anais - 1839 - livro 3 - transcrição · ficam sobre a mesa o primeiro e segundo parecer, e o...

408
SENADO IMPERAL ANNO DE 18 39 LIVRO 3 ANAIS DO SENADO Secretaria Especial de Editoração e Publicações - Subsecretaria de Anais do Senado Federal TRANSCRIÇÃO

Upload: doanhanh

Post on 27-Jan-2019

219 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

SENADO IMPERAL

ANNO DE 1839LIVRO 3

ANAIS DO SENADO

Secretaria Especial de Editorao e Publicaes - Subsecretaria de Anais do Senado Federal

TRANSCRIO

yuribeloCaixa de texto ANNAES DO SENADO DO IMPERIO DO BRAZIL

ANNAES DO SENADO

DO

IMPERIO DO BRAZIL

SEGUNDA SESSO DA PRIMEIRA LEGISLATURA

DE

29 DE JULHO A 6 DE SETEMBRO DE 1839

TOMO TERCEIRO

RIO DE JANEIRO

1913

SENADO 62 SESSO EM 29 DE JULHODE 1839.

Expediente Leitura de pareceres. Proseguimento da segunda discusso do projecto que interpreta alguns artigos do Acto Addicional.

PRESIDENCIA DO SR. ANTONIO FEIJ. Reunido numero sufficiente de Srs. senadores,

passa-se a trabalhar nas commisses. Ao meio dia, aberta a sesso, l-se e approva-

se a acta da anterior. So lidos os seguintes:

PARECERES 1 A commisso de constituio e diplomacia

examinou o requerimento de Joo Diogo Sturz, cidado bavaro, residente nesta cidade, pela certido annexa mostra haver declarado perante a camara municipal desta cidade, em observancia do art. 3 da lei de 23 de Outubro de 1832, que professa a religio protestante, e que pretende fixar sua residencia no Brasil; e bem que no haja ainda decorrido os quatro annos depois da dita declarao, achando-se j dispensado esse periodo na Camara dos Deputados; a commisso de parecer que o projecto de resoluo vindo daquella camara, entre em discusso.

Pao do Senado, 27 de Julho de 1839. Visconde de S. Leopoldo. Vasconcellos.

2 A commisso de constituio e diplomacia vio o requerimento de Joo Hutchens, natural de Inglaterra, no qual allega, que residindo na provincia da Bahia desde 31 de Agosto de 1830, na proxima passada sedio na capital della, lhe fra confiado pela autoridade legitima o commando de uma canhoneira; pela certido annexa mostra haver declarado perante a camara municipal da mesma cidade, em observancia do artigo 3 da lei de 23 de Outubro de 1832, que professa a religio protestante, e que pretende fixar sua residencia no Brasil; e bem que no haja ainda decorridos os quatro annos depois da dita declarao achando-se j dispensado esse periodo na Camara dos Deputados; a commisso de parecer que o projecto de resoluo vindo da dita Camara, entre em discusso.

Pao do Senado, 29 de Julho de 1839. Visconde de S. Leopoldo. Vasconcellos.

3 A commisso de commercio pensa como a de fazenda, que no so as loterias o favor com que se deve proteger a industria nascente, e que, para qualquer concesso, devem preceder exames circumstanciados; entendendo, porm, ser outra a opinio pratica do Senado, no se occupar em dar maior desenvolvimento neste sentido a negocio j adiantado, que vai entrar em terceira discusso: limita-se, portanto, a fazer algumas observaes especiaes sobre cada um dos objectos do projecto de resoluo que se discute:

4 Sesso de 29 de Julho 1 O projecto concede a Andr Gaillard oito

loterias para a conservao e melhoramento da sua fabrica de papel. A commisso reconhece que esta fabrica digna de favor, mas exuberante lhe parece o producto de oito loterias, que devem dar a somma de oitenta contos liquidos, quantia que seria de sobra para levantar a fabrica de novo; e parece-lhe que bem aquinhoada ficar com quatro loterias.

2 O mesmo tem a dizer a respeito da fabrica de gales e sedas de Fructuoso Luiz da Motta, a favor de quem passou na segunda discusso uma emenda concedendo igual favor.

3 Zeferino Ferrez apresenta-se em iguaes circumstancias s de Gaillard, com amostra do soffrivel papel por elle fabricado de differentes plantas indigenas, e por isso a commisso entende que no deve ser tratado com menos favor.

4 Muito differentes so as circumstancias de Joaquim Jos da Silva, a quem, no art. 7 do projecto, se concede igual favor. So diversas as circumstancias, porque j lhe concederam loterias sem onus algum, que, segundo a conta por elle apresentada, deviam render liquidamente cento e oito contos, o qual lucro se reduzira a cincoenta e tres contos e oitocentos mil ris, por no haver vendido todos os bilhetes. Parece commisso que, se a fabrica houvesse sido bem emprehendida e bem dirigida, teria chegado a completo andamento, depois de soccorrida pelo governo com to generosa e gratuita dotao, sendo ao mesmo tempo sustentada por opulentos capitalistas, que se retiraram por lhes fallecer a esperana de bom resultado. Que esperana, pois pde ter o governo para arriscar novos sacrificios, que, applicados a outros objectos, podem dar melhores resultados?

5 Ainda apparece outro pretendente de igual beneficio, sobre o que a commisso de commercio se conforma com a de fazenda.

Em vista do exposto a commisso offerece as seguintes emendas:

1

No art. 1, em lugar de 8 diga-se 4 e

modifique-se este e os seguintes artigos neste sentido.

2 Supprima-se o art. 7.

3 Igual favor seja concedido fabrica de papel

de Zeferino Ferrez. Pao do Senado, 29 de Julho de 1839.

Nicolau Pereira de Campos Vergueiro. Marquez de Maric. Conde de Valena.

Ficam sobre a mesa o primeiro e segundo parecer, e o terceiro vai a imprimir.

L-se o seguinte:

REQUERIMENTO Requeiro que se pea ao governo informaes

sobre os artigos seguintes:

1 artigo 1 Em quanto est ou foi avaliado o vinculo

de Jaguar. 2 De quantas fazendas se compe o

mesmo vinculo; o nome de cada uma, sua extenso, assim como o numero de escravos e cabeas de gado.

2 artigo

1 Quantas fazendas nacionaes ha na

provincia do Piauhy. 2 Qual a extenso de cada uma das

fazendas, e quantos escravos e cabeas de gado existem em cada uma.

Pao do Senado, 29 de Julho de 1839. Marquez de Barbacena.

O SR. MELLO E MATTOS: O nobre senador que apresentou o requerimento ter a bondade de me dizer se o que nelle exige relativo ao projecto que foi affecto commisso, acerca da dotao da serenissima princeza imperial.

O SR. MARQUEZ DE BARBACENA: E. O SR. MELLO E MATTOS: Se sobre um

negocio de tanta magnitude e de politica da primeira ordem, desejo, por isso mesmo, que tenha aquelle caracter o andamento que deve

Sesso de 29 de Julho 5

ter. Eu ouvi ao nobre senador que estas informaes no embaraavam o andamento dos trabalhos da commisso e a sua discusso; se assim , eu o estimo muito, e rogo ao nobre senador que concorra para que quanto antes a commisso apresente o seu parecer, porque um objecto sobre que devemos ter os olhos muito fitos: o nobre senador no pde deixar de reconhecer a considerao que merece um negocio que nos foi recommendado pela cora.

O SR. OLIVEIRA: Pedi a palavra para fazer uma observao sobre o requerimento, e dar algumas informaes sobre a materia de que elle trata. Creio que o governo no pde responder de prompto; preciso que elle espere as informaes do presidente da provincia do Piauhy, o que exige muita demora.

O que sei a este respeito que essas fazendas eram 36, todas de gado em sua origem; depois, tres ou quatro foram dadas pelo rei D. Jos a officiaes pobres, com a condio de nunca passarem a collateraes, e dessas j uma ou duas fazendas, por falta de descendentes, reverteram para a cora.

Ultimamente, eram trinta e tres, tocando dez a cada inspeco, as quaes so tres: a de Lannicod, onde todas as fazendas so boas; a de Nazareth, onde a maior parte dellas boa; e a do Piauhy, que est no mesmo caso. O numero dos escravos chegam a novecentos e tantos, mas a maior parte delles j alli no existe; creio que tm vindo para o Rio de Janeiro cento e tantos, que se acham na fabrica de polvora da Estrella e no Jardim Botanico. Todos sabem que essas fazendas so muito extensas, pois comprehendem todos os pastos que o gado percorre; porm no ha tombo da demarcao dessas terras pelo qual se possa fazer a sua avaliao. Se eu revolvesse papeis antigos que tenho talvez a poderia fazer.

Quando em outro tempo se tentou fazer a arrematao dessas fazendas, eu no concordei nisso, porque no se dava valor nenhum s terras, e s se tratava das cabeas de gado que cada fazenda tinha; observando, porm, que isto nada valia, e que a nao se desapropriava de uma cousa que para o futuro viria a ter grande valor, no concordei na arrematao.

O Sr. Marquez de Barbacena declara que a commisso est penetrada dos sentimentos do nobre senador que fallou em primeiro lugar, e hoje toda a manh se dedicou ao exame da materia do projecto. Se o projecto tivesse, ao menos, sido sujeito ao exame de uma s commisso, talvez ella j tivesse apresentado o seu trabalho; porm, estando elle affecto a duas commisses, difficil essa brevidade, porque raras vezes ellas se reunem ao mesmo tempo.

O Sr. Costa Ferreira lembra que seria conveniente que se exigissem iguaes informaes a respeito de outros proprios que ha na provincia do Maranho.

O Sr. Marquez de Barbacena manda mesa o seguinte additamento:

Que iguaes informaes s do art. 2 se peam sobre as fazendas nacionaes existentes no Maranho.

O Sr. Mello e Mattos insiste em que as commisses dm quanto antes o seu parecer sobre o projecto, visto serem as informaes objecto de materia secundaria; e o decoro do Senado, como camara mais propria para tratar deste negocio, exige que delle se trate promptamente.

O requerimento e additamento so approvados.

Na ordem do dia contina a segunda discusso, adiada pela hora na ultima sesso, do art. 1 do projecto de lei, vindo da Camara dos Srs. Deputados, que interpreta alguns artigos do Acto Addicional, conjunctamente com as emendas dos Srs. Marquez de Barbacena, Alves Branco e Vergueiro, apoiadas em anteriores sesses.

O SR. MELLO E SOUZA: Pedi a palavra Sr. Presidente, para dizer ainda alguma cousa sobre a intelligencia que se pretende dar palavra policia Disse-se que a policia que compete s camaras municipaes a policia administrativa smente e no a judiciaria. Explicou-se que policia administrativa era a preveno dos crimes, e judiciaria a pesquiza dos crimes existentes, a apprehenso dos ros, e o ajuntamento das provas do crime que se entregavam autoridade judiciaria, afim de

6 Sesso de 29 de Julho

ser processado o ro. Esta intelligencia de policia na verdade muito restricta para poder applicar-se policia municipal que compete s camaras; affirma-se que a estas s compete prevenir os crimes, prival-as da faculdade de fazer posturas sobre outros muitos objectos policiaes, que a lei do 1 de Outubro de 1828 lhes concedeu; digo que uma especie de policia que pde denominar-se criminal, visto que o nosso codigo criminal entende por crime tambem o delicto e a contraveno: ajuntar-se s palavras policia administrativa a palavra smente ainda mais confirma a restrico que pretende fazer-se. Quem examinar a lei do 1 de Outubro, nos arts. de ns. 66 a 73, claramente conhece os muitos e variados objectos a que pde applicar-se a faculdade de fazer as posturas municipaes, objectos civeis e crimes, e por isso reduzil-a s preveno dos crimes, no pde fazer-se sem absurdo de limitar o determinado pela citada lei, quando se intenta s interpretar. Eu penso por differente modo, e entendo que policia se toma em sentido lato e geral pelo exercicio da autoridade que executa regularmente, e pelos quaes se ligam todos os cidados por utilidade commum. Estes regulamentos, ou so determinados por lei, ou por alguma autoridade a quem se confere a de os fazer executar; assim se v na lei de 1 de Outubro de 1828, nos artigos at 65, ordenar-se o modo por que as camaras municipaes administram os bens do municipio, e a sua economia pelas regras ahi estabelecidas; e nos artigos 66 e seguintes se lhes faculta fazer as posturas policiaes, pelas quaes se ho de dirigir muitos outros objectos policiaes civeis, e ainda crimes. Estes regulamentos podem ser geraes, que comprehendem ou dizem relao ao total de um estado, ou a uma parte ou partes delle, e dahi vem que a policia pde ser geral de um estado, ou de municipio, ou de provincia.

Os principaes objectos que podem regular-se pela policia se reduzem a sete por alguns escriptores, taes so estradas, aguas, trabalhos publicos, minas, exercicio de industria, saude publica e ordem publica. Cada um destes objectos admitte muitas subdivises, v. g., o da ordem publica, que, alm de outras, comprehende a segurana e tranquillidade

publica, a propriedade, segurana e liberdade individual, e debaixo desta considerao, a preveno dos crimes, a represso e castigo delles. E como os objectos declarados e suas subdivises podem tocar ao geral de um Estado, ou s a uma provincia, ou a um municipio, dahi segue-se que a policia pde ser ou geral do Estado, ou provincial, ou municipal; e o mesmo objecto pde considerar-se por differentes relaes pertencentes a qualquer das divises da policia dita. Isto bem se conhece da nossa legislao existente, e qualquer reflexo a demonstra: v. g., as estradas so objectos das posturas policiaes do municipio, lei do 1 de Outubro de 1828; e pelo art. 10 8 podem ser da competencia das Assemblas provinciaes, quando no pertenam administrao geral do Estado. Igualmente se v a respeito da instruco publica, que sujeita inspeco das camaras municipaes, pelo art. 70 da lei do 1 de Outubro: sobre ella podem legislar as assemblas provinciaes pelo art. 10 2 do Acto Addicional, no sendo sobre academias, cursos juridicos, faculdades de medicina, e outros que se crearam por leis geraes. Outros objectos ha que, sendo sujeitos policia geral, no esto sujeitos policia provincial ou municipal, como as minas, as mattas incultas e outros, e por isso creio que, no podendo, a respeito de taes objectos, as posturas policiaes ou assemblas provinciaes determinar cousa alguma, ficam pertencendo privativamente administrao e poder geral. Estes so os meus sentimentos a respeito da policia em geral, e da particular das provincias e das municipalidades.

Conhecida a significao da palavra policia em sentido mais amplo em que eu a considero, parece-me que, applicada ao artigo em discusso, tira toda a ambiguidade que possa deduzir-se da palavra policia do 4 do art. 10, do Acto Addicional; e a intelligencia, em sentido stricto, ou pela preveno dos crimes, no pde, sem absurdo, applicar-se ao dito paragrapho, porque no comprehende toda a policia que compete s camaras municipaes, nem s assemblas provinciaes. Como se acham na mesa algumas emendas ao art. 1 em discusso, eu offereo mais uma, no sentido em que eu entendo a

Sesso de 29 de Julho 7

palavra policia e com ella penso ficaro desvanecidas as duvidas, que possam deduzir-se da mesma palavra, conservando-se s municipalidades e s provincias as attribuies que lhes foram conferidas, sem prejuizo da policia geral do Imperio.

Vem mesa e apoiada esta:

EMENDA Ao art. 1 substitutiva. A palavra policia do

art. 10 4, do Acto Addicional, comprehende a policia municipal, precedendo proposta da respectiva camara, na frma da lei do 1 de Outubro de 1828, e a policia provincial sobre os objectos da competencia das assemblas provinciaes declaradas no Acto Addicional de 12 de Agosto de 1834; mas no comprehende a policia geral do Imperio, determinada por leis geraes existentes, e que para o futuro se decretarem. Sala do Senado, 29 de Julho de 1839. Salva a redaco. Mello e Souza.

O SR. ALENCAR: Sr. Presidente, quando deu a hora na sesso de sabbado, estava respondendo alguns argumentos de um nobre senador que tem tomado a peito o combater-me, e se tem tornado meu acerrimo antagonista, o que deixei de continuar a fazer, porque elle se tinha retirado da sala; porm, estando agora presente, vejo-me obrigado a continuar o meu discurso, e responder a alguns de seus argumentos, posto que eu reconhea que elles no foram apresentados a proposito da materia, mas smente applicados ao fim de me incommodar.

Eu tinha ento feito ver que havia uma ida falsa, quando o nobre senador avanou que ns, os senadores que combatiamos o artigo, tinhamos dito que o Rio de Janeiro queria centralisar o Brasil. Ninguem emittio tal proposio: o que se disse foi que se queria a centralisao, mas no se disse que isso o queria o Rio de Janeiro; e quem se deve suppr que quer a centralisao quem quer que passe o projecto no sentido em que elle est concebido, afim de passar outros que j se tm apresentado, e que tendem ao mesmo fim; e at, felizmente para o Rio de Janeiro, os que apresentaram esse projectos no so filhos do Rio de Janeiro; e quando do nosso

lado appareceu essa expresso no foi com o intuito de atacar ao Rio de Janeiro; ao nobre senador que faz conta inculcar-nos como querendo isso fazer; quem quer a centralisao, j eu o disse, so os que aspiram os postos e a governana, porque querem ter bastante clientela e muitos pretendentes que delles dependam para conseguirem empregos.

Disse mais o nobre senador (referindo-se aos do seu lado): Ns queremos ordenar as cousas; e, interpretando o Acto Addicional, no queremos a anarchia nem as desordens. Ora, bem se v que estas expresses so bastantemente pesadas; o que isto quer dizer que aquelles que combatem o projecto querem isso que o nobre senador diz que no querem aquelles que o defendem; o nobre senador, porm, dever-se-hia convencer da injustia que nos faz, e ns bem poderiamos retorquir ao nobre senador, empregando para com o seu lado essas mesmas expresses, porque ns poderiamos dizer que quem quer a anarchia e a desordem so aquelles que, com a capa da interpretao, querem estabelecer um systema novo, que por um lado tira s assemblas provinciaes o que realmente lhes concede o Acto Addicional, e por outro tende a levar o Brasil ao governo puramente federativo, como eu j mostrei; e por isso que eu disse em outra occasio que o nobre senador era muito federalista.

Sim, eu o repito, logo que as assemblas provinciaes no podem em suas leis marcar novas attribuies e deveres s autoridades creadas por leis geraes, de necessidade so as autoridades proprias para o desempenho das attribuies que lhes so marcadas, e daqui vem que foram seus presidentes e seus empregados judiciarios; mas no de certo isto que o Acto Addicional quer, e sim o que se segue dos principios dos nobres Senadores protectores do projecto. Diz o nobre senador que os reformadores da Constituio confundiram os poderes: eu cuido que, se aqui ha alguma falta, cabe bem ao nobre senador, porque foi um dos autores das reformas; mas eu quero nesta occasio tomar a sua defeza. Os reformadores fizeram o que deviam, pois a Constituio s tinha estabelecido o elemento federativo no poder legislativo, deixando os outros poderes unitarios, e foi isto o

8 Sesso de 29 de Julho

que se fez com a reforma, deu-se mais expanso ao poder legislativo das provincias; mas o poder executivo e o poder judiciario ficaram unitarios, como a Constituio os creou; portanto, as assemblas provinciaes ho de fazer leis que sejam executadas pelas mesmas autoridades que executam as leis geraes. Se agora se acha que isto no convm, ento reforme-se novamente a Constituio; mas no se queira, com o p de interpretao, estabelecer um systema que no est marcado na Constituio, nem no Acto Addicional. Nos Estados Unidos, eu j mostrei que na Unio ha empregados geraes para o exercicio de todos os tres poderes, assim como os ha em cada um Estado, que inteiramente independente; mas entre ns no pde isto ter lugar: os mesmos juizes, os mesmos presidentes servem para exercer funces geraes e provinciaes, por isso que no poder judiciario e executivo somos unitarios, e os presidentes nas provincias so uma parte do poder executivo central. E nem diga o nobre senador que o governo central fica sem nomear os empregados que devem exercer as funces geraes, porque o presidente que os nomeia na provincia seu delegado, e quem obra qualquer cousa pelo intermedio de outro o mesmo que obrar por si; isto um axioma de direito.

Nos Estados Unidos, porm, onde o presidente de cada Estado no delegado do governo central, repugnante seria que nomeasse os empregados geraes. Disse o nobre senador mais: No se quer que o poder geral tenha quem execute as suas ordens.

Isto so proposies que o nobre senador levanta para ter o gosto de as combater, porque o poder executivo geral nomeia directamente os empregados de mais alta categoria, como os presidentes de provincia, commandantes de armas, chefes de fazenda, etc.. e d a faculdade aos seus delegados (os presidentes de provincia) para nomearem os outros empregados subalternos, o que o mesmo que se fossem nomeados por elle.

O nobre senador procurou fazer recahir a odiosidade dos magistrados sobre a minha pessoa, dizendo que eu havia dito que o projecto era smente favoravel classe dos magistrados: ninguem disse tal, e eu referirei o

que se disse quando se principiou a discutir este artigo. O Sr. Lopes Gama havia dito que este projecto era muito popular, porque tinha tido na outra camara 56 votos a seu favor, e que a mr parte delles era de deputados do norte; e eu ento respondi que por essa grande votao no se concluia evidentemente que o projecto fosse desejado pela nao, pois 43 dos votantes eram de uma s classe; e como o projecto na sua maior parte tendia a favorecer essa classe, poder-se-ha dizer que o projecto s era desejado por essa classe, e no pela nao.

Mas o nobre senador no cessa de aproveitar-se dessa minha assero, fazendo della o seu forte cavallo de batalha para trazer sobre mim a odiosidade dessa classe, e nisto mesmo cuido que perder o seu tempo, porque minha expresso no pde ser tomada como demonstrativa de desaffeio classe; ella foi empregada em frma de argumentao para contrariar a apregoada popularidade do projecto, e creio que isto que disse sobre a votao deste projecto se poderia dizer de qualquer outro que tendesse directamente a favorecer uma classe qualquer da sociedade; por exemplo, se se tratasse de um projecto que isentasse o commercio de pagar certos direitos na alfandega, no se poderia dizer, sem offender a classe dos negociantes, que esse projecto era desejado por elles, porque os favorecia directamente? Tambem se diria que o projecto era bom geralmente para a nao, visto que, protegendo-se o commercio, favorece-se em geral a nao; mas no se poderia negar que o bem direito era aos negociantes; assim tambem agora diz-se que o projecto em questo favorece a nao, por isso que so os magistrados mais independentes para melhormente administrarem justia ao povo; bem, mas nem por isso se segue que o projecto no favorea immediatamente os magistrados, e por isso se pde bem dizer, sem os offender, que elles mais do que ninguem o desejam.

Se isto assim, para que se traz a odiosidade sobre quem enuncia uma proposio sem o fim de atacar uma classe? E ento avana-se logo: essa classe suspeita. Ninguem disse tal, o nobre senador que s vezes,

Sesso de 29 de Julho 9

para poder fazer recahir a odiosidade sobre os outros, na falta de argumentos, lana mo dessas proposies.

Sr. Presidente, eu desejo s arredar de mim a lana com que o nobre senador me quer ferir nesta parte; e se eu quizesse fazel-a voltar contra elle, mui facilmente o poderia dizer ao nobre senador que mais a odiosidade dessa classe merece quem no principio de sua carreira politica fez da classe da magistratura o objecto de suas declamaes, que adquirio celebridades gritando todos os dias contra ella, dizendo que era ella a menina dos seus olhos, etc., etc. Odiosidade poderia merecer quem no tempo em que era Ministro da Justia deixou uns poucos de magistrados, que por ahi andam, sem seus lugares, que, sendo vitalicios, o ministro lhes tirou delles sem necessitar de sentena, como exige a Constituio...

O SR. VASCONCELLOS: E falsissimo. O SR. ALENCAR: E uma prova disso que

agora na Camara dos Deputados se tem discutido um parecer acerca desse objecto relativo ao Dr. Moreira Guerra. A outra prova o Dr. Manoel Jos de Araujo Franco, magistrado antigo, juiz de fra no Cear em 1825, ouvidor por duas vezes no Par e Sergipe, e por fim sem lugar, graas s remoes justas do Sr. ex-Ministro da Justia Vasconcellos! Outros exemplares podiam mostrar. Odiosidades dessa classe mereceria quem quer estabelecer um systema pelo qual, se por um lado parece dar-se-lhe alguma independencia do povo, pelo outro se pe na inteira dependencia do ministro, que a cada instante lhe pde tirar os lugares com uma remoo, por exemplo, do Rio Grande para o Rio Negro, do Rio de Janeiro para Matto Grosso, etc.; e, no contente com j ter-se debaixo de dependencia os juizes de direito, quer-se fazer o mesmo com os bachareis que forem juizes municipaes e de orphos, conforme os projectos de reforma aos codigos, que j foram apresentados. Odiosidade dessa classe mereceria quem fez o projecto da reforma da Constituio, que dava s assemblas provinciaes no s a attribuio de suspender e demittir os magistrados, mas at de lhes impr a terrivel pena de inhabilidade perpetua para nunca mais servirem. E sim contra esse que

deve recahir a odiosidade dessa classe, a quem se quer fazer escrava do poder e instrumento cego de seus caprichos, sob pena de se lhes tirar os lugares, como acabo de explicar.

Disse o nobre senador: Querem que os magistrados fiquem discrio de sete ou oito membros da assemblas provinciaes. Eu concedo que isto seja mo, porm quem foi o autor dessa disposio? Quem at queria que esses sete ou oito homens impuzessem a pena de inhabilidade perpetua aos magistrados? Foi o nobre senador que agora quer fazer recahir sobre mim a odiosidade dessa classe, quando eu nenhuma parte tive em semelhante disposio, mas que agora julgo que ella no pde ser tirada do Acto Addicional pelo meio da interpretao, e sim por meio de sua reforma, que s pde ser feita pelos tramites marcados na Constituio. Est visto, Sr. Presidente, que, quando o nobre senador trouxe aqui todas estas proposies destacadas e inexactas acerca da classe da magistratura, no teve em vista seno chamar a odiosidade desta classe sobre mim; porm parece que elle, e no eu, tem dado motivos para a merecer.

O nobre senador ultimamente ainda veio trazer os negocios de 1817 e 1824: elles no vinham nada para a discusso, mas emfim era necessario trazer odiosidades minha pessoa, talvez por uma especie de vingana, porque, como eu tenho trazido para a discusso algumas opinies do nobre senador, apresentadas em certos tempos, o nobre senador quiz por vingana trazer estes acontecimentos de 1817 e 1824; porm, quando eu vou buscar as opinies do nobre Senador, no para lhe fazer injuria, no para ter o maligno gosto de lhe mostrar que inconsequente, e menos fazer odiosa sua pessoa; porque, sustentando eu opinies que o nobre Senador, sustentou em outro tempo, desconfiando dos meus talentos para as corroborar, vou buscar as opinies do nobre senador para apoiar as minhas: por exemplo, trata-se do Acto Addicional, eu estou persuadido que a titulo de interpretao quer-se reformar o Acto Addicional, eu o quero sustentar, e o que fao? Vou buscar a opinio do nobre senador, que foi membro da commisso que o apresentou, e que teve parte activa na confeco desse acto: se hei de buscar a opinio

10 Sesso de 29 de Julho

de outros, vou buscar a opinio do Sr. deputado Bernardo Pereira de Vasconcellos, para combater a opinio do Sr. senador Bernardo Pereira de Vasconcellos; isto no injuriar ao nobre senador: mas agora, a que veio o nobre senador trazer as idas de 17 e 24 para a discusso? Qual a materia que se trata agora aqui, que o nobre senador quer provar com as minhas opinies em 17 e 24? Qual o discurso que fiz nesse tempo, as idas que ento apresentei, que o nobre senador quer aproveitar para sustentar sua opinio? Logo, seu unico fim era atacar a minha pessoa por vingana, talvez cuidando pintar-me inconsequente como eu me tenho visto em necessidade de pintar o nobre senador; porm, nisso mesmo o nobre senador se mostra injusto, porque eu tive necessidade de mostrar a sua inconsequencia para apoiar a minha opinio, e o nobre senador no teve essa necessidade, e, alm disso, no conseguio provar inconsequencia alguma da minha parte. Em 1817 e 1824, e em toda a minha vida publica, tenho professado idas favoraveis liberdade de meu paiz; hoje nutro as mesmas idas, porque reputo a monarchia representativa como mais uma garantia para se manter a liberdade no Brasil: agora, o caso do nobre senador muito differente. A monarchia existia quando o nobre senador em 1834 quiz o Acto Addicional; hoje quer com a interpretao anniquilal-o, e eis o que se pde chamar inconsequencia; mas, comtudo, eu repito, no trago isto para ter o gosto de dizer que o nobre senador inconsequente, e sim pela necessidade de sustentar minhas opinies a favor da conservao do Acto Addicional.

O nobre senador destacou do meu discurso algumas palavras, leu um pedao que aqui vem sobre as posturas da camara de So Joo dEl-Rei, e disse: Que tem que uma camara abuse? Peo-lhe que no fuja do meu argumento. Eu no me havia de levar pelas posturas de uma camara, e se fallei nestas porque ellas foram mandadas fazer pelo nobre senador e approvadas por elle: como eu tinha necessidade de mostrar que na policia das camaras municipaes tratava-se de policia judiciaria, por isso trouxe a opinio de nobre senador que sustentou que as camaras podiam tratar de policia judiciaria.

Ora, eu ainda digo outra cousa, e estou persuadido que a camara de S. Joo dEl-Rei no podia estabelecer posturas to amplas sobre policia judiciaria; mas eu trouxe-as, no como opinio da camara de S. Joo dEl-Rei, e sim como opinio do Sr. vice-presidente de Minas, Bernardo Pereira de Vasconcellos, para com ella combater ainda as novas opinies do Sr. senador Vasconcellos.

O nobre senador nada me perda e tudo lhe serve, na falta de razes, para combater-me, e at um murro que dei na mesa lhe servio de argumento e para exclamar: Quebrou a mesa com seu punho forte e aterrou-me, etc. Ora, para no dar argumentos destes ao nobre senador, estou at resolvido a pedir a V. Ex. (dirigindo-se ao Sr. Presidente) licena para fallar em lugar que no tenha mesa, principalmente em discusses calorosas, porque pde nellas escapulir-me dar sobre ella algum murro; por ora devo dizer ao nobre senador que a mesa est tal qual e no est quebrada (risadas), e se eu gostasse de lanar mo de argumentos taes, diria que o nobre senador quando lhe parece enche as bochechas, muda o som da voz, faz mil tregeitos com os braos, e falla por ironia, gritando: Querem isto, querem aquillo, etc.! E assim tambem quer aterrar aos seus adversarios politicos.

Admirou-se o nobre senador que aqui se quizesse as assemblas provinciaes administrassem a policia respectiva das provincias, e que no se quizesse que a Assembla Geral tratasse disso; que, sendo este um objecto de muita considerao, no se devia deixar s assemblas provinciaes. Sr. Presidente, muita cousa se podia dizer a este respeito: em primeiro lugar, ns no estamos constituindo a nao, estamos interpretando o Acto Addicional; e se este deu esta faculdade s assemblas provinciaes, no ha remedio seno estar por isso, se se quer reformar o Acto Addicional; porm, aqui cabe dizer-se: Mais vale o tolo no seu do que o avisado no alheio.

A Assembla Geral, occupada com o todo da nao, talvez no seja a mais propria para se occupar dos negocios muito peculiares das provincias: quem suppe que ns no podemos ter policia do Brasil seno estabelecendo-se um codigo como o da Frana pde assim

Sesso de 29 de Julho 11

pensar, mas eu cuido que nem essa a indole do nosso governo, nem isso que quizeram a Constituio e o Acto Addicional; o que eu cuido que o Acto Addicional quiz mesmo que essas pequenas cousas policiaes fossem feitas nas provincias: poder ser erro meu, porm a lettra da Constituio e do Acto Addicional o dizem, e as intelligencias que se tm querido dar por este primeiro artigo do projecto todas vo em opposio mente do legislador de 1834. Eu digo que os legisladores de 34 tiveram em vista esta idea; os deputados provinciaes podem conhecer melhor aquillo que convm (nessas pequenas cousas) s suas respectivas provincias, do que um senador ou deputado collocado na crte, e que muitas vezes no tem viajado todo o Brasil; pde um senador ou deputado saber o que bom, por exemplo, para o Rio de Janeiro, Bahia e outra provincia onde tenha viajado; porm pde no saber de outras, e os deputados provinciaes residentes alli, relacionados, com familia, etc., podem saber o que mais convm aos interesses peculiares das suas provincias.

Se uma ou outra assembla provincial tem tratado de cousas civeis, um abuso que no vem para este artigo nem para nenhum dos que o projecto interpreta; so abusos para os quaes no temos remedio seno estarmos alerta para abolir a lei provincial que os commetteu, porque no ha duvida que o Acto Addicional pde ter cousas que dm lugar a esses abusos. Supponhamos que se interpreta este artigo e que as assemblas provinciaes dizem: No obstante esta interpretao, ns vamos fazendo isto. Logo, para que a interpretao? O remedio est no art. 2 do Acto Addicional, porque, fixo como se fixar, no estamos fra que uma lei provincial aberre, e ento que remedio ha seno abolir essa lei provincial? Assim vamos matar o mal immediatamente. Portanto, parece que, ainda por todos estes principios, o primeiro artigo do projecto em discusso desnecessario, se que elle no ultrapassa os limites da interpretao.

Por ora no me occorre mais nada, e torno a repetir, o fim por que quiz fallar agora (principalmente depois que veio para a sala o nobre senador que trouxe para a discusso cousas que no vinham para ella)

dizer que eu tive desejos de offendel-o quando mostrei a sua inconsequencia; tive necessidade de apadrinhar as minhas opinies com as do nobre senador, emittidas em outro tempo, e o nobre senador no teve necessidade, para sustentar as suas opinies, de buscar as minhas desgraas de 17 e 24, nem com isso mostrou incoherencia da minha parte: logo, o nobre senador foi injusto commigo.

O SR. A. ALBUQUERQUE: Eu no sei como se pde argumentar com quem cerra os ouvidos, e no quer dar quartel razo; perder o tempo e malhar em ferro frio: mas os nobres senadores tm querido ensinar aqui as cousas mais triviaes do mundo Digo que querem ensinar! Oxal que o quizessem. Querem fazer crer que a significao da palavra policia a que elles tm na sua cabea; dizem que entendem perfeitamente o que policia judiciaria, mas no querem fazer a caridade de se exprimirem de maneira que os outros entendam; querem guardar o seu segredo, contentam-se em dizer: policia no isso que sempre significou, como os diccionarios dizem; policia antiga no sentir delles, uma cousa, e policia moderna outra cousa! Ora, isto para mim uma descoberta, de maneira que a significao da palavra que tem sua origem fixa e invariavel como as modas! Policia sempre significou regimen de governo, e ha de sempre significar o mesmo, ou os nobres senadores queiram, ou no queiram.

Mas dizem os nobres senadores: No, no isso! deixemos c esses diccionaristas que no sabem o que dizem.

Nem ao menos os nobres senadores querem ter a paciencia de consultar os diccionarios modernos: nelles vem a significao de policia que governo que pde ser domestico, do paiz, etc.; mas tudo governo. E que cousa policia judiciaria? No se explica; dizem que pela palavra policia no se entende o que sempre se entendeu.

Dizem os nobres senadores que a definio de Paschoal Jos de Mello no boa; nem ao menos dizem o que policia de Paschoal Jos de Mello, para o Senado saber se boa ou no.

12 Sesso de 29 de Julho Disse-se que Paschoal Jos de Mello queria

que a policia fosse exercitada promiscuamente: ora, com effeito, isto uma descoberta tambem; entende-se por policia o que Paschoal Jos de Mello diz a respeito da attribuio cumulativa, exercitada por differentes magistrados. Ora, a definio de Paschoal no boa; mas no se diz qual essa definio, refere-se unicamente o que elle diz sobre o numero dos empregados que exercitam essa policia; um modo novo de definir as cousas. Portanto, estando ns nesta confuso, como podemos marchar?

Dizem: Policia isto que eu entendo, mas que no quero explicar; no aquillo que sempre se entendeu, isto , governo e regimen relativo communidade e segurana dos povos, outra cousa. Mas que cousa essa que no querem explicar?

Depois, passa-se a confundir cousas que no tm nada com o processo; confunde-se o instrumento, a pessoa que se serve desse instrumento, chama-se tudo processo; eis aqui o nosso codigo do processo que o que menos tm de processo. Processo o mesmo que individuo; tudo processo! Eis como ns andamos: confunde-se tudo de maneira que no possivel que alguem entenda; mas isto mesmo que bom, porque, no entendendo ninguem destas cousas, o governo tem na sua mo fazer o que lhe parecer. Quer-se que o governo diga ao presidente de tal provincia: Obre desta maneira; quero que a policia de Minas seja esta, a de Pernambuco seja esta outra! No se quer que as palavras signifiquem aquillo que ellas realmente significam. Felizmente estes termos das sciencias ainda no esto no caso de outros; nem se lhes pde applicar a maxima de Horacio:

................... Si volet usus, Quem penes arbitrium est, et jus et norma

loquendi. Tem sua origem certa e sua significao

invarivel; agora o que tem estender-se a outras muitas cousas, mas nunca se diz que o preto quer dizer branco. Poder-se-ha muito

bem dizer, com estes termos vulgares que se usam, por exemplo, que Bernarda uma desordem, ainda que em outro tempo Bernarda era unicamente nome de mulher; mas a respeito aos termos da sciencia ainda no chegou essa moda.

Como o nobre senador disse que essas definies so muito antigas, eu desejava que elle me dissesse de quando datam as definies modernas. Paschoal Jos de Mello era um pobre homem, no sabia nada! Policia moderna outra cousa!

Recorra, porm, o nobre senador aos diccionarios modernos, e veja-se a palavra policia no significa o mesmo que significou ha duzentos ou quinhentos annos; mas, entretanto, estamos envolvidos nesta questo que em si no presta para nada, estamos embaraados ha uns poucos de dias sem podermos caminhar para diante: pois no seria uma obra de caridade da parte do nobre senador explicar esta questo aos seus collegas, aos seus amigos, de maneira que entendamos o que se quer dizer, porque fazendo-se isto est acabada a confuso? Agora o que se segue dahi approvar-se, ou a emenda suppressiva ou o additamento.

Eu talvez que no me cance mais em repetir o que tenho dito, porque aqui no ha agora seno repeties sobre esta materia; algumas cousas mais que se tem dito so umas historias de revolucionarios ou de pessoas que so amigas de revolues, etc.; da minha parte quem me quizer attribuir isso pde-o fazer, que eu disto no fao caso algum; creio que, quando se falla de revolues, eu sempre fico de fra; nunca entrei nessas cousas, a minha revoluo querer que a Constituio v marchando constantemente para diante. Eu podia tambem dizer a respeito de revolucionarios e revolues que os que querem tirar s provincias as attribuies que ellas possuem, e tm muito bom direito de possuir, no se lembram do perigo em que as vo pr, porque, se se lembrassem disso, talvez no se quizesse arrancar s provincias aquillo que lhes foi dado pela Constituio e pelo Acto Addicional; talvez que isto no seja muito

Sesso de 30 de Julho 13

proveitoso. Eu por ora no tenho nada mais que dizer.

O SR. COSTA FERREIRA: Um nobre senador que apadrinha o projecto, e que agora se no acha na sala, confessou que a emenda do nobre senador (o Sr. Vergueiro) encerrava o mesmo pensamento, as mesmas idas que elle tinha, e que s a rejeitava por inutil: os do seu lado dizem que as palavras de que se serve o projecto no exprimem a mesma ida que tem expendido o lado a que eu perteno; de sorte que a duvida, pelo que tenho observado, s de palavras; mas eu creio que, se os nobres senadores que pugnam a favor do projecto esto de boa f (como penso que esto), no tero duvida em que este 1 artigo v a uma commisso para se lhe dar uma nova redaco; deste modo se concilia tudo. Se os que esto ao meu lado entendessem que as palavras do artigo exprimiam o nosso pensamento, nenhuma duvida teriamos em votar por elle, como esto os nobres senadores que apadrinham o projecto, que dizem que a emenda do nobre senador o Sr. Vergueiro exprime o pensamento delles, e que s a reprovam por inutil; mas creio que tero a condescendencia, ou de votar pela emenda, ou de consentir que o artigo v a uma commisso para se lhe dar uma nova redaco. Nem se diga que eu quero com isto demorar esta questo; ns poderemos passar a discutir outros artigos porque so independentes.

O projecto no se contentou de explicar artigos do Acto Addicional; accrescentou o ultimo artigo, que o 8, e eu creio que elle no interpretao. Emfim, como deu a hora amanh mandarei mesa o meu requerimento.

Dada a hora fica a discusso adiada. O Sr. Presidente d para ordem do dia a

discusso da resoluo que revoga as leis provinciaes do Maranho ns. 54 e 80, de 1838, e depois a continuao da materia adiada.

Levanta-se a sesso s duas horas.

63 SESSO, EM 30 DE JULHO DE 1839. Leitura de pareceres. Terceira discusso da

resoluo que revoga as leis provinciaes do Maranho ns. 54 e 80, de 1838. Proseguimento da segunda discusso do projecto que interpreta alguns artigos do Acto Addicional.

PRESIDENCIA DO SR. DIOGO ANTONIO FEIJ.

Reunido sufficiente numero de Srs. senadores,

abre-se a sesso; l-se e approva-se a acta da anterior.

So lidos os seguintes:

PARECERES 1 A commisso dos actos legislativos

provinciaes, tomando em considerao o requerimento do Sr. senador Costa Ferreira, feito na sesso de 27 do corrente, examinou a lei n. 79, de 26 de Julho de 1838, da assembla provincial do Maranho, pela qual foram creados para as diversas comarcas daquella provincia, prefeitos e sub-prefeitos, e acha que a dita lei provincial nulla.

1 Porque com as attribuies conferidas aos prefeitos, sub-prefeitos, e mais agentes da policia foram invadidas as attribuies dadas aos juizes de paz, e de direito, chefes de policia, pelo codigo do processo, que geral, e unico para o Imperio, s Assembla Geral compete alteral-as, derogal-as, etc.

2 Por ser injusta e odiosa a disposio do art. 2 da dita lei provincial, prohibindo que os vice-presidentes no possam demittir os prefeitos e sub-prefeitos, quando pela lei geral os vice-presidentes exercem todas as attribuies e gozam das mesmas prerogativas que os presidentes.

3 Por conceder aquella lei provincial aos prefeitos, sub-prefeitos e secretarios das prefeituras honras militares, que pelo 11 do art. 102 da Constituio compete ao poder executivo.

4 Por invadir o art. 19, da dita lei provincial, a lei de 18 de Agosto de 1831, que creou e organisou a guarda nacional.

Portanto, a commisso de parecer que se adopte o seguinte:

14 Sesso de 30 de Julho

PROJECTO DE RESOLUO A Assembla Geral Legislativa resolve: Artigo unico. E nulla e de nenhum effeito a lei

n. 79, de 26 de Julho de 1838, da assembla provincial do Maranho, que creou na dita provincia prefeitos, sub-prefeitos e agentes de policia.

Pao do Senado, 29 de Julho de 1839. Vallasques. Lopes Gama. Alencar, com restrices.

2 A commisso dos actos legislativos provinciaes examinou a lei n. 66, de 27 de Junho de 1838, da assembla provincial do Maranho, pela qual foram creados os empregos de juiz municipal e de orphos em um s magistrado.

A commisso entende que a supradita lei no deve produzir effeito, por ser nulla; porquanto, pela sua disposio ficou supprimido o emprego de juiz dos orphos, que era exercido por um s individuo, e as attribuies dos mesmos juizes de orphos foram accumuladas s dos juizes municipaes, contra o disposto no art. 20 das disposies provisorias acerca da administrao de justia civil, por isso submette approvao do Senado o seguinte:

PROJECTO DE RESOLUO

A Assembla Geral Legislativa resolve: Artigo unico. E nulla e de nenhum effeito a lei

da assembla provincial do Maranho de 27 de Junho de 1838, que supprimio o emprego de juiz dos orphos em um s individuo, e accumulou as attribuies dos mesmos juizes de orphos s dos juizes municipaes, contra o disposto no art. 20 das disposies provisorias, acerca da administrao de justia civil.

Pao do Senado, 29 de Julho de 1839. Vallasques. Alencar, vencido. Lopes Gama.

Foram a imprimir. Fica sobre a mesa a redaco das emendas

feitas e approvadas pelo Senado proposio da Camara dos Srs. Deputados, concedendo a Gustavo Adolpho Reye faculdade para estabelecer

uma companhia para minerao na provincia de Minas Geraes.

Na ordem do dia entra em terceira discusso a resoluo do Senado que revoga as leis provinciaes do Maranho, ns. 54 e 80, de 1838, que concederam confraria da capella de Nossa Senhora dos Remedios reter os bens de raiz que possue e adquirir novos, e isentando dos direitos provinciaes as lenhas e comestiveis para consumo das embarcaes nacionaes.

O SR. FERREIRA DE MELLO: Sr. Presidente, eu tenho alguma duvida em votar pelo 1 artigo da resoluo, porque julgo que no muito liquido que as assemblas provinciaes no possam legislar sobre o objecto de que ella trata: na segunda discusso eu esperei que algum nobre senador, mais versado do que eu sobre a materia, me pudesse esclarecer a este respeito, e ento ouvindo os seus argumentos, eu me pudesse orientar e desprender-me das duvidas em ora ainda me acho; e com especialidade esperava que algum dos nobres senadores pela provincia do Maranho se occupasse deste objecto, por isso que elle diz respeito sua provincia. Porm passou a materia silenciosamente em segunda discusso; estamos na terceira, na qual j se passara a votar, sem que eu tivesse ouvido argumento algum que me pudesse esclarecer a respeito das duvidas que eu disse ter: achei-me portanto na necessidade de tomar a palavra, no para desenvolver a materia, pois j declarei que no estou ao facto della, mas com o fim to smente de encetar a discusso, e ver se por meio della posso sahir das duvidas que tenho.

O Acto Addicional, no 1 do art. 10 diz que compete s assemblas provinciaes o legislarem sobre a diviso civil, judiciaria e ecclesiastica, etc.; e no 10 do mesmo artigo diz que tambem lhes compete legislar sobre casas de soccorros publicos, conventos e quaesquer associaes politicas ou religiosas. Ora, esta attribuio do Acto Addicional conferida s assemblas provinciaes me parece que no chimerica, mas real; quero dizer que as assemblas provinciaes tm direito de legislarem sobre associaes religiosas, e, por conseguinte,

Sesso de 30 de Julho 15

todas as attribuies que as devem habilitar para esse fim.

Que uma capella uma associao religiosa, cousa de que se no pde duvidar, vista das formalidades que se observam quando ellas so erectas. Pela legislao antiga se exigia que, para se instituir uma capella, era necessario que se lhe fizesse um patrimonio, afim de que tivesse um rendimento certo para occorrer s despezas necessarias existencia dessa associao. Ora, se isto j se achava estabelecido na legislao antiga e se tem praticado at hoje, parece que a assembla do Maranho, legislando para que essa capella pudesse adquirir certos bens de raiz, que devem formar seu patrimonio para fazer face s suas despezas, parece, digo, que estava no gozo de suas attribuies; e, a entender-se que ella o no pde fazer, vista da disposio do Acto Addicional, seria querer o fim, negando os meios; e no possivel que se possa verificar o fim a que se prope de formar uma associao religiosa, sem que para isso fossem concedidos os meios necessarios. Iguaes attribuies tm sido exercidas pelas assemblas provinciaes, sem que at agora se tenha julgado que ellas tenham exorbitado de seus poderes; e para comproval-o, eu citarei um exemplo.

As assemblas provinciaes se concedeu o direito de legislarem sobre a instruco publica e estabelecimentos proprios a promovel-a, exceptuando-se as faculdades de medicina, cursos juridicos, academias, etc.; entretanto as assemblas tm legislado sobre o pessoal desses estabelecimentos, creando diversas cadeiras, marcando os seus ordenados e applicando rendas para esse fim; tm feito estatutos, etc.; se, pois, ellas tm praticado esses actos sem que se lhes haja contestado a faculdade que nelles exercitam, segue-se que ellas podem legislar sobre associaes religiosas, que podem e devem applicar os meios necessarios para desempenhar o fim a que se destinam. Ora, isto posto, parece-me que era alguma cousa duvidoso, ao menos pela minha parte assim o julgo, que as assemblas provinciaes no possam legislar sobre taes objectos, porque, a se denegarem os meios para se conseguir o fim a que uma assembla se pde propr em virtude do Acto Addicional,

ento melhor fra no se lhe ter conferido tal attribuio, porque ella se torna chimerica, v e inexequivel. Estas duvidas, pois, o que eu desejava ver desfeitas, para poder dar o meu voto, porque em verdade, se ha usurpao de attribuio, ento desejo votar pela annullao da lei; mas, se a no houver (por ora estou persuadido que no ha), no quero que se annulle uma lei feita com autoridade legitima. Espero, pois, que no sero infructuosas as minhas observaes, e que ao menos produziro o effeito de eu ser illustrado como desejo; e desejo muito que os nobres senadores pela provincia do Maranho, que tm direito mais positivo de examinarem este negocio, me communiquem as suas luzes a este respeito, para eu me saber dirigir: por emquanto, voto contra a resoluo.

O SR. ALMEIDA E SILVA: Sr. Presidente, como senador pela provincia do Maranho, julgo-me chamado a terreiro, e procurarei, se isso me fr possivel, dar alguns esclarecimentos ao nobre senador que acaba de fallar, e que tem alguma duvida em votar pelo art. 1 da resoluo que se discute, e na qual se revoga uma lei provincial do Maranho, que, contra as leis da amortisao, concedeu confraria da capella de N. S. dos Remedios reter bens de raiz que j possuia, no valor de trinta contos de ris, e adquirir outros at o valor de um conto de ris.

O nobre senador referio-se lei geral de amortisao, em virtude da qual o Acto Addicional no permitte que as assemblas provinciaes legislem sobre associaes religiosas, seno em dous casos, e isso se deduz dos arestos que tm tido lugar, e dos quaes tambem se deprehende que as assemblas provinciaes no tm a attribuio de legislarem a este respeito, arestos que tm passado nas Camaras dos Deputados e do Senado, e que tm sido sanccionados, dispensando na lei da amortisao.

E, pois, evidente, vista disso, que a assembla do Maranho exorbitou de seus poderes nesta parte; alm de que, se os legisladores do Maranho queriam dotar essa capella, tinham outros meios para fazel-o, sem tirar do commercio bens de raiz, o que um grande mal para a nao: a lei da amortisao dos bens de mo morta a lei

16 Sesso de 30 de Julho

mais apreciavel que nos legou a antiguidade, por isso que ella tem por fim impedir que essas corporaes accumulem tantos bens, pois que dessa paralysao de circulao resultam graves prejuizos ao Estado. Parece-me, pois, que tenho dado alguns esclarecimentos ao nobre senador; mas no foi tanto para isso que eu pedi a palavra, como para fallar sobre o art. 2 da resoluo.

Eu, na qualidade de senador, sou obrigado a defender no s os interesses geraes da nao, como tambem os de cada uma provincia em particular, e principalmente aquelles que dizem respeito minha provincia (o Maranho); e por isso tornarei a trazer considerao do Senado que a iseno dos direitos sobre objectos de exportao, concedida pela legislao da minha provincia, objectos que della so transportados em navios de propriedade brasileira, cujos proprietarios sejam residentes naquella provincia, para Hespanha e Portugal, em nada offender nem aos tratados, nem igualdade dos direitos, porque deve notar-se que o favor muito restricto.

Disse um nobre senador, que impugnou esta minha proposio, que verdade era que o favor no concedido directamente aos estrangeiros, mas indirectamente s naes que ainda tm tratados com o Brasil: mas eu julgo que os tratados celebrados com a Inglaterra e a Belgica esto proximos a acabar. Porm, como que podem essas duas naes reclamarem em seu favor isenes concedidas a navios brasileiros? Diro elles: Obrigai os vossos navios, j que lhes concedeis esses favores, a que venham aos nossos portos com os generos de taes provincias. Isso no pde ter lugar. Mas diro: Se os vossos navios demandarem os nossos portos, tero o mesmo favor. Eu direi que os primeiros ensaios de commercio com os paizes estrangeiros, logo depois de abertos os portos do Brasil, no foram favoraveis provincia do Maranho, e no ha um s vaso que daquella provincia saia para a Europa que demande os portos de Inglaterra! Todo o commercio tem sido com Portugal, e ha poucos annos que elle principiou com o porto de Barcelona. Sendo este favor concedido a navios brasileiros, cujos donos residem naquella provincia, no prejudica

essa iseno aos tratados; e tanto isto certo, que ns observamos que no tem havido reclamao alguma da parte dessas duas naes.

Os generos principaes que se exportam do Maranho so o algodo, o arroz, e alguns couros; do segundo genero que ha maiores remessas; do algodo pouco se exporta, porque a sua cultura cahio em decadencia, e este o unico meio de animar os plantadores de algodo, afim de promover o augmento do producto da imposio geral; e no havendo offensa dos direitos geraes nem dos tratados, entendo que a lei n. 80, da assembla do Maranho, no deve ser revogada. Supponha-se mesmo que houvesse offensa de tratados, e que essas duas naes fizessem reclamaes: que males resultariam dahi? Era a indemnisao dos direitos por um ou dous annos, e estava tudo terminado. Portanto tenho que mandar mesa a seguinte:

EMENDA

Supprima-se o art. 2 da resoluo. Almeida

e Silva. E apoiada e posta em discusso. O SR. FERREIRA DE MELLO: Agradecendo

ao nobre senador a informao que se dignou dar-me, peo-lhe que me permitta declarar que ainda me no acho esclarecido como desejo.

Sr. Presidente, eu quizera ver destruida a ida de que se no contm nos paragraphos do Acto Addicional que eu citei a attribuio das assemblas provinciaes poderem legislar sobre diviso ecclesiastica, casas de soccorros publicos, conventos e associaes religiosas; porm, em resposta a esta ida que eu apresentei, s se argumentou com a lei geral de amortisao, que prohibe que as corporaes de mo morta possam adquirir bens de raiz, pela qual razo se entende que as assemblas provinciaes no podem legislar a tal respeito.

Se admittirmos este principio como regra, ento desde j se pde dizer (segundo o meu modo de pensar) que as assemblas provinciaes no podem legislar sobre cousa alguma, porque eu me persuado que no pde

Sesso de 30 de Julho 17

haver uma lei provincial que, em um ou em outro ponto, se no opponha legislao geral. Creio que no ha uma unica hypothese em que uma lei provincial, em um ou outro ponto, no esteja nesse caso; o que, sendo assim, como , faz crer com fundamento que chimerica e nulla a attribuio que se tem conferido s assemblas provinciaes; mas eu, pelo contrario, supponho que as assemblas provinciaes podem legislar, segundo as attribuies que lhes foram conferidas, sobre os objectos a que ellas se referem, sem offensa das leis geraes, segundo o systema aqui apresentado das linhas parallelas. A assembla geral faz suas leis geraes sobre amortisao, e as assemblas provinciaes fazem as suas leis peculiares sobre o mesmo objecto, na parte que lhe diz respeito, no sendo possivel que uma assembla provincial faa uma lei peculiar que em nenhum ponto v tocar com alguma lei geral: se se quer que no se verifique esse contacto (o que no possivel), ento melhor fra que se no alterasse o systema, que no illudissemos a nao.

Quanto aos arestos que o nobre senador citou, no creio que sejam de grande peso, porque, ainda que em parte nos devam guiar no andamento dos negocios, comtudo, pde ser que algumas vezes elles possam ser considerados menos convenientes e applicaveis; e demais, a este respeito algumas excepes tm havido, e o nobre senador no poder negar que, para casos identicos, se tem dispensado nas leis geraes.

No contestarei a utilidade que resulta de se no alienarem os bens, porque isso tem sido muito desenvolvido na casa, porm, como no ha regra invariavel e absoluta, eu supponho que este negocio de que tratamos uma excepo. E de utilidade publica que haja associaes religiosas, e, para ellas existirem necessario que possam adquirir bens com que formem o seu patrimonio para subsistir, e de outra sorte ellas no podem preencher seus fins. Taes so as razes, Sr. Presidente, que me obrigaram a votar contra o artigo 1 da resoluo.

Quanto ao artigo 2, ao qual o nobre senador j propz emenda suppressiva, eu tenho a satisfao de concordar com elle em

todas as suas razes, e hei de votar pela sua emenda; entretanto, para que possa ser mais esclarecido sobre o artigo 1, estou resolvido a mandar mesa emenda suppressiva delle.

E lida e apoiada a seguinte:

EMENDA Supprima-se o artigo 1. Ferreira de Mello. O SR. HOLLANDA CAVALCANTI: Este

projecto est em terceira discusso. No ha uma prova maior do quanto o Senado deseja pr em harmonia as attribuies das assemblas provinciaes com as da Assembla Geral, do que seja a maneira por que tem procedido na presente questo. Uma commisso sua propz a revogao destas leis, e o Senado tem, quasi sem discusso alguma, approvado a resoluo em primeira e segunda discusso, e j se acha em terceira, sem que tenha soffrido muita opposio; eu mesmo, tendo algumas vezes duvidas sobre quaesquer das proposies da resoluo, e mesmo sobre o relatorio da nobre commisso, julguei dever sacrificar as minhas opinies, e, sem me importar com ellas, approvar a resoluo, e com isto quero dar uma prova do desejo que tenho de que as assemblas provinciaes no usurpem attribuies da Assembla Geral; e assim limitar-me-hei a fazer mui breves reflexes, e no duvidarei (no obstante estar convencido de alguns males que possam resultar da approvao desta resoluo) de votar por ella, e com isto dou uma prova de que no desejo que as provincias faam o que lhes parece; e estou certo que, ainda que desta approvao de resoluo resultem alguns males provincia, ou a outra qualquer, elles sero muito menores do que aquelles que ha de produzir a interpretao que se pretende dar ao Acto Addicional. Passarei a fazer as minhas reflexes.

Em primeiro lugar, observarei que a commisso entendeu que a lei que mandava aos conselhos geraes desempenharem certas attribuies da administrao provincial tinha ficado em vigor.

Eu entendo, Sr. Presidente, que as attribuies dadas pelo Acto Addicional, de poderem

18 Sesso de 30 de Julho

os empregados desempenharem funces provinciaes, e os empregados provinciaes desempenharem funces geraes, sempre com o consentimento dos respectivos poderes geral e provincial, porque, do contrario, no haveria um melhor meio de distribuir as attribuies e o desempenho dellas por cada um dos empregados do que a consulta, ou o consentimento do governo respectivo; poderia, por exemplo, o governo provincial incumbir os empregados geraes de funces taes, que no s obstassem a que elles desempenhassem as funces geraes, como mesmo que concorressem para a annullao das attribuies dadas pelo chefe geral da administrao

O SR. VASCONCELLOS: Apoiado. O SR. HOLLANDA CAVALCANTI:

Agradeo ao nobre senador o apoiado, e creia que, quando eu no concordo na intelligencia das opinies emittidas pelo nobre senador sobre o Acto Addicional, mais pelo principio de ordem de que por antipathia que o nobre senador suppe que eu tenha s suas idas; mas isso no est em discusso.

Eu vejo a boa f do Senado e os desejos que elle tem de remediar, quanto lhe possivel, os males que tm resultado de desintelligencias que tm havido a este respeito; e estou certo que o seu desejo evitar essa desintelligencia. Eu entendo que, se um administrador provincial quizer complicar o exercicio das attribuies dos empregados geraes, o administrador geral no deve consentir em tal complicao, porque dahi podem resultar graves males; e se eu fosse membro da administrao geral e isso observasse, no o consentiria, porque no da mente do legislador decretar absurdos.

Agora examinarei os dous artigos da resoluo que se discute. (L). Se os nobres senadores dissessem que todas as leis que se tm feito pela Assembla Geral so leis geraes, ento eu diria que as assemblas provinciaes no tm poder algum, por isso que se quer que ellas admittam e no alterem as leis geraes confeccionadas pelo corpo legislativo geral, antes da creao dessas mesmas assemblas; mas eu entendo que ellas podem legislar sobre a amortizao, e ainda direi mais. Desejaria que o nobre senador me informasse

a respeito de uma abolio que fez a assembla do Maranho

O SR. ALMEIDA E SILVA: No chegou a fazer-se.

O SR. HOLLANDA CAVALCANTI: Mas eu at ouvi dizer que se venderam bens

O SR. ALMEIDA E SILVA: Esse projecto cahio.

O SR. HOLLANDA CAVALCANTI: ...ouvi at contarem-se particulares da venda desses bens; mas, como se diz que no existio o facto, no proseguirei.

Ha um artigo na Constituio que diz que as assemblas provinciaes podem legislar sobre casas de soccorros, conventos e quaesquer associaes politicas e religiosas. Eu quizera que o nobre senador, que diz que as assemblas provinciaes no podem legislar sobre amortisao, me prescrevesse as raias desse artigo. Como que podem existir casas de soccorros sem se decretarem os meios necessarios para a sua sustentao?

Eu acho que ha um meio de obstar a esta creao de bens de mo morta, e seria para desejar que a assembla geral no continuasse a ser to prodiga na suspenso da lei a este respeito, porque neste particular o exemplo da Assembla Geral tem sido imitado pelas assemblas provinciaes; mas ha um meio de pr termo aos males que resultam da suspenso da lei de amortisao, e consiste em lanar-se mo da medida que o presidente do Maranho propz assembla dessa provincia, quando no seu relatorio diz que se tome na devida considerao o convite de alguns religiosos estrangeiros para aquella provincia. Veja-se, pois, a necessidade que ha na provincias de religiosos! E qual o meio de ns termos religiosos? Quereremos ns rejeitar as intenes dos fieis de ligarem taes e taes bens em beneficio de associaes religiosas? Qual foi a razo por que se quiz que as provincias tivessem as suas legislaes peculiares?

Qual a razo mesmo porque, ainda antes do Acto Addicional, a Constituio reconheceu que as necessidades peculiares das provincias deviam ser attendidas nas mesmas provincias, por isso que Assembla Geral no sobejava tempo para attender a todos o

Sesso de 30 de Julho 19

pequenos casos? E se as assemblas provinciaes outrora gozaram dessas prerogativas por que razo se lhes no ha de conservar o gozo dessas attribuies, e at mesmo da de dispensar na lei da amortisao, afim de manter as associaes religiosas, promover a catechese e ter casas de soccorros publicos? Eu no veja que maior mal faa essa dispensa provincial do que a geral: eu entendo que ella m, porm ha um meio para regular essas doaes, que estabelecer uma rigorosa e pesada imposio sobre taes bens, afim de evitar que bens que podem andar em giro passem a estar em mo morta; e deste modo no se tolhe Assembla Geral e s assemblas provinciaes que possam prover s suas necessidades.

Eu supponho que no s no Maranho como em outras provinciaes ha necessidade de creao de capellas, estabelecimento de associaes religiosas, etc., por ser isso de grande conveniencia; e tambem estou persuadido que, se essas assemblas se no interessarem por isso, no da Assembla Geral que lhe ha de ir tal beneficio, nem a Assembla Geral lho pde fazer porque cuida de outras cousas muito mais importantes; e por esta occasio direi que talvez hoje traga questo as attribuies da assembla geral, quando nos occuparmos de outra materia.

Permitta, pois, Sr. Presidente, que eu diga que este desejo de revogar a lei de que trata o artigo 1 da resoluo mais para dar uma prova de que no se quer que as assemblas provinciaes abusem, do que por considerar que essa lei contenha abuso: eu quero dar essa prova, para que se no presuma que o que eu quero descentralisar, tirar nao o poder necessario para a unio.

Quanto ao artigo 2, entendo que no deve ser supprimido, e a lei provincial numero 80 deve ser revogada, bem que eu reconhea as boas intenes da assembla provincial, e entenda que tudo provm da m redaco da lei.

Muitas duvidas se poderiam apresentar sobre a intelligencia dos tratados que esto a acabar; e se bem que eu no tema essas reclamaes, comtudo entendo que no devemos dar occasio a ellas.

Se a assembla provincial isentasse de direitos taes e taes generos, sem comprehender o algodo, porque o arroz e outros generos so de produco das colonias da Gr-Bretanha, a assembla provincial poderia dizer que esse favor era feito Hespanha e Portugal que admittiam os seus generos, e no Inglaterra, porque esta os no admittia nos seus portos; mas no est nesse caso o algodo, o qual, sendo admittido em grande escala, naquelle paiz, a provincia no lhe podia fazer um favor to grande: oxal, senhores, que em breve chegasse o dia de ns podermos isentar de direitos todos os generos de exportao que o Brasil produz; mas esse tempo ainda est longe para ns: esse pequeno favor, porm, dos outros generos, eu entendo que a provincia o pde fazer, no pela frma que est concebido na lei do Maranho, mas com outra redaco. Comquanto, pois, eu esteja persuadido que no haver reclamaes, em outras occasies as poderia haver; mas presentemente o que se pde dizer que ha to boas intenes da parte de tal governo, que tal provincia; fazendo esta alterao de impostos na sahida de taes generos, no houve reclamaes.

Sobre o que se poderia questionar era sobre outro excesso que se pde notar, e que essa disposio pde ir prejudicar os impostos geraes; talvez parea que no, mas isto objecto muito melindroso. A abolio de um imposto sobre um genero vai reflectir em outro genero, e complicar gravemente a imposio geral; e em regra, poder-se-ha dizer que se no offendem os tratados assim como a renda geral.

Mas eu acho este artigo 2 mais revogavel do que o 1; reconheo todavia que a assembla provincial poderia fazer uma disposio identica, empregando outras palavras. Tambem entendo que a disposio faz mal ao commercio de cabotagem, comquanto no d causa a reclamaes acerca dos tratados. O principio de attender aos interesses das provincias me moveria a approvar o artigo; mas a redaco no boa, no me parece propria de ser elle approvado. Eu teria de dizer duas palavras, porque no sei se o poderemos emendar.

20 Sesso de 30 de Julho Eu, senhores, acho-me muito atrazado em

todos os conhecimentos em geral, e por isso acho tantas difficuldades, e to melindroso o negocio que pe em relao a assembla geral com as assemblas provinciaes; creio que o Acto Addicional to pouco entendido, e tantas antiphatias so contra elle, que muitos at fallam contra elle sem o lerem; que receio muitas consequencias de se produzirem algumas proposies que podem ser mui prejudiciaes ao paiz, e algumas o teriam sido, se no fosse a tolerancia e a f que tm os brasileiros nas instituies, e seus desejos de engrandecimento, porque eu no vejo nelles seno o desejo de fazerem do Imperio do Brasil uma nao unica e forte; devemos, pois, contar com esses desejos.

Reconheo, pois, o quanto a materia difficil, mas um principio geral que me domina nesta questo, que o dar uma prova de que desejo que as provincias no saiam da raia de suas attribuies, e por isso votarei pela resoluo tal qual.

O SR. VERGUEIRO: Tm sido impugnados os dous artigos da resoluo. Sobre o primeiro disse-se que, logo que se estabeleceu a regra de que as assemblas provinciaes podem legislar sobre corporaes religiosas, nisso se incluio a ida do estabelecimento do seu patrimonio, porque quem quer que se consigam os fins deve proporcionar os meios. Eu admitto o argumento, e estou persuadido que, assim como as assemblas provinciaes tm a attribuio de legislarem sobre corporaes religiosas, tambem se lhes devem fornecer os meios dellas se manterem; mas, em toda a occasio que o permittirem, deve ser em conformidade das leis, e no podem autorisar essas corporaes para adquirirem bens por meios illicitos, por meios reprovados pelas leis: e se est prohibido s corporaes de mo morta adquirirem bens de raiz, quando ellas os adquirem, adquirem-os illicitamente; e sendo certo que as assemblas provinciaes no podem autorisar as corporaes religiosas a praticar actos illicitos, est reconhecido que no podiam decretar que taes corporaes adquirissem bens de raiz, por ser isso contrario disposio de uma lei geral.

Isto, quanto ao primeiro artigo; quanto

ao segundo, ainda maior duvida se me offerece. Eu j confessei deste lugar que emitti minha primeira opinio sem toda a necessaria reflexo, e por isso no duvidava retirar-me della. Quando redigi o artigo, tive presente a considerao em que deviam ser tidas as naes com quem ha tratados, porque no se podiam conceder favores a outras naes que a ellas no fossem concedidos; porm, depois reflecti que essas naes com quem temos tratados nelles tem um artigo pelo qual tm o direito de reclamar em seu beneficio o favor que se concede a qualquer outra nao. Portanto, este favor concedido quellas duas naes extensivo s naes ingleza e belga, logo que ellas o reclamarem; assim, no se d a offensa de tratados que eu primeira vista suppunha.

Reflecti, porm, ultimamente que a ultima parte deste artigo no pde subsistir, e parece-me muito odiosa, porque offensiva das outras provincias; refiro-me parte do artigo que diz: sendo os proprietarios residentes na provincia. Concede-se um favor, mas no a todos os navios, e sim smente quelles navios cujos proprietarios residem naquella provincia. Ora, eu estou persuadido que todos os brasileiros tm igual direito de negociar em toda e qualquer provincia do Imperio: os mesmos direitos que tm os negociantes do Maranho em negociar nos generos de sua provincia, tm os negociantes do Par e vice-versa. A lei vai contra esta igualdade de direitos, porque no consente que brasileiros de outras provincias vo negociar com gneros da provincia do Maranho, quando os brasileiros residentes no Maranho no esto prohibidos de negociarem com os generos das outras provincias. Vai-se dar, pois, um direito particular aos brasileiros que residem no Maranho; creio que este artigo, em vista disto, est no caso de ser revogado. Concordando, porm, em que o artigo se no revogue no todo, proporei que se revogue na ultima parte, e para esse fim offereo a seguinte:

EMENDA

Art. 2 Fica igualmente revogado o artigo 11

da lei provincial do Maranho, de 2

Sesso de 30 de Julho 21

de Julho de 1838, n.80, na parte em que diz: cujos proprietarios forem residentes na provincia. Vergueiro.

E apoiada e entra em discusso. O SR. SATURNINO: Diz o art. 20 do Acto

Addicional que o presidente da provincia enviar Assembla e Governo Geraes cpias authenticas de todos os actos legislativos provinciaes que tiverem sido promulgados, afim de se examinar se offendem a Constituio, os impostos geraes, os direitos de outras provincias ou os tratados, casos unicos em que o poder legislativo geral os poder revogar. O primeiro caso em que a Assembla Geral pode revogar os actos legislativos provinciaes, no meu modo de entender, muito amplo; d-se este caso quando os actos legislativos provinciaes offendem a Constituio; ora, no Acto Addicional, que faz parte da Constituio, se diz que, fra dos casos mencionados no mesmo Acto Addicional, as assemblas provinciaes no podem legislar; logo, uma vez que as assemblas provinciaes legislam fra dos casos mencionados no Acto Addicional, indispensavelmente tm offendido a Constituio (muito bem! muito bem!) e compete Assembla Geral revogar as leis que sahirem fra desses casos.

Tenho, pois, de votar a favor do artigo 1 da resoluo, porque a assembla provincial legislou fra dos casos que esto marcados na Constituio; e como essa lei a offende, estamos no direito de revogal-a.

Diz o Acto Addicional que compete s assemblas provinciaes legislarem sobre estabelecimentos religiosos, etc.; mas no diz que as mesmas assemblas possam suspender as leis geraes; Assembla Geral que compete revogar, suspender e interpretar as leis que faz. Se s assemblas provinciaes s permittido legislar nos casos marcados no Acto Addicional, tambem a ellas no pde competir suspender o effeito daquellas leis que ella no pde fazer, porque ellas no esto marcadas nas suas attribuies; e de facto, nesta lei provincial suspendeu-se o effeito da lei da amortisao, que geral, embora seja a favor de uma corporao religiosa, a respeito da qual ella possa legislar: suspender o effeito da lei da amortisao no compete s assemblas

provinciaes, porque ellas no podem fazer leis sobre a amortisao. (Muito bem! muito bem!)

No entro na questo de utilidade ou inutilidade da lei da amortisao; mas o que entendo que ella deve ser cumprida emquanto no fr revogada, e a Assembla Geral pde suspender a sua execuo nos casos em que julgar conveniente, o que j tem feito algumas vezes com todo o direito; nesta parte j fui prevenido pelo nobre senador.

Alm disto, este artigo ainda offende outro principio. No uma cessao do imposto geral da siza o que produz a suspenso da lei da amortisao dos bens de mo morta? E, sem duvida: ento, esta suspenso offende os direitos geraes, e na Constituio se diz que Assembla Geral compete examinar se as leis provinciaes offendem os impostos geraes; e, em virtude da alienao dos bens, fica suspensa a arrecadao do imposto da siza, o que no attribuio daquella assembla; e assim, ainda por mais esta razo, com bastante fundamento a commisso prope a revogao desta lei.

Quanto ao art. 2, no ha duvida alguma que na lei a que se refere se offendem os tratados e despreza-se a igualdade entre as naes; e aquellas com quem temos tratados tm direito a exigir de ns os mesmos favores. Aqui d-se um favor particular s embarcaes brasileiras que navegam para os portos de Portugal e Hespanha; mas as naes com quem temos tratados tm direito de exigir o mesmo favor. Diz-se, porm, que esses tratados esto a expirar; mas, emquanto existirem, ho de cumprir-se os seus artigos, e por isso ficam a assembla provincial e o Governo Geral obrigados a concederem os mesmos favores s outras naes; mas isso o que no pde ser, porque nem a Assembla nem o Governo Geraes podem ser obrigados por uma assembla provincial a obrar de certo maneira: se os tratados existem, d-se offensa dos tratados em cujo sentido no podem legislar as assemblas provinciaes.

Portanto, voto pela resoluo, porque a acho muito coherente com os principios estabelecidos na Constituio.

O SR. ALMEIDA ALBUQUERQUE: Sr. Presidente, este projecto apresenta a necessidade

22 Sesso de 30 de Julho

de se rever o Acto Addicional, e dar-se-lhe a interpretao na parte mais importante; mas ns temo-nos occupado da parte menos importante. No art. 1 do projecto de interpretao que temos discutido, tem-se achado muitas difficuldades, nada temos feito para occorrer s necessidades que ha da interpretao, e apenas apparece agora uma resoluo como esta: faz-se tanta bulha para se interpretar o Acto Addicional, e larga-se o principal para se tratar das cousas menos necessarias.

A resoluo que se discute tem dous artigos: o primeiro defende-se com boas razes, posto que o negocio no seja to facil como parece. Diz-se que as assemblas provinciaes no podem dispensar na lei da amortisao: concedo; mas figuremos o caso de uma assembla provincial como a de Sergipe, que abolio um convento...

UMA VOZ: No abolio. O SR. A. ALBUQUERQUE: ... um convento

e os bens que a elle pertenciam passaram para a nao, a qual podia dispr delles como propriedade sua, e tinha absolutamente adquirido o dominio. Depois, lembrou-se essa assembla de restabelecer o convento; e, querendo lhe dar patrimonio, julgou-se com autoridade para lhe doar aquillo que pertencia nao, dispensou na lei da amortisao e restituio ao convento os bens que j eram da cora. E poderia a assembla provincial fazer isto? Segundo o principio de um nobre senador, podia restabelecer o convento, mas sem patrimonio; mas as cousas no so to faceis como se dizem. Acho muito boas as razes que foram expendidas a este respeito, alm de que quizera que me dissessem se na passagem desses bens para o convento no houve dispensa na lei de amortisao; e, de mais a mais, foi-se tirar nao aquillo que lhe pertencia. Este artigo primeiro da resoluo entendo que bem sustentavel.

Quanto ao artigo 2, vejo que alguns nobres senadores o sustentam; e eu quizera que me dissessem como que a desgraa do Brasil pde chegar a tanto que, havendo um tratado feito com naes estrangeiras em annos anteriores, os contratadores podessem entrar na cogitao de que haveria no futuro um Acto Addicional Constituio, no qual se

dsse s provincias a attribuio de legislarem sobre impostos. Caber isto na cabea de alguem? No sabemos que a igualdade de direitos a que se referem os tratados era a respeito daquelles que se achavam estabelecidos pelas leis geraes at ento existentes, mas no em um direito provincial no cogitado? Isso no possivel: quererem prender-nos muito.

Outro nobre senador veio com o principio de igualdade, mas o favor feito aos habitantes de uma provincia ha de obrigar aos das outras? O nobre senador ha de admittir que um imposto que recahe sobre os habitantes de uma provincia deva recahir sobre os das outras? Certamente que no; e muito se havia de gritar se porventura assim se procedesse. Eu no entendo os modos de argumentar que s vezes se apresentam, e estou persuadido que licito s assemblas provinciaes estabecer favores em beneficios dos seus habitantes, como julgarem conveniente.

J aqui appareceu uma questo da assembla provincial do Cear, na qual se tratava de direitos de exportao. A Camara dos Deputados entendeu que esta assembla provincial tinha usurpado; e, vindo a proposio para esta camara, o Senado entendeu o contrario, disse que no tinha havido usurpao e que a assembla provincial tinha obrado dentro das raias de suas attribuies, e rejeitou a resoluo vinda da outra camara; e eis aqui negocios de muita importancia que se pretende sejam decididos por um rasgo de penna! Voto a favor do 1 artigo da resoluo e contra o 2.

O SR. FERREIRA DE MELLO: Sr. Presidente, estou satisfeito de ter procurado um meio para provocar a discusso, a qual me tem muito esclarecido; e, pelo que tenho ouvido agora, me acho inclinado a votar pelo art.1, retirando a minha emenda, e deste modo quero dar uma prova do quanto desejo que as assemblas provinciaes no exorbitem de suas attribuies e no venham a obstar a unio do Imperio.

Tambem votarei pela emenda do nobre senador que modifica o artigo e parece que o pe em melhor harmonia; mas cumpre-me ainda apresentar uma duvida que me occorre por occasio desta emenda, e se ser constitucional

Sesso de 30 de Julho 23

emendar as leis das assemblas provinciaes: eu entro em alguma duvida a esse respeito, porque o direito que ns tinhamos, quando nos eram apresentadas as propostas dos conselhos geraes, a quem as assemblas provinciaes substituiram, era de rejeitar ou approvar, e no emendar. Porm, eu, apezar desta duvida, julgo que, como a emenda no affecta profundamente a materia, e simplesmente de redaco, bom ser que no sejamos to escrupulosos a esse respeito, vedando que uma provincia entre logo no gozo desses bens, por causa de, pela m redaco, se rejeitar uma lei sua: verdade que, segundo a discusso que tem havido e as idas que nella tm apparecido, poderia a assembla provincial enunciar-se melhor e fazer passar uma nova lei; mas este processo me parece muito longo e demorado, e pde de alguma frma prejudicar os interesses da provincia. Em todo o caso, julguei que devia apresentar casa esta duvida em que estou, certo de que ns nos devemos decidir pela maneira que fr mais constitucional. Peo licena ao Senado para retirar a minha emenda.

O Senado consente em que o nobre senador retire a sua emenda.

O SR. COSTA FERREIRA: Eu voto pelo artigo 1 da resoluo, no pelo motivo geral das razes allegadas sobre a lei da amortisao, mas sim pela utilidade que da revogao da lei vem minha provincia, porque, a ella subsistir, continuar a ter lugar a formao de patrimonios para conventos de frades; abolio-se alli um convento, e os bens dos frades foram comprados illicitamente. Um homem que hoje muito influe no thesouro teve parte neste negocio; mas o governo para isso no tem olhos. Agora quer-se novamente mandar vir frades de Portugal para se formar novo patrimonio; depois extinguem-se, e haver nova venda. Onde ir isto parar? Por todos estes motivos, voto pelo artigo 1.

Quanto ao art. 2, entendo que elle tambem deve ser approvado, porque me parece que com essa lei o que se quiz foi favorecer a certas casas estabelecidas em Barcelona, para onde vo generos, e donde vm carregamentos de vinhos no muito bons. Eu no vejo razo para esta iseno; um brasileiro

que alli esteja por espao de um mez e queira mandar generos para aquelles dous paizes no o pde fazer; isto muito odioso.

Por todos estes motivos, declaro que voto em favor da resoluo em geral, e oxal que appaream outros pareceres sobre outras leis que ferem o Acto Addicional e a Constituio primitiva, porque esta a melhor frma de acabarmos com essas aberraes das assemblas provinciaes, e no fazermos interpretaes foradas, como a que se quer fazer passar. No quero dizer mais nada, porque o tempo muito necessario para a grande questo da interpretao do Acto Addicional.

O SR. H. CAVALCANTI: No fallaria mais na questo, se no se suscitasse a duvida acerca da emenda que altera o sentido da resoluo da assembla provincial.

Eu teria desejos de votar pela emenda do nobre senador, mas peo que se attenda Constituio: no art. 2 do Acto Addicional se diz que o presidente da provincia enviar Assembla e Governo Geraes cpias authenticas de todos os actos legislativos provinciaes que tiverem sido promulgados, afim de examinarem se offendem a Constituio, os impostos geraes, os direitos das outras provincias ou os tratados, casos unicos em que o poder legislativo geral as poder revogar; digo as poder revogar, e no as emendar, porque devem-se revogar os actos legislativos todas as vezes que elles se opponham aos casos marcados no art. 20 do Acto Addicional. Talvez se pense que com essa emenda se vai fazer bem provincia; mas a mim lembra-me um rifo antigo que mais sabe o tolo do seu do que o avisado do alheio e talvez que com essa emenda ns, bem longe de fazermos bem provincia, lhe vamos causar males. Por isso, entendo que no podemos nem devemos emendar.

Eu ainda considero em p a doutrina que emitti acerca da lei provincial a que se refere o art.1 da resoluo que se discute. O argumento mais forte que se apresentou foi que, dispensando-se na lei de amortisao, se dispensava no imposto da siza; e, dispensando-se na siza, ia entrar-se nos impostos geraes. Mas eu, da primeira vez que fallei, j indiquei um meio de neutralisar essa dispensa da siza: as leis geraes tm dispensado que

24 Sesso de 30 de Julho

taes bens paguem siza, as assemblas provinciaes tm procedido do mesmo modo; e o argumento do nobre senador no prejudica as attribuies que as assemblas provinciaes tm em taes casos.

Quanto aos frades, eu fallei no relatorio do presidente do Maranho: no sou muito amigo dos frades; no Brasil, porm, elles tm feito mais bem do que mal. Mas, supponha-se que elles eram muito mos: por que razo hei de eu querer que as assemblas provinciaes no usem do seu direito, quando ellas entendem que elles podem ser bons e proveitosos? Uma cousa que m em um lugar boa em outro; no se podem, a respeito de bondades ou maldades, estabelecer principios geraes: portanto, se se entende que houve exorbitancia, reprove-se a lei; a este respeito ns estamos no nosso direito, mas emendal-a que no cabe em nossas attribuies.

O SR. ALENCAR: Quando se tratou do projecto em primeira discusso, votei que elle passasse segunda, porque pretendia approvar o art. 2, visto que a illustre commisso tinha feito ver que a lei n. 80, da provincia do Maranho, offendia os tratados. Pelo 1 artigo nunca estive inclinado a votar; agora, porm, voto contra o 1 e 2 artigos. Contra o primeiro sempre estive nesse proposito, porque estou convencido que, tenho as assemblas provinciaes a faculdade de legislar sobre associaes religiosas, tm tambem a attribuio de promover os meios de subsistirem essas associaes.

Disse-se que as assemblas provinciaes podem promover esses meios, isto , fazer o patrimonio s associaes, no sendo para fins illicitos, e que se deve respeitar o que est prohibido pelas leis geraes; mas eu sigo o principio de que, quando o Acto Addicional deu s assemblas provinciaes a faculdade de legislarem sobre associaes religiosas, quiz que ellas tambem lhes pudessem estabelecer o seu patrimonio em aquillo que julgassem que era conveniente, e em tudo quanto de costume fazerem-se esses patrimonios; e ninguem duvidar que, para se formarem esses patrimonios quasi sempre se lana mo de bens de raiz, e que a assembla geral tem sempre dispensado na lei de amortisao para que se fundem os patrimonios de taes associaes em

bens de raiz. Ora, se as assemblas provinciaes tm a faculdade de legislar sobre associaes religiosas, e por consequencia sobre a formao do seu patrimonio, no vejo motivo para que ellas, nos casos em que julgarem conveniente, determinem que esse patrimonio seja formado em bens de raiz, e no possam para isso dispensar na lei.

O unico motivo que se apresenta de mais fora para que ellas no possam legislar a este respeito o de que a lei de amortizao lei geral; mas diz-se isso, porque todas as leis anteriores ao Acto Addicional eram geraes. E verdade que todas as leis eram geraes, mas cumpre observar que o Acto Addicional deu certas attribuies s assemblas provinciaes, e que no exercicio dessas attribuies se ferem as leis geraes. Daqui a concluso que se tira que as assemblas provinciaes tm a faculdade de legislar naquillo que de sua attribuio, embora suas leis firam as leis geraes: isto no tem duvida alguma, nem assim pde deixar de ser, porque a legislao geral no se achava feita adequadamente s circumstancias em que hoje se acham as Provincias.

Ns vemos que todas as escolas de instruco eram creadas por leis geraes; mas as assemblas provinciaes hoje podem abolir as que julgarem convenientes, e deste modo ferem a lei geral, e assim sobre a diviso civil e outros objectos que, sendo da attribuio da Assembla Geral, passaram para as attribuies das assemblas provinciaes. Todos esses embaraos que se notam provm de que todas as leis geraes so anteriores ao Acto Addicional, e logo que ellas so anteriores ao Acto Addicional e ao exercicio que o mesmo Acto Addicional deu s assemblas provinciaes, tem por fora cada um dos actos das assemblas provinciaes de ir encontrar-se com leis geraes; portanto, o principio de que as assemblas provinciaes podem legislar sobre associaes religiosas e estabelecer os seus patrimonios, uma pratica muito constante, assim como o de se estabelecerem esses patrimonios em bens de raiz; e tendo as assemblas provinciaes de estabelecer qualquer associao religiosa, podem dispensar na lei quando o julgarem necessario, para o fim de formarem o seu patrimoni