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Anais do V Colóquio sobre o Ensino de Arte I Encontro regional da FAEB Regional - SUL - 2009 AAESC - 06,07 e 08 de julho 135 SOL E LUA: CASAMENTO POSSÍVEL? Reflexões sobre a teoria da criatividade na psicanálise e a formação de professores de Arte FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE ARTE Inês Maria M. Z. Pires de Almeida RESUMO Este trabalho originou-se de um recorte feito na dissertação de mestrado a respeito do professor e suas representações sociais do aluno criativo (2008), o qual apresenta perspectiva psicanalítica e visão transdisciplinar da Educação e do ensino de Artes como novo-olhar para os temas: criatividade e aluno criativo. Propõe-se uma reflexão acerca do objetivo maior da Arte na Educação, qual seja, desenvolver nos sujeitos a capacidade expressiva e significativa do universo circundante, o estar integralmente no mundo. A partir desse desejo de expressão do sujeito no mundo, levantam-se questionamentos: qual o lugar da Arte no sistema educacional? Quais as possibilidades de uma Educação pela via da Arte? O casamento do Sol e da Lua, um evento paradoxal de encontro de opostos, é trazido como metáfora a fim de ilustrar os caminhos da Arte na Educação como exercício de integração mente e corpo, indivíduo e coletividade, escola e criatividade. PALAVRAS-CHAVE: Psicanálise, Arte, Criatividade e Educação. “Na aula de Artes é quando eles (os alunos) acham que podem tudo... lá eles liberam o que não podem expressar nas outras aulas... No início é bem complicada, dá trabalho, eles ficam muito agitados, é uma bagunça! Mas depois eles vão achando o caminho de produzir o que eles tinham imaginado. Muitas vezes a gente tem que ajudar, mostrar o que é possível ser feito, que material é o melhor... aí os trabalhos vão surgindo. É muito lindo perceber o que eles apresentam pra gente, como eles se expõem. Muitos, no início, têm medo da crítica, se sentem inseguros, querem produzir o convencional: – ... o certo, professora. À medida em que eu vou mostrando que na minha aula (de Artes) não tem certo nem errado,reto nem torto, feio nem bonito, que é tudo criação própria, eles vão ficando mais seguros e vão se permitindo criar.” (Professora de Artes da 2ª. Fase do Ensino Fundamental – Brasília, 2008) Iniciado por este depoimento, no qual a professora de Artes percebe o mal-estar do aluno na educação formal, levanta-se a reflexão: como significar o ensino de Arte na Educação e em especial, na formação de professores? Formação de professores no ensino de Artes Na atualidade, os professores têm que lidar não só com alguns saberes, como era no passado, mas também, com a: tecnologia, enredamento social e

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Anais do V Colóquio sobre o Ensino de Arte I Encontro regional da FAEB Regional - SUL - 2009

AAESC - 06,07 e 08 de julho

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SOL E LUA: CASAMENTO POSSÍVEL?

Reflexões sobre a teoria da criatividade na psicanálise e a formação de professores de Arte

FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE ARTE

Inês Maria M. Z. Pires de Almeida

RESUMO Este trabalho originou-se de um recorte feito na dissertação de mestrado a respeito do

professor e suas representações sociais do aluno criativo (2008), o qual apresenta perspectiva psicanalítica e visão transdisciplinar da Educação e do ensino de Artes como novo-olhar para os temas: criatividade e aluno criativo. Propõe-se uma reflexão acerca do objetivo maior da Arte na Educação, qual seja, desenvolver nos sujeitos a capacidade expressiva e significativa do universo circundante, o estar integralmente no mundo. A partir desse desejo de expressão do sujeito no mundo, levantam-se questionamentos: qual o lugar da Arte no sistema educacional? Quais as possibilidades de uma Educação pela via da Arte? O casamento do Sol e da Lua, um evento paradoxal de encontro de opostos, é trazido como metáfora a fim de ilustrar os caminhos da Arte na Educação como exercício de integração mente e corpo, indivíduo e coletividade, escola e criatividade.

PALAVRAS-CHAVE: Psicanálise, Arte, Criatividade e Educação.

“Na aula de Artes é quando eles (os alunos) acham que podem tudo... lá eles liberam o que não podem expressar nas outras aulas... No início é bem complicada, dá trabalho, eles ficam muito agitados, é uma bagunça! Mas depois eles vão achando o caminho de produzir o que eles tinham imaginado. Muitas vezes a gente tem que ajudar, mostrar o que é possível ser feito, que material é o melhor... aí os trabalhos vão surgindo. É muito lindo perceber o que eles apresentam pra gente, como eles se expõem. Muitos, no início, têm medo da crítica, se sentem inseguros, querem produzir o convencional: – ... o certo, professora. À medida em que eu vou mostrando que na minha aula (de Artes) não tem certo nem errado,reto nem torto, feio nem bonito, que é tudo criação própria, eles vão ficando mais seguros e vão se permitindo criar.” (Professora de Artes da 2ª. Fase do Ensino Fundamental – Brasília, 2008)

Iniciado por este depoimento, no qual a professora de Artes percebe o mal-estar do

aluno na educação formal, levanta-se a reflexão: como significar o ensino de Arte na

Educação e em especial, na formação de professores?

Formação de professores no ensino de Artes

Na atualidade, os professores têm que lidar não só com alguns saberes,

como era no passado, mas também, com a: tecnologia, enredamento social e

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complexidade da subjetividade dos sujeitos. Quando todos os alunos estão na

escola, de todos os grupos sociais, raças e etnias, a escola atinge uma enorme

complexidade que não existia no passado, que se acentua, pelo fato de a própria

sociedade ter dificuldade em saber qual a função real atribuída à escola, e em ter

clareza, coerência no que concerne aos objetivos escolares.

E, ao se levar a reflexão adiante, pergunta-se o que a escola quer do ensino

de Artes e de seus professores?

Essa falta de clareza, muitas vezes, transforma o professor num profissional

que vive uma situação difícil e complicada devido à complexidade e falta de

objetivos claros, a fim de realizar o seu trabalho, especializar-se e administrar sua

formação.

São as escolas e os professores organizados em suas instituições que podem

decidir quais são os melhores meios, métodos e formas de assegurar a formação

continuada e adequada ao exercício do ensino de Artes. Mas, a lógica da formação

continuada dos professores deve ser centrada nas escolas e deve estar centrada

numa organização e percepção de desejo dos próprios professores.

Tende-se, na contemporaneidade, a valorizar duas competências: a primeira

é a competência de organização. Isto é, o professor não é um mero transmissor de

técnicas de produções artísticas, nem é apenas uma pessoa que trabalha no interior

de uma sala de aula. O professor é um organizador de aprendizagens e vivências

associadas a essas aprendizagens pela via de novos valores relacionados ao ensino

de Artes. Há aqui, portanto, uma dimensão da organização das aprendizagens, o

preparo do trabalho escolar e esta disposição é mais do que o simples trabalho

pedagógico, do ensino, vai além destas dimensões, e tais competências de

organização são essenciais para o professor de Artes se posicionar e dispor seu

trabalho com propriedade diante de outras disciplinas.

O segundo nível de competências relaciona-se com a compreensão do

conhecimento, pois não basta deter a técnica e transmitir a alguém, é preciso

compreender o que está sendo construído e ser capaz de reorganizar, reelaborar e

transpor em situação didática em sala de aula, caso seja necessário. A

compreensão do conhecimento é essencial nas competências práticas dos

professores de artes.

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Outro ponto sobre a formação de professores passa pelo conhecimento

profissional. Há um conhecimento disciplinar que pertence aos cientistas, às

pessoas da história, das ciências, das Artes, entre outras, e que os professores

devem ter. Há o conhecimento pedagógico que pertence, às vezes, aos pedagogos,

às pessoas da área da educação e que os professores também carecem possuir.

Mas, além disso, há o conhecimento profissional que não é científico, nem

pedagógico, é feito na prática; é um conhecimento elaborado na reflexão debruçada

sobre a experiência pessoal (NÓVOA,1992).

Por último, mas não menos importante, existe a necessidade do exercício de

conhecimento subjetivo sobre si mesmo e a tentativa de compreensão do mundo

subjetivo do outro. Atributos pouco relacionados à formação do professor e, por isso

mesmo, um fator complicador na abordagem da formação docente.

A valorização desse conhecimento profissional e subjetivo é essencial para os

professores neste novo milênio.

Do plano ao holográfico

Por um período, na história do processo educativo e da evolução das

ciências, parece ter sido necessário a dissecação dos conteúdos em partes cada

vez mais ínfimas: o homem a buscar a célula, esquadrinhar o átomo e olhar além.

Nesse exercício de pesquisa nas ciências naturais, por considerar que a explicação

estaria escondida em algum lugar, o ser humano tem investigado a Natureza,

mergulhado em suas partes e partículas, até perder a noção do Todo, do Belo e da

harmoniosa ligação entre os seres.

Na arte pedagógica não é diferente, o excesso de visão tecnicista nas

didáticas, nas metodologias de ensino, nos métodos de avaliação e nos conteúdos

propostos, solapou a visão do indivíduo como ser humano incondicional, indivisível e

integral, destituindo-o da posição de unidade de vida, para quase máquina de

aprender, aparelho com peças a serem desmontadas e “explicadas”. Havia a

evidência de que a preocupação era com o que se obteria com o conhecimento, em

detrimento de quem se tornaria.

Além do aspecto mecânico da produção e transmissão de conhecimento,

destaca-se outro ponto: como o conhecimento disciplinar e fragmentado implica em

um dos grandes produtores de falta de sentido nos conteúdos apresentados para

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alunos. Essa falta de sentido acontece, em grande parte, por falha no diálogo entre

disciplinas, pois quando estas têm chance de articulação, desvelam-se umas às

outras e, o que há de incompleto ou obscuro em cada uma, é construído e

clarificado pela outra. Passa então, a existir a complementaridade entre os

conhecimentos e um maior acesso ao exercício de compreensão do mundo. Desta

forma, disciplinas e áreas de conhecimento, quando articuladas, formam uma teia

capaz de conter mais satisfatoriamente a curiosidade do homem.

O século atual introduz nova postura – a do pensamento complexo e da

transdisciplinaridade, a que vem subverter a causalidade linear e simplista, pois

engloba e transcende, o que passa por todas as disciplinas, reconhece o

desconhecido e o inesgotável que estão presentes em todas elas e procura

encontrar pontos de intersecção, um vetor comum (GERBER, I. 2000).

A atitude transdisciplinar passa a ser um modo de conhecer o mundo, é um

novo olhar que se dispõe para a compreensão de processos; é uma ampliação dos

sentidos que concorrem para a apreensão do mundo que está fora e dentro de cada

ser humano. Não é um simples conjunto de conhecimentos ou um novo modo de

organizá-los. Em verdade, é uma aventura do espírito humano em sua viagem pelo

tempo e espaço, prática usual nas Artes - busca que se empreende desde que se

adquire consciência de existência.

Na história da evolução da consciência ocidental, os opostos foram

descobertos pelos filósofos pré-socráticos. Os pitagóricos estabeleceram uma tabela

de dez pares de opostos: limite – ilimitados, ímpar – par, um – muitos, direita –

esquerda, macho – fêmea, repouso – movimento, reto – curvo, luz – treva, bom –

ruim, quadrado – oblongo. Hoje, pode-se acrescentar outros opostos conflitantes:

dentro – fora, indivíduo – sociedade, consciente – inconsciente e, a grande cisão

final: mente – corpo e razão – emoção.

E o significado psicológico da descoberta dos opostos dirigiu as futuras

ciências exatas e naturais. O mundo fora separado e, entre os opostos apartados,

fora criado o espaço, o ambiente para a vida e para o crescimento da consciência

(EDINGER, 1999).

A proposição do título desta comunicação Sol e Lua: Casamento possível?

– suscita a metáfora do encontro do Sol a brilhar ao lado da Lua, sem esmaecê-la,

sem eclipsá-la, num eterno momento de união entre dourados e prateados

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reluzentes. Ao transportar essa representação para a educação, encontra-se, na

Transdisciplinaridade, o encontro e conjunção da possibilidade de construção de

conhecimentos de forma mais criativa onde, intuição e razão, fantasia e realidade,

arte e educação/ciência, opostos outrora colocados como irreconciliáveis, agora

ensaiam convivência entre - brilhos.

Hoje, buscam-se formas criativas de reposicionamento em contextos

complementares e não mais disjuntivos. A mente, cansada de certezas obturantes,

anseia por quadrados oblongos, repousos criativos, horizontes ilimitados, quedas

ascendentes, enfim, um momento, um ponto de transformar a ação.

Nesse contexto sócio-histórico-espiritual, há espaço para novas reflexões e,

por este motivo, convida-se a Psicanálise para contribuir com sua teoria sobre

criatividade. A estreita relação entre Psicanálise e Educação tem uma história tecida

desde os primeiros textos de Freud e se estende aos dias atuais, através de

inúmeras pesquisas que versam sobre o tema, seja do ponto de vista psicanalítico

ou educacional.

Ao recorrer ao arcabouço teórico freudiano, percebe-se que o sujeito pensado

pela Psicanálise não responde aos preceitos de um ego extremamente focado na

sua própria consciência, mas, por um sujeito constituído pelo conflito das leis

próprias do inconsciente, que o descentra e descarta a ilusão de obter um saber de

si somente por meio das vias e da ótica da razão.

A teoria psicanalítica abre a questão central que desemboca na Educação e

no ensino de Artes: quem é este sujeito a quem se dirige a educação? Quem é esse

sujeito que se expressa por meio da Arte? A Psicanálise revela um sujeito limitado.

Este, que não é senhor absoluto do seu próprio destino, nem senhor em seu saber,

que tem pouca consciência de si, dos seus desejos e apresenta-se como um vir-a-

ser ante si.

O emblemático estudo de Freud (1910) apresenta uma quantidade de temas

colaterais de inegável valor para a compreensão do valor das produções de Arte,

dentre os quais, uma discussão mais geral da natureza e do trabalho da mente de

um artista criador (Leonardo da Vinci). Neste trabalho, Freud analisa as fantasias e

processos de sublimação que permeiam a criação artística.

Dentre outros autores, cujos trabalhos inscrevem-se neste aporte teórico e

oferecem contribuições inegáveis para se pensar a formação do professor de Arte, é

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trazida a teoria de Donald Winnicott (2005) pediatra e psicanalista, a respeito do ser

criativo.

Teoria psicanalítica sobre criatividade

A teoria da criatividade de Winnicott (2005) afirma que todos os sujeitos são

capazes de serem atores criativos para si mesmos, em suas construções subjetivas

e objetivas e para o grupo no qual estão inseridos. Em um processo de crescimento

complexo, determinado geneticamente e pela interação com o meio – que podem

ser positivamente facilitadoras ou não – que a criança se torna um adulto,

descobrindo-se equipado com a capacidade para ver tudo de um modo novo, para

ser criativo em todos os detalhes do viver.

Compreender o homem como ser originalmente criativo é permitir que ele

expresse sua necessidade de liberdade em cada gesto que venha a exprimir a

construção de novas representações, de novos valores, de novas crenças e

comportamentos. A pessoa humana seria o próprio ato criativo, fundado em

transcendência e aberto para agir e perguntar.

Existem fases na constituição psíquica do ser humano. Em um primeiro

momento, há exigência da repetição e constância das necessidades satisfeitas,

quando a criança passa a desenvolver uma credibilidade na realidade e gozar da

ilusão de criação e controle onipotente. Mais adiante, em outra etapa, reconhecerá,

gradativamente, o elemento ilusório, o qual lhe permitirá imaginar e brincar. Se a

criança não receber a oportunidade do brincar no espaço potencial – intersecção da

realidade interna e a realidade externa, não existirá área em que possa brincar, ou

ter experiência cultural.

Winnicott (1995) aponta a existência de três áreas da vida: a primeira é a da

realidade psíquica pessoal ou interna, a segunda é a do mundo real no qual o

indivíduo está inserido e a terceira é a da brincadeira, que se expande no viver

criativo e em toda vida cultural do homem. O espaço potencial é onde se dá a

intersecção da realidade interna e a realidade externa do indivíduo, onde se localiza

a área de experiência do viver criativo, a área onde ocorre o brincar atravessado, é

possível dizer também pela Arte, forma primordial de construção da realidade

objetiva e subjetiva.

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Para ele, em especial, é no brincar que a criança ou o adulto aproveitam a

liberdade de criação, podendo experienciar sua capacidade criativa e utilizar sua

personalidade integral. É no brincar que se fazem os primeiros ensaios da

comunicação, os primeiros impulsos motores e sensórios para fora do Eu, que são a

matéria-prima do que virá a se constituir a criação do mundo dos objetos externos.

É no entrelaçamento da subjetividade e da observação objetiva, na área

intermediária entre realidade interna do indivíduo e a realidade compartilhada do

mundo externo que ocorrerá o processo criativo. E, este viver criativo manifesta-se

primeiramente na brincadeira.

O impulso criativo é algo que pode ser considerado como naturalmente

necessário a um bebê, criança, adolescente, adulto ou velho, quando se inclina de

maneira saudável para algo ou realiza qualquer ação deliberadamente, e desse

modo, demonstra que frui o que está a realizar. O impulso criativo passa a tomar

forma no indivíduo quando este deseja agir ou pensar algo e o mundo torna-se

testemunho deste ato.

Intimamente ligada à capacidade criativa que se desenvolverá no indivíduo

está sua aptidão de usar um objeto, cujo desenvolvimento de tal competência

constitui exemplo do processo de amadurecimento, que depende de um meio

ambiente propício. Desse forma, primeiramente, relaciona-se com o objeto, depois,

finalmente o uso deste. Mas, entre a relação e o uso existe o momento de colocação

do objeto para fora da área de onipotência do sujeito, isto é, a percepção do objeto

como fenômeno externo e fora do controle absoluto do ego. Assim sendo, o primeiro

impulso de relação com o objeto é o destrutivo, pois o indivíduo o mata dentro de si

(como simples projeção, material subjetivo) para ele existir na realidade externa,

percebido objetivamente e de forma compartilhada, ou seja, o sujeito avança do

princípio do prazer para o principio de realidade. Neste ponto, a teoria winnicotiana

afirma que o sujeito está sendo criativo, ao criar o objeto, no sentido de descobrir a

própria externalidade.

Entre a relação e o uso existe o momento de colocação do objeto para fora da

área de onipotência do sujeito, isto é, a percepção do objeto como fenômeno

externo e fora do controle absoluto do ego. Assim sendo, o primeiro impulso de

relação com o objeto é o destrutivo, pois o indivíduo o mata dentro de si (como

simples projeção, material subjetivo) para ele existir na realidade externa, percebido

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objetivamente e de forma compartilhada, ou seja, o sujeito avança do princípio do

prazer para o principio de realidade. Neste ponto, a teoria winnicotiana afirma que o

sujeito está sendo criativo, ao criar o objeto, no sentido de descobrir a própria

externalidade.

Quanto à relação entre criatividade e experiências culturais, para Winnicott

(1975), a cultura fornece a continuidade da raça humana e ultrapassa a existência

pessoal. Ele emprega o termo “experiência cultural” como uma ampliação da idéia

de fenômenos transicionais e da brincadeira, fazendo recair a ênfase sobre a

experiência. Coloca a cultura como tradição herdada, algo que pertence ao fundo

comum da humanidade, para a qual indivíduos e grupos podem contribuir e de onde

todos podem fruir, se houver onde guardar o que foi encontrado e construído. O que

foi criado é integrado às bases da tradição. A integração entre a aceitação da

tradição e a originalidade serve como base da inventividade, ou seja, a criatividade

no seio da cultura. O lugar da experiência cultural se localiza no espaço potencial,

espaço que existe entre o indivíduo e o meio ambiente.

Se o indivíduo em desenvolvimento não receber a oportunidade de descobrir

os objetos, criando-os fora de si, não existirá área em que possa brincar e ter

experiência cultural. O brincar produz a possibilidade de construir e reconstruir o

mundo. Não havendo a possibilidade do brincar, pode ocorrer a carência de vínculos

com a herança cultural e a falta de contribuição para o fundo cultural.

A cultura é tanto o leito por onde corre tudo o que foi construído, criado,

brincado, sonhado, e simbolizado pelos homens, quanto o próprio rio que nutre as

terras às suas margens fazendo brotar a expressão de todos os povos, das

tradições, das lendas, das crenças, dos costumes e tecnologias. Quando cultura e

criatividade entram em sintonia, conseguem engendrar-se, produzindo novas terras

a serem fecundadas e novas sementes a serem germinadas.

Conclusão

Para a teoria psicanálise winnicottiana (1997), é na lacuna entre a fantasia e a

realidade, que a criança e o jovem acham seu espaço para criar, para desenvolver

sua criatividade, que de início mostra-se através de uma atividade impulsiva, difusa,

caótica sob a ótica dos adultos, mas é uma fase considerada normal pelas teorias de

desenvolvimento. Aos poucos, a atividade criativa vai amadurecendo e tornando-se

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mais definida, integrada e produtiva. O período de transição exige um ambiente

propício capaz de suportar as tensões dos movimentos iniciais do processo criativo,

processo este que deve ser cuidado tanto na família, quanto na escola, que

significam espaço protegido dentro do qual o ser humano em desenvolvimento

exercitará sua espontaneidade e criatividade sem riscos, onde poderá organizar sua

mente e seu mundo. Nessa ótica, os professores poderão perceber a importância do

ensino de Arte como fomentador de movimentos e tempos únicos no brotar e florir

de um ser humano integral.

O ensinar Arte abrange a multidimensionalidade, a transdisciplinaridade, pois

é um campo de conhecimento premiado pelas expressões mais puras de tensões,

desejos e conflitos inerentes aos seres humanos. Este é o lugar da Arte como área

de saber capaz de, a partir do simbólico, prover o meio educacional de recursos

importantíssimos e pouco explorados em outras disciplinas ou áreas de

conhecimento. Ao trabalhar com espaços, formas, sons, movimentos, texturas,

sensações, reminiscências e fantasias, o professor de Arte proporciona a entrada de

seu aluno em áreas pouco visitadas ou até desconhecidas, que por vezes

encontram-se encolhidas, muitas vezes envergonhadas, por debaixo de pesados

escombros de história, aprendizagens repetitivas, tradicionalistas, opressivas e

permeadas por dicotomias e hiatos.

No convite para o casamento do Sol e da Lua, o ensino de Arte propõe como

tema central de seu ofício o exercício de integração mente e corpo, indivíduo e

coletividade, escola-tradição e espaço criativo, reflexão sobre a prática e

administração da formação, cognição e emoção. Ao invés de “ou”, função de opção

e exclusão de um dos pólos de conhecimento, propõe-se a conjunção “e” como

função aditiva, capaz de representar o desejo do homem pelo ápeiron1

Diante da Arte surge a possibilidade de representar algo mais do sujeito e do

mundo. É possível tornar esse sujeito visível em seu universo, com mais

compreensão deste e passível de ser comunicado tanto para si mesmo, homem,

quanto para seu grupo. Na verdade, esta é a idéia fundamental de união: dar forma,

significado, sentido ao vivido e transmitir isso ao outro, unir e interagir com o mundo.

, pelo Todo,

pelo indizível, “o aquilo” que a arte consegue expressar por meio da sensibilidade da

alma de cada um de seus autores e seus trabalhos.

1 Etimologicamente ápeiron significa sem limites.

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E, em presença da perspectiva de experiência e exercício de vida na vida, o ensino

de Artes vem como campo privilegiado à degustação sensorial dos indivíduos, na

qual eles podem, por meio da orientação de seus professores, tratar cisões críticas

construídas por perspectivas menos abrangentes, nas estruturas de pensamento

que permeiam o social.

Arte e psicanálise unem-se num mesmo intento: a constituição de um sujeito

capaz de tornar sua vida em ato, em proposição criativa, por ser ela única e de sua

criação. Ser humano deslocado do centro de suas certezas, mas capaz de

expressar e comunicar angústias e desejos, capaz de transmitir, a seus

descendentes, a beleza do Viver.

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