nenhum impulso olfativo namanhã desse novo dia. Mas não seja tão imprudente a ponto de ignorar qualquerdesses aromas, por mais de alguns segundos, pois eles são tão raros quanto insinuantese imprescindíveis. E serão tão importantes neste seu dia, como se você os sentisse pelaprimeira vez. Portanto, aspire-os com suave deleite, mas não se dê por satisfeito ainda,se por acaso o dia vier perguntar alguma coisa a respeito.

A seguir, e para que o dia não pense que é assim tão magnífico quanto aparenta,tente não ouvir nenhum chilreio de pardais, pios de caga-sebos ou gorgeios de pássarosque você nem conhece. Simplesmente ignore o lamúrio de um ou outro sabiá,principalmente se for setembro. Feche seus ouvidos para os sabiás, caso seja primavera.Sabiás gostam de se impor com insistência, muito antes da luz do dia e dos aromas deflores e das campinas que podem chegar com a luz do sol. Sabiás podem ser maistristes do que se imagina, pois gorjeiam e piam ali por volta de setembro, quando aprimavera chega ou apenas se insinua. E é este, mais ou menos, o tempo em que amorte se prenuncia. Todos os sabiás gostam de estar por ali nessa época, muito antesda luz do sol, dos pios dos outros pássaros, dos aromas de todas as flores e da luz das

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cores do dia. Mas chegarão infalíveis, sempre perto do tempo em que algumas tristezasteimam em aparecer também.

Mas não dê tanta importância para essas coisas, caso você seja de acordar tarde.Afinal, o dia já vai estar ali para todo mundo, seja lá a que horas você se der contadele. Em algum momento ele já clareou, os pássaros do dia já cantaram, as cores e asluzes do dia já se impuseram e tudo o mais das coisas do dia já aconteceram. Então, jánão há mais nada a fazer. O dia já está acontecendo e assim prosseguirá em suaplenitude, como ele bem entender, quer você queira ou não. . Então, faça somenteassim: aspire, expire, aspire, expire, aspire... Expire... E esqueça, definitivamente,que os sabiás do início da primavera são precursores da morte. Eles não têm culpadas trapaças que a morte faz com algumas pessoas na primavera.

18.10.2005 a 25.08.2007

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PPPPPara uma palavra qualquerara uma palavra qualquerara uma palavra qualquerara uma palavra qualquerara uma palavra qualquerJá não me tocam tanto certas palavraspara que me sirvam de inspiração...Não sei se perderam o viçoou se fui eu que perdi o tesão

de vê-las se equilibrarem lânguidasnaquele verso tênueda poesia eriçadade uma hora qualquer,de um momento fortuito,de um nem sei quando.Não sei...

As palavras aconteciam antescomo um jorro de fonte,mas foram minguando,pouco a pouco.

E gotejando, secaram,como se nunca tivessem sido antes.Simplesmente, como se nunca...

Que vazio é esse de palavrase jorros de inspiração,que antes tanto...vertiam?E agora não...E que vinham tão graciosas,sem nunca me cobrarem nada?Ou será que pretendiam serapenas algum silênciodo qual eu nem suspeitava?

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Ah, então era isso! Uma dádiva,presente que eu nem esperava,que nem supunha o valor,tão rico era o tesouro que vertia.Abundante?Ah, não sei não, pois findou.

Palavras são assim mesmo:umas são tanto, outras não...Umas secam e outras dão vazão.Surgem a qualquer hora,de um nada insuspeito,ou de uma negação.

Palavras serão cicatrizes?Não sei.Mas servem de escolha, e de opção.A ti, palavra escondidaDo verso que eu pretendia,Dedico este poema-dúvida:

Devo sujar um papel tão caroQue tanta árvore precisou cortar,Com palavra tão sem serventiaComo estas que estou a abortar?

Ou será que valeu a penaManchar de tinta este manto?Com minha poesia pequena,Despeço-me...

Em pranto?Seria uma rima boba e tão pobre quanto...

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Cada coisa em seu lugarCada coisa em seu lugarCada coisa em seu lugarCada coisa em seu lugarCada coisa em seu lugar

Há algum tempo atrás ainda não havia sido inventado o poder. Em conseqüência,certas atitudes também não haviam se manifestado. Nem sequer haviam sidoconcebidas as coisas vivas e possíveis candidatas ao poder. Naquela ocasião só havia overbo e o verbo era Deus, e isso era bom... Mas deve ter sido muito monótono esseperíodo, pois foi quando Deus, que naquela época já tinha a designação de Todo-poderoso, resolveu dar uma agitada no seu pedaço e começou a criar as coisas.

Em sete dias apenas, coisa que até hoje se tenta imitar sem qualquer perspectivade sucesso, Deus construiu sua obra mais complexa. Foi fazendo logo o céu e a terra,o dia e a noite, tudo no primeiro dia. Daí, no dia seguinte, tingiu um tanto de suavontade de azul bem profundo e chamou essa invenção de firmamento, separando aságuas que já havia criado. Depois fez um donwsizing e deu uma organizada entreágua e terra, separando cada parte no seu lugar, o que era seco separado do que eramolhado. A seguir, como tinha boas idéias ecologistas, semeou a terra toda, para queficasse verdinha, cheia de frutas e flores, de perfumes e beleza. E olha que aindaestava no terceiro dia de trabalho!

No quarto dia, Deus resolveu que sua criação ficaria muito mais bonita secolocasse algumas luzes nos lugares certos e não deu outra: criou estrelas e luzeiros ebotou tudo lá no firmamento, pra iluminar a terra e dar uma certa ordem entre o diae a noite, que andavam muito misturados até então. Pronto! Ficou supimpa, e opróprio Deus achou que era bom!

Foi então que chegou a vez de povoar o ar e as águas com seres vivos, poisestava uma solidão muito grande naquilo que já estava feito. Peixes e seres das águas,pássaros e seres do ar, tudo isso Deus fez num dia só, o quinto de sua criação. Logo aseguir, no sexto dia, Deus colocou uma porção de animais na terra firme, coisa queainda faltava. Até que...

Bem, até que chegou o sétimo dia e Deus criou o homem, à sua imagem esemelhança, para que a tudo isso dominasse. Daí pra frente, meu amigo, logo depoisde Deus descansar, pois ninguém é de ferro, o homem começou a dar o ar de suagraça. Ganhou certas malandragens, aprendeu ou herdou da serpente uma sem-vergonhice ou outra, foi ficando meio safo na coisa de ter sido indicado para ser osenhor do mundo que Deus havia criado. Foi então, velho, que a coisa começou aficar preta...

Com o fito de dominar animais, plantas, mares e céus, enfim, o que Deus tinhacriado, o homem foi se arvorando de único dono daquela imensidão tão harmoniosa.Foi daí que a noção de poder, que até então era sabida e exclusivamente de Deus, poisafinal de contas foi Ele quem criou tudo, começou a subir na cabeça da criatura.

E desde então o homem, esse que devia ser somente a imagem e semelhançade seu criador, foi forjando malefícios e se utilizando de artimanhas escusas, concebendosituações de soberba e mesquinhez, sem quaisquer escrúpulos. E foi lapidando vaidades,

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alimentando egoísmos, semeando aleivosias, destruindo tudo o que o impedisse deatingir seu medíocre objetivo: ter o poder pelo poder.

Bem... Nestas alturas só resta algum exercício de lógica: Deus não tem sidomais tão ostensivo no trabalho como em seus primeiros dias de criação; aparentementesó vem dando uma sábia e segura manutenção naquilo que já havia feito e que játinha dado por completo na sua obra; com isso, é de se concluir que é bem capaz quequalquer dia desses Deus precise realizar uma intervenção mais rígida em todo ocomplexo de sua criação, só para colocar as coisas em seu devido lugar. Afinal, quemé que manda no pedaço?

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Maria do CéuMaria do CéuMaria do CéuMaria do CéuMaria do CéuCoutinho LouzãCoutinho LouzãCoutinho LouzãCoutinho LouzãCoutinho Louzã

Relações PúblicasSão Paulo - SP

O jarO jarO jarO jarO jardineirdineirdineirdineirdineiro e a paineirao e a paineirao e a paineirao e a paineirao e a paineira

Março chegou com as chuvas e as paineiras floriram pela cidade. Suas floresmuito bonitas, de vários tons róseos e às vezes brancas, muito semelhantes a orquídeas,enfeitavam o fim do verão. As tardes já eram não muito quentes, era um tempomuito agradável. O outono se aproximava, deixando para trás aquele sol brilhanteque aquecia a terra sem dó. Clarita, da janela da sua sala, no quinto andar do edifícioonde trabalhava, observava o movimento dos pássaros que não paravam de rodearos botões semi-abertos de uma paineira plantada na calçada daquela rua de muitomovimento. “Curioso, até os pássaros já se acostumaram à vida de cidade grande econseguem conviver com o barulho da sirene das ambulâncias, o roncar dos ônibus edas motos que por ali passavam”, pensava ela.

Essa paineira, em poucos anos havia crescido muito e estava atingindo asjanelas da sua sala. Dava a impressão que tinha um jardim aos seus pés. Árvoresfrondosas, com um grosso tronco coberto de espinhos, as paineiras são muitodecorativas mas exigem espaços grandes. Os frutos de coloração verde, com cerca dedez a quinze centímetros, quando secos lançam a paina, uma espécie de algodão queem pequenos flocos voa com o vento, levando pequenas sementes pretas que irão darvida a novas árvores. Clarita, ao olhar para a paineira, foi buscar no baú de sua memória uma docerecordação. Há alguns anos atrás contava em sua casa, com um jardineiro, muitocompetente e dedicado. Pessoa simples, não era muito jovem mas que trabalhavacom muito amor e principalmente com muita alegria. (“Hoje não se fazem jardineiroscomo antigamente!” pensou Clarita).

Português, nascido na ilha dos Açores, o Sr. Germano era uma figura que cativavaqualquer um. Entendia de flores, plantas, tempo de plantio, hortas, estética de jardinse o que estava faltando para melhorar a terra dos vasos e canteiros. Além da suaprofissão que ele exercia com muita dedicação, tinha uma habilidade especial parapequenos consertos domésticos, o que fazia a felicidade de qualquer dona de casa

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que o tivesse a seu serviço.. Algumas vezes fora ele quem tomou conta da casaquando ela viajava com a família. Certa vez, por ocasião do Natal tinha ajudadoClarita a matar um peru - que o marido havia ganho de presente - e para isso, elesimplesmente cortara o pescoço da ave com a tesoura de podar as plantas! Mas dequalquer forma tinha ficado resolvido o problema da ceia de Natal, daquele ano.

Com as suas ferramentas amarradas na bicicleta, botinas sempre um poucosujas de terra, um velho chapéu de feltro já muito surrado e sem cor definida - queele não tirava nunca da cabeça - no dia combinado, lá vinha ele, bem cedo paraarrumar o jardim da casa. Depois de tomar o café e contar as novidades sobre a suanumerosa família, com o seu sotaque bem carregado e pouco articulado, das ilhasportuguesas, começava o seu trabalho. Agitado sempre reclamando que a terra nãohavia sido bem molhada desde a última vez que tinha arrumado o jardim, que ascrianças tinham pisoteado as mudas replantadas, que o cachorro fizera buracos nagrama, começava a empreitada do dia com a vivacidade que era bem peculiar nele!

Clarita não era supersticiosa nem dada a buscar explicações para coincidências.Se acontecia alguma era porque tinha que acontecer. Porém a visão da paineiraflorida fez com que se lembrasse, que uma vez, havia trazido da chácara de unsamigos, uma semente de paineira e a semeara numa lata.A muda cresceu e um dia sob pressão da família, o Sr. Germano replantou -a nojardim. Ele, experiente que era, foi logo avisando que naquele lugar ela não podia sedesenvolver; que ela ia ficar muito grande; que o espaço era pequeno; que não iadar certo, e mais, que ele não se responsabilizava pelo que podia acontecer com talárvore !

Conforme sua previsão,a paineira se desenvolveu e tempos depois começou aflorir anualmente. A copa ficava sem folhas e toda cor de rosa das flores abertas.Clarita recordou como havia pássaros no seu jardim, especialmente maritacas alegrese barulhentas, sempre aos pares, de volta dos botões prestes a abrir. O Sr. Germano já não trabalhava. Doente, sofrera uma cirurgia muito séria enunca mais havia se recuperado. Fazia falta a sua presença falante, o seu bom humor,de pessoa que vivia de bem com a vida, que não tinha grandes aspirações mas queestava feliz com o que a vida lhe propiciara: uma família, uma casa numa chácara,muitas plantas e... poder trabalhar. Fazia falta aquela figura, andando pelo quintal,afofando os canteiros e falando como uma gralha. Os seus conceitos divertidos sobreos filhos, principalmente sobre o caçula que tinha a idade dos netos, os quais ele iaenumerando e contando que quando apareciam tinham que encher a casa de colchõespara todos dormirem e a avó tinha que cozinhar para o bando. Mas quando iamembora ficava a casa muito vazia.

Clarita de vez em quando telefonava para um vizinho dele, para saber notícias,que já não eram tão animadoras. O Sr. Germano não voltara mais, mas a sua figurasimpática e falante continuava na memória. Clarita meditava como às vezes acontecemcoisas que nos fazem parar para pensar.

Naquele ano o verão foi muito chuvoso. Grandes temporais marcaram a estaçãoe um dia, para espanto de todos da casa, a paineira começou a tombar sobre o muro

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do vizinho. Preocupada, o remédio foi chamar a prefeitura para arrancar aquelaárvore tão linda antes que acontecesse um desastre sério. Tempos depois, Clarita telefonou para saber do Sr. Germano . A vizinha muitoespantada foi logo dizendo: “A senhora não sabe? Está fazendo exatamente um mêsque o Sr. Germano morreu”.

Que triste notícia ... Não era possível acontecer isso. No fundo Clarita aindaacalentava uma pequena esperança e pensava sempre que talvez ele pudesse voltar aqualquer momento, na sua velha bicicleta, com o seu chapéu surrado e reclamar quenão haviam cuidado das plantas como ele recomendara. Emudeceu e desligou otelefone. Muito pesarosa e amargurada foi contar a todos de casa o que tinhaacontecido. De repente pôs-se a pensar e lembrou que fazia justamente um mês quehavia sido arrancada a paineira do seu jardim...

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SolidãoSolidãoSolidãoSolidãoSolidão

Ela puxou o xale desbotado para cima dos ombros, aconchegando-o mais aopeito. Sentia frio. Levantara-se cedo como de costume. Afastou as cortinas da sala,olhou pela janela para ver se o sol já surgia no horizonte. Assim talvez o dia fossemelhor do que na véspera, sentir-se-ia melhor com o tempo um pouco mais quente.

“O inverno tem sido rigoroso este ano... O sol traz sempre calor e alegria aocontrário dos dias escuros e cinzentos, quando então a tristeza invade a nossa vida”,pensava, enquanto se dirigia para a porta da sala. Abriu-a e observou o jardim feio,as plantas tristes, tudo parecia sofrer com esse frio. As folhas ao caírem forravam agrama com um tapete em tons de amarelo, vermelho e marrom. Apenas o pinheirono canto do jardim parecia indiferente ao inverno. Ali estava firme no seu verde bemvivo, como que dizendo que este tempo não lhe fazia mal. Pelo contrário, estava bemde acordo com sua qualidade de conífera própria de clima frio. Na calçada, umasuinã despida de folhas, cobrira-se de flores vermelhas que se destacavam entre osgalhos retorcidos e cobertos com espinhos. Pensou no jornal que já devia ter chegado,e deveria estar na caixa do correio. Com esse frio era melhor buscá-lo mais tarde efechou a porta depressa, desistindo de ir lá fora.

Sempre buscando consolo para si mesma, ela tornou a puxar o xale junto aocorpo. Os chinelos se arrastavam pelo assoalho, levados pelos pés preguiçosos quenão queriam andar mais depressa. “Para que andar mais rápido, afinal estes pés jáestão cansados de tanto andar! Para que correr se tinha o dia todo para não fazerquase nada!” pensava. A sua rotina de hoje era a mesma de ontem e talvez amanhã odia fosse igual. O tempo era todo seu, pois as suas obrigações eram muito poucas.

Assim como era seu hábito, primeiro foi fazer o seu chá. Dirigiu-se à cozinha,abriu a tampa do fogão acendeu o gás e colocou a chaleira com água para ferver. Iademorar um pouco mais. “Com este frio a água leva mais tempo para esquentar”pensou.

Em baixo da mesa, numa cesta forrada com uma manta velha azul, dormia oseu gato de estimação. Ou será que fingia dormir?

“Que gato mais preguiçoso”, resmungou, olhando bem para ele para ver se nãoestaria fingindo só para não ser mandado para o quintal... Era muito lindo o seugato: amarelo dourado como o sol de verão...dera-lhe o nome de Omelete. Commuita pose, com seu pelo sedoso e brilhante, pisava bem manso sobre os seus tapetese tinha o hábito de deitar-se enrolado com o focinho escondido, em um canto dosofá e ali passava parte do dia. Abria os olhos de vez em quando, levantava a cabeçapara - depois de verificar bem o que se passava à sua volta - tornar a dormir e alificava como se fosse um bibelô, quieto e silencioso.

Lembrou-se do Rui, de cinco anos, neto de uma antiga colega de trabalho, quetinha vindo visitá-la. Perguntara como se chamava esse gato, quis carregá-lo no colo edepois de ter um papel e um lápis nas mãos, queria saber como se escrevia o seunome: Omelete. “Mas porque o nome dele era de comer?” E assim se sucederam

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seus questionamentos. O único que não tomava conhecimento disso tudo erajustamente o Omelete, que indiferente a tanta pergunta e para escapar do meninoque queria agarrá-lo, procurava um lugar mais sossegado embaixo da cama ou doguarda-roupa, esperando que as visitas se fossem. Só assim teria sossego e poderiacontinuar dono da casa e do seu canto no velho sofá.

A chaleira apitou, avisando que a água fervia. Ela apanhou uma caixinha noarmário, dela retirando uma colherada de folhas e colocou-as na água fervente. Sempreenrolada no seu xale abriu a porta da cozinha e docemente chamou o gato para queele fosse dar a sua voltinha matinal. Encheu uma tigela de leite para ele, apanhou asua xícara de porcelana rosa, com friso dourado - recordação da casa de sua mãe -despejou o chá, colocou o açúcar e foi sentar-se na sua poltrona predileta, na sala devisitas. Ali passava muitas horas do dia, depois de ter dado conta dos poucos afazeresde dona de casa. Ora lia, fazia palavras cruzadas do jornal, buscava se entreter comalgum trabalho manual ou jogava paciência com um velho baralho, que ficava sempreem cima da mesa, ao seu lado. Quase não via televisão, pois achava que os programas,em geral, não lhe interessavam. Na estante estavam alguns dos seus livros que maishavia gostado de ler – romances água com açúcar – como diziam hoje e um pequenovaso de cristal, solitário. Em outra prateleira, um porta-retratos exibia uma foto, empreto e branco, de um casal jovem, numa pose de cinema e com um olhar embevecido.Ele de terno e gravata e ela de taieur com um pequeno chapéu enfeitado com umaspenas e véusinho sobre os olhos! Naturalmente a foto trazia lembranças de um passadolongínquo.

Tornou a enrolar melhor o seu xale à volta do pescoço, cobrindo melhor osombros, cruzando-o no peito, sempre a pensar no inverno rigoroso que fazia naqueleano. Olhou para os seus pés que estavam agasalhados com um par de chinelos felpudos,de pele de ovelha, presente da uma boa vizinha que, preocupada, tempos atrás vierasaber como ela estava.

Olhou em suas mãos já enrugadas, os dedos magros, a aliança, sua companheirade todas as horas e que era tudo o que restava em sua vida, como testemunha de umpassado que fora feliz, mas efêmero.

O chá ia sendo sorvido em pequenos goles e enquanto isso pensava no queprecisava fazer. Fechou os olhos. Lembrou-se de que havia alguma roupa para passar,que fizera uma promessa de enfeitar o altar da igreja para a festa do santopadroeiro...Tinha que limpar o jardim, varrer as folhas secas e assim enquanto pensava,o chá ia lhe dando uma sensação de bem estar. O xale transmitia mais calor ao seucorpo, sentia os pés tão quentinhos! Sentia-se tão bem, que por instantes esqueceu-sedo inverno e de que era tão só...

Silenciosamente apareceu o Omelete. Ergueu o corpo, esticou as pernas comose quisesse crescer e olhando para sua dona, com preguiça abanou a sua linda caudarajada. Queria avisar que já estava de volta para lhe fazer companhia. De um pulosubiu no sofá, deu um miado e foi enroscar-se no seu canto predileto.

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Nelson JacinthoNelson JacinthoNelson JacinthoNelson JacinthoNelson JacinthoMédico ortopedistaRibeirão Preto - SP

ErErErErErrrrrro de Cálculo?o de Cálculo?o de Cálculo?o de Cálculo?o de Cálculo? Ele era um matemático fanático. Desde que teve um lápis e um pedaço depapel nas mãos, não parou de rabiscar e desenhar números. Desde criança apaixonou-se pelos números. Confessou a todos, durante muito tempo, que a sua eterna paixão,era os números. Tornou-se professor de matemática e estatística. Vivia com desviospadrões, curvas de Gauss, médias aritméticas e geométricas, tabelas de logaritmos, enos últimos tempos dormia com uma calculadora eletrônica. Embora não amasseninguém, queria se casar para ter dois filhos, para lhes passar a genética da matemática,que carregava em suas veias. Calculou tudo, como se estivesse defendendo uma tese.Teria dois filhos, abandonaria a mulher e desapareceria para os Estados Unidos, paísque achava ser o paraíso para a sua especialidade, e a dos futuros filhos. Amor,envolvimento, paixão, não deveriam entrar no seu coração, para não atrapalharem oseu plano. Apesar disso, escolheria uma mulher inteligente, que mexesse com númerose que estivesse acostumada a resolver problemas de última hora, como o que ele lhecausaria na hora de abandoná-la. Escolheu a secretária da escola onde trabalhava:morena forte, de bom aspecto físico, inteligente e acostumada a resolver os problemasda escola na ausência do diretor. Tudo calculado: o primeiro diálogo, o primeirobeijo, o casamento, o dia da ovulação, quantos dias deveria ficar sem ter relações,para que o primeiro filho fosse do sexo masculino, dia e hora da relação sexual. -Eureka...! Como a matemática não falha..! O menino nasceu dentro doplanejado! Para o segundo filho, a dose foi repetida. Tudo foi feito de acordo com oplano inicial. Outro menino nasceu, sem nenhum contratempo, um ano após oprimeiro. Os dois passaram a fazer aniversário no mesmo dia. Dizia aos colegas quehavia calculado tudo, para não fazer duas festas por ano no aniversário dos filhos. Opediatra estabelecera um ano para os meninos se alimentarem no peito, e tudo assimfoi feito. A vida do casal era estritamente burocrática: poucos passeios, quase nenhumaintimidade, e sempre que o professor podia sair apenas com os filhos, ele o fazia. Aesposa já tinha cumprido o seu papel com maestria, pensava ele. O professor contava os dias. O dia do aniversário dos meninos, ele passou achamar na sua intimidade de “o dia do adeus”, porque fora o escolhido para a fuga.

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Estudou e preparou o plano para a fuga com as crianças. Os dois grandes matemáticosdo futuro partiriam com ele e com uma enfermeira para os Estados Unidos. A esposanão poderia ir, para não atrapalhar o seu sonho. Comprou as passagens de avião,reservou hotel nos Estados Unidos, contratou a enfermeira, o táxi, que os levariam aoaeroporto e preparou uma festa para comemorar o aniversário dos meninos. Elesdesapareceriam durante a festa. A esposa sentiu a grande mudança no ânimo do marido, vendo-o preparar afesta e fazer a lista dos amigos. Deus tinha ouvido as suas preces e o marido tinha semodificado, pensava ela. Nunca pensara que o marido fosse mudar, aquele jeitoesquisito algum dia. Durante a festa, sem que ninguém percebesse, enquanto a esposa conversavacom as amigas, o professor arrumou rapidamente a sua mala e a dos meninos, e asdeixou escondidas no quarto do casal. As crianças, sonolentas, foram colocadas paradormir. Dez horas da noite foi o horário marcado para o táxi estar na porta do fundo,com a enfermeira dentro para ajudar na acomodação das crianças. O professor não bebia, na verdade tinha horror às bebidas. Fumar, nempensar, chamava os fumantes de abutres fedorentos e peçonhentos. A festa corria e todos bebiam, cantavam e comiam ao mesmo tempo. Oprofessor mostrava uma felicidade que nunca mostrara antes. A esposa, vendo atransformação do marido, sorria mais do que todos. Alguns minutos, antes das dezhoras da noite, uma roda de amigos cercou o alegre professor. Um entregou-lhe umcopo de uísque e outro, colocou-lhe um charuto acesso na boca. O professor não tevecomo recusar. Para não sentir o gosto do uísque, engoliu-o de uma vez só e deu duasou três tragadas na fumaça do charuto, para agradar aos amigos. Sentiu-se mal ecorreu para o quarto. Caiu desmaiado sobre a cama: - Intoxicação aguda e coma tóxico, disse o médico no hospital, ao atendê-lo. Naquela noite o avião para os Estados Unidos voou mais leve, o táxi perdeu acorrida e a enfermeira deixou de realizar o sonho de conhecer os Estados Unidos. A noite foi preocupante para os amigos e a esposa, mas logo pela manhã onosso professor abriu os olhos e teve uma grande surpresa: a esposa correu paraabraçá-lo. - Que bom que você acordou... Você está pronto...? Estou maravilhada coma sua atitude: preparar a nossa viagem para os Estados Unidos, sem que ninguémficasse sabendo! Que surpresa maravilhosa você estava me fazendo! Como conseguiuarrumar tão bem a mala dos meninos!? - As passagens eram para ontem à noite, nós as perdemos. - Não as perdemos não. Quando eu as vi, no bolso do seu paletó, telefoneipara uma amiga minha que trabalha numa agência de viagens e ela as transferiu parahoje. As malas estão aí no corredor. Já conversei com o seu médico e ele me disse quevocê estaria com alta quando acordasse. Nós vamos direto para o aeroporto...

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A alma do poetaA alma do poetaA alma do poetaA alma do poetaA alma do poeta

Olhem para ele ali sentado, Corpo relaxado, alma perdida, Que voa liberta, sem guarida À cata do futuro e do passado. Ela voa, vaga no universo P’ra trazer de presente um novo verso P’ras mãos do poeta apaixonado...

A paixão eterna, não tem fim, Ela o segue do tempo de criança, E mantém no seu peito a esperança De não deixar o verso perecer. É paixão que o rodeia e o inebria Que faz de sua vida uma poesia, Cujo verso, para sempre, o faz viver...

O poeta envolto nos seus sonhos, Na busca da pérola escondida, Novo verso, razão de sua vida, Riqueza incomparável de seu ser, Dá à sua alma a liberdade De voar com seus sonhos, à vontade, Para novo poema lhe trazer...

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O Médico na FO Médico na FO Médico na FO Médico na FO Médico na Feiraeiraeiraeiraeira Já era praxe, todos os domingos pela manhã pegava o carrinho de feira, desciado décimo andar, onde morava, para pegar frutas, verduras e legumes para a semana.Certo dia assustou-se ao ver a cor branca do figo. Nunca tinha visto um pé de figo,mas achava a fruta bem saborosa. Nascera e crescera na cidade grande. Estudaramedicina e por lá ficou vivendo. Era oftalmologista e nunca se interessara muito comas demais partes da medicina. Estava com o figo na mão, observando-o, quando umsenhor com uma sacola na mão, que era seu cliente, aproximou-se e disse-lhe: - Observando o veneno do figo, doutor? Isso aí é puro veneno. Se comer,não chega na esquina. Ele, que sempre comera figos e outras frutas, sem observá-los muito, ficouencabulado. - O senhor entende de figo? - De veneno, doutor. Já trabalhei muitos anos em fazendas, aplicando veneno.Hoje tenho menos de trinta por cento do meu fígado, cinqüenta por cento da visão,cinqüenta por cento da força e menos de quarenta por cento da capacidade digestiva.Nem me pergunte como está a minha capacidade sexual. Tudo por causa do venenoque respirei durante o meu trabalho. Se o senhor achar, nesta feira, uma fruta, ouuma verdura que não tenha veneno, dou meu pescoço a cortar. Por falar em pescoço,olhe para esta cicatriz, foi traqueotomia de quando entrei em coma, por causa doveneno. - É tão grave assim!? - É doutor. É veneno pra tudo quanto é canto, doutor. Olhe o tomate: recebeno mínimo três aplicações de veneno, até ser colhido. Se chover, não tem conta oveneno aplicado. - É assim...!? - Desse jeito, doutor. - E a laranja!? - Veneno para o ácaro e para a mosca, doutor. - E a abobrinha!? - Veneno para não apodrecer o talo, doutor. - E o café!? - Veneno contra a ferrugem, doutor. - E a manga!? - Veneno contra a antracnose. - Espera aí, acho que o senhor está exagerando. - Estou não, doutor, como eu disse, é veneno pra todo o lado. O doutor Joaquim sentiu-se arrasado, primeiro por ser médico e nunca terpensado no mal que o veneno lhe faria; segundo, por ser médico e nunca ter tomadoprovidência, no sentido da saúde pública. Foi andando, o carrinho vazio. Passou pelabanca do tomate, da abobrinha, da laranja, do café moído na hora, que tanto gostava.

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Passou pela barraca do pastel. Olhou para a panela gigante, que fervia o óleo quedeveria estar ali por mais de trinta frituras. Chegou a visualizar os componentescancerígenos, que pululavam na panela e na sua memória. Sentiu-se mal, porque porvárias vezes havia se deliciado com os saborosos pastéis da feira. Saiu do outro lado dafeira com o carrinho vazio. Parou. Olhou para trás: carrinhos e mais carrinhos seentrecruzavam no burburinho matinal. Ele veio voltando pelo mesmo caminho quefora, mas não conseguiu comprar nada. Subiu ao apartamento, que ficava ao lado dafeira. Lá de cima olhava as pessoas se acotovelarem para pegar o veneno, digo, asfrutas e as verduras. Foi até à cozinha e abriu a geladeira: estava vazia. Como passar asemana sem as frutas e verduras, que tanto adorava?

Teve ímpetos de descer e pegá-las, mas não o fez. Precisava, entretanto compraralguma coisa para passar a semana. Desceu e foi à padaria da esquina e encheu asacola. Naquela semana passou a sanduíches: pão com carne enlatada, de vaca, pãocom carne em conserva, de porco, pão com salame, com mortadela, com queijo ecom todos os venenos usados na produção e na conservação desses produtos.

Ainda bem que não encontrou o cliente, amigo, da feira, na padaria.

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Que saudade...Que saudade...Que saudade...Que saudade...Que saudade...Que saudade sinto agora,Dentro de um peito que chora,De um coração que não vê...Como é ingrata a ausência,De um alguém que foi embora,Não voltou, perdeu a hora,E nunca disse o por quê...

O meu coração, que é triste,Que a tudo vê, tudo assiste,Sente a dor pungente agora.Eu fico, sempre, pensando,Será que existe no mundoUm desprezo tão profundoQue a esperança ignora...!?

Quanta vez, do meu jardimDe poesia e encantamento,Sujeito à chuva e ao vento,Colhi versos p’ra lhe dar!Mas o meu jardim floridoDe onde colhi tanta flor,Não suportando tal dor,Morreu sem nada falar...

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RRRRRodolpho Civileodolpho Civileodolpho Civileodolpho Civileodolpho CivileMédico

São José dos Campos - SP

O milagrO milagrO milagrO milagrO milagre brasileire brasileire brasileire brasileire brasileirooooo

Um fato relevante na vida dos brasileiros foi a vinda do Papa Bento XVI doVaticano para as cerimônias da canonização de Frei Galvão, o primeiro santo nacional.Milhares de pessoas compareceram ao sagrado evento numa demonstração deprofunda religiosidade. Muitas lágrimas de emoção, de gratidão, de reconhecimento,de fé, de esperança, advindos dos milagres que o humilde e santo frade distribuiu àcomunidade dos pobres e necessitados no corpo e no espírito.

Mas... Há sempre um mas mas mas mas mas na vida dos mortais... O dia-a-dia das pessoas notrabalho, no estudo, nas necessidades mais prementes de ser, de existir. Viver não éfácil... A constante procura da felicidade... Pura ilusão. Uma quimera. Pela sua próprianatureza, como argumentava o famoso criminalista, anatomista e médico italiano,LOMBROSO, certos indivíduos já nascem determinados ao mal. Assim, o forte dominao fraco, o rico pisa no pobre, o esperto rouba o inocente, o inteligente usa o ignorante.Admiráveis são aquelas pessoas que fogem desta triste “normalidade” e se dedicamde corpo e alma a ajudar 0 seu próximo num altruísmo maravilhoso de amor ecaridade. A elas, a redenção da humanidade. São os santos, também chamadosmilagreiros. Não são muitos...

Entretanto, existem em profusão no Brasil... São aqueles que vivem, ou melhor,sobrevivem do salário mínimo e da aposentadoria e sustentam os seus familiares.Verdadeiro milagre... O aposentado que trabalhou e contribuiu anos a fio e agorarecebe uma esmola chamada de “beneficio” e não um direito, atualmente e muitoprocurado e convidado a ter um “crédito consignado”, uma armadilha queingenuamente cai. Recebe uma quantia que depois não saberá repor. 0 resultado: depobre vira miserável. Enquanto isso, os nababos da sociedade brasileira se enriquecemde uma maneira escandalosa à custa do suor e sangue do povo. E a justiça? Ninguémsabe aonde ela anda ... Talvez esteja na sabedoria do canto de lamentação dos antigosegípcios no livro dos mortos: “que restou de suas poderosas mansões e palácios?Abateram-se suas fortes muralhas, ruíram as casas no pó. Olhe, ninguém levou consigosuas coisas. Olhe, ninguém que foi até hoje voltou.”

Tudo faz crer que são os velhinhos os responsáveis pela situação calamitosa dopaís! Teimam em viver muito, comer e beber o que há de melhor, ter casa própria e

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outros bens materiais, como plano de saúde, que foi criado para as pessoas saudáveise não para os doentes... Enfim, é difícil de aceitar, mas os velhinhos são uns egoístas!Só pensam neles! Neles! A solução: dar cicuta a eles, como foi feito com Sócrates.Uma vez fora do ambiente terrestre, morando no Inferno, os velhinhos não seriammais um rombo no INSS e atraso de vida e o país teria um surto de desenvolvimentoe progresso... Todos felizes!

“Mondo cane” Poucos (os mais espertos) têm muito e muitos (os ingênuos) nãotêm nada... Até quando? Até quando, meu Deus? Que desça logo a Vossa justiça sobreos mais pobres e miseráveis, aqueles que não têm o que comer e dormem ao relentoe pedem a Vossa Misericórdia!

Conclusão: é de bom alvitre convidar de novo o Papa Bento XVI, com urgência,que retorne ao Brasil para consagrar os milhares e milhares de brasileiros que vivemdo salário mínimo e da aposentadoria. São verdadeiros santos!

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O Otello do BeO Otello do BeO Otello do BeO Otello do BeO Otello do Bexigaxigaxigaxigaxiga

Eu me lembro... Eu me lembro... Era garoto. Do bonde aberto. Saía do Largodo Piques (hoje, Praça das Bandeiras) subia a Rua Santo Antônio, entrava pela RuaMajor Diogo, dobrava à direita, subia a São Domingos, depois à esquerda na RuaConselheiro Ramalho até a Avenida Brigadeiro Luiz Antônio. Daí o retorno pela RuiBarbosa, Manoel Dutra e de novo na Rua Major Diogo sentido Largo do Piques.Percorria o Bexiga, o bairro escolhido pelos calabreses de Rossano, do sul da Itália,para viver. Com os seus cinemas, teatros, casas noturnas, cantinas, pizzarias, a escolade samba Vai-Vai, as mansões os cortiços, um verdadeiro mundo dentro de São Paulo,cheio de emoções, contrastes e muito calor humano. Foi o bairro onde nasci e moreimuitos anos. O tempo passou e com ele os nossos sonhos, mas ficaram guardadoscarinhosamente, no sótão onde moram as lembranças, momentos idos e vividos quenão voltarão mais. Agora, não sei por que, remexi num “alfarrábio” empoleirado daminha mente e ao abrir uma página amarelada pelo tempo e já comida pela traças,notei um nome: Atanásio. Era um mulato alto, magro, com suíças descendo pelorosto afilado, olhos grandes, boca bem feita mostrando dentes grandes e alvos. Quandosorria contraia a testa alta. Trabalhava como balconista num bar defronte ao TeatroBrasileiro de Comédia, na Rua Major Diogo. Os artistas do teatro utilizavam-se dobar para pequenas refeições, tomar café e “jogar conversa fora” para relaxar. Atanásiotinha um interesse, ou melhor, uma ambição, uma verdadeira obsessão: desejava serum artista. A duras custas, granjeando simpatias e amizades, conseguiu ser aceitocomo aluno na Escola Preparatória do Teatro. Ali aprendeu a difícil arte de representar.Enquanto isso continuou trabalhando no bar, esperando uma oportunidade para serincluído como protagonista de uma obra dramática de um autor famoso. Doce ilusão...Os dias foram passando e só promessas. Até que, por um acaso, conheceu a Silvanaque ia fazer o papel de Desdemona, mulher do mouro Otello, general do exércitoveneziano, da peça de Shakespeare. Do balcão do bar surgiu de início uma amizadeque logo se transformou em idílio e mais tarde em paixão violenta, cega, ciumenta,sem limites.

Por um capricho do destino, o Otello ficou em cartaz durante várias semanas eo artista que representava o papel principal se adoentou. Aí chegou a vez de Atanásio.A grande oportunidade que esperava há muito tempo. Conhecia bem o drama. Foilogo escolhido para substituir o artista acamado. Foi um sucesso! Uma granderevelação! Os jornais teceram elogios calorosos à maneira de interpretar dodesconhecido artista. A peça permaneceu ainda por mais algumas semanas em cartazsempre com casa cheia.

Na última cena da peça de Shakespeare, Otello aproxima-se do leito da amadae a beija três vezes. Tenta em vão forçá-la a confessar o crime que lhe atribui e acabapor estrangulá-la, não obstante seus protestos de inocência e pedidos de piedade.Logo em seguida vem saber da verdade e inconformado apunhala-se com a própriaarma. Antes de sucumbir pronuncia: “um beijo, um beijo ainda, um outro beijo”.

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Fecha-se a cortina. Aplausos. E os artistas aparecem no palco. Nesta fatídicanoite, infelizmente, nem o Otello e nem a Desdemona apareceram... Silvana foi achadaesfaqueada, toda ensangüentada, estava morta. E Atanásio, fugira pela escadaria,perseguido pelos colegas. Em desabalada carreira quis atravessar a rua, mas foiapanhado pelo bonde. O salva-vidas arrastou o corpo por vários metros. Quando obonde parou o motorneiro pôs as mãos na cabeça e desesperado começou a chorar.Matara um homem...

Entre os dedos foram encontrados cabelos da Silvana, a Desdemona, e no bolsoum bilhete dizendo que estava sendo traído. Atanásio precocemente abandonou aprofissão que tanto almejara. A morte interrompeu os seus sonhos. E assim o mundoperdeu um promissor e talentoso artista. Coisas do destino... Cada um tem o seu...Que pena...

E agora... Recordando, depois de tanto tempo... Com tristeza, fechei “o velholivro” e sobre ele caíram as minhas lágrimas...

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Zilda CormackZilda CormackZilda CormackZilda CormackZilda CormackMédica psiquiatraRio de Janeiro - SP

ArArArArArestasestasestasestasestasDas arestas do pensamentoescorrem divagaçõescarregando sombras de lembrançaspintadas de saudade !...

Sutis saudades, marcadastal grafites em artesanal,esboçando no conjuntoo diálogo puro de sua arte,transmudando a cor da palavraem polifonia transcendental !

Escorrem das arestasindescritíveis cantos e encantosmisteriosamente coloridos,pingando estrelas de harmonia ...!

Sonhos e lembrançastranslúcidos... transparentes...

Das arestas,saudades e festas escorrem ligadasem lágrimas multicores !...

È bem um conjuntode vagas, de fluxosde pensamentos ousados...distantesdos antes....indevassáveis...da mente !..

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Costumes modernosCostumes modernosCostumes modernosCostumes modernosCostumes modernosOs jovens de hoje, na faixa dos l4 aos l8 anos, gozam de privilégio impar nos

seus relacionamentos amorosos. A mudança que se vêm processando nos costumesque se dizem “modernos” vai, paulatinamente mudando a cabeça da maioria dospais e responsáveis por eles.

É admirável a desenvoltura com que os jovens de hoje se abraçam e beijam,em plena luz do dia, na via pública, nos coletivos, nas salas de espera das casas deespetáculos, restaurantes, etc.Parece que o mundo é deles só, e acho mesmo quesim, pois não dão a mínima para os circunstantes.

Começo a virar as páginas do meu pensamento em sentido contrário e me vejochegando aos anos de l940/50. Como era complicado o modo de se namorar. Osjovens, para irem ao cinema, só acompanhados com parentes. Ao baile então, nem sefala, só com o irmão, que ficava de olho quando a música parava, o que favoreciafugas discretas dos casais para as varandas, na ânsia de um beijo roubado.

Mais complicado ainda era o noivado com pedido de casamento formalizadoaos pais da noiva, aliança, festas, projetos futuros, prazos para o casamento e um semnúmero de acertos. O namoro ou noivado era na sala devisitas, sempre acompanhadode um parente,(avó, tia, primos). A intimidade maior se resumia a mãos entrelaçadas,olhos nos olhos, sussurros e na despedida, discreto beijo na face. Quando ia ao portãolevar o noivo, algum familiar se postava na janela até o ultimo adeus. Não tinhavacilo, era um sarro mesmo. Tais costumes se constituíam praxes na maioria dasfamílias que estavam preservando as filhas de não ficarem “mal faladas”.As visitas,impreterivelmente terminavam as 22 horas e não havia apelação.

Sempre há os entretantos das coisas. Nesses, os namorados mais afoitosconseguiam burlar a vigilância marcando encontros que se processavam também commuita complicação. A entrada nos hotéis era precedida de muita ansiedade (não haviamotéis na época). Os jovens levavam mala, aliança no dedo, ficha na portaria, olhardesconfiado dos porteiros, um suplício de tirar tesão ou quem sabe, na época, despertá-lo ainda mais nos jovens enamorados.

Com a emancipação da mulher que passou a competir no mercado de trabalho,quase em igualdade de condições com o homem, os costumes foram mudando. Aliberação erótica e sexual foi ganhando vulto e hoje, então, os “usos e costumes” dosjovens nos relacionamentos amorosos são singulares.

Os enamorados mal se conhecem e já passam a freqüentar as respectivas casas,plantam-se nos quartos das namoradas (os) para ouvir um som e conversarem semnem ao menos pedirem licença aos pais para isso. Eles simplesmente tomam possedessa liberdade sem que esta mesma lhes tenha sido concedida pelos donos da casa.

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Quando um pai( mãe) mais conservador tenta uma investida contra isso, é logoachacado de “careta”, “atrasado” e ouvem os seguintes argumentos: -Que mal hánisso ? E continua tudo no mesmo.

Os nossos meios de comunicação, como o cinema, muito mais a televisão,através da maioria de suas novelas, se incumbem de passar para a juventude esseexcesso de liberalidade. Os jovens nem precisam escapar para os motéis, ficam nacasa das namoradas, passam a noite com as mesmas sob o beneplácito dos progenitores.Alguns pais até acham que há mais segurança nessa mudança de costumes dos jovens,pois se resguardam de assaltos, despesas desnecessárias, (a maioria ainda e´estudante),e no fim eles mesmos teriam que”bancar” o motel para os seus próprios filhos.

O ápice na mudança dos “usos e costumes” da sociedade em geral no tocanteao relacionamento amoroso dos jovens se processou com a ampla divulgação que atéhoje ainda se faz, de métodos preventivos para o H. I.V. com o uso obrigatório dacamisinha.

Novamente viro as páginas do meu pensamento para os anos de 1940/50.Encontro lá uma jovem noiva em sua noite de núpcias quando lhe foi apresentada,pelo marido meio desajeitado, a primeira camisinha com o objetivo único de prevenira fecundação. Seriam eles mais felizes? Suponho, pois não havia ainda o temor dacontaminação pelo vírus do H.I.V. que avança cada dia mais. Ao meu livro dopensamento, retorno agora aos anos de l996.

Acho tudo muito engraçado. Vejo que temos que caminhar com o tempo a fimde não sermos afogados pelas mudanças desses “costumes modernos” nas formas denamorar dos jovens. O amor continua vivo, apenas houve mudanças radicais noscostumes do “namoro”. Não sabemos como eles estarão no início do século que já seiniciou.

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EspirEspirEspirEspirEspirradeiraradeiraradeiraradeiraradeira(Merium oleander L)da família das apocináceas,também chamada aloendre,aloendro, loendro, oleandro, adelfa .

Neste jardim encontro a espirradeira.Logo à memória, minha mãe serenavejo-a plantando, pela vez primeiralá no quintal, o arbusto, em tarde plena !

Por todo o canto, a minha meniniceacompanhou a mãe cuidando os galhos,podando-os sempre numa tal meiguice,colhendo as flores, lindas... em ramalhos !

Tempo passou. Apenas na memória,perdurou sempre, ao ver a espirradeiraflorindo em cores no verão e ainda

nas estações mais frias, vida afora,aquela imagem linda, derradeira,de minha mãe colhendo a flor... não finda !

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O peru de NatalO peru de NatalO peru de NatalO peru de NatalO peru de Natal

Na nossa área médica, sempre somos surpreendidos com fatos interessantes eaté hilariantes, que se fixam na nossa memória para sempre. Eis um deles:

Trabalhava num hospital psiquiátrico do Estado, na cidade de Niterói. Comoresidia no Rio de Janeiro, tinha que atravessar de barca a Baía de Guanabara todos osdias (não havia ainda a ponte Rio Niterói). A superpopulação hospitalar não mepermitia conhecer todos os pacientes nominalmente. Atendia-os, entretanto, comtoda a atenção que um ser humano carente merece. Um dos pacientes me procuravacom insistência, fora do seu dia marcado para consulta. Nunca me neguei a atendê-lo. Próximo ao natal, ele me surpreende trazendo-me de presente um lindo peru.Fiquei muito comovida com a lembrança, mas confesso que foi um transtorno etanto, levá-lo para o meu domicílio. Abriguei-o no quintal aguardando o Natal. Estechegou e não tive coragem de mandar matar o animal.

O meu paciente sempre me perguntava pela ave e eu lhe respondia que aindaestava no quintal de minha casa. Lançava-me um olhar perplexo, perguntandosempre se eu não tinha gostado do presente.

Dias após Otacílio, o nome do paciente, saiu de alta e não tive mais notíciasdele.

O tempo passou, a minha rotina seguindo seu rumo. Certo dia ao regressar dalabuta diária tomei de volta a lancha para o Rio de Janeiro. Acomodei-me numa dasúltimas fileiras de cadeiras, pois a lotação estava completa. Vinha lendo distraída algumacoisa, não me lembro o que. Acho até que cochilava um pouco, quando fui surpreendidapor uma voz que chamava pelo meu nome: Dra.! Dra.! Fiquei sobressaltada, comaquele vulto de homem, de pé, abanando os braços. Insistia em me chamar, de longe,tentando se identificar, sou eu Otacílio.

Vários passageiros começavam a olhar para traz e eu encabulada, não sabiaonde enfiar a cara. A insistência foi de tal ordem que resolvi responder-lhe com umaceno. Pensei que ele se aquietasse mas... engano meu. Com a voz ainda mais forteele prosseguiu: A senhora está muito bonita! Gostou do meu peru? Estava bom?Diante dessas perguntas, os passageiros caíram na gargalhada e foi um reboliço gerale comentários de toda a natureza durante o resto do percurso. Felizmente a lanchaaportou e eu saí rapidamente, um tanto vexada pelo ocorrido.

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