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anais do XI colóquio sobre artes visuais Tema: ensino de arte e perspectivas atuais Ana Paula Sabiá Luzia Renata da Silva (Orgs.)

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anais do XI colóquio sobre artes visuais

Tema: ensino de arte e perspectivas atuais

Ana Paula Sabiá Luzia Renata da Silva

(Orgs.)

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Ficha Catalográfica elaborada por Ketry Gorete Farias dos Passos CRB 14\1179

a

C718 Colóquio Sobre Ensino de Artes (11. : 2016 : Florianópolis, SC).

Anais do XI Colóquio Sobre Ensino de Artes, 2017, Florianópolis [recurso eletrônico]: Ensino de Arte e Perspectivas Atuais / Organizado por Ana Paula Sabiá e Luzia Renata da Silva.

Florianópolis, AAESC, 2016. 94 p.

Inclui referências ISSN 2179-5452

1. Ensino de artes. 2. Relatos de experiência. 3. Mídias – Eventos. I. Título. II. SABIÁ, Ana Paula. III. SILVA, Luzia Renata da.

CDD 707

Ficha TécnicaAAESC – Associação dos Arte Educadores de Santa CatarinaAnais do XI Colóquio sobre o Ensino de Artes -Ensino de arte e perspectivas atuais

Organização Ângela Maria de Andrade Palhano, Cristiane Pedrini Ugolini, Luzia Renata da Silva, Maria Lucila Horn, Maria Cristina da Rosa Fonseca da Silva.

ApoioUniversidade do Estado de Santa Catarina - UDESC.Universidade para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí - UNIDAVI.Laboratório Interdisciplinar de Formação de Educadores - LIFE.Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais - UDESC

DiretoriaPresidente: Maria Lucila Horn Vice-Presidente: Luciana Cesconetto Fernandes da Silva 1ª Secretária: Liane Carvalho Oleques2ª Secretária: Paula Blauth da Cunha 1ª Tesoureira: Luzia Renata da Silva 2ª Tesoureira: Sandra M. Abello Diretora de Promoção: Giovana Bianca Darolt Hillesheim Vice-Diretora de Promoção: Larissa Antonia Belle Diretor de Divulgação: Maria Cristina da Rosa Fonseca da Silva Vice-Diretor de Divulgação: Gerson WitteConselho Fiscal:Judivânia Maria Nunes Rodrigues, Edson Rodrigues Macalini, Alessandra Collaço da Silva

Revisão de texto e diagramação Ana Paula Sabiá Luzia Renata da Silva

Criação de Capa Ana Paula Sabiá Foto da Capa Luzia Renata da Silva

Organização Ana Paula Sabiá Luzia Renata da Silva

CONSELHO EDITORIAL

Dra. Consuelo Alcioni Borba Schlichta UFPR Dr. Federico Buján – UNA/UNRDra. Gerda Schutz Foerste – UFES Dra. Isabela Frade do Nascimento – UERJ Dra. Luana Wedekin – UNESP Dra. Sandra Makowiecky – UDESC Dra. Sandra Regina Ramalho e Oliveira – UDESC Dra. Vera Lúcia Penzo Fernandes – UFMS

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO………………………………………………..………….…………………….4

O MUSEU torna-se MU[SEU] QUANDO NOS TOCA

Clara Aniele Schley….………………………………………………………………….….……..….7

OBSERVATÓRIO DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES: OFERTA DO CURSO DE

LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS NO RIO GRANDE DO SUL E O CASO NOROESTE

Maristela Müller………………………… ……………………………………………………..….21

CRIAR PARA TRANSFORMAR

Sandramara Goulart dos Reis…………………………………………..………………………….. 30

OLHAR O (IN) VISÍVEL: O ESPAÇO CONTEMPORÂNEO NA ARTE E SUAS IMPLICAÇÕES

E DESDOBRAMENTOS NAS AULAS DE ARTES VISUAIS

Ana Luiza Albanás Couto de Moura………………………………………………………………. 45

VIK MUNIZ: UMA EXPERIÊNCIA COM ARTE CONTEMPORÂNEA NOS ANOS INICIAIS

Andréia Regina Bazzo e Sara Ellen Wisenteiner……………………………………………..…….59

A ARTE SACRA NO OLHAR DA ESTÉTICA FILOSÓFICA

Amauri Carboni Bitencourt…………….…………………………………………………………. 66

ARTE E INCLUSÃO NO ACOLHIMENTO ÀS DIFERENÇAS NA EDUCAÇÃO BÁSICA

Idonézia Collodel Benetti, João Paulo Roberti Junior, Cristiane Deon Busnello………………….73

DA PINTURA MURAL AO GRAFITE CONTEMPORÂNEO:DESDOBRAMENTOS

Luciane Izabel Ferreira Henckemaier……..……………………………………………………… 81

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�4APRESENTAÇÃO

O XI Colóquio Sobre Ensino de Artes, realizado em abril de 2016 na UNIDAVI - Rio do Sul 1

- SC, teve como tema o Ensino de Arte e Perspectivas Atuais. Nesta edição inaugura-se uma nova

etapa da Associação de Arte Educadores de Santa Catarina - AAESC, a publicação do presente

material organizado a partir de comunicações apresentadas por professores de artes durante o

evento, iniciativa que possibilita a ampliação do acesso às pesquisas bem como faz conhecer

determinadas ações propostas por professores em sala de aula.

O Colóquio, desde sua criação em 2004, tem como objetivo ser um espaço de encontro e de

formação profissional e política na área das artes, no entanto o evento não substitui e nem cumpre o

papel necessário no que diz respeito à formação continuada dos professores de artes, pois essa

dimensão pertence ao Estado. O papel que a Associação desempenha nesse processo diz respeito a

uma formação política mais ampla para que o associado participe de forma mais consciente no

processo social, no que diz respeito ao ensino de artes.

Como política de ampliação de suas ações e conquistas, o Colóquio tem adotado a medida de

interiorização do evento, com edições já realizadas em Chapecó, Criciúma e Rio do Sul, além da

capital Florianópolis. A interiorização permite-nos estreitar a relação com o interior do Estado

efetivando um real comprometimento com os professores e coordenadores regionais.

Os trabalhos apresentados nessa publicação tratam dos mais diferentes assuntos, o primeiro

artigo O museu torna-se Mu[seu] quando nos toca, da professora da rede municipal de Indaial/SC,

Clara Aniele Schley, apresenta uma atividade desenvolvida com duas turmas de 8° ano da Escola

Básica Municipal Maria da Graça dos Santos Salai, cujo objetivo foi entender o museu como lugar

de aprendizagem e troca de saberes com enfoque nas tramas rizomáticas e na mediação cultural

pensando os espaços não formais - museu virtual e físico.

O segundo trabalho intitula-se Observatório da Formação de Professores: Oferta do Curso de

Licenciatura em Artes Visuais no Rio Grande do Sul e o caso Noroeste, o artigo faz parte da

pesquisa de mestrado da estudante Maristela Müller, mestranda em Artes Visuais, na linha de

pesquisa Ensino das Artes Visuais do PPGAV-UDESC. Sua pesquisa apresenta, através de uma

abordagem sócio-histórica, as instituições que oferecem cursos presenciais de licenciatura em Artes

Visuais no Rio Grande do Sul. Com os dados dessa pesquisa foi possível a criação de um mapa que

Realizado na gestão 2013/2015, tendo como presidente a doutoranda em Educação pela FAED-UDESC, Maria Lucila 1

Horn. Gestão em que o selo editorial da AAESC entrou em vigor tendo à frente desse processo a professora Maria Cristina da Rosa Fonseca da Silva - Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC.

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�5mostra a localização de Instituições que tiveram seus cursos de licenciatura em Artes Visuais

fechados nos últimos anos.

Em Criar para transformar, a professora Sandramara Goulart dos Reis, que atua como

professora de artes na Rede Municipal e Estadual de Balneário Camboriú, propõe uma prática de

ensino que foca nos procedimentos utilizados na construção da obra como meio de conhecimento

para o desenvolvimento de um saber do aluno sobre seu próprio processo de criação. Ao integrar em

sua ação pedagógica teóricos como Freire, Pareyson e Barbosa, possibilita a visualização de um

processo de construção no qual tanto o objeto quanto o sujeito se transformam.

A estudante do Mestrado Profissional em Artes, da UDESC, Ana Luiza Albanás, apresenta o

trabalho o Olhar o (in)visível: O Espaço Contemporâneo na Arte e suas Implicações e

Desdobramentos nas Aulas de Artes Visuais, pesquisa que consiste na análise do trabalho

Polaróides (In)visíveis, do artista visual contemporâneo Tom Lisboa. Artista que propõe um

convite à percepção da cidade por meio de intervenções urbanas substituindo imagens por textos. A

partir deste trabalho, Ana Luiza desenvolve uma prática pedagógica em duas turmas de sexto ano

do Ensino Fundamental de uma escola municipal de Florianópolis favorecendo a ampliação da

percepção dos estudantes sobre a arte contemporânea, provocando-os a ter um olhar mais sensível e

artístico para o espaço da escola, considerado este, o espaço de convívio diário.

Andréia Bazzo, professora de Arte do Instituto Federal Catarinense, Campus Camboriú

apresentou um artigo juntamente com sua aluna, da mesma instituição, Sara Wisenteiner, o trabalho

Vik Muniz: uma experiência com arte contemporânea nos anos iniciais, com o propósito de

fomentar a leitura da arte explorando seu potencial de comunicação. Nessa prática abordou-se

questões relacionadas à micropolítica com a inserção da obra de Vik Muniz para tratar de conceitos

de meio ambiente, reaproveitamento e transformação do lixo, dando-lhe ressignificação social e

educativa.

O professor do Instituto Federal Catarinense – campus Rio do Sul, Amauri Bitencourt,

apresentou um relato de experiência com a apresentação do trabalho A arte sacra no olhar da

estética filosófica, o relato é sobre uma ação pedagógica desenvolvida com alunos do ensino

fundamental – séries finais – do Colégio Dom Bosco, momento em que foi abordado imagens da

representação de Cristo sob diferentes ângulos e técnicas, cujo objetivo é a percepção do olhar

infantil estético-filosófico.

Idonézia Benett, doutoranda em Saúde Coletiva pela Universidade Federal de Santa Catarina -

UFSC, João Paulo Roberti, professor do Centro Universitário para Desenvolvimento do Alto Vale

do Itajaí - UNIDAVI e Cristiane Busnello, professora da Rede Pública do Estado de Santa Catarina,

apresentaram o trabalho Arte e inclusão no acolhimento às diferenças na educação básica, um

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�6relato de experiência de cunho interdisciplinar, realizado com alunos de sétimos e oitavos anos nas

disciplinas de Artes, Inglês e Matemática. O trabalho teve como objetivo relacionar os conteúdos de

cada matéria com a páscoa judaico-cristã, de modo a discutir o tema com alunos que pertencem a

diferentes religiões.

Para finalizar a publicação, a professora Luciane Henckemaier, mestre em artes visuais pela

UDESC e professora no Colégio Industrial de Lages, apresenta o trabalho Da pintura mural ao

grafite contemporâneo: desdobramentos, articulando teoria e história da pintura mural buscando

com isso compreender o conjunto de manifestações artísticas que sobreviveram até os nossos dias.

Luciane traz momentos deste gênero de pintura desde a Idade Antiga passando pelos afrescos

renascentistas, o muralismo mexicano e também a produção muralista brasileira, que se articula

com algumas manifestações do grafite contemporâneo.

Ana Paula Sabiá

Luzia Renata da Silva

Doutorandas do Programa de Pós-graduação em Artes Visuais - Universidade Estadual de Santa

Catarina - UDESC

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O MUSEU torna-se MU[SEU] QUANDO NOS TOCA

Clara Aniele Schley2

Resumo

O presente artigo relata um projeto desenvolvido em duas turmas do 80 ano do Ensino Fundamental da Escola Básica Municipal Maria da Graça dos Santos Salai, na cidade de Indaial/SC. A pesquisa envolveu 50 alunos entre 13 e 14 anos de idade tendo como objetivo conhecer o museu como lugar de aprendizagem e troca de saberes. O fio condutor teórico tem como base pesquisas da professora e pesquisadora Miriam Celeste Martins com enfoque nas tramas rizomáticas e na mediação cultural. Os resultados apresentam um percurso para a reflexão sobre a relação e a ponte construída entre a escola e os espaços não formais - museu virtual e físico. Evidenciaram-se as percepções por meio do olhar dos alunos sobre o lugar “museu”, colocando o museu como interativo, e a escola como caminho na apresentação, respeito e valorização deste patrimônio material para a humanização dos sentidos.Palavras-chave: Educação Básica; Ensino da arte; Museu de arte; Museu virtual; Experiências.

Um caminhar

Desde o final do século XX e início do século XXI, pesquisadores têm discutido

veementemente a relação entre ensino formal e não formal. Como essa relação ocorre no cotidiano?

Sabemos que cada um tem objetivos específicos; no entanto, ambos se interconectam e auxiliam na

compreensão de ser e estar no mundo. Assim, a escola pode tornar-se uma janela para que o aluno

possa ver além do simples olhar, para que este possa perceber outros lugares, adquirindo novo

saberes e aprenderes. Essas janelas oferecem percepções, sentidos que proporcionam uma

transformação sociocultural. Ao propor aos alunos essa relação e interação, oferecemos um mundo

pelo qual muitos conhecem apenas pelas mídias tecnológicas, pois há aqueles que não têm acesso a

esses lugares, sendo, assim, apresentado e oportunizado pela escola.

Os estudantes, muitas vezes, dão-nos pistas expressas por meio de questionamentos, levando

a novas veredas do novo aprender. Cabe, assim, ao professor ser sensível em perceber e vislumbrar

o início de novas tramas pedagógicas. Foi nessa trama entre curiosidade, perguntas, matérias que

foram destaque na mídia televisiva, que despertou o interesse dos alunos da Escola Básica

Municipal Maria da Graça dos Santos Salai, que se localiza na cidade de Indaial no interior do

Clara Aniele Schley: Licenciada em Artes Plásticas/FURB, com especialização em Arte- Educação pela ACE e Mestre 2

em Educação pela UNIVALI. Professora de Arte no Ensino Fundamental na rede municipal de ensino de Indaial/SC.

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�8Estado de Santa Catarina, com o projeto cujo tema foi “A imagem que tenho do museu”. Tratou-se

de um projeto desenvolvido no segundo semestre de 2015, que resultou em um museu criado pelos

alunos no contexto escolar, como eles percebem e veem o museu e sua continuidade em 2016 com

enfoque em ação educativa.

Ver além de olhar para dentro do museu

O museu, não importando sua tipologia, é um lugar que não abriga seu acervo somente para

preservação, mas aproxima as pessoas dele, pela mediação, proporcionando humanização dos

sentidos. Contudo, as pessoas o visitam? Uma pesquisa mostra que “70% da população brasileira

não frequenta museus ou centros culturais” (Mendes, 2012,p. 20-21). No entanto, em 2013, uma

pesquisa realizada pelo Serviço Social do Comércio (SESC) e a Fundação Perseu Abramo, por meio

da aplicação de questionário estruturado em entrevistas pessoais e domiciliares com 2 mil e

quatrocentas pessoas em 139 municípios, foi observado que 71% dos entrevistados nunca estiveram

em uma exposição que envolvesse arte. Como ponto de partida para o projeto, realizamos uma

pesquisa usando a metodologia de entrevista semiestruturada com os alunos. Os resultados

indicaram que 49 alunos já visitaram um museu, sendo de tipologia histórica, etnográfica ou de

artes (museu da música), ocorrido na grande maioria por meio da escola. No entanto, um aluno

nunca visitou um museu, mas, na sua imaginação, há “coisas antigas, tipo, quadros, peças e

esculturas” (G.S., aluno 8º 03, 2015).

Com relação ao museu de arte, os alunos não tiveram experiência, certificado por meio da fala

a seguir: “Nunca visitei um museu de obras de arte, mas sempre quis saber como é lá dentro” ( B.S.,

aluna 8º 02, 2015). Esses alunos não visitaram um museu de artes, seja de obras clássicas,

modernas ou contemporâneas. Bourdieu (2013) registra a importância do poder que a escola exerce

por intermédio da arte, pois esta proporciona condições de percepção estética auxiliando na

mudança dos sujeitos, por meio da humanização dos sentidos.

Nesse contexto, foi importante os alunos conhecerem de forma simples e objetiva a história

museal do Brasil e do mundo. Para tanto, foi elaborada uma apresentação por meio de slides com

dados históricos, imagens, vídeos diversos, como o Charlie Brown no Museu e dados dos museus

brasileiros cadastrados no Instituto Brasilero de Museus (IBRAM). Momentos de explicação

usando a tecnologia auxiliram na aprendizagem, pois os alunos fizeram conexões com filmes,

matérias televisivas sobre roubo e o estrago de obras de arte em museus. Muitos questionamentos

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�9foram levantados e novos caminhos permeados, construindo, assim, o projeto cujo objetivo geral

foi: Conhecer o museu como lugar de aprendizagem e troca de saberes.

A construção do projeto deu-se de forma rizomática, ou seja: “Ele não é feito de unidades,

mas de dimensões, ou antes, de direções movediças” (Martins & Picosque, 2012,p.21), visto que as

direções do projeto foram permeadas pelas interferências dos alunos por meio das dúvidas e das

curiosidades. Após a explicação sobre a história museal, partiu-se para o conhecimento sobre acervo

e pessoas que trabalham no museu, nomeados pelos próprios alunos como: guia, ajudante de

pessoas, auxiliar, tira dúvidas, explicador de obras de arte - nesse caso, o mediador.

Para que os alunos compreendessem o que é um acervo de museu, apresentei, com a ajuda de

slides, o livro Visitando um Museu de Florence Ducatteau (2011), o qual resgata seu olhar sensível

sobre os objetos e suas memórias afetivas levando a realizar a atividade “minha caixa de

memórias”. Essa atividade foi iniciada com o compartilhamento de uma caixa de memórias

pertencente à professora da turma. Subsequentemente, os alunos fizeram suas próprias

caixas. Durante as narrativas dos alunos sobre os objetos, eles resgataram momentos alegres e

sofridos da infância, saudade de familiares e amigos; festas, viagens e passeios divertidos, por meio

dos objetos especiais que guardam com afeto e trouxeram para compartilhar. Ter proporcionado

esse momento de exposição de sentimentos no momento de partilhar histórias “faz aflorar as

associações decorrentes da experiência particular de cada um, que vai apresentando novas formas

de conhecer algo” (Martins & Picosque, 2012,p.37). Essas experiências ampliam o repertório dos

alunos por meio do deleite estético. O nutrir estético não necessariamente precisa ser por meio da

obra de arte, mas também com objetos que fazem o sujeito sensibilizar-se, compreendendo como

valor simbólico, valorizando o patrimônio pessoal, como podemos ver na imagem a seguir (Figura

1).

Figura 1- Apresentação da caixa de memórias. Fonte: A autora, 2015.

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Após os alunos entenderem o valor dos objetos para a vida, procurei questioná-los com

relação a um objeto contemplado, seja do acervo de um museu físico ou de um museu virtual.

Tendo essa compreensão, eles passaram pela experiência de ter um objeto seu que foi partilhado no

grupo compondo o acervo do museu virtual das Coisas Banais de Pelotas no Rio Grande do Sul.

Esse museu compõe um acervo de objetos afetivos que é construído de forma colaborativa. No

laboratório de informática da escola, os alunos puderam conhecer o site do museu e cadastrar seu

objeto. O museu faz uma análise das imagens enviadas para fazer parte do acervo. Na imagem a

seguir (Figura 2), um dos objetos aceitos.

Figura 2- Objeto “máquina de escrever” da aluna Maria, compondo o acervo do Museu das Coisas Banais. Fonte: Acervo do museu das coisas banais, 2015.

No mundo atual, entende-se que a tecnologia está muito presente na vida dos alunos. Assim,

realizar uma atividade com um museu virtual, como o Museu das Coisas Banais aproximou-os do

universo museal. Isso levou-os a realizar pesquisas sobre outros museus do país, das mais variadas

tipologias, e fazer relação com o que fora estudado sobre tipologias museais na aula referente à

história do museu. Durante essas buscas, os alunos conheceram sites de museus que tinham alguma

identidade com eles, como: museu do relógio, game, moda, etc., porém um aluno encontrou o

museu do lixo que se localiza em Florianópolis, capital do Estado de Santa Catarina. Isso despertou

a curiosidade dos alunos, pois o mediador

Durante uma conversa com o grupo, coloquei algumas questões sobre esse profissional que

acompanha um grupo em uma exposição. Várias foram as colocações de acordo com as

experiências que os estudantes tiveram em outros museus. Nas falas dos alunos, ficaram evidentes

as nomenclaturas que eles deram ao mediador, pois não houve mediação, mas sim explicação do

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�11acervo desses museus que os alunos visitaram. Foi colocado para eles que todo processo do projeto

estava sendo mediado pela professora entre conversas, reflexões e questionamentos; assim, o

mediador pode fazer o mesmo no museu, podendo ocorrer, dessa forma, uma viagem para outros

lugares, fazendo conexões por meio de pensamentos e percepções. Nesse momento de mediação, de

troca, é que enriquecemos (Martins & Picosque, 2012). Complementando o pensamento das

autoras, é nessa relação entre sujeito/obra/museu que se oportuniza criar uma identidade com o

lugar visitado.

Essa discussão sobre o mediador desencadeou outra trama, porém de forma prática. Como

tirar um coelho da cartola, desafiei-me a pensar nas apresentações das caixas de memórias para,

então, eles criarem a caracterização da figura mediador para uma exposição futura. Uma aluna, por

exemplo, apresentou, para o figurino do mediador, um lenço de escoteiro que ela havia ganhado de

presente. Tirei a medida dele e, usando tecido TNT, os alunos puderam criar a identificação desse

profissional. Nas aulas posteriores, os alunos desenharam, cortaram, costuraram e tingiram o TNT.

Para saber qual seria o figurino escolhido, realizamos um desfile (Figura 3) definido em consenso

geral.

Figura 3- Modelo escolhido para o profissional medidor Fonte: A autora, 2015.

Depois da escolha do traje, conversamos sobre a trama do projeto. As falas dos alunos cruzaram

com o pensamento rizomático, que nada era intencional, mas sim construído em parceria.

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�12 Após passagens teóricas e práticas, realizamos uma saída da escola, rumo a um museu físico

de Arte. A visita aconteceu na capital do Estado durante a exposição Miró – A força da matéria. Os

alunos sentiram-se à vontade durante a exploração dos ambientes. Eles puderam explorar o espaço e

as obras usando também o seu corpo (Figura 4).

Figura 4- Visita à exposição Miró, no Museu de Arte de Santa CatarinaFonte: A autora, 2015.

Posteriormente à visita, foi realizada uma conversa com os alunos. Eles apontaram como foi a

experiência no museu de arte, sendo destacado: iluminação para cada obra; esculturas separadas das

pinturas; pinturas alinhadas e separadas por tipo; segurança para que ninguém tocasse nas obras;

mediador fazendo perguntas para serem respondidas pelo grupo; livro de assinaturas. Os estudantes

apontaram, também, que a mediadora poderia ser mais engraçada e divertida, pois, em alguns

momentos, eles não prestaram atenção no que ela falava. Após essa escuta, foi perguntado aos

alunos: “Se vocês pudessem criar um museu, como ele seria?”. Iniciou-se, assim, outra trama do

projeto - a criação do museu da turma com a identidade deles.

Um museu pelos olhos dos alunos

Para criar o museu, os alunos definiram que seria necessário ter criações artísticas. A

inspiração ocorreu, assim, na exposição do Miró, onde os estudantes produziram pinturas e

esculturas. Para algumas pinturas, eles usaram outros trabalhos já efetuados como suporte, por

exemplo, trabalho referente à arte do expressionismo abstrato de Jackson Pollock. As pinturas

foram expostas em um corredor da escola, enquanto as esculturas (Figura 5), em um nicho que liga

duas partes da escola.

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Figura 5: esculturas na exposiçãoFonte: A autora, 2015.

Para a exposição, os alunos apropriaram-se, também, de latas com rótulos de produtos

criados por eles em estudo da arte do consumo com base no artista Andy Warhol. Os estudantes

resolveram expor esses objetos na sala de vídeo como uma pirâmide e fazer algumas ações com as

crianças. Fizeram parte ainda da exposição os objetos afetivos cadastrados no site do museu das

coisas banais (Figura 6).

Figura 6 - Objetos afetivos na exposição Fonte: A autora, 2015.

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�14Com a arte para a exposição pronta, foi pensado na equipe do museu. Ela foi composta, pelo

olhar deles, por: mediadores; seguranças; auxiliares do museu - no caso de alguma criação artística

cair ou voar, pois estavam em uma área de muita circulação de ar, os auxiliares poderiam

imediatamente colocá-la de volta. Foram criados, também, guias das turmas da escola, cuja função

seria buscar a turma na sala de aula e levá-la de volta.

Para fazer o ambiente mais colorido e curioso, os alunos agregaram post-it (bloco de papéis

coloridos autoadesivos) no museu. Cada aluno, ou em pequenos grupos, escreveu sobre alguma

obra em um post-it e colou embaixo dela para chamar a atenção de outras pessoas para a obra. A

seguir, nas Figuras 7 e 8 registros visuais referentes à mediação e à intervenção com post-it.

A exposição foi contemplada para quase 500 alunos, que se divertiram com os seguranças

pela caracterização despojada, e todo movimento na escola. Fazer do espaço escolar um outro lugar

que ganha uma conotação positiva ocorre quando os alunos interagem e sentem-se bem. “Quanto

mais instável e surpreendedor for o espaço, tanto mais surpreendido será o indivíduo” (Santos,

2002,p.330).

Figura 8 - Momento da exposição. Fonte: A autora, 2015.

Figura 7- Mediação na exposição. Fonte A autora: 2015.

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�15O movimento ocasionado na escola resultou na doação de alguns trabalhos a pedido de

funcionários da escola (Figura 9).

Figura 9- Doação de criações artísticas dos alunos Fonte: A autora, 2015.

O projeto desenvolvido na prática em dezembro de 2015 proporcionou a sua continuidade em

2016, motivando a turma do projeto depois do convite do Museu das Coisas Banais em continuar a

parceria.

Parceria entre museu virtual e escola continua

No que diz respeito ao museu, eles nos enviaram a exposição fotográfica “objetos [nada

banais] da infância” que desenvolveram com uma escola de Pelotas/RS.

No que diz respeito ao museu, eles nos enviaram a exposição fotográfica “objetos [nada

banais] da infância” que desenvolveram com uma escola de Pelotas/RS.

Dentre as 36 fotografias enviadas de crianças com seus brinquedos e objetos, foi realizado

pela turma do projeto juntamente com alunos de uma turma das séries iniciais agrupamento

temático das fotos para realização da exposição. Os temas agrupados foram : crianças e suas

bonecas, brinquedos tecnológicos, objetos afetivos, vestimenta, ursos amáveis e brinquedos

populares, conforme a figuras 10 a seguir nos proporciona este momento.

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Figura 10- Momento do agrupamento das fotografiasFonte: A autora, 2016.

Posteriormente a este trabalho, os alunos organizaram a exposição de acordo com as temáticas

para realizar a mediação com turmas das séries iniciais.

A mediação no contexto escolar consiste em ouvir, dialogar, construir conhecimento de forma

colaborativa , enquanto a mediação cultural se insere nela pelo campo da arte e da cultura que “[...]

transmite significados que não podem ser transmitidos por nenhum outro tipo de linguagem, como a

discursiva e a científica” (BARBOSA, 2009, p. 21).

Para uma mediação cultural é preciso pensar em desafios, acreditar no outro, ter confiança em

si para render frutos do aprender. Tornar-se sensível e ter uma relação efetiva e afetiva com os pares

e os alunos é alimentar a bagagem cultural de forma contínua e costurar com todo aprendizado

construído ao longo da vida, que cabe a educação informal e com o conhecimento curricular da

educação formal.

Portanto, propor aos alunos do projeto o desafio de montar uma exposição e realizar a

mediação vem sendo desenvolvido desde 2015, procurando sensibilizá-los com relação ao falar e

ouvir o outro, no caso as crianças das séries iniciais.

A mediação nesta etapa do projeto realizada pelos alunos cabe também ao plano de

experienciar um momento onde está envolvido a autonomia, saberes e fazeres deles compartilhados

com os outros alunos. Dessa forma, o mediar proporciona confiabilidade e segurança. A figura 11

nos proporciona o momento da mediação realizado de alunos para alunos por meio de uma

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�17linguagem simples, com questionamentos, discussões baseados nas vivências e experiências por

eles vividos.

Figura 11- Momento da mediação realizada pela turma do projeto com alunos das séries iniciais.

Fonte: A autora, 2016.

Além da mediação ocorreram ações educativas inspirada em uma das temáticas quando

realizado o agrupamento das fotografias. Atemática destacada por eles foram brinquedos populares,

devido às experiências ocorridas na infância.

As ações educativas chamadas de “estações educativas” foram executadas depois da

mediação da exposição. Os alunos das séries iniciais passaram pelas estações “fazer brinquedos “ e

“ brincadeiras populares”. A Figura 10 e 11 a seguir nos proporciona um pouco desse momento.

Figura 12- Ação educativa- confeccionando e brincando com pipas. Fonte: A

autora, 2016.

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�18

No projeto desenvolvido em 2015 e com sua ramificação em 2016 podemos evidenciar os caminhos rizomáticos trilhados pela turma mediada pela professora. Essas ações realizadas pela turma com alunos menores desencadeou estímulo em outras turmas para desenvolverem projetos. Assim, a turma finalizou mais uma etapa do projeto presenteando a todos com um momento de brincar por meio de fotografia inspirada nos trabalhos do artista Vik Munik.

A figura 14 a seguir mostra brinquedos que foram emprestados por 10 turmas da séries iniciais para realizar a fotografia que seria presenteada ao Museu das Coisas Banais em Pelotas/RS, como forma de agradecimento pela parceria .

Figura 13- Ação educativa- aprendendo a jogar clica. Fonte: A autora, 2016.

Figura 14- Homenagem da turma que desenvolveu o projeto para o Museu das Coisas Banais. Fonte: A autora, 2016.

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�19

Um projeto como este, cresceu e ganhou forma por meio do olhar docente que se propõe a

ouvir, dialogar e mediar com os alunos, mas também oportunizar a eles um encontro com a vida e a

cultura.

Considerações

O museu torna Mu[seu] quando os sujeitos o veem como lugar de aprender e de troca de

saberes. A escola torna-se, assim, uma ponte na valorização de seu patrimônio por meio da

experiência e da vivência. Nesse projeto, os alunos foram os atores que tramaram e tramam sua

construção, que ocorre por meio da mediação da professora, que procura, por meio das

experiências, inserir este capital cultural, o museu, o qual pode ser construído e ampliado se

apresentado aos alunos.

Contudo, nós, professores, precisamos questionar-nos sobre o desenvolvimento de um projeto

ou sobre a dinâmica cotidiana de conteúdos: Que tempo damos para ouvir os alunos? Quanto tempo

cada aluno precisa para compreender o seu entorno? O tempo que procurei ouvi-los resultou em um

projeto que perpetua, cresce e se ramifica naturalmente. Que o aprender seja uma ponte, pois: “A

escola não é território proibido às práticas educativas não formais, ao contrário, deveria incorporá-

las” (Gohn, 2010, p.23). O projeto até o momento culminou em um entendimento que trago por

meio da fala de uma aluna: “Vemos as mudanças, o desenvolvimento e, principalmente, a nossa

evolução” (D.B., aluna do 8º 02, 2015). Evoluir por meio da humanização dos sentidos, da relação

com o outro, consigo e com o meio onde se está inserido. Essa relação propõe mudanças sociais e

culturais.

Referências

BORDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. 7. ed. Tradução: Sérgio Miceli et al. São

Paulo: Perspectiva, 2013.

DUCATTEAU, Florence. Visitando um museu. Tradução: Arthur Diego van der Geest. São Paulo:

Brinque-Book Saber, 2011.

GOHN, Maria da Glória. Educação não formal e o educador social: atuação no

desenvolvimento de projetos sociais. São Paulo: Cortez, 2010.

MARTINS, Mirian Celeste & Picosque, Gisa. Mediação cultural para professores andarilhos na

cultura. 2. Ed. São Paulo: Intermeios, 2012.

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�20MENDES, Luiz Marcelo (Org). Reprograme comunicação, branding e cultura numa nova era

de Museus. Rio de Janeiro: Imã Editorial, 2012.

SANTOS, Milton. A natureza do Espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: EDUSP,

2002.

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�21

OBSERVATÓRIO DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES: OFERTA DO CURSO DE

LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS NO RIO GRANDE DO SUL E O CASO

NOROESTE

Maristela Müller

Estudante do Mestrado em Artes Visuais pelo PPGAV/UDESC3

Resumo

No presente artigo relata-se uma pesquisa que vem sendo desenvolvida no Mestrado em Artes Visuais do PPGAV/UDESC e que se encontra vinculada ao Observatório da Formação de Professores no âmbito do Ensino de Arte: estudos comparados entre Brasil e Argentina - (OFPEA/BRARG). Na primeira etapa da pesquisa, com base na abordagem sócio-histórica, apresenta-se a sistematização dos dados coletados em forma de mapa, o qual localiza as Instituições que ofertam os cursos presenciais de licenciatura em Artes Visuais no Rio Grande do Sul. Com os dados, dessa etapa da pesquisa, foi possível a criação de um segundo mapa, o qual mostra a localização de Instituições que tiveram seus cursos de licenciatura em Artes Visuais fechados nos últimos anos. Mesmo em fase inicial, a pesquisa aponta constatações significativas em seu mapeamento, por exemplo, os cursos de Artes Visuais fechados, no contexto analisado, e o caso Noroeste.Palavras-chave: Artes Visuais; Formação de Professores; Mapeamento; Observatório.

Observatory of Teacher Education: Visual Arts Degree Course Offer in Rio Grande do Sul

and the Northwest case

Abstract

In this article we report a study that has been developed in the Masters in Visual Arts of PPGAV/UDESC and is linked to the Observatory of Teacher Education in the context of Art Education: comparative studies between Brazil and Argentina - (OFPEA/BRARG). In the first stage of the research, based on the socio-historical approach, we present the systematization of data collected in the form of map, which located the institutions that offer the presential courses of degree in Visual Arts in Rio Grande do Sul. After this stage, the acess to this data make possible to create a second map, which shows the location of institutions that had their degree courses in Visual Arts closed in recent years. Even in the initial stage, the research shows significant findings in its mapping, for example, the Visual Arts courses closed in the context analyzed and the Northwest case.Key words: Visual Arts; Teacher Education; Mapping; Observatory.

Mestranda em Artes Visuais pelo PPGAV/ UDESC – Orientada por Maria Cristina da Rosa Fonseca da Silva. 3

Graduada em Artes Visuais (2010), pela UDESC. Pós-Graduada em Interdisciplinaridade e Práticas Pedagógicas (2013) pela UFFS, campus Cerro Largo/RS. Possui experiência como docente na Educação Básica e no Ensino Superior. Atua no Grupo de Pesquisa Educação, Artes e Inclusão – CNPq/UDESC.

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�22Situando a Pesquisa – O vínculo com o Observatório

O Observatório da Formação de Professores no âmbito do Ensino de Arte: estudos

comparados entre Brasil e Argentina - (OFPEA/BRARG), é um projeto que envolve pesquisadores

da América Latina, principalmente do Brasil e Argentina. Possui como objeto de estudo os

múltiplos aspectos que envolvem o contexto da formação dos professores em Artes Visuais,

prioritariamente nas licenciaturas. No Brasil, o projeto é coordenado pela Professora Doutora Maria

Cristina da Rosa Fonseca da Silva, da Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC. Já, na

Argentina, a partir de 2015, o projeto é coordenado pelo Professor Doutor Federico Ignácio Bujan,

da Universidad Nacional del arte – UNA e Universidad de Rosario – UNR.

A Coordenadora do Projeto no Brasil esclarece que “a proposta deste Observatório articula-

se em torno do objeto formação de professores de Artes, como também na sistematização de

produções e atuações dispersas de professores pesquisadores e artistas que dedicam-se ao

tema” (FONSECA DA SILVA, 2015. p. 184). Somando esforços entre pesquisadores, oriundos

desde a iniciação científica até o pós-doutoramento, o OFPEA/BRARG tem desenvolvido estudos

sistemáticos que visam permitir diagnósticos e reflexões atualizadas acerca da realidade da

formação de professores, observando contextos, comparando realidades, levantando dados e

analisando perspectivas.

O Observatório vem se constituindo através de pesquisas, leituras, reflexões, produções,

publicações, simpósios, grupos de estudos, intercâmbios e encontros acadêmicos significativos entre

pesquisadores. A partir disso, passou-se a conhecer diversas realidades, constatou-se “a existência

de estudos sólidos desde a primeira década desse milênio e também (...), o surgimento de um

conjunto novo de pesquisas sobre a formação nas licenciaturas.” (BUJÁN; FRADE; FONSECA DA

SILVA. 2013, p. 149).

A abordagem sócio-histórica da temática do OFPEA/BRARG parte das múltiplas

inquietações que as pesquisas apresentam e podem ser sintetizadas em três principais

problemáticas: A primeira está na possibilidade de refletir sobre aspectos políticos, governamentais,

históricos e filosóficos da docência em Artes; A segunda problemática aborda os saberes docentes e

suas práticas. A terceira, “(...) debate a formação crítico-reflexiva nos cursos de formação de

professores de artes numa perspectiva emancipatória, bem como as trajetórias de formação tendo a

pesquisa como fio condutor.” (FONSECA DA SILVA, 2015, p. 189)

A pesquisa, que será relatada a seguir, começou a ser desenvolvida desde o segundo

semestre do ano de 2015 e investiga as licenciaturas em Artes Visuais no Rio Grande do Sul. Nesse

sentido, possui como problema a questão: em que medida a pesquisa está presente na formação de

professores nas licenciaturas em Artes Visuais do Rio Grande do Sul, evidenciada através do

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�23currículo? Num primeiro momento, a investigação foi realizada a partir do mapeamento das

instituições, públicas e privadas, que ofertam o referido curso. Num segundo momento será 4

realizada a análise curricular, a fim de perceber como a pesquisa está presente no currículo das

licenciaturas, na modalidade presencial, das Instituições públicas e privadas, que ofertam o curso de

Artes Visuais.

Cursos de licenciatura em Artes Visuais no Rio Grande do Sul

A pesquisa acerca da Formação de Professores em Artes Visuais no Estado do Rio Grande

do Sul está vinculada ao OFPEA/BRARG. A primeira etapa de coleta de dados questionou as

licenciaturas em Artes Visuais do Rio Grande do Sul: Quantos são os cursos? Em que instituições

são ofertados? Onde se localizam? Os cursos estão distribuídos harmonicamente no território do

RS? Através da sistematização dos dados coletado, essa etapa da pesquisa permitiu a criação de um

mapa que aponta a localização dos cursos (Figura 1), sendo que, também possibilitou a criação de

um segundo mapa inesperado, onde consta a localização das IES que tiveram seus cursos de

licenciatura em Artes Visuais fechados nos últimos anos (Figura 2).

A segunda etapa, que está em desenvolvimento, abarca a coleta e análise das matrizes

curriculares das IES mapeadas, que possuem seus cursos em funcionamento no RS. A análise

curricular será realizada com o intuito de investigar em que medida os currículos das licenciaturas

em Artes Visuais no RS estão contribuindo com a formação de professores pesquisadores e

intelectuais. No presente artigo não será realizada a análise curricular das licenciaturas, apenas a

análise do Mapeamento, em virtude de a pesquisa estar em andamento, ou seja, qualquer análise

curricular seria precipitada nesse momento. Mesmo em fase inicial, a pesquisa apresenta

constatações significativas em seu mapeamento, por exemplo, os cursos de Artes Visuais fechados,

no contexto analisado, e o caso Noroeste, que será abordado a seguir.

Etapa em desenvolvimento4

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���Figura 1 – Mapa das Macrorregiões do Rio Grande do Sul com a localização das IES

que ofertam o curso presencial de licenciatura em Artes Visuais. 2015. Arquivo 01 da pesquisadora.

O mapa, da Figura 01, revela que existem cinco instituições públicas que ofertaram o curso

presencial de licenciatura em Artes Visuais no RS: a Universidade Federal do Rio Grande do Sul

(UFRGS); a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM); a Universidade Federal de Pelotas

(UFPEL); a Universidade Federal do Rio Grande (FURG); e a Universidade do Estado do Rio

Grande do Sul (UERGS). Também há no RS, quatro instituições privadas que ofertaram o curso em

análise: a Universidade de Caxias do Sul (UCS); a Universidade FEEVALE; a Universidade

Luterana do Brasil (ULBRA); e a Universidade de Passo Fundo (UPF).

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���

Figura 2 – Mapa das Macrorregiões do Rio Grande do Sul com a localização das IES que fecharam a oferta do curso presencial de licenciatura em Artes Visuais. 2015.

Arquivo 02 da pesquisadora.

No decorrer da coleta de dados do mapeamento, a pesquisadora percebeu que uma

Instituição reconhecida pelo curso de Artes Visuais na Região Missioneira, não constava no site do

e-MEC, onde a coleta de dados foi realizada. Aprofundando a investigação, foi descoberto que, no

período entre 2011 e 2013, o RS teve três cursos de licenciatura em Artes Visuais fechados nas

seguintes instituições: Universidade da Região da Campanha (URCAMP), localizada na cidade de

Bagé; Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ), na cidade de

Ijuí; Fundação Educacional Machado de Assis (FEMA), na cidade de Santa Rosa (Figura 02).

Na análise do mapeamento, percebe-se que os cursos presenciais de licenciatura em Artes

Visuais do RS concentram-se na Região Metropolitana (quatro dos cursos) e na Região Sul (dois

cursos). Outro dado relevante é que existem duas regiões que não possuem o curso investigado,

quais sejam, a Região Missioneira, situada no noroeste, o que dificulta o acesso às instituições, e a

Região dos Vales, que é central, ou seja, cercada por todas as outras regiões, o que torna o acesso

um pouco mais facilitado em virtude da proximidade. Na Região Sul também houve o fechamento

de um curso, no entanto, analisa-se que o fato não tenha sido tão impactante em virtude de a região

possuir outras duas instituições públicas que ainda ofertam o curso de Artes Visuais. Essa análise

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�26permite considerar duas problematizações principais: a escassez do curso em determinadas regiões

do RS, ou seja, na Região Missioneira e dos Vales e, ainda, a concentração dos cursos na Região

Metropolitana e Sul, próximos à faixa litorânea do estado.

A primeira etapa de coleta de dados foi realizada, mas falta a segunda etapa, que está

relacionada a coleta e análise dos currículos das IES mapeadas, que possuem seus cursos em

funcionamento, com o foco na formação de professores pesquisadores e intelectuais. Pretende-se

olhar de maneira cuidadosa para o cerne da licenciatura em Artes Visuais, que é a formação docente

enquanto futuros profissionais da educação, para a construção de uma docência artística, com

práticas de pesquisa em um contexto repleto de possibilidades pedagógicas, experiências,

experimentações e inquietações.

Por mais que a pesquisa esteja em andamento, algo acontece, alguma coisa se revela nos

caminhos trilhados, nos mapas desenhados com a localização das IES do Rio Grande do Sul, que

podem falar sobre a formação de professores em Artes Visuais. Um estado repleto de sabores,

saberes, conhecimentos, paisagens e tradições. No entanto, há uma região que se destaca na

pesquisa, em virtude do problema social concreto que revela na falta de formação de professores em

Artes Visuais, por se tratar de uma região onde as duas únicas IES que ofertavam a licenciatura em

Artes Visuais fecharam o curso, situação que será abordada a seguir, como o caso Noroeste.

O caso Noroeste

Na Região Missioneira existem duas IES particulares que ofertavam o curso de Licenciatura

em Artes Visuais, são elas: Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul

(UNIJUÍ), na cidade de Ijuí, que teve a última turma formada em 2013 e a Fundação Educacional

Machado de Assis (FEMA), na cidade de Santa Rosa, que teve a última turma formada em 2011.

Esse dado coletado foi inesperado e o fechamento dos cursos na Região Missioneira revela um

problema social concreto, que acarreta na carência de formação de professores em Artes Visuais.

Assim, faltam profissionais graduados atuando na área, (conforme dados que podem ser acessados

na a plataforma CultivEduca, construída a partir de dados do Censo Escolar da Educação Básica, do

INEP). Onde concursos são abertos e as vagas não são preenchidas, às vezes, ocorrendo de não

haver nenhum inscrito para realizar o processo seletivo, como ocorreu no ano de 2015, no Processo

Seletivo Simplificado 02/2015, na cidade de São Paulo das Missões.

A Região Missioneira está marcada historicamente pela produção dos índios guaranis e pela

colonização jesuítica que trouxe artistas europeus que, junto com os índios, esculpiam

principalmente em madeira, dentro dos padrões da arquitetura barroca. A produção artística pode ser

vista em igrejas da região e nas reduções preservadas e tombadas pelo IPHAN (OLIVEIRA, 2004).

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�27Ou seja, uma região rica artisticamente e historicamente, com cidades que chegaram a ser

consideradas como o berço da cultura, mas que se depara com a ausência de Instituições que

formam artistas e docentes em Artes Visuais.

A Região Missioneira possui um legado artístico e cultural, que inicia com povos indígenas,

passando pelos jesuítas e se dirigindo aos dias atuais. Por esses motivos ocorreram reivindicações

populares para a abertura de um Instituto Federal de Arte e Cultura, para ofertar na região o curso

de bacharelado e licenciatura em Teatro, Artes Visuais e Música (que também é uma prática artística

intensa e tradicional na região). Ao longo do ano de 2013 e 2014, após a população se organizar, se

manifestar, realizar sucessivas reuniões, compor uma comissão e iniciar a redação do projeto para a 5

criação de um Instituto de Artes, tal reivindicação encontrou cancha, junto a Universidade Federal

da Fronteira Sul (UFFS), campus Cerro Largo/RS.

A partir das consecutivas e organizadas reivindicações populares, a UFFS inicia o

atendimento dessas reivindicações quando o Dr. Jaime Giolo, Reitor da Instituição, atua em prol da

política de extensão Universitária, prevista no plano de trabalho da UFFS campus Cerro Largo, e

solicita a criação de um Instituto de Artes na cidade de São Luiz Gonzaga/RS . “Essa extensão terá 6

a estrutura de um Instituto Federal de Arte e Cultura, e tramita nos Ministérios da Educação e da

Cultura, com projetos montados para o seu funcionamento.” (A NOTÍCIA. 2014). O ex-governador

Olívio Dutra foi convidado para ser o “padrinho” do projeto. O Instituto de Arte e Cultura irá

atender uma demanda local, dada às características da cidade de São Luiz Gonzaga e da região, que

possui artistas no campo da Música, das Artes Visuais e artesãos.

No dia 21 de dezembro de 2014 foi realizado um almoço na casa do Músico Pedro Ortaça,

onde foi servido churrasco com diversos tipos de carnes, arroz e saladas, ou seja, com pratos típicos

da culinária da região. Nesse almoço, foram citados como exemplos da música, os quatro “troncos

missioneiros”, dos quais três são naturais de São Luiz Gonzaga: Jayme Caetano Braun, Noel

Guarany e Pedro Ortaça. Nesse dia, o Dr. Jaime Giolo, Reitor da UFFS, juntamente com o Dr.

Antônio Inácio Andrioli, vice-reitor da UFFS, salientaram que todas as etapas burocráticas para

criação do Instituto já foram cumpridas. Assim, a população espera que o Instituto Federal de Arte e

Cultura tome corpo e inaugure seus cursos em um futuro breve. Entre eles, o curso de Artes Visuais

para suprir esse vácuo na formação de professores, que ocorre principalmente após o fechamento

dos cursos na Região Missioneira.

Comissão composta por: comissão, composta por: Ivone Ávila (IHGSLG), Eni Malgarim (Movimentos Sociais), 5

Sônia Prates (Executivo e Secretaria de Educação SLG), Guiomar dos Santos (32ª CRE) e Maria de Lourdes Matzembacker (Câmara de Vereadores). Notícia divulgada no site da Rádio São Luiz.

A distância entre a UFFS campus Cerro Largo e a Cidade de São Luiz Gonzaga, onde se pretende realizar a extensão 6

universitária com o Instituto Federal de Arte e Cultura, aproximadamente é de 73,5 km, via BR-392 e RS-168.

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Considerações

O Observatório da Formação de Professores no âmbito do Ensino de Arte: estudos

comparados entre Brasil e Argentina - (OFPEA/BRARG), se apresenta como um projeto de

cooperação entre pesquisadores da América Latina, principalmente do Brasil e Argentina, que tem

como objeto de estudo os múltiplos aspectos que abarcam o contexto da formação dos professores

em Artes Visuais. Através do Observatório, uma série de investigações são realizadas e envolvem

estudantes da graduação até pesquisadores do Pós-Doutorado. No presente artigo, apresentou-se

uma pesquisa de Mestrado, em andamento, que busca refletir sobre a formação de professores

pesquisadores e intelectuais no estado do Rio Grande do Sul.

A pesquisa, em fase inicial, apresentou as IES públicas e privadas que oferecem o curso de

licenciatura presencial em Artes Visuais no RS. Nela, se realizou um mapeamento, como primeira

etapa de coleta de dados e, ao longo da sistematização desses dados, foi possível criar um mapa que

aponta a localização dos cursos no território do RS. Essa etapa da pesquisa também possibilitou a

criação de um segundo mapa, onde consta a localização das IES que tiveram seus cursos fechados

nos últimos anos. O RS possui, no total, nove instituições que ofertam o curso de licenciatura

presencial em Artes Visuais. Desse total de nove cursos, cinco estão em instituições públicas e

quatro em instituições privadas. Também, se aponta o fato de que três IES fecharam seus cursos de

Artes Visuais, duas na Região Missioneira e uma na Região Sul. Deixando um vácuo na formação

de professores, principalmente na Região Missioneira, já que a Região Sul possui outras duas

Instituições públicas que ofertam o curso. Essa análise permite considerar duas problematizações

principais: a escassez do curso em determinadas regiões do RS, ou seja, na Região Missioneira e

dos Vales e, ainda, a concentração dos cursos na Região Metropolitana e Sul, próximos a faixa

litorânea do estado.

Em virtude da escassez de cursos de Artes, bem como, em virtude da história e cultura da

Região Missioneira, a população se organizou e reivindicou a abertura de cursos junto a

Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), campus Cerro Largo. A Instituição ouviu a

população e solicitou a criação de um Instituto Federal de Arte e Cultura, na cidade de São Luiz

Gonzaga/RS, uma ação que faz parte da política de extensão Universitária, prevista no plano de

trabalho da UFFS. Assim, a população espera que o Instituto tome corpo e inaugure seus cursos em

um futuro breve. Entre eles, o curso de Artes Visuais, para suprir esse vácuo na formação de

professores, que ocorre a alguns anos, com o fechamento dos cursos na Região Missioneira.

Por meio do Observatório, no Brasil, está se construindo um panorama das licenciaturas em

Artes Visuais e da formação de professores, possibilitando que cada pesquisador selecione seu foco

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�29de análise. A pesquisa mencionadas está em processo, sendo que a próxima etapa será a análise

curricular das instituições mapeadas. A investigação no Rio Grande do Sul, em continuidade ao que

foi apresentado, visa debater e analisar a formação de professores de artes como pesquisadores e

intelectuais, evidenciada por meio do currículo.

Referências

A Notícia. Olívio Dutra vai ser o “padrinho” do Instituto de Artes da UFFS em São Luiz. 2014. Disponível em: < http://anoticia.com/noticias/educacao/id/8712/-olivio-dutra-vai-ser-o-padrinho-do-instituto-de-a.html#.VJg9W54X2tM.facebook> Acesso em: 26 de out. de 2015.

CultivEduca. Acesse os dados educacionais do Brasil no CultivEduca. Plataforma construída a partir de dados do Censo Escolar da Educação Básica, do INEP. Disponível em: <http://cultiveduca.ufrgs.br/> Acesso em: 20 mai. 2016.

e-MEC. Instituições de Educação Superior e Cursos Cadastrados. Disponível em: <http://emec.mec.gov.br/> Acesso em: 22 out. 2015.

BUJÁN, Frederico. La construcción de un observatorio latinoamericano de la formación de profesores de artes en las universidades. Revista Educação, Artes e Inclusão, volume 8, número 2, 2013. Disponível em: <http://www.revistas.udesc.br/index.php/arteinclusao/article/view/4104/2934> Acesso em: 6 dez. 2015.

FONSECA da SILVA, Maria C. da R. Observatório da formação de professores de artes: sistematizações do percurso. Em: GONÇALVES, Maria G. D.; REBOUÇAS, Moema M. (Orgs.). Educação em Arte na contemporaneidade. Vitória: EDUFES, 2015.

FONSECA da SILVA, Maria Cristina da Rosa; BUJÁN, Federico; FRADE, Isabela Nascimento. Observatório da Formação de Professores de Artes: Uma Rede de Pesquisa na América Latina. Série Diálogos en Red Nuestra América, v. 1, p. 135-156-156, 2014. Disponível em: <http://www.dialogosenmercosur.org/12%20OBSERVAT%C3%93RIO%20DA%20FORMA%C3%87%C3%83O%20DE%20PROFESSORES%20DE%20ARTES.pdf> Acesso em: 30 mai. 2015.

OLIVEIRA, Marilda Oliveira de. História e Arte guarani: Interculturalidade e identidade. Santa Maria: Editora UFSM, 2004.

Rádio São Luiz AM 1060. Reunião apresenta projeto de instalação do instituto de artes em São Luiz Gonzaga. 18/08/2014. Disponível em: http://www.radiosaoluiz.com/noticias/ver/cat/geral/id/9694/reuniao-apresenta-projeto-de-instalacao-do-institu.html Acesso em: 04 abr. 2016.

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�30CRIAR PARA TRANSFORMAR

Sandramara Goulart dos Reis7

Resumo

A estrutura e aplicação da prática de ensino proposta, demonstraram que os procedimentos utilizados nas etapas da construção de uma obra de arte servem também como meio de viabilização na construção do conhecimento do aluno, de como se dá o seu próprio processo de criação. A integração de estratégias pedagógicas, desenvolvidas por Freire, Pareyson e Barbosa embasado na contextualização do conhecimento dos educandos e através da leitura de imagem, instaurará um processo de construção, no qual tanto o objeto, quanto o sujeito se transformam. Cabe, portanto, enfatizar a estreita convivência entre o desenvolvimento do potencial dos alunos e o processo de transformação viabilizado pelo trabalho proposto. Pode-se concluir que a aplicação desse modelo estabelecerá uma base e contextura que permitirá aos alunos estruturar e reestruturar seu conhecimento num processo de produção, experiência e apreciação da arte, assim alcançando os objetivos da pesquisa e validação desse modelo. Palavras chave: Ensino; Aprendizagem; Arte.

ABSTRACT The structure and application of the teaching practice proposed, demonstrated that the procedures used in the steps of building an art work also serve as a mean of enabling the construction of the student's knowledge, and how is his own creation process. The integration of pedagogical strategies, developed by Freire, Pareyson and Barbosa based in the context of knowledge of students and through the image reading, would establish a building process, in which both the object and the subject have changes. It emphasizes the close interaction between the development of the potential of the students and the process of transformation, which is possible by the proposed work. It can be concluded that the application of this model will establish a base and texture that will allow students to structure and restructure their knowledge, in a production process, experience and appreciation of art, thus achieving the objectives of the research and validation of this model. KEYWORDS: Teaching; Learning; Art.

Criar para transformar

A importância dos estudos a respeito da criatividade inicia na constatação de que o ser

humano construiu a si mesmo e o mundo que o cerca através do processo de criar e recriar ideias,

objetos e eventos. Ser criativo não é apenas um potencial, é também uma necessidade humana e faz

parte da natureza peculiar de homens e mulheres desde o nascimento.

UDESC, SME, SEDUC-SC.7

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�31O estudo do processo criativo tem possibilitado a compreensão de apenas alguns de seus

múltiplos aspectos. Seu desvelamento intriga pesquisadores de todos os campos do conhecimento e

apresenta-se ainda, no século XXI, como uma área em aberto.

Por um longo período foi entendido como um dom, um talento, outorgado por uma esfera

mítica e só recentemente este inatismo foi substituído por concepções que apontam para a

possibilidade de que todos e, cada um em particular, pode desenvolver-se criativamente, quer seja

pelas experiências do dia-a-dia, quer seja pelo esforço pessoal ou pela educação formal e informal.

É comum associar criatividade com criar, renovar, redefinir, dinamizar, progredir, flexibilizar,

intuir, descobrir, desenvolver, realizar com originalidade e outras designações que apontam para a

divergência, a busca do novo e da ação diferenciada.

Pensar nesta relação criatividade/sociedade é pensar na escola e nas práticas pedagógicas que

concebem a criatividade com um formato individual e descontextualizado, apontado por Silva

(1994) como uma maneira de desconsiderar as construções de um sujeito sócio histórico. A autora

observa a ausência de um clima em sala de aula que propicie o desenvolvimento criativo, paralelo a

um ambiente escolar que contribua para compreender a prática criativa como pratica social

necessária e importante para evidenciar as pessoalidades de um grupo.

Na mesma direção Hernandez (2000, p.85) comenta que “se a criatividade é um processo

individual, o ensino da arte não é necessário”, e prossegue alegando que esta mitificação concorda

para distorcer a função da arte na educação, pois essa ideia leva ao entendimento de que a educação

tem uma importância marginal para a formação artística das pessoas, gerando consequências

negativas no que se refere ao grau de valoração social que se dá à arte e aos artistas.

Na esteira dessa concepção estende-se o conceito que formatamos sobre o que seja o ato de

criar: se é um talento nato, no qual a educação pouco pode interferir ou se é um processo singular,

tramado com o tecido social que se instaura e se expande à medida em que se constrói.

Sob o ponto de vista do ensino da arte com enfoque criativo, Barbosa (1998) traz uma

importante e inusitada contribuição ao entender que o ciclo criador não se esgota no fazer. Ao

remetê-lo também à apreciação e leitura de imagens, aponta para outra visão de criatividade,

abrindo caminho para um novo olhar sobre o processo criativo até então centrado na produção. Tal

atitude descortina uma perspectiva educativa interessante no âmbito do ensino e da aprendizagem e

provocam educadoras a refletirem sobre as práticas vigentes no que se refere às releituras.

O fazer artístico é acompanhado de um sentimento de responsabilidade, pois se trata de um

processo de conscientização. Como tal, nos convoca constantemente a repensar nossos itinerários

pedagógicos e nosso compromisso social com ações provocadoras de singularidades, pluralidades,

alteridades, diversidades.

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�32Concepção de Arte-educação e Sociedade

O homem é um agente transformador, segundo Demo (1998), na medida em que trabalha,

descobre-se como ser individual e coletivo. Ele é o único responsável pelas transformações que

ocorrem no mundo, enquanto existem homens que se alienam no meio em que vivem, ao invés de

construir, destroem e prejudicam a si próprio e os outros.

Tudo isso é muito visível no mundo, principalmente a existência de diferentes classes sociais.

As classes sociais são divididas de acordo com o poder aquisitivo, valores, ideias e objetivos

comuns, influenciando assim na educação.

Segundo FREIRE (1979) existe dois tipos de educação: Educação Bancária e Educação

Libertadora. Sendo que a Educação Bancária visa a domesticação do indivíduo através da

transmissão do conhecimento, desconsiderando o saber do aluno, já a Educação Libertadora vem

contrapor com esta visão porque ela acontece através do diálogo, das relações do homem com o

mundo. A partir disso, o homem é visto como um ser pensante, que age e reage no mundo.

Portanto, a meu ver, a educação acontece dentro e fora da escola, em todas as relações que o

aluno estabelece com o mundo. No entanto, o papel da escola é fundamental, pois ela é um dos

lugares propícios para manejar e produzir conhecimentos. Cabe a escola educar para o exercício da

cidadania, com qualidade e perspectiva de construir e renovar saberes. Portanto, aquisição de

conhecimentos, compreensão de ideias e valores, formação de hábitos, de convivência num mundo

que está em constante transformação, são entendidas como condições para que essa forma de

cidadania contribua para tornar a sociedade mais humana.

Uma vez garantida a presença da arte no currículo escolar, os profissionais com atuação no

campo da arte perceberam a lacuna em sua formação e tem apontado a necessidade de

aprofundamento teórico-metodológico e de acesso a materiais de apoio para avançar no

conhecimento sobre a arte e a arte-educação.

Proposta de Ensino

A presente proposta de ensino baseia-se na linha construtivista, visto que a mesma está a favor

das classes populares que lutam pela conquista da cidadania. Para as massas populares

conquistarem a cidadania, elas precisam lutar contra as barreiras econômicas, materiais e também

simbólicas, como linguagem, mitos, superstições e crendices.

Acredito que o papel do educador é entrar num diálogo com os alunos, a respeito de temas

que tenham a ver com situações concretas e experiências que fundamentam sua vida diária.

Segundo a teoria construtivista, os alunos constroem conhecimento antes, durante e depois da

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�33passagem pela escola. Por isso, a tarefa do professor é de realizar o processo ensino-aprendizagem

relacionando os conhecimentos prévios dos alunos com os novos conteúdos. Segundo Matuí:

O papel do professor é encorajar o aluno através de atividades que causem desequilíbrio ou o coloquem em ação. O aluno é que está construindo conhecimento, mas o professor entra como mediador dessa construção, não só apresentando matéria e atividade, mas questionando, interrogando e fazendo o aluno pensar. (1995, p. 81-7).

Acredito que através de debates e trabalhos em grupos, os alunos sejam estimulados a

questionar, refletir e se posicionar diante do conteúdo, relacionando com os fatos que acontecem em

nossa sociedade.

Nesta proposta de trabalho, a dinâmica de ensino-aprendizagem mostra-se como uma relação

de socialização de conhecimento e elaboração de novos saberes.

Proposta pedagógica para o ensino de Artes

A meu ver, professor ideal é aquele que se importa com o crescimento de cada um de seus

alunos, especialmente daqueles que tem dificuldades. Através de um olhar atento, o professor

poderá encontrar meios para auxiliar este aluno em suas necessidades oferecendo a ele sua certeza,

ajudando-o a acreditar em seu potencial.

Minha pelo conhecimento demonstra o interesse em melhorar a qualidade de vida das pessoas

que me cercam. Pois percebo que mesmo sem querer reproduzimos padrões estabelecidos, o desafio

consiste em reagir e nos transformar.

Como profissional, a minha preocupação com a área de atuação é encontrar meios

facilitadores para a abordagem da arte, como criar estratégias, como contextualizar a realidade da

comunidade, pois penso que sem a experiência do prazer da arte por parte dos professores e alunos,

nenhuma teoria de arte-educação será reconstrutora da nação.

Tendo em vista que critico o modo como o sistema educacional funciona, acredito existirem

meios facilitadores de se trabalhar o senso estético em sala de aula, a questão que tenho de enfrentar

é como eu farei isso? Refletir sobre isso é um começo para as mudanças tão necessárias nas escolas,

universidades em todo o sistema educacional.

A minha proposta de trabalhar parte do que os alunos sabem da sua leitura de mundo e de seus

gostos, á partir da interação do aluno com o objeto e a interpretação dos significados contidos nele.

Penso que oportunizar a expressão livre, reflexões e a comunicação escrita, objetivando produzir

conscientização de uma forma espontânea. A credito que partindo dessa espontaneidade os alunos

irão construir hipóteses sobre a cultura.

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�34Desta forma, pretendo que o processo ensino-aprendizagem seja construído, tomando como

ponto de partida o mundo que os cerca. Bachelard (1996) observa que o professor que trabalha á

partir das representações dos alunos tenta reencontrar a memória do tempo em que ainda não sabia,

colocar-se no lugar dos aprendizes, lembrar que se não compreendem não é por falta de vontade,

mas porque o que é evidente para o especialista parece opaco e arbitrário para os aprendizes.

Concepção de Currículo

O currículo precisa ser concebido como um projeto em constante transformação, no qual a

visão de educação e o papel da escola são constantemente reorientados, segundo os avanços

teóricos e práticos dos temas e das questões a ele conectados.

Os objetivos de um desenho curricular definem as intenções educativas, o motivo pelo qual

educar. Cada objetivo orienta a seleção de um conjunto variado de conteúdos.

A cada objetivo, podem-se relacionar conteúdos de vários tipos a diferentes ações de

aprendizagem dos estudantes. Ao fazer arte, ao apreciar e ao refletir sobre arte, o aluno pode

assimilar conteúdos que correspondem a esse objetivo. O aluno pode aprender tipos de conteúdos

distintos que se inserem nesse ou naquele eixo, em apenas um, dois, ou mesmo nos três eixos (fazer,

apreciar e refletir sobre arte).

Os conteúdos são capacidades e respondem ao que se quer ensinar, sendo inter-relacionados,

mas podemos analisá-los separadamente para melhor compreender sua natureza. Conceitos, fatos e

princípios são uma classe de conteúdos mais relacionados aos aspectos cognitivos; procedimentos,

uma classe de conteúdos ligada aos conjuntos de ações que implicam resultados; por isso, da ordem

das ações observáveis e, finalmente, valores e atitudes como classe de conteúdos ligada ao plano da

subjetividade, da afetividade, da sensibilidade e dos aspectos do âmbito relacional.

A importância no trato dos conteúdos e o conhecimento sobre seus modos de aprendizagem é

que condicionam as orientações didáticas de seu ensino. Conceitos e princípios são conteúdos

aprendidos através da interação e reconstrução por parte de aprendizes.

Cabe ao professor de arte, ao ensinar conceitos e princípios, criar múltiplas oportunidades de

interação dos estudantes com esses conteúdos, variando as formas de apresentá-los, utilizando

meios discursivos, narrativas, imagens, meios eletrônicos, textos; enfim, o professor pode recorrer a

todos os meios para informar sobre conceitos e princípios que deseja ensinar, ciente de que é o

aluno que transforma tais informações em conhecimento por intermédio de interações sucessivas.

Os fatos são aprendidos, primordialmente, por repetição ou reiteração das informações nele

contidas, pois sua assimilação está ligada a memorização. Entretanto, a memorização deve ser

significativa, colocando os fatos em redes conteúdo já aprendidos conceitos, procedimentos, valores

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�35e outros, pois na aprendizagem, diferentes tipos de conteúdos estão associados em redes de

significação.

Portanto é necessário que o professor conheça diversos procedimentos em arte para poder ensiná-

los aos alunos.

O papel do professor é o de garantir oportunidades constantes para tais exercícios e apoiar o

aluno em seus afazeres, levando-o á autonomia progressiva na execução das tarefas.

As orientações didáticas e a avaliação das aprendizagens não podem prescindir da

consideração sobre os modos de aprendizagem dos alunos em relação a cada tipo de conteúdo e

ainda, ás suas formas pessoais ou ao estilo de cada aluno quando se relaciona com o conhecimento.

Avaliar envolve considerar o contexto das escolas e as ações do professor em todos os

âmbitos da relação ensino aprendizagem, o que inclui o planejamento das tarefas, seus enunciados e

uma relação de comunicação com os estudantes para mantê-los informados sobre para que, como e

por que os alunos são avaliados. Uma boa situação de avaliação costuma configurar-se como uma

boa situação de aprendizagem.

A avaliação é um excelente recurso para o professor planejar suas atividades e refletir sobre sua

prática. Ele pode avaliar antes, durante e depois de uma ou mais sequências de atividades ou

projetos de trabalho a fim de ter mais elementos a guiar suas ações.

A auto avaliação dos alunos pode caminhar paralelamente á avaliação realizada pelos docentes.

O currículo não se limita apenas a uma listagem de conteúdos a serem desenvolvidos, mas é

entendido como prática complexa, construída socialmente, como afirma Sacristean (1998).

De acordo com DOLL (1997), currículo pode ser percebido como um processo, não de

transmitir o que é conhecido, mas o de explorar o desconhecido. O educador, ao desenvolver um

currículo, precisa levar em conta que o indivíduo faz parte de um contexto social, cultural, histórico,

ideológico e, que as ações pedagógicas podem estimular o estudante a relacionar esses fenômenos,

descrevendo e interpretando a realidade local e global.

Para COLL (1996, p. 46) “[…] currículo é um projeto que preside as atividades educativas

escolares, define suas intenções e proporciona guias de ação adequadas e úteis para os professores,

que são diretamente responsáveis por sua execução”.

Análise Crítica

Venho refletindo sobre práticas pedagógicas e nessa reflexão me indago sobre os meios pelos quais

construo o conhecimento. Os mecanismos para o desenvolvimento das práticas e os conteúdos

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�36abordados na sala de aula são em parte gerados pelo questionamento sobre como faço para articular

o conhecimento, à medida que avança o processo, acrescento, modifico ideias e procedimentos.

Em parte significa que as bases dessa reflexão abarcam modos de aprenderem revelados

também pelos alunos, de modo que minha anterior experiência deve contribuir para o

desenvolvimento das ações pedagógicas em sala de aula.

A minha formação suscitou e suscita os meios de instigar e buscar o conhecimento do meu

processo de aprendizagem e dos outros. Por meio das reflexões sobre quais eram meus interesses

enquanto adolescente, e quais são hoje os interesses dos jovens, conjugado com a pesquisa sobre o

que gostam de fazer, busquei saber e refletir sobre o meu modo de ensinar e sobre outros modos de

ensinar. Articulando minhas dúvidas e reflexões, me aproximei de múltiplas literaturas pedagógicas

e artísticas. Tentei descobrir fazeres e pensamentos que me ajudassem a compreender questões

reveladas na escola, buscando subsídios teóricos.

Certamente, sendo uma professora de artes visuais, os procedimentos pedagógicos que adoto

em sala de aula estão fundamentados nos dispositivos metodológicos da pesquisa sobre arte. A

partir do meu entendimento sobre meu processo de aprendizagem surgiu a solução para ajudar

diferentes alunos do ensino médio. As aulas podem ser constituídas de memórias e relações distintas

com as coisas da arte.

Portanto a ajuda que prestei aos alunos foi baseada em meu processo de aprendizagem, mas

modificada conforme as necessidades de cada um. Acredito que assim, posso oferecer-lhes

condições de engendrar singularmente seus conhecimentos e desdobrá-los da forma que lhes for

mais significativa. Tampouco gostaria que reproduzissem meu modo de ensinar e aprender, e, sim,

descobrissem seu próprio jeito de aprender e ensinar.

E, então, como fazer para seduzir, para desvelar o universo da arte a sujeitos com objetivos

distintos? Onde buscar estes subsídios?

Acredito que provocar os alunos a fazerem relações com suas vivências pessoais e escolares,

expor outros fazeres, mostrando obras e depoimentos de artistas é um bom caminho.

O fazer, o transformar a matéria singularmente, está na base do que o esteta Luigi Pareyson

desenvolveu no livro Teoria da Formatividade “[…] A arte é a produção e realização em sentido

intenso, eminente, absoluto, a tal ponto que, com frequência foi na verdade, chamada criação”.

A arte não é somente executar, produzir, realizar e o simples fazer não basta para definir sua essência. A arte é também invenção. Ela é execução de qualquer coisa já ideada, realização de um projeto, produção segundo regras dadas e predispostas. Ela é um fazer que, enquanto faz, inventa o por fazer e o modo de fazer. A arte é uma atividade na qual a execução e invenção procedem simultâneas e inseparáveis, na qual o incremento de realidade é constituição de um valor original. (PAREYSON,1966, p.32).

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�37

Durante o processo de formar e pensar usando materiais expressivos os coloco naturalmente no

pensamento artístico, encaminhando a ação ao conhecimento da arte, de artistas, de seus contextos e ao

contexto de cada um. Procurei na sala de aula reforçar o vínculo entre prática e teoria, a criação e a reflexão.

Indiquei a cada um similitudes e diferenças entre o que era mostrado e seus trabalhos, chamando atenção de

como cada obra se singulariza e revela seu contexto. Nessa proposta mesclam-se o fazer e o pensar,

descortinando um procedimento pessoal e o universal. A consciência de que, por meio de um fazer, desvelo

falas distintas sobre o que nos é dado perceber, torna meu olhar mais crítico e transformador.

As memórias do percurso que me fizeram escolher a arte-educação como lugar fascinante,

como conhecimento e como ação singular e crítica, é resgatada a cada nova aula que me deparo

partilhando o conhecimento, a cada uma das falas dos alunos. A didática desenvolvida em aula é o

desdobramento da reflexão sobre os meus mecanismos constantemente acionados para aprender

sobre as coisas que a arte-educação revela. Manuseando tintas, realizamos intersecções entre

motivações pessoais e universais, constituindo e estimulando modos distintos de inserção no

mundo.

A concepção que eu tenho de trabalho numa escola é que devemos dar o melhor de nós

porque estamos lidando com seres humanos, a instituição é composta por eles, mas numa sociedade

onde impera o egoísmo é de se esperar que haja dificuldade para se trabalhar em grupo unido em

prol de alguns objetivos em comum, o crescimento dos alunos, o crescimento da escola no que se

refere a elaboração de projetos que traduzam programas em objetivos de aprendizagem e estes em

situações e atividades realizáveis que permitam honrar cada objetivo.

Se a escola quisesse criar e manter o desejo de saber e a decisão de aprender, deveria diminuir

consideravelmente seus programas, de maneira a integrar em um capítulo tudo o que permita aos

alunos dar-lhes sentido e ter vontade de se apropriar desse conhecimento e integrar conteúdos que

visem lidar com problemas sérios como alta evasão.

Proposta de Intervenção

A participação espontânea ou o acaso não são suficientes para assegurar a compreensão ou

construção do conhecimento. As atividades escolares se justificam à medida que se entende

existirem certos aspectos importantes que só serão desenvolvidos satisfatoriamente com ações

especialmente organizadas para este fim e executadas de acordo com um plano determinado.

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�38Segundo Coll (1994, p.1240 “são atividades que estão à serviço de um projeto educacional”, no

qual devem estar explícitas as intenções que o movem e os procedimentos mais adequados, o que,

todavia, não o torna fechado, mas aberto às contribuições dos envolvidos. Nesse sentido,

desenvolver processos criativos como um projeto educacional requer especificar os princípios (por

que fazemos?) as aprendizagens ( o que faremos?), os processos,( como faremos?) e os propósitos

( para o que fazemos?), pelos quais se pretende na interação construir determinados conhecimentos.

Aliados ao estudo do processo criativo, da análise da produção realizada e das reflexões sobre

novas propostas de ensino da arte com enfoque na compreensão da cultura, defendidas por

Fernando Hernandez, por exemplo, poderão gestar outras práticas pedagógicas.

Minha proposta alia-se a um ensino intencional, integrante de um projeto educativo – não

confiando ao acaso a construção criativa de conhecimento em arte. Nessa perspectiva sugiro

aproximações com a pedagogia crítica e os estudos culturais de autores como Fernando Hernandez,

para revisar e elaborar propostas educativas que provoquem a criatividade dos alunos. “[…] Criar

significa poder compreender e integrar o compreendido em novo nível de consciência. Significa

poder condensar o novo entendimento em termos de linguagem”. Assim, a criação depende tanto de

convicções internas da pessoa, de suas motivações, quanto de sua capacidade de usar a linguagem

no nível mais expressivo que puder alcançar. Este fazer é acompanhado de um sentimento de

responsabilidade, pois se trata de um processo de conscientização” Fayga Ostrower (1990, p.253).

Entendo que os saberes são construídos em situações múltiplas, complexas, cada uma delas

dizendo respeito a vários objetivos, por vezes em várias disciplinas. Para organizar e dirigir

situações de aprendizagem é indispensável que o professor domine os saberes, que esteja mais de

uma lição á frente dos alunos e que seja capaz de encontrar o essencial sobre múltiplas aparências,

em contextos variados.

O que se concebe bem se enuncia claramente, e as palavras para dizê-lo afloram com facilidade,

dizia Boileau. Atualmente estamos bem além desse preceito. Não basta estruturar o texto e saber

“lê-lo” de modo inteligível e vivaz, ainda que isso já requeira talentos didáticos. A competência

requerida hoje em dia é o domínio dos conteúdos com suficiente fluência e distância para construí-

los em situações abertas e tarefas complexas, aproveitando ocasiões, partindo dos interesses dos

alunos, explorando os acontecimentos, em suma, favorecendo a apropriação ativa e a transferência

dos saberes, sem passar necessariamente por sua exposição metódica, na ordem prescrita por um

sumário.

Essa facilidade na administração das situações e dos conteúdos exige um domínio pessoal não

apenas dos saberes, mas também daquilo que Develay (1992) chama de matriz disciplinar, ou seja,

os conceitos, as questões e os paradigmas que estruturam os saberes no seio de uma disciplina. Sem

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�39esse domínio, a unidade dos saberes está perdida, os detalhes são superestimados e a capacidade de

reconstruir um planejamento didático a partir dos alunos e dos acontecimentos encontra-se

enfraquecida.

Considerando a sociedade em que vivemos hoje, com suas transformações sociais e políticas,

onde o sujeito procura construir seu próprio conhecimento, é de suma importância o esforço

educacional na vivencia de valores humanos e sociais, que contribuam para a autonomia do

indivíduo e dos grupos, como forma de valorização e melhoria da vida humana.

A escola necessita de um ensino com princípios bastante claros de como ser um agente

transformador com os meios que visem atingir o fim se quer, com a prática da educação elevando,

melhorando a sociedade. Cabe perguntar o quanto ela está permitindo ou aceitando a participação

do professor nas estratégias para aquisição de material para a escola e quanto autonomia dá ao

professor para reformar seu próprio modo de ensinar. Penso que enquanto educadores, precisamos

ter muito claro para que, o que e como queremos ensinar.

O ensino das Artes é considerado de um modo muito abrangente, havendo uma atitude

habitual de trabalhar técnicas, o que empobrece o verdadeiro sentido do ensino de arte. Falta

aprofundar o conhecimento de educação em arte mais consistente. De modo que a questão do

aperfeiçoamento e formação para atuar nas escolas de primeiro grau, parece ser um problema que

ultrapassa os limites dos cursos de licenciatura em educação artística, ou seja, há desinteresse por

parte de alguns professores em melhorarem a qualidade do seu ensino.

O cotidiano escolar deve priorizar a construção de conhecimento em suas instituições de

ensino. A conscientização deste objetivo somente dar-se-á quando o professor tiver formado seu

próprio conceito de conhecimento.

É interessante que o problema acima citado, já fora notado no final da década de 70, quando

se constituiu no Brasil o movimento Arte-Educação, movimento este organizado fora da educação

escolar e á partir de ideias escola novistas, um modo de conceber o ensino de arte propondo uma

ação educativa criadora ativa e centrada no aluno.

A meu ver, há desinformação e falta de aperfeiçoamento contínuo dos professores que estão

atuando como professores de arte. Este é um assunto que vem sendo motivo de preocupação das

associações de arte-educadores do Brasil. Foi com esse objetivo que surgiram tais associações que

se formou em diferentes estados e regiões do país. (AES Associação de Arte-Educadores do Estado

de São Paulo e a Faeb (Federação dos Arte-Educadores do Brasil)). Questões referentes aos cursos

de arte, da pré-escola à universidade, passaram a ser discutidos por essas entidades em congressos,

encontros estaduais, nacionais e internacionais.

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�40Trabalhos sérios estão sendo feitos e partilhados, mas quão interessados estamos nós

educadores em conhecer o que está dando certo? Que publicações procuramos pesquisar? Que

esforços fazem para participar pelo menos anualmente de um desses encontros? A resposta será um

indicativo da importância que damos á melhoria do nosso trabalho. Podemos dizer que esta

atualização, que estes contatos, quer por meio de artigos publicados a respeito do assunto ou pelos

encontros, se refletirá nas nossas práticas em sala de aula. O professor de arte através de um

trabalho formativo deve contribuir para que seus alunos percebam melhor o mundo em que vivem,

saibam compreendê-lo e nele possam atuar.Pode ser que um dos problemas da prática em sala de aula esteja ligado ao desconhecimento

ou a desconsideração dos próprios métodos pedagógicos utilizados pelo professor de arte. Sem

saber o que está fazendo e como mudar, reproduz-se sem questionar, é cômodo deixar como está

mudar envolve trabalho.

Penso que há uma indiferença generalizada ao se deparar com a crença de que não se pode

mudar a vida dos alunos, do bairro, da cidade, do país, do mundo. Acho que a descrença no poder

da ação gera estagnação.

Eu vejo a escola como uma instituição com problemas, assim como nossas vidas, mas sempre

há espaço para melhorias. Ao invés de só apontar as falhas vamos ver como podemos contribuir

para resolver ou amenizá-las.

Cabe a nós professores que estamos buscando a nossa formação juntos com os colegas,

caminhar em busca da escola que queremos. Para isso precisamos nos aperfeiçoar continuamente

em nossas práticas docentes para concretizar nossas ideias de educadores.

Quanto aos métodos de ensino ainda, penso que os conteúdos dados precisam ser

contextualizados, fazendo vínculos com aprendizagens anteriores, com as experiências vividas

pelos alunos. A revisão das aulas precisam ser uma constante, para elaborar estratégias para criar

situações que despertem o interesse e o desejo dos educandos pela aprendizagem, onde o conteúdo

seja a resposta para suas expectativas, sendo abrangentes e estando de acordo com as necessidades

deles, ou seja, as aulas devem ser organizadas para estruturar experiências de aprendizagem

significativa para os alunos.

Há necessidade de se trabalhar com seriedade visto que alguns alunos terão na escola sua

segunda chance de construírem sua cidadania. Para que isso seja possível se torna necessário a

interdisciplinaridade e a inserção de temas transversais.

Entendo que o educador é um ser privilegiado com um espaço riquíssimo, que não se resume

a um reprodutor de conhecimento, mas sim um facilitador na busca do saber. Quem ensina procura

transmitir informações que julga relevantes, organizadas do modo que lhe parece mais razoável,

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�41para que seus ouvintes aprendam o que se deseja transmitir. Tudo está interligado, se há respeito

pelo aluno o ensino será objeto de preocupação e questionamento constante e os tratos também

serão marcados por relações de respeito ou não.

Acredito que um bom caminho é problematizar um tema envolvendo os alunos com

acontecimentos sociais, políticos e econômicos, procurando tornar as aulas interessantes e

participativas.

A diversidade de materiais utilizados nas aulas torna o processo ensino-aprendizagem mais

significativo visto que jornais e revistas, por exemplo, trazem fotos reais da sociedade, propiciando

aos alunos reflexão sobre mensagens contidas nas reportagens e posicionamento diante do que

leem.

Percebe-se então que trabalhar com diferentes áreas do conhecimento possibilita uma melhor

exploração do assunto. Os alunos se envolverão com a aula demonstrando mais atenção,

entusiasmo, interesse e participação.

Desta forma o conhecimento deixa de ser fragmentado, e o aluno passa a construir um

conhecimento global. Por isso considero a discussão de temas geradores que sejam relevantes do

cotidiano dos alunos, pois partindo dessas discussões os alunos partiriam para as produções.

É importante também que o educador proporcione em sala de aula o contato com diferentes

leituras e também permitir que os alunos levem para a sala aquilo que lhes interessa, para ser

trabalhado.

Os alunos precisam ser valorizados por suas produções, pois isso os ajuda a se reconhecerem

como sujeitos, cidadãos, que possuem identidade na sociedade.

Sendo assim, acredito que os alunos devem ter liberdade de se movimentar, de andar pela

classe, mostrar algo ao professor, conversar, ir ao banheiro, desde que continuem participando das

atividades propostas.

O currículo é abrangente, não se restringe apenas a conteúdos programáticos, pois ao discutir

um tema, surgem outros assuntos que vão além do programa. Por isso, concordo com Coll que nos

diz que “currículo pode ser concebido como um processo não de transmitir o que é conhecido, mas

de explorar o que é desconhecido” (1997, p.49).

Quanto a avaliação, entendo como um processo contínuo e cumulativo, na qual tudo o que o

aluno produz e desenvolve na sala de aula é aproveitado. Segundo Misukami, “a verdadeira

avaliação do processo consiste na auto avaliação e/ou avaliação contínua e permanente da prática

educativa que saberão quais suas dificuldades, quais seus progressos” (1986, p.102). Acredito que

não se pode conceber uma avaliação reflexiva, crítica e emancipatória num processo passivo,

repetitivo e alienante.

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�42Em relação ao curso de Arte, o mesmo sofreu mudanças, como aumento da carga horária no

estágio, mudanças curriculares, entre outros. Por isso acredito que o curso deve continuar com as

discussões e reflexões sobre todos os assuntos que envolvem o mesmo, e continuar fazendo todas as

mudanças que forem necessárias para a qualidade na formação dos educadores de arte.

Considero importante também, que os acadêmicos do curso tenham contato com as escolas a

partir dos primeiros anos de graduação, para que esses possam fazer a relação entre a teoria e a

prática, e também, dialogar com as pessoas envolvidas no espaço escolar, para então, a partir disso,

construir uma proposta mais voltada para a realidade que encontrarão.

A escola tem papel fundamental, pois proporciona uma relação mais ampla com as outras

disciplinas ao mesmo tempo em que diferencia o aluno e valoriza a sua contribuição no processo de

aprendizagem. Quando o aluno contribui com a produção artística ele pode se ver no resultado do

trabalho e neste projeto os alunos contribuíram com o material reciclável, com as pesquisas, com

ideias, o que tornou o projeto singular.

Ainda em conformidade com as autoras acima citadas, “a arte se constitui de modos

específicos de manifestação da atividade criativa dos seres humanos ao interagirem com o mundo

em que vivem, ao se conhecerem e ao conhecê-lo”. Nestas condições o professor participa do

processo como mediador e contribui para a organização do processo criativo dos alunos. Neste

sentido Barbosa (2001) contribui quando defende que “A arte tem se apresentado cada vez mais,

como um instrumento de reflexão e mudança para o homem contemporâneo”.

Somente um ensino criador, que integre a razão, a intuição, a sensação e a emoção, conforme

Jung (1972) permite um desenvolvimento holístico do ser humano. Os conceitos pedagógicos foram

inspirados nas estratégias de Freire (1979), Pareyson (1993) e Barbosa (1998) que convergem para

a ideia de que através da experiência e da decodificação de trabalhos artísticos é desenvolvida a

fluência, a flexibilidade e a criatividade.

Sob o ponto de vista do ensino da arte, Barbosa (1998) ressalta que o ciclo criador não se

esgota ao término da obra. Ao remetê-lo à apreciação e leitura o artista transcende para outra visão

da criatividade abrindo caminho para um novo olhar sobre a arte e o processo criativo.

Se faz necessário uma práxis enquanto educador de arte, que instiga a criação de produções

que sejam de fato resultado das impressões dos alunos a respeito do mundo em que vivem.

Considerações

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�43É importante perceber a arte como construção de conhecimento, inter-relacionada com outras

áreas do saber através de uma prática interdisciplinar, que amplia a sensibilidade, percepção,

reflexão e imaginação, permitindo que vejamos o mundo com outros olhos.

É incontestável a importância de que o educador conheça o contexto em que estão inseridos

seus alunos, para que possa propor atividades que vão ao encontro das aspirações e necessidades

dos mesmos.

Os trabalhos dos alunos registram seus conceitos, seus sentimentos e suas percepções do

meio, como também proporcionam ao professor um modo de compreendê-los melhor.

Além de desenvolver nos educandos o pensamento artístico, a realização desse projeto

também envolveu o refletir, assim como, apreciar e pensar sobre formas da natureza e sobre as

produções artísticas de diferentes culturas e épocas. A arte pode proporcionar não só a oportunidade

de desenvolvimento em muitas áreas vitais, mas, também, o ensejo da pessoa investigar, inventar,

explorar, cometer erros, sentir medo, aversão, autorrealização e amor. Enfim, isso é essencial, o

sujeito deve ter por si próprio todas essas experiências na vida, como entidade, como indivíduo que

pode e deve pensar por si mesmo.

Referências

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OLHAR O (IN) VISÍVEL: O ESPAÇO CONTEMPORÂNEO NA ARTE E SUAS

IMPLICAÇÕES E DESDOBRAMENTOS NAS AULAS DE ARTES VISUAIS

Ana Luiza Albanás Couto de Moura Estudante do Mestrado Profissional em Artes Visuais pelo PROF ARTES/UDESC 8

Resumo

Esta pesquisa consiste na análise do trabalho denominado Polaróides (In)visíveis, do artista visual contemporâneo Tom Lisboa, que propõem a percepção da cidade dividindo-a com seus habitantes ou com os que estão de passagem por ela, por meio de intervenções urbanas. Dessa forma infere-se aos expectadores a transferência sobre o modo de olhar a cidade. O trabalho apresentado desenvolveu-se em duas turmas de sexto ano do Ensino Fundamental de uma escola municipal de Florianópolis. O projeto de ensino de arte realizado com essas turmas favoreceu a ampliação da percepção dos estudantes sobre a arte contemporânea, provocando-os a ter um olhar mais sensível e artístico para o espaço da escola, considerado este, o espaço de convívio diário. Neste relato de experiência apresentar-se-á a arte como instrumento de contribuição para a formação de sujeitos críticos e, ainda, demonstrar-se-á a importância da arte contemporânea para o cotidiano dos estudantes, como forma de pensarem as questões da sociedade atual. Desta forma os estudantes podem correlacionar-se com novas formas de expressão e contribuir na melhoria das relações, como seres sociais atuantes.Palavras-chave: Arte Contemporânea; Arte Educação; Exercício do Olhar.

Looking at the (in)visible:  Contemporary Space in Art and its Implications and

Consequences in Visual Arts Classes

AbstractThis study is an analysis of the work entitled Polaróides (In)visíveis   [(In)visible Polaroids], by contemporary visual artist Tom Lisboa, which proposes a perception of the city by using urban interventions to share the city with its residents or with those who pass through it. In this way it infers to the viewers a transference on the way of looking at the city. The work presented was undertaken in two sixth year elementary school classes at a municipal public school in Florianópolis. The art education project conducted with these classes encouraged the expansion of the students’ perception of contemporary art, provoking them to have a more sensitive and artistic way of seeing the space of the school, considering this is their space of daily conviviality. This report on an experience presents art as an instrument that contributes to the education of critical subjects and demonstrates the importance of contemporary art for the daily life of students, as a form of considering the issues of current society. In this way the students can relate with new forms of expressing and contributing to the improvement of relations as active social beings.Keywords: Contemporary Art; Art Education; Exercise of the Look.

Mestranda em Artes Visuais pelo PROFARTES/UDESC – Orientada por Maria Cristina da Rosa Fonseca da Silva. 8

Graduada em Artes Visuais (2012) pela UDESC. Pós-Graduada em Arte Educação (2016) pelo Centro Universitário Leonardo da Vince. Professora de Artes da Rede Estadual de Educação de Santa Catarina (SED/SC). Atua no Grupo de Pesquisa Educação Artes e Inclusão Cnpq/UDESC.

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�46Introdução

As aulas de artes na educação formal vêm passando, nos últimos anos, por um processo de

transformação, com a inclusão das novas tecnologias, o crescente contato com a fotografia e o fácil

acesso à um grande repertório de imagens por meio da internet. O estudante de hoje faz parte de

uma geração que está inteiramente inserida dentro de todas essas mudanças tecnológicas e sociais,

e, diante deste novo contexto, as aulas de artes podem aproximar as crianças da arte contemporânea,

uma linguagem que traz à tona importantes questões da sociedade atual e suas transformações.

O presente artigo apresenta-se como o relato de uma experiência de ensino de arte, com

enfoque na arte contemporânea, a partir do estudo do trabalho de um artista brasileiro que repensa o

processo da fotografia e a sociedade atual.

A arte contemporânea de Tom Lisboa

A arte contemporânea se destaca como um instrumento de grande importância para que a

arte na escola conecte-se com a geração atual de estudantes. Por se tratar de uma linguagem que

suscita temas em pauta na atualidade, que refletem comportamentos, atitudes e sentimentos da

sociedade contemporânea, tais como individualismo, solidão, consumismo, questões ambientais,

entre outros, a arte contemporânea torna-se um rico instrumento para instigar nos estudantes as mais

variadas discussões. O trabalho do artista plástico paranaense Tom Lisboa, chamado Polaróides

(In)Visíveis foi utilizado, nesse sentido, como ponto de partida para provocar o exercício do olhar 9

poético por meio de um projeto de ensino de artes.

O artista visual Tom Lisboa se propõem a perceber a cidade e dividir essa percepção com 10

seus habitantes ou com os que estão de passagem por ela, por meio de intervenções urbanas

chamadas Polaróides (In)Visíveis, de forma que os expectadores transfiram à obra um pouco de seu

olhar sobre a cidade. São utilizados pequenos papéis de cor amarela forte, em formato e dimensões

O artista Tom Lisboa deu início a intervenção urbana Polaróides (In)visíveis na cidade de Curitiba, PR, no ano de 9

2005.

Tom Lisboa – Nota: artista visual legitimado pelo sistema de arte que desenvolveu várias exposições em salões, 10

galerias no âmbito nacional e internacional. Sobre o artista ver http://www. sintomnizado.com.br/tomlisboa.

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�47aproximadas das fotografias do tipo polaróides , no entanto, não são fotografias propriamente ditas, 11

mas pequenos textos descritivos ou poéticos de uma cena ou local “enquadrado” pelo artista, no

movimento da cidade, criando-se “fotografias mentais”. De acordo com Peixoto:

Existem diversas maneiras de falar de uma cidade. Uma delas é descrevê-la. Dizer de suas torres, pontes bairros e feiras, todas as informações à respeito da cidade no passado, presente e futuro. Nesse mapeamento, porém, a cidade desaparece enquanto paisagem. As cidades, mais do que qualquer outra paisagem, tornaram-se opacas ao olhar. Resistem a quem pretende explorá-la. Tornaram-se uma paisagem invisível. (PEIXOTO, p. 25, 2003).

Partindo-se dessas descrições, as polaróides são coladas com fita adesiva em locais por

onde circula uma grande quantidade de pessoas diariamente, como pontos de ônibus e telefones

públicos.

Figura 1 - Tom Lisboa Exemplo de Polaroid (In)Visível - Curitiba (PR)

Fonte: LISBOA, 2008.

Em cada cidade em que o artista realiza sua intervenção, percorre trajetos de territórios

urbanos onde se defrontam personagens silenciosos e anônimos da cidade. Esses personagens e

lugares estranhos são registrados por descritivos momentos únicos, em que o artista retrata um olhar

fragmentado da cidade. O artista busca, desta forma, focar o espaço que não é visto e transporta-se

ao que vê: suas composições urbanas para as polaróides. Assim, a arte entra em estreita relação com

o ambiente, no contexto em que circula/circunda. O olhar do observador não mais observa, mas sai

do espaço vernacular e foca o olhar, provoca o expectador a ter uma experiência do olhar, do

A câmera Polaroide é um tipo de câmera fotográfica que revela instantaneamente a imagem. A primeira foi criada em 11

1948 por  Edwin H. Land.

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�48perceber, do imaginar.

As polaróides capturam instantes, recortes de imagens maiores, que aumentam na percepção

do olhar/imaginar do outro. As polaróides são efêmeras como a cidade. Esse trabalho, portanto,

pode suscitar uma maior sensibilidade, ainda que momentânea, ou não, de seus habitantes ao que os

cerca. Nos locais por onde passa, problematizam a mesma questão: o olhar cotidiano que não

apreende o seu espaço de convivência.

A proposta era uma “receita”, os participantes tinham de olhar a cidade a partir de um local

pré-determinado pelo artista, e buscar ali o enquadramento de uma imagem ou espaço que motivava

o olhar. De acordo com Peixoto (2003, p. 15):

[…] função da arte é construir imagens da cidade que sejam novas, que passem a fazer parte da própria paisagem urbana. Quando parecíamos condenados as imagens uniformemente aceleradas e sem espessura, típicas da mídia atual, aconteceu de reinventar a localização e a permanência. Quando a fragmentação e o caos parecem avassaladores, defrontar-se com o desmedido das metrópoles como uma nova experiência das escalas, da distância e do tempo. Através dessas paisagens, redescobrir a cidade.

O fluxo da cidade, numa dinâmica de deslocamentos, transitoriedade, percursos, ritmos,

corpos em movimento, direções, caracterizam o espaço urbano. O mundo contemporâneo, segundo

Lilian Amaral (2008), caracteriza-se por essas transformações aceleradas da noção relacionada ao

tempo, ao espaço e à individualidade. Todas elas abrigam a figura do excesso. Os trajetos tornam-se

passagens pelo escuro, os ritmos são acelerados, movidos pela pressa e pelos horários, que são

vítimas dessa rotina.

O olhar atento e curioso de um viajante já não existe diante do cotidiano atribulado de um

habitante da cidade, ele olha e não vê nada. E é nesse sentido em que o olhar do artista vem

problematizar o espaço contemporâneo, que questiona como seu habitante tem percebido ou até

despercebido esse espaço urbano em que vive?

Ao introduzir nestes locais parâmetros para mediar essa percepção, as Polaróides despertam

o olhar desatento a obter uma apreensão do espaço urbano composto por inúmeros fragmentos que

se agregam à rotina, o que é ou não visível. “A essência de um lugar só pode ser apreendida quando

é lida junto com os movimentos e eventos que nele ocorrem e que dele são inseparáveis”, (SOLFA,

2008 apud TSCHUMI).

Essas “imagens imaginadas” são capturas/recortes de cenas/detalhes, uma pausa em meio ao

ritmo acelerado e intenso de olhares que não vêem o que vêem. Nesse contexto tudo é rotineiro,

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�49despercebido, passageiro, efêmero. O trabalho em questão renova o olhar das pessoas sobre a

cidade. Ativador de espaços e sensações, os textos chamam a atenção para outros caminhos não tão

usuais, possibilitando mudar a paisagem, sobrepondo imagens.

As obras revelam-se somente para quem decidir segui-las. Assim, quem decide participar da

proposta do artista e buscar a imagem descrita passa por uma “experiência estética”, conforme

Zielinsky (2003, p. 12), “tipo de experiência que busca provocar o espectador que em sua grande

maioria não sabe que se trata de uma forma de arte, que aproxima o indivíduo da obra e a obra é a

cidade, esse cenário denso do cotidiano urbano”. Dessa forma, surgem novas percepções sobre o

espaço rotineiro. Espaços percebidos. Reflexões, interrogações acerca do limite entre a arte e a vida.

O trabalho de Tom Lisboa intensifica a percepção dos espaços que não são vistos trazendo à

tona significados ocultos ou esquecidos, podendo dar novos significados aos espaços circundantes,

ao cotidiano, à paisagem urbana.

Hoje a cidade não mais se constitui como pano de fundo ou moldura das relações sociais que

nela se desenvolvem, mas a própria vida cotidiana é em parte constituída pelo urbano. (PEIXOTO,

2002).

A arte se desloca então dos espaços e suportes convencionais para enfrentar um espaço

inusitado, que suscita discussões. O anonimato do artista e a efemeridade das obras só acontecem

em sua plenitude no espaço urbano. Entretanto, as polaróides também podem ser encontradas no

universo virtual, onde existe um “guia on line” criado pelo artista. Quem quiser ser artista por um

dia tem a possibilidade de ir para rua ao buscar enquadramentos e criar suas próprias polaróides.

O registro das polaróides está no site e no museu ou galerias no formato de exposições. 12

Dessa forma, a percepção do espaço real passa para o virtual e pode voltar ao real, que já não é mais

o mesmo. Pois, ao voltar à cidade, as polaróides não estarão mais em seus locais de origem devido à

seu caráter efêmero, mas as paisagens descritas por elas estarão lá e com o mapa que está disponível

no site é possível refazer esse percurso e registrá-las mentalmente.

Tom Lisboa faz uma cartografia do seu trabalho, o que, segundo autores como Peixoto

(2002), estabelece novos mapas e visões da cidade. Cartografia, de acordo com esse autor, não é

estática, ao contrário do mapa, mas sim algo que se constrói no movimento; é o caminho que

www.sintomnizado.com.br.12

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�50escolhemos vivenciar, são as percepções que capturamos ou que imprimimos no espaço em que

estamos.

A cartografia que se apresenta de diversas formas no trabalho de Tom, cria mundos,

despertando sensibilidades, desviando fluxos, propondo situações, aquilo que cada um prioriza em

seu olhar para a cidade.

As polaróides de Tom são intervenções que, a partir de sugestões sutis, buscam redirecionar

olhares e dinâmicas urbanas, em que a reação do espectador é que faz com que a obra se conclua.

Iniciativas individuais tendem a se perder na grandeza e no caos da cidade (in) visível. “O invisível

não é, porém, alguma coisa que esteja para além do que é visível. Mas é simplesmente aquilo que

não conseguimos ver”, de acordo com Peixoto (2003, p.17).

O trabalho de Tom Lisboa problematiza a questão das cidades que se tornaram invisíveis,

superficialmente percebidas pelo sujeito que ali vive e transita.

Figura 2: Tom Lisboa, Exemplo de Polaroid (In)Visível - Curitiba (PR).

Fonte: LISBOA, (2008).

O que imaginamos é algo tão particular que se torna difícil a sua representação com

fidelidade. Pode ser visível ou passar despercebido, tanto o trabalho do artista quanto o próprio

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�51objeto de apontamento, a cidade, dependem das referências que cada pessoa traz consigo. Como

posso saber que a imagem que eu tenho de algo é a mesma para as outras pessoas? Nesse sentido:

[...] o vidente é aquele que enxerga no visível sinais invisíveis aos nossos olhos profanos. O cego recorre a lembrança, a sensibilidade, a várias descrições. Um modo polifônico de ver, composição de todos esses olhares. Dá voz a todos eles. Desloca o olhar retiniano de sua centralidade convencional, multiplicando os pontos de vista. Passa o olhar a visão. O cego é a figura emblemática das imagens contemporâneas. (PEIXOTO, 2003, p. 40).

A sensibilidade poética do trabalho de arte descrito até então fundamenta o que o presente

estudo pretende explorar: um olhar diferenciado para o entorno do espaço escolar. O projeto de

ensino de arte foi desenvolvido com estudantes do Ensino Fundamental buscando-se formas de

trabalhar a arte contemporânea em seu contexto, propondo experiências que conduzissem os

estudantes a enxergar o invisível.

Exercício do olhar: Um relato de experiência das aulas de artes na escola

Figura 3: Estudantes realizando intervenção na escola. Figura 4:

Papel utilizado para Polaroid. Fonte: Foto de Ana Luiza Albanás Couto de Moura.

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O projeto de ensino desenvolveu-se em duas turmas de sextos anos do Ensino Fundamental em uma

escola municipal de Florianópolis (EBM Brigadeiro Eduardo Gomes) no ano de 2013.

Iniciou-se o ano letivo trabalhando-se as questões da imagem e da importância que ela tem

como uma forma de leitura de mundo e de expressão e os repertórios imagéticos que cada estudante

constrói de acordo com as suas experiências de vida, viagens, o que assistem na televisão, livros e

revistas ilustradas, lugares, entre outros. Segundo Ana Mae Barbosa (2012, p. 35):

[o] pensamento presente das artes plásticas capta e processa a informação através da imagem. A produção de arte faz a criança pensar inteligentemente acerca da criação de imagens visuais, mas somente a produção não é suficiente para a leitura e o julgamento de qualidade das imagens produzidas por artistas ou do mundo cotidiano que nos cerca. Nosso mundo atual está cada vez mais dominado pela imagem.

É como se fosse uma alfabetização, diz a autora, mas voltada para a leitura de imagem e a

contextualização do que é ensinado, para que se torne um aprendizado significativo para o

educando. Barbosa diz ainda que “a história da arte ajuda as crianças a entender algo do lugar e

tempo nos quais as obras de arte são situadas. Nenhuma forma de arte existe no vácuo: parte do

significado de qualquer obra depende do entendimento do seu contexto”. (BARBOSA, 2012, p. 38).

Os estudantes dessas turmas se mostravam muito curiosos e interessados diante do novo,

talvez esta fosse uma característica peculiar da turma ou talvez da própria idade, mas esse olhar

atento para novas aprendizagens brilhou ao conhecer as Polaróides (In)Visíveis, de Tom Lisboa.

A partir desse trabalho pretendia-se que os estudantes percebessem que o artista tem olhar

diferenciado para tudo que o cerca, pois todo artista precisa desenvolver um olhar ‘observador’ para

as coisas a sua volta, estar sempre atento aos detalhes e às coisas que nem todo mundo percebe, é

um olhar questionador e ativador, para dar visibilidade ao invisível e tornar sensível o que é

desprezado, esse é o papel da arte. E é um pouco desse olhar mais sensível para seu entorno que se

desejava que os estudantes desenvolvessem ao longo do projeto.

Uma série de fotografias das polaróides foi selecionada da internet e apresentada para a

turma com o suporte do projetor de imagens. Esse momento foi propício para conversar com eles

sobre todas as questões que envolvem esse trabalho de arte contemporânea. Em seguida foi lançada

a proposta da próxima aula: dar uma volta na escola observando com olhar de artista os seus

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�53espaços: parquinho, corredores, pátio, quadras, etc., e procurar atentamente algum detalhe desse

espaço para tirar uma ‘fotografia mental’, em seguida, descrever em sua “polaróide” (pedaço de

papel amarelo) o que estava vendo e colar próximo à sua fotografia. Dessa forma cada estudante

explorou com um olhar diferenciado aquele espaço tão corriqueiro da escola, chamando a atenção

para detalhes quase imperceptíveis e contextualizando, assim, o trabalho do artista para seu

referencial. Descrever a sua ‘fotografia mental’ se tornou um desafio para alguns estudantes que

mostraram um pouco de dificuldade de escrever um texto que orientasse outras pessoas a

observarem a sua “fotografia”, usando orientações como “Olhe para sua direita”, ou, “Vire-se para

trás”.

Ao realizar essa proposta os estudantes despertaram a curiosidade de quem passavam por

ali, afinal, estavam fazendo uma intervenção artística no espaço da escola. Embora ainda não

tivessem estudado esse conceito teoricamente (intervenção artística), já o estavam vivenciando na

prática. Os outros estudantes, professores, funcionários da escola e pais que passassem por ali

teriam contato com um trabalho de arte, podendo (ou não) participar ao ler e buscar pela imagem

descrita pela polaróide. Neste sentido, cabe pensar que as obras revelam-se somente para quem

decide segui-las. Segundo Mônica Zielinsky (2003, p. 23):

[…] é um tipo de experiência que busca provocar o espectador que em sua grande maioria não sabe que se trata de uma forma de arte, aproxima o indivíduo da obra e a obra é a cidade, esse cenário denso do cotidiano urbano. Trazendo dessa forma novas percepções desse espaço rotineiro. Espaços percebidos. Reflexões, interrogações entre o limite entre arte e vida.

Para Peixoto (2002, p.34), a intervenção é uma inscrição num fluxo mais amplo e complexo,

que é a dinâmica urbana, e implica em entender a cidade como algo em movimento, “em várias

direções. Assim, a leitura da cidade é feita de movimentos, intervalos, sequências, experiências e

tempo. “Toda intervenção na cidade é necessariamente plural” (Ibidem).

A escola, assim como a cidade, é um espaço plural, pois está sempre em movimento. Na

verdade, a escola precisa estar em constante movimento para a educação permanecer viva. A escola

é um espaço de grande circulação de pessoas e, para as crianças, um espaço corriqueiro e familiar,

assim como a cidade é para os transeuntes que fazem todos os dias o mesmo trajeto e não observam

o que está à sua volta. Essa proposta despertou nos estudantes um olhar mais atento e desbravador

para aquele lugar rotineiro.

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Figura 5 e 6: Fotografias das Polaróides inseridas pelos estudantes no espaço da escola.Fonte: Foto de Ana Luiza Albanás Couto de Moura.

Alguns dos estudantes que foram terminando de escrever e colar suas polaróides começaram

a percorrer a escola para ver o trabalho dos outros colegas, à procura dos papeis amarelos para ler e

tentar encontrar a ‘fotografia’ ali descrita, encarando esse momento com muito entusiasmo, como se

fosse um jogo: “encontre as polaróides!”.

Nas aulas seguintes conversou-se sobre a experiência dessa intervenção artística na escola e

mostrou-se algumas fotos produzidas deles, com o objetivo de dar um feedback para a turma.

Também refletiu-se sobre o fato de o trabalho apresentar-se pela escola sem que nenhuma

autorização fosse concedida, ou seja, uma verdadeira intervenção no espaço.

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�55É muito importante nesse tipo de trabalho de arte que seja realizado o registro por meio de

fotografia ou filmagem no momento em que a intervenção está sendo feita no espaço. O que foi

visto hoje, amanhã pode não estar mais lá, ou pode ter sido modificado, sofrer alguma interferência.

Uma das características da sociedade contemporânea é a mobilidade, o trespasse de fronteiras, o desaparecimento destas fronteiras, mobilidade de pessoas, culturas, imagens, pensamentos e olhares, que vêm a dar corpo a um segmento da arte, a arte que problematiza o espaço e suas subjetividades, as nuances que formam o sujeito em seu local de cotidiano. (GARCEZ, 2010).

O artista é aquele que precisa ter um olhar atento e pensar as questões do seu espaço assim

como o lugar em si, e os estudantes, ao pensarem um pouco do espaço da escola, compreendem

melhor o papel do artista, seu olhar diferenciado, que ao mesmo tempo em que questiona e

transforma é também sensível e poético.

Nas aulas seguintes, a turma foi dividida em dois grupos e cada grupo teve de elaborar um

mapa da escola criando símbolos e desenhos que representassem aquela área em grande escala,

utilizando um papel Kraft.

Os estudantes demonstraram um pouco de dificuldade em transpor para o papel um

mapeamento daquele espaço tão conhecido por eles, por isso essa tarefa foi realizada em um grande

grupo, para que todos pudessem ajudar e participar

O artista Tom Lisboa deixava acessível na internet os mapas dos trajetos onde estavam as

Polaróides (In)Visíveis para que qualquer pessoa pudesse imprimir e refazer seu percurso, buscando

pelas polaróides nos locais onde elas foram instaladas. Da mesma forma, os estudantes também

tiveram o desafio de criar esteticamente um mapa, tal qual o artista, e uma legenda, indicando no

mapa os locais da escola onde foram coladas as polaróides.

De fato, a figura do mapa tornou-se um trunfo privilegiado da arte contemporânea, que explora esta temática quer enquanto cartografia pessoal (traço singular), quer como mapa etnográfico de uma instituição ou comunidade, revelando a complexidade das relações em jogo nestas, quer mesmo invocando o seu poder constituinte, mapa de um devir, mapa de fronteiras movediças. (CARVALHO, 2008).

Tornou-se um exercício interessante, pois os alunos tiveram que pensar as proporções entre

os espaços, como representar os espaços internos e os espaços externos da escola, as entradas e

saídas que demarcassem passagens de um espaço para outro, etc.

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Figura 7: Mapa de um dos trajetos que recebeu a intervenção das Polaróides (In)visíveis de Tom Lisboa, em Florianópolis, (SC). Fonte: LISBOA, (2008).

Na etapa final do projeto de ensino as crianças realizam uma última tarefa, que foi enviada

para casa, chamada 'Exercício do Olhar’: eles deveriam escolher um lugar em que não conhecessem

ou que frequentassem muito pouco para descrevê-lo. Os lugares escolhidos por eles foram os mais

variados, alguns lugares dentro da sua própria casa, mas que eles não costumavam sequer entrar,

como a lavanderia, o quarto dos pais e até o quarto quase proibido do irmão mais velho. Outros,

ainda, encontraram lugares inusitados no próprio quintal de casa, como o canil do cachorro, o

galinheiro do pai ou lugar onde fica guardada a caixa d’água. Alguns foram um pouco mais longe e

escolheram a casa do vizinho, uma trilha no meio do mato, o topo de uma árvore, uma viagem à

serra, uma casa abandonada, um restaurante de comida japonesa, etc.

A ideia é a de que eles fossem até o local escolhido e passassem algum tempo por ali, para

que eles vivenciassem não só uma experiência visual, mas que perpassassem por outros sentidos

sinestésicos. O exercício era descrever como eram esses lugares, se eram escuros ou bem

iluminados, se eram apertados ou amplos, se lá era calor ou frio, se era um lugar fechado ou aberto.

Descrever os sons que se ouviam ali bem como os cheiros, que nem sempre eram agradáveis, como

no galinheiro ou no canil, por exemplo. Escrever sobre as coisas que estavam a sua volta, móveis,

pessoas, animais, coisas... E, por fim, descrever quais as sensações que aquele espaço lhes causava.

Nessa etapa alguns disseram que sentiram um pouco de medo, pois o lugar era escuro,

outros sentiram uma sensação agradável, por se tratar de um lugar aconchegante. Então, dando-se

continuidade a esse exercício, os estudantes aceitaram o desafio de fazer uma ‘composição artística’

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�57que expressasse tudo o que eles escreveram sobre o lugar visitado com desenhos, colagens, palavras

e cores em papel Canson A3 e giz pastel.

Produzidas as composições artísticas, realizou-se uma dinâmica para compartilhar com a

turma a experiência de cada criança.

Sentados em círculo, na sala de artes, cada criança teve a oportunidade de mostrar sua

composição e falar sobre o lugar que escolheu e as sensações e impressões que teve sobre o mesmo.

Algumas crianças se mostraram constrangidas para falar. Nesses casos, o estudante segurava o seu

desenho para mostrar para a turma enquanto a professora lia sua descrição do local. Portanto, esse

foi um momento rico de troca de experiências na turma, em que ocorreu um feedback que resultou

na valorização das atividade realizadas, manifestando formas de expressão das mais variadas.

Considerações

Por meio da intervenção artística Polaróides (In)Visíveis, de Tom Lisboa, o artista tornou

visíveis questões antes invisíveis, permitindo a observação de detalhes e lugares que não se revelam

à olhos distraídos e tornando memória aquilo que o indivíduo menos atento deixaria passar em seu

trajeto cotidiano. Descreveu a cidade em palavras, mais do que em imagens, dando a ver o que se

descortinava naquele exato momento, tal qual uma fotografia, mas deixando que cada espectador

crie sua própria imagem, a partir de seu referencial individual. Problematizou, desta maneira, o

lugar como espaço que permeia a arte e é dela palco. Assim, o artista participa do processo de

problematizar o lugar contemporâneo, trazendo novos olhares a uma situação que se modifica em

grande velocidade.

Os estudantes que participaram desse projeto de ensino mergulharam no universo artístico,

que é desbravador da realidade, ao resgatar imagens de um espaço conhecido e rotineiro, o

ambiente escolar. A experiência foi um despertar de atenções para um olhar mais sensível e

artístico, portanto, diversificou a visão que dispunham sobre o já tão “conhecido” espaço.

Esse relato de experiência demonstra a amplitude de temas que podem ser abordados por

meio da arte contemporânea. Tal expressão artística apresenta-se como um instrumento em

potencial para aproximar os estudantes do universo da arte, ao criar espaços de diálogo e reflexão

para a formação de sujeitos críticos. O projeto de ensino aqui apresentado mostrou que a arte

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�58contemporânea pode inspirar o ensino de arte nas escolas, contribuindo para ampliar a percepção

dos educandos para a arte e para a realidade na qual estão inseridos, provocando nos mesmos o

pensar artístico, ao desvelar o que está invisível para grande parte das pessoas. Por fim, a arte

contemporânea desenvolve um olhar observador e poético, questionador e provocador, um olhar de

artista para a arte e para a vida.

Referências

AMARAL, Lilian. Museu Aberto: A cidade como museu e o museu como prática artística. Florianópolis, 17ª Anpap, 2008. Disponível em: www.anpap.org.br/2008/artigos/166.pdf, acessado em 10 de outubro de 2015.

BARBOSA, Ana Mae Tavares Bastos. A imagem no ensino da arte: anos 1980 e novos tempos. São Paulo: Perspectiva, 2012.

CARVALHO, Margarida. Mapas Imaginários, out. 2008. Disponível em: http://www.virose.pt/vector/b_21/carvalho.html#_edn2.

GARCEZ, Luciane Ruschel Nascimento. O espaço contemporâneo na arte: implicações e desdobramentos. VII Colóquio Franco-Brasileiro de Estética [Anais], UFBA, 2010.

LAMPERT, Jociele. Arte contemporânea: cultura visual e formação docente. 2009. 159 p. Tese (doutorado) – Universidade de São Paulo, Escola de Comunicação e Artes, Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, São Paulo: 2009.

PEIXOTO, Nelson PEIXOTO. Intervenções urbanas: Arte/cidade. São Paulo: Ed. Senac São Paulo, 2002.

PEIXOTO, Nelson PEIXOTO. Paisagens urbanas. São Paulo: Ed. Senac São Paulo, 2003.

SOLFA, Marília Richard Serrra e Bernard Tschumi: Arte e arquitetura voltada para a construção (e percepção) do espaço urbano. EESC, USP, 2008.

ZIELINSKY, Mônica. Os espaços reinventados na arte de Elaine Tedesco. In: TEDESCO, Elaine. Sobreposições imprecisas. São Paulo: Escrituras Editora, 2003.

Site: www.sintomnizado.com.br

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VIK MUNIZ: UMA EXPERIÊNCIA COM ARTE CONTEMPORÂNEA NOS ANOS

INICIAIS

Andréia Regina Bazzo – IFC13

Sara Ellen Wisenteiner – IFC14

Resumo

O ensino da arte contemporânea nos anos iniciais fomenta o desafio da leitura da arte e seu potencial de comunicação. Para a efetivação dessa prática, faz-se necessário pensar na formação das pedagogas que devem incluir em seu repertório artistas contemporâneos, não apenas as imagens 15

fáceis vinculadas na mídia. O presente relato registra dois desafios no ensino da arte. O primeiro é a prática com a arte por professoras pedagogas sem formação específica em arte (ALBANO, 2010), destacando-se as reflexões acerca do repertório dessas professoras, de seu envolvimento com a arte e a metodologia escolhida para a atividade (BARBOSA, 2012). O segundo desafio é o trabalho com um dos temas da arte contemporânea (CANTON, 2009). Nessa prática, tratou-se das questões micropolíticas com a inserção da obra de Vik Muniz para tratar de conceitos de meio ambiente, reaproveitamento e transformação do lixo, dando-lhe ressignificação social e educativa.Palavras-chave: Arte na Pedagogia; Arte Contemporânea; Anos Iniciais.

Introdução

No curso de Pedagogia do Instituto Federal Catarinense Campus Camboriú, no sexto

semestre, a disciplina de Fundamentos e Metodologia do Ensino da Arte tem como foco o estudo

das concepções de arte na educação e as vivências dos discentes com a prática do ensino da arte

fundamentado por metodologias de ensino da arte. A disciplina busca caminhos para a pesquisa da

arte na educação e, nesse processo, é importante a ressignificação dos estudantes com a arte e

maneiras de incluí-la em suas aulas.

Nas narrativas dos estudantes de pedagogia sobre a arte, surge a reflexão das experiências

que estes tiveram e têm com a arte. Desse repertório, surgem as escolhas dos artistas e dos olhares

sobre a arte desses futuros professores. Aproximar a arte da pedagogia, costurando diálogos

possíveis sem diminuir ou aglutinar uma das áreas e ampliar o repertório artístico, são desafios

Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Vale do Itajaí. Professora de 13

Arte do Instituto Federal Catarinense, Campus Camboriú.

Aluna do Curso de Pedagogia do Instituto Federal Catarinense, Campus Camboriú.14

Será utilizado o feminino pela experiência ter sido realizada por professoras. Entretanto, entendemos que o estudo se 15

estende aos pedagogos.

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�60dessa disciplina. As reflexões provocadas nas futuras pedagogas, estudantes do curso de Pedagogia,

durante os encontros que totalizaram sessenta horas, na disciplina de Fundamento e Metodologia do

ensino da Arte, era pensar a importância de aumentar sua dimensão estética e a necessidade de

buscar incessantemente a vivência com a arte para compreender sua importância na formação

estética das crianças.

Nesses territórios demarcados, o da arte e o da pedagogia, existem possibilidades de

encontros (ALBANO, 2010), compreendendo diferenças e inserindo artistas de seu repertório como

forma de oportunizar a arte em todos os níveis da educação. Com esse propósito, a metodologia

escolhida para as atividades em sala de aula com as crianças foi a Abordagem Triangular do Ensino

da Arte (BARBOSA, 2012). Essa atividade foi proposta por umas das alunas do curso de Pedagogia

para uma turma de terceiro ano do Ensino Fundamental.

A Abordagem Triangular de Ensino é amplamente difundida e praticada no Ensino da Arte.

Ao tratar de propostas metodológicas dentro do curso de Pedagogia, são inseridas as propostas de

Estética do Cotidiano, Cultura Visual e Cartografia. A escolha pela Abordagem Triangular de

Ensino, nesse processo, justifica-se pela percepção da possibilidade que a metodologia abre de fazer

conexões com outras áreas de conhecimento. Dessa forma, o trabalho inicia-se pela arte, percorre

diferentes caminhos e é finalizado com a arte.

A arte contemporânea foi inserida dentro da temática da micropolítica que trata das questões

cotidianas, “[...] como o gênero, a fome, a impunidade, o direito à educação e à moradia, a ecologia,

enfim, tudo aquilo que nos diz respeito e nos faz viver em sociedade” (CANTON, 2009, p. 15),

tratadas sob o olhar do artista Vik Muniz que foi apresentado para as crianças.

Descrição da ação estética

A atividade descrita a seguir foi explorada com uma turma de terceiro ano do Ensino

Fundamental, inserida no Centro Educacional Criação, no município de Balneário Camboriú em

Santa Catarina.

Durante dois meses do projeto Feira de experimentos e descobertas, foi trabalhado o artista

plástico brasileiro Vik Muniz, que dá vida aos seus retratos com materiais inusitados. Houve uma

busca por conhecer as obras desse artista, sua história, bem como ampliar o conceito de lixo e de

reciclagem, reconhecendo no lixo suas formas de utilização e transformação em algo utilizável e

relacionando-o à arte contemporânea.

Por meio de um olhar interdisciplinar, pensou-se em uma proposta que pudesse contribuir no

processo de aprendizagem da criança dentro também das disciplinas de língua portuguesa, com

leituras, interpretações, inferências e produções textuais. E, também, em ciências naturais, quando

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�61se pensou na grande produção de lixo gerada pelas pessoas, os impactos ambientais que discorrem

desses processos, bem como as ações humanas que podem interferir para gerar bons resultados ou

não. Desse modo, promove-se na criança a autonomia e a reflexão-crítica sobre seu cotidiano e

sobre a vida, de forma que ela seja produtora do seu conhecimento e sujeito ativo nesse processo.

O início dessa proposta deu-se quando a turma foi convidada a assistir ao documentário Lixo

extraordinário. Filmado ao longo de dois anos (de agosto de 2007 a maio de 2009), Lixo

extraordinário acompanha o trabalho do artista plástico Vik Muniz em um dos maiores aterros

sanitários do mundo: Jardim Gramacho, localizado na periferia do Rio de Janeiro. Lá, ele

fotografou um grupo de catadores de materiais recicláveis com o objetivo inicial de retratá-los. No

entanto, o trabalho com essas personagens revela a dignidade e o desespero que enfrentam quando

sugeridos a imaginar sua vida fora daquele ambiente. A equipe tem acesso a todo o processo e, no

final, revela o poder transformador da arte e da alquimia do espírito humano.

Levar para a sala de aula Lixo extraordinário permitiu a turma perceber que a arte pode ser

encontrada até mesmo nos lugares menos esperados e com os materiais mais inusitados, além da

essência humana por trás dessa arte, quando, diante de seus valores humanos, sensibilizaram-se

com as condições sociais daqueles catadores. Seus olhares agora voltam-se, também, para a

realidade de pessoas que vivem em condições críticas de pobreza e de saneamento, indicando a

existência da desigualdade no país. Perceberam, também, que são pessoas que precisavam apenas

de uma oportunidade para mudarem sua vida, pessoas que precisavam serem vistas e sentidas.

Depois desse primeiro contato, a turma pôde conhecer outros trabalhos de Vik Muniz por

meio de vídeos, de fotografias, de leituras e de releituras das obras, explorando nelas os materiais

inusitados dos quais o artista se apropria para criá-las. A partir desse momento de reconhecimento

das obras de Vik Muniz, chegou o momento de as crianças tornarem-se, também, os principais

protagonistas em relação “ao ser” artista, assim como Vik Muniz. Cada criança teve a oportunidade

de criar sua própria obra, por meio de desenhos de pessoas e muito lixo do uso cotidiano para o

preenchimento dos retratos (Figuras 1 a 4). Esses materiais utilizados por elas variavam entre

pontas de lápis, sujeira de borracha, embalagens de lanches, como sucos e bolachas, garrafas pet,

tampas de garrafas, potes de plástico, caixa de ovo, rolo de papel higiênico, entre outros.

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���

Figura 1 - Obras realizadas com canudos, sacolas plásticas, rolhas, caixa de sabonete, rolo de papel higiênico, caixa de ovo e prato de aniversário

���

Figura 2 - Obras realizadas com pote de margarina, pacote de biscoito, tampas de garrafas, canudos, sacolas plásticas e caixa

de sabonete.

Figura 3 - Obras realizadas com caixas de sabonetes, tampas de garrafas, rolos de papel higiênico, potes de margarina

canudos e pontas de lápis.

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As produções levaram cerca de duas tardes para serem iniciadas e concluídas. A primeira

etapa consistia em realizar um desenho de uma pessoa, da forma como eles imaginassem. Em

seguida, as crianças começaram a dar vida aos seus retratos, preenchendo-os com lixos produzidos

por eles mesmos nos espaços escolares e em suas casas.

Este projeto também permitiu trabalhar com questões ambientais que envolveram os

cuidados com o lixo, a reciclagem e a reutilização dos materiais já utilizados e descartados pela

população (Figura 5). Além de pesquisas realizadas acerca do sistema de reciclagem do lixo das

principais cidades do Brasil, a turma visitou o aterro sanitário mais próximo existente na cidade

onde vivem. Lá, os alunos puderam compreender os processos pelas quais o lixo passa e como é o

sistema de tratamento realizado em cima desse lixo, para gerar menos efeitos ao ambiente.

Figura 4 - Obra realizada com caixas de suco e tampas de

garrafas.

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���

Figura 5 - Resultados obtidos com as pesquisas e visitas ao aterro sanitário da Canhanduba

Diante dos dados gerados, a turma pôde realizar comparações entre a grande quantidade de

lixo gerada pela população, seja de uma cidade grande, seja de uma cidade pequena. A partir daí,

surgiram muitos questionamentos, entre eles o mais pertinente: O que fazer com tanto lixo?

A partir desses questionamentos, os conceitos de “Reduzir, Reutilizar e Reciclar” tornaram-

se ainda mais concretos quando foi proposto a turma criar objetos úteis com materiais recicláveis e

que pudessem facilmente serem utilizados no dia a dia (Figura 6).

���Figura 6 - Objetos úteis criados pelas crianças. Entre eles: abajur com colheres de plástico, porta-joias com gibis, porta-lápis com

caixa de papelão, luminárias com garrafas (de vidro e pet), entre outros

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Durante todo esse processo de pesquisa e construção do objeto, as questões ambientais que

envolvem os cuidados com o lixo, reciclagem e reutilização dos materiais já utilizados e

descartados pela população eram muito presentes e influenciavam a todo momento as crianças,

levando-os a pensar também no consumismo exagerado e suas consequências ambientais. Serviu,

assim, de alerta para eles, pois perceberam que a quantidade de lixo produzida é assustadora e está

diretamente comprometida com o futuro do planeta.

Considerações

A prática com a arte é estimulada no conhecimento que as pedagogas mantêm com a arte.

Nos cursos de Pedagogia, é fundamental que a disciplina provoque para importância do trabalho

com a arte na Educação Infantil e nas possibilidades do que se ensina com a arte. A intenção da Arte

no currículo dos cursos de Pedagogia deve propor um olhar estético, com a arte e a cultura na

formação de educadores.

Referências

ALBANO, Ana Angélica. Arte e Pedagogia: Além dos territórios demarcados. Cadernos Cedes, Campinas, v. 30, n. 80, p. 26-39, jan./abr. 2010.

BARBOSA, Ana Mae. A Imagem no Ensino da Arte: anos 1980 e novos tempos. 8. ed. São Paulo: Perspectiva, 2012.

CANTON, Katia. Temas da arte contemporânea. São Paulo: WMF Martins Fontes Ltda., 2009. 6 v.

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A ARTE SACRA NO OLHAR DA ESTÉTICA FILOSÓFICA

Amauri Carboni Bitencourt16

Resumo

Nosso relato consiste em mostrar uma interação que fizemos com os alunos do ensino fundamental – séries finais – do Colégio Dom Bosco, em que abordamos imagens da representação de Cristo sob diferentes ângulos e técnicas, cujo objetivo é a percepção do olhar infantil estético-filosófico. Além da observação de 28 imagens projetadas, os alunos puderam entrar em contato com uma pintura em tela, de Amauri Carboni Bitencourt, que se inspirou na obra Menino Jesus, São João Batista e o cordeiro, do pintor espanhol Bartholomé Estaben Murillo. Em linhas gerais, já que a estética filosófica se atém à questão da beleza e do sensível, nossa proposta é mostrar algumas obras de arte sacras, especialmente da pintura de Cristo, explicando detalhes de como foram elaboradas e o que significam e pedir aos alunos que verbalizem (e escrevam) o que sentem quando veem a imagem e se a acham bela ou feia.Palavras-Chave: Arte Sacra; Estética; Representações de Cristo.

Introdução

As imagens sacras pintadas nas igrejas, especialmente na Idade Média e no Renascimento,

tinham como foco levar o espectador à devoção, fazendo com que este aumentasse a sua fé.

Contudo, não sabemos se essas imagens ainda provocam o mesmo sentimento nas crianças

contemporâneas. Além dessa interação com o sensível, a obra de arte sacra também poderá ser tida

como bela ou feia.

É dentro deste contexto que propusemos desenvolver o tema A arte sacra no olhar da

estética filosófica, nas séries finais do ensino fundamental do Colégio dom Bosco, no centro de Rio

do Sul. Este colégio é uma referência no ensino de qualidade da cidade e segue a metodologia

Salesiana. A educação se estende desde o maternal até o ensino médio. As aulas de Religião, do

Ensino Fundamental, e as de Filosofia, do Ensino Médio, são ministradas pelo professor Jean

Farias.

Já que a estética filosófica se atém à questão da beleza e do sensível, nossa proposta foi

mostrar algumas obras de arte sacras, especialmente da pintura de Cristo, explicando detalhes de

como foram elaboradas e o que significam e pedir aos alunos que verbalizem o que sentem quando

Doutor e mestre em filosofia – UFSC; especialista em artes visuais – SENAC; professor do Instituto Federal 16

Catarinense – campus Rio do Sul – Contato: [email protected].

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�67veem a imagem e se a acham bela ou feia. Afinal a beleza está na obra ou nos olhos de quem vê? O

mesmo sentimento do sagrado é igual para todas as pessoas? Essas foram questões que nortearam

nossa exposição e interação com os alunos do ensino fundamental do Colégio Dom Bosco.

Representação da imagem de Cristo

Alguns autores escreveram sobre a simbologia das pintura sacras. Dentre eles Mende (2004,

p. 31) afirma que: “Devemos saber que existem três maneiras particularmente adequadas de pintar a

imagem do salvador numa igreja: sentado num trono, suspenso no suplício da cruz ou encolhido no

colo de sua mãe”. Não apenas isso, também podemos encontrar pinturas de Cristo de outras formas:

“como João Batista apontou Cristo dizendo: ‘Eis o cordeiro de Deus’ (Jo 1, 29); alguns o pintam

com feições de um cordeiro” (MENDE, 2004, p. 31). Porém:

O papa Adriano disse que ele deve ser pintado na forma humana (Decretum, p. III, D. III, c. 29). O cordeiro de Deus não deve ser pintado na cruz como motivo principal, mas depois de pintar o homem nada impede que se pinte o cordeiro na parte inferior ou posterior, já que ele é o verdadeiro cordeiro que redime o mundo dos seus pecados” (MENDE, 2004, p. 31).

Assim, vemos que o cordeiro de Deus – aquele que tira o pecado do mundo – é utilizado em

muitas pinturas sacras. Na obra de Bartolomé Esteban Murillo São João Batista e o cordeiro, do

final do século XVII, mostra um menino dando água em uma pequena concha para o outro. A água

pode simbolizar a fonte da vida e o cordeiro pintado na base do quadro expressando que o pecado

de todas as pessoas podem ser eliminados aso serem batizados pela água. Alguns comentadores até

afirmam que a imagem refere-se a São João batista e o menino Jesus.

De qualquer forma, as imagens sacras pintadas nos quadros ou nas paredes das igrejas

servem para significar algumas coisas:

Pintá-lo na manjedoura significa sua natividade; pintá-lo no colo materno, sua condição infantil, pintá-lo ou esculpi-lo na cruz, sua paixão – às vezes, na própria cruz se pintavam o sol e a lua formando uma eclipse; pintá-lo subindo degraus significa a ascensão; pintá-lo num trono ou numa cadeira elevada sugere a majestade e o poder que ele possui, como se dissesse: “Todo o poder me foi dado no céu e na terra” (Mt, 28, 18) [...], às vezes se pintam ao seu redor anjos que o servem e assistem constantemente. (MENDE, 2004, p. 32).

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�68Mesmo tendo diversos significados, as formas com que são pintadas as imagens de Cristo e

demais obras sacras - isto porque a simbologia da Igreja não se restringe somente às imagens do

Salvador, mas aos demais Santos, profetas e personagens sagrados – objetivam provocar um

determinado sentimento no espectador. Espera-se que ao olhar uma imagem sacra, o espectador

tenha um profundo sentimento de compaixão, levando-o a aumentar e fortificar a fé.

Contudo, ao longo da história da arte, vemos diversos pintores expressando imagens do

Salvador em diferentes modos e perspectivas, levando a questionar o objetivo para o qual foram

pintados. Assim, temos, por exemplo, a pintura de Salvador Dalí em que o Cristo é visto de um

ângulo diferente e ousado. Outros exemplos são as imagens torcidas e esticadas, quase fúnebres, de

El Greco.

Assim, nosso projeto pautou-se em mostrar imagens da representação de Cristo, bem como

levar um quadro elaborado pelo autor deste relato docente (Amauri Carboni Bitencourt), em 2003,

tendo como inspiração a obra Menino Jesus, São João Batista e o Cordeiro, do pintor Espanhol,

Bartholomé Esteban Murillo.

Imagem 1: Menino Jesus, são João Batista e o cordeiro (releitura)Fonte: Arquivo pessoal de Amauri Carboni Bitencourt

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Execução do projeto: Interagindo com as turmas

As aulas foram ministradas no período matutino. O 6º ano é composto por 25 alunos; o 7º

ano, por 22; o 8º ano, por 31; e o 9º ano, por 24. Apesar de cada turma possuir características

próprias e distintas, há um fio condutor que perpassa todas: a curiosidade em aprender.

As imagens que mais chamaram a atenção foram as que retratam um Cristo diferente do

habitual, como O Cristo de San Juan de la Cruz, do pintor espanhol Salvador Dalí. É uma

representação onde a perspectiva não é a convencional – de frente – mas meio que “de cima”, sob

um novo ângulo, ou ponto de vista.

Ao todo mostramos 28 imagens. Dentre as quais destacam-se: A adoração dos pastores, de

Antonio Allegri da Correggio; Sagrada família do cordeiro, de Rafael; Cristo crucificado, de

Velázquez; O Cristo de San Juan de la Cruz, de Salvador Dalí, Santa Ceia, de Leonardo da Vinci;

O Batismo de Cristo, de El Greco; Lamentação sobre Cristo morto, de Andrea Mantegna; e O Juizo

Final, de Michelangelo.

Os estudantes participaram fazendo perguntas e fazendo observações das imagens. Alguns

tentando falar aquilo que a imagem lhe transmitia, outros fazendo relações com o que aprenderam

sobre religião , cujas frases percebemos como memorizações de passagens bíblicas. 17

Após o término das imagens projetadas, convidamos os estudantes para que se

aproximassem do quadro que levamos: cujo objetivo era um contato direto com a obra, observar as

pinceladas, a luminosidade, e demais detalhes que uma pintura apresenta, para sair um pouco da

observação apenas com reproduções. A única turma que não mostrou muito interesse em levantar-se

e ver a obra de perto foi a do 9° ano. Ao contrário do 7º ano que gostaram de ter um pintor “tão

importante” – disseram – perto deles. O que culminou em ter de autografar mais da metade dos

cadernos dos estudantes.

Apesar o olhar direcionado da cultura religiosa, presente no colégio e vivência dos alunos,

muitos deles tentaram ir “além da imagem”, falando o que elas lhes transmitiam. Não apenas

enxergar com base na cultura, mas incitá-los a olhar a obra com os próprios olhos e sentimentos. Há

algumas questões de interpretação só notamos quando aplicamos o exercício avaliativo.

Avaliação

Lembramos que o colégio dom Bosco segue a metodologia salesiana, portanto, católica.17

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�70Nosso propósito não foi o de questionarmos o quanto os alunos aprenderam com nossa fala,

mas em como eles poderiam interpretar uma imagem específica. Mais do que um conhecimento

prévio ou aprendido, queríamos que os alunos expressassem o que sentiam e viam, sem o olhar

viciado da cultura estabelecida.

Avaliação foi feita apenas com as turmas de 6º ano. Consistia em observar a imagem Menino

Jesus, São João Batista e o Cordeiro, do pintor Espanhol, Bartholomé Esteban Murillo, e escrever a

impressão que tinham da obra. Mais especificamente a pergunta era: “Escreva os detalhes que você

observa na pintura Menino Jesus com São João Batista e o cordeiro. Qual a mensagem que o pintor

quis transmitir para os outros ?18

Um primeiro ponto observado é que a maior parte dos alunos da turma do 6º ano refere-se

ao cordeiro como “aquele que tira o pecado do mundo”. Também fazem referências aos anjos que

protegem as crianças.

Segue alguns trechos das escritas dos alunos do 6º ano:

Aluno 1: “O pintor quis transmitir a mensagem de que Jesus estava sendo observado e cuidado por

Deus”.

Aluno 2: “o pintor quis transmitir uma mensagem de carinho, cuidado. Pois o menino Jesus estava

dando-lhe água para são João Batista beber”.

Aluno 3: “do cuidado e carinho que ele teve com são João, e que devemos tomar isso como

exemplo”.

Aluno 4: “Eu acho que o pintor quis transmitir um sentimento de proteção, como Deus nos observa

e nos protege”.

Aluno 5: “Eu observo o menino Jesus junto com são João Batista tomando água que purifica, com

anjos que iluminam, e um cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo. O interessante dessa

obra foi feita sobre a infância de Jesus, pois a sua infância foi pouco registrada na Bíblia”.

Aluno 6: “o pintor quis transmitir uma imagem para os outros pintores inspirado de um verso de

uma música: ‘cordeiro de deu, que tirais o pecado do mundo”.

O professor do Colégio Dom Bosco – responsável pela disciplina onde o projeto foi aplicado

- atribuiu notas às respostas dos alunos, que se estendeu de 7,0 até 10,0. Critérios quantitativos

estabelecidos pelo próprio professor, cabendo a nós apenas a leitura e análise “estético-filosófica”

respostas escritas.

Considerações

A avaliação segue em anexo.18

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À guisa de considerações finais constatamos que mostrar imagens sacras aos estudantes do

ensino fundamental, especialmente de colégios mantidos por entidades religiosas católicas, faz com

que eles demonstrem o quanto a cultura religiosa está inserida em suas vidas. Isso é observado nas

impressões feitas em sala de aula, no momento da exposição, bem como na atividade avaliativa

feita com o 6º ano.

Apesar de ter um olhar estético-filosófico direcionada para não questionar as questões

sacras, os alunos procuram relatar aquilo que lhes tocam o sentido, falando se que acham

determinada obra bela ou feia, bem como a impressão que uma imagem lhe causa. Assim,

constatou-se que imagens que são retratados anjos, por exemplo, são imagens seguras, pois estes

“protegem”. Também imagens que contenham cordeiro, são tidos como aqueles que “tiram o

pecado do mundo”.

Foi possível perceber que os alunos gostam de interagir em sala de aula, falar daquilo que

lhes provoca - o que está constituído em sua formação - e também do que sentem quando estão

diante de uma imagem ou obra de arte.

Referências

ARANHA, Maria L. A.; MARTINS, Maria Helena P. Filosofando – Introdução à Filosofia. São Paulo: Moderna, 2009.

BARROS, Fernando R. de Moraes. Estética filosófica para o ensino médio. Belo horizonte: Autêntica editora, 2012. (Coleção práticas docentes).

MENDE, Guilhaume Durand de. “Representações da imagem de Cristo e das figuras bíblicas”. In: LICHTENSTEIN, Jacqueline (Org.). Da imitação à expressão. Trad. Magnólia Costa. São Paulo: Editora 34, 2004 (A pintura, v.5).

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�72ANEXO A

Projeto:

A ARTE SACRA NO OLHAR DA ESTÉTICA FILOSÓFICAColégio Dom Bosco – Rio do sul – Nov. 2015

Prof. Amauri Carboni Bitencourt

Aluno (a): ______________________________________________ Turma: ________________

���

Quadro: Menino Jesus com são João Batista e o cordeiro

Pintor: Bartolomé Esteban Murillo

Para ver o quadro colorido: (Fonte: Disponível em: <http://www.cossio.net/actividades/

pinacoteca/p_02_03/barroco.htm>

Acesso em 02 outubro 2015)

Escreva os detalhes que você observa na pintura “Menino Jesus com São João Batista e o cordeiro”. Qual a

mensagem que o pintor quis transmitir para os outros?

_______________________________________________________________________________________

_______________________________________________________________________________________

_______________________________________________________________________________________

_______________________________________________________________________________________

_______________________________________________________________________________________

_______________________________________________________________________________________

_______________________________________________________________________________________

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�73ARTE E INCLUSÃO NO ACOLHIMENTO ÀS DIFERENÇAS NA EDUCAÇÃO BÁSICA

Idonézia Collodel Benetti19

João Paulo Roberti Junior20

Cristiane Deon Busnello21

Resumo

Este trabalho denominado “Jardim da Ressureição” objetivou a aplicação de conteúdos relacionados à páscoa judaico-cristã para alunos do ensino fundamental nas disciplinas de Artes, Inglês e Matemática. A necessidade partiu das observações dos alunos que, sendo muitos deles evangélicos, não se sentiam confortáveis em realizar trabalhos envolvendo ovos, cestas e coelhos. O presente trabalho caracteriza-se por ser um relato de experiência sobre um projeto educativo interdisciplinar, realizado com alunos de sétimos e oitavos anos nas disciplinas de Artes, Inglês e Matemática. Foram realizadas conversas e discussões englobando conteúdos e atividades que poderiam ser utilizados para contemplar a diversidade religiosa presente na escola. Para realizar este trabalho, foram necessárias seis aulas de artes, 10 aulas de matemática e 14 aulas de inglês. Como resultado, observou-se aprendizagem ativa – ensino centrado no aluno, que “experimenta” e coloca a “mão na massa” –, autonomia e criatividade, promoção dos princípios da democracia na sala de aula e na escola – ambiente encorajador – incentivo a temas do universo do aluno, em forma de problematização e ação dialógica focalizada no conteúdo-alvo.Palavras-chave: Arte; Inclusão; Interdisciplinaridade.

Abstract

The present work, called Resurrection Garden, aimed at applying some contents related to the Jewish-Christian Easter celebrations for elementary school students. Observations of the students, many of them evangelical, not comfortable in performing work involving eggs, baskets and bunnies, emerged the necessity of working something different in classroom. Then, this work is characterized by being an experience report of an interdisciplinary educational project, conducted with students from the 7th and the 8th year in the disciplines of Arts, English and Mathematics. Conversations and discussions, covering content and activities, were carried in order to contemplate the religious diversity present in school. The project took six art classes, 10 math classes and 14 English lessons. As a result, it was observed an active learning - student-centered teaching, "experiencing" and putting "hands on" -, autonomy and creativity, promotion of democracy principles in the classroom and at school - encouraging environment - encouraging themes of the student universe, in the questioning and dialogic action model, focused on content target.Key Words: Art; Inclusion; Interdisciplinarity.

Psicóloga, Psicopedagoga, Mestre em Letras e Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e 19

Doutoranda em Saúde Coletiva na UFSC. E-mail: [email protected]

Graduado em Psicologia e em História, Especialista em Metodologia de Ensino de História (UNIASSELVI) e Mestre 20

em Antropologia Social (UFSC). Professor do Centro Universitário para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí (UNIDAVI). E-mail: [email protected]

Graduada em Matemática pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG) e professora da Rede Pública do Estado 21

de Santa Catarina. E-mail: [email protected]

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�74Considerações iniciais

Muito tem se falado sobre inclusão e o sistema educacional brasileiro levantou esta

bandeira, que também é um estandarte da UNESCO (2001). A educação inclusiva refere-se a uma

ampla gama de estratégias, atividades e processos que procuram tornar realidade o direito universal

à educação relevante, apropriada e de qualidade e está relacionada à como podemos desenvolver e

projetar nossas escolas, salas de aula, programas e atividades para que todos os alunos aprendam e

participem juntos.

A educação inclusiva reconhece que a aprendizagem começa no nascimento, continua ao

longo da vida e inclui a aprendizagem que acontece em casa, na comunidade e em situações formais

não formais. É um processo dinâmico que está em constante evolução de acordo com a cultura e

contexto; uma inserção que procura permitir que as comunidades, sistemas e estruturas combatam a

discriminação, celebrem a diversidade, promovam a participação e superem as barreiras à

aprendizagem e estimule a participação de todos.

No caso das salas de aula, todas as diferenças, de acordo com idade, sexo, etnia, língua,

estado de saúde, situação econômica, religião, deficiência, estilo de vida, e outras formas de

diferença, são reconhecidas e respeitadas. É parte de uma estratégia mais ampla para promover o

desenvolvimento inclusivo, com o objetivo de criar um mundo onde haja paz, tolerância, e

utilização sustentável dos recursos e da justiça social (NADEAU et al., 2012).

Um lugar onde os direitos e necessidades básicas de todos sejam atendidos. Trata-se de

mudar o sistema para incluir o aluno e não o contrário, não alterando (TIWARI; DAS; SHARMA,

2015). Nesta perspectiva, o sistema deve incluir plenamente todos os estudantes e proporcionar-lhes

uma educação de qualidade relevante para as suas necessidades individuais.

A inclusão é um esforço para se certificar de que diferentes alunos – aqueles com

deficiências, culturas diferentes, lares e vidas familiares diferentes, diferentes interesses e maneiras

de aprender – estejam expostos a estratégias de ensino que alcancem a todos. Assim, uma proposta

de educação inclusiva privilegia todos os alunos, independentemente de seus pontos fortes ou fracos

em qualquer área, e maximiza seu potencial.

Escolas inclusivas auxiliam seus professores a fornecer suporte e serviços individualizados

adequados a todos os alunos, sem a estigmatização. Os professores em salas de aula inclusivas

variam seus estilos para melhorar a aprendizagem para todos os alunos, levando em consideração a

individualidade. A finalidade é garantir que todos tenham acesso ao conhecimento, habilidades e

informações que irão prepará-los para contribuir com a comunidade e locais de trabalho na sua

cidade/país (KEARNEY, 2011).

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�75Um dos princípios mais importantes da educação inclusiva é que não há dois alunos iguais, e

as escolas inclusivas colocam grande importância na criação de oportunidades para a aprendizagem

e a avaliação, que devem acontecer em uma variedade de maneiras (FLORIAN; YOUNG; ROUSE,

2010). Os professores destas escolas, portanto, devem considerar uma vasta gama de modalidades

de aprendizagem (visual, auditiva, sinestésica, etc.), quando da elaboração de seus planos de ensino.

Certamente, isso aumenta a maneira em que os educadores fornecem apoio aos alunos

diferentes, além de diversificar e enriquecer a experiência educacional de todos os alunos. Isso

porque a educação inclusiva permite (WAITOLLER; KOZLESKI, 2013) desenvolver pontos fortes

e talentos individuais, com expectativas altas e apropriadas para cada criança; trabalhar com

objetivos individuais durante a participação na vida da sala de aula com outros alunos da mesma

faixa etária; envolver os pais na educação e nas atividades da escola dos filhos; fomentar uma

cultura escolar de respeito e de pertença. A educação inclusiva oferece oportunidades para aprender

e aceitar as diferenças individuais, diminuindo o impacto do assédio e da intimidação; desenvolver

amizades com uma grande variedade de outras crianças, cada um com as suas próprias necessidades

e capacidades individuais; afetar positivamente tanto a escola quanto a comunidade para apreciar a

diversidade e a inclusão em um nível mais amplo.

Este trabalho denominado “Jardim da Ressureição” objetivou a aplicação de conteúdos

relacionados à páscoa judaico-cristã para alunos do ensino fundamental nas disciplinas de Artes,

Inglês e Matemática. A necessidade partiu das observações dos alunos que, sendo muitos deles

evangélicos, não se sentiam confortáveis em realizar trabalhos envolvendo ovos, cestas e coelhos.

Então, pensou-se em abordar conteúdos que contemplassem as necessidades destes alunos já

que, além das queixas e observações, alguns mais ortodoxos deixavam de realizar determinadas

atividades por não concordar com o que tradicionalmente se costuma trabalhar nesta data

comemorativa. Para realizar este trabalho, foram necessárias seis aulas de artes, 10 aulas de

matemática e 14 aulas de inglês. As turmas do 7º. , 8º. e 9º. anos tiveram os conteúdos inclusivos.

Proposta e desenvolvimento dos trabalhos

O presente trabalho caracteriza-se por ser um relato de experiência sobre um projeto

educativo interdisciplinar, realizado com alunos de sétimos e oitavos anos nas disciplinas de Artes,

Inglês e Matemática. Sabendo-se que o contexto escolar encontra-se permeado por famílias

evangélicas de diferentes denominações religiosas, o principal objetivo foi trazer conteúdos

inclusivos para os alunos, que deixavam de fazer determinadas atividades por não aceitarem alguns

trabalhos usualmente realizados em datas comemorativas religiosas.

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�76Foram realizadas conversas e discussões englobando os tipos de conteúdos e atividades que

poderiam ser utilizados para contemplar a diversidade religiosa presente na escola. Então, delineou-

se um quadro com propostas a serem trabalhadas, conforme ilustrado a seguir.

Tabela1: Conteúdos elencados para trabalhar as três disciplinas

A produção discente, resultante da compreensão dos conteúdos, durante o período de

duração dos trabalhos, está descrita a seguir:

Arte: além das atividades elencadas na Tabela 1, os alunos discutiram sobre a vida e a obra de

Leonardo da Vinci e analisaram a obra “Santa Ceia”. A proposta para a releitura foi contextualizada

no sentido de que ela deveria mostrar um grupo de discípulos da atualidade, como se Cristo, no ano

de 2015, tivesse convidado pessoas da localidade para segui-Lo.

Inglês: leitura e compreensão de texto sobre a vida e a obra de Leonardo da Vinci; elaboração de

hipóteses e inferências frente ao desafio de compreender textos; elaboração de frases e textos que

ajudaram a compor os cartões de páscoa e os jardins da ressurreição.

Matemática: nas atividades envolvendo cálculos de perímetro e circunferência, os alunos inflaram

balões, mediram o diâmetro em centímetros e determinaram a circunferência, cálculo de perímetro e

circunferência = ��� . Estes se transformaram em “bombons”, que foram pendurados nos

corredores da escola, para a decoração antes da Páscoa.

Considerações sobre a experiência

No caminho percorrido, ofertado pelos conteúdos inclusivos, os professores se depararam

com a ampliação do conceito de educação inclusiva, antes mais focado nas deficiências dos alunos.

Foi, assim, possível responder à diversidade das necessidades de todos os discentes através do

Artes Inglês Matemática

Releitura da obra “Santa Ceia” de Leonardo da Vinci

Confecção tridimensional de “Jardins da Ressureição”

Elaboração de cartões de felicitação pela passagem da Páscoa

História da páscoa judaica

Texto com a biografia de Leonardo da Vinci e sobre a obra “Santa Ceia”

Musica gospel sobre o “Cordeiro de Deus”

Jogos de raciocínio lógico

Resolução de problemas

Método de Gauss para a determinação do dia da Páscoa em qualquer ano que esteja compreendido no intervalo de 1900 a 2099.

Cálculo de perímetro e circunferência = !

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�77incremento da participação na aprendizagem, reduzindo a exclusão dentro da própria sala de aula.

Neste caso, a diversidade foi vista e trabalhada como oportunidade para aprendizagem, com tarefas

realistas e, ao mesmo tempo, desafiadoras.

Foram realizadas alterações e modificações em conteúdos, abordagens, estruturas e

estratégias, com uma visão comum, que abrange todos os alunos e houve a potencialização da

convicção de que é responsabilidade oferecer acesso a todas as crianças, conforme preconizado pela

UNESCO (2005). Neste sentido, houve um trabalho voltado cuidadosamente para garantir a todos o

acesso ao conhecimento, habilidades e informações. Na perspectiva de trabalhar conteúdos

relevantes para o contexto local, alguns aspectos específicos foram verificados durante a prática de

sala de aula e estão registrados na tabela que segue.

Tabela 2: Aspectos da prática docente/discente (RICHARDS, 2006).

Menos Mais

Passividade no processo de ensinar/aprender, evitando o ensino centrado e dirigido pelo professor, que se coloca como detentor do conhecimento.

Aprendizagem ativa – ensino centrado no aluno, que “experimenta” e coloca a “mão na massa” – o professor assume o papel orientador, facilitador e organizador das atividades em classe.

Papel receptivo e um tanto submisso diante do professor e do livro didático. Autonomia e criatividade.

Ênfase, premiação e gratificação como recurso para conseguir silêncio na sala de aula.

Promoção dos princípios da democracia na sala de aula e na escola – ambiente encorajador.

Tempo dedicado a preencher exercícios pré-prontos e outras atividades realizadas sentadas nas cadeiras da sala.

Temas do universo do aluno, em forma de problematização e ação dialógica focalizada no conteúdo-alvo. Tempo dedicado à leitura de material integral, original.

Menos esforço dos professores para "cobrir" grande quantidade de conteúdo em pouco tempo.

Aprofundamento de um determinado tópico e atenção e monitoramento individualizado.

Ênfase em competitividade para alcançar notas.Atividades realizadas de forma cooperativa e colaborativa.

“Decoreba” e memorização de detalhes dos conteúdos e exercícios mecânicos.

Promoção da habilidade de pensar criticamente ao aprender conceitos de um assunto – aprendizagem consciente.

Preocupação com apenas um tipo de avaliação – prova.

Diversificação no uso de técnicas variadas de avaliação.

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�78A experiência proporcionou, também, trabalhar outros fatores (HENDERSON; MILSTEIN,

2008), delineados a seguir.

– Enriquecimento de vínculos: os alunos estiveram envolvidos em atividades cooperativas,

colaborativas e criativas com o intuito de proporcionar interação entre eles e a comunidade escolar.

Foi um esforço para que eles se sentissem pertencentes ao espaço onde estão inseridos; esta é uma

medida para que haja menos chances de se envolvimento em condutas de risco em relação àqueles

que apresentam vínculos precários e instáveis.

– Estabelecimento de limites claros e firmes: os procedimentos escolares foram claros e firmes,

porém sem arbitrariedades. Deste modo, foram oferecidas segurança e confiança para o

cumprimento dos objetivos propostos.

– Ensino de habilidades para a vida: estratégias de ensino que incluíram cooperação,

colaboração, resolução de conflitos, destreza na comunicação, habilidades para lidar com situações

estressantes, proporcionando a adoção de uma postura saudável.

– Afeto e apoio: atmosfera de afeto e apoio, que pode e deve aparecer também nas escolas e não só

no núcleo familiar. Uma forma de proporcioná-los é celebrar os resultados positivos alcançados,

tanto dos educandos como dos educadores.

– Estabelecimento e transmissão de expectativas adequadas: estabelecimento de expectativas

realistas e atingíveis, sem subestimar ou superestimar a capacidade dos alunos, a fim de alcançar os

objetivos propostos.

– Oportunidades de participação significativa: participação de todos os envolvidos no ambiente

escolar, onde todos tiveram responsabilidades pelo que ocorreu na escola, porque tomam as

decisões em conjunto, planejam e fixam metas juntos.

Muito dependerá de como cada indivíduo se relaciona com a escola, uma vez que esta pode,

também, ser considerada como um fator de risco – um local hostil – se não existir acolhimento para

se sentir bem-vindo, não houver possibilidades para falar o que se pensa e não promover

relacionamentos satisfatórios, um local protetivo, harmonioso, onde há pessoas acolhedoras, que

escutam e demonstram sentimentos positivos. Neste sentido, pode-se entender que a educação

inclusiva conta com uma estrutura fundamentada na ética; que o currículo tem seus desafios, dentre

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�79eles o de seguir temas de interesse dos estudantes, para que se sintam engajados e pertencentes à

comunidade escolar.

A escola também pode ser considerada como um lugar privilegiado para o estabelecimento

de vínculos, ampliação da sociabilidade e construção de valores, atitudes e ações afirmativas,

demonstrando que o docente tem um papel imprescindível e que uma escola com currículo

resiliente criará condições que auxiliem no envolvimento significativo dentro da mesma

(FARJADO; MINAYO; MOREIRA, 2010). Isso remete à interação entre sujeitos, onde a escola é

considerada um lugar de possibilidades para realizar trabalhos que envolvam condutas cooperativas

e otimistas, fatores considerados como de proteção, pois auxiliam no desenvolvimento da

resiliência na escola. Essa interação torna-se extremamente benéfica no contexto escolar, e fora

dele, pois o aluno que tem vez e voz sente-se amado, valorizado e respeitado. Estes alunos têm mais

condições de avançar no processo ensino/aprendizagem e se tornarem pessoas com capacidades

resilientes mais afloradas.

Considerações finais

Embora existam boas práticas que devem ser seguidas como o padrão-ouro, não estamos

nem perto do que deveríamos ser. Entretanto, é importante ter em mente que a inclusão é um

fenômeno que está diretamente relacionado a atitudes, comportamentos e práticas. As atitudes das

crianças para com a diversidade são afetadas pelo comportamento dos adultos que com elas

convivem.

A fim de atender às diversas necessidades das crianças, e ajudá-las a fazer o melhor

progresso possível, os educadores devem proporcionar um ambiente seguro e de apoio à

aprendizagem, em que a contribuição de todas as crianças seja valorizada e onde os estereótipos (de

etnia, de religião, de eficiências) e todas as expressões de discriminação ou preconceito sejam

desafiados. É imperativo compreender e valorizar o fato de que os alunos têm famílias diferentes.

É também interessante planejar oportunidades que reforcem e ampliem conhecimentos,

experiências, interesses, habilidades e desenvolvam a autoestima e a confiança na capacidade de

aprender. É fundamental usar uma ampla gama de estratégias de ensino, com base nas necessidades

de aprendizagem e, ao mesmo tempo, fornecer oportunidades para motivar, apoiar e desenvolver as

crianças, bem como ajudá-las a se envolver, se concentrar e aprender de forma eficaz.

Ainda, é vital trabalhar com colegas de outras disciplinas e profissionais de outras áreas –

serviço de saúde da comunidade, conselho tutelar, assistência social, entre outros – a fim de

providenciar melhores oportunidades para cada aluno. Nesta tarefa, os professores são cruciais por

causa do papel central que desempenham na promoção da participação na redução do insucesso,

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�80especialmente com crianças que possam ser consideradas como tendo dificuldades de

aprendizagem.

Uma escola inclusiva viabilizará o trabalho das relações humanas, nas ações colaborativas.

Além disso, procurará enfatizar que os pontos de vista diferentes não são necessariamente erros ou

acertos, mas sim divergências que podem colaborar para o desenvolvimento de novos aprendizados.

A escola promoverá resiliência se apresentar experiências como desafios, construindo

interações de qualidade com estabilidade e coesão, compondo uma rede de apoio com o ambiente,

que demonstre reconhecimento, aceitação e ofereça limites (PINHEIRO, 2004). O que faz da escola

uma instituição, que se firma como uma instituição protetora, encontra-se relacionado com o fato de

a escola ser constituída por sujeitos em interações próximas e simbólicas, que constroem e

consolidam esta instituição como um estabelecimento protetivo, conforme desejo do poeta que

emprestou suas palavras para inaugurar este trabalho.

Referências

FAJARDO, I.; MINAYO, M. C.; MOREIRA, C. O. Educação escolar e resiliência: política de educação e a prática docente em meios adversos. Ensaio: avaliação e políticas públicas em educação. Educação e Sociedade, 18(69), 761-773, 2010.

FLORIAN, L.; YOUNG, K.; ROUSE, M. Preparing Teachers for Inclusive and Diverse Educational Environments. International Journal of Inclusive Education, 25(4), 594-601, 2010.

KEARNEY, A. Exclusion from and within school: Issues and solutions. Rotterdam: Sense Publishers, 2011.

RICHARDS, J. C. Communicative Language Teaching Today. New York: Cambridge University Press, 2006.

UNESCO. Including the excluded: meeting diversity in education, 2001. Disponível em http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001231/123165ev.pdf. Acesso em: 15/09/2015.

NADEAU, MARIE-FRANCE; NORMANDEAU, SYLVIE; MASSE, LINE. Efficacité d'um programme de consultation pour les enseignants du primaire visant à favoriser l'inclusion scolaire des enfants ayant un TDAH. Canadian Journal of Behavioural Science, Vol 44(2), 146-157, 2012.

TIWARI, A.; DAS, A.; SHARMA, M. Inclusive education a “rhetoric” or “reality”? Teachers' perspectives and beliefs. Teaching and Teacher Education, vol.52, pp.128-136, 2015.

WAITOLLER, FEDERICO R.; KOZLESKI, ELIZABETH B. Working in Boundary Practices: Identity Development and Learning in Partnerships for Inclusive EducationTeaching and Teacher Education. An International Journal of Research and Studies, Vol.31(3), p.35-45, 2013.

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�81DA PINTURA MURAL AO GRAFITE CONTEMPORÂNEO:

DESDOBRAMENTOS

Luciane Izabel Ferreira Henckemaier22

Resumo

Neste artigo pretende-se fazer uma abordagem articulando teoria e história da pintura mural e apresentando algumas de suas principais características. Buscando compreender um conjunto de manifestações artísticas da humanidade que sobreviveram até os nossos dias – onde são representados os anseios contemporâneos. A escolha dos historiadores a serem elencados leva em conta os muitos expoentes na história da arte, cada um com suas perspectivas. Serão feitas considerações históricas no contexto da arte, trazendo reflexões de Gombrich e Janson, que compartilham uma proposição semelhante, mostrando que a arte tem uma linguagem universal e pessoal que se conecta. Interessa aqui tanto o resgate de momentos deste gênero da Idade Antiga, quanto percorrer dos afrescos renascentistas ao muralismo mexicano, considerando também a produção muralista brasileira, que se articula com algumas manifestações dos grafites. Configura-se nas raízes da pintura mural uma compreensão para novas formas de expressão de arte não institucionalizada, na perspectiva de chegar até o grafite. Palavras-chave: Pintura mural; grafite; História da Arte.

A arte urbana deu um importante passo ao romper com o elitismo institucional em que a arte

contemporânea se localizava. A partir dos anos 60, uma arte vinda das periferias e realizada

empiricamente por classes sociais consideradas inferiores, aos poucos, conquista seu espaço.

Realizado coletivamente, o grafite tem raízes provindas da arte mural, concebida desde a pré-

história (pintura parietal) e as civilizações antigas.

Expressando este modo de ver, Gombrich (2009, p. 55) busca um passado cambiante, e

avalia que “nosso conhecimento de história jamais é composto.” Novas descobertas são constantes

e modificam a imagem do passado. Segundo Gombrich, a História da Arte que está nas mãos do

leitor “nunca pretendeu outra coisa senão ser seletiva, esclarecendo os perfis de períodos, estilos e

personalidades.” (Ibidem, loc. cit.).

Um destes períodos, que serviu de influência histórica para o grafite foi o da arte rupestre. O

“graffiti, donde deriva a tradução grafito (inscrição ou desenho de épocas antigas, toscamente

riscado a ponta ou a carvão em rochas, paredes, vasos, etc, segundo o dicionário Aurélio)” (SILVA,

Professora da Escola de Educação Básica Industrial de Lages e Centro de Educação Profissional (CEDUP) Renato 22

Ramos da Silva, em Lages, SC.

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�822004, grifos do autor), – se fixava, já, às paredes. Os desenhos rupestres, assim como o grafite e os

grafitos,

[…] denuncia a existência de uma outra ordem, uma existência em um outro lugar, certamente, mas também em um outro tempo, seja ele contado em séculos, ou no tempo de uma operação subjetiva que pode estar implicada no intermezzo entre infância e maturidade. (Ibidem).

As imagens gravadas nas cavernas, da mesma forma, servem para registrar uma passagem –

um anseio por visibilidade do qual compartilham os pré-históricos e os grafiteiros. Entra em questão

também a característica mística deste processo.

As mais antigas pinturas em cavernas conhecidas datam de C. 30000 a.C. Seu significado permanece desconhecido, mas talvez tivessem uma função religiosa ou mágica. Os artistas optavam por representar o mundo que viam ao seu redor e frequentemente retratavam animais, às vezes formas quase humanas e, em alguns casos, sinais abstratos que tivessem um significado espiritual. (FARTHING, 2011).

A Caverna de Altamira é um dos principais exemplos de pintura rupestre multicolorida no

mundo, retratando o período Magdaleniano (16000 a.C. a 8000 a.C), com referências aos animais,

bisões e mãos humanas.

Figura 01- Caverna de Altamira, Espanha23

Em Creta, no palácio de Cnossos (1900 a.C.), um mural foi restaurado, visto que foi

encontrado em ruínas. O descobridor, decidido a evocar o esplendor do palácio, pediu ao pintor

Fonte: PESSANHA, Diomarcelo. Arte no neolítico. 15 out. 2010. Disponível em: <http://fmanha.com.br/blogs/23

imaginar/2010/10/15/arte-no-neolitico/>. Acesso em: 18 mai. 2016.

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�83suíço Émile Gilliéron e a seu filho que reconstituíssem os murais a partir dos fragmentos que foram

encontrados.

Gombrich aponta, com satisfação, a notícia de novas descobertas com escavações iniciadas

em 1967, onde foram encontradas ruínas pelo arqueólogo grego Spyros Marinatos na Ilha de

Santorini (antiga Thera) – murais semelhantes e muito mais bem preservados que os do palácio de

Cnossos.

Janson (1996, p. 77) ressalta ainda que “muito pouco foi preservado da pintura grega ou

romana – e esse pouco deve-se à erupção do Vesúvio em 79 d.C..” O autor lembra que,

infelizmente, depois da catástrofe que destruiu os palácios mais antigos, os murais naturalistas que

outrora cobriam as paredes dos palácios novos sobreviveram apenas em forma de pequenos

fragmentos, ainda que de tal forma que foram pouco preservadas por motivos de degradação –

acidental ou por destruição intencional – constitui uma perda que afeta significativa parte do

patrimônio cultural mundial. No caso do grafite, que é efêmero, também não há resistência às

condições climáticas, sejam elas naturais ou pela degradação da própria humanidade. Da

necessidade de preservar sua memória a humanidade buscou em tempos anteriores guardar seus

objetos, ação que se facilita na atualidade pela preservação por registros fotográficos ou fílmicos.

As pinturas murais expõem um quadro extraordinariamente animado e vigoroso do tempo

vivido no Egito e em outros locais, há milhares de anos. No entanto, ao observá-las pela primeira

vez é provável que nos causem certa perplexidade. A razão, na perspectiva de Gombrich (2009), era

que os pintores egípcios tinham um modo diferente do nosso para representar a vida.

Isso se caracteriza com a finalidade a que deviam servir as suas obras. A pintura mural da

antiguidade clássica romana corresponde ao cotidiano vivido na época: havia mais interesse por

problemas de seu ofício do que por sua arte a serviço de uma finalidade religiosa. Pode-se ter uma

ideia sobre sua composição, considerando os murais descobertos principalmente em Pompéia, em

uma cidade de veraneio habitada por famílias abastadas, que foi sepultada sob as cinzas do Monte

Vesúvio quando se deu a erupção, em 79 d.C.

As raízes da pintura mural compreendem a necessidade dos povos de decorar ambientes,

usar superfícies de paredes para expressar ideias, emoções e crenças. Na cultura dos

mesopotâmicos, egípcios, gregos e romanos, os murais eram utilizados para decorar palácios e

monumentos funerários. Entretanto, não se pode descartar a possibilidade de que eram cheios de

significados. Um exemplo relevante são as pinturas romanas murais feitas na Vila dos Mistérios, em

Pompéia, que têm características bem singulares e míticas.

A riqueza das pinturas murais encontra-se na variedade das expressões culturais, nas

realizações estéticas e na diversidade dos materiais e das técnicas usadas desde a antiguidade até a

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�84contemporaneidade. Certamente, provoca muitas reflexões quanto ao seu significado e contexto

histórico.

É possível considerar que a noção contemporânea de recepção estética denota que o

significado da obra é gerado no devir de seu processo de fruição e leitura, pois está aberto às

ambiguidades e indeterminações das realizações de seus sentidos (VIGOTSKI, 2009). Assim, o

grafite contemporâneo alimenta-se de momentos históricos, e seus realizadores anônimos, com

certas características pessoais ou grupais, são os agentes que materializam, através de

representações ocasionais, desejos e frustrações de uma coletividade, questionando seus territórios

sociais. Necessariamente diferenciando-se das características compositivas decorativas e míticas

dos povos da antiguidade clássica.

���Figura 02 – Cenas de um Culto Dionisíaco de Mistérios: 50 a.C.24

Apesar do pouco que foi preservado, seja da pintura grega ou romana, Janson relata que:

[…] o que resta é capaz de surpreender o observador como sendo o aspecto mais excitante, bem como desconcertante, da arte sob o domínio romano. (JANSON, p. 77, 1996).

Isso se dá pela forma como os romanos fizeram cópias de projetos gregos; e até mesmo os

pintores trazidos da Grécia, que mantinham suas características compositivas.

Para esclarecer algumas peculiaridades sobre a pintura mural, considerando que o grafite

tem suas relações imbricadas nela, é importante destacar a técnica do afresco, e alguns

apontamentos sobre suas origens: o termo “afresco” é de origem italiana. Realizado em paredes ou

tetos, vulgarmente empregado para as pinturas pós-renascentistas, tinha um fim decorativo e

Pintura mural. Vila dos Mistérios, Pompéia. Fonte: PONTES, Cíntia. Os frescos de Pompéia. Um olhar sobre a arte. 24

09 fev. 2009. Disponível em: <umolharsobreaarte.blogs.sapo.pt/tag/antiguidade+cl%C3%A1ssica>. Acesso em: 02 mar. 2016.

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�85imitava texturas similares ao mármore e outros revestimentos. Mais comumente, a técnica do

afresco é caracterizada pela aplicação de uma camada de tinta sobre uma parede úmida de gesso.

Ramos a utilizou para definir os mur peints franceses, dizendo: 25

No sentido figurado, o afresco evoca a riqueza do discurso, a monumentalidade; a palavra faz referência à amplitude da obra, seja ela literária ou artística. (BOULOGUE; DURAN apud RAMOS, 1994, p. 26).

Palavra de amplitude contextual, o afresco sedimenta uma gama de significados além dos

limites das paredes ou tetos internos, alcançando a poética urbana, representada nos grafites.

Tematizando as pinturas com esta técnica, vale voltar a atenção à pintura italiana que, no

final do século XIII, gerou uma extraordinária explosão de energia criadora. Para Janson (1996, p.

168), “os resultados foram tão prolíferos quanto havia sido a ascensão das catedrais góticas na

França.” Um exemplo a ser citado é o mural Entrada de Cristo em Jerusalém, de Giotto.

Exatamente na mesma época em que o vitral, a arte pictórica que se expandiu no norte da Europa,

em nova onda de influência bizantina, passou a dominar os elementos românicos que ainda

persistiam na pintura italiana. Lembrando o modo como a arte grega assimilou o gosto dos romanos

vitoriosos do passado.

Figura 03 – Entrada de Cristo em Jerusalém, de Giotto: 1305-626

Do francês, “paredes pintadas”, em tradução literal.25

Afresco. Capela degli Scrovegni (1305), Pádua. Fonte: HISTÓRIA & CIVILIZAÇÃO. A entrada de Cristo em 26

Jerusalém - Giotto - Séc. XIV. 11 abr. 2010. Disponível em: <http://historiacivilizacao.blogspot.com.br/ 2010/04/entrada-de-cristo-em-jerusalem-giotto.html>. Acesso em: 02 mar. 2016.

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�86Aspectos pictóricos apresentados no Alto Renascimento desenvolvem-se pelas mãos de 27

alguns nomes como Leonardo, Bramante, Michelângelo, Rafael, Ticiano entre outros. Certamente

nunca foi tão forte a tendência de ver o artista como um gênio soberano, conforme comenta Janson,

complementando que a composição pictórica de Leonardo da Vinci neste período é contraposta a

Castagno ou Boticelli .

Esse método de modelação é chamado de chiaroscuro, “claro-escuro”, em que as formas

ficam inopinadamente lado a lado, além da continuidade emocional comparável: gestos e rostos da

multidão expressam, de forma tocante, a realidade do milagre.

Próximo ao fim de sua estadia em Milão, Leonardo tentou aplicar esse método a um afresco:

A Última Ceia. Infelizmente, o mural começou a deteriorar-se em poucos anos, pois o artista havia

feito uma experiência com uma técnica de óleo e têmpera que não aderiu bem à parede. Todavia,

Janson (1996) pontua que o que resta é mais que suficiente para explicar por que A Última Ceia

ficou famosa como a primeira afirmação clássica dos ideais do Alto Renascimento.

A ilusão de realidade extraordinariamente representada no afresco da Última Ceia nada tem

a ver com representações anteriores do mesmo tema, de acordo com Gombrich, a nova pintura “era

muito diferente de todas as outras. Há nela drama, teatralidade e excitação.” (GOMBRICH, 2009, p.

298).

Quanto a este aspecto mágico constatado por Gombrich (2011), Michelângelo exemplifica

plenamente, mais que qualquer outro artista, o conceito de genialidade como inspiração divina . 28

Foi chamado pelo Papa Júlio II, o maior e mais ambicioso dos papas do Renascimento, para

projetar um enorme túmulo. Alguns anos depois, porém, o Papa mudou de opinião e colocou o

relutante artista a trabalhar nos afrescos do teto da Capela Sistina, no Vaticano. Levado pelo desejo

de retomar o projeto do túmulo, Michelângelo concluiu todo o teto em quatro anos. Janson diz que

O autor reflete sobre a verdadeira obra-prima, de importância memorável, devido ao seu

tamanho, e, sobretudo sua unidade interior. Além disso, destaca o esquema teológico por trás da

escolha das cenas pintadas no afresco e a magnífica sequência de eventos que as envolve – jovens

nus, os medalhões, os profetas e sibilas, as cenas nos tímpanos – mostrando-os como não totalmente

“Tinha-se por certo que o Alto Renascimento se seguira ao Pré-Renascimento tão naturalmente quanto ao meio-dia 27

sucede à manhã. Leonardo da Vinci, Bramante, Michelângelo, Ticciano e Rafael – haviam compartilhado ideais de seus predecessores, tendo-o feito de forma tão completa, que seus nomes se transformaram em sinônimo de perfeição. Representam o clímax e a fase clássica da arte renascentista do mesmo que os arquitetos e escultores de Atenas haviam levado a arte grega ao seu apogeu no final do século V a.C..” (Ibidem, p. 207).

“Um poder sobre-humano concedido a poucos e raros indivíduos, e que atua através deles. Ao contrário de Leonardo, 28

para quem a pintura era a mais nobre das artes porque abarcava todos os aspectos visíveis do mundo, Michelângelo era, essencialmente, um escultor – mais especificamente um entalhador de estátuas de mármore. A arte para ele não era uma ciência, mas sim a “criação de homens”, análoga à criação divina. Segundo ele a pintura devia imitar a inteireza das formas esculpidas.” [...] (JANSON, 1996, p. 211).

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�87explicados: apenas se tem a noção de que elas estabelecem uma relação com a história primitiva do

homem e a vinda de Cristo, entre o início e o fim dos tempos (O Juízo Final – 1536-1541).

Posteriormente, a pintura mural entrou em decadência no ocidente, em virtude do interesse

progressivo por tapeçarias e vitrais para uso na decoração de interiores. Excetuando os murais

pintados por Rubens, Tiepolo, Delacroix – representantes do Barroco, do final do Renascimento, e

do Romantismo –houve um destaque menor para as obras murais após o Renascimento.

Sem intenção de fazer uma linha cronológica, destaca-se outro momento da história da

humanidade em que os objetos artísticos de grande dimensão tiveram destaque. De tradição

milenar, a pintura mural também praticada por algumas culturas pré-colombianas destacou-se nas

primeiras décadas do século XX no México, fortalecendo um movimento revolucionário.

Os artistas da época viram no muralismo o melhor caminho para organizar suas ideias sobre

uma arte nacional popular e engajada. Deste ponto de vista, o muralismo mexicano conseguiu

produzir impacto no panorama pictórico mundial, firmando-se como manifestação genuinamente

nacional. Alguns grafiteiros mais engajados buscam referências estéticas e ideológicas justamente a

partir desta proposta. É perceptível, por exemplo, a influência de Diego Rivera no trabalho do

grafiteiro Eduardo Kobra . 29

Figura 04 – Rostos estampados por Kobra30

“Eduardo Kobra é um expoente da neovanguarda paulista. Seu talento emerge por volta de 1987, na periferia de São 29

Paulo, e logo e espalha pela cidade. Seguindo os desdobramentos que a arte urbana ganhou em São Paulo. Nesse caminho, ele desenvolve o projeto ‘Muros da memória’ que busca transformar a paisagem urbana através da arte e resgatar a memória da cidade. Síntese do seu modo peculiar de criar, por meio do qual pinta, mas também adere, interfere e sobrepõe cenas e personagens das primeiras décadas do século XX, esse projeto é uma junção de nostalgia e modernidade, resultando em pinturas cenográficas, algumas monumentais. Através delas cria portais para saudosos momentos da cidade. Kobra apresenta obras ricas em traço, luz e sombra. O resultado é uma série de murais tridimensionais que permitem ao público interagir com a obra. A idéia é estabelecer uma comparação entre o ar romântico e o clima de nostalgia, com a constante agitação característica dos grandes centros, como é São Paulo hoje.” (KOBRA, s/d).

Fonte: KOBRA. Murais. [s/d.]. Disponível em: <http://eduardokobra.com/murais/>. Acesso em: 12 jun. 2016. 30

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�88Apesar de existirem diferenças técnicas entre o grafite e o muralismo, o primeiro pode se

beneficiar esteticamente e politicamente do segundo. Possivelmente, grande contribuição do

muralismo mexicano para o trabalho dos grafiteiros brasileiros passe pela riqueza de informações

históricas, políticas e antropológicas que uma pintura pode abarcar a partir da sua lógica interna. A

concepção da pintura mural após uma década de guerra civil, possibilitou, no México, a emergência

de uma produção artística que buscou se comunicar com operários e camponeses. Frente aos índices

de analfabetismo, a pintura tornava-se, naquele contexto, uma estratégia visual que possibilitava

uma forma popular de educação política.

Estas manifestações ocorriam, em grande parte porque, em 1910, o México vivia a 31

ditadura sob o governo de Porfírio Díaz. Em dois períodos – primeiro, de 1876 a 1880 e, depois, de

1884 a 1911 – permaneceu durante mais de três décadas no poder.

Do período de repressão vivido no país da América Central surgiu o movimento conduzido

por um novo conceito de arte: destinada às camadas populares, mais acessível e direta, estaria

exposta em murais e edifícios públicos, ajudando a difundir os ideais revolucionários. Depois da

ditadura, com as bases do movimento fixadas, estabelecia-se, naquele momento, uma expressão

artística tomada por atitudes e membros combativos e políticos, agindo abertamente em relação ao

seu povo, valorizando seus traços pré-hispânicos e a cultura local. “As ideias foram expostas num

manifesto redigido em 1921 pelo pintor David Alfaro Siqueiros.” (KETENMANN, 2006, p. 25).

Ainda de acordo com Ketenmann (idem), Diego Rivera, artista, político e militante, ao

retornar ao México, identificou-se com artistas da vanguarda europeia – o que inclui afrescos

renascentistas italianos. Os murais eram inspirados no histórico pré-colombiano daquela região da

América Central, onde estavam representados os traços de índios, espanhóis, conquistadores,

revolucionários e políticos.

Rivera e Siqueiros, juntamente com José Orozco, dominaram a pintura muralista mexicana.

O manifestante mais expressionista dos três foi Orozco e entre seus temas figuram a conquista e a

evangelização do país. Rivera, artista destacado com obras mais conhecidas internacionalmente,

tem como temática mais frequente o indigenismo , a industrialização e a história do México. O 32

“A Revolução Mexicana teve como principais acontecimentos a reivindicação da reforma agrária e a manifestação 31

dos camponeses que solicitavam um retorno à sua cultura, ou seja, a busca e a valorização da cultura indígena. Durante as décadas de 1920 e 1930, o México passou a ser o âmago da arte no continente americano. Os pintores mexicanos, influenciados pela revolução, iniciaram uma proposta de ‘arte revolucionária’ que seria uma mistura entre influências da arte pré-colombiana (civilização Maia, Asteca, Incas) e da arte moderna.” (CARVALHO, s/d).

Indigenismo – é uma doutrina, parte do movimento intelectual nacionalista, caracterizada pela defesa e valorização 32

das populações indígenas de um país, região, etc. O indigenismo oficial crê que, pela emancipação jurídica do índio, estará libertando-o da dependência de uma tutela coibidora de seus desenvolvimento. (DICIONÁRIO INFORMAL, s/d.).

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�89mais revolucionário e mais inconformista, Siqueiros imprimiu à sua obra uma exaltação da

liberdade e um sentido anti-capitalista.

Após algum tempo de estudos na Europa, em visitas ao Museu do Prado, depois de ter

contato com obras de El Greco, Velásquez e dos pintores flamengos, depois de frequentar o círculo

da vanguarda espanhola, fazer muitos amigos famosos como Pablo Picasso e Juan Gris, que

futuramente se encontraram em Paris.

A pintura mural de Diego Rivera legitimou-se após outras viagens que fez, principalmente

para familiarizar-se com os tesouros artísticos do México, a convite de Vasconcelos, integrante do

programa cultural do Governo. Foi uma busca a fim de desenvolver novas formas artísticas de se

comunicar com seu povo.

Rivera elabora para si a ideia de uma arte a serviço do povo que lhe transmita com a ajuda

da pintura mural a sua própria história. No seu primeiro mural, A criação, na Escuela Nacional

Preparatória, um exemplo. A pintura na escola é o começo e a pedra-de-toque da chamada

renascença da pintura mural mexicana.

A linguagem pictórica de Rivera transformou-se adquirindo uma concepção política. As

formas de um ideal de beleza clássico, presentes nesta obra de transição, irão ser substituídas já nos

murais que pintou na Secretaria de Educação Pública do México, pelo ideal de beleza índia,

Figura 05 – A criação, de Diego Rivera: 1922-3

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�90tipificado por Rivera juntamente com Jean Charlot e outros contemporâneos, conforme Kettenmann

(2006).

Nos primeiros trabalhos em pintura mural com afrescos, Rivera consegue conciliar seus

vastos conhecimentos da arte tradicional com o manuseio hábil de elementos de estilo

contemporâneo de seu tempo. A partir desse momento, de acordo com Kettenmann (idem, p. 24-25)

nos anos seguintes, descreve de forma crítica tanto o passado como o momento vivido, espelhando

uma convicção utópica de que “o homem é capaz de transformar criativamente a sociedade e assim

alcançar um futuro melhor e mais justo.”

Rivera trabalhou em seus murais uma característica peculiar, pois queria chamar a atenção

de um público em grande parte analfabeto, habituado a receber notícias em forma de versos e

canções. Conforme Kettenmann (idem), a abertura da Revolução Proletária, constituída por cenas

da luta revolucionária, da instituição de cooperativas e da vitória sobre o capitalismo, é a pintura

mais conhecida do ciclo (Visão política do povo mexicano), o Arsenal de Armas.

���

Figura 06 – Arsenal de armas – Frida Kahlo distribuindo armas, de Diego Rivera: 192833

Esta obra de Rivera retrata amigos e camaradas do círculo à volta do comunista cubano Julio

Antonio Mella, exilado no México. Ao centro da pintura encontra-se Frida Kahlo a distribuir

espingardas e baionetas aos trabalhadores decididos a lutar. Em 1928, Rivera conhecera Kahlo, com

Pormenor: 2,03 x 3,98m. Segundo andar; parede sul. Fonte: ELORZA, Antonio. El hombre tapado por Tina 33

Modotti. LetrasLibres. [abr. 2014]. Disponível em: <http://www.letraslibres.com/revista/convivio>. Acesso em: 03 fev. 2016.

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�91a qual casara no ano seguinte. Representa então a artista, que tinha se tornado membro do partido

comunista, ativamente, com a estrela vermelha no peito, como os outros membros do partido, e a

foice e o martelo, que representam a união entre os trabalhadores e operários do campo e da cidade.

Por influência de Rivera, Frida Kahlo procurou na sua arte, afirmar a identidade nacional

mexicana: por isso adotava com muita frequência temas do folclore e da arte popular de seu país.

A pintura mural também teve representantes brasileiros no cenário internacional. Vale

ressaltar a obra de um dos mais importantes artistas, Cândido Portinari, que garantiu a superação da

atitude artística convencional do país ao viajar à Europa, entre 1928 e 1930.

Zanini (1983, p. 588) aponta duas fontes plásticas distintas que marcariam a obra de

Portinari: “a contemporaneidade parisiense e a pintura italiana do Quattrocento.” Ao regressar ao

Brasil, o artista confronta modelos europeus com a visão da realidade local. Zanini (Idem, loc. cit.)

afirma que “a pintura mexicana será outra instigação para a logo revelada inclinação muralista de

Portinari.”

Em sua estada na Europa, Portinari teve uma espécie de incubação dos códigos pictóricos

que orientariam seu futuro. O filho de imigrantes toscanos deixava clara a presença com espírito da

afinidade visceral que guardava com as origens geográficas – “a terra roxa de Brodósqui e sua

gente.” (Ibidem, loc. cit.).

Zanini (Ibidem, loc. cit.) registra, aliás, que “desde esse núcleo subliminar de visão, irradiar-

se-á toda a sua temática de enfoque do habitat nacional e da natureza humana a ele relacionado.”

Assim, o brasileiro dialetizou elementos da fauna e flora, com o sujeito social, na linguagem

pictórica e na interpretação plástica do ambiente nativo.

Valeu-se de uma imaginação que, em parte essencial de sua obra, enfatiza as características

antropológicas e as condições sociais do povo brasileiro. Esteticamente, embora exista o

enraizamento europeu, Portinari criava uma dimensão própria, impregnada do contexto ecológico e

social do país, retomando, sem o imitar, o exemplo de pintura mural que, a partir do México,

disseminava-se pelas Américas. Portinari, com a colaboração de Afonso Arinos de Melo Franco e

Rodolfo Garcia, em suas temáticas, como argumenta Zanini,

[…] fez prevalecer um ideário que realça fundamentalmente a figura do operário nos ciclos da economia nacional (de, “O Corte do Pau-Brasil” a “Extração da Borracha”). (Ibidem, p. 591).

Esse sóbrio conjunto de pinturas, concluído em 1944, impõe a incisiva peculiaridade do

artista, quando comparado a Rivera, Orozco e Siqueiros, que, conforme Zanini (Ibidem, loc. cit.),

“estimulavam o meio americano na procura de uma arte de alargado sentido dialógico.” Algo que

aponta, segundo ele, que o pintor brasileiro resguardou-se do sentido popular didático e épico e dos

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�92excessos conteudistas daqueles artistas. Mesmo estando filiado ao Partido Comunista nos anos 40,

Portinari não se vinculou ao Realismo Socialista ou a soluções de caracterização da natureza

política, as quais foram demonstradas indiretamente.

Figura 07 – Cacau, de Cândido Portinari: 1936-44 34

Em comparação às implicações dos afrescos mexicanos e sua visão complexa da história

da nação, em data recente empenhada na Revolução, Zanini demonstra que na iconografia de

Portinari, o operário é geralmente o negro – onde realça-se a posição inferiorizada que ocupa. No

âmbito das composições murais, o artista prosseguiu muito ativo, com vários trabalhos que

produziu em série, sobretudo de conteúdo histórico, onde ordenou grupos e figuras renovadas por

pesquisas de desenho e cor, sobre espaços não menos refeitos na intensificação dos recortes

geométricos.

Zanini (ibidem, p. 594) corrobora a importância ímpar de Portinari, que sofreu percalços da

polêmica que o envolveu – mesmo “desde os tempos em que os círculos governamentais da

Revolução de 30 e do Estado Novo, reiteravam-lhe uma preferência declarada.” Isso valeu a ele a

importância de ‘pintor oficial’ e, pior ainda, a de artista ligado a uma ditadura das mais repressivas –

o que provocou acirrada disputa entre seus defensores e detratores.

Afresco: 7,40 x 6,60m. Palácio de Cultura, Rio de Janeiro. Fonte: WARBURG [Banco comparativo de imagens]. 34

Cândido Portinari. Centro de História da Arte e Arqueologia – UNICAMP. Disponível em: <http://warburg.chaa-unicamp.com.br/artistas/view/1114>. Acesso em: 16 nov. 2015.

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�93Deixando um legado relevante para a história, Portinari – considerado o maior pintor social

brasileiro – dizia que o artista com este objetivo crê ser o intérprete do povo, o mensageiro de seus

sentimentos.

A conexão de Portinari com questões de teor social é perceptível, pois através de sua arte

expressava no cotidiano as necessidades mais prementes e conjunturais quanto à política econômica

e social.

Partindo deste contexto, é possível relacionar esta proposta de questionamento às

manifestações do grafite, que compreendem uma descarga de mensagens com amplo sentido social,

representando ótimos testemunhos para deduzir não só os alcances de uma conduta pessoal, mas

também conceber neles próprios a marca do processo repressor da ordem social estabelecida. Como

instância da formação de uma consciência crítica social e do mundo, com sua capacidade de

transgressão, tal como sua concepção, o grafite determina sua revolta com o estabelecido e o

institucional. Então, vale levantar o questionamento trazido por Silva (2004, p. 3):

Admitindo que a cidade seja uma mensagem, ainda nos resta a pergunta: “Quem escreve e quem lê a cidade?” Para buscar essa resposta, podemos aproveitar um conceito de Jean Baudrillard (1976), que propõe considerar a arquitetura e o urbanismo como mídia de massa. Sob o prisma da afirmação de Pignatari, de que a cidade é um signo-objeto, podemos concluir que a cidade é a mensagem e o seu meio (ou mídia) fundidos, ou seja, a cidade faz uma síntese na dicotomia entre forma e conteúdo [...]. (SILVA, 2004, p. 3).

É ainda Décio Pignatari, poeta e semiólogo que fundou o concretismo com os irmãos

Augusto e Haroldo de Campos, que propõe, em seu artigo “Semioticidade”, que “a cidade é uma

mensagem que nem todos entendem, mas que todos são obrigados a ler.” [...] (SILVA, 2004, p. 3).

Com este entendimento, é possível compreender que há, na arte contemporânea, reflexos causados

tanto pela pintura mural, com seus grafitos, quanto por tudo o que veio a seguir. Entende-se que a

mensagem das cidades existe, portanto, de um fio da história – que se manifesta por

desdobramentos.

Referências

CARVALHO, Leandro. Muralismo e revolução mexicana. Mundo Educação: História da América. [s/d.]. Disponível em: <http://mundoeducacao.bol.uol.com.br/historia-america/muralismo-revolucaomexicana.htm>. Acesso em: 10 nov. 2015.

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�94DICIONÁRIO INFORMAL. Iconoclastia. [s/d.]. Disponível em: <dicionarioinformal.com.br/ iconoclasta>. Acesso em: 24 out. 2015.

DICIONÁRIO INFORMAL. Indigenismo. [s/d.]. Disponível em: <dicionarioinformal.com.br/ indigenismo/>. Acesso em: 03 fev. 2016.GOMBRICH, E. H. A história da arte. Título original: The story of art. Phaidon Press Limited. Publicada pela LTC – Livros Técnicos e Científicos Editora Ltda, 2009.

GOMBRICH, E. H. A história da arte. Tradução: Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: LTC, 2011.

JANSON, H. W. Iniciação a história da arte. Trad. Jefferson Luiz Camargol. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

KETTENMANN, Andrea. Rivera. México, D.F.: Taschen, 2006.

KOBRA, Eduardo. Sobre. [s/d.]. Disponível em: <http://eduardokobra.com/sobre/>. Acesso em: 05 mar. 2016.

RAMOS, Célia Maria Antonacci. Grafite e Pichação. São Paulo: Anablume,1994.

SILVA, Rodrigo Lages e. Escutando a adolescência nas grandes cidades através do grafite.Psicol. cienc. prof., Dez 2004, vol.24, no.4, p.2-11. ISSN 1414-9893.

VIGOTSKI, Lev Semenovicth. A imaginação e criação na infância: ensaio psicológico. Apresentação: Ana Luiza Smolka. Tradução: Zóia Prestes. São Paulo: Ática, 2009.

ZANINI, Walter. (org.). História geral da história no Brasil. São Paulo, Instituto Walther Moreira Salles, 1983. 2v.