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1 ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

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ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

ANAIS DA

XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA DA

UNIOESTE TOLEDO-PR 17 a 21 de agosto de 2015

ISSN: 21755345

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ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

ALEXANDRE KLOCK ERNZEN CÉLIA BENVENHO

JOSÉ LUIZ GIOMBELLI MARIANI LUCIANO CARLOS UTTEICH

NELSI KISTEMACHER WELTER (Organizadores)

ANAIS DA

XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA DA

UNIOESTE TOLEDO-PR 17 a 21 de agosto de 2015

ISSN: 21755345

Toledo-PR 2015

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6 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

Conselho Editorial:

Dra. Lorella Congiunti – PUU – Cidade do Vaticano Dr. Reginaldo Aliçandro Bordin – PUCPR

Dr. José Beluci Caporalini – UEM Dr. José Aparecido Pereira – PUCPR

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

Rosimarizy Linaris Montanhano Astolphi – Bibliotecária CRB/9-1610

Semana Acadêmica de Filosofia da Unioeste Toledo-Pr.

(18-2015, Toledo-Pr.)

S471a Anais da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da Unioeste

Toledo-Pr. 17 a 21 de agosto de 2015. / Organizadores:

Alexandre Klock Ernzen, Célia Benvenho, José Luiz Giombelli

Mariani, Luciano Carlos Utteich, Nelsi Kistemacher Welter. –

Toledo-Pr, 2015.

206 p.:il; color: 14x21 cm.

Evento realizado pela: Universidade Estadual do Oeste do

Paraná - Campus Toledo-Pr.

Modo de Acesso: World Wide Web:

< http://www.unioeste.br/filosofia> ISSN: 21755345

1. Filosofia. I. Universidade Estadual do Oeste do Paraná.

II. Título.

CDD 22.ed.106.3

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ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO GERAL.................................................................................. TEXTOS COMPLETOS......................................................................................... VONTADE DE VERDADE COMO RATIFICAÇÃO DA ONIPOTÊNCIA Alexandre Moschen Ortigara................................................................................. O TEMOR A MORTE COMO UMA FORMA APRIORÍSTICA DA VONTADE Anderson Lucas dos Santos Pereira Célia Machado Benvenho...................................................................................... UMA ANÁLISE DO CURSO DE LICENCIATURA EM FILOSOFIA DA UNIOESTE A PARTIR DE JACQUES DERRIDA Cristiane Roberta Xavier Candido Célia Machado Benvenho...................................................................................... O SENTIMENTO UNIVERSAL COMO FUNDAMENTO DA MORAL EM HUME Giovani Luiz Zimmermann Junior José Ames............................................................................................................. A AUTONOMIA DA VONTADE COMO PRINCÍPIO SUPREMO DA MORALIDADE Jhonatan Pereira de Queiroz................................................................................. A SOBERANIA ABSOLUTA DO ESTADO EM HOBBES Junior Cesar Luna Leandro Mateus Fernandes................................................................................... A CRÍTICA HEIDEGGERIANA ÀS CIÊNCIAS POSITIVAS Katyana Martins Weyh Roberto S. Kahlmeyer-Mertens............................................................................. PLANO DE IMANÊNCIA EM GILLES DELEUZE E FÉLIX GUATTARI Leandro Nunes Ester Maria Dreher Heuser.................................................................................... UMA INTRODUÇÃO AO CONCEITO DE PODER EM HANNAH ARENDT E SUA DISTINÇÃO DE VIOLÊNCIA Leandro Mateus Fernandes Tarcílio Ciotta.........................................................................................................

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8 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

A VERDADE PENSADA COMO SÍNTESE ORIGINÁRIA Luana Borges Giacomini Roberto S. Kahlmeyer-Mertens............................................................................. REPENSANDO O ESPAÇO POR MEIO DA FENOMENOLOGIA: CONTRIBUIÇÕES DE HEIDEGGER Maria Lucivane de Oliveira Morais Roberto S. Kahlmeyer-Mertens............................................................................. PROBLEMA DO MAL EM SANTO AGOSTINHO Robson Marins do Amaral Célia Machado Benvenho...................................................................................... FILOSOFIA PARA CRIANÇAS COM ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO (AH/S) Thaylan Corassa Michelle Silvestre Cabral....................................................................................... A CRÍTICA DELEUZIANA À FILOSOFIA DE DESCARTES Vanessa Henning................................................................................................... MODALIDADE CARA-A-TAPA............................................................................ DA RELAÇÃO ENTRE PSICANÁLISE, FÍSICA QUÂNTICA E SEMIÓTICA: UM NOVO CONHECIMENTO Alexandre Moschen Ortigara................................................................................. RESUMO............................................................................................................... COMO ENTENDER E CONVIVER COM ESSE FENÔMENO CHAMADO CRIANÇA Eli Schmidtke......................................................................................................... RELATOS DE EXPERIÊNCIA DAS OFICINAS DE FILOSOFIA PARA O ENSINO MÉDIO..................................................................................... APRESENTAÇÃO................................................................................................. DISCUTINDO O GOSTO: ASPECTOS DA IDENTIDADE PESSOAL EM DAVID HUME Alderberti Batista Prado / Angélica de Fátima de Almeida Lara Cristiane R. Xavier Candido / Gelmano Ferreira da Rocha Célia Machado Benvenho / Nelsi Kistemacher Welter.......................................... O QUE DEVO FAZER? SOBRE A LEI MORAL Angela Maria Silva / Felipe Ricardo Deuter Becker Henrique Zanelato / Jhonatan Pereira Queiroz Célia Machado Benvenho / Nelsi Kistemacher Welter.........................................

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DELÍRIOS DO CONSUMO NA PERSPECTIVA DE HERBERT MARCUSE Angélica Limberger / David Henrique Fiametti Kamilla Regina Silva Santana / Letícia Nunes Goulart Célia Machado Benvenho / Nelsi Kistemacher Welter........................................ A LIBERDADE A PARTIR DO VIÉS POLÍTICO DE BENJAMIN CONSTANT Elizandra B. Sosa / Gabriel Drehmer Josieli A. Opalchuka / Luana B. Giacomini Célia Machado Benvenho / Nelsi Kistemacher Welter......................................... SEXUALIDADE E DISCURSO EM FOUCAULT Lucas Henrique Nunes Batista / Patricia Joca Martins Lucas Paiva Scussiato / Jackison Roberto dos Santos Pinheiro Junior Célia Machado Benvenho / Nelsi Kistemacher Welter......................................... EXISTENCIALISMO EM JEAN-PAUL SARTRE Michelle Silvestre Cabral / Natalia Aparecida Pacheco Ferro Rafael Saragoça Ortolan / Thaylan Corassa Célia Machado Benvenho / Nelsi Kistemacher Welter.......................................... SARTRE: ESTAMOS CONDENADOS À LIBERDADE? Neusa Rudek / Francielle Festner Pâmela Elger / Célia Machado Benvenho Nelsi Kistemacher Welter.......................................................................................

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APRESENTAÇÃO GERAL

SAF 2015 trouxe para o debate as questões práticas do dia a dia em

sala de aula e do ambiente de interação na experiência didática entre

professor-aluno. Com isso primou por ampliar a visão e o horizonte de

conhecimento sobre a formação e as competências a serem exercitadas a fim

de que o docente desempenhe o mais adequadamente as suas atividades na

escola.

Esses resultados foram alcançados por meio das bem conhecidas

atividades de oficina, ofertadas em número de 09 Oficinas Didáticas de

Filosofia para o Ensino Médio (05 no turno da manhã, 04 no turno da noite),

contemplando alunos de Escolas Municipais da cidade de Marechal Cândido

Rondon, de Tupãssi e de outras cinco escolas do Município de Toledo.

Baseado no item da Quarta Diretriz do Projeto de Lei 85/2015, cujo

debate foi realizado em plenário, a 19 de junho do ano corrente, na 8ª Sessão

Extraordinária da Câmara de Vereadores, o da “Erradicação de todas as

formas de discriminação”, ocorreram palestras e mesas-redondas, centrando o

diálogo nessas questões, vindo a contemplar profissionais da área, agentes do

município e de ONGs, vindos da capital do estado (Curitiba), de cidades

vizinhas (Cascavel, Assis Chateaubriand, Ouro Verde, Marechal Cândido

Rondon, Palotina), e do município de Toledo.

A guisa de conclusão, a SAF 2015 dedicou sua última data de atividade

às atividades de Comunicação, que oportunizou a todos os alunos (internos e

externos) a apresentação dos resultados (parciais ou totais) das pesquisas que

vêm realizando, respectivamente, em seus cursos, sobretudo nas áreas de

Filosofia, da Sociologia e da Psicologia.

Prod. Dr. Luciano Carlos Utteich

Coordenador da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia

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TEXTOS COMPLETOS

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ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

VONTADE DE VERDADE COMO RATIFICAÇÃO DA ONIPOTÊNCIA

Alexandre Moschen Ortigara UNIOESTE – Universidade Estadual d Oeste do Paraná

[email protected]

RESUMO:

Relacionando a onipotência psicanalítica com a vontade de verdade de Foucault é possível identificar e ampliar esse conceito. O sujeito é constituído numa sociedade que exerce influência sobre ele e ele sobre ela. A manifestação onipotente narcísica acontece também na sociedade. Inicialmente na sociedade primitiva mítica como animismo e, posteriormente, na religiosa como magia e na científica como onipotência do pensamento. Assim como os sacerdotes influenciaram toda uma era, pois eram os representantes autorizados pela religião, hoje os professores também o fazem na condição de estarem autorizados pelo ideal humano oriundo do iluminismo. A partir de uma vontade de verdade, Foucault apresenta como o processo de exclusão pela fala, aparece nessa relação.

PALAVRAS-CHAVE: Onipotência; Psicanálise; Vontade de Verdade; Foucault.

A ONIPOTÊNCIA NO DESENVOLVIMENTO HUMANO

A necessidade da potência no humano é o diferencial para a satisfação

e pleno desenvolvimento de suas escolhas, ou seja, a potência seria a

utilização adequada desse poder na ação. Enquanto que impotência fantasiada

é a potência existente não exercida, ou utilizada, a onipotência é potência

fantasiada e, portanto, não praticada, pela impossibilidade de se atingir esse

ideal. O termo fantasia, utilizado acima, se faz necessário para a

caracterização real da impotência e onipotência. Assim define Freud: “É a

atividade da fantasia, que tem início já na brincadeira das crianças e que

depois, prosseguindo como devaneio, deixa de lado a sustentação em objetos

reais” (FREUD, 1911, p. 114-115), demonstrando, assim, o real sentido, tanto

de impotência quanto de onipotência.

Nesse processo de constituição e aprendizado, o humano, na sua

infância, passa tanto pelo processo da fantasia de impotência quanto pelo

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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 15

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processo da fantasia de onipotência, até encontrar-se com a sua potência. É

nesse processo diastólico e sistólico, ou ainda, de flutuação entre extremos, no

caso Impotência e Onipotência, que ele se apropriaria de sua potência.

Ressalta-se que esse seria o processo idealizado do humano para ter consigo

uma plena realização de existir junto à realidade, ou seja, saindo da fantasia de

não poder realizar nada (impotência), ou ainda poder realizar o que a ele for

possível pensar (onipotência).

Em sua obra Totem e Tabu, mais especificamente no terceiro capítulo,

Animismo, Magia e Onipotência, Freud busca demonstrar nossa projeção de

Onipotência enquanto sociedade em constante desenvolvimento. Ao explicar

animismo faz referência a Hume, “[...] há uma tendência universal, entre os

homens, de conceber todos os seres como eles próprios e de transferir para

todo objetos qualidades que conhecem familiarmente e de que estão

intimamente cônscios” (FREUD, 1912, p. 124).1

A partir dessa referência, Freud, assim como o próprio Hume, passa a

demonstrar como esse processo de onipotência se dá na sociedade.

Inicialmente, essa projeção é somente para com animais, espíritos ou almas,

ou seja, algo que esteja próximo à natureza e que não exija maior descrição

lógica de algo para demonstrar essa “evidência” para a crença. Nesse estágio

evolutivo, a manifestação dessa onipotência é dada pelo feiticeiro, que possui

poderes de influenciar os espíritos para que estes realizem os desejos

humanos.

Num segundo momento da evolução do homem, em que esses

processos de manifestação de poder estão mais constituídos, este passa a

projetar num deus uno, detentor de poderes que dão conta de validar a

existência de um ser supremo e onipotente, nesse caso o sacerdote é quem

manifesta o poder. Já no terceiro estágio evolutivo de sociedade, esse

processo de onipotência humana, ou mais claramente, uma “fantasia coletiva

de onipotência humana”, se dá pelo processo científico. E aqui o autor narra o

que segue:

1 HUME, David. História Natural da Religião. Na edição da UNESP, de 2005, encontra essa citação na p.36.

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16 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

Na concepção científica do mundo não há mais lugar para a onipotência do homem, ele reconhece sua própria pequenez e submete-se resignadamente a morte e às outras necessidades naturais. Mas a confiança no poder do espírito humano, a contar com as leis da realidade, retém algo da primitiva fé na onipotência (FREUD, 1912, p. 140).

O ideal humano, concebido no período do Renascimento2 e

potencializado no Iluminismo, é quem guia as ciências. A partir de Kant e sua

delimitação do uso da Razão, surgiram outros ramos das ciências e, hoje,

conta-se com uma infinidade de conhecimentos descritos por métodos que

assegurariam a validade das hipóteses levantadas.

A partir de essas hipóteses estarem corretas ou não, percebe-se a

satisfação humana nas suas relações mais triviais. Por vezes não raras, em

diálogos dos mais diversos assuntos, nos quais há uma possibilidade de

necessidade de conhecimento brevemente aprofundado, para se ratificar ou

não uma questão arguida por um dos propositores, os humanos (sujeitos)

buscam assegurar sua condição de estarem certos, ou de estarem de acordo

com a validade vigente.

Porém, o que ocorre se depurarmos um pouco esses diálogos é que, em

várias ocasiões, o que os presentes almejam é estarem “certos”. Não há de

fato a busca pelo diálogo, que no caso pressupõe a escuta, vez que ambos

somente estão ansiosos em ter sua certeza ratificada. Com a ciência, quando

se busca demonstrar a hipótese, tais diálogos são condicionados à validade ou

nulidade da hipótese. Ou ainda, ratificar a potência argumentativa de um ou de

outro.

Por passar boa parte de sua vida convivendo com pessoas que buscam

encontrar respostas na religião para suas angustiantes perguntas e, por a

mesma reiterar o processo de onipotência em que, por meio da divindade, o

humano recebe todo poder, o humano reitera somente o ego primitivo e

onipotente. O sujeito onipotente não somente não é capaz de demonstrar a

necessidade do outro (partindo do pressuposto que o homem é um ser social),

2 Segundo Aranha, “[...] o otimismo com respeito à razão já era anunciado desde o Renascimento, quando a nova concepção de ser humano valoriza os poderes do indivíduo contra o teocentrismo medieval e o princípio da autoridade. No século XVII o racionalismo e a revolução científica acentuaram essa tendência, de modo que no Século das Luzes o indivíduo se descobre confiante, como artífice do futuro, e não mais se contenta em contemplar a harmonia da natureza, mas quer conhecê-la, dominá-la” (ARANHA, 2006. p.172).

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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 17

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

mas também evita toda conduta que possa ser julgada de forma eficiente,

como por exemplo, expor-se a uma atividade com outro em que ele não possua

domínio ou controle sobre o resultado.

A FILOSOFIA ACADÊMICA É CIENTÍFICA

A filosofia acadêmica que Nietzsche criticou, se me for permitido uma

comparação, em pouco difere de qualquer disciplina da ciência. O processo de

positivação do conhecimento pouco tem demonstrado modificar o roteiro do

saber. Esse método desestimula a liberdade criativa e de se expressar do

sujeito pensante que, por vezes, almeja-se aventurar escrevendo algumas

conjecturas, mas logo é cerceado pela necessidade de fontes, às quais, o

sujeito, muitas vezes, não tem acesso, mas que conjecturou algo, sem a

necessidade de consultar Aristóteles, Platão, Descartes, ou qualquer autor que

tenha debatido um assunto de interesse do sujeito em questão.

Se realizarmos uma reflexão singela e superficial acerca do que

diferencia o humano dos demais animais, poder-se-ia inferir que a principal

característica da humanidade seria a mudança, por conta da capacidade

adaptativa própria da espécie, ou ainda, essa capacidade adaptativa. Com

isso, poderíamos deduzir que esse processo onipotente que o humano

desenvolve inicialmente em si e, posteriormente, projeta na sociedade, é mais

uma das diversas “condições humanas” para satisfazer o ego onipotente de

estar certo e, para satisfazê-lo, identifica-os em diversos objetos ou institutos

diferentes do querer.

A pregação que o sacerdote, ou orientador espiritual, realiza na sua

religião, em pouco se difere de aulas que muitos professores ministram e,

assim como o sacerdote afirma que o livro sagrado contém todas as respostas,

também esses professores o fazem com seus alunos a partir do ramo do

conhecimento que ele atua e acredita dominar. Na academia, ao seguir um

autor, um professor passa, necessariamente, por extensivas horas de estudos,

muitas vezes prazerosos momentos com o autor e, nessa relação, o processo

empático com o autor já se estabelece, ou seja, esse processo de identificar no

outro, ou reconhecer no livro características próprias do sujeito, é algo

necessário para a consolidação desse vínculo.

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18 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

O professor, então, ao explanar sobre um autor ou um assunto, também

estará falando um pouco de si mesmo. Porém, isso, em muitas vezes, deixa de

ser benéfico para condição de potência do aluno, uma vez que ele, ao

questionar o professor, estará questionando o assunto, entretanto, pelo vínculo

(inconsciente) do professor para com o assunto ou autor, dificilmente este se

deixará ser afetado pela questão, mas, possivelmente, se sentirá atingido por

ela. A provável resposta de um professor do exemplo acima em muito poderá

se assemelhará pregação do sacerdote quando invoca o deus que pune. Essas

semelhanças somente ratificam a onipotência de ambos e dificultam a

descoberta da potência no sujeito em desenvolvimento, em qualquer idade.

A filosofia acadêmica presente pouco se distancia do método científico

em suas exigências para a escrita acadêmica. Sendo possível afirmar que se

vive uma filosofia positiva. Para aqueles que afirmam que a filosofia é diferente

da ciência, não parece equivocado, mas, o oposto também pode ser afirmado

se o processo para aquisição e produção de saberes for trazido à discussão.

A produção filosófica na academia não se refere ao filosofar que o

humano é capaz, em suas mais diversas formas e aplicações, enquanto

humano dotado de razão. Essa limitação que a filosofia recebe de si mesma

seria o equivalente ao que ocorre na ciência, e, por conseguinte, sua

proximidade/intimidade com ela se ratifica, ou seja, parece ocorrer um

processo de onipotência em todo o processo acadêmico.

La Planche, em sua Teoria da sedução generalizada, a partir de uma

sedução originária, o autor assim define: “[...] esta situação fundamental na

qual o adulto propõe à criança significantes não-verbais tanto quanto verbais, e

até comportamentais, impregnados de significações sexuais inconscientes”

(LAPLANCHE, 1988, p. 119), possibilita a demonstração desse processo

inconsciente nas mais corriqueiras relações humanas. Talvez a proposta aqui

não seja permanecer nessa relação do adulto com a criança, mas a partir

desse inconsciente que se comunica com o outro inconsciente, ou ainda seduz

esse inconsciente, demonstrar como nossas relações estão impregnadas de

sexualidade, ou ainda erotização, e como nessa construção do conhecimento,

essa erotização sofre grandes perdas a partir de discursos carregados de uma

onipotência que por ser autoerótica exclui o outro no ato de invocar a verdade,

para satisfazer esse ego narcísico.

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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 19

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

Em sua obra A Ordem do Discurso, Foucault no início de sua aula

comenta sobre três sistemas de exclusão que se dão pelo discurso, a saber:

“[...] a palavra proibida, a segregação pela loucura e a vontade de verdade”.

Seguindo o texto, relaciona a vontade da verdade ao desejo e ao poder nas

palavras que seguem: “[...] é que se o discurso verdadeiro não é mais, com

efeito, desde os gregos, aquele que responde ao desejo ou aquele que exerce

o poder, na vontade de verdade, na vontade de dizer esse discurso verdadeiro,

o que está em jogo, senão o desejo e o poder?” (FOUCAULT, 2014, p. 19).

A partir dessa definição de Foucault, acerca da vontade de verdade, o

“[...] discurso que se conservam, são identificados como ditos” (idem, ibidem), e

nessa classificação de ditos incluem os “[...] ditos por religiosos a textos

científicos em certa medida” (idem, ibidem). Nessa invocação da verdade, que

possui por caráter a exclusão, pode-se fazer alusão ao sujeito narcísico,

onipotente em seu pensar, que dispensa o outro, pois se basta nessa relação

de satisfação que o discurso da verdade lhe proporciona, como uma

autoerotização, no qual o outro é desnecessário às suas realizações. Assim,

numa possível alternância entre termos, esse eu narcísico poderia ser um eu

onipotente. Onipotente por conta dessa relação onde pode tudo através do seu

discurso de vontade de verdade, ou invocação do dito que se autoerotiza.

Se fosse possível sumarizar esse sujeito que se erotiza na vontade de

verdade, ou ainda que se erotiza na palavra que contém desejo e poder,

poderíamos sintetizar como um desejo de poder, e um desejo de poder tudo

pela palavra, poderia se afirmar que esse sujeito narcísico, é um sujeito

onipotente. E aqui esse conceito de onipotência se mescla aos sentidos

semânticos do narcisismo e de vontade de verdade.

REFERÊNCIAS

ARANHA, Maria Lucia de Arruda. História da Educação e da Pedagogia: geral e Brasil. 3. ed. São Paulo: Moderna, 2006. FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970.Leituras Filosóficas. Tradução Laura Fraga de Almeida Sampaio. São Paulo. Edições Loyola, 2014.

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ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

FREUD, Sigmund.(1905). Três Ensaios sobre a teoria da sexualidade. In: _____. Obras psicológicas completas. Edição Standard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 2006. v. 7. FREUD, Sigmund. (1911). Formulações sobre os dois princípios do funcionamento psíquico. In: _____. Obras Completas. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. v. 10. FREUD, Sigmund. (1912-1913). Totem e Tabu. In: _____. Obras Completas. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. v. 11. FREUD, Sigmund. (1914). Introdução ao Narcisismo. In: _____. Obras Completas. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. v. 12. FREUD, Sigmund. (1916-1917). Conferências introdutórias à psicanálise. In: _____. Obras Completas. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. v. 13. HUME, David. História natural da religião. Trad.Jaimir Conte. São Paulo: UNESP, 2005. KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Trad. Lucimar A. Coghi Anselmi, Fulvio Lubisco. São Paulo: Martin Claret, 2009. (Coleção a obra-prima de cada autor; 3) LAPLANCHE, Jean. Teoria da sedução generalizada e outros ensaios. Tradução Doris Vasconcellos. Porto Alegre. Artes Médicas, 1988. LORETO, Oswaldo di (Org.). Posições tardias: contribuição ao estudo do segundo ano de vida. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2007. NIETZSCHE, Friedrich W. Escritos sobre a educação. Trad. Noeli Correia de Melo Sobrinho. Rio de Janeiro: PUC-Rio; São Paulo: Loyola, 2003.

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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 21

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O TEMOR A MORTE COMO UMA FORMA APRIORÍSTICA DA VONTADE

Anderson Lucas dos Santos Pereira UNIOESTE – Universidade Estadual do Oeste do Paraná

Célia Machado Benvenho [email protected]

RESUMO:

No presente trabalho pretende-se tratar o temor da morte na perspectiva de Schopenhauer, mais especificamente em sua obra Metafísica da Morte. Para o filósofo, a Vontade enquanto força una, insaciável, irascível e inquieta, é acima de tudo Vontade de Vida, ou seja, o apego à vida é irracional. Sendo assim, diante da possibilidade de morte, a Vontade lutará com violência contra a mesma, pois ela representa o fim do organismo com o qual se identificara. O temor da morte surge, portanto, não do conhecimento, já que por meio deste se desvela a ausência de valor da vida, mas como uma forma apriorística da Vontade.

PALAVRAS-CHAVE: Schopenhauer; Vontade; Fenômeno; Morte.

A morte sempre caminhou de mãos dadas junto ao homem e sua

história, mas sempre mascarada por sua mortalha negra, obscurecendo seu

verdadeiro Ser, se tornando enigmática e com isso temerosa. Eis a gênese da

filosofia, o temor pelo perecível, pelo corruptível, um sentimento que parte do

lado irascível do homem, e que tenta se auto-explicar pelo racional. A

racionalidade suscita meios explicativos que foram sendo constituídos a partir

do que nós conhecemos como filosofia. Vemos exemplos de grandiosos

sistemas metafísicos na Grécia antiga, ou a tentativa de atrelar a filosofia como

um movimento explicativo da própria fé mística, concebida nos tempos

medievos, podemos comentar também sobre o idealismo moderno e a tentativa

de criar um sistema metafísico que englobe um fundamento racional para

explicar o que podemos realmente conhecer.

Schopenhauer foi um destes filósofos modernos que tentaram partir da

racionalidade designando um sistema propriamente metafísico, tentando

abonar um tratado sobre a existência, tendo como paradigma a fundamentação

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22 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

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criticista kantiana. Schopenhauer compartilha da distinção dicotômica entre

fenômeno e coisa-em-si proposta por Kant, que são conceitos caros a toda

teoria.

Segundo Schopenhauer, a existência do mundo é proporcionada por

uma única força orgânica, que é o fundamento de todos os seres existentes,

que ele chama de Vontade. Ao predicarmos tal conceito aos moldes

schopenhaurianos, tratamo-la como um elemento fundamental de toda a

espécie, ela em-si se dá como uma força una, insaciável, irascível e inquieta. É

uma autodiscórdia, algo que se devora constantemente levando-se ao infinito.

Ela nunca se limita e é a causa de toda a dor. Sua cegueira se dá fora do

tempo-espaço, em um âmbito atemporal, por isso só podemos nos voltar a ela

metafisicamente, como um objeto numénico (aos moldes kantianos), sem

alguma finalidade teleológica se não o seu próprio saciar-se.

Esta Vontade una, atemporal, reflete-se no mundo fenomênico temporal

(concebido pela experiência humana). Nosso mundo é o espelho onde a

Vontade desfruta-se de si, se apresentando como múltiplas vontades subjetivas

no mundo físico. Mesmo ela se apresentando de diferentes formas para nós

humanos, ela ainda continua irascível, insaciável e inquieta, pois, podemos ver

isso através do nosso cotidiano, que a vontade está ali, sempre dominando de

algum modo, como por exemplo, pela volição que temos pela pessoa do sexo

oposto ou meramente pela vontade que temos de viver. Quando não

conseguimos saciar tais volições caímos no temor, como por exemplo, quando

tememos ficar sozinhos por toda a vida, ou então o temor pela própria morte.

Eis a Vontade que sempre nos aparece como Vontade de vida, a Vontade

irascível de nos perpetuarmos, por isso, teme a morte acima de tudo.

Aquele poderoso apego à vida é, portanto, irracional e cego: só é explicável pelo fato de que todo o nosso ser em si mesmo já é Vontade de vida, para o qual, portanto, esta vida tem de valer como o bem supremo, por mais amarga, breve e incerta que ela sempre possa ser; e pelo fato de que a Vontade, em si e originariamente, é destituída de conhecimento e cega. (SCHOPENHAUER, 2000, p.64)

A Vontade não se preocupa com o indivíduo, mas sim, com o gênero.

Com isso, o que salienta tal filosofia é a indestrutibilidade do reflexo

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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 23

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fenomênico, pois tal coisa-em-si anseia pela vida do gênero de uma forma tão

premente que a tendência é de nunca se esgotar, pois ela-em-si se dá fora do

tempo-espaço, se dá em uma forma metafísica, visando sempre o presente

contínuo, destituída de passado ou futuro, de nascer e perecer. Tudo que a

Vontade enfatiza é a procriação e, com isso, a eternidade-do-mesmo. Mesmo

que nossa forma fenomênica pereça por estar contida no tempo-espaço, nós

ainda estaremos no mundo enquanto matéria, onde a Vontade irá moldar-se

novamente em outra criatura que perecerá novamente.

O mundo é infinito, pois a Vontade é infinita, todos somos apenas um,

pois nascemos da mesma forma una. Enquanto houver Vontade, haverá vida

em seu eterno retorno.

[...] de onde virão todos? Onde estão agora? Onde é o rico ventre do nada prenhe de mundos, que contém agora as estirpes futuras? - A verdadeira e sorridente resposta seria: Onde deveriam estar senão lá, onde o real sempre foi e será, no presente e no seu conteúdo [...] Conhece a tua própria essência, justamente aquela que é tão sedenta de existência, conhece-a de novo na força íntima, misteriosa, ativa da árvore, que permanece sempre a mesma e a única, em todas as gerações de folhas, imune ao nascer e perecer. (SCHOPENHAUER, 2000, p. 85-86)

O temor para Schopenhauer ganha sua dimensão como efeito da

Vontade de Vida. A mesma se dá de uma forma universal e necessária,

portanto apriorística, pois, temer é algo propriamente humano. Todos temem a

morte, pois a Vontade una nos dá essa característica, como reflexo para com a

vontade múltipla de cada indivíduo. O indivíduo se dá como um ser perecível,

que sucumbe a cada momento em sua temporalidade. Chronos não perdoa os

ponteiros do relógio antigo, o perecer acontece a cada momento, abaixo

sempre das enfermidades mundanas, em busca sempre de se saciar

momentaneamente, e com isso, sempre concebendo o temor pela morte, pois,

a mesma sendo musa não apenas da filosofia, mas sim dos seres existentes

como um todo, toma uma forma propulsora jogada a cada consciência

personificada em medo.

A vida, por esses aspectos, se torna apenas um tormento, “um pêndulo

entre as dores e o tédio”, uma mera ilusão para saciar algo maior, para dar

continuidade à cegueira que é existir. Tal fenômeno não está intrínseco a

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24 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

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nenhum objetivo teleológico, a nenhuma meta, a nenhuma finalidade, a não ser

perecer e voltar ao ventre natural, onde o nada predomina, mas que mesmo

assim a partir de seus restos, ou então a partir da procriação anterior a morte,

continuará existindo enquanto Vontade, pois esta força não é findável.

É quando um indivíduo sente medo da morte que se tem propriamente o estranho e até mesmo o risível espetáculo: o senhor dos mundos, que preenche tudo com o seu ser, e apenas mediante o qual tudo isso que é, possui a sua existência, se desespera e teme sucumbir e afundar-se no abismo do nada eterno, enquanto, na verdade, tudo está cheio dele, e não há lugar algum no qual ele não esteja, ser algum no qual ele não viva - pois não é a existência que o sustém, mas ele que sustém a existência. No entanto, é ele quem se desespera no indivíduo que sofre com o medo da morte, já que ele fica à mercê da ilusão produzida pelo principium individuationis, de que a sua existência esteja limitada à do ser que agora morre. Esta ilusão pertence ao grave sonho, no qual ele caiu como Vontade de vida. Mas se poderia dizer àquele que morre: "Tu cessas de ser algo, que terias feito melhor, nunca ter sido”. (SCHOPENHAUER, 2000, 127)

Concebendo o indivíduo como uma parte da personificação da Vontade,

tal indivíduo carrega em si o zelo pela sua vida, e com isso o temor da morte

entra em cena de uma forma apriorística. Tal característica concebe-se como

uma ideia inata em cada animal. Temos medo do que nos aparece como

misterioso e inconcebível pela mente humana. Com isso ganhamos aversão a

tal sentimento da morte, mesmo que o cessar dela seja deveras magnânimo

em prol do indivíduo, pois com ele sucumbindo-se, se aniquila também todas

as enfermidades do existir (enquanto indivíduo), mas nunca a Vontade-em-si,

que sempre tende a sempre ficar solidificada como ato da potência do

fenômeno.

Assim como somos atraídos para a vida pelo impulso totalmente ilusório

da volúpia, do mesmo modo nos agarramos a ela mediante o temor, também

por certo ilusório, da morte. Ambos se originam de modo imediato da Vontade,

que em si é destituída de conhecimento. Eis que se dá o Eterno Retorno do

Mesmo, conceito fundamental para toda a filosofia da metafísica da Vontade e

Representação schopenhauriana. Tal conceito nos leva a crer em uma

infinitude tanto fenomênica quanto numênica. Todos são um, eu estou em

você, e você estará em mim enquanto atemporalidade, o todo se funde em

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uma unidade. Eu dou a vida para meu sucessor, e meu sucessor dará a vida

ao filho dele, onde eu estarei lá expresso em sua constituição fenomênica de

ser. O mundo sempre se dá nessa eterna redundância histórica, pelas mesmas

causas e pela mesma igualdade. A Vontade da vida dá o impulso para as

guerras, onde as lutas serão sempre as mesmas, indiferente do tempo, pois

sempre a vida será o cerne de toda guerra. “Na visão da macro-estória toda

guerra é igual”, já dizia o compositor brasileiro Humberto Gessinger. A vida

sempre irá lutar pelo seu ideal que é o espelho dela mesmo, e de praxe o medo

consta como maior parte da ilusão do viver.

Sempre e por toda parte o círculo é o autêntico símbolo da natureza, porque ele é o esquema do retorno. Este é de fato a forma mais geral na natureza, que ela adota em tudo, desde o curso das estrelas até a morte e nascimento dos seres orgânicos, e apenas por meio do qual, na torrente incessante do tempo e de seu conteúdo, torna-se possível uma existência permanente, isto é, uma natureza (SCHOPENHAUER, 2000, p. 84).

E assim é concebida a ordem do mundo para Schopenhauer. O todo se

resume em uma unidade enquanto metafísica, tudo está em tudo. Eis o eterno

retorno do mesmo, se autenticando sempre como uma forma circunferencial da

natureza, onde a infinitude predomina, sempre fazendo os mesmos passos.

REFERÊNCIAS

SCHOPENHAUER, Arthur. Metafísica do Amor e da Morte. Trad. Jair Barboza. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

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26 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

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UMA ANÁLISE DO CURSO DE LICENCIATURA EM FILOSOFIA DA

UNIOESTE A PARTIR DE JACQUES DERRIDA

Cristiane Roberta Xavier Candido Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE – campus

Toledo Bolsista PIBID – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à

Docência - Filosofia Célia Machado Benvenho (orientadora)

[email protected]

RESUMO:

Esta pesquisa visa compreender a concepção de Universidade do pensador franco-argelino Jacques Derrida, verificando assim, em que medida a sua proposta pós-estruturalista de “desconstrução” dele serve de base para possíveis propostas de reformulações na estrutura curricular do curso de Licenciatura em Filosofia da UNIOESTE - Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Campus Toledo. Desta forma, tendo conhecimento do importante papel multifacetado - social, cultural e ideológico - que a Universidade desempenha desde outros tempos, torna-se essencial observar e analisar mais profundamente o conceito e o desempenho de uma Universidade da qual fazemos parte e, portanto, podemos contribuir em aprimoramentos, no caso do curso de Licenciatura em Filosofia na UNIOESTE – Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Campus Toledo, analisando e buscando viabilizar possíveis “desconstruções” reflexivas que contemplem novos planejamentos estruturais na tríade que sustenta o curso supracitado: ensino, pesquisa e extensão.

PALAVRAS-CHAVE: Universidade; Desconstrução; Jacques Derrida; Educação.

Quando falamos em educação uma das principais máximas que se

pensa é a da qualidade, isto é, da não artificialidade do saber e da eficácia das

metodologias de ensino. Acrescenta-se a isto o fato de tratarmos de um ensino

superior referente à Licenciatura em Filosofia na Unioeste – campus Toledo,

cujo objetivo principal é formar indivíduos capazes de ensinar filosofia e

também filosofar. O resultado é uma análise um tanto quanto conflituosa ainda

mais quando levamos em consideração a forma pela qual são elaborados os

conteúdos programáticos a serem estudados no decorrer dos quatro (04) anos

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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 27

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de graduação: deliberados quase que exclusivamente pelo Colegiado que,

mesmo se realizando em reuniões abertas, contam com pouca ou quase

nenhuma representatividade acadêmica. Tal fato é verificável devido à

dificuldade de equivalência de horários, haja vista que a maioria dos alunos

trabalha em horário comercial e as reuniões se realizam no período do início da

tarde. Desta forma, torna-se impossível não lembrar e levar em consideração

que infelizmente e em grande medida, são vários os acadêmicos de Filosofia

que se formam e se tornam apenas meros reprodutores de conhecimento

adquirido.

Para tanto, é importante que durante a trajetória no curso os acadêmicos

questionem a forma e o conteúdo das disciplinas a que estão se submetendo

(e sendo submetidos), bem como, cada professor analise seus métodos de

ensino e avalie se seus próprios conceitos não passaram a se tornar

cristalizados com o decorrer do tempo. Uma forma adequada para se começar

uma análise deste gênero é desconstruindo o saber adquirido, tal como

defende o pensador franco – argelino Jacques Derrida.

Cabe aqui ressaltar que, de antemão, na obra A Universidade sem

condições (2003), Derrida sabia que a incondicionalidade na natureza das

Universidades era impossível, haja vista que tais instituições precisam

responder a determinados parâmetros curriculares e legislativos provenientes

de órgãos governamentais, mas que de fato – e mesmo tendo tal circunstância

embrionária em seu planejamento: a de seguir uma legislação elaborada pelo

Governo – precisam atuar de forma crítica e desconstrutiva, como podemos

observar:

Sabemos muito bem que essa Universidade incondicional não existe, de fato. Mas em princípio, e conforme sua vocação declarada, em virtude de sua essência professada, ela deveria permanecer como um derradeiro lugar de resistência crítica — e mais que crítica — a todos os poderes de apropriação dogmáticos e injustos. Quando digo 'mais que crítica', deixo subentendida 'desconstrutiva' (por que não dizê-lo diretamente e sem perda de tempo?). Valho-me do direito à desconstrução como direito incondicional de colocar questões críticas, não somente à história do conceito de homem, mas à própria história da noção de crítica, à forma e à autoridade da questão, à

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28 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

forma interrogativa do pensamento. (DERRIDA, 2003. p. 17)

Desta forma, Derrida apresenta qual seria o caminho para se

desconstruir os possíveis dogmatismos que possam estar presentes em uma

determinada instituição de ensino através da proposta de imunidade como

característica da Universidade. Em A Universidade sem condição afirma:

“Devemos reivindicar com todas as nossas forças essa liberdade ou essa

imunidade da Universidade, e por excelência de suas Humanidades.” Na

sequência enfatiza: “Não somente de forma verbal e declarativa, mas com o

trabalho, em ato e no que fazemos acontecer por meio de acontecimentos.”

(DERRIDA, 2003, p. 50) Para tanto, conforme o que Derrida busca apresentar,

é que torna-se necessário a elaboração de questionamentos que proponham

reflexões acerca do trabalho que está sendo realizado na – e pela –

Universidade, pois “[...] o que acontece no momento em que se leva em conta

não apenas o valor performativo da 'profissão', mas em que se aceita que um

professor produz 'obras'? E não apenas conhecimentos ou pré-

conhecimentos?” (DERRIDA, 2003, p. 51)

Em seus estudos, Derrida nunca formulou um método de ensino nem

trabalhou nada voltado para a educação, mas analisou as Instituições de

ensino e acabou desembocando nos sistemas educacionais para apresentar

como um edifício de conhecimento pode se tornar artificial uma vez que precisa

responder aos pré-estabelecimentos direcionados por instâncias

governamentais (o Ministério da Educação – MEC -, por exemplo), como

podemos observar em sua obra O olho da Universidade (1999), quando

Derrida se refere à Universidade:

(...) se se trata de criar títulos públicos de competência, se se trata de legitimar saberes, se se trata de produzir efeitos públicos dessa autonomia ideal, então, nisso, a Universidade não se autoriza mais por si própria. Ela é autorizada (berechtigt) por uma instância não-universitária, neste caso pelo Estado, e de acordo com critérios que não são mais, necessariamente e em última análise, os da competência científica, mas os de uma certa performatividade. A autonomia da avaliação científica pode ser absoluta e incondicionada, mas os efeitos políticos de sua legitimação, supondo-se que seja

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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 29

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possível com todo o rigor distingui-los dela, nem por isso deixam de ser controlados, mensurados, vigiados por um poder exterior à Universidade. No tocante a esse poder, a autonomia universitária encontra-se em situação de heteronímia; é uma autonomia conferida, limitada, uma representação de autonomia, no duplo sentido da representação por delegação e da representação espetacular. Na verdade, a Universidade em seu conjunto é responsável perante uma instância não-universitária. (DERRIDA, 1999. p. 86-87)

Entretanto, torna-se ainda imprescindível que seja de conhecimento o

que significa essa desconstrução do pensamento proposta por Derrida, a

saber: o quase-conceito (dize-se quase-conceito, pois Derrida não elabora

conceitos e sim encontra rastros em termos utilizados de forma superficial pela

linguagem) nomeado de desconstrução por Derrida é uma herança que ele

reformulou de Heidegger na obra Ser e Tempo publicada em 1927 (entretanto,

a edição investigada foi a de 2005).

Em relação à “destruição” heideggeriana da metafísica, Paulo César

Duque-Estrada apresenta que a mesma “[...] consistia, basicamente, em uma

desmontagem das estruturas tão evidentes quanto ossificadas de sentido,

permitindo ao conceito uma abertura ao âmbito em que ele fora originariamente

pensado” (DUQUE-ESTRADA, 2010, P. 19). Todavia, Derrida acreditou que

esta denominação (“destruição”) seria inviável (além de manter um sentido

definitivo e violento) para esclarecer seu pensamento ao mundo.

A desconstrução, de acordo com Derrida, necessariamente parte da

aceitação de aporias, mas não no sentido tradicional de aceitação de

paradoxos como verdadeiros e sim, compreender aquilo que não se pode

decidir ou optar como alicerces racionais que favorecem e propõem os

questionamentos livres acerca de conceitos já cristalizados que promovem a

padronização de pensamentos.

Para isso, como se observa na obra Gramatologia e A Escritura e a

Diferença, publicada em 1967, Derrida apresenta que a desconstrução do

pensamento se faz mediante o desaparecimento do quase-conceito metafísica

da presença (herança do pensamento logocêntrico ocidental), que se trata do

erro comunal que todos caímos quando tratamos de um determinado conceito

como Educação, Liberdade, Democracia, por exemplo, sem levar em conta sua

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30 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

ausência, ou seja, quando não pensamos que apesar destes conceitos

existirem e consequentemente assumirem uma presença na realidade das

pessoas, eles também admitem uma ausência concomitante.

Isto é, existe também (e infelizmente as pessoas não pensam nisto) uma

Não-Educação, uma Não-Liberdade, uma Não-Democracia, por exemplo.

Portanto, o conhecimento que apresentam acerca destes conceitos é

superficial. Os conceitos, conforme estamos acostumados a pensar e a

entendê-los – apenas possuem valor cognitivo (só podemos conhecê-los como

pensamos conhecer), pois eles apenas podem existir atrelados à um contexto

e, jamais por si sós. Um exemplo claro disto, é o conceito de “mulher”: sabe-se

que uma determinada pessoa é “mulher”, pois apresenta um comportamento

específico e, simultaneamente, sua figura surge na medida e no contexto

biológico da existência de um outro ser cujo conceito é denominado “homem”.

Isto é, só conhecemos um determinado conceito, pois este existe em

contraponto à outro, no contexto deste contraponto, e, jamais por si só.

A esta dicotomia de opostos (presença versus ausência e entre outros)

desenvolvidos e fixados pelo logos que se instituiu na linguagem ocidental pela

tradição filosófica, Derrida atribui a característica de serem indecidíveis, ou

seja, tratam-se de opções que não podem ser ditas visto que não existe

oposição quando tudo faz parte de tudo. Em outras palavras: para existir o

bem, por exemplo, necessariamente precisa existir o mal (que é o não-bem) e,

eles fazem parte de uma mesma coisa, portanto existem concomitantemente,

logo, são inseparáveis.

A visão que Derrida tem das Universidades é crucial para entendermos o

seu real papel na sociedade como um princípio de resistência, tal como o

pensador franco-argelino defende: “É preciso então não apenas um princípio

de resistência, mas uma força de resistência – e de dissidência.” (DERRIDA,

2003. p. 22), para que seja desconstruído o conceito de soberania que os

Estados empreendem em tais instituições de ensino.

Derrida é pontual a caracterizar o interesse dominador que os Estados

apresentam para com as Universidades: um interesse mercantil, no intuito de

aplicar recursos em áreas que possam render novos recursos financeiros

futuros. Conforme Derrida é papel das “Humanidades” presentes nas

Universidades (com ênfase no curso de Direito) que precisam se tornar as

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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 31

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

grandes forças de resistência, haja vista que, de acordo com Derrida, são estas

que precisam ser as forças de resistência, pois são essas que trabalham com o

pensamento. Tal como podemos observar:

(...) esse princípio de incondicionalidade se apresenta, originalmente e por excelência, nas Humanidades. Ele tem um lugar de apresentação, manifestação, de salvaguarda originária e privilegiada nas Humanidades, nelas dispondo igualmente de um espaço de discussão e de reelaboração. Isso passa tanto pela literatura e as línguas (ou seja, as ciências ditas do homem e da cultura), quanto pelas artes não-discursivas, pelo direito e pela filosofia, pela crítica, pelo questionamento e, para além da filosofia crítica e do questionamento, pela desconstrução – quando se trata de nada menos que re-pensar o conceito de homem, a figura da humanidade em geral, e singularmente aquela que pressupõem as assim chamadas, na Universidade, há séculos, Humanidades. (DERRIDA, 2003, p.23)

As Humanidades, segundo Derrida, são “[...] lugares de resistência

irredentista, até mesmo, analogicamente, como uma espécie de princípio de

desobediência civil, ou ainda, de dissidência em nome de uma lei superior e de

uma justiça do pensamento.” Entretanto, Derrida afirma que é necessário

reelaborar o conceito de Humanidades:

Em meu espírito, não se trata mais somente do conceito conservador e humanista a que se associam com frequência as Humanidades e seus antigos cânones – os quais, não obstante, a meu ver, devem ser protegidos a todo custo. Permanecendo ao mesmo tempo fiel à tradição, esse novo conceito das Humanidades deveria incluir ainda o direito, as teorias da tradução, além do que se chama, em cultura anglo-saxã, da qual é uma das formações originais, a ‘theory’ (articulação original de teoria literária, de filosofia, de linguística, de antropologia, de psicanálise, etc), mas também, certamente, em todos esses lugares, as práticas desconstrutivas. (DERRIDA, 2003, p.25)

O que Derrida pretende apresentar com essa reelaboração do conceito

das Humanidades é a fé no saber, é o trabalho que opera nas Universidades

de forma que professe uma “fé” no saber, mas que não se feche em apenas

discursos do saber e, sim, em discursos performativos do saber. Derrida visa

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32 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

um saber que possa ser colocado em prática e não apenas conhecido e

pensado. De acordo com o pensamento derrideano, associar fé ao saber e o

saber à fé é estabelecer uma profissão de fé, um compromisso, uma promessa,

uma “responsabilidade assumida” que não se valem de discursos do saber,

“mas de discursos performativos que produzem o acontecimento de que falam.”

Tendo em vista esta explanação de algumas ideias derrideanas acerca da

incondicionalidade das Universidades, é possível realizar uma discussão

acerca da realidade acadêmica que cada um está vivenciando atualmente.

Portanto, é neste contexto que esta pesquisa se desenvolverá

procurando abarcar, compreender e estimular possíveis desconstruções (a

partir da proposta de Jacques Derrida) na estrutura curricular de ensino,

pesquisa e extensão do curso de Licenciatura em Filosofia da Unioeste –

campus Toledo. É importante ressaltar que este trabalho tem caráter inicial e

primário, que procurará instigar questionamentos, tais como: Seria possível

estabelecer novas maneiras de compreender a Educação no curso de Filosofia

da Unioeste? Se sim, quais seriam essas maneiras? Se não, o que nos impede

de criá-las? A compreensão dos textos filosóficos estudados durante a

graduação estão sendo aprendidos por meio de um pensar crítico ou

simplesmente são acúmulos de informações e conhecimentos? Hoje em dia se

faz filosofia no curso de Filosofia da Unioeste? O curso de Filosofia da

Unioeste é uma graduação que busca ser uma “força de resistência” diante da

constante e atual mercantilização do saber?

Derrida trás a tona a questão de que a Universidade precisa ser uma

“força de resistência” e de “dissidência”, mas alerta também de que essa

desconstrução em suas estruturas precisa ser cautelosa, haja vista que algo

que é independente demais, tende a se render com mais facilidade, ou seja, a

incondicionalidade de uma Universidade acarreta, em Derrida, uma ausência

de poder e de defesa. Derrida em sua obra A Universidade sem condições

(2003) afirma que a Universidade “[...] por ser absolutamente independente, é

também uma cidadela exposta”. E ainda em relação a incondicionalidade da

Universidade, Derrida destaca que: “Ela se oferece, permanecendo por

conquistar, frequentemente destinada a capitular sem condição. Em todo lugar

onde comparece [se rend], está prestes a se render [se rendre]. Por não aceitar

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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 33

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

que lhe imponham condições, às vezes ela é compelida, exangue, abstrata, a

se render também sem condição.” (Derrida, 2003. p. 21)

REFERÊNCIAS

BORGES, André de Barros./Pedagogia da Aporia: Filosofia, Educação e Universidade na Obra de Jacques Derrida./Revista Sul - Americana de Filosofia e Educação, UnB – Universidade de Brasília/DF, n.8/9, Maio/2007 – Abril/2008. Disponível em: http://periodicos.unb.br/index.php/resafe/article/view/5195/4369. Acesso em: 25/06/2015. DERRIDA, Jacques. A Escritura Pré-Literal. In: DERRIDA, Jacques. Gramatologia 1ª Edição. Tradução: Mirian Schnaidermann e Renato Janini Ribeiro. São Paulo: Perspectiva, Ed. da Universidade de São Paulo, 1973. p. 03-79. DERRIDA, Jacques. A Universidade sem condições. Tradução: Evandro Nascimento São Paulo: Estação Liberdade, 2003. DERRIDA, Jacques. Freud e a cena da escritura. In: DERRIDA, Jacques. A Escritura e a Diferença 2ª Edição. Coleção Debates. Tradução: Maria Beatriz Marques Nizza da Silva. São Paulo: Perspectiva, 1995. p. 179-226. DERRIDA, Jacques. O Olho da Universidade. Tradução: Ricardo Iuri Canko e Ignacio Antonio Neis. São Paulo: Estação Liberdade, 1999. DUQUE-ESTRADA, Paulo Cesar. Desconstrução e Incondicional Responsabilidade. Revista Cult. São Paulo. Edição Nº117 03/2010. Disponível em: <http://revistacult.uol.com.br/home/2010/03/desconstrucao-e-incondicional-responsabilidade/> Acesso em: 20/07/2015. HEIDEGGER, Martin. As duas tarefas de uma elaboração da questão do ser In: HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo Parte I. 15ª ed. Petrópolis/RJ: Vozes. 2005. p. 42-71.

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34 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

O SENTIMENTO UNIVERSAL COMO FUNDAMENTO DA MORAL EM HUME.

Giovani Luiz Zimmermann Junior Universidade Estadual do Oeste do Paraná - Campus de Toledo

José Ames (orientador) [email protected]

RESUMO:

David Hume em sua obra: Investigações sobre o entendimento humano e sobre os princípios da moral (1751), estabelece princípios racionais motivantes quanto a moral. Para o pensamento humeano as crenças morais são intrinsecamente motivantes e não precisam de forças teológicas-metafísicas. A razão por si só não motiva ninguém, a razão descobre os fatos e a lógica, mas ela depende dos desejos e preferências quanto à percepção daquelas verdades e só isso nos motiva. A razão por si não produz crenças morais. A moralidade depende ultimamente do sentimento, sendo o papel da razão apenas o de preparar o caminho para os nossos sensíveis julgamentos por análise da matéria moral em questão. Os méritos pessoal e moral residem nisso, em que cada ser humano racional possa por si mesmo discernir qualidades úteis e agradáveis da vida cotidiana, estabelecendo juízos das coisas, livre de preconceitos, ilusões, superstições ou influências religiosas.

PALAVRAS-CHAVE: Moralidade; Bem; Sentimento; Razão.

A moral sempre foi um assunto em discussão em todos os tempos e em

todos os lugares. Foco de muitos debates em cenários filosóficos e artísticos e

tema sempre pertinente em todas as eras e lugares, pois a moral faz parte da

própria essência humana. A palavra moral vem do latim mores e significa

“relativo aos costumes” segundo historiadores a palavra moral originou-se a

partir do intento dos romanos traduzirem a palavra grega êthica. Quando

falamos acerca da moral, algumas perguntas vêm à mente: Qual seria o

fundamento da moral? Como podemos observar estes princípios na

humanidade? A moral seria algo intrínseco ao ser humano ou vem de

influências externas ao homem? De onde vem a moral? Para tentar responder

estas perguntas pertencentes a essência da própria natureza humana David

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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 35

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

Hume (1711-1776) aborda seus fundamentos em sua obra: Investigações

sobre o entendimento humano e sobre os princípios da moral (1751).

Hume pretendia em seu tempo fazer no âmbito das ciências do homem,

o mesmo que Newton havia realizado no âmbito da ciência natural: explicitar e

investigar as leis e princípios básicos que comandam os modos de pensar,

sentir e de conviver entre os seres humanos. Para Hume, os assuntos morais

abrangiam todos aqueles temas que hoje consideramos como pertencentes as

ciências humanas, como a política, o direito, a moral, a psicologia e a crítica

das artes. Ele possuía uma visão futurística dentro da filosofia moderna do que

seriam ciências ou ramificações que fluiriam de dentro da própria filosofia.

Para o pensamento humeano as crenças morais são intrinsecamente

motivantes e não precisam de forças teológicas-metafísicas. Se você acredita

que matar é errado, você estará motivado interiormente a não matar

(internalismo moral). A razão por si só não motiva ninguém, a razão descobre

os fatos e a lógica, mas ela depende dos desejos e preferências quanto à

percepção daquelas verdades e só isso nos motiva. A razão por si não produz

crenças morais. A moralidade depende ultimamente do sentimento, sendo o

papel da razão apenas o de preparar o caminho para os nossos sensíveis

julgamentos por análise da matéria moral em questão.

Sobre o mérito pessoal e motivação moral Hume declara: “[...] toda

qualidade da mente que seja útil ou agradável a própria pessoa ou a outros

transmite um prazer ao espectador, granjeia sua estima e recebe a honrosa

denominação de virtude ou mérito” (HUME, 2004, p.357). Ou seja, a virtude

surge ao apreciar algo de utilidade pública e privada, e isso gera uma

satisfação pessoal por si só. São qualidades da mente, são pensamentos bons,

agradáveis, construtivos e não destrutivos a nível pessoal ou coletivo. Os

méritos pessoal e moral estão nisso, que cada ser humano racional possa por

si mesmo discernir qualidades úteis e agradáveis da vida cotidiana,

estabelecendo juízos das coisas por sua razão natural, livre de preconceitos,

ilusões, superstições ou influências religiosas.

Sobre a influência negativa da religião, Hume declara: “[...] parece

razoável supor que sistemas e hipóteses perverteram nossa faculdade natural

de entendimento, ao vermos que uma teoria tão simples e obvia conseguiu

escapar por tanto tempo aos exames mais cuidadosos” (HUME, 2004, p.349).

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36 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

Para Hume, celibato, jejum, penitência, mortificação, negação de si mesmo,

submissão, silêncio, solidão e todas as chamadas virtudes monásticas,

deveriam ser rejeitadas pelas pessoas sensatas, porque segundo Hume não

servem a nenhum propósito humano-racional; não o faz membro mais valioso

da sociedade, e acabam afetando suas alegrias na convivência social, acabam

diminuindo e afetando a satisfação pessoal dos indivíduos e não acrescentam

em nada a sua potencialidade e sociabilidade. Conforme afirma Hume: “Elas

frustram todos, entorpecem o entendimento, endurecem o coração, toldam a

imaginação e amargam o temperamento” (HUME, 2004, p.340). Hume não via

a importância e sequer sentido para tais práticas, pois para o autor elas não

contribuíam em nada na formação do indivíduo quanto a sua moral e convívio

social com seus semelhantes. Pelo contrário, via nas virtudes monásticas algo

funesto e irracional, que precisava ser banido pelos empiristas céticos de sua

época. Baseado na razão e experiência, Hume afirmava que essas influências

religiosas não contribuíam em nada no fator motivacional moral das sociedades

humanas.

Quando Hume fala da natureza humana e do sentimento universal como

fundamento da moral, ele declara: “(...) há alguma benevolência, ainda que

pequena, infundida em nosso coração, alguma centelha de afeição pelo gênero

humano, alguma parcela de pomba entrelaçada, em nossa constituição, a

elemento de lobo e serpente” (HUME, 2004, p. 350).

Hume reconhece que dentro dos homens existem algo de bom,

moralmente falando, que está no interior do homem, um sentimento universal

de afeição entre os homens, mas também dentro desta natureza existe um

dualismo entre a pomba (bem moral) e a serpente ou lobo (mal moral). Esses

sentimentos segundo Hume são frágeis, mas são sentimentos que são

capazes de comandar as decisões de nossa mente e de produzir sempre uma

preferência pelo que é útil e proveitoso a humanidade e o indivíduo, ao invés

de escolher aquilo que é prejudicial e perigoso.

Surge então no pensamento humeano a “distinção moral”, que é um

sentimento geral de censura e aprovação, uma espécie de inclinação, mesmo

que pequena pelas virtudes ou o bem moral, e ao mesmo tempo uma aversão

proporcional aos vícios (mal moral ou corrupção humana). Conforme declara

Hume: “A noção de moral implica algum sentimento comum a toda

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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 37

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

humanidade, que recomenda o mesmo objeto a aprovação generalizada e faz

que todos os homens, ou a maioria deles, concordem em suas opiniões ou

decisões relativas a esse objeto” (HUME, 2004, p. 351).

Todos os indivíduos racionais e morais devem priorizar portanto um

ponto de vista comum (bem comum) para si e para outros, em detrimento de

buscar seus próprios interesses privados e particulares devemos sempre

priorizar o universal/coletivo. De acordo com o pensamento humeano:

Ele deve, portanto, distanciar-se de sua situação privada e particular e adotar um ponto de vista comum a si e aos outros; ele precisa mobilizar algum princípio universal da constituição humana e ferir uma tecla com a qual toda a humanidade possa ressoar em acordo e harmonia. Assim, se pretende expressar que um certo homem possua atributos cuja tendência é nociva a sociedade, ter escolhido esse ponto de vista comum e tocado um princípio de humanidade com a qual toda pessoa, em certa medida, concorda. (HUME, 2004, p. 352)

As pessoas que reconhecem este sentimento universal têm a

capacidade de ferir ou tocar na tecla com a qual toda a humanidade possa

ressoar em acordo e harmonia, ou seja, fazer com que suas afirmações

ressoem nos corações de toda humanidade quando estas estão de acordo com

esse sentimento universal moral coletivo. Um exemplo disso é a afirmação: Ele

é meu inimigo (algo particular que afeta só a uma pessoa). E outra coisa é a

afirmação: Ele é corrupto (algo universal que afeta toda a sociedade). Quem

bem utiliza e conhece esse entendimento da natureza humana será muito mais

eficaz em suas preposições, pois utiliza deste sentimento universal moral

presente em todos os seres racionais.

Para Hume o coração humano é composto dos mesmos elementos,

jamais será totalmente insensível ao bem público, nem inteiramente indiferente

as tendências dos caracteres e condutas humanas. Essa afeição humanitária

pode até não ser tão forte como a vaidade ou a ambição, mas é comum em

todos os seres humanos, e isso fomenta uma fundação para a moral humana

ou para qualquer sistema moral geral de censura ou louvor. Hume afirma que:

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38 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

Não apenas os sentimentos decorrentes do caráter humanitário são os mesmos em todas as criaturas humanas e produzem a mesma aprovação ou censura, como também abrangem todas essas criaturas, de modo que não há nenhuma cujo comportamento ou caráter que não seja, em virtude deles, um objeto de censura ou aprovação para todos. (HUME, 2004, p. 353)

Observa-se que aprovação e censura são os dois elementos que

incidem sobre o pensamento moral, de acordo com Hume das escolhas morais

positivas surgirão as virtudes louvadas pelas pessoas, ou diante das escolhas

e ações negativas surgirão os vícios reprovados pela sociedade na qual o

indivíduo esteja inserido. É um caráter humanitário, ou seja, um senso coletivo

comum presente em todos os indivíduos racionais. Esse sentimento universal

abrangente estende-se a toda humanidade e faz com que mesmo as ações e

comportamentos das pessoas mais distantes sejam objetos de aplauso ou

censura, tendo ou não regra de correção estabelecida pelos costumes da

sociedade. Tudo aquilo que é benéfico a sociedade ou a própria pessoa

sempre será preferido. Toda qualidade ou ação humana deve ser submetida a

censura ou aplauso geral. Conforme afirma o autor:

Qualquer conduta que ganhe minha aprovação ao tocar minha humanidade também obterá o aplauso de todos os seres humanos, ao excitar neles o mesmo princípio. Mas o que serve a minha avareza ou ambição só satisfaz essas paixões em mim mesmo, e não afeta a avareza ou ambição do resto da humanidade. (HUME, 2004, p.354)

O indivíduo moral é aquele que prefere o bem coletivo, o respeito mútuo

entre os indivíduos, a sociabilidade, a paz social ao invés da satisfação pessoal

egocêntrica. Essa conduta com respaldo universal é o que ganha aprovação e

o aplauso de todos os seres humanos racionais. A moral então para Hume é

identificada, virtude e vício tornam-se conhecidos, os indivíduos passam a ter

uma ideia geral das ações e condutas humanas, princípios universais passam

a ser estabelecidos, e sentimentos particulares egocêntricos são controlados e

restringidos.

A humanidade para Hume levanta-se sobre estes princípios sociais e

universais contra seus inimigos comuns: o vício e a desordem. Uma

preocupação benevolente pelos demais (sentimento solidário) está difundida

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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 39

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

em maior ou menor grau entre todos os seres humanos. O discurso propaga, o

convívio social o incentiva, e as naturezas solitárias e incultas são despertadas

da letargia. Segundo afirma Hume: “Exemplos de arruaças populares,

rebeliões, sublevações, pânico e todas as paixões compartilhadas por uma

multidão ensina-nos o poder que tem a sociedade para despertar e alimentar

todo tipo de emoção [...] Motivos fúteis e insignificantes bastam para

desencadear as mais incontroláveis desordens” (HUME, 2004, p. 355).

Outro elemento da natureza humana importante e consolidador da moral

é o amor pela fama, que reforça ainda mais em todos os seres racionais o

sentimento moral. Conforme declara Hume: “Em nossa busca contínua e

sincera de um caráter, um nome, uma reputação na sociedade, passamos

frequentemente em revista nossos procedimento e conduta, e consideramos

como eles aparecem aos olhos dos que nos estão próximos e nos observam”

(HUME, 2004, p. 356). Por tanto, para Hume todos estão nessa busca por

reputação ou imagem perante a sociedade onde estão inseridos, essa imagem

está baseada nas condutas e procedimentos, são observadas, avaliadas,

reprovadas ou louvadas por aqueles que convivem entre humanos. Esse é por

si mesmo um fator motivante para o confronto racional mediante ações morais.

O que pensarão? Que imagem farão de mim? Como ficará minha reputação

mediante esta ou aquela ação? Todos possuem um nome a zelar e uma

imagem social a preservar. Hume reforça esta qualidade intrínseca presente

entre os humanos em sociedade. Hume afirma que “Esse constante hábito de

nos inspecionarmos pela reflexão mantém vivos todos os sentimentos do certo

e do errado, e engendra, nas naturezas mais nobres, uma certa reverência por

si mesmo e pelos outros que é a mais segura guardiã de toda a virtude”

(HUME, 2004, p. 356). Assim os prazeres efêmeros animalescos perdem seu

valor, enquanto que as beatitudes e graças morais são progressivamente

adquiridas pelo indivíduo, seu espírito torna-se aperfeiçoado e moderado como

convém a todas as criaturas racionais.

Segundo Hume a moral baseia-se nesses 3 pilares: 1) No sentimento

universal de bondade e solidariedade presente em todos os seres humanos; 2)

Em nosso cuidado por preservar nossa reputação perante os outros; 3)

Recebermos por nossas ações a aprovação ou censura da humanidade. Esses

são os três elementos racionais que por si são fatores motivadores para as

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40 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

ações morais de todos os homens, sem apelo a influências metafísicas ou

religiosas.

Para ele tudo o que promove o bem da sociedade é uma virtude a ser

exaltada, ou seja, útil e agradável. Justiça, fidelidade, honra, veracidade,

lealdade são elementos que preservam e tornam possível a própria existência

das sociedades humanas. Essas virtudes e qualidades imediatamente

“agradáveis aos outros” para Hume “já falam suficientemente por si mesmas, e

deve ser na verdade muito infeliz, quer em seu temperamento quer em sua

convivência social, quem nunca se apercebeu dos encantos de um espírito

exuberante, de uma efusiva amabilidade, de uma delicada modéstia, de uma

decorosa polidez” (HUME, 2004, p. 358). Por tanto, após estas breves

reflexões, podemos meditar sobre o pensamento humeano e analisar nossas

próprias condutas, conhecer nossa própria natureza humana, e reconhecer o

papel da razão e do sentimento, cada qual cumprindo seu papel.

REFERÊNCIAS

HUME, David. Investigações sobre o entendimento humano e sobre os princípios da moral. Tradução de José Oscar de Almeida Marques. São Paulo: Editora UNESP, 2004.

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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 41

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

A AUTONOMIA DA VONTADE COMO PRINCÍPIO SUPREMO DA

MORALIDADE

Jhonatan Pereira de Queiroz Unioeste – Campus Toledo

[email protected]

RESUMO:

No propósito de explicitar e discutir os conceitos centrais da ética kantiana e suas articulações serão abordadas na breve texto que se segue as duas primeiras seções da Fundamentação da Metafísica dos Costumes. O mapa conceitual gira em torno dos seguintes termos: vontade, dever, autonomia, lei moral, imperativo categórico. Nesse sentido, a proposta de trabalho visa analisar duas questões pontuais levantadas na obra já mencionada. A primeira: "A autonomia é o fundamento da dignidade da natureza humana e de toda natureza racional"(FMC, p. 235)3. A segunda, já colocada pelo próprio Kant sob a forma de problema: "A questão que se põe é, portanto, esta: – é ou não é uma lei necessária para todos os seres racionais a de julgar sempre as suas ações por máximas tais que eles possam querer que devam servir de leis universais? [...]" (FMC, p. 227).

PALAVRAS-CHAVE: Autonomia; Vontade; Liberdade; Kant.

Kant, ao escrever uma fundamentação, se propõe a buscar e fixar o

princípio supremo da moralidade; quer dizer: instaurar sob um solo seguro uma

filosofia moral absolutamente baseada na Razão (pura prática) - uma

Metafísica dos Costumes - haja em vista o contexto e significação do período

no qual decorreu o sistema filosófico kantiano - de Descartes a Hume,

passando por Leibniz, Kant revolucionariamente consagra-se pensador original

assumindo tal tarefa.

A obra citada divide-se em três partes precedidas por um prefácio:

Primeira, Segunda e Terceira Seção. No prefácio, o filósofo explicita o caráter,

desde os antigos, subdivido ou ramificado da filosofia, no qual cada subdivisão

possui seu objeto e "método" de estudo; da mesma forma, levando em conta

3 A obra Fundamentação da Metafísica dos Costumes será citada, neste trabalho, com a abreviatura FMC.

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42 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

os conceitos que intitulam a obra, Kant esclarece o que se deve entender por

metafísica e a relação desta com uma filosofia moral, que se faz necessária,

uma vez que a metafísica constitui o conjunto dos princípios a priori da Razão

quer pura - com respeito ao conhecimento - quer prática, isto é, com vistas ao

agir.

Partindo da ideia de que no conhecimento popular já se encontram

presentes as noções fundamentais da moral, embora aquele seja ainda pré-

filosófico, Kant propõe a passagem deste conhecimento moral popular a um

filosófico então conceitualizado. Esta é a proposta da primeira seção. Tais

conceitos fundamentais da moralidade são: a) o conceito de vontade boa em si

mesma e seu princípio formal, ou seja, aquilo que a faz boa em si mesma; b) o

conceito de dever, o qual contém em si, sob “certas limitações e obstáculos

subjetivos” o de vontade boa, e se apresenta, na prática, sob dois aspectos: há

aquelas ações praticadas de acordo com o dever, que se distinguem daquelas

praticadas por dever.

O autor inicia a primeira seção delimitando o princípio fundamental da

razão no seu uso prático, através da proposição: “Neste mundo, e até também

fora dele, nada é possível pensar que possa ser considerado como bom sem

limitação, a não ser uma só coisa: uma boa vontade” (KANT, 1979, p. 203).

Quer dizer, o incondicionado e absolutamente bom é um único, que vale para

todo e qualquer ser racional: uma vontade boa. Todos os outros talentos ou

condições do espírito são bons relativamente. A razão, em seu aspecto prático,

então, está voltada para uma vontade que é boa em si mesma, e não para a

felicidade, como pretendia a ética antiga – a não ser que fossemos animais,

servidos unicamente de instintos ou de inclinações. Ora, o que caracteriza a

simples vontade como sendo boa absolutamente? O que a constitui como tal?

Justamente o que a constitui enquanto tal: o puro querer, princípio formal da

vontade. Se a vontade fosse destituída de todo e qualquer objeto ao qual

emprega e direciona os seus maiores esforços, restaria tão somente o puro

querer, em si e por si, e “ela ficaria brilhando por si mesma como uma joia,

como alguma coisa que em si mesma tem o seu pleno valor” (KANT, 1979, p.

204). Uma vez que a razão prática é direcionada para uma vontade boa, não

resta dúvida de que é ela necessariamente quem a deve determinar. Porém,

nem sempre é isto o que ocorre. A vontade é, muitas vezes, influenciada pelos

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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 43

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

instintos naturais e pelas inclinações que tendem a determina-la, “[...] se a

razão não é apta o bastante [...]” (KANT, 1979, p. 204) para guiá-la

seguramente. E é somente através daquela determinação necessária da razão

que se produz uma vontade boa em si mesma, absolutamente.

Kant, então, passa à abordagem do dever, que é intricado ao conceito

de vontade boa, e que, de certa forma, o contém. Fica claro a afirmar que

deixará de parte aquelas ações que são contrárias ao dever, e quanto àquelas

praticadas de acordo com este, também as colocará de lado, pois neste caso é

fácil distinguir quando foram praticadas em conformidade ou mera intensão

egoística. Neste primeiro passo, Kant parte de exemplos para analisar e

distinguir estes dois aspectos do conceito de dever e só depois irá defini-lo

diretamente. Essa distinção é necessária porque diz respeito à motivação da

vontade em sua ação. Ou seja, aquelas ações praticadas de acordo com o

dever, tem sua motivação ou numa intenção egoística ou em inclinações

imediatas, enquanto que naquelas praticadas por dever, a única motivação é o

próprio agir por dever, sem nenhuma outra finalidade ou intenção envolvida,

que não o próprio dever moral. Em outras palavras: o valor moral não reside de

modo algum no objeto (nem no efeito) o qual se quer atingir, mas no próprio

querer, na máxima que ordena a ação. Estas últimas – e somente estas – são

as ações que possuem valor moral. De acordo, pois, com a determinação

universal (da razão sobre a vontade) tem-se, então, a lei moral como princípio

objetivo válido para todo ser racional, e a máxima enquanto princípio subjetivo

da vontade. A primeira constitui, portanto, “[...] o princípio segundo o qual se

deve agir”; enquanto que a segunda corresponde ao “[...] princípio de acordo

com o qual o sujeito age”. A partir dessas noções, o autor formula a proposição

que define o conceito de dever, qual seja: “Dever é a necessidade de uma ação

por respeito à lei” (KANT, 1979, p. 208). Nessa proposição aparece pela

primeira vez o conceito de respeito que se distingue de inclinação ou de

aprovação. Segundo Kant, só posso ter respeito por aquele objeto que está

ligado a minha vontade, como princípio (objetivo) e nunca por aquele que o

está por efeito, afinal este último será sempre subjetivo, contingente, móbil.

Devo, pois, respeito à “simples lei por si mesma”. Nesse sentido, Kant afirma:

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44 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

Por conseguinte, nada senão a representação da lei em si mesma, que em verdade só no ser racional se realiza, enquanto é ela, e não o esperado efeito, que determina a vontade, pode constituir o bem excelente a que chamamos moral, o qual se encontra já presente na própria pessoa que age segundo esta lei, mas se não deve esperar somente do efeito da ação (KANT, 1979, p. 208).

O autor questiona que lei seria essa, na qual sua representação, mesmo

não levando em consideração o efeito que dela se espera, determinaria a

vontade, fazendo desta boa absolutamente. A resposta será aquilo que servirá

de estrutura para outro conceito fundamental à reflexão ética kantiana; sua

representação é: “[...] devo proceder sempre de maneira que eu possa querer

também que a minha máxima se torne uma lei universal” (KANT, 1979, p. 209).

A segunda seção tratará justamente deste tema: “[...] a doutrina do imperativo

categórico” e a autonomia da vontade, os conceitos-chave de nossas questões.

Já no prefácio à obra, Kant delimita como tarefa da segunda seção a

transição da moral popular para uma metafísica dos costumes. Por fim, a seção

executa a fixação do princípio supremo da moralidade, uma vez que o tenha

encontrado. O que se coloca, pois, a nós como problema é fundamentar a

relação entre a lei e a vontade, condição para que esta se constitua enquanto

vontade moral, isto é, capaz de agir por dever em respeito à lei (agir

moralmente). Faz-se necessário, para tal, passar do conhecimento moral

comum para o filosófico pelo simples fato de que o princípio supremo da

moralidade é absolutamente independente da experiência, i.e., livre de todo e

qualquer aspecto empírico.

“Tudo na natureza age segundo leis. Só um ser racional tem a

capacidade de agir segundo a representação das leis, i.e., segundo princípios,

ou: só ele tem uma vontade” (KANT, 1979, p. 217). Ora, como já vimos, a

vontade não é em si plenamente conforme a razão. Daí decorre que suas

ações conforme a lei serão objetivamente necessárias, mas subjetivamente

contingentes. A relação, portanto, da lei com a vontade, para que as ações se

tornem necessárias também subjetivamente, deverá ser determinante e

apresentar-se como obrigação.

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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 45

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De acordo com Kant, a representação desse princípio objetivo, enquanto

obrigante, chama-se mandamento, e sua fórmula imperativo, que se exprime

pelo verbo dever. O imperativo é, nesse sentido, a fórmula da representação da

lei objetiva da razão para com uma vontade subjetiva e, portanto, contingente,

pela primeira não determinada. Por conseguinte, a lei objetiva (moral) seria

igualmente válida em relação a uma vontade perfeita, porém esta não se

submeteria a obrigação conforme à lei, uma vez que naquela o querer se

identifica necessariamente à lei; pois que uma vontade perfeita – divina ou

santa – só pode ser determinada pela representação do bem, i.e., não estaria

sujeita a escolha pelo erro.

Assim, dirá ele: “Por isso os imperativos são apenas fórmulas para

exprimir a relação entre leis objetivas do querer em geral e a imperfeição

subjetiva deste ou daquele ser racional, da vontade humana, por exemplo”

(KANT, 1979, p. 218). Analisando a possibilidade de tal imperativo, Kant

constata que “naturalmente” fugimos dele, como se não quiséssemos “[...] que

a nossa máxima se torne lei universal” (KANT, 1979, p. 218). Sempre

pretendemos abrir nela uma exceção para nós em favor da nossa inclinação.

Nessa altura se põe aquela nossa segunda questão proposta de início, a

saber, se é ou não uma lei necessária para todos os seres racionais a de julgar

sempre as suas ações por máximas tais que eles possam querer que devam

servir de leis universais. O autor investiga então o que fundamenta (se é que

existe esse algo) um possível imperativo categórico ou uma lei prática e chega

então a noção de homem, de todo ser racional de maneira geral, como aquele

que “existe como fim em si mesmo”, ou seja, como aquele que possui valor em

si mesmo, ou ainda, como valor absoluto. Deste modo, formula-se uma

proposição diversa do imperativo, da qual derivará nossa primeira e principal

questão já apresentada: “Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na

tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente

como fim e nunca simplesmente como meio” (KANT, 1979, p. 229).

Nesse sentido, temos o conceito de pessoa como ser humano moral, o

qual possui valor em si mesmo, isto é, aquele ser dotado de dignidade absoluta

e que existe como fim em si enquanto ser racional. De outro lado está o

conceito de coisa, como sendo aqueles seres cuja existência depende do

concurso da natureza e não da nossa vontade, os quais possuem apenas um

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46 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

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valor relativo como meio. Justamente aqui reside uma distinção importante

estabelecida por Kant que servirá para compreendermos mais adiante

ulteriores implicações.

Ora, o que faz da humanidade e de toda natureza racional fim em si

mesmo? A razão determinadora da vontade boa e, por conseguinte, o poder-

ser moral possuindo o valor absoluto. Conforme vimos acima, objetivamente o

princípio de toda legislação prática reside na regra e na universalidade que a

torna lei; enquanto aspecto subjetivo, reside, porém, no fim; o que nos faz

relembrar que o sujeito de todos os fins é todo o ser racional como fim em si

mesmo. Conclui-se disso o princípio prático da vontade de todo ser racional

concebida como vontade legisladora universal. E segundo Kant, aqui a vontade

não está pois simplesmente submetida à lei, mas sim submetida de tal maneira

que tem de ser considerada também como legisladora ela mesma, e

exatamente por isso e só então submetida à lei (de que ela se pode olhar como

autora)” (KANT, 1979, p. 231).

É esse princípio, afirma Kant, o que convém adequadamente ao

imperativo categórico. De outro modo: se há um imperativo categórico ele só

pode ordenar que tudo se faça em obediência à máxima de uma vontade que

simultaneamente se possa ter a si mesma por objeto como legisladora

universal. Chegamos, pois, ao princípio da autonomia da vontade. Não

podemos falar de tal princípio sem tratarmos de um conceito, nos termos de

Kant, muito fecundo e implicado: o de um Reino dos Fins. Quer dizer, um

conjunto sistemático constituído por seres racionais interligados através de leis

comuns – uma “sociedade” de legisladores. Este ideal, conforme o coloca Kant,

realizaria todos os princípios acima expostos desde que por analogia fosse

tomado como um reino da natureza, i.e., um sistema regido por leis a partir das

quais tudo acontece.

Kant a esta altura define moralidade como sendo a relação de toda a

ação com a legislação, através da qual somente se torna possível um reino dos

fins. Prossegue afirmando que a moralidade é a única que pode fazer de um

ser racional um fim em si mesmo, pois só por ela lhe é possível ser membro

legislador no reino dos fins, isto é, ser autônomo. Quem, portanto, determina

todo o valor e quem possui justamente devido a tal, dignidade, é a própria

legislação. Nesse sentido, toda a natureza racional e sua dignidade é

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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 47

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fundamentada na autonomia pois é a única capaz de colocar a si mesma como

fim e só por isso é constituinte de uma vontade absolutamente boa, bem

supremo dignificante. “Podemos agora acabar por onde começamos, quer

dizer, pelo conceito de uma vontade absolutamente boa. É absolutamente boa

a vontade que não pode ser má” (KANT, 1979, p. 235).

REFERÊNCIAS

GAMBIM, Pedro. Ética filosófica: dois modelos. In: A Filosofia em Curso. Org: PORTELA, Luis Cesar Yanzer. Porto Alegre: Ed. Evangraf, 2012. KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. São Paulo: Ed. Abril Cultural, 1979. LIMA VAZ, Henrique C. Escritos de Filosofia IV – introdução à ética filosófica 1. São Paulo, 2009.

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48 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

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A SOBERANIA ABSOLUTA DO ESTADO EM HOBBES

Junior Cesar Luna Leandro Mateus Fernandes

Mestrandos - Unioeste [email protected] [email protected]

RESUMO:

Neste artigo, pretende-se apresentar a questão do Estado Absoluto em Hobbes. Sua temática central é o da soberania e o problema é responder como e por que a soberania segundo Hobbes, tem que ser absoluta. O fim último e o desígnio do homem para Hobbes é a sua própria conservação das necessidades. A soberania deve ser o instrumento para a garantia desse fim, porque ela garantirá o pacto que deu a ela origem. A soberania terá que ser absoluta, e esta é a tese aqui defendida, pois de outra forma o estado se dissolveria e o povo retornaria à condição de guerra.

PALAVRAS-CHAVE: Política; Estado Absoluto; Guerra; Soberania.

INTRODUÇÃO

Thomas Hobbes fundamentou, dentro de sua teoria política, a

constituição do Estado Social a partir de sua reflexão filosófica sobre a

condição natural da humanidade, e sobre o Estado de Natureza. Nesta reflexão

Hobbes leva em consideração a própria natureza humana, que para ele é

constituída basicamente de razão e paixão. No Estado de Natureza4, segundo

Hobbes há um predomínio das paixões. Elas tornam-se o guia em todas as

ações humanas, de tal maneira que, para a satisfação dos desejos particulares,

ela é cega e não leva em consideração o prejuízo causado ao outro. Desta

forma, enquanto não for instituído o Estado Social, os homens estão

potencialmente em guerra entre si. E, portanto, a fundamentação do Estado se

4 O estado de natureza é um estado hipotético, que não existiu. Para melhor compreensão, cf. Magalhães, que diz: “[...] condição natural do estado de guerra não é uma frase que se lê literalmente. Trata se de uma 'hipótese da razão', uma construção lógica, para exprimir uma situação em que os homens viveriam se não houvesse um senhor comum para subjugá-los” (MAGALHÃES, 2014, p 51).

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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 49

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dá como superação do Estado de Natureza, uma vez que neste estado pode se

multiplicar os conflitos desenfreadamente, caracterizando-se como estado de

guerra generalizada, onde o homem se torna o lobo do próprio homem e para

“domesticar” este lobo do homem, segundo Hobbes, é preciso que haja um

Estado Civil, um pacto social e um absoluto para controlar as paixões e permitir

uma convivência pacífica e segura aos homens.

ESTADO DE NATUREZA E ESTADO CIVIL

No Estado de natureza, várias são as coisas que potencializam o estado

de guerra generalizada. Em primeiro lugar a condição de igualdade natural

entre os homens. A partir desta igualdade dos homens, concebe-se que o

direito natural é ilimitado, ou seja, que todo o homem tem direito a todas as

coisas. Gerando assim, uma situação de desconfiança e insegurança

recíproca, tendo por efeito um estado de alerta constante, para a manutenção e

conservação da sua própria existência. Desta forma é que “os homens não

tiram prazer algum da companhia uns dos outros (e sim, pelo contrário, um

enorme desprazer), quando não existe um poder capaz de manter a todos em

respeito” (HOBBES, 1974, p. 79).

A competição, a desconfiança e a glória são as três principais causas

das lutas de uns contra os outros. E assim Norberto Bobbio, em sua obra

Thomas Hobbes, analisa a concepção hobbesiana de estado de natureza da

seguinte forma:

Não apenas o estado de conflito violento, mas também a situação na qual a calmaria é precária, sendo assegurada pelo temor recíproco (...), como seria aquele estado na qual a paz se torna possível unicamente por causa da permanente ameaça de guerra (BOBBIO, 1991, p. 37).

Segundo Hobbes, o medo contínuo e o perigo da morte violenta, os

quais vêm em consequência da guerra generalizada, incentivam ainda mais a

mesma. Eles não somente não permitem a civilização, ou seja, a desconfiança

recíproca não torna possível a agricultura, a indústria, a ciência e a navegação,

mas destroem tudo, de tal forma que:

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50 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

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Se alguém planta, semeia, constrói ou possui um lugar conveniente, é provavelmente de se esperar que outros venham preparados com força conjugadas, para desapossá-lo e privá-lo não apenas do fruto de seu trabalho, mas também de sua vida e de sua liberdade (HOBBES, 1974, p. 79).

Na interpretação de Renato Janine Ribeiro para Hobbes, o homem é um

indivíduo e este indivíduo não deseja tanto os bens, o que ele deseja são as

glórias, as honras e estas são as responsáveis pelas causas da violência; esta

é uma das principais consequências da busca da glória, pois quando os

homens guerreiam "[...] por ninharias, como uma palavra, um sorriso, uma

diferença de opinião, e qualquer outro sinal de desprezo, quer seja diretamente

dirigido a sua pessoa, quer indiretamente a seus parentes, seus amigos, sua

nação, sua profissão ou seu nome" (HOBBES, 1974, p. 75).

Para Janine a honra é uma atribuição a alguém, porém de caráter

externo, sendo assim afirma que:

O homem hobbesiano não é então um homo oeconomicus, porque seu maior interesse não está em produzir riquezas, nem mesmo em pilhá-las. O mais importante para ele é ter os sinais de honra, entre os quais se inclui a própria riqueza (mais como meio, do que como fim em si). Quer dizer que o homem vive basicamente de imaginação. Ele imagina ter um poder, imagina ser respeitado — ou ofendido — pelos semelhantes, imagina o que o outro vai fazer. Da imaginação — e neste ponto Hobbes concorda com muitos pensadores do século XVII e XVIII — decorrem perigos, porque o homem se põe a fantasiar o que é irreal. O estado de natureza é uma condição de guerra, porque cada um se imagina (com razão ou sem) poderoso, perseguido, traído (RIBEIRO, 1989, p. 49).

Seguindo a conclusão lógica de Hobbes, pode-se afirmar que no homem

no estado natural se encontra três princípios de discórdia. Primeiro, a

competição; segundo a desconfiança; e terceiro a glória. A primeira leva os

homens atacar uns aos outros, visando o lucro, a segunda segurança; e a

terceira a reputação. Os primeiros fazem uso da violência para dominar as

pessoas e os bens dos outros homens, os segundos, para defendê-los; e os

terceiros por ninharias.

Segundo Magalhães a incerteza é o problema maior para Hobbes,

sendo causada pela insegurança dos desejos humanos. Como há, no estado

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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 51

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

natural, o desconhecimento do pensamento de outrem, este pode se antecipar

e antecipa-se.

Não pensa que, para Hobbes, querem ferir os outros simplesmente por feri-los; eles desejam ter poder sobre os outros, é certo, mas apenas para assegurar sua própria preservação. Como no estado de natureza a instabilidade é uma realidade – a igualdade transforma o outro num inimigo em potencial (não se sabe o que ele pretende) – antecipação é o remédio adequado a doença da incerteza. Agressão justifica o direito da autodefesa. Depende exclusivamente 'de minha avaliação da situação'. Entra em cena a subjetividade humana. Para compreender o que são nossas paixões é preciso conhecer as circunstâncias que á determinam (...). Desconfiança é, tanto quanto a competição, por isso mesmo uma das principais causas da guerra. Não sou da guerra, mas pelo fato de que devido a intensa dificuldade de convivência os homens não tiram prazer da companhia dos outros. É o litígio aparente - viável, mas não definido - que atormenta o filósofo. A isso ele denomina de condição natural da humanidade (MAGALHÃES, 2014, pg. 48/49).

Diante das elucubrações hobbesianas acerca do possível estado de

natureza, ele infere que neste estado, os homens, sem exceção, têm direito a

todas as coisas:

O direito de natureza, a que os autores geralmente chamam jus naturale, é a liberdade que cada homem possui de usar seu próprio poder, da maneira que quiser, para a preservação de sua própria natureza, ou seja, de sua vida; e consequentemente de fazer tudo aquilo que seu próprio julgamento e razão lhe indiquem como meios adequados a esse fim (HOBBES,1974, p. 47).

E a grande questão que se manifesta do direito natural, para Hobbes, é

como resolver este conflito do meu e do teu no estado natural? Sua proposta é

o contrato social, através das leis naturais, que segundo o pensador do pacto é

a origem do Estado Civil, mas antes de seguir para o contrato social.

Como já vimos, conforme os autores, o Estado de Natureza é um estado

de insegurança. Nele, mesmo existindo leis naturais, por mais que sejam

compatíveis com a paz, a humanidade se encontra impedida de estabelecer

objetivos claros no sentido de estimular a cada um a buscar a paz. Este

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52 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

objetivo de encontrar a paz se torna impossível enquanto o homem viver no

Estado de Natureza, sem abdicar do direito que cada um tem de todas as

coisas. Desta forma faz-se necessário que os homens concordem entre si em

instituir um poder eficaz de coerção que torne possível a vida humana numa

relação de paz e de concórdia. E não pode haver tal poder antes de erigir-se

um estado. Portanto para constituir a paz, o homem precisa sair do estado de

Natureza e construir a Sociedade Civil, mas isso só ocorrerá através de um

acordo entre os homens.

A INSTITUIÇÃO DO ESTADO

A renúncia dos direitos que todos têm a todas as coisas, constitui-se na

principal finalidade do acordo. Só assim poderão sair do Estado de Natureza e

constituir o Estado, que, por sua vez, terá o poder comum capaz de mantê-los

em segurança e, também, de obrigá-los a cultivar o respeito de uns para com

os outros. Desta forma o Estado é resultado de um acordo entre os indivíduos

na multidão, surgindo como solução para a remoção das causas de

insegurança recíproca. Logo este acordo propiciará aos homens pactuarem

entre si, visto que, sob o temor do poder do Estado, este acordo torna-se

constante e permanente, e é a única maneira pela qual Hobbes concebe a

passagem do Estado de Natureza para o Estado Civil.

A única maneira de instituir um tal poder comum (...) é conferir toda sua força e poder a um homem, ou uma assembleia de homens, que possa reduzir suas diversas vontades, por pluralidade de votos, a uma só vontade (HOBBES,1974, p.109).

Assim este acorde se dá artificialmente através de um pacto que, por

sua vez une todos os homens àquele ou àqueles, a favor do qual renunciaram

seus direitos. Por conseguinte, todos submetem de igual modo todas as suas

aspirações quanto à paz, à segurança e a uma vida mais feliz, à vontade e às

decisões deste ou destes, desde que lhe represente. Diz Hobbes:

Cedo e transfiro meu direito de governar-me a mim mesmo a este homem, ou a esta assembleia de homens,

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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 53

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com a condição de transferires a ele teu direito, autorizando de maneira semelhante todas as suas ações. Feito isso, a multidão assim unida numa só pessoa se chama Estado (HOBBES,1974, p.109)

Deste pacto, através do qual a multidão uniu-se na pessoa do seu

representante, além de ser o mecanismo de passagem do Estado de Natureza

para o Estado Civil é, também, de onde emana o poder absoluto do Estado,

bem como do soberano ora instituído.

Visto que a constituição do poder soberano provém de um contrato

mútuo entre os indivíduos na multidão e não entre um povo e o soberano, este

poder soberano torna-se duradouro e, portanto, irrevogável. Pois os

contratantes não devem obrigação apenas entre si, mas, sobretudo, estão

obrigados ao seu representante a favor do qual o contrato foi efetuado.

A natureza deste contrato é de tal ordem que ele não pode ser rescindido apenas com o consenso das partes, mas é preciso também o consenso do terceiro diante do qual as partes estão reciprocamente obrigadas. (BOBBIO, 1991.p 44).

Consequentemente, é impossível ocorrer a destituição do poder

soberano. Uma vez feito o pacto não é mais possível desfazê-lo, pois os

pactuantes transferiram todos os direitos individuais para o soberano restando-

lhes somente o direito à vida e porque este pacto que constitui o Estado Civil é

original, não havendo nenhum anterior a ele. Portanto, mediante o pacto, o

povo é obrigado a permanecer fiel ao compromisso assumido um com o outro.

E, de maneira nenhuma, os homens poderão estar vinculados a pactos

anteriores, nem tão pouco a realizarem outros pactos entre si com a intuição de

criar um novo soberano. Assim, “[...] na medida em que pactuam, devem

entender-se que não se encontra obrigados por um pacto anterior a qualquer

coisa que contradiga o atual” (HOBBES, 1974, p 111).

Outro aspecto importante que contribui para a irrevogabilidade do poder

soberano é que o soberano jamais pactuou com os súditos, o soberano é

resultado do pacto realizado entre os súditos. E, se não houver pacto entre os

súditos e o soberano, segue-se também que não pode, entre essas duas

partes, ocorrer um consenso para o rompimento do contrato. Segundo Bobbio,

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54 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

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[...] Hobbes interpreta esses contratos em favor de um terceiro como um conjunto de pactos recíprocos entre os consociados, cujo conteúdo é a transferência dos próprios direitos a uma única pessoa, pactos esses seguidos pela doação de todos esses direitos à pessoa escolhida (...) E, um rompimento do contrato entre súditos e soberano não pode ocorrer pela seguinte razão: entre súditos e soberano, jamais teve lugar um contrato, já que o pacto de união é um contrato dos súditos entre si. (BOBBIO, 1991, p.44)

Dessa forma o soberano é um terceiro que está acima das partes

contratantes, para quem os súditos transferiram os seus direitos e, portanto,

devem obedecer-lhe em tudo, menos como já ficou dito, no que se refere o

direito à vida. Portanto, segundo Hobbes, cada um, além de render-lhe

obediência, deve também considerar todos os atos do seu soberano como

sendo seus próprios atos, até mesmo quando vier a punir um súdito porque

tentou conjugar forças ou resistência no sentido de tentar depor o soberano.

Cada homem conferiu a soberania àquele que é portador de sua pessoa, portanto, se o depuserem estarão tirando-lhe o que é seu, o que também constituiu injustiça. Além do mais, se aquele que tentar depor seu soberano for morto, ou por ele castigado devida a essa tentativa, será o autor de seu próprio castigo, dado que por instituição, é autor de tudo quanto seu soberano fizer. (HOBBES, 1974, p.111)

Portanto, é em decorrência da forma do pacto que Hobbes concebeu

que os homens não podem desfazer o pacto e destituir o soberano. Porque o

soberano, como já foi visto, é soberano não porque pactuou com cada um

individualmente, mas são os indivíduos quem os fez soberano quando

pactuaram entre si. Consequentemente os homens ficam impossibilitados de

contrariar o pacto que deu origem ao Estado. Isto é, não podem transferir a

soberania para outro através de pactos anteriores. Porque os pactos em si são

extremamente fracos, sem poder para garantir um estado de paz e de

segurança e, sobretudo, da permanência dos homens no Estado Civil. E, uma

vez realizado o pacto, os homens perdem os seus poderes. Somente o

soberano pode salvaguardar todos os seus direitos, o que podemos chamar de

um poder absoluto.

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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 55

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O PODER ABSOLUTO

Com a constituição do Estado, há a necessidade de se ter um poder

absoluto com o direto de usar todos os meios que lhe convier para garantir a

paz e preservar a vida de todos, conforme é a finalidade para qual foi instituído

o Estado. No entanto, a caracterização desta soberania absoluta não se dá

pela soma das vontades, mas a unidade de todas estas, cabendo aos súditos

somente a obediência. Diz Hobbes:

Visto que o fim desta instrução é a paz e a defesa de todos, e visto que quem tem direito a um fim tem direito aos meios, constituiu direito de qualquer homem ou assembleia de homens detenha a soberania de ser juiz tanto dos meios para a paz e a defesa quanto de tudo o que possa perturbar ou dificultar estas últimas. (HOBBES, 1974, p 113)

Outro argumento que Hobbes apresenta quanto à soberania absoluta é

que o soberano está acima das leis, ou seja, é ele que faz as leis. Elas, além

de serem regras que orientam no sentido de saber o que é justo ou injusto e a

respeito do bem e do mal, sevem também para ordenar e obrigar aos súditos

quanto á observância e ao cumprimento das mesmas. Disto segue-se que o

soberano não fica obrigado ou limitado por ninguém em virtude da sujeição às

leis. Como as leis emanam do soberano, o mesmo se encontra em plena

liberdade, inclusive para fazer o que lhe aprouver no que diz respeito à paz e à

segurança de todos os súditos. Diz ele:

O soberano de um Estado, quer seja uma assembleia ou um só homem, não se encontra sujeito às leis civis. Dado que tem o poder de fazer e revogar as leis que o estorvam a e fazendo outras novas; por consequência já antes era livre. Porque é livre quem pode ser libre quando quiser. E a ninguém é possível estar obrigado perante si mesmo, pois quem pode obrigar pode libertar, portanto quem está obrigado apenas perante si mesmo não está obrigado ((HOBBES, 1974, p 166).

No entanto, há de ficar dito, que o soberano jamais poderá infringir no

direito de preservação da vida dos súditos, visto que os mesmos, tendo

renunciado a todos os seus direitos no pacto, o fizeram em virtude da

preservação do direito à vida. Sendo assim, quando for posta em perigo a vida

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56 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

de um súdito por decisão do soberano, o mesmo tem liberdade suficiente para

desobedecê-la. Pois,

[...] se o soberano ordena a um homem – ainda assim que justamente condenado – que mate, fira ou mutile a si próprio, ou que não resista àquele que o ataca, ou que se abstenha de comer, de respirar, de tomar remédios ou de fazer outra coisa sem a qual poderia viver, esse homem tem a liberdade de desobedecer. (HOBBES Apud BOBBIO, 1991, p. 47)

Contudo, esta forma de desobediência ao soberano (direito do súdito de

preservação da vida, sendo este o direito primordial de todo homem) não

implica na diminuição do poder ilimitado do soberano no sistema absoluto.

Outro ponto fundamental para a sustentação desta soberania constitui-se no

fato deste poder soberano também ser indivisível.

Através do pacto, surge esta necessidade de um poder acima de todos,

senão seria impossível a continuidade deste pacto. Surge a necessidade de um

poder que seja irresistível, visível e que tenha também condições de castigar a

violação do pacto. Um poder “todo-poderoso” no nível terrestre, que faria

cumprir as leis formuladas pelo próprio homem. Um poder comum para

transformar a multidão em Estado, visto que na multidão cada um é guiado

pelos seus próprios critérios e internamente isto não estabeleceria a paz. Cito

Hobbes:

Portanto, apesar das leis de natureza, (...) se não for instituído um poder suficientemente grande para nossa própria segurança, cada um confiará, e poderá legitimamente confiar, apenas em sua própria força e capacidade, como proteção contra todos os outros (HOBBES, 1974, P.107).

Com a constituição do Estado Civil, o único que permanece com toda a

liberdade é o soberano, pois o mesmo não fez parte do pacto, ou seja,

permaneceu como se estivesse no Estado de Natureza não tendo deveres a

cumprir. Na constituição desta soberania se realiza uma unidade, não contendo

nem minoria ou maioria, mas, sim, uma forma uma de decisão. O soberano

simboliza este deus-mortal que teria o poder absoluto.

Portanto, na fundamentação do Estado é conferida toda força (visto que

todos têm força igual) a somente uma pessoa ou a uma assembleia de

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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 57

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homens, firmando assim um poder comum, uno. Transferindo toda a força a um

terceiro, só resta aos súditos obediência para concretizar este pacto, pois, com

mesmo, foi restringida toda a sua liberdade, todos os seus direitos (menos um,

a direito de preservação). Uma vez realizado o pacto, o súdito perde todo seu

poder.

Somente o soberano, permanece com os seus direitos, ou seja, um

poder absoluto, pois o mesmo tem o poder da espada e o poder da lei,

constituindo, assim, um poder indivisível. “Desse modo, estão reunidos na

mesma pessoa os três poderes de Estado tradicionais: poder executivo [...],

poder judiciário e o poder legislativo” (BOBBIO, 1991, p. 53).

E, assim, o caráter absoluto do soberano fica estabelecido. Este caráter

absoluto do Estado hobbesiano, que é a tese fundamental de sua filosofia

política, vai se confirmando a partir do Estado de Natureza, onde os homens

tinham direito sem limites a todas as coisas, os homens restavam

constantemente envolvidos em competições pela honra e pela dignidade, de tal

maneira que poderia surgir, em decorrência de suas próprias paixões, a inveja

e o ódio de uns para com os outros e, consequentemente, a autodestruição

pela guerra entre si.

Este poder, tal como Hobbes argumentou, se não fosse tão grande e

irrevogável, ou seja, soberano e absoluto, não se constituiria efetivamente no

Estado, como necessário à sobrevivência e a conservação humana. Porque,

sem tal poder, os homens através de suas paixões tenderiam a lutar pelo que é

propriamente seu, podendo voltar ao estado de guerra. Mas o Estado, assim

instituído como poder absoluto, tem força suficiente para fazer leis no sentido

de dirigir as ações de cada um, tendo em vista o bem comum, isto é, a paz e

proteção de suas vidas. E, partindo do pressuposto de que um benefício

comum só advém de uma união de todos na pessoa de um representante, o

Estado hobbesiano traz estes aspectos fundamentais, visto que, quando o

instituíram, todos ficaram unidos na pessoa do soberano, tornando-o capaz

para dar garantia tanto à paz quanta à vida.

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58 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pelos argumentos apresentados, considera-se que a soberania absoluta

do estado hobbesiano, mostrada e argumentada neste artigo, foi o principal

objetivo a ser alcançado. Todo este breve trabalho teve presente aspectos

gerais e fundamentais da sua teoria política. A Arguição de Hobbes defende

um Estado absoluto, um poder forte e uma vontade una. O soberano não

compactua e possui todos os direitos, de forma ilimitada, a partir da realização

de um pacto; os pactuantes, por sua vez, transferem seus direitos a ele, menos

o direito à vida. Tem a garantia de realizar as regras do pacto sob a “força da

espada”, expressão utilizada por Hobbes.

A teoria hobbesiana se faz importante, pois, mesmo que partindo do

pressuposto de um estado de natureza fabulado, nos leva à reflexão que

somente no Estado Civil o homem pode, ainda que de forma imperfeita, buscar

a paz e a segurança de sua vida, de seus bens e de sua família, visto que

somente o Estado, as leis, na figura do soberano podem garantir que o homem

se deixe governar por suas paixões e volte para guerra de todos contra todos.

REFERÊNCIAS

BOBBIO, Norberto. A Teoria das Formas de Governo. Tradução de Sérgio Bath, 4ª dição. Ed. Universidade de Brasília, Brasília, 1985. BOBBIO, Norberto. Thomas Hobbes. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Ed. Campos, Rio de Janeiro, 1991. HOBBES, Thomas. Leviatã. 1° edição. São Paulo. Abril Cultual, 1974. (Coleção Os Pensadores). MAGALHÃES. Fernando. 10 lições sobre Hobbes. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014 – (Coleção 10 lições). RIBEIRO, Renato Janine. A Marca do Leviatã: Linguagem e Poder em Hobbes. 2ª edição. Ed. Ateliê, São Paulo, 2003.

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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 59

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A CRÍTICA HEIDEGGERIANA ÀS CIÊNCIAS POSITIVAS

Katyana Martins Weyh UNIOESTE/Campus Toledo

Orientador: Dr. Roberto S. Kahlmeyer-Mertens [email protected]

RESUMO:

O tema dessa pesquisa é o “fenômeno humano” na fenomenologia existencial de Martin Heidegger. Nesta pesquisa também vamos tratar da crítica do filósofo às ciências positivas quando se trata do humano. Essa investigação procura responder o problema: Como Heidegger analisa o “fenômeno humano” em sua filosofia existencial? E também: Quais são as críticas do filósofo às ciências naturais quando se ocupam do “fenômeno humano”? Assim, temos o objetivo de indicar como Heidegger analisa o “objeto” a partir de sua filosofia e definir os termos de sua fenomenologia existencial, mostrando suas principais críticas. Buscaremos validar a hipótese de que o filósofo se ocupa do “fenômeno humano” de forma diferente das ciências positivas, pois a fenomenologia existencial desse autor confronta os métodos que as ciências utilizam para abordar o humano.

PALAVRAS-CHAVE: Fenômeno humano; Ciências positivas; Dasein; Heidegger.

Martin Heidegger (1889-1976) é um filósofo alemão vinculado à

fenomenologia contemporânea, área de pesquisa da filosofia que se preocupa

com o estudo dos fenômenos. A fenomenologia heideggeriana, por sua vez,

teve seu maior grau de repercussão a partir da publicação da obra Ser e tempo

(1927), quando a pergunta pelo sentido do ser motivou o filósofo a analisar o

“fenômeno humano”5 de forma completamente distinta da tradição histórico-

filosófica. Tento em vista que o que se deve colocar em questão é o sentido do

ser, Heidegger indica uma condição que se faz necessária para constituir um

ponto de partida ao acesso dessa questão e a isso chama de diferença

ontológica.

5 Adotamos fenômeno humano entre aspas até aqui, pois Heidegger utiliza um termo específico para tratar de tal fenômeno, a saber: ser-aí.

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60 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

Faz-se necessário compreender que a diferença ontológica é uma

proposta da analítica existencial6, onde Heidegger tem por objetivo distinguir os

termos ente e ser-aí (Dasein), a fim de tornar compreensível que o ser-aí é um

modo de ser de um ente privilegiado. Nas palavras do filósofo, o ser-aí “[...] não

é apenas um ente que ocorre entre outros entes”, mas sim aquele que “se

compreende em seu ser, isto é, sendo.” (HEIDEGGER, 2008, p. 38). Este

“sendo” é o que caracteriza a especificidade do ser-aí frente aos demais entes,

e o fato de existir no mundo como um ente que compreende ser é o que

permite que o ser-aí possa perguntar pelo seu sentido. Ademais, ser-aí é um

ente privilegiado porque, como afirma Casanova: “[...] o ser-aí é um ente que,

sendo, já sempre se relaciona compreensivamente com o seu ser e que não

pode deixar de se realizar a partir de uma das possibilidades de relação com o

seu ser” (CASANOVA, 2013, p. 90).

Para Heidegger, o ser-aí é um ente denominado como pura condição de

possibilidade, capaz de compreender sua própria existência e que se mostra

como ente sempre a partir de uma possibilidade que ele é, de modo que: “A

essência é a possibilidade, não no sentido platônico duma possibilidade ideal

ou duma verdade lógica universalmente válida, nem no sentido aristotélico da

potencialidade, mas no sentido do ato de possibilitar ou dum poder-ser que traz

o que é possibilitado” (HAAR, 1990, p. 157). Isso evidencia que o pensamento

central do filósofo gira em torno da ideia de que o ser-aí não é um ente

determinado, que possui traços característicos, embora a tradição metafísica o

tenha compreendido dessa forma desde a antiguidade.

Eis aqui um problema que marca o ponto central de uma das críticas

mais enérgicas do nosso filósofo: a crítica a uma tradição metafísica que

esqueceu o ser e passou a tratar o ser-aí como mera entidade. Isso significa

dizer que ao longo de muito tempo o ser-aí foi pensado aos moldes de um

naturalismo objetificante, baseado cada vez mais em um processo tecnológico-

científico, que tratava do fenômeno humano como um como sujeito, alma,

consciência, e demais termos que remetem a proveniência da coisificação.

Heidegger afirma, no parágrafo 10 de Ser e Tempo, que não é por

capricho terminológico que tais termos são evitados ao se referir ao fenômeno

6 A analítica existencial descreve e analisa fenomenologicamente o ser-aí no mundo, ou seja, a analítica existencial constitui o ponto de partida e via de acesso à questão do ser.

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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 61

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humano, mas sim porque estes termos designam apenas regiões de

fenômenos que se colocam como indiferentes frente à necessidade de

questionar o ser dos entes denominados. Seguindo essa perspectiva

Heidegger vê a necessidade de apontar o erro cometido pelas ciências naturais

e investe em uma filosofia fenomenológica capaz de mostrar que o ser-aí não é

um ente hipostasiado, mas sim um modo de ser de um ente que compreende e

interroga pelo seu sentido. Casanova ao se remeter ao conceito de ser-aí

afirma:

[...] ele não se mostra apenas como mais uma definição que irá incontornavelmente se juntar ao longo rol das definições cunhadas no interior da história do pensamento ocidental. Quase como se pudéssemos dizer: ser-aí é o conceito heideggeriando de homem. Não, não e mais uma vez não! O emprego do termo ser-aí indica no presente contexto uma transformação radical no modo mesmo de pensar o ser do homem. Antes de mais nada, é preciso ter em vista o fato de ser-aí não ser um termo cunhado por Heidegger a partir da pergunta: o que é o homem? O termo ser-aí inviabiliza desde o princípio a colocação de uma tal pergunta, na medida em que possui um modo de ser que o distingue fundamentalmente de todos os entes marcados pela presença de propriedades quididativas. (CASANOVA, 2013, p. 89)

Heidegger não pergunta o que é o ser-aí, até porque a pergunta

que mais lhe interessa e que rege toda sua filosofia é acerca do sentido do ser.

Em vista disso não é correto afirmar que o filósofo trata do conceito de homem,

muito pelo contrário. Conceito de homem é o que Heidegger quer combater

com sua crítica, uma vez que homem é uma terminologia utilizada pelas

ciências naturais, que determinam esse ente, que em sua definição tem apenas

uma determinação: seu caráter de ser no mundo enquanto pura condição de

possibilidade.

Em vista disso, o filósofo propõe com a análise fenomenológica

do ser-aí que a ontologia fundamental perceba os fenômenos como eles se

mostram e aparecem, sem que haja a necessidade de uma ou várias

explicações teóricas a seu respeito, assim, abrindo mão da necessidade de

teorizar os fenômenos humanos como foi feito desde os gregos até os

modernos. Embora pareça simples a forma de compreender o fenômeno

humano proposto por Heidegger, de modo a tomar o ser-aí a partir de seu

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62 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

caráter de pura possibilidade de ser-no-mundo, há uma demasiada dificuldade

em pensar dessa forma na contemporaneidade.

Isso acontece porque desde os primórdios da história da filosofia, se

pensou o ser-aí como mera entidade, sem que fosse possível perceber quão

importante é sua característica fundamental: o existir. Tão importante que “[...]

a essência da pre-sença7 está em sua existência. As características que se

podem extrair deste ente não são, portanto, simplesmente dadas de um ente

simplesmente dado que possui esta ou aquela ‘configuração’. As

características são sempre modos possíveis de ser e somente isso.”

(HEIDEGGER, 2008, p. 78)

Heidegger, então, se opôs ao fato de ter que utilizar da cientificidade

para poder explicar o caráter específico do fenômeno humano e esse é o alvo

de sua crítica, uma vez que o ser-aí não é um ente que possa ser determinado

pela ciência, pois sua única determinação possível é o existir no mundo

enquanto possibilidade de possibilidade. Assim, Heidegger concorda com seu

mestre Husserl, a respeito do “erro” que cometeu a psicologia moderna ao

determinar o fenômeno humano:

De acordo com Husserl, a psicologia moderna perdeu de vista a essência dos fenômenos psíquicos, uma vez que considerou esses fenômenos a partir de uma naturalização primordial. A psicologia moderna, ao tentar escapar da concepção tradicional da psicologia como uma ciência da alma, tomou os fenômenos psíquicos como se eles fossem localizáveis espácio-temporalmente e investigáveis segundo as leis causais e os princípios responsáveis pela sua determinação específica. Agindo assim, ela não percebeu em que medida uma tal naturalização repousava sobre uma cegueira em relação à essência propriamente dita de tais fenômenos. (CASANOVA, 2013, p. 42)

Fica claro, então, que o filósofo refuta o paradigma até então utilizado

pelas ciências positivas, pois o fenômeno humano é mais do que mero haver, é

mais do que ter um lugar e ocupar espaço no mundo, pois o existir pressupõe

uma consciência dos entes e, sobretudo, do ente que nós mesmos somos,

tanto quanto da nossa existência no mundo, com as demais variadas formas de

entidades (HEIDEGGER, 2008).

7 Pre-sença é a tradução de Márcia Sá Cavalcanti para o termo Dasein. Neste texto optamos por traduzir Dasein por ser-aí.

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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 63

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

Só o ser-aí existe e apenas ele é capaz de perguntar pelo seu ser. Por

isso, ser-aí, para Heidegger, é o ser que se revela na própria existência, de tal

modo que ele afirma que todas as coisas são (nesse caso, as “coisas” se

tratam dos próprios entes), contudo, essas “coisas” não tem o caráter

específico da existência, logo é um erro, no ponto de vista heideggeriano, usar

da cientificidade para se referir a um ente diferenciado, como é o caso do ser-

aí.

Levando em conta o projeto da ontologia fundamental proposto por

Heidegger, é notório que houve motivos que o fizeram ter a necessidade de

pensar o ser-aí de forma bastante específica, forma esta que se distancia

drasticamente do modo como a modernidade e as ciências positivas

compreender o homem. Leo Strauss acredita que a fenomenologia existencial

de Heidegger se contrapõe ao positivismo que domina a intelectualidade

moderna, pois “[...] o positivismo é o ponto de vista filosófico segundo o qual o

único saber verdadeiro é o científico” (AINBINDER, 2008, p. 12; tradução

nossa). Assim, Heidegger nos mostra que as ciências positivas analisam e

explicam o fenômeno humano apenas em suas características ônticas, o que

fez a tradição metafísica não dar o devido valor a importância da questão do

ser.

Além disso, o filosofo acertadamente faz uma diferenciação entre o que

vem a ser sua ontologia fundamental e o que são as ciências positivas. Quando

se refere à ontologia fundamental, Heidegger fala a respeito do questionamento

pelo sentido do ser, enquanto que as ciências positivas falam sobre a

investigação do ente. Sendo assim, remetemos a diferenciação já apontada em

nosso texto, a respeito de ente e ser-aí, onde, nesse caso, o ente é relativo ao

âmbito ôntico que se refere à investigação das ciências positivas e o ser-aí é

relativo ao âmbito ontológico e referente à questão primordial do projeto

heideggeriano: a pergunta pelo sentido do ser (HEIDEGGER, 2008).

Contudo, Heidegger não teve a pretensão de negar o conhecimento das

ciências positivas, no entanto, critica a forma como tais ciências bordam o

humano, pois os cientistas tem um olhar voltado aos resultados objetivos de

suas pesquisas e análises, o que dificulta e quase impossibilita que se atentem

de fato para o ser do ente que investigam. Essas ciências que tematizam o

homem, tais como a biologia, a psicologia, a antropologia, etc., não respondem

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de forma precisa a questão do modo de ser do ente que nós mesmos somos e

isso Heidegger deixa claro em Ser e tempo:

A questão crítica, contudo, não pode parar por aqui. Está em questão todo o ser do homem, que se costuma apreender como unidade de corpo, alma e espírito. Corpo, alma, espírito podem designar por sua vez, regiões de fenômenos que se poderão distinguir tematicamente entre si, com vistas a investigações determinadas. Dentro de certos limites, a sua indeterminação ontológica pode ser desconsiderada. Quando, porém, se coloca a questão do ser do homem, não é possível calculá-lo como soma dos momentos de ser, como alma, corpo e espírito que, por sua vez, ainda devem ser determinados em seu ser. (HEIDEGGER, 2008, p. 84-85)

É nesse sentido que Heidegger tem uma opinião crítica frente às

ciências positivas, uma vez que ela lida com os entes apenas no domínio

ôntico, deixando a desejar, por exemplo, quando aborda o fenômeno humano

como um ente determinado positivamente. Ademais, a preocupação de

Heidegger é com a forma como as ciências positivas analisam o ser-aí,

tomando-o como um ente simplesmente presente, um ente determinado,

assim, concebendo o fenômeno humano como se estivessem analisando um

ente qualquer, passível de comprovação, experimentação e classificação.

Portanto, Heidegger acredita que o erro das ciências positivas é considerar o

homem como um ente qualquer, como algo simplesmente dado, como objeto

verificável e alvo de experimentação científica.

É nessa perspectiva que Heidegger propõe uma mudança na ontologia,

através de sua analítica existencial, pois não concordava com a objetivação do

ser do homem, como faz, por exemplo, a biologia que trata o ser-aí como ser

vivo/vida, a antropologia que trata o ser-aí como homem e sua evolução, ou até

mesmo a psicologia que trata o ser-aí como sujeito psíquico, analisando assim

seus comportamentos e funções mentais. Heidegger está preocupado com a

totalidade do ser-aí, onde o que deve ser levado em conta é a sua

especificidade, que é a sua existência, e a sua característica essencial que é a

possibilidade de ser-no-mundo.

Todavia, há de se ter em mente que Heidegger embora critique as

ciências positivas, não pretende superar a história da metafísica de forma a

abandonar ou recusar os fatos antecedentes. Ele mesmo reconhece que “seria

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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 65

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um grande equívoco pensar que sempre poderíamos conformar a filosofia a

partir de uma recusa completa da tradição histórica” (HEIDEGGER, 1987, p. 5).

Assim, tendo em vista que Heidegger se preocupa e tenta dar um

desdobramento diferente da tradição filosófica para a questão do esquecimento

do ser, a pergunta pelo seu sentido deve ser feita. Com a analítica existencial,

Heidegger busca esclarecer a questão que diz respeito à diferença ontológica,

assim revelando um dos tópicos primordiais de sua filosofia, a saber: a

especificidade do ser-aí. Dessa forma, é possível a caracterização do

fenômeno humano com bases na sua fenomenologia existencial.

Portanto, com este trabalho, descobrimos que Heidegger se propõe a

compreender questões de grande importância para a história da filosofia,

principalmente da ontologia e que, mais tarde, serviu muito de base para não

apenas amparar a psicologia empírica quanto para criar uma psicologia clínica

com bases fenomenológico-existenciais (HEIDEGGER, 2009). Além disso,

essa pesquisa nos fez compreender como o filósofo denomina o fenômeno

humano e sua singularidade, bem como entender que o ser-aí é um ente

especial, que existe enquanto um ser de possibilidades.

Em síntese, a principal meta deste trabalho foi compreender a existência

como caráter necessário e imprescindível para a compreensão do ser-aí e

investigar a caracterização deste ente especial no campo da fenomenologia,

bem como mostrar a crítica de Heidegger às ciências positivas, por se

ocuparem do fenômeno humano de modo radicalmente diverso de sua

ontologia fundamental. Desse modo, nosso trabalho tentou mostrar que a

fenomenologia existencial heideggeriana confronta, assim, os métodos com os

quais as referidas ciências abordam o humano. Com isso, é notório que

Heidegger se tornou um filósofo de destaque na área de ciências humanas,

contribuindo em grande proporção para trabalhos posteriores, inclusive com

teóricos renomados vinculados à psicologia e à psiquiatria.

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66 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

REFERÊNCIAS

AINBINDER, B. Sobre Heidegger: Cinco voces judías. 1ª ed. Buenos Aires: Manantinal, 2008. CASANOVA, M. A. Compreender Heidegger. 4ª ed. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2013. HAAR, Michel. Heidegger e a essência do homem. Trad. Ana Cristina Alves. Lisboa: Instituto Piaget, 1990. HEIDEGGER, M. Introdução à Metafísica. Tradução de Emmanuel Carneiro Leão. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1987. HEIDEGGER, M. Que é metafisica? Tradução de Ernildo Stein – São Paulo: Abril Cultural, 1989b. (Os Pensadores). HEIDEGGER, M. Carta sobre o Humanismo. Tradução de Rubens Eduardo Frias – São Paulo: Centauro, 2005. HEIDEGGER, M. Ser e Tempo. Tradução de Márcia Sá Cavalcanti – Petrópolis: Vozes, 2008. HEIDEGGER, M. Seminários de Zollikon. Editado por Medard Boss. Tradução de Gabriela Arnhold e Maria de Fátima Almeida Prado. 2ª ed. Petrópolis: Vozes; Bragança Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2009. KAHLMEYER-MERTENS, Roberto S. Filosofia primeira: estudos sobre Heidegger e outros autores. Rio de Janeiro: Papel Virtual, 2005.

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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 67

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PLANO DE IMANÊNCIA EM GILLES DELEUZE E FÉLIX GUATTARI

Leandro Nunes Unioeste - Unisep

Dra. Ester Maria Dreher Heuser [email protected]

RESUMO:

Partimos da ideia de que a imanência absoluta afirmada por Deleuze e

Guattari é o próprio caos e o plano de imanência o que possibilita pensá-lo.

Conforme Deleuze e Guattari (1992), os planos de imanência são crivos no

caos. Eles o cortam e permitem a locomoção do filósofo. Cortam mas não o

separam. Em O que é a Filosofia? (1992) e Caosmose: um novo paradigma

estético (1992), o plano de imanência é apresentado como o que torna possível

desacerelar o caos. Desaceleração da caoticidade que não perde nada do

infinito. Conforme os autores, o plano de imanência “é a onda única” que enrola

e desenrola os acontecimentos; ele é um esboço traçado no próprio caos,

horizonte absoluto criativo. Assim, conceituaremos que o plano de imanência é

percorrido por infinitos movimentos que são lançados conforme a curvatura do

próprio plano. Pois, são os movimentos tomados do infinito que permitem que o

filósofo possa criar em meio ao caos.

PALAVRAS-CHAVE: Plano de Imanência; Caos; Criação; Deleuze.

Em O que é a filosofia? (1992), D&G8 afirmam que a imanência é

composta por uma variação intensiva de corpos que se encaixam ao infinito.

Variação que é responsável por toda criação possível no plano de imanência.

Uma vez que, segundo tal variação, as combinações também se tornam

infinitas. Posto isso, é possível afirmar que a imanência é um meio que flui e

que faz fluir. Um meio que se move (em si mesmo) e que põe em movimento

8 Utilizaremos “D&G” como abreviação para Gilles Deleuze e Félix Guattari.

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68 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

aquilo que o habita. Trata-se de uma abertura que perpassa toda existência

possível, seja ela efetiva ou virtual9.

Ou nas palavras dos próprios autores: “[...] a imanência é um todo

poderoso, não fragmentado, mesmo se permanece aberto: Uno-Todo ilimitado,

Omnitudo que os compreende a todos num só e mesmo plano” (DELEUZE;

GUATTARI, 1992, p. 51). Trata-se de uma unidade que abarca a totalidade das

coisas; que não deixa possibilidade de existência para nada que não esteja

contido nela mesma. Desse modo, para se pensar a criação, juntamente com

D&G, torna-se necessário problematizar a relação entre imanência e plano de

imanência. Pois, se a própria imanência é caracterizada pela caoticidade, por

velocidades infinitas que lhe atravessam incessantemente, há de se perguntar

sobre os meios que permitem o filósofo pensar na imanência. Sendo nesse

sentido que D&G afirmam a necessidade de desaceleração das velocidades

infinitas para que se possa pensar no caos. Sobretudo, para que se possa criar

em meio à caoticidade. Já que é somente quando se desacelera as

velocidades que se pode relacionar as determinações que se fazem e se

desfazem insistentemente. Sendo que, é o plano de imanência traçado pelo

próprio filósofo o responsável por tal desaceleração.

Portanto, é função do filósofo adentrar na caoticidade erigindo um plano

de imanência que a corte. Um plano que crive o caos e que lhe dê

consistência. Isso para que a imanência possa ser pensada; para que a criação

possa ser efetivada. Posto que a filosofia para D&G é um construtivismo, a

criação na imanência passa necessariamente pela demarcação de um plano de

imanência que possibilite pensar no caos; que possibilite pensar o que não

pode ser pensado (a imanência), mas que, todavia, tem de ser pensado.

Para D&G (1992), o caos caotiza e desfaz toda consistência ao infinito.

Entretanto, isso não quer referir uma impossibilidade de haver determinação no

9 Para Deleuze, “[...] a filosofia é a teoria das multiplicidades. Toda multiplicidade implica elementos atuais e elementos virtuais. Não há objeto puramente atual. Todo atual rodeia-se de uma névoa de imagens virtuais. Essa névoa eleva-se de circuitos coexistentes mais ou menos extensos, sobre os quais se distribuem e correm as imagens virtuais. É assim que uma partícula atual emite e absorve virtuais mais ou menos próximos, de diferentes ordens. Eles são ditos virtuais à medida que sua emissão e absorção, sua criação e destruição acontecem num tempo menor do que o mínimo de tempo contínuo pensável, e à medida que essa brevidade os mantém, consequentemente, sob um princípio de incerteza ou de indeterminação. Todo atual rodeia-se de círculos sempre renovados de virtualidades, cada um deles emitindo um outro, e todos rodeando e reagindo sobre o atual [...]” (DELEUZE, 1996, p. 3).

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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 69

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

caos. Pelo contrário, quer dizer somente que as determinações tão-somente

aparecem na medida em que outras desaparecem, ad infinitum. No que

concerne à filosofia, o problema refere-se estritamente a necessidade de “(...)

adquirir uma consistência, sem perder o infinito no qual o pensamento

mergulha (o caos, deste ponto de vista, tem uma existência tanto mental como

física)” (DELEUZE, GUATTARI, 1992, p. 58).

Trata-se de dar consistência ao caos sem estacionar as velocidades.

Isto é, sem nada perder do infinito. O filósofo não deseja frear as velocidades

para construir determinações; ao contrário, conforme D&G, ele deseja poder

pensar e determinar sem perder potência. Sem perder nada das velocidades

infinitas. Isso porque, não se trata de limitar as velocidades, mas de

exponenciá-las, de dar-lhes potência.

Se as determinações se fazem e desfazem incessantemente é

unicamente porque o caos caotiza tudo com seus movimentos infinitos. Na

medida em que o plano que o corta não cessa de mergulhar no caos. Isto é,

dá-se consistência e mergulha-se novamente na caoticidade para logo se

desfazer. Então, se algo não está sujeito a tal curvatura, não há a remota

possibilidade de haver determinações que não estejam contidas dentro de um

plano de imanência. Ou seja, não há consistência fora do plano, já que a pura

imanência é a infinita caoticidade. Apenas o plano de imanência que a corta

pode engendrar determinações. Assim, o plano traçado pelo filósofo constitui-

se como pensamento e como natureza, na medida em que pensa o que não

pode ser pensado e que engendra o que pode ser determinado. Sendo que há,

por tal razão:

[...] sempre muitos movimentos infinitos presos uns nos outros, dobrados uns nos outros, na medida em que o retorno de um relança um outro instantaneamente, de tal maneira que o plano de imanência não para de se tecer, gigantesco tear (DELEUZE, GUATTARI, 1992, p. 55).

Destarte, é nesse viés que D&G (1992) afirmam que o plano de

imanência deve ser entendido como pré-filosófico. Não como anterioridade

temporal. Mas como pressuposto, como pré-entendido, pré-concebido.

Sobretudo, como condição do pensamento, pois, as consistências somente se

fazem no plano de imanência. Plano que se torna, por tal razão, condição para

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70 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

o filósofo fazer filosofia na imanência. Isto é, em meio ao caos. Não obstante,

se o plano de imanência é pré-filosófico, a imanência deve ser compreendida

como sendo “[...] a potência de um Uno-Todo, como um deserto movente que

os conceitos vêm a povoar” (DELEUZE, GUATTARI, 1992, p. 57). Ela é

condição para a criação.

Dessa maneira, é na esteira de D&G que podemos afirmar que a criação

não advém e não pode advir de fora do plano de imanência, mas é imanente

ao mesmo: “[...] operando um corte no caos, o plano de imanência faz apelo a

uma criação [...]” (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p. 59), uma vez que a ação do

filósofo engendra um processo criativo, seja de conceitos, seja de modos de

vida.

D&G afirmam que os movimentos infinitos são indispensáveis para a

criação, pois, é somente com eles que as determinações podem ser criadas.

Sendo a própria curvatura do plano responsável por exponenciar as

velocidades do caos: “[...] diversos movimentos do infinito são de tal maneira

misturados uns com os outros que, longe de romper o Uno-Todo do plano de

imanência, constituem sua curvatura variável” (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p.

54).

Cada movimento, ao percorrer a totalidade do plano de imanência, faz

um retorno sobre si mesmo segundo a curvatura sempre variável do plano.

Cada movimento se dobra em si mesmo ao mesmo tempo em que libera outros

infinitos movimentos que engendram “[...] retroações, conexões, proliferações,

na fractalização desta infinidade infinitamente redobrada” (DELEUZE;

GUATTARI, 1992, p. 54). Dobra que pode ser entendida como as ondas do

mar que avançam e se dobram e desdobram incessantemente. Ondas que

mudam as suas determinações, as suas formas, em cada uma das dobras, em

cada uma das vezes em que o mar é dobrado – entendendo a imanência como

o mar e as ondas como as dobras que avançam as praias de imanência na

medida em que se fazem e desfazem constantemente.

Não obstante, é preciso demarcar que quando D&G afirmam que o plano

de imanência funciona como um corte no caos, isso não significa, de modo

algum, que se separa o plano e a imanência que é cortada. É como os autores

afirmam: o plano é um crivo no caos. Isto é, ele seleciona o que cabe de direito

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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 71

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

ao pensamento. É o plano que possibilita a criação de conceitos, de modos de

vida.

Todavia, é preciso delinear que o plano mesmo não “[...] é um conceito,

nem o conceito de todos os conceitos” (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p. 47).

Os autores concebem o plano de imanência como aquilo que envolve os

movimentos do caos. Sendo que a sua curvatura tem por função acelerar e

desacelerar as velocidades do infinito. É nesse sentido que o plano não perde

nada do infinito em que o pensamento mergulha, pois é exatamente isso o que

define os movimentos do infinito: “[...] é uma ida e volta, porque ele não vai na

direção de uma destinação sem já retornar sobre si, a agulha sendo também o

pólo” (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p. 53).

Contudo, o movimento do infinito não indica coordenadas espaço-

temoporais, de modo que não há pontos fixos que indiquem as posições

sucessivas daquilo que se move, pois, orientar o pensamento não significa fixar

pontos de referência objetivos, nem mesmo fixar um ponto móvel “[...] que se

experimentasse como sujeito e que, por isso, desejaria o infinito ou teria

necessidade dele” (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p. 53). O movimento toma

tudo para si. Não há pontos, só velocidades e lentidões. O próprio horizonte se

move. É desse modo que o plano de imanência torna-se o meio pelo qual as

coisas fluem.

O plano envolve movimentos infinitos que o percorrem e retornam [...] De Epicuro a Spinoza (o prodigioso livro V), de Spinoza a Michaux, o problema do pensamento e a velocidade infinita, mas esta precisa de um meio que se mova em si mesmo infinitamente, o plano, o vazio, o horizonte (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p. 50).

O plano de imanência é o horizonte “(...) dos acontecimentos, o

reservatório ou a reserva de acontecimentos puramente conceituais”

(DELEUZE; GUATTARI, 1992, p. 51). O plano é horizonte absoluto por

independer do observador. Ele é um deserto em que os conceitos povoam sem

partilhar, pois ele mesmo não é um conceito. O plano de imanência é a imagem

do pensamento que orienta o pensar sem fixar “farol”. Nesse sentido, o

movimento infinito é duplo: ele é a imagem do pensamento e também matéria

pela qual o ser se consitui.

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72 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

Quando salta o pensamento de Tales, é como água que o pensamento retorna. Quando o pensamento de Heráclito se faz polémos, é o fogo que retorna sobre ele. É uma mesma velocidade de um lado e do outro: "o átomo vai tão rápido quanto o pensamento". O plano de imanência tem duas faces, como Pensamento e como Natureza, como Physis e como Nous (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p. 53).

É nesse sentido que se afirma que há muitos movimentos engendrados

no plano. Pois, como referido, eles dobram-se uns nos outros e relançam

outros infinitos movimentos. São esses movimentos que fazem com que o

plano não pare de se tecer. É a diversidade de movimentos do infinito que

constitui a curvatura sempre variável do plano, essa é a sua natureza sempre

fractal. É também a fractalidade do plano que o torna infinito e diferente de toda

determinação que se faça nele.

Parafraseando Guattari (1992), afirmamos que a função do filósofo é

adentrar na caoticidade dobrando-a para fazer coexistir as potências do caos

com as mais altas complexidades. Pois, é conforme a “[...] velocidade infinita

que as multiplicidades [...] se diferenciam em compleições ontologicamente

heterogêneas e se caotizam abolindo sua diversidade figural e

homogeneizando-se no interior de um mesmo ser-não-ser” (GUATTARI, 1992,

p. 140-141).

É nesse sentido que podemos afirmar que os seres não cessam de

mergulhar no caos e perder suas determinações. Isso para ressurgir com

novas determinações, novas configurações, ad infinitum. É também desse

modo que os autores afirmam que o plano de imanência deve cortar o caos,

sem nada perder de suas velocidades. Isto é, o corte no caos não é uma

determinação absoluta, ao contrário, trata-se somente de uma desacelaração

das velocidades para que se possa pensar, pois, quando apenas as

desacelera, não se perde os movimentos infinitos, apenas varia-se entre

lentidões e velocidades.

Oscila-se assim entre, por um lado, um mundo finito em velocidades desaceleradas, em que um limite se esboça sempre por trás de um limite, uma coação por detrás de uma coação, um sistema de coordenada por detrás de outro sistema de coordenada, sem que se chegue jamais a tangente última

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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 73

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de um ser-matéria que escapa por toda parte e, por outro lado, Universo de velocidade infinita em que o ser não se recusa mais, em que ele se dá em suas diferenças intrínsecas, em suas qualidades heterogenéticas (GUATTARI, 1992, p. 141).

Desse modo, a imanência, bem como o plano que a corta, estão sempre

num cruzamento entre o infinito e o finito; entre o caos e a complexidade, pois

não se separa o infinito do finito. Sendo nessa acepção que os autores afirmam

que o caos sempre caotiza. Isto é, o plano de imanência seleciona finitudes

(determinações) do infinito sem abdicar dos movimentos infinitos. Movimentos

que desfazem o que havia sido determinado na medida em que lançam outras

determinações. Já que, como afirmado, uma determinação não surge sem que

outra se apague. O plano de imanência envolve o caos ao mesmo tempo em

que o complexifica.

Todavia, como exposto, isso não significa que o caos perde suas

velocidades quando crivado. Trata-se somente de uma redução momentânea

da velocidade: “[...] o movimento de virtualidade infinita das compleições

incorporais traz em si a manifestação possível de todas as composições e de

todos os agenciamentos enunciativos atualizáveis na finitude” (GUATTARI,

1992, p. 142-143). Isto é, o caos é cortado pelo plano e ressurge novamente

nos estados de coisas. Nos corpos que se compõem. Isso porque o plano não

para de se tecer, de mergulhar no caos para se fazer, desfazer e refazer,

infinitamente.

Badiou (1996), no entanto, quando comenta sobre a função da filosofia

determinada por Deleuze e Guattari em O que é a Filosofia? – traçar um plano

de imanência, inventar personagens conceituais e criar conceitos – adverte

sobre os perigos da imanência. Ainda que seja função da filosofia traçar um

plano de imanência e mergulhar no caos constantemente para não perder as

velocidades infinitas da caoticidade, esse mergulho constante traz consigo o

perigo da transcendência:

A filosofia emerge sob o duplo perigo da absorção do caos, e do esquecimento do caos na produção prematura de transcendência. A filosofia, como tensão subjetiva, é só aparentemente definida de modo puramente positivo (criação de conceitos). Ela está mais profundamente sob um comando negativo: resistir à tentação inelutável da transcendência,

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74 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

suportar a proximidade do caos, atravessar vitoriosamente o Aqueronte (BADIOU, 1996, p. 69).

Trata-se aqui de conseguir tomar um infinito de entidades que se fazem

e desfazem em um processo contínuo e sem fim, sem se dar à transcendência:

a imanência absoluta é cortada pelo plano; este, por sua vez, toma para si a

infinidade sempre enriquecível dos processos criadores; e isso acontece pelo

mergulho constante no caos.

Entretanto, é preciso evitar, de todo modo, as ilusões da

transcendência em todos os mergulhos que se sucedem. Trata-se de uma

tensão para apreender a potencialidade criativa do caos na raiz da finitude

sensível – sem recair nos erros e ilusões do transcendente. Ou seja, antes que

este se perca novamente no caos: “[...] a potencialidade de evento-advento de

velocidades limitadas no centro das velocidades infinitas constitui estas últimas

em intensidades criadoras” (GUATTARI, 1992, p. 142-143).

Para Guattari (1992), a criação refere-se à capacidade de redução das

velocidades do infinito pelo plano de imanência que apreende a potencialidade

do caos. Assim, o filósofo exclusivamente pensa o caos na medida em que não

o desacelera; é nesse viés que “[...] tanto o plano como o caos são imanentes:

não se separa aquilo que foi cortado do que se cortou, apenas se cria uma

desaceleração nas correntes de intensidades” (GELAMO, 2008, p. 133).

Não obstante, no que concerne ao plano de imanência, é forçoso afirmar

haver mais de um plano; uma vez que nenhum plano seria capaz de abarcar a

totalidade do caos. Visto que cada plano é um corte específico da coaticidade,

há tantos planos quanto há filosofias. Essa variedade de planos apresenta-se

em toda a história e tradição do pensamento filosófico.

Todavia, todo plano de imanência é traçado pretensamente com a

intenção de determinar o que é próprio do pensamento, sendo esta

intencionalidade inerente a cada plano. O que faz com que todos os planos

sejam, segundo D&G (1992), folhados e esburacados. Isto é, quase todo plano

de imanência traçado na história da filosofia é envolto por uma névoa de

obscuridade que possui brechas que introduzem erros, ilusões e ambiguidades

aos mesmos.

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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 75

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O que muda de um plano de imanência a um outro, quando muda a repartição do que cabe de direito ao pensamento, não são somente os traços positivos ou negativos, mas os traços ambíguos, que se tornam eventualmente cada vez mais numerosos, e que não se contentam mais em dobrar segundo uma oposição vetorial de movimentos (DELEUZE, GUATTARI, 1992, p. 72).

Em síntese, podemos afirmar que todo plano de imanência pretende

determinar o que é próprio do pensamento. Ou, em outras palavras, o que o

pensamento pensa. Assim, pode-se afirmar, com D&G, que a filosofia não é

história como superação de sistemas, mas um devir10, como um infinito

movimento na forma de coexistência de planos, geologia filosófica. Em Deleuze

pensa-se uma geofilosofia, pois, para ele, é preciso que deixemos o tempo

histórico de lado em nome de um tempo que se volte aos estratos, à

coexistência de planos de imanência.

REFERÊNCIAS

BADIOU, Alain. Deleuze em Quatro Tópicos. In. Cadernos de Subjetividade: Gilles Deleuze. São Paulo: jun. 1996, p. 69-70. DELEUZE, Gilles. Praias de imanência. Texto inédito, traduzido por Éric Alliez. Folha de São Paulo, caderno MAIS, p. 13, 03/12/1995. _______. A Imanência uma Vida. In. Educação e Realidade : Gilles Deleuze. V. 27, n. 2, jul/dez, 2002b. DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é a Filosofia? Tradução Bento Prado Jr e Alberto Alonso Muñoz . Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992. GELAMO, Rodrigo Pelloso. A Imanência como “Lugar” do Ensino de Filosofia. In. Educação e Pesquisa, v. 34, n. 1, São Paulo, jan/abr, 2008, p. 127-137. GUATTARI, Félix. Caosmose: um novo paradigma estético. São Paulo: Ed. 34, 1992.

10 Segundo Vasconcellos, “[...][em] Deleuze [...] [podemos dizer] que o devir é o próprio movimento de constituição de desapareção das singularidades, a emergência do mundo em toda a sua multiplicidade. Isso significa que o devir é sempre o que está entre dois, isto é, entre dois termos, entre dois pontos: a abelha e a orquídia, Acab e a baleia, eu e minha infância; nesse sentido, não é a operação de substituição de um termo por outro ou a transformação de um em outro, por imitação, semelhança ou identificação. Entre um termo e outro, entre um e outro, cria-se uma zona de indiscirnibilidade, de vizinhança, [...] um devir é sempre um devir-outro em Deleuze” (VASCONCELLOS, 2005, p. 152-153).

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UMA INTRODUÇÃO AO CONCEITO DE PODER EM HANNAH ARENDT E

SUA DISTINÇÃO DE VIOLÊNCIA

Leandro Mateus Fernandes Unioeste

Tarcílio Ciotta (orientador) [email protected]

RESUMO:

O trabalho aborda a concepção da noção de poder em Hannah Arendt e como ao decorrer da história seu significado se confunde e transforma-se na legitimidade do uso da violência. Ao recorrer a Polis grega e a Civitas romana, Arendt afirma a existência do poder como manifestação do povo unido, que só ocorre no espaço público, no qual os homens são iguais e livres. Somente com a interpretação da tradição filosófica sobre o poder é que este se torna dominação do homem pelo homem e a violência ganha viés de poder. Não importa como se cumpra uma ordem desde que a cumpra. Deste momento em diante os governos passam a se estruturar no poder como violência e o sentido histórico de poder como Polis e Civitas desaparece das relações políticas.

PALAVRAS-CHAVE: Poder; Violência; Polis; Civitas.

INTRODUÇÃO

Na obra11 de Arendt Que é Autoridade? (ARENDT, 2007, p. 211), o

poder é um conceito estrutural e importante para compreender a sua diferença

política com o conceito de violência. O poder na concepção arendtiana é o

responsável pela manutenção da existência da esfera pública, como o espaço

potencial da aparência entre homens que falam e agem com liberdade e com

igualdade.

O poder da tradição filosófica moderna e hodiernamente, entretanto, é

confundido com a relação de “mando-obediência”, transportando-o para o

11 As referências às obras de Hannah Arendt serão utilizadas aqui pela abreviação, como seguem: ACH: A Condição Humana. (2010; A), DV: Da Violência. (2010; B), OT: Origens do Totalitarismo. (1989), QA: Que é Autoridade? (2007), SR: Sobre a Revolução. (1963), seguidas sempre pela paginação.

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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 77

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

cumprimento de uma função ou de uma ordem pela violência e não pelo livre

consentir. Ao voltar seu olhar para a tradição filosófica, Arendt percebe que o

poder se iguala ao domínio e que existe outra tradição que serve de fio

condutor para sua teoria política, que estrutura o poder como não dominação

do outro, esta tradição é concebida como a Polis grega e a Civitas romana.

A NOÇÃO DE PODER CRIADA PELA TRADIÇÃO E PELA POLÍS GREGA E

CIVITAS ROMANA

A retomada de uma tradição da filosofia política que entende violência

como manifestação do poder e que define as formas de governo como formas

de domínio do homem sobre o homem é feita na obra Da Violência12, na qual

Arendt analisa que segundo a tradição filosófica o poder é um instrumento de

domínio e que este se deve ao instinto de dominação do homem. Neste sentido

tradicional, mandar e ser obedecido são a essência do poder e com isso não é

necessário qualquer outro atributo para que ele exista, esta é a assertiva da

tradição sobre o poder, pois,

Sartre disse sobre a violência quando lemos em Jouvenel que ‘um homem se sente mais homem quando está se impondo e fazendo dos outros instrumentos de sua vontade’, o que lhe dá ‘incomparável prazer’. ‘O poder’ disse Voltaire, consiste em fazer os outros agirem como eu quiser’, está presente sempre que eu tenha a chance de ‘afirmar minha própria vontade contra a resistência dos outros’, disse Max Weber, lembrando-nos da definição de Clausewitz de guerra como ‘um ato de violência para compelir o oponente a proceder como desejamos’ (ARENDT, 2010, p. 117; B).

Arendt volta à tradição para analisar e mostrar que o poder era, por meio

de muitos pensadores, entendido como dominação do homem pelo homem,

elucidando que não importam os meios das ações, mas o resultado obtido com

o poder sobre o outro, sempre favorecendo quem estava em posição de

superioridade sobre o outro, seja no campo social ou econômico e até mesmo

teórico-racional. Contra essa tradição ela afirmou que o poder não se constituía

como consentimento, mas se constituía como violência; Arendt citando a

12 Maiores detalhes sobre o conceito de poder e violência e sua relação ver Da Violência. In: Crises da república, 2010, p. 91-169.

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78 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

afirmação de Passerin d’Entreves afirma que “[...] se a essência do poder está

na eficiência da ordem então não há maior poder do que aquele que nasce do

‘cano de um fuzil’ e que seria difícil dizer de que modo a ordem dada por um

policial é diferente da dada por um pistoleiro” (ARENDT, 2010, p. 117; B).

A autora faz objeções à falta de distinção crítica de toda essa tradição

que confunde poder com violência e propõe uma retomada analítica e histórica

para refletir sobre outra forma de ver, pensar e fazer política. Questiona ainda

se é mesmo certo relacionar o poder político com a “organização da violência”.

Um dos fatores determinantes para a estruturação do conceito de poder político

como relação de mando-obediência e a dominação do homem, foi a instituição

da soberania, ao definir o poder como poder absoluto, que emerge juntamente

com o “Estado-nação”, ou seja, o Estado europeu soberano, fundamentado

teoricamente por “Jean Bodin, na França do século XVI”, e “Thomas Hobbes,

na Inglaterra do século XVII”.

Dessas concepções também surge legitimidade para a compreensão do

poder como domínio. Arendt ainda faz duras críticas ao que ela chama de,

talvez, a pior de todas as formas de governo de domínio, o governo de

ninguém que se estabelece pela burocratização dos sistemas e nenhum

homem pode ser culpado e responsabilizado, como nos governos totalitários.

A outra forma, entretanto, de compreensão do poder político, que se

opõe à visão tradicional, é a restaurada da Polis grega, que consiste na política

e no poder como princípio de igualdade, de estar entre iguais, sem coerção,

sem persuasão e sem violência. Porém, esta tradição é elevada e melhorada

pelos romanos que encontram na Civitas, na cidade romana, uma forma de

política que tem autoridade, sem uso da força ou da violência.

Na tradição greco-romana, Polís e Civitas, tanto o poder como a lei não

têm sua essência na relação de mando-obediência. O poder não é entendido

como dominação do homem pelo próprio homem e a lei não carrega consigo o

poder ditatorial da ordem.

O poder é caracterizado na tradição romana como emanação do povo

unido, ou seja, o poder deriva da união de muitos, como ocorria na Polis. Para

Arendt o poder é o baluarte e a preservação da existência da esfera pública.

Para Fry:

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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 79

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

Arendt enfatiza a ineficácia da violência para obter fins políticos ao afirmar que ‘a prática da violência, como toda ação3, muda o mundo, mas a mudança mais provável é rumo a um mundo mais violento’ (Apud ARENDT, 1989, p. 177). Ela observa que é tentador pensar o poder em termos de ordenar outros a obedecer, mas ela remonta o conceito de "poder" às ideias gregas e romanas de poder, que não caracterizam o poder como um relacionamento de mando-obediência. (FRY, 2010, p. 98; C)

O poder, moderna e hodiernamente, nesta concepção da tradição

romana, poderia ser ressignificado como o povo que cede por algum tempo

apoio aos governos, às instituições de um Estado. O povo cede poder às

instituições de um país, mas esse apoio é a continuação do consentimento que

deu origem às suas leis, ele precisa de legitimidade no sentido de

consentimento e de apoio, como era entendido na Civitas romana, pois os

romanos antigos criaram,

[...] uma forma de governo, uma república, onde a regra de Direito, repousando no poder do povo poria um fim ao domínio do homem sobre o homem, que em sua opinião tratava-se de um “governo próprio para escravos”. Também eles, infelizmente, falavam ainda de obediência – obediência a leis e não a homens; mas o que realmente queriam dizer era apoio às normas legais às quais haviam os cidadãos dado o seu consentimento (ARENDT, 2010, p. 120; B).

Não existe nenhuma instituição política que não seja derivada do poder

concedido pelo povo, todas as instituições políticas são manifestações de

poder, portanto elas declinam quando o povo deixa de manifestar apoio ou

consentimento. Isso é verdadeiro para qualquer forma de governo, desde os

gregos antigos. O poder é um fim em si mesmo, e por isso não precisa de

meios para sua justificação, mas da legitimação que se traduz no apoio que o

povo dá às instituições de um país. Diz Hannah Arendt:

O único fator material indispensável para a geração do poder é a convivência entre os homens. Estes só retêm poder quando vivem tão próximos uns aos outros que as potencialidades da ação estão sempre presentes; e, portanto, a fundação de cidades que, como as cidades-estados, converteram-se em paradigmas para toda a organização política, ocidental, foi na verdade a condição prévia material mais importante do poder. O que mantém unidas as pessoas depois que passa o

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80 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

momento fugaz da ação (aquilo que hoje chamamos organização) e o que elas, por sua vez, mantém vivo ao permanecerem unidas é o poder. Todo aquele que, por algum motivo, se isola e não participa dessa convivência, renuncia ao poder e se torna impotente, por maior que seja a sua força e por mais válidas que sejam suas razões (ARENDT, 2010, p. 213; B).

O poder só existe na união do povo, por essa razão, não se pode usar o

conceito de poder para um indivíduo isolado, ou sozinho. O poder se constitui

pela conservação da união, do estar juntos. É a capacidade humana,

indispensável do fazer política, a capacidade da ação em conjunto,

transformando vários “eus” em um nós, com reconhecimento da obediência

vivida pelos gregos da Polis e os romanos da Civitas.

O poder mantém a união das pessoas e depois de passado este

momento, cada um retorna para sua casa e não há mais poder. Por ser

essência da capacidade humana de agir entre si e depender da relação entre

os homens, o poder tem um caráter de potencialidade. De acordo com Leo J.

“[...] para Arendt, o poder não é poder sobre os outros, mas poder que surge

com os outros, o que ele descreve como poder relacional, em contraste com o

poder unilateral” (Apud PENTA, 1996, p. 219).

Por esses fatos, Arendt mostra que o poder é indispensável e baluarte

de toda forma de governo e não há governo político verdadeiro que não

reconheça este poder no povo, porém sabe-se que existem governos que

confundem poder com violência e esta não é baluarte e nem a essência da

política.

Sendo assim, o poder é ilimitado porque deriva da ação e da pluralidade

dos homens, pode ser dividido sem reduzir-se, diferente da violência. O que

comumente destrói as comunidades políticas é a perda do poder e o aumento

da violência.

A DISTINÇÃO ENTRE PODER E VIOLÊNCIA

Arendt associa a não distinção nos governos modernos entre violência e

poder, muitas vezes, tratados como iguais, pela incorporação da violência

como poder e, assim, torna-se difícil fazer uma diferenciação pelo viés da

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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 81

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

ordem e obediência e este motivo traz a equalização de ambos os termos na

esfera política do poder.

Na sua forma extrema violência se traduz em “um contra todos”, mas

isso não é possível sem o auxílio de instrumentos, ao contrário do poder, e

assim ela não está na essência de todo o governo, por isso precisa de

justificação, sendo a violência incapaz de gerar o poder.

Esta forma de conceber ou entender o poder como instrumento para que

seja cumprida uma ordem, ou ainda com o intuito de mantê-la, é derivada da

tradição e não deve ser o modelo a ser seguido pelos governos. Nessa forma

de governo moderno, a violência é usada como instrumento para salvaguardar

a estrutura do poder intata. Ao se analisar o governo dos dias atuais, tem-se a

impressão de que não há como desvincular violência de poder e que aquela é

a forma de manutenção do poder. Esta visão tradicional da violência como

poder contraria a verdadeira essência da ação política. Desse modo,

[...] diferentemente da ação política, a violência é muda, silencia a troca de opiniões e é usada como meio para obter determinados fins (...). Enquanto a violência é, a miúdo, usada por governos a fim de alcançar à força determinadas metas, Arendt acredita que em fim de contas, a violência é bastante ineficaz como instrumento político para a manutenção de um poder soberano, porque os meios podem sobrepujar totalmente o fim (FRY, 2010, p.98; C).

O uso da violência, para manutenção das metas, seja qual for, é

sumamente perigosa, pois como a ação está no campo da imprevisibilidade

nada garante o sucesso de tais ações. E por mais que no governo decline ou

perca o poder, não se compensará ou reconquistará pelo uso da violência com

este propósito.

A perda do poder e da autoridade em todas as grandes potências é claramente visível, mesmo estando acompanhada por um imenso acúmulo de meios de violência nas mãos do governo; mas o aumento de armamentos não pode compensar a perda de poder (ARENDT, 2010, p. 177; B).

Para Arendt, a história mostra, por meio das revoluções, que no embate

de violência por violência o governo ganha, mas sempre enquanto a estrutura

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82 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

do poder estiver intacta, ou seja, que as ordens do governo sejam obedecidas

e que este tenha a seu lado o exército e a polícia.

Quando o poder se romper, o apoio do povo desmoronar, o governo

sempre correrá o risco de se perder. Quando o governo se desintegra

(ARENDT, 2010, p. 126; B) muda de mãos o poder das armas. Quando o poder

se esvai, as ordens começam a ser questionadas e desobedecidas, os meios

de violência são colocados à prova e os mesmos se mostram inertes, pois a

obediência é relacional, baseia-se no consentimento, no acordo, e pela

quantidade de pessoas que consegue dela participar.

Tudo depende do poder que está por trás da violência. A obediência civil

nada mais é do que o apoio e o consentimento livres. De nada adianta um

governo dar ordens se as armas que obrigariam o povo a obedecer estiverem

nas mãos do exército e da polícia e estes não mais se dispuserem a obedecê-

lo e se colocarem do outro lado, já que

[...] a violência, é necessário lembrar, não depende de números ou de opiniões, mas sim de formas de implementação, e as formas de implementação da violência, conforme mencionei mais acima, como todos os demais instrumentos, aumentam e multiplicam a força humana. Aqueles que se opõem à violência com o mero poder, cedo descobrirão que se confrontam não com homens, mas sim por artefatos fabricados pelo homem, cuja desumanidade e força de destruição aumentam em proporção à distância a separar os inimigos. A violência sempre é dada destruir o poder; do cano de uma arma desponta o domínio mais eficaz, que resulta na mais perfeita e imediata obediência. O que jamais poderá florescer da violência é o poder (ARENDT, 2010, p. 130; B).

Por estes motivos torna-se lógico afirmar que nenhum governo existe

exclusivamente pelo uso da violência. Até mesmo os governos totalitários têm

a polícia secreta e os seus informantes que consentem livremente poder ao

governo.

Embora a violência tenha o pretexto de gerar poder, ela não é de forma alguma politicamente tão eficaz quanto o poder real, que é alcançado mediante a liberdade. Arendt observa que um governo baseado unicamente na violência não pode existir, porque todos os governos precisam de uma base de apoio de crentes para agir (FRY, 2010, p. 99; C).

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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 83

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

Em Da violência, Arendt retoma o conceito da ação para alertar que

tanto a violência como o poder não são fenômenos naturais nem

manifestações do pré-político, privado. A violência e o poder só existem no

domínio político, garantida pela capacidade da ação.

O comportamento animal pode ser previsível, mas não a ação, pois

segundo a autora (ARENDT, 1963, p. 177), sobre o uso da violência como

meio para se conseguir fins políticos, esta prática violenta pode mudar o

mundo, como todo o agir humano. Contudo, advém desta prática um mundo

muito mais violento, como o que é visto atualmente no Iraque, país que foi

“pacificado” pelo uso da violência armada, o que gerou ainda mais violência.

Isso porque a maioria do povo iraquiano não consentiu o poder aos Estados

Unidos para intervir no país. Surge agora o Estado Islâmico extremista que

devolve a violência praticada pelos Estados Unidos, com a invasão do Iraque,

pois os “estado-unidenses” capturados são decapitados, ou seja, da violência

será gerada sempre mais violência e onde o poder deixar de existir a violência

se erguerá sempre como a base de todo o regime político.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após esta breve exposição sobre o conceito de poder e sua distinção em

Hannah Arendt, percebe-se que o poder historicamente inicia-se na Polis grega

e Civita romana e sua função era a de garantir, consentir governabilidade para

a comunidade política. O poder era a manifestação do povo unido que

deliberava nas ações da esfera pública, não havia poder diferente ou superior

entre as pessoas. Sua essência era garantir a liberdade e a igualdade no

espaço público.

É com a tradição do pensamento filosófico que o poder se confunde com

violência, e o poder passa justamente a negar sua história conceitual e agora é

entendido como a dominação do homem pelo homem. Poder significa fazer

com que o outro cumpra com as vontades e se submeta a quem estiver numa

hierarquia de posição social, financeira, intelectual e caso este reconhecimento

de submissão e de ser dominado pelo outro não se manifeste, o poder aparece

como violência, usa de meios, de instrumentos, da dor física e emocional para

garantir que os fins sejam garantidos. Esta forma de poder alicerçado na

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84 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

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violência chega ao ponto máximo com a efetivação dos regimes totalitários que

usam da própria violência para garantir a governabilidade política.

Pelos argumentos expostos sobre a relação poder e violência o que se

torna relevante ainda hoje é perceber, como enfatiza Arendt na sua obra Da

Violência, que onde o poder sucumbir o governo só passa a existir pela

manutenção da violência. Quando o governo não tem mais o consentimento do

povo, o povo não mais empresta apoio ao governo, esse passa a usar da

violência para garantir sua governabilidade.

Caso explícito para o entendimento desta estrutura é e foi o governo do

Estado do Paraná na pessoa do Carlos Alberto Richa (PSDB) que no dia

29/04/2015 massacrou professores na cidade de Curitiba, personificando o

poder como violência na ação criminosa dos policias militares que usando de

bombas de lacrimogênios, de efeito moral e de balas de borracha, machucaram

cruelmente quase quatrocentas pessoas, para que seu desejo de aprovação de

um projeto, rejeitado pelos professores e servidores públicos, fosse solidificado.

A aplicação conceitual de poder e violência de Arendt nesse caso faz-

nos entender o quão sua reflexão política é atual e está ao nosso redor, pois

muitos governos políticos se sustentam com o uso da força, da violência e não

com o poder entendido aos modos arendtianos, como o poder do povo unido

que consente e empresta representação para o governo da liberdade e da

igualdade, nunca da violência e da dominação.

REFERÊNCIAS

ARENDT, Hannah. A condição humana. 11. Ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010, A. ARENDT, Hannah. As origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. ARENDT, Hannah. Da violência. In: Crises da república. São Paulo: Perspectiva, 2010, p. 91-169, B. ARENDT, Hannah. Que é autoridade? In: Entre o passado e o futuro. 6. ed. São Paulo: Perspectiva, 2007, p. 127-187. ARENDT, Hannah. Sobre a revolução. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1963.

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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 85

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

FRY, Karin A. Compreender Hannah Arendt; tradução de Paulo Ferreira Valério. Petrópolis, RJ: Vozes; 2010, C. OLIVEIRA, Luciano. 10 lições sobre Hannah Arendt: a trilogia da ação. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012. PENTA, Leo J. Hannah Arendt: On Power. The Journal of Speculative Philosophy, 10 (3), 1996, p. 219.

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86 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

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A VERDADE PENSADA COMO SÍNTESE ORIGINÁRIA

Luana Borges Giacomini Unioeste

Dr. Roberto S. Kahlmeyer-Mertens (orientador) ([email protected])

RESUMO:

A noção de verdade em Heidegger é o tema do presente trabalho. Procuraremos investigar como se dá a compreensão de verdade originária no pensamento do referido filósofo. Com vistas à obra Ser e tempo (1927), podemos indicar que a verdade, tal como originariamente compreendida pelo autor, diz respeito a uma estrutura primária na relação do ser-aí (Dasein) com o mundo que o circunda. Podemos dizer que tal estrutura primária é, assim, anterior a qualquer relação do ser-aí com o mundo, justamente por ser a própria possibilidade de tal. Pelo fato de a metafísica tradicional não ter tematizado satisfatoriamente a ligação ontológica entre o caráter de poder-ser do ser-aí e a verdade, Heidegger procura fundamentar a verdade no âmbito existencial. Deve-se, assim, ressaltar que a verdade pensada como síntese originária, não é uma síntese entre dois entes: o ser-aí de um lado e o mundo de outro, pois, diz respeito à própria possibilidade do nexo entre ambos.

PALAVRAS-CHAVE: Compreensão; Verdade; Desvelamento; Ser-aí.

O tema da verdade, por estar de algum modo implicado à noção de ser,

provoca um fecundo e crucial diálogo da ontologia fundamental de Heidegger

com a tradição metafísica. A questão primordialmente heideggeriana é a do

sentido de ser. Esta investigação é possível somente ao ente privilegiado que é

o ser-aí. É devido à pré-compreensão de ser, que este ente pode compreender

o sentido de ser e se perguntar pelo mesmo (além de indagar sobre outros

pontos que deste derivam, como por exemplo: o conceito de verdade). Tal ente

privilegiado é figura central na recolocação da pergunta pelo sentido de ser.

Além disso, segundo Heidegger (2012), é marcado pelo caráter ontológico de

poder-ser e se autodeterminar na relação com os outros entes manifestos no

horizonte compreensivo que seu mundo constitui. É por isso que as

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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 87

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possibilidades do ser-aí sempre estão em jogo e este só é o ente que é na

medida em que existe no mundo.

No início do §.44 de Ser e tempo (Sein und Zeit, 1927), Heidegger

afirma: “De há muito, a filosofia correlacionou verdade e ser” (HEIDEGGER,

2012, p.282). Isto é, a verdade, tradicionalmente, foi compreendida como

adequação; neste caso é pensada como a concordância entre uma proposição

de um sujeito sobre um estado de coisas dado e, por isso mesmo, verificável.

Por outro lado, costuma-se compreender filosoficamente o ser como um

conceito, e verdade como concordância do juízo com a coisa. No entanto, este

modo de pensar implica numa inevitável separação entre ser e verdade. É por

tal motivo que Heidegger, em sua analítica do ser-aí, vai partir do conceito de

verdade visto pela tradição. Assim, para tal filósofo: “Ser e verdade ‘são’, de

modo igualmente originários” (HEIDEGGER, 2012, p.301). A verdade originária

é condição de possibilidade de toda e qualquer verdade ou falsidade que se diz

do ente, pois, primariamente acontece abertura de sentido, e desta abertura

derivam todas as verdades do mundo circundante. Neste caso, “[...] deslocada

de sua tradicional residência na proposição, a verdade se localizaria no Dasein

[ser-aí]” (NUNES, 2012, p.195).

Por meio da compreensão de ser, o ser-aí pode dizer das coisas aquilo

que são e não são, isto é, apenas existe verdade mediante a abertura, inerente

ao ser-aí. É porque compreendemos o ser de alguma coisa previamente que

podemos enunciar acerca de tal. O ente precisa ter se revelado/mostrado no

nosso campo de sentido previamente para poder se enunciar acerca do

mesmo, é necessário que o ente se mostre assim como algo para que se

possa dizer acerca de sua validade ou falsidade. Por exemplo: só podemos

dizer que o giz é arenoso porque giz se mostrou previamente no nosso campo

de sentido/abertura. “O próprio ente visado mostra-se assim como ele é em si

mesmo, ou seja, que, em si mesmo, ele é assim como se mostra e descobre

sendo no enunciado” (HEIDEGGER, 2012, p.288).

No enunciado derivado, a interação entre duas representações dá

origem a uma síntese. Em tal entrelaçamento, sujeito e predicado se unem e

denotam algo. Toda relação judicativa revela algo sobre o que o ente é, ilumina

o ente de algum modo e por isso se pode dizer tanto daquilo que o ente é

(verdadeiro), quanto aquilo que ele não é (falso). Deste modo: “A verdade

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88 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

equivale a esta mútua pertinência de sujeito e predicado. O que mutuamente

se pertence de modo correto é válido”13 (HEIDEGGER, 2007, p.146). No que

tange ao conceito tradicional, a verdade se localiza somente em

representações vinculadas, ou seja, o juízo sob a forma da “adaequatio rei ad

intellectum” (conformidade da coisa com o intelecto). “O verdadeiro, define

Aristóteles, é apreender a enunciar o que se apreende, articulado na

proposição por meio da cópula. A cópula nada é por si mesma e pode, dessa

forma, unir e separar o que se apreende” (NUNES, 2012, p. 39).

A interpretação diz respeito “[...] ao desenvolvimento do compreender

apropriando-se das possibilidades em que o poder-ser se projeta” (NUNES,

2012, p.18). Esta apropriação, não é algo sem pressuposto, isto é, sempre

parte de um referencial (Vorhabe), explicita-se em conceitos prévios (Vorgriffe)

numa determinada perspectiva (Vorsicht). Segundo Heidegger, por se

encontrar numa direção prévia, em todo seu “fazer” o ser-aí parte desta

estrutura tríplice de interpretação. Isto justifica o ser-aí sempre ter uma lida

compreensiva com o que se lhe apresenta no mundo. O existir do ser-aí é pré-

compreensivo, porque em todo seu mover no mundo, já compreende as coisas

nos diversos modos do seu ser. Contudo, o filósofo vai dizer que esta

compreensão que o ser-aí tem das coisas é sempre uma compreensão além

das mesmas, ou seja, é pelo fato de já estarem dadas e tematizadas que se

proporciona um distanciamento da coisa com seu “lugar” mais originário. A

facticidade proporciona tal distanciamento. É por isso, que um dos projetos

indispensáveis de Ser e tempo, se refere à hermenêutica da facticidade. É a

facticidade que determina quem somos, diz respeito ao modo como já nos

colocamos no mundo de fato. O ser-aí lançado no mundo já conta com o

mundo que existe antes dele, isto é, já conta com um modo, com uma

facticidade.

Invocar a verdade da existência é retroceder à posição prévia da abertura, de que a temporalidade extática, possibilitando a estrutura trimembre do cuidado, é a condição-limite insuperável, em que todas as estruturas existentivas se explicitam. Essa posição prévia, como pressuposto da verdade (veritas), de que a verdade proposicional recebe a sua origem,

13 HEIDEGGER, Martin. Princípios metafísicos de la lógica. Trad. Juan José García Norro. Madri: Editorial Síntesis, 2007, p.146. Tradução nossa.

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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 89

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

é o lugar da alétheia, do não-ocultamento ou não-velamento. (NUNES, 2012, p. 196).

Martin Heidegger vai conceber alétheia como a verdade em seu sentido

originário, tal verdade se refere ao desvelamento do ser. Deste modo, “Porque

ao ser pertence o velar iluminador, aparece ele originariamente à luz da

retração que dissimula. O nome dessa clareira é alétheia” (HEIDEGGER,1979,

p. 343). Alétheia é o fenômeno do desvelamento, o aparecer do ser. O sentido

da palavra grega “alétheia” (não-velamento) se refere ao domínio do iluminado

ou do manifesto. É a esta percepção, a saber, do desvelamento, que

Heidegger vai dizer como verdade do ser, justamente pelo fato de possibilitar o

aparecer das coisas mesmas. Deste modo, “[...] o enunciado é verdadeiro

significa: ele descobre o ente em si mesmo. Ele enuncia, indica, “deixa ver” o

ente em seu ser e estar descoberto” (HEIDEGGER, 2012, p. 289).

O ser-aí, na condição paradigmática do ente que somos, necessita de

um retornar, de um encontro das coisas desde elas mesmas, pois, lançado no

mundo, sempre conta com uma facticidade específica a qual o posiciona

sempre além da coisa. O retorno, neste caso, significa retornar àquilo que se é

por antecipação, até mesmo antes de ser sujeito (do eu. Tal como

tradicionalmente compreendido). A abertura do ser-aí, fundamentalmente, é

possibilidade de ser. Deve-se ressaltar que tal caráter de possibilidade, do ser-

aí, não consiste numa indiferença do árbitro. O caráter de poder-ser possui

condicionantes de suas possibilidades. Isto é, tal possibilidade é ser nas

circunstâncias de um mundo que conta com uma facticidade específica.

Portanto:

A “essência” da presença [ser-aí] está em sua existência. As características que se podem extrair deste ente não são, portanto, “propriedades” simplesmente dadas de um ente simplesmente dado que possui esta ou aquela “configuração”. As características constitutivas da presença [ser-aí] são sempre modos possíveis de ser e somente isso (HEIDEGGER, 2012, p. 85).

Como e possível entrever a partir da citação, Heidegger, em sua

analítica existencial, vai se ocupar com uma interpretação do ser-aí em seu

significar originário. Para tanto, parte de sua lida com as coisas na prática; ao

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90 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

partir disto, o filósofo procura elucidar que a apreensão das coisas no mundo

circundante depende do uso que se tem com as mesmas. Compreendemos as

coisas de determinado modo a partir do uso que se estabelece com a ela, ou

seja, a circunstância em que utilizo a coisa para determinado fim. Podemos

dizer, assim, que o significado da coisa depende da ocupação que se

desempenha com ela. O significado de uma coisa aparece na medida em que

lidamos com tal, ou seja, na medida em que é utensílio. Isto implica em afirmar

que só podemos dizer o que uma coisa é, na medida em que ela não se

encontra meramente presente (enquanto uma presença por si subsistente).

Aqui, torna-se clara a diferença entre a mesmidade heideggeriana e a

aristotélica (o ente só pode ser mostrado porque ele é ele mesmo). A

mesmidade de Heidegger não consiste no ser simplesmente dado do que

aparece. Dizer o que uma coisa é, não implica em tomá-la como apenas

presente e possuidora de um conjunto de determinações. Heidegger vai

procurar dizer o que a coisa é a partir daquilo que não está presente. É o que

não se encontra presente na coisa que o filósofo vai dizer essencialmente do

ente.

Para Aristóteles (cf. Metafísica, IV 1003 a33), “o ser se diz em vários sentidos, ainda que em ordem a uma só coisa e a certa natureza única.” A mesmidade é delimitada (conforme “horismos”, delimitação) por ele como “tò tì en einai” (o que antes de ser era). Este é um dos termos que ele utiliza para nomear a substância. A substância é a primeira categoria, que diz respeito ao que se encontra presente em sua mesmidade, e que mantém aí como que todas as outras determinações reunidas. (CORDEIRO, 2011, p.185).

Aquilo expresso no sentido tradicional da proposição é um modo

derivado de interpretação, o que não implica numa inferioridade. Mas, não diz

respeito ao acontecimento originário. Podemos utilizar de um exemplo do

próprio Heidegger, para tornar mais claro esse caráter derivado da proposição,

a saber, “o giz é muito arenoso”. Neste enunciado, “arenoso” não é apenas

uma determinação do giz no sentido de que ele possui tal propriedade. Ou

seja, é apenas algo predicado de tal objeto. O giz só aparece como é, na

medida em que se diz sobre ele, neste caso, por exemplo, o ser arenoso

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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 91

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

(predicado), que poderia ser, também: branco, comprido, fino, etc. É pelo fato

de não termos o trato primário com a escrita que se dá o derivado (secundário).

Não obstante, o intento de Heidegger consiste em mostrar que na noção

tradicional de verdade ainda permanece encoberto o horizonte fenomênico

(intencional) do ser-no-mundo (In-der-Welt-Sein). Isto é, a facticidade do ser-

no-mundo uma vez insuficientemente tematizada, torna obscuro o horizonte

fenomênico no qual a verdade se configura a este ente, sempre como

acontecimentos de verdade em circunstâncias fáticas específicas. Do outro

modo o conceito é interpretado como uma propriedade de entes tomados como

subsistentes por si só e independentes do ser-no-mundo.

O ser-aí é ser-no-mundo, deste modo, se encontra numa relação

imediata com o mundo circundante. Isto é, “[...] o seu significar compreensivo

não se dirige primariamente nem a coisas concretas nem a conceitos gerais,

mas àquilo que se desencobre e lhe vem ao encontro” (CORDEIRO, 2011, p.

183). A compreensão originária corresponde ao ser-aí, isto é, o situar-se

significativamente com as coisas. É devido a isso que se torna possível à

compreensão a expressão fonética. A compreensão que o homem possui da

linguagem corresponde ao conjunto de emissões verbais, ordem sintática-

semântica do enunciado. No entanto, tal compreensão corriqueira da

linguagem, proporciona o distanciamento com a sua fonte, a saber, a

compreensão originária.

O lugar originário da verdade, não é a adequação da proposição à coisa,

pois qualquer proposição veritativa não pode prescindir de ser descobridora do

que seja a verdade. Dito de outro modo, qualquer discurso (lógos) que acerca

do verdadeiro se transponha para a forma conceitual de verdade, se dá

originalmente em seu horizonte intencional, não podendo deixar de levar em

conta o âmbito compreensivo no qual esta verdade é descoberta: o horizonte

compreensivo do ser-no-mundo.

O caráter apofântico do lógos consiste em deixar ver o ente desde o

próprio ente. Isto significa que o falar deve ser compreendido como

“apofainestai”, isto é, fazer ver o ente. Fazer ver o ente, aqui, não se refere à

representá-lo na consciência. Pois “o pensado é antes o próprio ente, e não

uma representação ou imagem que concorde com o ente que precisamente se

encontra ausente” (HEIDEGGER, 2009, p. 135). Entendendo o logos como

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92 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

porta-voz do mundo, sua “função” é deixar ver algo que já se deu. No entanto

no §7 de Ser e Tempo, Heidegger fala que o que é verdadeiro, de modo ainda

mais originário, é a “aisthésis”, que diz respeito a simples percepção sensível

de alguma coisa. A “aisthésis” enquanto percepção imediata da coisa é sempre

uma percepção verdadeira. Deve-se ressaltar, que a “aisthésis” (percepção

originária) é privilégio do ser-aí. Ela é uma intuição, que aqui podemos tomar

como percepção imediata da coisa.

Heidegger considera que o mundo, sempre já se deu enquanto

“aisthésis”. Aristóteles não percebeu tal fenômeno deste modo. Isto é, não o

concebeu a partir do “logos apofântico”, como possibilidade de ser, de um

sentido, mas, sim, do ente na determinação de seu estar presente. Isto

significa: o ente, na multiplicidade de suas determinações, aparece como um.

Ou seja, o ente é aquilo que subjaz “hypokeimenon”. Neste caso, o deixar ver

do “logos” consiste numa visão a partir da determinação de sua presença. O

modo de relacionar racionalmente é problemático, segundo Heidegger, na

medida em que pode se perder frente a função primária do “logos”, a saber, da

mostração.

Martin Heidegger afirma que, na metafísica tradicional, o estar presente

se refere ao mostrar-se do ser como um ente, que também ocorre na filosofia

aristotélica. Aristóteles apresenta o ser na determinação de sua unidade como

“tò tì em einai”. Todavia podemos perceber no §7 de Ser e Tempo, que

Heidegger vai considerar o papel da fenomenologia como o de mostrar, deixar

ver aquilo que não se mostra, isto é, que não está presente. Fica claro que

Heidegger não se preocupa com um ente específico, mas sim, com o ser dos

entes, que é justamente o que nunca aparece como determinado, ou seja,

presente. A fenomenologia não responde a questão: “que é uma coisa?” de

modo a apresentar o ser como um “ente” determinado, que se mostra.

Determinar é um mostrar desde ser, que se encontra presente. No entanto, ser,

para Heidegger, está encoberto em todo o mostrar do ente, deste modo, não

podemos dizê-lo através da presentificação de um ente.

O “lógos apofântico” se fundamenta numa estrutura ainda mais

originária, que Heidegger denomina “como hermenêutico”, aqui, a coisa não se

determina por seu encontrar-se presente (como um na multiplicidade de suas

determinações), mas, sim, por aquilo que nela se encontra ausente, não

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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 93

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

manifesto. Heidegger, ao afirmar que aquilo que não se encontra presente (que

não é determinado, não é ente) pertence propriamente ao que uma coisa é,

torna claro que o ser de uma coisa não é nada além de possibilidade de ser.

Deve-se ressaltar que nesta estrutura hermenêutica da verdade,

Heidegger aponta a realização de uma síntese, mas não aquela como ligação

de elementos através da cópula. A síntese referida, aqui, como na do “lógos

apofântico”, é um deixar ver algo, como algo. Para tanto, há a abertura de um

mundo em conjunto com ser-aí, que se encontra aberto doando possibilidade

para o deixar ver e fazer. Isto é, o acontecimento do mundo e do ser-aí se dá

conjuntamente, perfazendo, então, a estrutura ser-no-mundo. A síntese, não se

dá entre dois entes, a saber, ser-aí e mundo (separados). Aqui, ela não traz um

elemento de ligação entre dois entes. A síntese é a relação que sempre já se

deu, ela não é posterior, no sentido de proporcionar a junção entre dois entres

presentes. Ela é condição mesma, para o surgimento dos entes e do ser-aí.

Isto implica dizer que sem esta relação anterior, não seria possível seres-aí,

pois é esta síntese, que, por ser originária, sempre já “[...] operou em todo vir-a-

ser do homem em seu ser” (CORDEIRO, 2011, p.195).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A síntese originária é o imediato, o começo, princípio enquanto “arché”.

Desde sempre o homem está atravessado pela síntese originária. O enunciado

é secundário, porque antes já se deu ser-aí (Dasein), ou seja, o enunciado se

mostra como descobridor porque revela algo que já apareceu. Primariamente,

o ser-aí habita o âmbito de sentido, antes de tudo, ele é o “lugar” em que as

coisas vêm de encontro, isto é, lugar de sentido.

Ser-verdadeiro enquanto ser-descobridor é um modo de ser do ser-aí.

Segundo Heidegger, “[...] o que possibilita esse descobrir em si mesmo deve

ser necessariamente considerado ‘verdadeiro’, num sentido ainda mais

originário. Os fundamentos ontológico-existenciais do próprio descobrir é que

mostram o fenômeno mais originário da verdade” (HEIDEGGER, 2012, p.291).

Pelo fato do ser-aí ser essencialmente abertura, possibilidade do descobrir o

que se abre, o ser-aí é e está na “verdade”. Essencialmente o ser-aí é

“verdadeiro”.

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94 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

REFERÊNCIAS

HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Tradução revisada e apresentação de Marcia Sá Cavalcante Schuback; posfácio de Emmanuel Carneiro Leão. 7.ed. Petrópolis: Vozes, 2012. HEIDEGGER, Martin. Principios metafísicos de la lógica. Trad. Juan José García Norro. Madrid: Editorial Sintesis, 2007. HEIDEGGER, Martin. Coleção os Pensadores - Conferências e escritos filosóficos. Tradução, introduções e notas de Ernildo Stein. São Paulo: Abril Cultural, 1979. Texto utilizado: Sobre a essência da verdade. RÉE, Jonathan. Heidegger – História e verdade em Ser e tempo. Tradução de José Oscar de Almeida Marques, Karen Volobuef. São Paulo: Editora Unesp, 2000 NUNES, Benedito. Heidegger & Ser e tempo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002. NUNES, Benedito. Passagem para o poético: filosofia e poesia em Heidegger. São Paulo: Edições Loyola, 2012. CORDEIRO, Robson Costa. Heidegger e a verdade como síntese originária. Artigo publicado na ÍTACA – Revista de pós-graduação em filosofia IFCS-UFRJ. V. 18, p. 180-196, 2011. Link para acesso: http://revistas.ufrj.br/index.php/Itaca/article/view/196/187. STEIN, Ernildo. Seminário sobre a verdade: Lições preliminares sobre o parágrafo 44 de Sein und Zeit. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1993.

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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 95

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

REPENSANDO O ESPAÇO POR MEIO DA FENOMENOLOGIA:

CONTRIBUIÇÕES DE HEIDEGGER

Maria Lucivane de Oliveira Morais UNIOESTE/Campus Toledo

[email protected] Orientador: Prof. Dr. Roberto S. Kahlmeyer-Mertens

[email protected]

RESUMO:

O objetivo geral dessa comunicação consiste em realizar uma breve reflexão sobre dois conceitos primordiais na obra Ser e tempo publicada em 1927 por Martin Heidegger: ser-aí e espaço. Por meio da fenomenologia o filósofo avança nas discussões conceituais sobre tais temáticas tendo como questão direcionadora de todo o seu trabalho a busca pelo sentido do ser. O Dasein ou o ser-aí corresponde a nós mesmos, representa o existir em cada caso particular. Para compreendê-lo Heidegger cita a questão do espaço um dos âmbitos sobre o qual o ser-aí se lança construindo sua existência a partir da temporalidade que toma para si o sentido ontológico. Como metodologia optou-se pela realização de pesquisas bibliográficas, fundamentais para a elaboração de reflexões criticas em relação à obra deste filósofo de grande relevância para o século XX.

PALAVRAS-CHAVE: Heidegger; Fenomenologia; Ser-aí; Espaço.

INTRODUÇÃO

O conceito de espaço é amplamente discutido por Heidegger ao

relacioná-lo de forma indissolúvel com o ser-aí. Por vezes, o filósofo se utiliza

da expressão ser-no-mundo para exemplificar a unidade entre mundo e vida

humana na palavra existência. (SARAMAGO, 2008). Entre as ideias a serem

discutidas nessa comunicação encontram-se uma breve definição do ser aí e a

forma como o espaço se materializa como elemento capaz de promover a

autocompreensão a existência e sentido do ser almejado por Heidegger. A

justificativa para a escolha dessa temática, ainda que superficial, deve-se a fato

de que embora a obra Ser e tempo tenha sido publicada nas primeiras décadas

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96 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

do século XX, no Brasil, ainda são escassas as discussões que apontam para

a forma fenomenológica como Heidegger analisa o espaço e, ao longo de sujas

investigações o vincula ontologicamente a noção de lugar. Como metodologia

para a elaboração das discussões posteriores, optou-se pela realização de

pesquisas bibliográficas, tendo a obra acima citada como fundamento básico

de análise e, outros comentadores de grande relevância no cenário nacional

como Franck (1986), Saramago (2008), Nunes (2010), dentre outros.

O SER-AÍ E O ESPAÇO

Qualquer sujeito que se disponha a compreender as imensas

contribuições e novos desdobramentos da fenomenologia (Ciência dos

Fenômenos) que Heidegger propôs ao se desvincular de Husserl, precisa

considerar que este método filosófico tem como fim último compreender o

sentido do ser.Em sua principal obra Ser e tempo o conceito de Dasein

(traduzido como ser-aí) é facilmente percebido o eixo integrador de todas as

discussões tecidas e, que por meio da ontologia lança luz sobre conceitos

obscurecidos pela tradição, apreendendo-os e superando as limitações de sua

interpretação.

Nas palavras de Nunes (2010) a base que legitima o método

fenomenológico no qual é possível a compreensão do ser se lança sobre a

existência humana a que se aplica a temporalidade. Nesse sentido, o “[...] ente

que temos que analisar somos nós mesmos. O ser desse ente é sempre e

cada vez meu. A essência deste ente está em ter de ser. [...] a essência da

presença está em sua existência”. (HEIDEGGER, 2003, p.85). Será esse ser

que, ao se abrir em mundo cheio de possibilidades, delineará o sentido de sua

existência bem como a dimensão espacial na qual se manifesta.

Por integrar ontologicamente o espaço no qual realiza todas as

dimensões de sua vida, o ser-aí pode ser compreendido como um ser-no-

mundo, que se relaciona com outros sujeitos, compartilha sua existência e

atribui sentido as múltiplas possibilidades do poder-ser sobre o espaço no qual

se projeta. Portanto, “[...] pode escolher-se a si mesmo, ganhar-se e também

perder-se ou não ganhar-se- nunca ou só “aparentar” que se ganha. [...] o

Dasein existe e enquanto existe”. (NUNES, 2010, p.48).

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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 97

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

Nas palavras de Heidegger:

A demonstração fenomenológica do ser dos entes que se encontram mais próximos faz-se pelo fio condutor do ser-no-mundo cotidiano, que também chamamos de modo de lidar no mundo com o ente intramundano. Esse modo de lidar já se sempre se dispensou numa multiplicidade de modos de ocupação. (HEIDEGGER, 2003, p.114)

A cotidianidade do ser-no-mundo determinará os modos de ocupação

espaço, permitirá o encontro com os entes de que se ocupa, fará emergir a

determinação mundana de entes intramundanos e, ao mesmo tempo,

possibilitará ao ente não se perder ao se familiarizar com novos fenômenos.

(HEIDEGGER, 2003, p.114).

De acordo com Saramago (2008), importa a Heidegger perguntar sobre

o sentido do sentido do ser, o papel que desempenha na dimensão espacial da

existência e qual é o significado ontológico do espaço que até então era

considerado apenas como espacialidade fática. Critica as ciências humanas

que lhe atribuem definições rígidas e vinculadas ao caráter imediato e utilitário

da existência, aos objetivos que tornam o espaço familiar e habitável sendo

apenas uma base física sobre a qual se manifesta a existência humana. Diante

de tais definições, não é possível entender o sentido fundamental do espaço,

tampouco tecer considerações sobre o modo como o ser-aí delineia sua

cotidianidade mediana, construindo valores, socializando-se, suprindo suas

necessidades básicas, relações utensílios, dentre outros.

É necessário que o Dasein tome consciência de si a partir de si mesmo,

um compreender-se como possibilidade em meio a um “[...] processo

desencadeado no interior dos fenômenos e na concretude dos fatos”

(HEIDEGGER, 2003, p.112). A autocompreensão da existência será a base

sobre a qual se assenta a compreensão heideggeriana do espaço em que o

ser-aí mergulha em sua vida fática e estabelece sentido para a espacialidade.

Como resultado, seu registro e compreensão, devem-se ao que lhe é mais

próximo em seu cotidiano, seu espaço de ação, bem como as regiões que se

estendem para além delas. (SARAMAGO, 2008). Ao utilizar a palavra “mundo”

Heidegger esclarece ao leitor que poderá tomar distintos significados dentre os

quais conceitua:

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98 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

1. Mundo é usado como um conceito ôntico, significando sim, a totalidade dos entes que se podem simplesmente dar em um mundo. 2. Mundo funciona como termo ontológico e significa o ser dos entes mencionados no item 1. “Mundo” pode denominar o âmbito que abarca a multiplicidade dos entes [...]. 3. Mundo pode ser novamente entendido em sentido ôntico. Nesse caso, é o contexto “em que” a presença14 fática vive como presença. E não o ente que a presença em sua essência não é, mas pode vir ao seu encontro dentro do mundo. Mundo possui um significado pré-ontológico existenciário. Desde sentido, resultam diversas possibilidades: mundo ora indica o mundo “público” do nós, ora o mundo circundante mais próximo (doméstico e próprio). 4. Mundo designa por fim, o conceito existencial-ontológico da mundanidade. A própria mundanidade pode modificar-se e transformar-se, cada vez, no conjunto de estruturas de “mundos” particulares, embora inclua em si o a priori da mundanidade em geral. (HEIDEGGER, 2003, p.112)

Na sequência dessas definições, Heidegger conceitua o adjetivo

mundano como aquele que indica um modo de ser do ser-aí e jamais o modo

de ser deste em um dado mundo, que nesse caso é definido como

intramundano. O fenômeno da mundanidade possibilita buscar a compreensão

da natureza do ser aí que se lança e vem de encontro ao mundo por meio da

analítica. “Para se ver o mundo é, pois necessário visualizar o ser-no-mundo

cotidiano em sua sustentação fenomenal”. (HEIDEGGER, 2003, p.113).

Tais apontamentos, segundo Saramago (2008) demonstram que a

compreensão do mundo, deve ocorrer de forma fenomenológica, sendo

investigado de que maneira, a partir de determinadas situações concretas,

inseridas em uma cotidianidade que interliga mundo e ser-aí.

A ocupação do espaço dá origem a uma familiaridade com o mundo no

qual o ente intramundano vem ao seu encontro e a um novo lugar. “[...] Cada

lugar se determina como lugar deste instrumento para [...] a partir de um todo

de lugares direcionados do conjunto instrumental ‘à mão’ no mundo

circundante. O lugar é sempre ‘o aqui’ e o ‘lá’” (HEIDEGGER, 2003, p.156).

O ser-aí contribui para a configuração de lugares ao espacializá-los. Os

lugares, por sua vez, darão origem a uma região. Ao ocupá-la, o ser-aí elabora

14 Termo utilizado na tradução de Schuback (2013) correspondendo à Dasein ou, noutra tradução: ser-aí.

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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 99

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

seu próprio ser, descobre as conjunturas que definem as regiões, lhes

instrumentam e dão sentido. Para definir esse tema, Heidegger considera:

Regiões não se formam a partir de coisas simplesmente dadas em conjunto, mas estão sempre a mão nos vários lugares específicos. Os próprios lugares específicos dependem dos entes que se acham a mão na circunvisão da ocupação ou que, como tais, são encontrados. O que constantemente está a Mao não tem um lugar, pois é previamente levado em conta pelo ser-no-mundo da circunvisão. O onde de sua manualidade é levado em conta na ocupação e se orienta para os demais entes a mão. (HEIDEGGER, 2003, p.112)

Ao inserir o conceito de região em suas análises, Heidegger o delimita

pela noção de pertencimento, não apenas fornecendo direções para um

conjunto de lugares, mas o âmbito no qual está um determinado lugar. Por

outro lado, cada lugar, “[...] já está sempre orientado para e no interior de uma

região e, para que um local possa ser encontrado no conjunto de tudo o que se

apresenta e disponibiliza a região deve já ter sido descoberta”. (SARAMAGO,

2008, p.82).

As regiões se articulam entre si, e revelam seus diversos locais. Ambas

as categorias sofrem mudanças em suas determinações originais devido a

ocupação cuja significatividade permite evidenciar os sinais de orientação

espacial e/ou suas considerações teóricas.

Face a essa análise fica evidente a necessidade de Heidegger em

demonstrar que a relação espacial ocorre apenas com pelo agir do ser-no-

mundo e por sua espacialidade fática. Saramago (2008) verifica que até as

relações de localização que ocorrem entre seres intramundanos, dependem da

espacialidade do ser-aí e da forma como se move em sua ocupação cotidiana.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio da fenomenologia, Heidegger questiona e desenvolve analises

sistemáticas sobre o sentido do ser. Ao analisar o espaço, busca superar

definições tradicionais comumente repetidas pelas ciências humanas e, por

meio dessa categoria aponta para um dos motivos que justificam a existência

do ser-aí. Nesse sentido, o espaço é observado como aquele que é descoberto

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100 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

e recriado pelo ser-aí na medida em que existe e se abre como possibilidade

lançando-se me direção ao mundo. É dividido em lugares distribuídos em uma

circunvisão sendo configurados de forma ontológica uma vez que o ser aí

também é espacial.

Essas análises superficiais buscam evidenciar alguns conceitos

elencados na obra deste filósofo sem qualquer pretensão de torná-los

definitivos, entretanto, serão aprofundados em estudos posteriores devido à

grande importância de compreender o espaço não apenas de forma tradicional,

mas a partir do viés fenomenológico.

REFERÊNCIAS

FRANCK, Didier. Heidegger e o problemas do espaço. HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Trad. SHCUBACK, Marcia Sá Cavalcante. Petrópolis, RJ, 2013 NUNES, Benedito. Heidegger & Ser e tempo. 3ª edição. Rio de Janeiro, Zahar, 2010 SARAMAGO, Ligia. A topologia do ser: lugar, espaço e linguagem no pensamento de Martin Heidegger. Rio de Janeiro: ED. Puc-Rio; São Paulo: Loyola, 2008 SARAMAGO, Ligia. Sobre A arte e o espaço, de Martin Heidegger. Rev. Artefilosofia, Ouro Preto, n.5, jul.2008, pp. 61-72.

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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 101

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

PROBLEMA DO MAL EM SANTO AGOSTINHO

Robson Marins do Amaral Universidade Estadual do Oeste do Paraná - Unioeste

Célia Machado Benvenho (orientadora) [email protected]

RESUMO:

O pensamento de Agostinho de Hipona foi construído tomando como base teorias filosóficas, cristãs e não-cristãs. Sua posição enquanto membro do corpo da Igreja Católica e suas inquietações diante dos desafios enfrentados pela sua religião nos seus primeiros séculos de vida permitem ao homem perceber que, inevitavelmente, suas obras influenciaram todos de seu tempo e, por meio das mesmas, Agostinho defendeu sua fé. A preocupação de Agostinho com o problema do mal se encontra presente em todas as suas obras, e o curioso é a sua ousadia para estruturar as suas posições sobre este assunto que, ainda hoje, angustia o homem moderno. Agostinho descobre que ninguém é mau por nascença; sendo Deus, Sumo Bem, criador de todas as coisas, como poderia uma existência perturbar a criação? Algo de muito precioso, dado ao homem por Deus, é o livre-arbítrio, que fazendo bom uso deste, e com a graça de Deus, podemos crer nos mistérios do criador. Agostinho apresenta que o que há é uma ausência de bem na pessoa, não há pessoa ruim, existem pessoas que amam aquilo que é secundário e por isso acabam fazendo o mal. O mal é simplesmente o desvio do caminho que, pela essência do homem, se deveria seguir; quando o homem se desvia, acaba se enrolando com ações más que se é capaz de causar.

PALAVRAS-CHAVE: Mal Moral; Mal Físico; Pecado; Agostinho.

No presente trabalho faz-se um estudo acerca do problema do mal em

Santo Agostinho, descrevendo uma das questões que mais intriga o homem: o

problema do mal, pois este vai exatamente contra aquilo que o homem mais

deseja, a felicidade. Num primeiro momento pretende-se expor em que

contexto o Autor escreveu sobre o mal. Não se trata de um mero relato

biográfico que se possa ler por pura curiosidade, mas sim, de uma busca para

entender o que levou um autor medieval a tratar de um tema tão intrínseco a

nós. Num segundo momento, desejamos apresentar os principais pontos do

problema do mal e quais são os questionamentos feitos por Santo Agostinho

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102 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

sobre o mesmo e suas causas. Santo Agostinho traz respostas vivas às

duvidas sinceras do homem de hoje que, após 15 Séculos, ainda vive a

indagação sobre o problema do mal e sua existência. Desta forma pretende-se

esclarecer ao homem o conceito agostiniano do mal.

O trabalho visa explicar como o tema influência de maneira significativa

também no mundo contemporâneo, justo que o mal está presente na história

da humanidade desde seus primórdios. Desse modo o objetivo deste trabalho

é demonstrar as raízes do mal e a influência que esse exerce na sociedade

contemporânea. Pois, da mesma forma que doença corpórea é um mal e

queremos conhecê-la para encontrar a cura, assim também com o problema

do mal, pois, conhecendo o caminho do mal ficará mais fácil trilhar o caminho

do bem. Mal está em todo o universo, seja em forma corpórea dos seres que

inúmeras vezes vêm ao mundo sem algum membro que deveria fazer parte do

seu corpo; seja através das atitudes humanas que destroem a natureza ou que

ferem de alguma forma outros seres humanos, seja pela própria natureza que

aniquila cidades inteiras através de inundações furações, etc. Não se pode

ignorar a existência do mal, pois, esse faz parte da vida humana de alguma

maneira.

Santo Agostinho trata a questão do mal pelo ponto de vista cristão,

criando assim uma justificativa à possibilidade da existência do mal diante da

perfeição e onipotência de Deus que tudo criou e ordenou. O filósofo pondera

na sua obra, Confissões que “Para Deus, com certeza, o mal não existe

absolutamente; e não só para Ele, mas para tudo o que Ele criou, pois nada há

que possa romper e destruir a ordem que Deus pôs no seu universo”

(AGOSTINHO, 1985, p.116).

A presença do mal parece implicar a falta de Deus. Às vezes a

desorientação causada por esta revolta interior cria as atitudes mais

complicadas; por causa do mal se nega a existência de Deus, mas, muitas

vezes, o que se quer realmente é responsabilizar a Deus pelo sofrimento das

criaturas. Por este motivo Santo Agostinho faz alguns questionamentos sobre

esse problema do mal:

Mas se é assim, onde está o mal, por onde entrou no mundo? Qual é sua raiz e a sua semente? Será que não existe? Então

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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 103

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

por que tememos e receamos o que não existe? E se tememos sem motivo, esse mesmo é sem dúvida o mal que nos atormenta e despedaça inutilmente o coração; e tanto mais grave é esse mal quanto, não havendo razão para temer, tememos, ou esse mesmo temor imotivado é que é o mal. (AGOSTINHO, 1985, p. 105)

Esses mesmos questionamentos feitos por Agostinho muitas vezes

adentram a alma humana querendo, dessa forma, alcançar a resposta para o

problema do mal, o qual impede ao homem de ter o que mais deseja, a

felicidade. Para Agostinho o mal é privação do ser, assim como a escuridão é

privação de luz. Ele mostra que o mal é a ausência de uma perfeição que

deveria existir num ser. No Gênese, por sete vezes, se apresenta que Deus

fez as coisas “boas” e, assim sendo, não existe um começo do mal; “Deus viu

tudo o que tinha feito: e era muito bom” (Gêneses 1,31).

Deus, ao criar, tem o desejo do bem para o universo como um todo.

Existem vários seres no universo, sendo uns mais perfeitos e outros menos;

aumentando assim a diversidade e a riqueza do universo. Agostinho quer,

desta forma, afirmar que a causa do mal não é Deus, pois, sendo o mal a

privação de uma perfeição devida, Deus não pode ser seu autor porque,

fazendo as coisas, Deus lhes dá tudo o que lhes é necessário.

Santo Agostinho afirma: “Compreende-se também que, sendo Deus o

autor de todos os bens, no entanto, como não fez todas as coisas iguais, cada

uma é boa por si, e por isso todas juntas são boas, porque Deus fez todas as

coisas boas em extremo.” (AGOSTINHO, 1985, p.116)

O Autor quer mais uma vez afirmar que, sendo boas todas as coisas

criadas por Deus, é impossível que o mal venha de Deus e, assim, mostra que

a maldade é apenas o perverso movimento de uma vontade que se afasta de

Deus, e que tende para as coisas mais baixas. O mal se apresenta como um

“afastar-se do bem”, um afastar-se de Deus e, deste modo, encaminhar-se

para aquilo que foge da lógica da bondade infinita de Deus. O Homem por sua

vontade e liberdade faz suas escolhas e, nesse sentido, pode correr o risco de

optar pelo mal; mas essa opção não é vontade de Deus e nem criação de

Deus.

Muitas vezes, vemos o mal como algo que não podemos compreender

como um bem, por pura falta de capacidade, talvez por estarmos limitados a

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104 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

uma esfera material e temporal deste corpo limitado. Como fala o dito popular:

Deus escreve certo por linhas tortas. Ou, ainda, como diz São Paulo “Agora,

vemos como num espelho, de maneira confusa; depois, veremos face a face.

Agora, conheço de modo imperfeito; depois, conhecerei como sou conhecido”

(1 Cor 13,12), e aí veremos que nem tudo o que se apresenta como mal é, de

fato, mal.

Deste modo, pode-se afirmar que Santo Agostinho dá uma grande

contribuição para a solução ao problema do mal, o tira de Deus e o coloca no

homem, onde tem muito menor importância e relevância. Agostinho viu as

implicações de sua teoria e animou-se, pois o problema diminuiria de tamanho

diante de seus olhos. O mal seria apenas a ausência do bem, assim como se

dá diante da escuridão quando uma luz fosse acessa: a escuridão

desapareceria automaticamente diante da presença da luz. Em seguida

Agostinho faz uma distinção, separando dois tipos de mal, com o

questionamento do que seria o mal. Ele classifica o mal como sendo a

obediência à lei temporal que é a lei dos homens, mutável; e a lei eterna

perfeita e imutável.

Agostinho define a lei temporal com estas palavras:

E por seu lado, a lei temporal o que ordena ela a seu parecer senão que esses bens que os homens desejam e podem ter por algum tempo e considerá-los como seus, de tal forma que os possuam, a fim de que a paz e a ordem na sociedade sejam salvaguardadas? Isso quanto for possível, tratando-se dessa classe de bens. O modo como a lei temporal distribui esses bens a cada um o que é seu seria difícil e muito longo de explicar. Aliás, é claro ser inútil para a finalidade a que nos propusemos. Baste-nos constatar que o poder dessa lei temporal em aplicar seus castigos limita-se interditar e a privar desses mesmos bens, ou de uma parte deles, aqueles quem pune. É, pois pelo temor que ela reprime, e assim dobra e faz inclinar o ânimo dos desafortunados, ao que ela manda ou proíbe. Foi justamente para o governo dessas pessoas que ela foi feita. Com efeito, pelo fato de temerem perder seus bens, elas observam as normas necessárias para a sociedade ser constituída e mantida. Isso o quanto é possível ser feito entre homens desse tipo. Entretanto essa lei não pune o pecado cometido por serem amados com apego demasiado esses bens, mas unicamente aquela falta que consiste em subtraí-los injustamente de outro. (AGOSTINHO, 1995, p.65)

Quanto à lei eterna, ela diz:

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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 105

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

Mas quanto àquela lei que é chamada a razão suprema de tudo, à qual é preciso obedecer sempre e em virtude da qual os bons merecem uma vida feliz e os maus uma vida infeliz, é ela o fundamento da retidão e das modificações daquela outra lei que justamente denominamos de temporal, como já explicamos. Poderá a lei eterna ou, em outros termos, poderá ela alguma vez ser considerados injusta, quando os maus tornarem-se desaventurados e os bons, bem aventurados? (AGOSTINHO, 1995, p 41)

Agostinho faz ainda uma relação entre as duas leis, defendendo seu

ponto de vista de que não é legitima uma lei que não seja justa e que não

tenha sua origem na lei eterna: “Reconhecerás também, espero, que na lei

temporal dos homens nada existe de justo e legitimo que não tenha sido tirado

da lei eterna”. (AGOSTINHO, 1995, p.41)

A relação da lei como mal está no fato de que existem dois tipos de mal:

o mal físico e o mal moral. O mal moral constitui o verdadeiro objeto da analise

do tema sobre o mal, pois esse tem relação direta com a desobediência à lei

eterna, essa por outro lado, é uma lei positiva.

O mal físico pode ser entendido como uma diferenciação entre diversos

níveis de bondade e perfeição. Se uma coisa é melhor que outra, essa última

seria mal apenas em relação à primeira. Tal mal some automaticamente frente

à complexidade e perfeição da criação, que tem em Deus sua origem. Esse

mal, que Agostinho chama de “físico”, pertence à ordem corporal e se traduz

pelo sofrimento, sendo o mal a única explicação para o fato de que os homens

bons possam sofrer provações.

Já o mal moral, que constitui o pecado, é a submissão da razão às

paixões. Consiste em valorizar os bens mutáveis e passageiros mais do que

os bens eternos e imutáveis, ou seja, como diz São Paulo: “servir a criatura em

lugar do Criador” (Romanos. 1,25), desprezar, assim, o Bem Supremo em

detrimento de bens menores, os quais, todavia, não constituem um mal em si

mesmos.

Assim, pois, as mesmas coisas podem ser usadas diferentemente: de modo bom ou mal. E quem se serve do mal é aquele que se apega a tais bens de maneira a se embaraçar com eles, amando-os demasiadamente. Com efeito, submete-se aqueles mesmos bens que lhes deveriam estar submissos.

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106 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

Faz dessas coisas bens aos quais ele mesmo deveria ser um bem. Ordenando-as e fazendo delas bom uso. (AGOSTINHO, 1995, p.67)

No pensamento filosófico de Agostinho, o mal aparece como um tema

importante, tanto é que várias de suas obras, de uma forma ou outra, retomam

alguns de seus pressupostos sobre o problema do mal. O problema do mal,

pelo que se analisa, recebeu atenção de Agostinho em dois pontos centrais, e

a partir dessa estrutura, Agostinho discute o mal. A primeira sustentação de

Agostinho está em dizer que o mal não existe ontologicamente, por ser apenas

um afastar-se do bem. Essa sua concepção irá iluminar todos os argumentos a

respeito do problema do mal. O mal não tem substância e, portanto, não é

uma força oposta do bem, como defendia a doutrina maniqueísta. Desse

modo, não existe, e nem foi criado, pois o Sumo Criador, conforme afirma

Agostinho, somente criou coisas boas. Diante disso, Deus não tem qualquer

relação com o mal, eis que a obra da criação é boa e nenhuma criatura

carrega a substância do mal, pois não é possível carregar a substância do que

não existe, ou seja, do nada.

Agostinho enfrentou a relação do mal com o homem na intenção de

responder a motivação pela qual o homem se afasta do bem. Nesse sentido,

abre-se a contestação agostiniana sobre o mal moral, ou seja, o

comportamento humano de afastar-se do mal. Para ele o mal moral é o

pecado, sendo este, ao mesmo tempo, a causa e o efeito. O afastar-se do

bem, que é pecado, dá-se em função da vontade corrompida que, em

decorrência do livre arbítrio, escolhe o caminho do distanciamento do Bem

Supremo. Quanto mais o homem se afasta do Sumo Criador do bem, pior será

a sua condição moral. Frente a compreensão de Agostinho acerca do mal

moral, somente este é desprovido de antídoto, nesta perspectiva o mal se

mostra como um problema da vontade que, por estar corrompida desde a

queda de Adão no Éden, se direciona para o pecado ao afastar-se do bem. A

especulação agostiniana referente ao remédio para o mal passa

necessariamente pela razão e graça. O homem somente poderá libertar-se do

ato de afastar-se do bem por meio do livre arbítrio que, por sua vez, somente

conseguira resultado no caminho do remédio do mal com a ajuda da graça.

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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 107

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

Sem a graça, não será possível falar-se em antídoto para o mal moral,

eis que a vontade humana tem propensão em afastar-se do bem. Sustenta

Agostinho a fidelidade na perseverança de aproximar-se do bem e na

perseverança em amá-lo. Que a Fidelidade no bem seja um excelente dom de

Deus e que a sua procedência seja aquele do qual está escrito em Tiago que

todo dom precioso e toda dádiva perfeita vêm do alto, descendo do Pai das

luzes. A razão sozinha não poderá direcionar o livre arbítrio da vontade para

escolha do bem, tendo que o homem, nesse sentido, é impotente e necessita

do favor divino identificado como graça para se aproximar do bem. Por isso, o

antídoto para o mal moral é a razão com a ajuda da graça.

Em suma, o que Santo Agostinho quer mostrar é que se Deus

existe, o problema do mal deve ter uma solução digna da Sua bondade e da

Sua sabedoria, ainda que seja misteriosa e impenetrável aos nossos meios

limitados de conhecimento em face da grandeza dos planos da sua

providência.

REFERÊNCIAS

AGOSTINHO, Santo. A Vida Feliz. Tradução: Nair de Assis Oliveira. São Paulo: Paulinas, 1993. 157 p. AGOSTINHO, Santo. Cidade de Deus Contra os Pagãos: parte II. Tradução: Oscar Paes Leme. Bragança Paulista: São Francisco, 2008.589p. AGOSTINHO, Santo. Confissões. Tradução: Maria Luiza Jardim Amarante. São Paulo: Paulus, 2002. 450p. AGOSTINHO, Santo. O Livre-Arbítrio. Tradução: Nair de Assis Oliveira. 4. ed. São Paulo: Paulus, 2004. 296 p. BÍBLIA. Português. A Bíblia de Jerusalém. Tradução: Euclides Martins Balancin. 4. ed. São Paulo: Paulinas, 1989.

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108 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

FILOSOFIA PARA CRIANÇAS COM ALTAS

HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO (AH/S)

Thaylan Corassa UNIOESTE

Michelle Silvestre Cabral [email protected]

RESUMO:

O presente trabalho propõe relacionar dois temas distintos, a saber, o Programa Filosofia para crianças, desenvolvido pelo filósofo americano Matthew Lipman e as Altas Habilidades/Superdotação conforme este aparece e vem se destacando no universo educacional contemporâneo. A partir deste contraponto, far-se-á uma explanação sobre o Projeto de Extensão desenvolvido na UNIOESTE, Campus Toledo, Filosofia para Crianças com Altas Habilidades/Superdotação, o qual surgiu a partir da junção destes dois temas.

PALAVRAS-CHAVE: Filosofia; Crianças; Altas Habilidades/Superdotação.

Matthew Lipman nasceu em 1922, foi um filósofo americano,

reconhecido como fundador do Programa Filosofia para Crianças. Sua decisão

de trazer a filosofia para este grupo decorreu de sua experiência como

professor na Universidade de Columbia, instituição de ensino superior privada

localizada na cidade de Nova Iorque, onde Lipman constatou a dificuldade dos

estudantes para raciocinar. Assim, procurou desenvolver neles habilidades de

raciocínio, particularmente através do ensino de lógica. A aposta de que as

crianças têm a capacidade de pensar abstratamente desde muito cedo o levou

à convicção de que incluir a lógica na educação infantil ajudaria a melhorar

suas habilidades de raciocínio.

No ano de 1972, Lipman se mudou para Nova Jérsei e passou a lecionar

na Montclair State University (Universidade Estadual de Montclair), onde criou

o Institute for the Advancement of Philosophy for Children (Instituto para o

Avanço da Filosofia para Crianças) (IAPC), e começou a introduzir a filosofia

nas classes de educação primária e secundária de Montclair. No mesmo ano,

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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 109

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

publicou seu primeiro livro Harry Stottlemeier's Discovery (Descoberta de Harry

Stottlemeier), especificamente destinado a ajudar as crianças na prática da

filosofia. O IAPC continua a atuar em âmbito internacional para promover a

filosofia para crianças.

A filosofia para crianças, proposta por Lipman, seguiria o mesmo curso

das demais filosofias: não considerar nada evidente, tratar o óbvio como

problemático. Assim, esta nova filosofia se dedicaria às peculiaridades da

infância, entre as quais podem ser destacados, o conflito de gerações, a falta

de diálogos, o declínio da comunidade familiar, etc. Para atacar tais problemas,

Lipman sugere a criação de comunidades de investigação, nas quais adultos e

crianças participem juntos como semelhantes. Por comunidades de

investigação, entende-se: a) igualdade de participação, tanto dos professores

quanto dos estudantes; b) compromisso com o espírito de investigação, sendo

que, por investigação, Lipman quer dizer “[...] qualquer forma de prática

autocrítica cuja meta é uma percepção mais compreensiva ou um julgamento

mais trabalhado” (HEUSER, 2002); c) empenho de todos os participantes em

acompanhar e contribuir de maneira pertinente e significativa com o diálogo

disciplinado pela lógica que, por sua vez, tem a forma de investigação

compartilhada, contrapartida do pensar por si mesmo; d) Compromisso com a

aprendizagem coletiva. Neste sentido, afirma Heuser: “Com esses

pressupostos, torna-se evidente que Lipman tem a Comunidade de

Investigação como um ideal a ser buscado, que talvez nunca seja alcançado

em sua plenitude, mas, mesmo assim, como algo que deve estar no horizonte

de toda educação comprometida com o pensar” (2002, p. 42).

A metodologia de Lipman tem se mostrado muito interessante na medida

em que dá atenção globalizada àquelas três características que, de acordo

com o filósofo, produzem Pensamento de Ordem Superior, a saber, criticidade,

criatividade e cuidado. O programa Filosofia para Crianças parte, portanto, do

pressuposto de que se forem desafiadas as crianças podem fazer filosofia, não

no modo como esta é realizada nas academias institucionalmente (como

filosofia profissional ou denominada de adultos), mas elas poderiam, a partir de

uma discussão bem orientada, desenvolver pensamentos reflexivos e críticos

tanto quanto aqueles o fazem. Segundo Lipman, “[...] o que as crianças são

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110 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

capazes de fazer, ao que parece, seria diretamente dependente da nossa

capacidade de desafiá-las de maneira adequada” (1999, p. 43).

Pensar bem ou de modo reflexivo, para os simpatizantes do programa

lipmaniano, é atributo essencial para se alcançar a autonomia, ou seja, para se

tornar um sujeito capaz de pensar por si próprio. Paralelamente a tal teoria,

encontramos os estudos em torno ao conceito de Altas

Habilidades\Superdotação e suas características determinantes. Segundo o

Conselho Nacional de Educação, o mesmo pode ser definido como:

Art. 5º Consideram-se educandos com necessidades educacionais especiais os que durante o processo educacional apresentarem: (..) III – altas habilidades/superdotação, grande facilidade de aprendizagem que os leve a dominar rapidamente conceitos, procedimentos e atitudes. (..) Art. 8o As escolas da rede regular de ensino devem prever e prover na organização de suas classes comuns: (..) IX – atividades que favoreçam, ao aluno que apresente altas habilidades/superdotação, o aprofundamento e enriquecimento de aspectos curriculares, mediante desafios suplementares nas classes comuns, em sala de recursos ou em outros espaços definidos pelos sistemas de ensino, inclusive para conclusão, em menor tempo, da série ou etapa escolar, nos termos do Artigo 24, V, “c”, da Lei 9.394/96. (..) (VIRGOLIM, 2007, p. 100).

Já segundo o Conselho Brasileiro para Superdotação – ConBraSD:

O superdotado/talentoso/portador de altas habilidades é aquele indivíduo que, quando comparado à população geral, apresenta uma habilidade significativamente superior em alguma área do conhecimento, podendo se destacar em uma ou várias áreas: • Acadêmica: tira boas notas em algumas matérias na escola – não necessariamente em todas – tem facilidade com as abstrações, compreensão rápida das coisas, demonstra facilidade em memorizar etc. • Criativa: é curioso, imaginativo, gosta de brincar com ideias, tem respostas bem humoradas e diferentes do usual. • Liderança: é cooperativo, gosta de liderar os que estão a seu redor, é sociável e prefere não estar só. • Artística: habilidade em expressar sentimentos, pensamentos e humores através da arte, dança, teatro ou música. • Psicomotora: Habilidade em esportes e atividades que requeiram o uso do corpo ou parte dele; boa coordenação psicomotora. • Motivação: torna-se totalmente envolvido pela atividade do seu interesse, resiste à interrupção, facilmente se chateia com tarefas de rotina, se esforça para atingir a perfeição, e necessita pequena motivação externa para completar um trabalho percebido como estimulante. (Apud VIRGOLIM, 2007, p. 102).

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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 111

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

As investigações sobre as Altas Habilidades/Superdotação são previstas

na legislação brasileira e visam a criação de metodologias específicas de

atendimento ao grupo de crianças identificadas com traços característicos de

AH/S. Diante da necessidade em oferecer aos indivíduos que compõem este

grupo uma educação adequada e de qualidade, que corresponda aos seus

interesses e disposições, se acredita que a filosofia tem muito a contribuir,

afinal possui como cerne de sua ação a reflexão acerca do sentido dos

acontecimentos, do seu fundamento e o hábito do questionamento. Estas

poderão propiciar não apenas novos estudos e informações em relação ao

fenômeno AH/S, mas produzir dados e elementos que permitam o

desenvolvimento de diferentes propostas em educação, no que tange ao

âmbito específico das pesquisas. A filosofia aplicada ao trabalho de

potencialização de habilidades com crianças identificadas com AH/S significará

refletir sobre os pressupostos filosóficos, pedagógicos, metodológicos,

ideológicos presentes nas propostas educacionais especiais que vêm sendo

aplicadas, podendo trazer grandes reforços no sentido de apresentar caminhos

alternativos para o programa, bem como produzir novos conhecimentos sobre

o assunto.

Neste sentido, unindo a proposta de Lipman e o trabalho realizado na

Secretária Municipal de Educação do município de Toledo – PR de estudo e

identificação de crianças com AH/S, surgiu o Projeto Filosofia para Crianças

com Altas Habilidades/Superdotação (AH/S). O projeto consiste em realizar

encontros semanais (realizados na UNIOESTE – Campus Toledo) nos quais

são propostas atividades, exercícios, jogos, entre outros, que servem de

impulso para iniciar conversas e indagações orientadas no sentido do

questionamento filosófico, promovendo um trabalho conjunto de construção do

pensar e do saber, no qual as crianças são estimuladas a elaborar seus

próprios conceitos.

As atividades desenvolvidas envolvem leitura, interpretação, escrita,

variações acerca de um mesmo tema, relações entre fatos, diferentes usos da

linguagem, processos de pensamento e de expressão, relações espaciais,

temporais e históricas, sensibilidade para as artes como modo de expressão e

de invenção. Durante os meses de março a junho de 2015, ocorreram as

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112 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

atividades do Projeto Filosofia para Crianças com Altas

Habilidades/Superdotação, parceria UNIOESTE – SMED/Toledo.

No decorrer destes quatro meses realizaram-se estudos e pesquisas

bibliográficas com objetivo de elaborar e aprofundar a fundamentação teórica

do trabalho e das oficinas desenvolvidas. Aconteceram, ainda, encontros

semanais com as crianças (cerca de 30) encaminhadas pela SMED em dois

turnos: matutino e vespertino, no período vespertino às terças-feiras e no

período matutino às quartas-feiras. A organização dos grupos segue a lógica

do contra turno escolar. Além disso, foi realizada a divulgação do trabalho em

eventos de natureza técnico-científica.

Nos primeiros encontros foram desenvolvidas, com os participantes,

atividades que promoviam a compreensão de noções como grupo, equipe,

união, cooperação, colaboração, segurança, etc. Iniciou-se com o curta:

Alimento para todos e todas, produzido pela TV Caritas Brasileira, através do

qual inseriu-se a questão: O que é filosofia? A questão foi debatida entre os

participantes que foram instigados a manifestar comentários e interpretações

sobre o tema.

Durante o mês de abril, trabalhamos com a história “O reizinho mandão”,

de Ruth Rocha, a partir da qual realizamos uma discussão, em que as crianças

puderam questionar e apresentar suas ideias acerca do que perceberam ou

pensavam sobre a história. As mesmas foram orientadas a expressarem seus

pensamentos através de escrita e desenho. Também, iniciamos com a

investigação sobre o conhecimento de mundo, que teve como questão

condutora, Você conhece o mundo? Foram realizadas discussões acerca do

tema, abordando diferentes elementos do mundo e o que se conhece dele.

No mês de maio as atividades se concentraram sobretudo em estudos,

pesquisas bibliográficas e elaboração das oficinas. Também foi realizada a

divulgação do trabalho e dos resultados alcançados no Projeto no XV

Seminário de Extensão da UNIOESTE – SEU 2015, que neste ano aconteceu

no Campus da UNIOESTE de Marechal Cândido Rondon. Já no mês de junho,

deu-se continuidade ao tema conhecimento. A questão que fundamentou as

discussões foi: Como produzimos conhecimento? O objetivo foi investigar a

gênese do processo de conhecer. Para tanto foram realizadas dinâmicas e

atividades com músicas, abordando a questão sobre a construção de

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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 113

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

conhecimento a partir do desenvolvimento da linguagem. Trabalhamos também

com a história Lolo Barnabé, de Ruth Rocha, a partir da qual foram elaboradas

questões sobre como conhecemos e construímos os objetos e se o

conhecimento é necessário para a evolução. Os registros aconteceram através

de escrita e desenho sobre os temas abordados.

A abordagem sobre a questão do conhecimento teve continuidade, no

mês de julho, com a leitura da obra O mundo inteiro, de Liz Garton Seanlon e

Marta Frazze. Após a leitura, foram realizadas discussões sobre a história,

buscando estabelecer relações com as discussões ocorridas nos encontros

anteriores. Trabalhamos, ainda, com o curta da Disney, Donald no país da

matemágica, 2002, que busca destacar os aspectos matemáticos presentes no

cotidiano, nas artes e em diferentes elementos do mundo. A partir das

questões levantadas e abordadas pelos alunos, na sequência realizamos uma

dinâmica, leitura e discussão da história Menina bonita do laço de fita, de Ana

Maria Machado. Esta atividade buscou correlacionar as diferenças e similitudes

entre o curta e a história lida, convidando os participantes a pensarem sobre os

elementos que caracterizam e definem o conhecimento prático e o

conhecimento teórico, na medida em que ambos constituem modos de

conhecer válidos, embora se constituam de diferentes maneiras.

O projeto Filosofia para Crianças com AH/S, neste sentido, visa

estimular e desenvolver de modo harmônico e integral as potencialidades

criativas e o senso crítico destes estudantes.

REFERÊNCIAS

CHITOLINA, Claudinci Luiz. A criança e a educação filosófica /Claudinci Luiz Chitolina. – Maringá: Dental Press, 2003. DANIEL, Marie-France. A filosofia e as crianças / Marie-Francie; prefácio de Matthew Lipman ; tradução de Luciano Viera Machado – São Paulo: Editora Nova Alexandria, 2000. DONALD NO PAÍS DA MATEMÁGICA. Direção de Wolfgang Reitherman, Les Clark e Joshua Meador. Burbank, CA 91521, Estados Unidos: Walt Disney, 1959. Animação em curta-metragem. Duração 28min. Disponível em: [https://www.youtube.com/watch?v=BXQ8qm6hQHM]. Acesso em: 13 de agosto de 2015.

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114 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

HEUSER, Ester Maria Dreher. Filosofia como diálogo investigativo: O programa Filosofia para Crianças de Matthew Lipman. 2002. (Dissertação de mestrado apresentada no Programa de Pós Graduação em Educação nas Ciências, área Filosofia. UNIJUÍ. 2002). KOHAN, Walter Omar. Lugares da infância: filosofia / Walter Omar Kohan (org.) – Rio de Janeiro: DP&A, 2004. LIPMAN, Matthew. A Filosofia vai à escola. São Paulo: Sumus Editorial, 1990. MACHADO, Ana Maria. Menina bonita do laço de fita. Editora Àtica, 2007. ROCHA, Ruth, O reizinho mandão. Quinteto Editorial, 2009. ROCHA, Ruth, Lolo Barnabé. Moderna Editorial, 2010. SEANTON, Liz Garton. O mundo inteiro. Ed Paz e Terra, 2009. VIRGOLIM, Angela M. R. Altas habilidades/superdotação: encorajando potenciais / Angela M. R. Virgolim – Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial, 2007.

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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 115

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

A CRÍTICA DELEUZIANA À FILOSOFIA DE DESCARTES

Vanessa Henning Graduada em Filosofia – UNIOESTE

[email protected]

RESUMO:

Ao apresentar uma crítica a respeito da Imagem dogmática do pensamento no terceiro capítulo de Diferença e Repetição (1968), o filósofo francês Gilles Deleuze pretende apontar os perigos que a filosofia da representação demonstra em relação à produção de novos saberes na história da filosofia. Isto porque a produção conceitual apresentada no período moderno está formulada a partir dos pressupostos subjetivos, que apontam à repetição a forma da identidade e, à diferença, ao “negativo” do erro. Um exemplo disto são os pressupostos subjetivos presentes na filosofia de Descartes, que são levantados a partir de um sentimento e, transformados pelo filósofo de La Flèche, em axiomas da razão. Estes pressupostos apresentam na forma “todo mundo sabe”, de forma pré-filosófica os significados de pensar e ser, sendo a partir desses elementos a elaboração de um método que o conduza o pensamento à verdade. E é neste sentido que a filosofia de Descartes não propõe um pensar inédito, uma vez que toda a sua produção conceitual se encaminha sobre os pressupostos da filosofia da representação. Assim, diferentemente do pensador moderno, Deleuze entende que a figura do filósofo como a do grande legislador, cujo sentido intrínseco confere a de um genealogista que legisla em função da criação de novos valores. Assim é nesse sentido que o filósofo francês entende que a verdadeira crítica e a criação de novos valores têm o mesmo significado: a destruição da imagem de um pensamento que pressupõe a si própria, a gênese do ato de pensar no próprio pensamento.

PALAVRAS-CHAVE: Imagem dogmática; Pensamento; representação;

Descartes.

Ao percorrer a obra Meditações Metafísicas, o cogito se apresenta estar

imune a quaisquer pressupostos, dada todas as hipóteses que poderiam levar

a um ciclo vicioso de possibilidades e acepções serem excluídas pelas

exigências da dúvida metódica. O cogito é definido então, como a primeira

verdade que inaugura o processo de conquista de novos conhecimentos

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116 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

concebidos dentro da lógica da clareza e distinção15, uma vez que é dado

puramente por meio de uma intuição intelectual, sem quaisquer dependências

em relação a outros elementos possíveis. Este encontro do primeiro princípio

na filosofia cartesiana apresenta o sujeito como uma res cogitans, isto é, uma

realidade pensante não possuindo uma ruptura entre pensamento e ser. (Cf.

REALE, 1990, p. 365.)

Contudo, na análise desenvolvida por Gilles Deleuze no terceiro capítulo

de Diferença e Repetição (1968) são apontados alguns pressupostos na

construção da primeira verdade da filosofia cartesiana. Pois, ainda a intenção

de Descartes tenha sido a de eliminar os pressupostos objetivos em seu

procedimento investigativo, no momento em que extingue da natureza do

cogito os conceitos de animal e racional, o filósofo não consegue escapar da

presença dos pressupostos implícitos ou subjetivos que não se apresentam

sob uma vestimenta conceitual, mas surgem de um sentimento particular e são

transformados em axiomas da razão. Os pressupostos subjetivos levantados

por Descartes aparecem de maneira pré-filosófica e em uma condição

universal o significados de Ser e de Pensar. Assim, quando Descartes

apresenta sua célebre frase “Penso, logo sou” ela se mostra como uma

verdade impossível de negar, dado o conhecimento antecedente dos

elementos envolvidos nesta proposição.

Para Deleuze, “[...] todo mundo sabe, ninguém pode negar é a forma da

representação e o discurso do representante [...]” (DELEUZE, 2009, p. 190),

uma vez que pensar não se trata de uma atividade natural de uma faculdade,

como também o pensamento não é capaz de pensar sozinho e nem por si

mesmo, mas precisa ser forçado por elementos que se apoderam dele para,

assim produzir um pensar no pensamento. É neste sentido que o filósofo afirma

quando Descartes lança tal forma da representação, sua pretensão era

selecionar somente os objetos que possam se reconhecer nos valores

impostos pelo “[...] pressuposto de um pensamento natural, dotado para o

verdadeiro, em afinidade com o verdadeiro, sob o duplo aspecto de uma boa

15 Diz Descartes: “E, portanto, parece-me que já posso estabelecer como regra geral que todas as coisas que concebemos mui claramente e mui distintamente são todas verdadeiras” (DESCARTES, 1962b, p. 137).

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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 117

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

vontade do pensador e de uma natureza reta do pensamento” (DELEUZE,

2009, p. 190).

Os pressupostos levantados no elemento da cogitatio natura universalis

mostram que Descartes já esteve, desde o início relacionado com o objeto de

busca, contudo apenas era preciso estabelecer um caminho para levá-lo ao

verdadeiro; por este motivo, a construção de o método se mostra fundamental

para que conduzir o sujeito aos objetos que correspondam ao que é de direito

ao pensamento. A relação entre pensamento e verdade é apontada por

Deleuze como condição essencial para a fundamentação da filosofia da

subjetividade, pois mostra que a “[...] confluência das faculdades sobre um

objeto traz em seu interior o ‘reconhecimento’ como resultado da concordância

entre elas, tendo em vista a identidade desse mesmo objeto” (GELAMO, 2008,

p. 166).

Em Descartes, o pedaço de cera é concebido nos variados modos de

percepções (visto, tocado, imaginado, concebido, etc.) pelo fundamento que as

caracteriza como modos do sujeito pensante16. Assim sendo, o Eu penso é

dado como começo, pois revela “[...] a unidade de todas as faculdades no

sujeito; exprime, pois a possibilidade de todas as faculdades se referirem a

uma forma de objeto que reflita a unidade subjetiva; ele dá, assim, um conceito

filosófico ao pressuposto do senso comum, ele é o senso comum tornado

filosófico” (DELEUZE, 2009a, p. 195). E é neste ponto que os elementos do

senso comum e do bom senso mostram-se fundamentais para a constituição

do modelo da recognição, ao passo que o senso comum revela a identidade

atribuída ao cogito, como unidade da razão, em que é realizado o trabalho

concordante de todas as faculdades - concórdia facultatum; e o bom senso, em

sua função de conduzir e direcionar as faculdades para que elas tragam a

forma do objeto como sendo o mesmo segundo a forma da identidade da

unidade legisladora.

Para Deleuze (2009, p. 133) a atividade exercida pelas determinações

do cogito segue o modelo da recognição que permite apenas que se pense o

diferente aquilo que é idêntico, semelhante, análogo e oposto, para que possa

16 Pergunta Descartes: “Ora, qual é esta cera que não pode ser concebida senão pelo entendimento ou pelo espírito? Certamente é a mesma que vejo, que toco, que imagino e a mesma que conhecia desde o começo” (DESCARTES,1962, p. 133).

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118 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

ser mantido “[...] aquilo que é essencial como pressuposto: o modelo do bom,

do belo, do verdadeiro, do importante, etc., e recorre a esses modelos para

encontrar soluções para os problemas, tranquilizando o pensamento”

(GELAMO, 2008, p.166). É por este motivo que as coisas pensadas por meio

deste modelo não estimulam o pensamento a pensar, uma vez que o

pensamento nada mais faz do que reconhecer a si mesmo no objeto captado

pela recognição. Um exemplo disto, quando Descartes apresenta a essência

do triângulo igual à soma de dois ângulos retos e, mesmo que não se pense a

definição essencial do triângulo, ainda assim não se pode pensá-lo fora dessa

igualdade. Isto quer dizer que embora estimule o pensamento a pensar tanto

no triângulo como também nos seus ângulos retos, isso não permite uma

problematização do conceito para que algo novo surja, pois tudo é suposto

dentro do que já é definido como condição. Assim, nas palavras de Deleuze,

[...] objetar-se-á que nunca nos encontramos diante de um objeto formal, objeto qualquer universal, mas sempre diante deste ou daquele objeto, recortado e especificado num emprego determinado das faculdades. A forma da recognição nunca santificou outra coisa que não o reconhecível e o reconhecido, a forma nunca inspirou outra coisa que não fossem conformidades. (DELEUZE, 2009, p. 195-196)

Mas em que sentido, os pressupostos que formam a imagem dogmática

podem ser perigosos ao pensamento? A periculosidade da imagem dogmática

está no fato de aceitar apenas aquele pensamento que seja condizente com os

valores impostos pela cogitatio natura universalis. Assim, todas as outras

formas de pensar que escapam deste modelo são caracterizadas como erros,

porque “[...] vêm uma falsa representação – uma falha no bom senso que toma

o senso comum de forma bruta – caracterizada por uma falha na percepção e

pelo falso reconhecimento” (Descartes, 2009, p. 196)

O erro, desta forma, se caracteriza como “negativo” na ação do

conhecimento, pois tudo que desviar o pensamento dos ditames do senso

comum faz com que o leve a condução de falsas resoluções. Assim, pelo fato

de o erro não representar um objeto como sendo o mesmo, todas as várias

formas de pensar que fogem da imagem dogmática são reduzidas a erro e

vestidas à figura do negativo. Um exemplo disto é o fato da esquizofrenia e

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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 119

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

outras estruturas do pensamento, tais como a loucura, a besteira e a maldade

não serem caracterizadas como formas de pensar filosóficas. Ora, que

exemplo maior àquele da exclusão da loucura por parte de Descartes em suas

Meditações Metafísicas?!17

Deleuze explica a noção de erro no pensamento a partir da junção com

o postulado “privilégio da designação” com o exemplo de um professor que, ao

pedir para um aluno elaborar um trabalho de um dado assunto, pode até

encontrar em suas correções, coisas banais ditas como relevantes ou, também,

problemas mal formulados e algumas observações sem sentido, entretanto, de

nenhuma será apresentado algum “erro” no resultado, uma vez que já se tem

estabelecido para a proposição um critério de verdade. Assim, todos os

elementos são avaliados conforme esse critério de valor e encadeados

conforme a lógica da recognição. Isso mostra que tais pressupostos na filosofia

são agravantes ao pensamento, pois não propõem um novo pensar, mas

apenas uma busca de soluções para problema dados.

Ao contrário dessa concepção, Deleuze compreende o pensar como

uma criação de problemas e, isso somente é possível quando o pensamento é

violentado para tal ação. Ao propor uma violência às faculdades, sua intenção

é para que elas possam sair de sua condição natural (cogitatio natura

universalis) e não submeter ao modelo de pensamento posto pela recognição.

Isso significa “[...] a destruição da imagem de um pensamento que pressupõe a

si próprio a, gênese do ato de pensar no próprio pensamento”, não supondo ao

conceito da filosofia, mas partindo de uma misosofia. (DELEUZE, 2009, p.

138). O filósofo propõe um aprender distinto daquele defendido pela a tradição

ocidental, que é centralizado no modelo de recognição platônica. E é em sua

obra, Proust e os Signos (1964), que Deleuze compreende e apresenta o ato

17 Para Descartes, a loucura deve ser abolida do sujeito que se propõe a traçar o processo meditativo do cogito, pois ela apresenta ser impossível de condicionar o pensamento às exigências da luz natural. O louco descrito por Descartes diz respeito ao homem preso nas percepções sensíveis, em que todos os seus conteúdos mentais referem-se a criações e interpretações de natureza empírica, sendo por este motivo incapaz de conduzir o pensamento à abstração dos elementos essenciais de uma realidade matemática. Sobre a loucura, escreve Descartes: “E como poderia eu negar que estas mãos e este corpo sejam meus? A não ser, talvez, que eu me compare e esses insensatos, cujo cérebro está de tal modo perturbado e ofuscado pelos negros vapores da bile que constantemente asseguram que são reis quando são muito pobres; que estão vestidos de ouro e de púrpura quando estão inteiramente nus; ou imaginam ser cântaros ou ter um corpo de vidro. Mas quê? São loucos e eu não seria menos extravagante se me guiasse por seus exemplos.” (DESCARTES, 1962, p. 118-119)

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120 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

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de aprender como um encontro com os signos e que, por sua vez difere do ato

de saber defendido pela recognição, por este se limitar em buscar respostas a

problemas já dados.

Aprender diz respeito essencialmente aos signos. [...] Aprender é, de início, considerar uma matéria, um objeto, um ser, como se emitissem signos a serem decifrados, interpretados. [...] Alguém só se torna marceneiro tornando-se sensível aos signos da madeira, e médico tornando-se sensível aos signos da doença. [...] Tudo que nos ensina alguma coisa emite signos, todo ato de aprender é uma interpretação de signos ou de hieróglifos. (DELEUZE, 2003, p. 4)

Assim, não se pode saber a forma como a pessoa aprende, uma vez

que, como já vimos, para Deleuze, o pensamento não é de ordem natural.

Apesar disso, independente do modo como a pessoa aprende, esse processo é

sempre mediante os signos e não por meio de assimilações de conteúdos

objetivos. Um exemplo disso, quando alguém se torna de modo repentino um

especialista na arte de tocar violão, isso se deu porque em algum momento, os

encontros que essa pessoa teve a fizeram despertar uma paixão pela música.

É nesse sentido que o aprender, segundo Deleuze, se compreende como um

acontecimento singular no pensamento, mostrando o que importa nesse

processo é muito mais o acontecimento do que os elementos que se adquire

com essa passagem.

O processo de aprender se dá em meio à vida, quer seja na relação com

coisas, quer seja com pessoas, pois sempre haverá algo que mobilizará um

aprendizado. Assim, ainda que a forma como se aprende seja obscura, “[...] é

apenas ao final que aquele conjunto de signos passa a fazer sentido; e, pronto,

deu-se o aprender, somos capazes de perceber o que aprendemos durante

aquele tempo, que nos parecia perdido” (GALLO, 2012, p. 3). Deleuze

pretende, dessa forma, acabar com a imagem do pensamento baseado em um

modelo da recognição. E é nesse sentido que o filósofo defende um

pensamento sem imagem, sem pressupostos e direcionamentos que apenas

podem nos levar a caminhos já trilhados.

Ao contrário de uma cogitatio natura universalis, o pensamento surge

quando ele é forçado e, isso acontece no momento em que se encontra um

problema, ou seja, o problema é o que nos força a pensar. O aprendizado se

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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 121

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dá pelo pensamento, e “[...] aprender é, pois, um acontecimento da ordem do

problemático” (GALLO, 2012, p. 4). Por esse motivo, aprender em Deleuze

nada tem a ver com adequação, mas a criação de algo novo, de algo singular,

inédito e, isso somente é possível mediante uma violência ao pensamento.

REFERÊNCIAS

DELEUZE, Gilles. Diferença e repetição. Tradução: Luiz Orlandi, Roberto Machado. Rio de Janeiro: Graal. 2009. DELEUZE, Gilles. Proust e os Signos. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003. DESCARTES, René. Meditações Metafísicas. In: Obra escolhida. Trad. J. Guinsburg e Bento Prado Júnior. Editora: Difusão Europeia do Livro. São Paulo, 1962 GALLO, Sílvio. As múltiplas dimensões do aprender... Congresso de educação básica: aprendizagem e currículo – COEB. Florianópolis, Santa Catarina – SC, 2012. GELAMO, Rodrigo Pelloso. Pensar sem pressupostos: condição para problematizar o ensino da filosofia. Pro-Posições, v. 19, n. 3 (57) - set./dez. 2008. REALE, Giovanni. História da filosofia: Do Humanismo a Kant. Giovanni Reale, Dario Antiseri. Coleção filosofia São Paulo – SP, 1990.

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MODALIDADE CARA-A-TAPA

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124 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

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DA RELAÇÃO ENTRE PSICANÁLISE, FÍSICA QUÂNTICA E SEMIÓTICA:

UM NOVO CONHECIMENTO

Alexandre Moschen Ortigara UNIOESTE – Universidade Estadual do Oeste do Paraná

[email protected]

RESUMO:

Partindo da busca do desvelamento do desconhecido, é que relacionar Psicanálise, enquanto postuladora de um inconsciente, ou desconhecido interno, à Física Quântica, enquanto propositora do desconhecido externo, em conceitos como energia escura, antimatéria, princípio da indeterminação, e tendo como elo a semiótica que a proposta desse trabalho foi possível. A partir do conceito de Onipotência, presente na psicanálise, a crença de poder tudo está presente, é possível verificar como essa crença permanece enquanto fé no hábito para validar a razão, e a partir dessa fé, enquanto onipotência é que se buscará propor um novo conhecimento, a partir de uma nova utilização, numa nova direção. Para finalizar, se reafirma que essa onipotência humana é a origem do conhecimento, reafirma que a razão é fé no hábito, e afirma ser possível construir um novo conhecimento se se relacionar psicanálise, física quântica e semiótica.

PALAVRAS-CHAVE: Onipotência; Psicanálise; Física Quântica; Semiótica;

INTRODUÇÃO

Às comparações realizadas entre xamã/feiticeiro e sacerdote, e

adicionando o professor, segundo os quais eles são os meios de invocação de

poder das respectivas épocas da civilização abordados por Freud em Totem e

Tabu (1913), Foucault em “A ordem do discurso”, adiciona elementos

importantes à discussão. Um outro conceito de “Discurso Verdadeiro”, que

consiste em desejo e poder, sintetizados nesse trabalho na forma de desejo de

poder, ou ainda onipotência. Para esse fim será necessário conceber que o

humano possui um inconsciente que contém os desejos mais íntimos e que por

sua vez são Amorais. Esses desejos têm uma carga de energia que conduzem

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Modalidade cara-a-tapa 125

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às ações que possuem muito mais controle sobre o humano que sua própria

consciência perceptiva.

Partindo da relação cósmica com o homem, serão citados alguns

modelos cosmológicos a título de comparação da importância humana em cada

modelo. Em seguida serão citados alguns limites da razão e como ela foi

delimitada, e mesmo com esses limites serviu de base para construir a ciência

moderna, que em muito contribuiu para melhorar a vida humana. Por fim será

abordado como essa onipotência humana se manifesta nas relações e como

ela se perpetua e principalmente como pode ser maléfica ao humano. Este

trabalho iniciou pelo seu final e os desdobramentos que seguem são fruto de

reflexões, conversas filosóficas, debates em sala, e análise psicoterapêutica.

CONCEITO DE ONIPOTÊNCIA

Ao abordar a onipotência como tema central, faz-se necessário,

inicialmente, uma apresentação do conceito, bem como suas implicações na

vida do sujeito nas fases iniciais e complementares do desenvolvimento.

Onipotência pode ser definida pela própria palavra, que pode ser interpretada

como “pode tudo”, ou ainda “possui tudo”. Sua origem psíquica tem origem no

Id, que é constituído pelo princípio do prazer, e está presente no humano

desde o seu nascimento.

Na primeira fase do desenvolvimento humano, essa onipotência

constitui-se na relação do bebê com a mãe. Nessa relação, a mãe é para a

criança parte dela, criando assim uma relação simbiótica para com a mãe. Com

essa simbiose, a onipotência da criança está na figura da mãe, vez que a

função materna satisfaz as necessidades alimentares da criança. Portanto, a

onipotência está constituída na mãe, enquanto objeto de satisfação plena da

criança. Com isso podermos reformular o conceito de onipotência como desejo

de poder tudo, e é esse entendimento de onipotência que se adota no decorrer

desse trabalho.

Ao entrar em contato com o mundo externo a criança inicia o processo

de dissociação dessa simbiose com a mãe, é a partir da ausência que a

criança inicia a construção do Ego (Eu), e assim desenvolve essa outra

instância psíquica, onde o id buscará através desse Ego, de realidade,

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126 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

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satisfazer seus desejos. Nesse processo de constituição do sujeito em que

inicialmente tudo é o sujeito, há, num segundo momento, uma diferenciação

entre o eu e o outro, inicia o processo de alteridade até então inexistente. Aqui,

nesse estágio do desenvolvimento do humano, o mundo dualista é

predominante, suas relações partem sempre de si para com o outro e muitas

decisões se resumem a certo ou errado, bem ou mal, ou ainda uma vida em

preto e branco, sumarizando, uma vida dualista.

Nesse momento da vida, as concepções de mundo e, portanto, de

perceber o mundo e construir o conhecimento se resumem a dualidade da

escolha e, talvez por esse motivo, as religiões expliquem o mundo dessa

forma, dividindo a maioria das relações entre bem e mal, que coincidem com a

maneira de Platão e Aristóteles explicarem o conhecimento: entre o mundo das

ideias e o mundo sensível, segundo Platão; e entre a razão e a experiência,

segundo Aristóteles.

Num segundo momento de apreensão do conhecimento, essas relações

se alteram. Também se alteram as concepções de mundo daquela criança que

continua a se desenvolver, e ela possui uma capacidade simbólica mais

elaborada que daquela que possui Id e Ego (Eu), afinal, agora ela possui uma

outra instância psíquica, o Super-Ego (Ideal de Ego). Nessa criança já existe

uma internalização da culpa, as relações que eram de pura satisfação de

desejo inicialmente pelo Id, e que encontraram na realidade – com o Ego –

grandes obstáculos, agora necessitam superar novos desafios para

encontrarem sua satisfação, necessitam satisfazer desejos que não são

moralmente aceitos e, para isso, aprimora essa simbolização para a

concretização dessa satisfação. Pode-se afirmar que ocorre uma

transformação da maneira de satisfazer um mesmo desejo, o que antes era

satisfeito de uma maneira, agora diante da impossibilidade de satisfação

completa, consegue satisfações parciais por conta da do instrumento da

sublimação, a ilusão consciente.

Nesse momento, a relação com o conhecimento ganha um grande salto

de qualidade, a capacidade de abstração está desenvolvida a partir de uma

relação entre dois objetos, (duas coisas, duas entidades), chega-se a um

terceiro resultado, diferente das duas possibilidades, construindo assim um

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Modalidade cara-a-tapa 127

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novo objeto, sentido ou resultado. Peirce estabelece, a partir da Semiótica,

uma relação mais nítida com a simbolização e construção do conhecimento.

Num terceiro momento do conhecimento, Einstein, com a Teoria da

Relatividade Geral, nos apresenta uma nova relação de entendimento de

mundo, ao afirmar que a velocidade não é a mesma em todos os lugares do

universo, vez que a energia presente num corpo altera velocidade da relação

dos objetos no espaço-tempo, e com essa descoberta apresentam novas

dificuldades de fundamentação do conhecimento.

Fazendo uso dessa capacidade simbólica mais elaborada, podemos, por

meio de uma analogia, entender que possuímos as características atômicas de

quaisquer objetos encontrados na natureza, ou seja, somos feitos de átomos.

Se fosse possível utilizar essa mesma descoberta de Einstein em átomos,

verificar-se-ia a mesma alteração da velocidade na relação desses átomos,

conforme a sua proximidade. Ao falarmos de humanos, que são compostos por

estes átomos, pode-se utilizar da mesma analogia, quando encontram-se numa

relação de intenso prazer, a percepção temporal é alterada, constatada

somente ao consultar o decorrer do tempo. No olhar para o relógio espanta-se

com o passar do tempo tão acelerado, num momento de grande satisfação, ou

ainda intensa relação de energia libidinal.

DA CONCEPÇÃO DE MUNDO E CONCEPÇÃO DE HOMEM

Ao se localizar no cosmos aristotélico, tendo como centro do universo a

Terra, o conhecimento humano era buscado para explicar a finalidade das

coisas e dos eventos em benefício do homem. Ao romper com essa teoria,

Copérnico demonstra que o Sol é o centro e não mais a Terra. Com essa

perfeição divina da igreja desfeita, que se baseava no sistema aristotélico, o

homem está lançado a sua própria sorte, não depende mais dos desígnios e

benevolência divina para melhorar sua existência, e sim do conhecimento que

possui sobre a natureza, agora não mais possui importância divina, não está

mais no centro do cosmos.

Com a Teoria da Relatividade Geral, Einstein possibilita ainda outro

modelo, onde não há mais um centro próximo do homem. Entender essa

construção do conhecimento cosmológico é entender antes a própria ideia de

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128 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

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construção de conhecimento, onde teorias antes aceitas servem de base para

o homem se pensar no mundo, e a partir disso como se relacionar com esse

mundo e o quê esperar dele.

Com essas relações, explicar o cosmos é explicar a importância do

homem na relação da vida com a natureza a qual ele está lançado. Se num

primeiro momento é privilegiado pelo divino, que tudo cria para o homem, num

segundo momento está abandonado a própria fortuna, e só depende dele

assumir a responsabilidade pela sua existência.

DA BASE DO CONHECIMENTO

Kant propõe delimitar a razão ao apresentar, em sua Crítica da razão

pura, de que modo se apresentam esses limites da razão e a partir daí as

ciências têm grande desenvolvimento e aumenta-se significativamente os

ramos estudados pela ciência empírica até a chegada da Teoria da

Relatividade Geral, que se desdobra na Física Quântica e abre portas a à

novos fundamentos do conhecimento. Kant encontrou em Hume, a afirmação

que o “despertou do sono dogmático”, ao afirmar que nosso conhecimento

acerca da verdade empírica está pautado puramente no hábito, demonstrando

a falta de garantias que existe ao afirmar que o sol irá nascer novamente no

horizonte ao leste. Essa afirmação é pautada na fé da experiência que se

repete, ou puramente na fé nos sentidos que percebem essa experimentação

de mundo. E no seu Tratado sobre o entendimento humano, o próprio Hume

demonstra como nossos sentidos nos traem.

Encontra-se em Peirce uma fundamentação geral para essa proposta de

relações entre psicanálise e física quântica através da semiótica como uma

teoria/doutrina dos signos. Nessa relação metafísica versus epistemologia, a

semiótica aparece como grande mediador, ou quase unificador, desse conflito

entre o que é possível pensar e o que é possível conhecer, remetendo a

diferenciação proposta por Kant.

De universal, enquanto cabível tanto à metafísica quanto à

epistemologia, possui-se somente a matemática. Se a matemática é o único

conhecimento universal, vez que explica atos puros de razão, ou o que é

possível pensar, e também explica atos da experimentação, ou que é possível

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Modalidade cara-a-tapa 129

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conhecer. Porém, não explica necessariamente como se atribui valor a algo

tendo como valor algo puramente subjetivo, e aí a semiótica consegue

relacionar mais adequadamente as relações de valor, principalmente quando

relacionadas à psicanálise.

COMO SE MANIFESTA A ONIPOTÊNCIA NAS RELAÇÕES

Com o entendimento de que quando nos relacionamos com algum

objeto trocamos energia com o mesmo, é que se buscará identificar o problema

da onipotência nas relações. Porém, antes é necessário retomar que quando

se descreve o ser humano enquanto entidade psíquica fala-se de um sujeito

em desenvolvimento, e que, portanto, não perde suas características mais

elementares, e sim as conserva, modificando por meio da simbolização ou

semiose, a manifestação/satisfação do mesmo desejo primário, como explica a

psicanálise.

Tendo em vista o conceito inicial da onipotência, em Totem e Tabu,

Freud cita A Origem das Religiões, de Hume, para quem há uma tendência

universal, entre os homens, de conceber todos os seres como eles próprios e

de transferir para todos objetos qualidades que conhecem familiarmente e de

que estão intimamente cônscios. Aqui necessitaria de uma atualização

psicanalítica. La Planche, em sua Teoria da sedução generalizada, a partir de

uma sedução originária, como o autor assim define: “[...] esta situação

fundamental na qual o adulto propõe à criança significantes não-verbais tanto

quanto verbais, e até comportamentais, impregnados de significações sexuais

inconscientes” (LAPLANCHE, 1988, p. 119), possibilita a demonstração desse

processo inconsciente nas mais corriqueiras relações humanas. Talvez a

proposta aqui não seja permanecer nessa relação do adulto com a criança,

mas a partir desse inconsciente que se comunica com o outro inconsciente, ou

ainda seduz esse inconsciente, demonstrar como nossas relações estão

impregnadas de sexualidade, e como nessa construção do conhecimento, essa

relação sofre grandes perdas a partir de discursos carregados de uma

onipotência.

Assim, as figuras dos cuidadores estabelecem uma relação de sedução

inconsciente com seus tutelados, e também passam características

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130 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

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inconscientes a essas entidades psíquicas de desejo. Portanto, se fossemos

atualizar a citação de Hume com uma adição psicanalítica, visualizar-se-ia

assim: para uma tendência universal, entre os homens, de conceber todos os

seres como eles próprios e de transferir para todos objetos qualidades que

conhecem familiarmente e de que estão cônscios e não-cônscios.

Com isso é possível entender a característica de onipotência atribuída

aos deuses. O humano lactante, o bebê humano, não perdeu essa

característica, somente simbolizou diferente esse desejo de poder tudo.

Diferente do deus onipotente e bom de Descartes, ao qual é vedado construir

uma arma que possa destruir ele mesmo, essa onipotência presente no

humano, cada vez mais tem demonstrado o seu potencial destrutivo, de

extinção da própria vida biológica celular, que tanto diferencia esse pequeno

ponto no universo chamado Terra.

Em sua obra A Ordem do Discurso, Foucault, no início de sua aula,

comenta sobre três sistemas de exclusão que se dão pelo discurso, a saber:

“[...] a palavra proibida, a segregação pela loucura e a vontade de verdade”

(FOUCAULT, 2014, p. 18). Seguindo o texto, relaciona a vontade da verdade

ao desejo e ao poder nas palavras que seguem: “[...] é que se o discurso

verdadeiro não é mais, com efeito, desde os gregos, aquele que responde ao

desejo ou aquele que exerce o poder, na vontade de verdade, na vontade de

dizer esse discurso verdadeiro, o que está em jogo, senão o desejo e o poder?”

(FOUCAULT, 2014, p. 19).

Nessa invocação da verdade, que possui por caráter a exclusão, pode-

se fazer alusão ao sujeito narcísico, onipotente em seu pensar, que dispensa o

outro, pois se basta nessa relação de satisfação que o discurso da verdade lhe

proporciona, como uma autoerotização, no qual o outro é desnecessário às

suas realizações, assim numa possível alternância entre termos esse eu

narcísico poderia ser um eu onipotente. Onipotente por conta dessa relação

onde pode tudo através do seu discurso de vontade de verdade, ou invocação

do dito que se autoerotiza.

Se fosse possível sumarizar esse sujeito que se erotiza na vontade de

verdade, ou ainda que se erotiza na palavra que contém desejo e poder,

poderíamos sintetizar como um desejo de poder, e um desejo de poder tudo

pela palavra; poderia se afirmar que esse sujeito narcísico é um sujeito

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Modalidade cara-a-tapa 131

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

onipotente. E aqui esse conceito de onipotência se mescla aos sentidos

semânticos do narcisismo e de vontade de verdade. Parece não ser possível

estabelecer um primeiro contato de prazer com o conhecimento sem sentir

satisfação com a maneira como o autor explica ou demonstra um novo

conhecimento, no caso pela escrita, sem ser afetado por essas palavras, que,

no caso, afetam nosso inconsciente.

Estabelecida essa relação de identidade com o autor, ao ser

questionado acerca do autor (estudado) ou dos argumentos que ele utiliza, em

certa quantia se estará questionando não somente o autor, mas também o

professor e, dependendo da relação que ele possui consigo, possivelmente se

ofenderá com o questionamento e a resposta acerca de uma indagação, de

uma curiosidade, em muito se assemelhará a pregação do sacerdote que

invoca a punição divina para devidos questionamentos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir disso, entende-se que a fonte do

conhecimento/saber/entendimento está nessa relação de onipotência desse

sujeito que possui como primeiro desejo de poder tudo, ou retornar à condição

onde não havia nenhuma falta, construído a partir da relação do

desenvolvimento humano com o desenvolvimento da civilização.

Entende-se ainda que a razão nada mais é que a fé no hábito da

repetição da experiência frente à capacidade de criar nexo entre as relações

que se apresentam com os objetos, e por isso, apresenta-se somente como

mais um ato de fé, e que por meio dessa fé produziu-se e produz-se coisas

inimagináveis ao homem totêmico.

Entende-se também que continua se reproduzindo essa onipotência

destrutiva nas mais variadas relações humanas, sejam com objetos coisas,

objetos humanos, objetos animais, objeto vida, objeto mundo.

Entende-se por fim, partindo de uma lógica de signos e relações

simbólicas, que há grande convergência entre psicanálise e física quântica, e

que se ambas forem mediadas pela semiótica é possível compreender melhor

algumas relações humanas para consigo mesmo, para com o conhecimento e

para com a sua percepção de mundo.

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REFERÊNCIAS

ARANHA, Maria Lucia de Arruda. História da Educação e da Pedagogia: geral e Brasil. 3. ed. São Paulo: Moderna, 2006. FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. Leituras Filosóficas. Tradução Laura Fraga de Almeida Sampaio. São Paulo. Edições Loyola, 2014. FREUD, Sigmund. (1905). Três Ensaios sobre a teoria da sexualidade. In: _____. Obras psicológicas completas. Edição Standard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 2006. v. 7. FREUD, Sigmund. (1911). Formulações sobre os dois princípios do funcionamento psíquico. In: _____. Obras Completas. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. v. 10. FREUD, Sigmund. (1912-1913). Totem e Tabu. In: _____. Obras Completas. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. v. 11. FREUD, Sigmund. (1914). Introdução ao Narcisismo. In: _____. Obras Completas. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. v. 12. FREUD, Sigmund. (1916-1917). Conferências introdutórias à psicanálise. In: _____. Obras Completas. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. v. 13. HUME, David. História natural da religião. Tradução de Jaimir Conte. São Paulo: UNESP, 2005. LAPLANCHE, Jean. Teoria da sedução generalizada e outros ensaios. Tradução Doris Vasconcellos. Porto Alegre. Artes Médicas, 1988. LORETO, Oswaldo di (Org.). Posições tardias: contribuição ao estudo do segundo ano de vida. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2007. NIETZSCHE, Friedrich W. Escritos sobre a educação. Trad. Noeli Correia de Melo Sobrinho. Rio de Janeiro: PUC-Rio; São Paulo: Loyola, 2003.

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RESUMO

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ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

COMO ENTENDER E CONVIVER COM ESSE FENÔMENO CHAMADO

CRIANÇA

Eli Schmidtke Unioeste

[email protected]

RESUMO:

O ser humano nasce envolto em uma cultura, e essa cultura vai influenciar

diretamente o seu modo de vida. Com o passar do tempo recebemos tantas

informações do meio em que vivemos que acabamos por agir de forma

automática, o que nos faz lembrar René Descartes quando afirma “[...] a longa

e familiar convivência que tiveram comigo deu-lhes o direito de ocuparem meu

espírito contra meu desejo e de se tornarem quase que senhoras de minha

crença.” (Descartes, 2009, p.158). É esse convívio que faz com que vivamos

sem questionar os acontecimentos. Eles estão dados, eles estão resolvidos,

mas no final da citação anterior aparece a palavra quase, e é essa palavra que

vai abrir a porta para o questionamento e nesse caso específico, o

questionamento sobre a criança. A criança quando nasce é considerada filho(a)

de alguém. Alguém é responsável por essa forma de vida, e é sobre essa

responsabilidade que estaremos descrevendo e questionando. A criança deve

ser acolhida, protegida e para isso alguém precisa se dispor a isso, geralmente

quem se dispõe é conhecido como pai e/ou mãe, mas essa disposição

geralmente é confundida com posse, e é essa posse que também discutiremos

ao longo desse texto. A criança é uma forma de vida, quando nasce ela não

está isenta de mundo, ela já é possuidora de informações. Devido ao nosso

modo de vida somos levados a acreditar que precisamos imprimir nesse novo

ser nosso jeito de viver. Não olhamos para esse ser como alguém que está no

mundo e que por estar no mundo é preciso ter com ele uma interação18. A

interação se torna dificultada por causa da criança nos parecer tão pequena,

desprotegida e frágil. Essa visão acaba por confundir nossos sentidos e faz

com que olhando para aquela figura nos esqueçamos que ela pode interagir de

18 sf (inter+ação) 1 Ação recíproca de dois ou mais corpos uns nos outros. I. social, Sociol: ações e relações entre os membros de um grupo ou entre grupos de uma sociedade.

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Resumo 135

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

outros meios, como por exemplo, a audição, é possível estimular uma criança

com sons. O olfato pode ser estimulado com cheiros e aromas, a visão pode

ser estimulada com objetos visuais, o paladar está disponível para alimentação

exclusiva de leite materno até o sexto mês, mesmo assim é fonte de prazer

para a criança, e o tato que é o principal órgão receptor da criança, o tato é a

extensão do corpo. Toda ação feita pelo adulto responsável vai se transformar

em estímulos e o bebe vai responder, ou ter a informação sobre a ação do

adulto. Por exemplo, se o adulto ao se dirigir ao berço e o apanhar com mais

força, ou mais rápido, a criança percebe esse movimento. Se nos atentarmos

para esses detalhes e ter a criança como individuo capaz de se comunicar e

transferir informações e não nos deixar levar pelos nossos sentimentos e

observações erradas sobre ela, ou seja, se dominarmos nosso corpo e nossa

alma para o reto caminho, que nesse caso é a interação por completo com a

criança, teremos também um relacionamento proveitoso e talvez um ser

humano mais livre e mais feliz, pois ele é autônomo e pode decidir sobre sua

vida e seu futuro.

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136 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

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RELATOS DE EXPERIÊNCIA DAS OFICINAS DE

FILOSOFIA PARA O ENSINO MÉDIO

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138 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

APRESENTAÇÃO

Neste capítulo o leitor terá acesso a Relatos de Experiência de Oficinas

de Filosofia aplicadas ao Ensino Médio. Tendo em vista que o curso de

Filosofia da Unioeste é uma licenciatura, o colegiado deste tem a preocupação

na formação de professores. A Semana Acadêmica do curso é, sem dúvida,

um momento único não só para pensar o ensino de Filosofia no Ensino Médio,

bem como para oportunizar a participação dos estudantes das escolas da

região, que conhecem o ambiente universitário e, através de oficinas

elaboradas para eles, entram em contato com problemas filosóficos diversos.

Os oficineiros foram desafiados a desenvolver a Oficina a partir de um

problema filosófico e com uso de fragmentos de textos de filósofos, o que

resultou no desenvolvimento da atividade de Oficina em quatro etapas

fundamentais: sensibilização, problematização, investigação e formação de

conceitos. Participaram desta modalidade de atividade na Semana Acadêmica

as seguintes escolas: Colégio Estadual Jardim Europa (Toledo); Colégio

Estadual Presidente Castelo Branco/PREMEN (Toledo); Colégio Estadual

Senador Attílio Fontana/CESAF (Toledo); Colégio Estadual Dario Vellozo

(Toledo); Colégio Estadual Germano Rohden – EJA (Toledo); Colégio Estadual

Vinícius de Morais (Tupãssi); Colégio Estadual Novo Horizonte (Toledo);

Colégio Estadual Luiz Augusto Moraes Rego (Toledo); Colégio Martin Luther

(Marechal Cândido Rondon).

Além de propiciar uma importante experiência de aproximação entre as

escolas e a universidade, debatendo temas filosóficos, o objetivo desta

atividade, que aqui se apresenta na forma de Relatos de Experiência, é o de

fornecer material didático para os professores de Filosofia das redes pública e

privada utilizarem em suas aulas.

Os temas filosóficos desenvolvidos com os alunos do ensino médio

nesta edição da Semana Acadêmica e que aqui aparecem em forma de

Relatos de Experiência, foram os seguintes: “Discutindo o gosto: aspectos da

identidade pessoal em David Hume”; Delírios do consumo na perspectiva de

Benjamim Constant”; “A liberdade a partir do viés político de Benjamim

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Relatos de experiências... 139

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Constant”; “Sexualidade e Discursos em Foucault”; “Existencialismo em Jean-

Paul Sartre” e “Sartre: Estamos condenados à liberdade?”.

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DISCUTINDO O GOSTO:

ASPECTOS DA IDENTIDADE PESSOAL EM DAVID HUME

Alderberti Batista Prado19 Angélica de Fátima de Almeida Lara20

Cristiane R. Xavier Candido21 Gelmano Ferreira da Rocha22

Célia Machado Benvenho Nelsi Kistemacher Welter23

INTRODUÇÃO

“Gosto é coisa da sua cabeça”? “Gosto não se discute”? O intuito dessa

oficina é promover, juntamente com os alunos do Ensino Médio, uma reflexão

acerca da identidade pessoal, perspectivando o lugar e o papel que os gostos

assumem na antropologia humana, refletindo sobre suas dimensões

psicológicas e a sua especificidade e atentos à liberdade humana. Nessa

perspectiva, buscaremos pensar: o que faz de nós o que somos? O que

permite que nos reconheçamos? Será nossa identidade, paradoxalmente,

aquilo que nos distingue? Como escolhemos nossos gostos? Pressupomos

que a psicologia é a ciência que compreende o homem a partir das condições

que, ao mesmo tempo o limita, mas também lhe fornece estruturas. Hume nos

apresenta em seu ensaio “Do padrão do gosto” uma análise psicológica e

antropológica das dimensões do gosto, buscando pensar as características

mais ou menos perniciosas para a sociedade. Apresentando a variedade de

gostos nas culturas, ele estabelece uma divisão para seus aspectos: o gosto é

natural e é também cultural, alegando que esta variedade de gostos na

sociedade é aparente e está no âmbito cultural, ao qual ele chamará de âmbito

geral do gosto, que se relaciona com a ciência e a opinião e sempre

acompanha o estabelecimento dos “padrões de gosto”, enquanto o gosto

natural, ou o âmbito específico do gosto, será relacionado à moralidade e a

19Licenciado na Graduação de Filosofia pela Unioeste campus Toledo. 20 Licenciada na Graduação de Filosofia pela Unioeste campus Toledo. 21 Acadêmica do 4º ano em Licenciatura do Curso de Filosofia campus Toledo; Bolsista de Iniciação à Docência do PIBID Filosofia. 22 Licenciado na Graduação de Filosofia pela Unioeste campus Toledo. 23 UNIOESTE, Professoras coordenadoras da atividade Oficina Didática de Filosofia durante a SAF da Unioeste; [email protected], [email protected].

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Relatos de experiências... 141

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casos particulares de ciência, e diz respeito a uma propensão natural do

homem a aprovar a virtude e reprovar o vício. Utilizando o exemplo do

personagem Ulisses de Homero e de Fénolon, ele busca demonstrar que é fácil

condenar o primeiro e aprovar o segundo a partir do gosto porque esse sempre

se associa aos nossos prazeres. Ninguém gosta do que lhe causa dor, se um

masoquista gosta de se machucar é por que isso lhe causa prazer, se não lhe

causasse, não poderíamos alegar que sua ação se pauta em um gosto. Essa

enigmática identidade entre gosto e prazer é própria e natural à humanidade?

Afinal, o gosto é “uma capacidade de perceber belezas”? A beleza não é uma

qualidade objetiva e sim uma percepção do espírito, sendo diferente para cada

um? É o que buscamos refletir nesta oficina.

PALAVRAS-CHAVE: Delicadeza; Gosto; Percepção Estética.

PÚBLICO PARTICIPANTE:

Oficina aplicada aos alunos (26 alunos) do 4º ano de ADM (Ensino

Médio Técnico em Administração Integrado) do Colégio Estadual Senador

Attílio Fontana - CESAF, além de professores da rede estadual de ensino

eacadêmicos do curso de Filosofia da Unioeste campus Toledo.

DURAÇÃO: o tempo utilizado para o desenvolvimento da atividade foi de

2:00h.

OBJETIVOS DA OFICINA:

Refletir sobre o gosto; explorar formas de se indagar pelo nosso

problema da identidade; evocar a arte em momentos recorrentes, para

sensibilizar e evidenciar alguns aspectos do gosto;problematizar o status da

identidade a partir do gosto, buscando pensar em que sentido o gosto faz com

que nos reconheçamos; buscar historicamente suas dimensões, refletindo

sobre as culturas de massa e sua relação com os sistemas políticos; evocar

fatos sociais, suas consequências e influências sobre o gosto;conceituar o

gosto, ao fundamentarmos e explorarmos o pensamento do filósofo escocês

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David Hume, cujas considerações a respeito do gosto consideramos

pertinentes de apresentar seu contraponto, i.e. uma perspectiva racionalizada,

geométrica do gosto, expressa na simetria.

RECURSOS DIDÁTICOS:

Para a realização da atividade foram utilizados os seguintes recursos e

materiais: imagens diversas, tesoura, fita adesiva, quadro negro, giz, 6

cartolinas de cores variadas, canetinhas, projetor multimídia (para exibição de

trecho de filme e slides produzidos no Power Point), caixa de som, 50 folhas

sulfite A4, 50 canetas esferográficas, 50 copos descartáveis, 2 térmicas, suco

de laranja natural, exposição oral.

DESENVOLVIMENTO:

1ª ETAPA: SENSIBILIZAÇÃO (aproximadamente 35 minutos)

Num primeiro momento, convidamos os alunos a entrarem e observarem

o ambiente preparado com estímulos visuais. Tratavam-se de imagens

diversas extraídas da internet, com cartolinas possuindo diversas frases e

trechos de poemas de variados autores (vide imagem 1), e a provarem um

suco que trouxemos para apreciação (vide imagem 2). Como o intuito era

buscar demonstrar como os gostos constituem a nossa identidade, propomos

aos alunos que expusessem, através do diálogo, algumas de suas paixões e

preferências, escrevemos as seguintes categorias de gostos no quadro:

música, filmes, novela, comida, esporte, jogo, cor, lugar, banda, na escola,

religião etc. e alguns falaram um pouco sobre o que gostavam ou não

gostavam, mostrando que de certa forma isso expressa o que somos, e permite

que nos conheçamos, tanto a nós mesmos como os outros, i.e. expressa nossa

identidade, afinal “somos assim” e “não assado”. Pedimos a cada participante

que escolhesse alguns gostos de “suas preferências” e escrevessem em um

papel. Nesse primeiro momento, consideremos importante que eles pudessem

se reconhecer e conhecer os outros a partir destas preferências.

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Relatos de experiências... 143

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Na sequência, foi passado um trecho do filme O Fabuloso Destino de

Amélie Poulain, filme francês lançado em 2001, escrito por Guillaume Laurant e

dirigido por Jean – Pierre Jeunet, no qual ela apresenta seus pais e a si mesma

a partir dos gostos, evidenciando a delicadeza de Amélie ao sentir prazer nas

coisas simples (vide imagem 3).

Imagem 3

2ª ETAPA: PROBLEMATIZAÇÃO (aproximadamente 20 minutos)

Embora isso não seja muito claro, pensamos que os alunos iriam

concordar com a expressão da identidade a partir do gosto e que este deve ser

buscado individualmente e garantido socialmente (numa perspectiva de que “os

vícios privados constituem as virtudes públicas”), e aí é que começa nossa

problematização. De fato, os participantes defenderam que o gosto era

Imagem 2 Imagem

1

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momentâneo, efêmero, num primeiro momento, enquanto buscávamos

proporcionar uma reflexão mais aprofundada dos participantes em relação aos

seus próprios gostos. Buscamos refletir com eles se os gostos formam nossa

identidade por que a cultura e a sociedade costumam banir determinadas

práticas e excluem alguns gostos. Se o gosto expressa o que somos, como ele

passa a ser caracterizado como um vício? Usamos exemplos históricos para

ilustrar essa limitação, o caso da pedofilia, o exemplo de Nero, Maria Antonieta,

etc. Por fim, ainda os indagamos se há gostos que não são efêmeros e como

pensar a arte ao longo da história em meio a isso (vide imagem 4).

Imagem 4

3ª ETAPA: INVESTIGAÇÃO (aproximadamente 35 minutos)

Imagem 5

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Relatos de experiências... 145

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

Iniciamos uma discussão sobre a consolidação dos padrões de gosto na

sociedade, sua origem e função, como, por exemplo, o patenteamento da

beleza a partir da máscara Phi, como expressão da simetria, do padrão (vide

imagens 5 e 6). Com isso, buscamos refletir sobre as culturas de massa e

alguns padrões históricos específicos. Ao mostrarmos que estes padrões

influenciam nossas preferências, buscamos pensar em nossa autonomia frente

o gosto, afinal, “somos livres para gostar, mas não para escolher do que

gostar”, como apontou Schopenhauer. Apresentamos, com isso, uma

perspectiva racionalizada de um padrão de gosto e sua relação com a

harmonia matemática.

4ª ETAPA: FORMAÇÃO DE CONCEITOS (aproximadamente 30 minutos)

Propusemos uma leitura dirigida de um excerto do texto “Do Padrão do Gosto”,

no qual Hume utiliza uma passagem de Dom Quixote para exemplificar a

sensibilidade e a imaginação sob o manto da delicadeza (vide imagem 7), com

o intuito de demonstrá-la. Utilizamos um exemplo em que Hume retrata a

delicadeza com relação à percepção. Neste momento, descortinamos um

experimento tácito realizado com os participantes desde o início da oficina, mas

a felicidade do experimento dependeu do fato de os alunos desconhecerem

sua natureza, tratava-se de um pouco de canela que havia sido colocada no

suco, e perguntamos se eles haviam percebido algo diferente no suco e o que

era. Nenhum deles percebeu a canela no suco. Finalizamos com a

fundamentação, após a leitura dirigida do excerto de Hume, para

Imagem 6

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compreendermos a dimensão do gosto, sua consolidação e legitimidade.

Pedimos que eles escrevessem atrás do papel contendo “suas preferências”,

baseado no que foi discutido na oficina, o que ele vê no seu gosto, ao que o

seu gosto o remete, (mas de fato eles acabaram somente falando por uma falta

de tempo). O intuito dessa atividade foi de levá-los a refletirem sobre sua

origem psicológica e antropológica, atentos à percepção estética como

elemento primário da educação estética, uma educação da percepção.

Independente de esse gosto ser secreto ou partilhado, será que os alunos

puderam refletir sobre suas origens?

Imagem 7

AVALIAÇÃO DA OFICINA:

Iremos apresentar esta avaliação a partir de duas perspectivas: do ponto

de vista dos alunos (e outros participantes) e do nosso. Para compreender o

primeiro, nos ativemos a um questionário que entregamos a eles no final da

oficina, assim como seus relatos e manifestações referentes a ela. De modo

geral, o que se pode observar nas suas considerações, coincidentemente, foi

justamente o que consideramos necessitar de ajustes, i.e., estas perspectivas

convergem. A maior consideração a ser feita seria com relação a uma maior

sincronia entre os exemplos e a teoria. Alguma vez, durante a oficina,

apresentamos o exemplo considerando estar suficientemente claro. Os relatos

dos participantes manifestaram que os aspectos mais teóricos apresentados

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Relatos de experiências... 147

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durante a oficina, e que não foram situados através de exemplos, não puderam

ser tão bem compreendidos. Longe de considerar a que se deve isso, nosso

intuito é adaptar esta sincronia. Um pouco de nervosismo atrapalhou, mas, em

geral, ficamos satisfeitos com os resultados.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

HUME, David. Do Padrão do Gosto. In: Ensaios morais, políticos e literários. Tradução de João Paulo Monteiro e Armando Mora D’Oliveira. São Paulo: Nova Cultural, 1999. Pg. 333 – 350. PLATÃO. A República. Tradução de Maria Helena da Rocha Pereira. 8ª edição. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996.

OUTRAS REFERÊNCIAS:

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ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

PITÁGORAS. Morfologia cósmica pitagórica. Séculos V-IV A/C. Disponível em: <http://www.bibliotecapleyades.net/imagenes_mapas/esp_ma13.gif>. Acesso em 05/08/2015. CONSTRUINDO A MÁSCARA PHI (Φ). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=LHxdD_y4PVw>. Acesso em 05/08/2015.

ANEXO

ANEXO 1: Excerto do texto utilizado na oficina

Uma causa evidente em razão da qual muitos não experimentam o

devido sentimento de beleza é a falta daquela delicadeza da imaginação que é

necessária para se ser sensível àquelas emoções mais sutis. Toda a gente

pretende ter esta delicadeza, todos falam dela, e procuram tomá-la como

padrão de toda espécie de gosto e sentimento. Mas como neste ensaio nossa

intenção é misturar algumas luzes de entendimento com as impressões do

sentimento, será adequado oferecer uma definição da delicadeza mais rigorosa

do que as até agora tentadas. E, para não extrair nossa filosofia de uma fonte

excessivamente profunda, recorreremos a um conhecido episódio do Dom

Quixote.

É com muita razão, diz Sancho ao escudeiro de nariz comprido, que

pretendo ser bom apreciador de vinho: é uma qualidade hereditária em nossa

família. Dois de meus parentes foram uma vez chamados a dar sua opinião

sobre um barril de vinho que era de esperar fosse excelente, pois era velho e

de boa colheita. Um deles prova o vinho, examina-o, e depois de madura

reflexão declara que ele seria bom, não fora um ligeiro gosto a couro que nele

encontrava. O outro, depois de empregar as mesmas precauções, dá também

um veredicto favorável ao vinho, com a única reserva de um sabor a ferro que

facilmente podia nele distinguir. Não podes imaginar como ambos foram

ridicularizados por seu juízo. Mas quem riu por último? Ao esvaziar o barril,

achou-se no fundo uma velha chave com uma correia de couro amarrada.

A grande semelhança entre o gosto mental e o corpóreo facilmente nos

permitirá aplicar esta estória. Embora seja inegável que a beleza e a

deformidade, mais do que a doçura e o amargor, não são qualidades dos

objetos, e pertencem inteiramente ao sentimento, interno ou externo, é preciso

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Relatos de experiências... 149

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reconhecer que há nos objetos certas qualidades que estão por natureza

destinadas a produzir esses peculiares sentimentos. Ora, como essas

qualidades podem estar presentes em pequeno grau, ou podem misturar-se e

confundir-se umas com as outras, acontece muitas vezes que o gosto não é

afetado por essas diminutas qualidades, ou é incapaz de distinguir entre os

diversos sabores, em meio à desordem em que eles se apresentam. Quando

os órgãos são tão finos que não deixam escapar nada, e ao mesmo tempo são

suficientemente apurados para distinguir todos os ingredientes da composição,

dizemos que há uma delicadeza de gosto, quer empreguemos estes termos em

sentido literal ou em sentido metafórico. Portanto, podemos aqui aplicar as

regras gerais da beleza, pois elas são tiradas de modelos estabelecidos e da

observação do que agrada ou desagrada, quando apresentado isoladamente e

em alto grau. Se as mesmas qualidades, numa composição contínua e em

menor grau, não afetam os órgãos com um sensível deleite ou desagrado,

excluímos a pessoa de toda pretensão a esta delicadeza. Estabelecer essas

regras gerais, esses padrões reconhecidos da composição, é como achar a

chave com correia de couro que justificou o veredicto dos parentes de Sancho

e confundiu os pretensos juízes que os haviam condenado. Mesmo que o barril

nunca tivesse sido esvaziado, o gosto dos primeiros seria igualmente delicado,

e o dos segundos igualmente lânguido e embotado. Mas teria sido mais difícil

provar a superioridade do primeiro, convencendo todos os presentes. (Pg. 339-

340).

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150 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

O QUE DEVO FAZER? SOBRE A LEI MORAL

Angela Maria Silva Felipe Ricardo Deuter Becker

Henrique Zanelato Jhonatan Pereira Queiroz24

Célia Machado Benvenho Nelsi Kistemacher Welter25

INTRODUÇÃO

A oficina tem como objetivo introduzir aos alunos do ensino médio

alguns conceitos básicos da filosofia moral de Kant a partir de exemplos

comuns, mas retirados do texto do próprio autor. Para isso, termos como Boa

vontade, Dever, Imperativo categórico serão expostos de forma mais didática,

para uma melhor compreensão dos alunos. Pretendemos fazer com que os

alunos se perguntem sobre os motivos pelos quais nossas ações são decididas

e determinadas, sobre os motivos pelos quais as consideramos certas ou

erradas, boas ou más, mostrando que as leis, unicamente, não devem servir

para nos guiar na vida, visto serem convencionadas de acordo com os

costumes de cada povo, ou intenções, mas que, de acordo com Kant, todo agir

deve ser fundamentalmente orientado pela razão.

PALAVRAS-CHAVE: Dever; Lei moral; Imperativo categórico.

PÚBLICO PARTICIPANTE:

Oficina aplicada ao3º ano do ensino médio do Colégio Evangélico Martin

Luther, aos 2º e 3º anos do ensino médio do Colégio Estadual Novo Horizonte,

24 Universidade Estadual do Oeste do Paraná, 4º ano de Licenciatura em Filosofia, integrantes do PET e PIBID, [email protected]; [email protected]; [email protected] e [email protected]. 25 UNIOESTE, professoras orientadoras da atividade Oficina Didática de Filosofia e Relato de Experiência, cé[email protected] e [email protected].

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Relatos de experiências... 151

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com participação de alunos da Licenciatura em Filosofia da Unioeste e

professores da rede estadual de ensino.

DURAÇÃO: Aproximadamente 1h30min.

OBJETIVOS DA OFICINA:

Suscitar a reflexão acerca de ideias pré-concebidas em relação ao

agir moral;

Despertar o questionamento acerca do que guia o agir moral;

Introduzir os alunos ao pensamento moral de Kant através do contato

com sua obra;

Apresentar o conceito kantiano de dever como fundamento da ação

moral.

RECURSOS DIDÁTICOS: trechos do texto kantiano, quadro e giz.

DESENVOLVIMENTO:

1ª ETAPA: SENSIBILIZAÇÃO

A sensibilização foi dividida em três etapas: após a sala ser dividida em

três grupos, cada um deles recebeu um enunciado com a descrição de uma

ação cometida contra o dever26; depois, exemplos de ações de acordo com o

dever27; e exemplos de ações realizadas por dever28. Após cada um dos

enunciados serem entregues e discutidos em grupo, era aberto um tempo para

debate com os outros grupos sobre o que cada um pensava das ações. A

condução da discussão era feita de modo a passar do que era “mau” ou

“errado” (primeiros exemplos) para o que é “bom” ou “certo” (últimos

exemplos), tentando mostrar a objetividade da moral proposta por Kant.

26 Comerciante que é desonesto para salvar seu negócio, homem doente que se suicida e mulher que se nega a ajudar uma vizinha necessitada. 27 Comerciante que não é desonesto por medo de ser pego, homem doente que não se suicida por medo de possíveis consequências e mulher que ajuda a vizinha para se promover. 28 Comerciante que não é desonesto por considerar que a justiça deve ser promovida sempre, homem que não se suicida por considerar a preservação da vida um dever e mulher que ajuda sua vizinha por achar que a solidariedade com os necessitados também é um dever.

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152 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

2ª ETAPA: PROBLEMATIZAÇÃO

A problematização foi feita mais ou menos ao decorrer da sensibilização,

pois os alunos foram confrontados com os três tipos de exemplos a fim de se

posicionarem frente cada uma das ações. Assim, na medida em que as ações

se modificavam eles tinham que expor os motivos de considerarem tal ação

como certa ou errada, tentando confirmar a tese kantiana de que a moral está

no entendimento comum e que precisa, antes, ser esclarecida do que

ensinada.

3ª ETAPA: INVESTIGAÇÃO

Nessa parte, passamos para a exposição teórica sobre Kant, visto que

até aqui não havíamos tocado em seu nome. Aqui, a partir de três trechos

sobre Boa vontade, Dever e Lei moral, lidos com e pelos alunos, a explicação

foi feita de modo a relacionar esses trechos com os enunciados discutidos na

sensibilização29.

29“Mas, para desenvolver o conceito de uma vontade altamente estimável em si mesma e boa sem qualquer intenção ulterior, tal como já se encontra no são entendimento natural e não precisa tanto ser ensinado quanto, antes pelo contrário, esclarecido, conceito este que está sempre por cima na estimativa do valor inteiro das nossas ações e constitui a condição de todo o restante, vamos tomar para exame o conceito do dever, que contém o de uma boa vontade, muito embora sob certas restrições e obstáculos subjetivos, os quais, porém, longe de ocultá-lo e torná-lo irreconhecível, antes, pelo contrário, fazem com que se destaque por contraste e se mostre numa luz tanto mais clara” (KANT, pág. 115). “Ora, uma ação por dever deve pôr à parte toda influência da inclinação e com ela todo objeto da vontade, logo nada resta para a vontade que possa determiná-la senão, objetivamente, a lei e, subjetivamente, puro respeito por essa lei prática, por conseguinte a máxima de dar cumprimento a uma tal lei mesmo com a derrogação de todas as minhas inclinações. Não está, pois, o valor moral da ação no efeito que dela se aguarda; logo, tampouco em qualquer princípio da ação que precise tomar seu motivo do efeito que é aguardado” (KANT, pág. 129). “Mas que lei afinal pode ser esta cuja representação, mesmo sem levar em consideração o efeito que dela se espera, tem de determinar a vontade para que esta possa chamar-se absoluta e irrestritamente boa? Visto que privei a vontade de todos os impulsos que poderiam resultar para ela da observância de uma lei qualquer, nada mais resta senão a legalidade universal das ações que sirva sozinha de princípio à vontade, isto é, nunca devo proceder de outra maneira senão de tal sorte que eu possa também querer que a minha máxima se torne uma lei universal. Aqui, pois, é a mera conformidade a leis em geral (sem se basear em qualquer lei determinada para certas ações) o que serve e tem de servir de princípio à vontade [...]” (KANT, pág. 133).

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Relatos de experiências... 153

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4ª ETAPA: FORMAÇÃO DE CONCEITOS

A conceituação da oficina também foi feita por meio da leitura de outro

trecho de Kant, dessa vez mais próxima dos exemplos da primeira, para

mostrar a aplicabilidade prática de toda a sua teoria moral. Esse último trecho

se trata de outro exemplo de ação, onde Kant se pergunta pela possibilidade

de transformar tal ação em lei universal, princípio de seu imperativo

categórico30. Assim, tentávamos, mais uma vez, aproximar os primeiros

exemplos do texto de Kant, com a intenção de mostrar que o texto filosófico,

especialmente no que se refere à ética, não está tão longe do cotidiano comum

como parece.

30“Seja, por exemplo, a seguinte questão: será que eu não posso, quando estou em apuros, fazer uma promessa com a intenção de não cumpri-la? É fácil distinguir aqui o significado que a questão pode ter: se é prudente ou se é conforme ao dever fazer uma promessa falsa. O primeiro caso pode, sem dúvida, ter lugar muitas vezes. Vejo bem, é verdade, que não basta livrar-me de um embaraço presente por meio deste subterfúgio, mas que é preciso refletir bem se dessa mentira não poderia originar-se para mim um incômodo muito maior do que aqueles de que estou me livrando agora, e – visto que, apesar de toda a minha pretensa esperteza, não é tão fácil assim prever as consequências de tal sorte que a perda de confiança não venha a se tornar muito mais desvantajosa para mim do que todo o mal que penso evitar agora – <é preciso refletir também> se não seria uma linha de ação mais prudente proceder aqui segundo uma máxima universal e adotar o hábito de nada prometer senão na intenção de cumpri-lo. Contudo, logo fica claro pra mim que uma tal máxima tem sempre por fundamento as consequências a serem receadas. Ora, ser veraz por dever é coisa bem diversa de ser veraz por receio das consequências desvantajosas, na medida em que, no primeiro caso, o conceito da ação já contém em si mesmo uma lei para mim, no segundo, tenho primeiro de voltar os olhos numa outra direção a fim de ver a partir daí quais efeitos para mim poderiam por ventura estar ligados a isso. Com efeito, se me afasto do princípio do dever, é certíssimo que isso é mau; se renego a minha máxima de prudência, isso pode sim, às vezes, ser muito vantajoso para mim, muito embora, na verdade, seja mais seguro ater-me a ela. Entretanto, para me instruir da maneira mais breve possível, mas infalível, com respeito à solução do problema se uma promessa mentirosa seria conforme ao dever, pergunto a mim mesmo: será que eu ficaria contente se a minha máxima (livrar-me de um embaraço por meio de uma promessa falsa) valesse como uma lei universal (tanto para mim quanto para outros), e será que eu poderia dizer para mim mesmo: que todo o mundo faça uma promessa falsa quando se encontrar num embaraço do qual não possa se livrar de outra maneira? Assim, logo me darei conta de que posso, é verdade, querer a mentira, mas de modo algum uma lei universal de mentir; pois, segundo semelhante lei, não haveria propriamente promessa alguma, porque seria vão alegar minha vontade com respeito a minhas ações futuras a outros que não dão crédito a essa alegação ou que, se precipitadamente o fizessem, me pagariam com certeza na mesma moeda, <e> por conseguinte, <porque> a minha máxima se destruiria a si mesma tão logo se tornasse uma lei universal” (KANT, pág. 137).

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ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

AVALIAÇÃO DA OFICINA:

A oficina, de modo geral, foi boa. A participação dos alunos foi

aumentando à medida que desenvolvíamos as questões sobre os enunciados e

sobre o texto. A nossa confiança também crescia conforme a participação

deles melhorava. No entanto, no que se refere à parte da conceituação,

pensamos que seria melhor algo onde eles pudessem se expressar, através de

conversa ou trabalho escrito, pois foi quase outra conceituação.

A recepção dos alunos também foi boa, no geral. Alguns comentários sobre o

modo da apresentação, o modo de debate em grupo, os exemplos do cotidiano

foram positivos. A maior cobrança, porém, foi quanto à introdução de outros

materiais, como slides, por exemplo.

Figura 1: Sensibilização – discussão em grupos das situações apresentadas

Figura 2: Sensibilização – discussão em grupo das situações apresentadas

Figura 3: Investigação – Leitura da obra do Filósofo sobre a temática.

Figura 4: Investigação – Leitura da obra do Filósofo sobre a temática.

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Relatos de experiências... 155

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

REFERÊNCIAS:

KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. Guido Antônio de Almeida. São Paulo: Discurso Editorial: Barcarolla, 2009. GAMBIM, Pedro. Ética filosófica: dois modelos. In: A Filosofia em Curso.Org: PORTELA, Luis Cezar Yanzer, Evangraf: Porto Alegre, 2012.

Figura 5: Conceituação – discussão dos conceitos abordados.

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DELÍRIOS DO CONSUMO NA PERSPECTIVA DE HERBERT MARCUSE

Angélica Limberger David Henrique Fiametti

Kamilla Regina Silva Santana Letícia Nunes Goulart31

Célia Machado Benvenho Nelsi Kistemacher Welter32

INTRODUÇÃO

Nascido em Berlim, Herbert Marcuse (1898-1978) foi um influente

sociólogo e filósofo alemão, naturalizado norte-americano, pertencente à

Escola de Frankfurt. Tematizou várias questões da sociedade moderna e

contemporânea, dentre elas a questão do consumo em nossa sociedade, que

chamava de “sociedade da opulência”. Neste trabalho pretendemos investigar

os principais elementos que constituem a sociedade do consumo segundo

Herbert Marcuse, em uma sociedade cada vez mais alienada e narcisista, em

que o EU e os seus interesses, especialmente materializados pelo

ter/consumo, são muito mais importantes do que qualquer outro. Vivemos em

um mundo em que, embora a máquina tenha sido inventada para suprir as

necessidades humanas, o homem acabou servindo a máquina e perdendo a

consciência crítica. Segundo Marcuse as sociedades industriais criam falsas

necessidades, obrigando as pessoas a fazerem parte do sistema de produção

e consumo. Faz isso através de instrumentos como: comunicação em massa,

cultura e publicidade, gerando um modo de pensamento que ajuda a reforçar o

sistema existente, criando um universo unidimensional, onde as ideias e

pensamentos se tornem homogêneos e o pensamento crítico tende a ser

anulado.

31 Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE); acadêmicos(as) do 4º ano e do Pibid Filosofia, [email protected], [email protected], [email protected], letí[email protected]. 32 UNIOESTE, Professoras coordenadoras da atividade Oficina Didática de Filosofia durante a SAF da Unioeste; [email protected], [email protected].

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Relatos de experiências... 157

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Este trabalho tem como objetivo apresentar a ideia do consumo

exacerbado em nossa sociedade na visão de Herbert Marcuse e de como nós

chegamos a este ponto crítico de consumir sem nos questionarmos

criticamente sobre isso. Atualmente, porque há tanta insatisfação na sociedade

e a necessidade de novos aparelhos eletrônicos, carros, vestimentas,

alimentos cada vez mais industrializados ou qualquer outro tipo de conforto?

Eis uma situação contraditória: parece que nunca consumimos tanto, mas

também parece que nunca antes estivemos tão descontentes. Estamos

vivendo em uma sociedade de abundância, mas empobrecida de afeto, onde

fabricamos muito mais do que precisamos, criando uma sociedade que vive

apenas de aparências, uma casca derivada do sistema capitalista. No entanto,

ficamos cada vez mais obrigados a este trabalho por estarmos consumindo

cada vez mais. Desta forma, os motivos que ocasionam o mal estar hoje são,

além da fome, miséria, desemprego, crenças, depressão, instabilidade

financeira, entre outros, também a submissão a uma lógica de consumo que

tende a fortalecer frustrações. São fatores esclarecedores de que há uma

grande aflição real nesta sociedade.

PALAVRAS-CHAVE: Civilização. Consumo. Cultura. Indústria. Opulência.

PÚBLICO PARTICIPANTE:

Oficina desenvolvida com alunos do ensino médio, acadêmicos,

mestrandos e docentes. Público do período matutino: 25 participantes; período

noturno: 50 participantes. Tivemos a presença dos Colégios Estaduais Dario

Vellozo, Presidente Castelo Branco - PREMEN, Germano Rhoden– EJA e o

Colégio Evangélico Martin Luther, de Marechal Cândido Rondon.

DURAÇÃO: 1 hora e 30 minutos.

OBJETIVOS DA OFICINA:

a) Entender a ideia de sociedade de consumo em Marcuse;

b) Envolver os alunos fazendo-os refletir sobre o consumo inconsciente;

c) Instigá-los a conhecer a filosofia de Herbert Marcuse;

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158 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

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d) Apresentar um texto primário e auxiliar os alunos a interpretá-lo;

e) Aumentar o vocabulário;

f) Compreender a importância da indústria cultural envolvida em nosso

meio social;

g) Compreender a função do consumo para a manutenção da sociedade

atual;

h) Investigar como funciona a indústria da cultura em nossos desejos

(manipulação);

i) Analisar o porquê da sociedade não se questionar mais sobre o que

está servindo e para onde está indo o seu dinheiro e sobre o modo como ele

está sendo usado;

j) Visualizar perspectivas de superação da sociedade do consumo a

partir de Herbert Marcuse.

RECURSOS DIDÁTICOS:

Material: quarenta folhas sulfites A4, quarenta canetas esferográficas,

multimídia, quadro, giz, quarenta saquinhos plásticos, laços, uma cartolina,

pincel marcador preto. Objetos para a atividade de sensibilização: pão, repolho,

imagens impressas, palitinhos de dente, garrafinha de água, celulares,

baterias, carregadores, carimbo ou adesivos, envelopes de carta, sapatos,

vestimentas (tudo que insinue ao consumo consciente e inconsciente pode ser

utilizado, vai depender da criatividade de cada oficineiro). A oficina ofereceu

um parâmetro: dialogado, expositivo, reflexivo e sinestésico corporal.

DESENVOLVIMENTO:

1ª ETAPA – SENSIBILIZAÇÃO:

Neste início de oficina, duas pessoas ficaram responsáveis pela acolhida

e primeira sensibilização dos participantes, a qual foi desenvolvida com a

colagem de uma etiqueta em que estava impresso um código de barras. A

utilização do código de barras foi a forma de sensibilização encontrada pelos

oficineiros para iniciar o assunto sobre o consumo a partir da perspectiva de

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Relatos de experiências... 159

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Herbert Marcuse. Para alguns participantes, a colagem na entrada da sala não

provoca reação aparente alguma; já outros (a maioria) questionavam a

finalidade da etiqueta, pois estavam sendo comparados como

"produtos/mercadorias”. Apesar desses questionamentos iniciais, para não

interromper a reflexão do por que das etiquetas, não foi explicadaa finalidade

das mesmas neste momento. No decorrer da oficina, com a apresentação do

conteúdo e com as perguntas que faziam os participantes refletir sobre o

consumo, explicou-se a finalidade da etiqueta.

Figura 1 e 2: Sensibilização com o uso de etiquetas (David e Angélica)

2ª ETAPA: BIOGRAFIA DO AUTOR

Um dos oficineiros apresentou um pouco da história do autor estudado.

Foram expostos dados importantes da vida de Herbert Marcuse, como local e

data de nascimento, contexto da sociedade em que viveu e recebeu educação;

a participação de Marcuse na Escola de Frankfurt; contextualização sobre a

Segunda Guerra Mundial, pois estava ligado diretamente com a Escola e seus

membros, os quais eram judeus e foram perseguidos pelo Regime Nazista (o

qual exterminou milhares, inclusive, em campos de concentração). Por causa

dessa perseguição, a Escola se muda para os Estados Unidos para fugir da

morte. Mas, situando-se a partir de então num país capitalista, evitam falar de

temas como dialética, lutas de classe e Marx, justamente por serem

“hóspedes” e buscarem abrigo nesse país.

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3ª ETAPA: PROBLEMATIZAÇÃO

Após a introdução sobre Herbert Marcuse, foram realizadas questões a

partir dos adesivos colados nos pulsos dos participantes da oficina:

1. Quando você entrou, recebeu um adesivo no pulso. Que tipo de

adesivo é esse?

2. O que significa?

3. Em que é utilizado?

4. Por que você acha que foi adesivado com um código de barras?

5. Você acha que o nosso corpo também pode ser utilizado como objeto

ou mercadoria na sociedade?

6. Você pode nos dar um exemplo?

7. E as fotos que postamos no facebook, whatsapp, e instagram não nos

tornam um meio de propaganda para produtos ou empresas?

Os alunos mostraram curiosidade sobre as questões e o adesivo,

principalmente quando foi comentado sobre a exposição do nosso corpo nas

redes sociais, como produto gratuito, eles debateram muito entre eles, o que

levou a várias questões e curiosidades ao decorrer da oficina.

Os participantes foram questionados sobre os objetos da mesa. Os

oficineiros pediram que considerassem o que seria supérfluo e essencial no dia

a dia. O debate foi conduzido através das seguintes perguntas:

1. Qual a diferença dos objetos desta mesa e desta outra mesa?

2. Por que os objetos de uma mesa têm mais valor do que a outra?

Figura 3 e 4: Introdução ao conteúdo (David)

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Relatos de experiências... 161

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

3. Qual o objeto mais importante na opinião de vocês?

Em seguida, todos os objetos foram retirados da mesa restando

somente o pão e a garrafinha de água.

Na sequência, o oficineiro fez a seguinte pergunta:

4. Tirando todos estes objetos, restando somente pão e água,

perguntamos se tais elementos seriam suficientes para sobrevivermos? Por

quê?

Os participantes disseram que não, pois para sobreviver somente

com pão e água seria quase impossível, e que os objetos sobre a mesa são

fundamentais no nosso cotidiano. O oficineiro perguntou se daqui cem anos

eles pagariam mil reais na garrafinha de água e dez reais em um celular

moderno. Todos ficaram em dúvida. O oficineiro questionou sobre os recursos

da natureza, que estariam se tornando escassos em nosso planeta. Alertou,

em seguida, que tal questão seria retomada no decorrer da oficina.

4ª ETAPA: PROBLEMATIZAÇÃO

Foi apresentado o vídeo “Homem capitalista” (animação que está

disponível no Youtube). Após, os participantes foram questionados sobre o que

acharam do vídeo, já que é muito impactante, pois relata o consumo

desenfreado e a destruição total da natureza pelo homem. Dentre outras, as

perguntas direcionadas foram:

1) Como o homem trata a natureza e os animais?

Figura 5: Explicação turma

matutino (Letícia)

Figura 6: Explicação turma noturno

(Letícia)

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162 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

2) Há satisfação nesse consumo desenfreado? Qual a necessidade

disso?

3) Se alienígenas pudessem observar a Terra, o que veriam? E o que

provavelmente pensariam do homem?

Os participantes gostaram bastante do vídeo, tanto porque é engraçado

e dinâmico quanto por questionar nossas atitudes e fazer-nos refletir acerca do

consumo exagerado, do maltrato com a natureza e de onde isso pode nos

levar. Os alunos participaram bastante, responderam às questões e também

fizeram outras, fazendo com que o debate fluísse e o assunto fosse bem

trabalhado.

Figura 7: Exibição do vídeo e posterior questionamento aos participantes

(Angélica)

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Relatos de experiências... 163

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5ª ETAPA – INVESTIGAÇÃO

Após a discussão, foi desenvolvida a visão de Herbert Marcuse sobre a

sociedade de consumo, através de uma exposição mais específica sobre o

tema tratado. Como exemplo nesta exposição um repolho foi utilizado para

demonstrar a ação da mídia sobre um determinado produto, tornando-o

máxima potência de consumo, dessa forma levando o consumidor a crer que

qualquer coisa pode se tornar fundamental em seu cotidiano.

CONTEÚDO:

Será que as pessoas perderam a razão a ponto de subestimar o que é

real e o que não é? Ao que parece, enquanto a sociedade não produzir novas

sensibilidades para construir uma “nova sociedade”, não poderá haver uma

mudança maior para o bem de todos, mas ao mesmo tempo, também terá de

haver uma transformação, pois tudo, ou quase tudo é direcionado para o

consumo. Não podemos simplesmente fechar nossos olhos ao que está

acontecendo e fingir que está tudo bem, quando não está. Os centros de

atendimento psicológico e clínicas estão cada vez mais lotados, o que indica

que há, sim, uma população doente e indivíduos vazios de si mesmos apesar

das possibilidades de consumo inéditas. Vivemos em um mundo onde as

mercadorias parecem ter vida própria, e estas mercadorias que vem até nós

contém propriedades humanas que estão sendo transferidas e projetadas

como se fossem delas. Há mais relações humanas por trás dos produtos do

que podemos imaginar, e quanto mais nós atribuímos valor às coisas, mais

diminuímos nossas relações sociais. Colocamos todo nosso desejo reprimido

no “consumo”. Marcuse descreve isso como a “desumanização da tecnologia e

a instauração do consumismo subjugando a liberdade e o sentido da existência

humana”, pois é muito mais fácil “gastar” do que debater sobre o assunto do

qual tratamos e do que modificar as relações sociais, pois tais relações nos

deixam humanamente carentes e vulneráveis. Com isso nos tornamos

apáticos, não nos colocamos mais no lugar do outro, ficando indiferentes em

relação a várias outras questões como, por exemplo, a violência. A mídia nos

apresenta de uma maneira na qual está se tornando tudo muito “normal”, está

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164 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

sendo “natural” famílias não se abrirem mais para discussões sobre tais

assuntos. Assim, já podemos perceber uma relação íntima entre o estímulo

exacerbado para o consumo em nossa sociedade e a violência. A sociedade

está reprimindo áreas próprias das relações humanas, sociais e intersubjetivas

e as transferindo a remédios, álcool, drogas, dentre outras. Assim, toda a

estrutura de opressão social e econômica permanece inalterada; os

verdadeiros motivos não são enfrentados e por vezes nem compreendidos. E

para podermos fazer política sobre e a partir de tais questões, deveríamos

estar refletindo criticamente sobre tal, nos libertando dos ditames do consumo.

No Datashow foram apresentadas três imagens, as quais direcionaram a

discussão de como a mídia transforma produtos simples em máximo

consumismo para a construção de indivíduos cada vez mais alienados na

sociedade da opulência.

6ª ETAPA – INVESTIGAÇÃO

Em seguida, o vídeo “O Super Consumo”, 06min02seg, tratou de

apresentar um ciclo dependente que nos leva a crer que tudo está sendo

comercializado de uma forma irracional, onde a angústia toma o lugar

dafelicidade e o consumo excessivo ultrapassa a razão do porque e para que

tantos excessos.

Após o vídeo foi aberto para discussão e perguntas dos participantes.

Figuras 8, 9, 10: Exposição de Produtos

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Relatos de experiências... 165

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DIRECIONAMENTO:

1. Por que a indústria maltrata os animais?

2. Por que compramos tanto?

3. Será que tudo que compramos é realmente necessário?

4. Quais são as consequências do consumo descontrolado em nossas

vidas?

5. Você alguma vez já foi ao mercado para comprar algo que não

precisava? Já comprou apenas por prazer?

6. Você se sentiu bem após comprar? Por quê?

Enquanto o vídeo era passado, os alunos demonstraram angústia por

ver os animais serem maltratados com tanta frieza. Após, alguns comentaram

que se fosse para matar os animais para seu próprio consumo, seriam

vegetarianos. Os participantes conseguiram identificar com facilidade o

direcionamento do vídeo, ou seja, o consumo excessivo da indústria cultural e

o mal que ela vem causando.

Figura 11: Questionário

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166 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

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7ª ETAPA - CONCEITUAÇÃO

Em seguida, o poema "Eu etiqueta" de Carlos Drumonnd foi declamado.

Cada integrante do grupo fez a leitura de duas estrofes do poema, que havia

sido entregue impresso para os alunos no início da oficina Na sequência,

entregamos um questionário com perguntas referentes à oficina e um

questionário avaliativo. Por fim, embaixo da carteira de cada um havia um

envelope escrito “Rótulos e designs são somente para produtos, e não para

pessoas!”.

Figura 12: Explicação

Figura 13: Oficina turma matutino

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Relatos de experiências... 167

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AVALIAÇÃO DA OFICINA:

O ponto de partida para todo o processo de nossa oficina é a

aprendizagem do educando. A Filosofia é uma porta de entrada para que

através dela o oficineiro consiga fazer com que o aluno pense, reflita, consiga

desenvolver sua capacidade de assimilar conceitos, de argumentar, de forma a

ampliar a sua visão do mundo, fazendo com que o aluno pense coisas que ele

até então não havia pensado. O professor deve sensibilizar o aluno de forma a

tornar a oficina interessante, tentando sempre conectar o tema pensado com a

realidade do aluno. Na Filosofia é importante que o aluno possa posicionar-se

de maneira crítica, responsável e construtiva nas diferentes situações sociais,

utilizando o diálogo como forma de mediar conflitos e de tomar decisões

coletivas, com o objetivo de desenvolver a compreensão, a cidadania como

participação social e política.

O ensino de Filosofia está desafiado a mudar a lógica da construção do

conhecimento, pois a aprendizagem ocupa toda a nossa vida, de modo que a

Filosofia não é apenas uma disciplina para si mesma, pois agrega nela

condições de abordar inúmeros temas que podem e muitas vezes são

relacionados às outras disciplinas escolares, de maneira a refletir sobre a

construção do pensamento humano e as transformações do mundo que nos

rodeia. A questão do desenvolvimento do pensamento, a falta de compreensão

do mundo, os conceitos básicos de homem, mundo/sociedade, indivíduo,

educação/escola são questões que a Filosofia visa abordar, de modo que

busca questionar formulando problemas e, com isso, tratando de resolvê-los,

Figura 14: Oficina turma noturno

Figura 14: Oficina turma noturno

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168 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

utilizando para tanto o pensamento lógico, a intuição, a capacidade de análise

crítica, a criatividade, selecionando procedimentos para que isso possa se

tornar efetivo e verificando sempre sua adequação ao meio.

A atividade educacional é constituída não apenas de conteúdos, mas

também de formas ou estruturas que possibilitem o pensar. A Filosofia, de um

modo geral, possibilita essa condição, pois ela é uma disciplina que tem por

objetivo incitar o estudante a desenvolver suas capacidades, a pensar sobre a

realidade do mundo, de modo como já dito, a pensar coisas que ele até então

não havia pensando e nem se questionado a respeito.

A elaboração desta oficina teve como propósito apresentar, mesmo que

de modo breve, as noções de consumo, opulência e alienação, voltada para a

indústria cultural; explanar o senso crítico dos alunos e provocar discussão

sobre a temática, objetivando desenvolver nos alunos um caráter crítico e

formador de opinião sobre a sociedade em que os mesmos estão inseridos. Ao

final da oficina, quando os alunos realizaram suas perguntas, nós percebemos

o quanto eles puderam captar a ideia central que elaboramos, nos deixando

bem felizes e satisfeitos, com um resultado positivo, apesar do nervosismo e da

falta de experiência em sala de aula.

Portanto, a oficina, como uma ferramenta didática pedagógica, nos

proporcionou um amadurecimento, especialmente como forma de aperfeiçoar

as práticas didáticas aprendidas durante as disciplinas de Estágio. Também

mostrou a verificação dos conteúdos estudados em sala de aula nas disciplinas

de Ética e Política. De modo geral, vemos que a participação na elaboração e

aplicação dessa oficina nos trouxe uma experiência boa para auxiliar nas

regências do Estágio.

REFERÊNCIAS:

ANDRADE, Carlos Drummond.Obra Poética, volumes 4 - 6. Lisboa: publicações Europa – América, 1989. FREUD, Sigmund. O Mal-Estar na Civilização. Rio de Janeiro: Editora Imago, 1997. MARCUSE, Herbert. Eros e Civilização. 6° Edição. Boston: Editora Zahar,1966. SUPER CONSUMO – Trecho do Filme “Samsara” Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=nubnu56a9WU&spfreload=10; Acesso em:

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Relatos de experiências... 169

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19/11/2014. ANIMAÇÃO – HOMEM CAPITALISTA. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=5XqfNmML_V4; Acesso em: 21/11/2014.

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170 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

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A LIBERDADE A PARTIR DO VIÉS POLÍTICO DE BENJAMIN CONSTANT

Elizandra B. Sosa Gabriel Drehmer

Josieli A. Opalchuka Luana B. Giacomini33

Célia Machado Benvenho Nelsi Kistemacher Welter34

INTRODUÇÃO

Como objetivo da oficina visamos interpretar no decorrer do pensamento

ocidental as noções de liberdade política, atentando para a concepção clássica

e moderna, sobretudo, a partir do texto discursivo de Benjamin Constant (Da

liberdade para os antigos e para os modernos). A partir do texto base

supracitado, fomentamos a discussão que, voltada para a parte conceitual,

contrastou as duas concepções em voga.

Contrastando as noções de liberdade, tanto na época dos antigos

quanto dos modernos, Constant intenta, assim, mostrar como aquilo que se

entende por indivíduo face à política se mostra mutável no decorrer do

percurso histórico do pensamento ocidental, atentando para os benefícios e

malefícios de cada uma das concepções e, portanto, para a necessidade de

um repensar da política face ao conceito de liberdade, depurando-o e refinando

os modos de atuação e segurança dos direitos junto ao Estado. Se antes, com

os gregos, havia uma supressão da vida particular em detrimento da vida

pública, com a nacionalização dos Estados há a impossibilidade da atuação do

indivíduo que, face ao comércio, angaria para si um interesse muito mais

particular em relação à política do que os gregos na sua época. Apesar da

necessidade da nova organização social e geográfica na modernidade,

Constant elenca um problema que se refere à falta de noção do sujeito junto ao

ato público. Portanto, ao apontar uma saída, o autor propõe a assimilação de

33UNIOESTE, acadêmicos do 4º Ano de Filosofia, [email protected], [email protected], [email protected], [email protected]. 34 UNIOESTE, Professoras coordenadoras da atividade Oficina Didática de Filosofia durante a SAF da Unioeste; [email protected], [email protected].

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Relatos de experiências... 171

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alguns ideais provenientes dos gregos, mantendo, ainda, as respostas às

necessidades dos grandes Estados. Assim, o que Constant intenta com o

contraste entre as duas noções propostas não é a mera crítica de um pelo

outro, mas antes chegar a um conceito que assimile ambas as noções e, pela

mediania entre elas, dê uma resposta mais plausível aos problemas referentes

aos direitos humanos e seus deveres junto à comunidade política.

PALAVRAS-CHAVE: Liberdade Política; Antigos; Modernos; Constant.

PÚBLICO PARTICIPANTE:

Como participantes da oficina estiveram presentes os alunos do ensino

médio do Colégio Estadual Luiz Augusto Moraes Rego (17 alunos), juntamente

com um professor acompanhante, bem como dois alunos do curso de

licenciatura em filosofia.

DURAÇÃO: 1h45min.

OBJETIVOS DA OFICINA:

a) Abordar os conceitos da liberdade pelo viés da política Antiga e

Moderna através do texto intitulado Da liberdade dos antigos comparada a dos

modernos, de Benjamin Constant.

b) Elaborar um pensamento conceitual acerca da liberdade.

c) Promover o debate sobre a questão da liberdade, contrapondo as

ideias trazidas pelos alunos com as apresentadas pelo texto.

d) Relacionarpolítica e liberdade, desde os antigos aos modernos e

introduzir a discussão contemporânea.

RECURSOS DIDÁTICOS:

Na oficina foram utilizados: recurso multimídia para reprodução de

slides, quadro e giz no decurso das atividades de conceituação, cópias

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172 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

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impressas contendo trechos do discurso do autor base para o debate e cópias

para a atividade de avaliação da oficina pelos alunos participantes.

DESENVOLVIMENTO:

1ª ETAPA: SENSIBILIZAÇÃO

Após dar as boas-vindas e apresentar o tema e o autor referencial em

termos gerais, foi reproduzido o vídeo Reach: Liberdade além da janela, com o

objetivo de despertar a atenção dos alunos para a questão da liberdade. No

vídeo, visualiza-se, de forma didática, a relação entre a liberdade individual e

os meios de atuação onde o indivíduo, primordialmente livre, pode atuar

mediante as possibilidades cabíveis. Em seguida, os alunos foram

questionados sobre como interpretaram o vídeo a partir das seguintes

questões: “Deque trata o vídeo?” “O que isso pode simbolizar do ponto de vista

da liberdade?”, “O robô era livre?”, “Onde ele poderia agir?”, “O que simboliza o

fio que o mantinha ligado?”.

2ª ETAPA: PROBLEMATIZAÇÃO

Em seguida, foram feitas questões mais conceituais: “É possível ser livre

estando ligado ou limitado por algo?”. “E quanto a vocês, se consideram livres?

É uma liberdade ilimitada? Como? Por quê?”, “Foi sempre assim?”, “Como era

antigamente?” A partir do vídeo, das respostas e demais comentários dos

alunos, foram explorados os conceitos de liberdade positiva e negativa, no

intuito de problematizar a questão da liberdade dentro de um parâmetro

político, mostrando os impedimentos em termos de normas que juntas

propiciam a liberdade.

3ª ETAPA: INVESTIGAÇÃO

De forma dinâmica, a investigação se deu através de um debate

fomentado pela leitura de trechos específicos do texto de Benjamin Constant,

momento em que a sala foi divida em dois grandes grupos, onde uma parte da

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Relatos de experiências... 173

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sala ficou responsável por assimilar o conceito de liberdade para os antigos e a

outra parte da sala para os modernos. Assim, a partir da fala dos próprios

alunos, depois da leitura, interpretação e discussão entre os grupos,

contrapondo pontos específicos dissonantes entre os textos e apresentando os

semelhantes (entre a visão antiga e a moderna), juntamente com o auxílio dos

oficineiros, fez-se a primeira investigação que conduziria à formação de

conceitos com base filosófica.

4ª ETAPA: FORMAÇÃO DE CONCEITOS

A formação de conceitos, realizada com apresentação oral e auxílio de

slides, se voltou para a concepção de Constant, usando alguns autores

específicos de cada época (Aristóteles e Hobbes, como exemplo), no sentido

de mostrar, com a descrição do autor, se comprova a noção de liberdade

dentro do parâmetro histórico e filosófico de cada uma das épocas. Para

conceituar e contextualizar a parte referente aos antigos, voltamo-nos para

Aristóteles como importante pensador da política antiga, mostrando que a

filosofia do autor em questão não discorda ou negligencia a realidade social na

qual estava inserido. Para os modernos, em termos gerais, foram usados

dados referentes à nova organização política, social e econômica, visando

ilustrar um âmbito diferente do grego, da pólis, onde não caberia mais o

conceito antigo de liberdade, mas sim um mecanismo que visa interesses

diferentes abarcando a nova realidade que se apresenta com a modernidade. A

oficina seguiu com a explanação sobre a liberdade moderna, trazendo para

uma discussão contemporânea, principalmente a partir da conquista dos

direitos humanos (DUDH), das concepções de igualdade entre cor, raça, sexo,

classe social, utilizando slides para a apresentação e comparando com a

antiguidade, sempre retomando o debate anterior a partir de Benjamin

Constant. Nesta etapa, o interesse dos alunos foi mais visível, visto que se

tratava de um assunto mais próximo de suas realidades.

Para finalizar, foi exibido o vídeo Programa Político, com duração

03h58min minutos, que traz uma crítica bem-humorada sobre a situação dos

candidatos políticos no nosso país, de modo a incentivar maior participação na

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174 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

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política atual, bem como, incentivar a reflexão e uma maior atenção para com

os assuntos públicos.

AVALIAÇÃO DA OFICINA:

Aspectos positivos:

De forma geral, o que planejávamos não se distanciou do que ocorreu

durante a oficina. Já era esperada a pouca participação dos alunos devido à

timidez e ao estranhamento do ambiente e, como solução, promovemos a

interação, questionando aluno por aluno, promovendo maior comunicação

entre os integrantes, o que foi um ponto positivo, já que deram respostas

surpreendentes que contribuíram muito para a nossa explanação. Tivemos que

superar algumas dificuldades como a timidez, o nervosismo, a diferença entre a

linguagem utilizada por nós, acadêmicos, com a dos alunos do ensino médio,

além da incerteza em relação ao comportamento dos alunos e a participação, o

que resultou em alguns momentos de improviso, mas, por fim, tudo ocorreu de

maneira tranquila. Conseguimos superar esses obstáculos e atingir nossos

objetivos. O material utilizado, slides, vídeos e os trechos do texto impresso,

nos ajudaram a manter o foco da discussão, além de servir como ponto de

apoio. Destaca-se o bom comportamento dos alunos ao participarem e o

respeito com que tratam uns aos outros e com o qual nos trataram, bem como

a atenção dispensada a quem falava. Os vídeos e slides foram citados como

úteis e coerentes o que ajudou na compreensão do tema. Os alunos também

elogiaram o tema da oficina citando, principalmente, a explanação sobre os

modernos e sobre os direitos humanos.

Pontos negativos:

De acordo com as avaliações feitas pelos alunos, ficou nítida a diferença

de domínio de conteúdo entre os oficineiros, na qual apontaram a timidez,

insegurança e dificuldade em se expressar (no sentido de usar uma linguagem

complexa para o entendimento deles). Outro aspecto negativo foi a separação

das falas por temas: liberdade antiga, liberdade moderna, a substituição da

guerra pelo comércio e a declaração universal dos direitos humanos pelos

oficineiros, o que resultou, por vezes, na falta de relação de um conteúdo com

o tema central, deixando a fala restrita, como se decorada, impossibilitando, em

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Relatos de experiências... 175

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certa medida, a relação entre a exposição do conteúdo e o próprio conteúdo,

perdendo parte de sua significação. Os acadêmicos que participaram da oficina

mantiveram-se como ouvintes, exceto por um que gerou certo constrangimento

ao questionar algo incoerente com a proposta da oficina, utilizando uma

linguagem estritamente filosófica criando um abismo na compreensão dos

alunos. Houve um incômodo gerado pela entrada e saída constante de

acadêmicos, fotógrafos e professores durante a realização da oficina,

dissipando a atenção dos alunos e oficineiros.

REFERÊNCIAS:

Livro:

CONSTANT, Benjamin. A Liberdade dos antigos comparada à dos modernos.

Trad. e Org. de Marcel Gauchet. Collection Pluriel: Paris, 1980.

Sites:

PROGRAMA POLÍTICO. Produção de Bianca Caetano e Ohana Boy.

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=il-cG20QeG4. Acesso em:

03/08/2015.

REACH: Liberdade além da janela. Produção de Luke Randall. Disponível em:

https://www.youtube.com/watch?v=TnSlW1yo9DA. Acesso em 03/08/2015.

Figuras 1 e 2: Introdução à temática da oficina

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176 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

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Figuras 3: Integrantes da Oficina

Figuras 4: Alunos participantes da Oficina

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Relatos de experiências... 177

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SEXUALIDADE E DISCURSO EM FOUCAULT

Lucas Henrique Nunes Batista Patricia Joca Martins

Lucas Paiva Scussiato Jackison Roberto dos Santos Pinheiro Junior35

Célia Machado Benvenho Nelsi Kistemacher Welter36

INTRODUÇÃO

Esta oficina teve como intuito principal trabalhar o que Foucault chama

de hipótese repressiva que se inicia a partir do séc. XVII e que seria o marco

de uma época de repressão, próprio das sociedades chamadas burguesas. No

início deste período, as práticas sexuais não procuravam segredo, podia se

dizer tudo sem se importar com o cuidado às palavras proferidas. No entanto,

nesse século ocorre uma mudança drástica quanto ao que se falava sobre o

sexo; a sexualidade é então rodeada por valores morais, sendo confinada ao

lar, e até se restringindo ao quarto dos pais. Uma regra de silêncio foi imposta,

não mais se podia falar sobre sexo de forma transgressora. Reinou a censura.

O sexo então passa a ser algo utilitário e desagradável. O que não era

regulado para reprodução foi expulso, negado e reduzido ao silêncio. Isso fez

com que as práticas sexuais ilegítimas tomassem outro lugar dentro da

sociedade burguesa, o que, de certo modo, segundo Foucault, coincidiu com a

chegada do capitalismo: ela faria parte da ordem burguesa. Se o sexo era

reprimido com tanto rigor, é por ser incompatível com uma colocação no

trabalho. Porém, sendo o sexo reprimido, ou seja, fadado à proibição, o

simples fato de falar dele e de sua repressão possui como que um ar de

transgressão deliberada, e é nesse ponto que irá se discutir de como quem

emprega essa linguagem se coloca até certo ponto fora do alcance do poder;

35 UNIOESTE; acadêmicos do 4º Ano de Filosofia e PIBID Filosofia; E-mail: [email protected], [email protected], [email protected], [email protected]. 36 UNIOESTE, Professoras coordenadoras da atividade Oficina Didática de Filosofia durante a SAF da Unioeste; [email protected], [email protected].

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178 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

desonra a lei; antecipa, por menos que seja, a liberdade futura. Sabendo-se

que Foucault tem como intuito seguir o fio que, em nossas sociedades, durante

tantos séculos ligou o sexo e a procura da verdade pretendeu-se, então,

discutir com as/os alunas/os a forma como estes discursos foram implantados

e com que intuito foram implantados, passando a analisar os discursos e sua

relação com as instituições de poder (da Igreja, do Estado, escola e família,

contextualizando também o parecer da medicina e da psiquiatria) e o papel do

indivíduo perante a essa fomentação discursiva que ocorria na época. Isso foi

feito a partir da obra de Michel Foucault, História da Sexualidade I: Vontade de

Saber.

PALAVRAS-CHAVE: Discurso; Sexualidade; Poder.

PÚBLICO PARTICIPANTE:

A oficina foi aplicada durante a XVIII Semana Acadêmica de Filosofia,

contando com a participação de alunos do 3º ano do Colégio Evangélico Martin

Luther (11 alunos), e alunos do 2º Ano do Colégio Estadual Luiz Augusto

Morais Rego (17 alunos); Acadêmicos e docentes do curso de Filosofia e

professores da rede pública de Ensino Médio;

DURAÇÃO: O tempo utilizado para o desenvolvimento da atividade foi de

1h30min.

OBJETIVOS DA OFICINA:

Caracterizar a relação entre o discurso e a sexualidade;

A partir de uma analise genealógica, abordar a modificação discursiva

decorrente dos sécs. XVII, XVIII e XIX;

Discutir sexualidade e poder;

Analisar o dispositivo de aliança e o de sexualidade.

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Relatos de experiências... 179

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RECURSOS DIDÁTICOS:

Papel, caneta, multimídia, excertos da obra “Historia da Sexualidade: A

Vontade de Saber” de Michel Foucault, curta metragem “O Mundo ao

Contrario”, cartazes com o conteúdo do projeto fotográfico “Sexualidade e

Ignorância” dos alunos de Jornalismo da USP.

DESENVOLVIMENTO:

1ª ETAPA: SENSIBILIZAÇÃO

A sala continha cartazes utilizados no projeto fotográfico “Sexualidade e

Ignorância” dos alunos de Jornalismo da USP (esse material foi abordado na

etapa de conceituação) e, como sensibilização, foi utilizado um trecho do curta-

metragem “O Mundo ao Contrário” que retrata inversamente como as

instituições sociais usam dos discursos para que se possa regular e interferir

na vida e nos atos sexuais das pessoas, sempre visando seguir a norma

vigente, resultado da moral, da política e da economia e suas demandas para a

sociedade.

2ª ETAPA: PROBLEMATIZAÇÃO

Após a sensibilização foram levantados os seguintes questionamentos,

a partir do vídeo, para iniciar uma reflexão nos alunos que os guiou pelo

pensamento do autor:

Qual é o tema do vídeo?

O que o vídeo mostra ao espectador?

O que vocês entendem por sexualidade?

O que significa sexualidade?

Existe apenas uma forma de sexualidade legítima?

Como vocês acham que a escola trata esse tema?

Como vocês acham que a igreja trata esse tema?

Como vocês acham que a família trata esse tema?

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180 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

Vocês acham que a tentativa de “normatizar” as práticas sexuais tem

relação com a economia e/ou a política atual?

3ª ETAPA: INVESTIGAÇÃO

Nessa etapa, a partir de uma apresentação de slides, foi apresentado o

pensador Michel Foucault e o que ele entende por poder, discurso e como

esses conceitos se encontram dentro da nossa sociedade, e a relação com a

regulação da prática sexual. Para expressar melhor os conceitos, entregamos

uma folha com trechos específicos da obra de Michel Foucault, tratando sobre

as instituições de poder e como elas agem e influenciam o cotidiano e o

posicionamento das pessoas em relação à sexualidade, sobre o que é

considerado certo e errado. Trabalhou-se também até que ponto pode se

subverter essa lógica das instituições, as práticas sexuais não normativas,

visando esclarecer quais eram seus lugares dentro da sociedade e o seu

papel.

4ª ETAPA: FORMAÇÃO DE CONCEITOS

Após o vídeo e da explanação do pensamento de Foucault, discutiu-se

sobre o conteúdo dos cartazes, que pertencem a um projeto fotográfico de

alunos/as da USP. A intenção era de causar uma reflexão sobre discursos

comumente expressados pela sociedade, para as pessoas LGBT dentro de

âmbitos da nossa sociedade, inclusive dentro da escola, levantando a questão

das PME’s. Por fim, pedimos para cada aluno/a fazer um texto sobre o que

entenderam do pensamento do autor, tentando estabelecer uma relação com o

tema do vídeo e dos cartazes, colocando seu posicionamento se realmente há

a importância de se discutir gênero e sexualidade dentro da nossa sociedade, e

se este tema deve ser abordado dentro da escola e o porquê.

AVALIAÇÃO DA OFICINA:

A primeira dificuldade encontrada pelo grupo se dá na polêmica do tema

tratado, apesar de tentarmos tratar de uma maneira tranquila e que não ferisse

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Relatos de experiências... 181

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

ninguém. A segunda dificuldade foi buscar os conceitos de Foucault de

maneira que pudéssemos encaixa-los no tema da Sexualidade e trazer isso

para o dia a dia do aluno. Para essas duas dificuldades, estabelecemos que

precisávamos elencar os conceitos primordiais do autor: DISCURSO, que é

conceituado como uma rede de signos que se conecta a outras tantas redes de

outros discursos, em um sistema aberto, e que registra, estabelece e reproduz

não significados esperados no interior do próprio discurso, mas sim valores

desta sociedade que devem ser perpetuados; e PODER este, para o autor, não

existe, o poder é uma realidade dinâmica que ajuda o ser humano a manifestar

sua liberdade com responsabilidade, ele acredita no poder como um

instrumento do discurso entre os indivíduos de uma sociedade. A partir disso,

procuramos distinguir como o francês traz esses dois conceitos no tema da

Sexualidade, mostrar que a repressão do sexo iniciou durante o séc. XVII e

que isso se dá, como mostra o francês, com o surgimento da burguesia, e nos

séculos posteriores o discurso sobre o sexo serviu para criar uma ciência sobre

ele e usado como forma de manutenção social pelas instituições de poder.

Durante a oficina, a principal dificuldade foi a pequena participação da turma

nos momentos para discussão e conceituação. No entanto, isso não foi um

problema para que eles entendessem a oficina, pois após a oficina vários

alunos (em sua maioria alunos do Morais Rego) vieram ao grupo para tirar

dúvidas sobre a oficina e sobre o autor estudado. Nesse momento, a conversa

foi descontraída e bastante produtiva, porque não havia mais a formalidade da

sala de aula que causava certa insegurança a eles.

REFERÊNCIAS:

CASTRO, Edgardo. Vocabulário de Foucault – Um Percurso Pelos Seus Temas, Conceitos e Autores. Belo Horizonte: Autentica Editora, 2009. FOUCAULT, Michel. Historiada Sexualidade I: A Vontade de Saber. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1998. FOUCAULT, Michel. Ética, Sexualidade, Politica – 2. ed. - Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010. FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979.

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182 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

Curta metragem “Mundo ao contrario” Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=YQewUi4dz5s>. Acesso em: 13/11/2014. Projeto fotográfico dos/as alunos/as da USP: “Sexualidade e Ignorância”https://www.facebook.com/humanizaredes/posts/371745509684685. Acesso em: 06/08/2015.

ANEXOS: Imagens do desenvolvimento da Oficina.

Figura 1: Alunos participantes da Oficina

Figura 2: Participantes da Oficina

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Relatos de experiências... 183

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

Figura 3: Participantes da Oficina Figura 4: Desenvolvimento da oficina

Figura 5: Acadêmicos responsáveis

pela Oficina Figura 6: Desenvolvimento da oficina

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184 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

EXISTENCIALISMO EM JEAN-PAUL SARTRE

Michelle Silvestre Cabral37 Natalia Aparecida Pacheco Ferro

Rafael Saragoça Ortolan Thaylan Corassa38

Célia Machado Benvenho Nelsi Kistemacher Welter39

INTRODUÇÃO

A presente oficina pretende explorar aspectos da uma corrente filosófica

denominada Existencialismo, a partir do pensamento de Jean-Paul Sartre. O

intuito é promover o contato de estudantes do Ensino Médio com trechos de

textos primários da filosofia ressaltando a possibilidade de aproximação entre

algumas problemáticas presentes nestes textos com a vida. A oficina centra-se

em temas como existência, reflexão e condição humana e buscará orientar

atividades de interpretação, conversação e problematização em torno destes.

Acredita-se que o exercício do diálogo e reflexão filosóficos, na medida em que

busca tornar o estudante protagonista dos movimentos de seu próprio pensar,

podem propiciar o desenvolvimento do pensamento crítico, criativo e

autônomo, potencializando sua aprendizagem.

PALAVRAS-CHAVE: Existencialismo. Homem.Reflexão.

37 UNIOESTE, Docente do curso de Filosofia, [email protected]. 38 UNIOESTE, Acadêmicos do 4º no de Filosofia, [email protected]; [email protected]; [email protected]. 39 UNIOESTE, Professoras coordenadoras da atividade Oficina Didática de Filosofia durante a SAF da Unioeste; [email protected], [email protected].

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Relatos de experiências... 185

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

PÚBLICO PARTICIPANTE:

Oficina desenvolvidacom2º e 3º anos do Ensino Médio do Colégio

Estadual Novo Horizonte (24estudantes) e do Colégio Martin Luther King

(7estudantes), com participação de alunos da Licenciatura em Filosofia da

UNIOESTE e professores da Rede Estadual de Ensino.

DURAÇÃO: 1:30 h.

OBJETIVOS DA OFICINA:

Proporcionar aos estudantes experiências educacionais que lhes

permitam estabelecer relações e conectar suas próprias inquietações a

problemas filosóficos;

Debater temáticas através do contato direto com textos

consagrados da História da Filosofia;

Cultivar o exercício do pensar como especificidade da atividade

filosófica;

Estimular a criatividade e a liberdade de pensamento em

atividades de reflexão e escrita filosófica.

RECURSOS DIDÁTICOS:

Materiais: Excertos da Antologia de Textos Filosóficos, multimídia, folhas

A4, lápis, caneta, trechos de filme.

Metodologia filosófica: A oficina será desenvolvida a partir de uma

metodologia expositivo-dialógica, na qual se mesclará a exposição de textos e

informações sobre filósofos com a estimulação constante à participação dos

estudantes na construção de um diálogo crítico/investigativo. Além do trabalho

direto com textos de filosofia, será exibido trechos do filme O mundo de Sofia,

de Gaarder, com o intuito de levantar questões próximas às vivências dos

estudantes, possibilitando a sensibilização destes para a investigação

filosófica.

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DESENVOLVIMENTO:

1ª ETAPA: SENSIBILIZAÇÃO

Logo na chegada dos participantes, foi distribuído um pequeno

pergaminho com a orientação de abri-lo apenas no momento em que fosse

indicado pelos oficineiros. No pergaminho estava contida a imagem de um

espelho com a pergunta: Quem sou eu?, a qual serviu de guia para a

investigação a ser realizada na oficina. Os estudantes foram acomodados em

carteiras dispostas em forma de um semicírculo, com intuito de estimular a

colaboração entre estes e a o pleno contato visual de todos.

Na sequência, realizou-se uma breve apresentação dos oficineiros, bem

como uma contextualização da atividade a qual estariam participando.

Expomos que o início se daria com a exibição de um trecho do filme O mundo

de Sofia (12 primeiros min.), o qual se baseia na obra homônima de Gaarder

(1991).

Após isso, exibiu-se o filme. Neste trecho do filme, a personagem

principal Sofia aparece por diversas vezes em seu contexto escolar e familiar

realizando atividades rotineiras consideradas comuns para uma adolescente

Figura 1: Livros utilizados na Oficina

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Relatos de experiências... 187

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

prestes a completar quinze anos de idade. Em meio aos acontecimentos do

filme, Sofia descobre em sua caixa de correio uma correspondência anônima,

endereçada a ela, contendo a pergunta “Quem sou eu?”. A pergunta deixa

Sofia inquieta, sobretudo porque percebe que tem dificuldades para formular

uma resposta imediata e final para a mesma. Percebe que ao refletir sobre a

questão, novas e novas questões surgem como que relacionadas a esta e,

igualmente, não se esgotam em uma resposta apenas. Como tentativa de

buscar uma solução, Sofia passa a interrogar seus colegas de escola e sua

mãe, os quais não dão tanta importância ao problema apresentando respostas

vagas e imprecisas. A situação se torna ainda mais enigmática, quando

encontra uma nova carta contendo a questão “De onde vem o mundo?”.

A exibição do filme tinha o objetivo de sensibilizar os estudantes à

temática abordada na oficina. A escolha do filme se deveu justamente por

buscar-se, nesta etapa, despertar o interesse do estudante a partir do elemento

sensível presente na obra cinematográfica. Além disso, havia o fator de o

enredo ser constituído justamente em um contexto juvenil, possibilitando a

identificação dos estudantes com as vivências representadas.

Figura 2: Exibição do Filme

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188 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

2ª ETAPA: PROBLEMATIZAÇÃO

Para a problematização, primeiramente sugerimos que os estudantes

refletissem sobre o filme que assistiram e as questões que apareceram, de

modo a apurar se as mesmas já tinham sido pensadas por eles em algum

momento de suas vidas. Em seguida, solicitou-se aos participantes que

abrissem o pergaminho que receberam no início da oficina e respondessem à

questão contida neste: Quem sou eu? Com tal pergunta, pretendeu-se

introduzir a problemática existencialista desenvolvida no pensamento

sartreano. Os pergaminhos, com as respostas, foram recolhidos e reservados

para fins de registro.

Figura 3: Reflexões sobre o Filme

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Relatos de experiências... 189

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3ª ETAPA: INVESTIGAÇÃO

Inicialmente foram apresentadas (através de projeção em slides) breves

informações sobre a vida e obra do filósofo Jean-Paul Sartre (1905-1980), além

de definições de alguns conceitos centrais que aparecem na obra sartreana.

A investigação foi realizada por meio de leitura, análise e conversação

sobre um texto produzido pelos oficineiros a partir de excertos de O

existencialismo é um humanismo, de Sartre (2009) e citações de

comentadores. Para tanto, distribuiu-se os participantes em quatro grupos, aos

quais foram entregues cópias do texto impresso. Cada oficineiro acompanhou

um dos grupos, auxiliando na leitura e interpretação do texto e orientando a

conversação no sentidod e estimular a colocação e a contraposição dos

diversos pontos de vista presentes no grupo; sempre que necessário, incitando

a discussão com perguntas claras e na linguagem dos participantes; buscando

deslocar a discussão que geralmente fica entre ministrante e grupo para

colocá-la principalmente entre os participantes; e, por fim, ressaltando que a

compreensão do tema estaria a cargo de todo o grupo e não do ministrante.

Após esse momento, os grupos foram desfeitos e buscou-se estabelecer

um diálogo entre todos. Foi solicitado que cada grupo elegesse seu

Figura 4: Trabalho com o pergaminho

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190 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

representante para apresentar a interpretação do grupo e as possíveis relações

estabelecidas entre o problema discutido e a vida de cada um. Muitos

estudantes se dispuseram a comentar sua interpretação, apresentando

exemplos que surgiram no momento do contato com o texto. As perspectivas

foram compartilhadas, respeitando as diferenças surgidas e estabelecendo

uma troca de experiências rica em conteúdo e significação.

Segue abaixo cópia do texto entregue aos participantes:

“Quem sou eu?” Essa é uma das perguntas que animam a personagem

Sofia do romance de Gaarder, O mundo de Sofia (1991). Essa é também uma

das perguntas que, entre outras como “Qual o sentido da vida?” ou “Porque

tudo existe e, não antes, o nada?”, etc., atravessam a história do pensamento

humano. Alguns pensadores afirmam que isso é assim, justamente porque são

questões que envolvem os elementos mais fundamentais da condição humana.

Questões que, muito possivelmente, ocupam as pessoas em um ou outro

momento de suas vidas e que podem ser decisivas para determinar os rumos

de sua existência.

Certamente que uma resposta como “Eu sou João” ou “Sou Maria”

poderiam por fim ao movimento interrogativo, encerrando-a. Ou, talvez, numa

resposta mais abrangente “Sou professor de..., moro em...” enfim, poderia

oferecer mais informações que, sendo circunscritas, também implicariam o

anulamento da questão enquanto questão e poria fim ao movimento do pensar.

Mas, além disso, tal modo de responder a referida questão significaria, já de

antemão, uma atitude determinada sob a qual estaríamos considerando os

elementos implicados na mesma, ou seja, o eu, o indivíduo seria tomado como

Figura 5: Desenvolvimento da Oficina

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Relatos de experiências... 191

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suporte de predicados, como algo pronto, acabado. Como um dado cujo

acesso se faria por meio meramente descritivo. Estratégia esta que objetiva o

homem, tornando-o objeto.

Sartre faz parte de uma corrente filosófica, o Existencialismo, que

pretende compreender o humano para além desse modo comum: propõe

pensá-lo como sujeito que se constitui no mundo a cada ato. Segundo

Moutinho (2009, pp. 610-611), o existencialismo consiste,

em partir do homem não como “animal racional”, não como “bípede falante e implume” etc, mas como ser-no-mundo. Esse ponto de partida é filosófico, não científico. Onde está a diferença? É que não se parte aqui de uma definição do que é o homem (se se preferir, não se busca definir o que é o homem). Essa estratégia tem uma pré-condição que a Filosofia rejeita: ela objetiva o homem, ela o torna objeto.

O lema mais geral do existencialismo é a afirmação de que “A existência

precede a essência”. De acordo com Sartre (In: MARÇAL, 2009, p. 619),

Que significa dizer que a existência precede a essência? Significa que o homem primeiro existe, se encontra, surge no mundo, e que se define depois. O homem, tal como o existencialista o concebe, se não é definível, é porque de início ele não é nada. Ele só será em seguida, e será como se tiver feito. Assim, não há natureza humana [...]O homem é não apenas tal como ele se concebe, mas como ele se quer, e como ele se concebe depois da existência, como ele se quer depois desse impulso para a existência, o homem nada mais é do que aquilo que ele faz de si mesmo.

Esta especificidade localiza o homem na contramão das definições

usuais das ciências, pois não parte de nenhuma definição pré-concebida de

humanidade. Esse seria, para Sartre, o traço mais característico do homem: o

estar-em-aberto desde sempre para tornar-se aquilo que fizer de si mesmo.

Para fundamentar tal tese, Sartre lança mão da atitude reflexiva: meio

através do qual o homem poderia alcançar a coincidência imediata consigo

mesmo, já não como objeto dado, mas enquanto atividade constituinte. A

reflexão, método por excelência da filosofia, seria, portanto, o caminho de

desvelamento da especificidade humana: a referência imediata a si, ou seja, a

consciência. Conforme Moutinho (2009, p. 612): “É isso que Sartre designa por

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consciência, esse ser que envolve algo como uma reflexividade interna, que

tem essa reflexividade como modo de ser”. Neste sentido, para Sartre,

consciência pode ser descrita como a certeza absoluta que o ser humano tem

de si mesmo, independentemente de teorias ou definições intermediárias; ou,

ainda, como o traço característico que marca o modo de ser dos atos humanos,

a relação a si.

4ª ETAPA: FORMAÇÃO DE CONCEITOS

Nesta etapa, questionamos os participantes se, após todo diálogo,

realizariam alguma alteração na primeira resposta que haviam formulado para

a pergunta contida no pergaminho. Distribuímos folhas aos mesmos e

solicitamos que registrassem através de escrita sua nova perspectiva.

Buscou-se, com esta oficina, destacar a especificidade da existência

humana face a objetividade dos entes mundanos. Partindo da compreensão de

que, assim como a personagem Sofia busca, através de seus

questionamentos, construir para si mesma o sentido de sua vida, cada um de

nós pode se deparar, no decorrer de nossas vidas, com momentos radicais de

angústia e de busca por sentido. Seguindo o pensamento de Sartre, é possível

Figura 6 e 7: Investigação: leitura do texto

Figura 8 e 9: Investigação: leitura do texto

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Relatos de experiências... 193

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que em tais situações, percebamos que faz parte de nossa condição ter que

constituir o significado da existência a cada ato. Neste ínterim, ressaltamos que

um dos objetivos da oficina é, concordando com Sardi (2004, P. 144), “registrar

que, por detrás de toda a complexidade do pensamento filosófico, há algo que

participa de nossa condição humana e que nos cumpre ainda compreender

melhor, e que é acessível a todos, adultos, jovens e crianças. Pois somos,

antes, ‘humanos’, e partilhamos juntos o mistério de nossas existências, o

enigma da realidade”. Assim, contamos que as atividades propostas a partir do

pensamento sartreano poderiam fazer emergir, das experiências e vivências

próprias de cada um, motivos para pensar sobre o que nos caracteriza como

ser-no-mundo, a saber, a atividade ininterrupta de invenção de si mesmo.

Figura 9 e 10: Investigação: Discussão

Figura 11 e 12: Conceituação

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ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

AVALIAÇÃO DA OFICINA:

Acreditamos que os objetivos propostos foram alcançados no

desenvolvimento da atividade, sobretudo pelo retorno que os estudantes nos

deram ao final, demonstrando interesse e disposição em participar do diálogo e

trazendo relatos de suas vivências que puderam ser relacionados ao tema e a

problemática tratada. Também tivemos um retorno muito positivo quanto ao

modo como a atividade foi conduzida, tanto por parte dos acadêmicos, do

professor de Ensino Médio presente e dos acadêmicos que acompanharam o

trabalho.

REFERÊNCIAS:

GAARDER, Jostein. O mundo de Sofia: romance da história da filosofia. Tradução de João Azenha Jr. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. MARÇAL, Jairo (org.). Antologia de Textos Filosóficos. Curitiba: SEED-PR, 2009.

Figura 12: Participantes da Oficina

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Relatos de experiências... 195

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O MUNDO DE SOFIA. Direção de Erik Gustavson. Noruega/ Suécia: Versátil Filmes, 1999. Filme completo baseado na obra homônima de Jostein Gaarder. Duração 113 minutos. SARDI, Sérgio Augusto.Ula – Um Diálogo Filosófico entre Adultos e Crianças. In: Filosofia e educação - confluências. TREVISAN, Amarildo Luiz; ROSSATTO, Noeli Dutra (Orgs.). Santa Maria: Ed. FACOS/UFSM, 2004. SARTRE, Jean-Paul.O Existencialismo É um Humanismo. In: MARÇAL, Jairo (org.). Antologia de Textos Filosóficos. Curitiba: SEED-PR, 2009.

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ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

SARTRE: ESTAMOS CONDENADOS À LIBERDADE?

Neusa Rudek Francielle Festner

Pâmela Elger40 Célia Machado Benvenho

Nelsi Kistemacher Welter41

INTRODUÇÃO

A presente oficina parte do princípio de esclarecer os conceitos

sartrianos de Existência, Essência e Liberdade. O devido esclarecimento

realizar-se-á por meio do pensamento de Jean-Paul Sartre (1905-1980), em O

ser e o nada e em sua respectiva obra O existencialismo é um humanismo, que

foi considerada um texto circunstancial. O filósofo existencialista parece entrar

em contradição ao afirmar que a “existência” precede a “essência” e que

estamos condenados à “liberdade”. A existência precede a essência porque o

homem primeiro existe, depois se define, enquanto todos os outros entes são o

que são, sem se definirem. Sartre explica que, de fato, o ponto de partida para

fundamentar a existência é a subjetividade do indivíduo, mas, não é uma

subjetividade rigorosamente individual. Esta, apenas, permite ao sujeito

apreender-se e apreender ao outro como sendo sua própria condição de

existência. O outro é indispensável à minha existência na medida em que se

apresenta como liberdade posta à minha frente: deste modo, descobre-se a

intersubjetividade, através da qual, decide-se pelo que se é e pelo que os

outros são. Portanto, só posso conhecer-me diante do outro, ou seja,

postando-me diante dos outros, diante dos objetos, diante do mundo: a

consciência me põe diante daquilo que sou e daquilo que não sou, sou

humano, não sou objeto nem qualquer outra coisa. Além disso, pode-se

considerar que não existe uma essência universal ou uma natureza humana. O

40 Universidade Estadual do Oeste do Paraná, acadêmicas da 4º série e do Pibid Filosofia, [email protected], [email protected] e [email protected]. 41 UNIOESTE, Professoras coordenadoras da atividade Oficina Didática de Filosofia durante a SAF da Unioeste; [email protected], [email protected].

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Relatos de experiências... 197

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

que há é uma universalidade de condição humana que, claramente, é o

conjunto dos limites a priori que esboçam a situação fundamental de um

projeto no universo. A subjetividade individual, o eu penso, é a única teoria que

atribui uma dignidade ao homem, excluindo-o do estatuto material do objeto,

determinado pelo conjunto das qualidades e fenômenos que o constituem.

Assim, por exemplo: uma mesa ou uma cadeira, não possuem consciência de

si, de ser algo ou pertencer ao conjunto dos materiais, de se colocar diante de

qualquer outro objeto ou de si mesmo. O estatuto da subjetividade é regido por

um conjunto de valores distintos das propriedades que determinam os objetos

ou o em-si, esses valores são os limites a priori ou a liberdade ontológica. O

homem existe e é livre para construir-se por meio de suas escolhas. Não há

uma essência que o anteceda e o determine como um objeto que possui uma

finalidade intrínseca. No caso do homem, há uma liberdade ontológica que

possibilita ao homem lançar-se no mundo. O homem está lançado no mundo

como um projeto primeiramente livre e vazio de conteúdo. Estar lançado no

mundo é estar livre para projetar a si mesmo. Sartre usa o conceito de para-

si referindo-se ao homem, já que, de acordo com ele, somente o homem pode

projetar-se, lançar-se para o futuro. Nas obras supracitadas, Sartre trata das

implicações da liberdade para com o homem. Descreve-a como uma angústia,

pois o homem está condenado numa existência absurda, isto é, condicionado à

liberdade de escolhas e as mesmas não remeterem a nada. Não há como

libertar-se da liberdade de decidir, de escolher, como agir. Não é possível

deixar de escolher, mesmo que se opte por não escolher, escolhe-se algo,

abster-se de uma decisão, portanto, é uma escolha. Estamos condenados à

liberdade porque não escolhemos ser livres, ser livre é determinação

ontológica, refere-se ao projeto estrutural constitutivo do lançado, ou seja, a

liberdade é inerente à condição do humano. Nesse sentido, é coerente, em

termos sartrianos, afirmar que o homem está condenado à liberdade.

PALAVRAS-CHAVE: Existência; Essência; Liberdade.

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198 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

PÚBLICO PARTICIPANTE:

Oficina aplicada ao 2° e 3º ano do ensino médio do Colégio Estadual

Jardim Europa (26 alunos), 1°, 2° e 3° ano do ensino médio do Colégio

Estadual Presidente Castelo Branco (12 alunos), com participação de alunos

da Licenciatura em Filosofia e do Curso de Ciências Sociais da Unioeste, bem

como de professores da rede estadual de ensino, totalizando 55 participantes.

DURAÇÃO:1h30min.

OBJETIVOS DA OFICINA:

- Desconstruir a leitura comum de liberdade.

- Apresentar a condição de liberdade para as possibilidades.

- Instigar os alunos para a reflexão acerca da condição humana.

- Possibilitar a reflexão acerca das escolhas pessoais.

- Destacar a importância do tema proposto.

RECURSOS DIDÁTICOS:

Cartolinas; canetas; folhas sulfite; imagens de revistas diversas; fita

adesiva; multimídia; slides; vídeo; texto impresso, lousa e giz.

DESENVOLVIMENTO:

1ª ETAPA: SENSIBILIZAÇÃO

Os alunos foram recepcionados e conduzidos de modo que

escolhessem a partir de imagens recortadas e dispostas dentro de um cesto

sobre a mesa; na sequência acomodaram-se em seus lugares. O objetivo

desta dinâmica é sensibilizá-los a partir de suas escolhas. Após, fez-se uma

breve apresentação dos integrantes da oficina e do tema proposto.

Prosseguiu-se com a exposição selecionada do filme Thelma and Louise, cujo

tempo aproximado é de 5 minutos. Após, seguiu-se com breve explicação do

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Relatos de experiências... 199

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filme, destacando que os protagonistas depararam-se com escolhas, decisões

e consequências. Em seguida, foi exposto o conteúdo em questão (explicação

sobre o estatuto dos objetos, que possuem essência e, por isso, são

determinados) de modo a prepará-los para o próximo passo. A finalidade de

trabalhar com estes exemplos é mostrar como os objetos não possuem

liberdade, que estão fechados em si e que possuem uma essência que os

determina, isto é, mesmo que submetidos às transformações, permanecem sob

o estatuto de objetos ou de seres existentes em seus ambientes próprios.

2ª ETAPA: PROBLEMATIZAÇÃO

Após a sensibilização e exposição do tema, foram feitas as seguintes

questões com o intuito de levantar diferentes exposições, bem como distintas

questões entre os alunos: A partir das imagens que escolheram ao serem

recepcionados, vocês perceberam que a questão abordada referia-se às

escolhas? O que possibilita as escolhas? Somos responsáveis pelas mesmas?

Os objetos podem fazer escolhas? São livres? Quais as possibilidades dos

objetos? Pode-se afirmar que o modo como existem é de caráter determinado?

Para Sartre, o que determina um objeto? Quais as possibilidades do homem?

O homem é diferente dos objetos? De que modo caracteriza-se essa

diferença? O que é ser livre em termos sartrianos? As escolhas são

importantes no tocante à construção individual e coletiva?

3ª ETAPA: INVESTIGAÇÃO

Os materiais utilizados para a sensibilização serviram como ponto de

partida para um questionamento acerca do tema proposto. Foram utilizados

4parágrafos da obra O existencialismo é um humanismo de Jean-Paul Sartre,

na respectiva ordem: parágrafo 1 da pág. 18, parágrafo 2 da pág. 19, parágrafo

2 da pág. 21 e final da pág. 24. Os textos impressos foram enumerados

conforme a quantidade de grupos formados, neste caso, foram formados 4

grupos. Todos os alunos do grupo dispunham de uma cópia do mesmo texto.

Cada grupo trabalhou parágrafos distintos, por exemplo: o grupo 1 trabalhou o

parágrafo 1 da pág. 18; o grupo 2 trabalhou o parágrafo 2 da pág. 19; o grupo 3

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200 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR

trabalhou o parágrafo 2 da pág. 21; e o grupo 4 trabalhou o parágrafo final da

pág. 24. Cada grupo recebeu uma folha sulfite e caneta para anotar as

observações e as conclusões da leitura. Os grupos tiveram o tempo de 20 min.

para ler e discutir acerca do texto e dos conceitos em questão. Em seguida,

cada grupo escolheu um representante para apresentar a compreensão acerca

do texto. Os alunos expuseram suas posições e levantaram questões como o

esperado. A compreensão acerca do tema pode ser observada nas falas dos

alunos.

4ª ETAPA: FORMAÇÃO DE CONCEITOS

O primeiro momento da sensibilização foi realizado quando os alunos

foram recepcionados de modo a escolherem uma dentre as imagens

recortadas de revistas e dispostas em um cesto sobre a mesa. Após

escolherem as imagens, os alunos dirigiram-se aos seus lugares. Prosseguiu-

se com a apresentação dos integrantes da oficina e do tema em questão.

Apresentou-se, por meio de slides, a bibliografia de Jean-Paul Sartre e seus

conceitos a partir da obra O existencialismo é um humanismo. Seguiu-se com a

parte selecionada do filme Thelma and Louise e em seguida iniciou-se a

problematização em forma de questões acerca do filme, relacionando-o com o

cotidiano. Formou-se os grupos e os textos foram distribuídos para cada aluno.

Os alunos leram o texto e debateram entre eles para poderem formar uma

conclusão acerca dos conceitos. Os integrantes do grupo apresentaram os

conceitos em forma de questionamento, relacionando-os com o cotidiano,

correspondendo ao resultado esperado. Para finalizar, foi exposto outro vídeo

de 3 min. sobre os conceitos de Sartre e um breve diálogo sobre a

responsabilidade das escolhas no tocante ao cotidiano dos alunos, em seguida

foi realizada a avaliação da oficina pelos participantes e após, os alunos foram

conduzidos ao coffe break.

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Relatos de experiências... 201

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AVALIAÇÃO DA OFICINA:

A oficina atendeu aos resultados esperados. Os alunos participantes a

avaliaram de forma positiva. Houve um pequeno contratempo no momento de

apresentar o primeiro vídeo, pois o multimídia não conectava o aplicativo do

filme. Precisamos da ajuda de um dos alunos para fazer o ajuste. Ao que

parece, faltou, por parte dos integrantes da oficina, alguém com habilidades

para usar o multimídia. Mesmo assim, não houve prejuízo na aplicação da

oficina. A maioria das avaliações consideraram que deveria haver mais tempo

para as discussões entre os grupos, mais tempo para a oficina. Em relação ao

número de participantes, foram cerca de 55 e não houve dificuldades quanto à

organização dos grupos, pelo contrário, facilitou a discussão em torno dos

conceitos abordados. Nossas expectativas eram, de fato, bem diferentes

daquelas que se efetivaram no decorrer da oficina, mas, de modo positivo. O

número de participantes foi bem maior do que o previsto, mas, assim mesmo,

nos preparamos para um público com 60 participantes no tocante ao material

que seria utilizado, bem como um vídeo auxiliar, caso não completássemos o

tempo previsto. Consideramos, durante o planejamento da oficina, certos

imprevistos como o acima citado, portanto, não houve grande ansiedade em

torno da efetivação da oficina. Imprevistos acontecem, mas, pode-se, desde

que se tenha o domínio do conteúdo a ser abordado, improvisar os ajustes. Foi

uma experiência maravilhosa observar os alunos discutirem e se posicionarem

quanto ao conteúdo filosófico da oficina. Estávamos preparados para intervir e

realocá-los caso dispersassem ou não compreendessem devidamente, mas,

para nossa surpresa, não houve necessidade. Consideramos que os objetivos

da oficina foram atingidos e também que a oficina sendo aplicada a outro

público, poderá ser completamente diferente. Acreditamos que é importante,

neste processo, que ocorra a divulgação das oficinas e que o aluno tenha

liberdade de escolher de qual delas deseja participar.

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202 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE

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ANEXOS:

Figura 1: Recepção dos alunos e direcionamento à escolha das

imagens;

Figura 2: Alunos organizados para o início da próxima atividade.

Figura 3: Apresentação dos integrantes da oficina e do tema

proposto.

Figura 5: Apresentação conceitos que serão trabalhados

Figura 6: Apresentação do filme Thelma and Louise;

Figura 4: Apresentação de slides sobre a vida do filósofo Sartre.

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Relatos de experiências... 203

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

SARTRE, Jean-Paul. O Ser e o Nada. 13ª ed. Tradução de Paulo Perdigão, Petrópolis, RJ: Vozes, 2005. SARTRE, Jean-Paul. O Existencialismo é um Humanismo. 3ª ed. Tradução de João Batista Kreuch, Petrópolis, RJ: Vozes, 2014. THELMA AND LOUISE: https://www.youtube.com/watch?v=tnKnTqu3v2c 8 – Bit Fhilosofhy – EP5 Sartre (LegendadoPt)

Figura 7: Formação dos grupos para investigação

Figura 8: Discussão e apresentação dos conceitos

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Relatos de experiências... 205

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